ASSESSOR OU TESTEMUNHA: REFLEXÕES ACERCA DO LUGAR DO PSICÓLOGO DO TRABALHO FRENTE AO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

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    UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO

    SUL  – UNIJUÍ

    DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO  – DHE

    CURSO DE PSICOLOGIA

    ASSESSOR OU TESTEMUNHA: REFLEXÕES ACERCA DO LUGAR DO

    PSICÓLOGO DO TRABALHO FRENTE AO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

    MAYARA CRISTIANE RODRIGUES BATISTA 

    Santa Rosa

    2014

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    MAYARA CRISTIANE RODRIGUES BATISTA

    ASSESSOR OU TESTEMUNHA: REFLEXÕES ACERCA DO LUGAR DO

    PSICÓLOGO DO TRABALHO FRENTE AO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

    Trabalho de Conclusão de Cursoapresentado ao curso de Graduação emPsicologia do Departamento deHumanidades e Educação da UniversidadeRegional do Noroeste do Estado do RioGrande do Sul- UNIJUI, como requisitoparcial para a obtenção do título de Bacharelem Psicologia.

    Orientadora: Ms. Luciane Gheller Veronese

    Santa Rosa

    2014

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    DEDICATÓRIA

    Dedico, com muito amor, este trabalho e a conclusão

    desta primeira etapa de minha formação acadêmica

    aos meus pais, às minhas irmãs e ao meu

    namorado, que sempre estiveram ao meu lado me

    apoiando e me incentivando na construção e narealização desse sonho. Com carinho, dedico-o

    também a todos que torceram pelo meu sucesso.

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    AGRADECIMENTOS

     Agradeço aos meus pais, Jerson e Leonilda, que não mediram esforços para

    que eu concluísse esta etapa de minha formação acadêmica. Obrigada por tudo o

    que são e representam para mim, especialmente pelo amor, pela confiança, pelo

    cuidado, pelo exemplo e pelo incentivo, essenciais neste momento.

    Obrigada às minhas duas irmãs, Maysa e Mayra, pelo carinho, pelo apoio e,

    principalmente, por alegrarem os meus dias, proporcionando-me momentos de

    descontração, fundamentais quando da realização deste trabalho.

     Agradeço, também, ao meu namorado Lúcio por estar sempre ao meu lado,motivando-me a ler, pesquisar e estudar. Obrigada pela paciência, pela

    compreensão nas minhas faltas, pelo amparo do dia-a-dia, pela paz que me

    transmite e, é claro, por compartilhar e dedicar-se a momentos de estudo comigo,

    fazendo de nossas vidas uma eterna busca pelo aprendizado e conhecimento.

    Quero agradecer e expressar o carinho imenso que tenho pela minha

    professora e orientadora Luciane Gheller Veronese, especialmente por ser a

    primeira a incentivar e a acreditar na realização desta pesquisa. Muito obrigada pelaorientação, pelo estímulo e pela sua competência e profissionalismo ao me

    proporcionar o suporte necessário para o desenvolvimento deste trabalho. Meus

    sinceros agradecimentos!

    Por fim, agradeço a todos os que estiveram ao meu lado nessa caminhada e

    que, de uma maneira ou de outra, contribuíram para a realização deste sonho.

    Muito obrigada!

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    “A maior recompensa para o trabalho do

    homem não é o que ele ganha com isso,

    mas o que ele se torna com isso” .

    John Ruskin

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    RESUMO

    Esta pesquisa intitulada “ Assessor ou testemunha: reflexões acerca do lugar do

    psicólogo do trabalho frente ao capitalismo contemporâneo”, aborda a práticaprofissional dos psicólogos frente às principais mudanças ocorridas na sociedade,ressaltando aquelas que se referem às relações de trabalho. O estudo destacaalguns dos principais traços do capitalismo contemporâneo, evidenciando as novasrelações de produção e consumo, as relações de tempo e espaço e, também,questões relativas ao laço social. Nesse contexto, discute-se o que essas mudançasrepresentam para os sujeitos envolvidos, uma vez que nem todas atendem aoproposto inicial, causando tanto sofrimento quanto o que era diagnosticado emperíodos anteriores. A partir desse novo cenário, analisa-se o campo de atuação eas possibilidades de intervenção de um Psicólogo do Trabalho. Inicialmente,articulam-se questões referentes à história da Psicologia do Trabalho, destacando as

    três diferentes faces pelas quais esta pode ser abordada, sendo elas: PsicologiaIndustrial, Psicologia Organizacional e Psicologia do Trabalho. Ressalta-se queessas três faces possuem características que lhes são pertinentes, e que todaspodem ser encontradas em vigência nos dias de hoje, dependendo do tipo deorganização e também do compromisso ético do psicólogo. Na sequência apresenta-se o estudo do lugar do psicólogo nas instituições enquanto assessor outestemunha, entendendo-o como aquele que suporta escutar o discurso dos sujeitosque estão implicados na organização, sem julgar e sem tomar partido.

    Palavras-chave:  Mudanças; Capitalismo; Psicologia do Trabalho; Assessor,Testemunha.

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    ABSTRACT

    This survey called "Advisor or witness: reflections on the psychologist‟s work place

    related to the contemporary capitalism", approaches psychologists professionalpractices related to the main changes that happened in society, emphasizing thoseconcerning working relationships. The study highlights some of contemporarycapitalism main features, showing the new production and consumerism relations,the relationships of time and space and also issues relating to the social bond. Inthis context, it is discussed what these changes represent to the involved individualssince not everyone meets what has been proposed in the beginning, causing asmuch suffering as it was diagnosed in previous moments. From this new context, thefield of work and the possibilities having a Labour Psychologist‟ intervention areanalyzed, in a first moment issues relating to the history of Psychology Work,highlighting the three different kinds by which it can be analyzed: Industrial

    Psychology, Organizational Psychology and Work Psychology. It is emphasized thatthese three phases have relevant characteristics for them, and that all of them can befound nowadays, depending on the type of organization and also depending on thepsychologist‟s ethical commitment. Later, there is presented a study about thepsychologist place of work in the institutions while they are assessor or witnesses,seeing him/her as the one that supports listening to the speech of people who areinvolved in the institution, with no judging and not taking sides.

    Keywords: Change; Capitalism; Work Psychology; Advisor, Witness.

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    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO.............................................................................................................8

    1 TRAÇOS DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO............................................11

    1.1 Relações de Produção e Consumo.......................................................13

    1.2 Relações de Tempo e Espaço................................................................22

    1.3 Laço Social..............................................................................................27

    2 PSICOLOGIA E TRABALHO: UM OLHAR SOBRE O LUGAR DO

    PSICÓLOGO........................................................................................................35

    2.1 Possibilidades de inserção do psicólogo no contexto do

    trabalho.....................................................................................................39

    2.2 Lugar de Assessor ou Testemunha......................................................44

    CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................53

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................56 

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    O trabalho será dividido em dois capítulos. O primeiro tratará sobre os

    principais traços do capitalismo contemporâneo, apontando as mudanças que foram

    ocorrendo nos últimos tempos e de que forma repercutiram nas relações

    empregatícias e nos sujeitos envolvidos. Para esboçar as mudanças ocorridas,

    serão evidenciadas, principalmente, as abordagens de Alfredo Jerusalinsky, Richard

    Sennett, Walter Benjamin, Mário Corso, Maria José Tonelli, entre outros autores.

    Serão delimitados apenas alguns traços do capitalismo contemporâneo.

    Entende-se que poderiam ser sublinhados outros traços, mas segue-se a ideia de

    que esses possuem uma influência significativa nas relações modernas e que são, a

    princípio, suficientes para pensar sobre a inserção do psicólogo nessa área de

    trabalho. Assim sendo, os principais traços levantados consistirão nas relações de

    produção e consumo, nas relações de tempo e espaço e no laço social. De uma

    maneira geral, as relações de produção e consumo remetem a pensar sobre a forma

    com que o sujeito se relaciona com os objetos, com as máquinas, com as técnicas

    de produção etc. Em relação ao tempo e ao espaço, pode-se discutir sobre a

    promessa de liberdade que estes carregam, uma vez que os horários são mais

    flexíveis e as formas de comunicação e integração atuais permitem que as pessoasse relacionem até mesmo com quem está muito distante, facilitando todos os tipos

    de vínculos – comerciais, familiares, amorosos.

    Para finalizar o capítulo, serão abordadas questões pertinentes ao laço

    social, ressaltando o que essa nova organização produz nos sujeitos desde que os

    valores cultivados nas relações de trabalho são caracterizados pelo curto prazo, pelo

    risco e pela dúvida, diferentes daqueles valores aos quais se busca viver fora dessas

    relações e que pretendem estabelecer compromisso mútuo e lealdade.O segundo capítulo tratará sobre as possibilidades de trabalho do psicólogo

    nas organizações, levando em consideração os traços do capitalismo já destacados.

    Inicialmente, far-se-á um levantamento a respeito das diferentes abordagens da

    psicologia no âmbito das organizações. Assim, serão abordadas as ideias de Jader

    dos Reis Sampaio, Maria da Graça Corrêa Jacques, Patrícia Costa da Silva e Álvaro

    Roberto Crespo Merlo. Observa-se que a Psicologia do Trabalho possui mais que

    uma face, cada uma representando e se moldando a partir das demandas de

    determinados tempos. Convém destacar que, mesmo com o passar dos anos e com

    o aprimoramento das funções do psicólogo, todas essas diferentes faces podem ser

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    encontradas nos dias de hoje, dependendo de como está sendo administrada a

    organização.

    Para finalizar o trabalho, discutir-se-á o lugar do psicólogo como assessor ou

    testemunha nas organizações. A partir das ideias de José Bleger e   Jeanne Marie

    Gagnebin, será possível pensar sobre de que se trata esse lugar e o que é

    necessário para sustentá-lo. Nesse espaço busca-se trabalhar também com o

    psicólogo na posição de terceiro, isto é, uma posição de borda, que lhe permita ao

    mesmo tempo estar e não estar dentro da organização e que também lhe possibilite

    não cair no sintoma organizacional.

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    1. TRAÇOS DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

    Mudanças sociais significativas vêm ocorrendo com maior velocidade,

    principalmente no que diz respeito às relações de trabalho e às relações familiares.

     A sociedade tradicional caracterizava-se por ser uma sociedade fechada em que as

    mudanças demoravam muito tempo para ocorrer e todas as dúvidas eram

    respondidas por aquilo que estava no centro: a tradição. Nela a vida era

    extremamente cíclica e repetitiva. As pessoas organizavam-se a partir de uma

    hierarquia estabelecida e o lugar de cada um dependia de seu ser.

    Há de se destacar que essas mudanças não ocorreram de uma maneira

    radical e brusca, levando certo tempo para realmente se efetuar. Além disso, énecessário assinalar que, apesar das transformações ocorridas, a tradição nunca

    deixou de existir completamente, tanto é que, nos dias de hoje, ainda existem

    sociedades extremamente tradicionais e, mesmo as modernas, mantêm traços de

    valor tradicional. A tradição não é uma coisa do passado, por isso atualmente pode-

    se encontrar um embate entre aquilo que é característico das sociedades

    tradicionais de um lado e das sociedades modernas de outro.

    O fato é que, com o passar dos anos, ocorreram muitas mudanças e algunsideais tomaram outra linha. Na modernidade, têm-se como principais valores a

    liberdade, a igualdade e a fraternidade. Para o homem ser reconhecido, não basta

    mais ser, é necessário ter e, evidentemente, aparecer, o que marca uma inversão

    entre o lugar do sujeito e o lugar do objeto. Esse tempo moderno é caracterizado

    pelo risco, pela dúvida, pelas incertezas. As mudanças se dão de uma forma muito

    rápida, fazendo com que as pessoas sintam-se inseguras, instáveis e à deriva. O

    discurso dominante nesse tempo é o discurso capitalista

    1

    , que não leva em conta osujeito.

    Segundo Tonelli (2001), nas sociedades tradicionais, as relações amorosas

    e familiares se organizavam a partir de papéis rigidamente delimitados para cada um

    1  Lacan introduz a noção do discurso, apresentando, inicialmente, quatro discursos: discurso domestre, discurso da histérica, discurso do analista e discurso universitário. Mais tarde, ele introduzuma mudança no discurso do mestre, conferindo o estilo capitalista. Soueix (1997, p. 40) acentua queum discurso é “a maneira como o sujeito se situa em relação ao seu ser, é uma regulação do gozo”.

    No discurso capitalista, o sujeito fica diretamente ligado ao objeto a, o mais-valia. Souza (2000, p.243) destaca que Lacan introduz esse quinto discurso para “dar conta das mudanças que atravessamo capitalismo”. Para o autor, no discurso do capitalista há uma junção entre S barrado  e o objeto a,que provoca uma “exigência cada vez mais urgente de ser o que tem, e o de ser o que tem de formainstantânea” (2000, p. 244). 

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    dos membros familiares. A união do casal servia para atender necessidades

    econômicas e de segurança, sendo que o vínculo conjugal era garantido até a morte

    de um dos cônjuges, salvo em raríssimas exceções. Na modernidade há algumas

    transformações. O acento que se percebe é uma divisão flexível dos papéis e

    atribuições, uma maior igualdade, assim não só o homem trabalha fora do lar e nem

    só a mulher é responsável pelos afazeres domésticos. Em conformidade com a

    autora, já não há certezas para a duração do casamento, durando a conjugalidade

    enquanto houver interesse de ambos os companheiros. A união do casal vai além

    das questões financeiras, servindo na busca incessante pelo prazer. Outra

    característica marcante é a renegociação, assim, a cada dia nas relações amorosas

    e familiares novas regras podem ser discutidas e negociadas.Nesse mesmo sentido é que ocorrem as mudanças nas relações de

    trabalho. Por volta dos anos 70, conforme assinala Tonelli (2001), o trabalho se

    configurava de uma forma um tanto diferente da atual. Dentre as características mais

    marcantes destacadas pela autora, estavam a previsibilidade e a rotina. Os

    trabalhadores sabiam exatamente o que fariam no dia seguinte de trabalho, afinal, a

    variação de atividades era mínima. A função exercida por cada funcionário, assim

    como no casamento tradicional, era delimitada, cada um cumpria o seu papel dentroda empresa, sem possibilidades de negociação. Tonelli ainda destaca que o vínculo

    empregatício era estável e duradouro, até que a aposentadoria chegasse, afinal, a

    não ser por causas graves, a empresa não demitia funcionários, pois havia entre

    ambos uma relação recíproca de fidelidade.

     Atualmente a lógica do trabalho responde a outros paradigmas. A ideia é de

    que o vínculo empregatício esteja para além das questões de ordem financeira,

    servindo também ao prazer do sujeito e como forma de relacionamento social. Otempo é imprevisível, assim, a relação entre funcionário e empresa dura até quando

    houver interesses de ambas as partes, sendo que, a qualquer momento o vínculo

    empregatício pode ser rompido. Os papéis, as funções e as hierarquias são mais

    flexíveis, a mulher também tem espaço nesse mercado, podendo competir em

    condições de igualdade com os homens.

     Acompanhando essas mudanças, podem-se destacar algumas

    características pertinentes do capitalismo contemporâneo, que serão trabalhadas no

    decorrer deste capítulo. Primeiramente serão destacadas as relações de produção e

    consumo, uma vez que os produtos já não são mais feitos para durar, para serem

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    utilizados até o seu fim. Questiona-se a qualidade dos mesmos e a representação

    que produzem nos trabalhadores, tendo em vista que o trabalho torna-se ilegível

    para a maioria das pessoas.

    Na sequência serão abordadas questões relativas a tempo e espaço,

    buscando compreender a lógica que perpassa o tempo cronológico. Entra em cena o

    “flexitempo”, o qual surge no intuito de proporcionar liberdade, autonomia e

    flexibilidade às pessoas. Da mesma forma, trabalha-se com as relações de espaço

    que não são só geográficas, o que faz com que haja uma maior abrangência e uma

    nova leitura a respeito dos conceitos de perto e longe.

    O último ponto a ser trabalhado no capítulo, não menos importante, trata do

    laço social. A partir disso será possível uma compreensão do que os traços atuais docapitalismo produzem como efeito para a sociedade em geral. Serão abordadas as

    novas significações conferidas à experiência, à durabilidade de vínculos e ao acesso

    a informações, resgatando o que essas podem causar ao sujeito e o que se espera

    dele em termos de qualificações para o trabalho e para a vida social.

    1.1 Relações de Produção e Consumo

     Antigamente poucas escolhas poderiam ser realizadas pelo sujeito. O

    trabalho costumava passar de pai para filho, assim filho de sapateiro, sapateiro

    seria. O homem da sociedade tradicional nascia incluído socialmente, pois o que

    valia era o seu ser, geralmente reconhecido pelo sobrenome. Na modernidade o

    nome por si só é insuficiente para garantir o lugar do sujeito, dessa forma, ele

    precisa ser construído a cada geração; o sujeito passa a vida toda fazendo erefazendo seu lugar, já não nasce incluído e, assim, precisa trabalhar sua inclusão

    social.

    Seguindo este norte, Jerusalinsky (2000) evidencia que há uma ruptura entre

    as gerações, uma espécie de rompimento com as lembranças do passado. Segundo

    o autor, o saber sobre o trabalho, antigamente, era transmitido de geração em

    geração, de forma direta. “Não havia currículo, não havia uma estandardização de

    qualquer objeto que fornecesse para o sujeito as técnicas universais de operação

    criativa. As técnicas estavam todas do lado do sujeito, que tinha que entralhar, traço

    por traço, o objeto em questão” (JERUSALINSKY, 2000, p. 41).

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    Esse modo de transmissão de valores foi desaparecendo aos poucos, dando

    espaço para o “ensino das coisas”2, modo pelo qual o sujeito escolhe aquilo que tem

    interesse em estudar/trabalhar e a partir daí é que será definido o seu objeto de

    saber. É importante ressaltar que é o objeto que delimitará aquilo que o sujeito

    deverá saber. O que interessa em tudo isso, nessa mudança em relação à

    transmissão do saber, é “o deslocamento que se produz da importância do sujei to

    como transmissor de um saber, para esse lugar do objeto como detentor de um

    saber e que, então, obriga o conjunto de sujeitos, dos indivíduos, a acoplar-se às

    novas formas de trabalho” (JERUSALINSKY, 2000, p. 42).

    Os discursos predominantes na atualidade se apoiam cada vez mais nos

    critérios do mercado. Para sustentar essa afirmação, Kehl (2002) diferencia asrazões filosóficas das razões do mercado, colocando as primeiras como fonte de

    transformação do sujeito e do mundo, apontando para além da banalidade do dia-a-

    dia; já as razões do mercado são colocadas como algo que se consome em si

    mesmo produzindo um esgotamento na medida em que são satisfeitas. Após a

    distinção, a autora conclui que as razões filosóficas, na modernidade, não dão conta

    das possibilidades de construção de destino.

    Segundo Souza (2000, p.242):

    O resultado de tudo isso é a construção de uma sociedade queparadoxalmente está enamorada do mundo de bens, onde as mercadoriassão cada vez mais outras, e que, ao mesmo tempo, desqualifica o trabalho,dispensa a mão-de-obra e transforma o futuro não em presente, mas emagora, em instante. Num caminho, o discurso capitalista faz do consumouma promessa infindável de felicidade (até mesmo a doença, ahospitalização, foram anunciadas por uma empresa de saúde como a ida auma festa), mas noutro caminho, o instante, assume o único ponto deconsistência, pois se torna metáfora social da realização instantânea docapital financeiro. E isto não é sem consequências: a valorizaçãoinstantânea clama por soluções instantâneas. Daí a busca do êxtaseatravés das drogas; daí a tentativa de achar um remédio, um produtoquímico, para as questões existenciais. Pode-se encontrar aqui na busca dainstantaneidade também um dos pontos de resistência social à análise,considerando a longa duração do tratamento analítico.

    2  A expressão “ensino das coisas” foi utilizada por Alfredo Jerusalinsky, no seu texto Papai nãotrabalha mais (2000).  O autor evidencia que o termo “inclui a aritmética, as técnicas agrícolas, as

    técnicas de navegação, a física, ou seja, o isolamento das variáveis e das técnicas relativas aodomínio do objeto. Um ensino onde cada objeto deve ser selecionado para constituir uma linhacurricular e, então, uma linha de saber, que, pela sua vez, depende do objeto a ser escolhido. Oobjeto escolhido define o que é para saber. Dessa forma não há nenhuma relação entre o artesão e oaprendiz já que a relação fundamental é de cada um com seu objeto” (JERUSALINSKY, 2000, p. 42).

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    Na contemporaneidade, o consumismo está dado como um sintoma social;

    as pessoas necessitam estar sempre adquirindo novos objetos. A felicidade parece

    estar associada ao número de compras que podem ser efetuadas, implicando uso

    imediato e rapidez na substituição. Corso (2000) destaca o quanto as pessoas

    identificam-se com os objetos que consomem, ao invés de se identificarem com

    aquilo que fazem (profissão).

    Kehl (2002) ressalta que os objetos que são oferecidos para a satisfação das

    pessoas são tão banais quanto às demais mercadorias, criando a ilusão de que irão

    satisfazer o desejo do sujeito. Dessa forma, pode-se pensar que o que se

    problematiza nessa era é a facilidade com que se resolve a angústia, diante do fato

    dos objetos estarem todos ao alcance das nossas mãos, porém a realidade é que osujeito moderno se ilude na construção de objetos.

    Segundo Sudbrac (2000, p.71),

    (...) o sujeito passa da referência fundante de um saber paterno e sempresuposto, a um saber que vai se apresentar como semblante, como sabersabido e compartilhado, onde o sujeito se representa nos objetos, bensúnicos, e nesse caso perde seu lugar de sujeito.

    O que não se quer saber é que o objeto que realmente interessa é o que não

    se pode ter; é o objeto que por sua condição de perdido pode ser chamado de objeto

    de desejo3. O objeto perdido jamais será alcançado, porém a mídia lança

    incessantemente a ideia de que os objetos de consumo são capazes de virem no

    lugar desse objeto perdido.

    O sujeito moderno corre atrás dos objetos que deseja como se realmente

    fosse capaz de tamponar de vez a sua falta. As ideias partem do viés de que “se eu

    tivesse aquilo seria feliz”, porém, na medida em que o sujeito alcança e obtém aquilo

    que tanto desejara, a satisfação passa, e ele começa a correr novamente atrás de

    outra coisa. Corso (2000) ressalta o quanto a sociedade de consumo é um pesadelo,

    pois independente de quão ricas as pessoas são, elas sempre estarão em falta. “No

    3 Esse objeto de desejo ou objeto perdido pode ser entendido como o “objeto a” . Roudinesco e Plondefinem o objeto a como um “termo introduzido por Jacques Lacan, em 1960, para designar o objetodesejado pelo sujeito e que se furta a ele a ponto de ser não representável, ou de se tornar um „resto‟

    não simbolizável”. Os autores ainda assinalam que Lacan introduziu pela primeira vez seu objeto  a durante o seminário sobre a transferência, sendo este o “objeto do desejo que se esquiva e que, aomesmo tempo, remete à própria causa do desejo. Em outras palavras, a verdade do desejopermanece oculta para a consciência, porque seu objeto é uma „falta-a-ser‟”. (ROUDINESCO EPLON, 1998, p. 551 – 552).

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    modelo em que estamos somos todos pobres, porque nunca vamos alcançar o

    número de bens ideais” (CORSO, 2000, p. 75).

    Sennett (2008, p.128) destaca que “nosso desejo de determinada roupa

    pode ser ardente, mas alguns dias depois de comprá-la e usá-la, ela já não nos

    entusiasma tanto”. Nesse sentido, convém destacar que, na realidade, nenhum

    objeto irá obturar a falta constitutiva do sujeito, porém o que se problematiza na

    modernidade, é a maneira como o sujeito vai de encontro a ele. O sujeito não se

    contenta até conseguir adquirir o objeto tão desejado, lançando-se sempre em uma

    repetição e, acabando por não fazer uso adequado daquele objeto que foi

    comprado, consumindo, consequentemente, cada vez mais.

    O objeto é um símbolo fortíssimo do novo capitalismo, pois o valor dohomem se encontra nele. Jerusalinsky, (2000) aponta que há uma transição do

    saber que, ao invés de estar do lado do sujeito, passa a estar do lado do objeto.

     Através do evento histórico que teve como personagem principal o relojoeiro Nicolas

    Kadañ4, o autor afirma que cada vez mais a humanidade se encaminha no sentido

    de criar engenhocas e mercadorias que amarram o saber do lado do objeto,

    lançando o sujeito para um ponto cego. Segundo o autor:

    (...) O que constituiu a metáfora do “Relojoeiro de Praga” em paradigmacom o nosso tempo é o fato de o saber ficar todo do lado do objeto. Osujeito, então, fica no ponto cego. Ou seja, nesse ponto onde não somentenão enxerga sua própria posição no discurso social, mas onde, também, oOutro não tem chance nenhuma de vê-lo. Isso se percebe com clareza nodiscurso econômico atual, no qual toda preocupação orienta-se para que aeconomia caminhe bem, sem importar como andam os sujeitos nelaimplicados (JERUSALINSKY, 2000, p. 37).

     Ao utilizar a metáfora de Kadañ, Jerusalinsky (2000) ressalta que no

    momento em que os olhos do relojoeiro são furados, o saber passa a estar todo do

    4  Alfredo Jerusalinsky, em seu texto Papai não trabalha mais  (2000), relata a história de NicolasKadañ, o construtor do relógio que encontra-se na praça da cidade de Praga (Tchecoslováquia).“Esse relógio, que está encravado na torre da Alcaidía (antiga Sede do Município), tem quatrofunções demonstrativas. A primeira, é claro, é a função de mostrar a mudança das horas. A segundafunção é a de mostrar a passagem dos signos do zodíaco. A terceira função é a que descreve atrajetória dos planetas. A quarta é relativa à religião já que pelas duas janelinhas que se encontramem cima do quadrante, ao bater o meio-dia e a meia-noite, desfilam um a um os doze apóstolos”. “(...)ele demonstrava como, no mecanismo de uma máquina, se podia condensar tudo o que se sabia: osaber religioso  –  os apóstolos; o saber mágico  –  o zodíaco; o saber gastronômico  –  os planetas

    (estava-se ainda sob as influências da revolução copernicana); o saber sobre as medidas  –  acronologia”. “(...) O povo se reuniu todo na praça para ver essa joia. Nessa noite, o alcaide, o prefeitoda cidade, decide furar os olhos de Nicolas Kadañ. Decisão que imediatamente se cumpriu, com oobjetivo de evitar que o competente e infortunado relojoeiro pudesse construir um relógio igual emqualquer outr a cidade” (JERUSALINSKY, 2000, p. 35).

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    lado do objeto, pois o sujeito em questão já não poderia mais construir um relógio

    igual àquele. Nicolas Kadañ, que dedicou sua vida inteira à construção daquela

    engenhoca, fica então privado de todo seu saber. “Todo o valor de sua existência

    ficou congelado no maravilhoso objeto que ele tinha construído” (JERUSALINSKY,

    2000, p. 37).

    Nas sociedades tradicionais, o valor do sujeito costumava estar depositado

    ao lugar social ocupado e a sua condição de ser 5; o trabalho era sua identidade,

    desde que fossem produzidas coisas úteis para sua sobrevivência e do restante da

    humanidade. Nas sociedades modernas, porém, ocorre um deslocamento, e o valor

    do sujeito passar a ser o “ter”, e é aí que o valor passa a estar do lado do objeto. O

    saber já não está mais do lado daquele que engenha, e sim nas máquinas, nosobjetos, nos computadores, nas mercadorias etc. Nesse sentido o homem torna-se

    apenas uma engrenagem da máquina.

     A representante da burocracia é a máquina e o sentido que o homem

    encontra está em seguir as normas estabelecidas. A burocracia está dada para

    facilitar a vida das pessoas, isto é, toda e qualquer instituição precisa ter um nível de

    organização para que as coisas funcionem, contudo, o problema ocorre quando isso

    extrapola entre os sujeitos, tornando-se sofrimento.Com o surgimento da máquina e a partir das transformações ocorridas a

    favor da tecnologia, percebe-se que algumas consequências recaem sobre a

    sociedade, principalmente no que diz respeito ao trabalho. Essas mudanças não

    podem ser vistas apenas pelo seu lado negativo, porém não há como não mencionar

    que elas afetam muito os trabalhadores, causando um grande mal-estar.

    Segundo Singer (2000), a tecnologia não é um processo recente, porém

    continua avançando, ela caminha sobre dois pés. O processo tecnológico aperfeiçoaa produção automatizando-a e, também, libera as intervenções do trabalho humano.

    Todo serviço repetitivo pode ser automatizado, tornando a mão-de-obra humana

    5  Um filme que retrata claramente o valor do sujeito, nas sociedades tradicionais, ligado ao lugarsocial ocupado e a condição de ser, é Um violinista no telhado, dirigido por Norman Jewison elançado no ano de 1971. Neste, o personagem principal Tevye, trabalhava como leiteiro e erareconhecido socialmente por aquilo que fazia, sustentando assim, o seu ser e o seu lugar. Motel,genro de Tevye, era um moço pobre que sonhava poder comprar uma máquina de costura e tornar-seum bom alfaiate. Quando finalmente consegue atingir seu objetivo, os comentários que surgem se

    dão em razão das pessoas acreditarem que ele seria sempre um “nada”, que ele definitivamente “nãodaria em nada”, indicando uma transição do valor do ser ao ter. Desta forma, percebe-se que osujeito, nas sociedades tradicionais, passava a ter valor e a ser reconhecido a partir daquilo quedesempenhava, diferentemente da sociedade moderna onde o valor do sujeito está remetido àquiloque ele possui.

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    cada vez mais indireta. Na medida em que se criam robôs, máquinas, aparelhos

    para realizar essas atividades repetitivas, as pessoas passam a ser aquelas que

    colocam em ação a tecnologia, ligando e desligando as máquinas após o uso.

    Da mesma forma que a tecnologia não é um avanço recente, Sennett (2008)

    destaca que o medo que o sujeito tem de que a máquina possa substitui-lo também

    não vem de hoje, ele é muito antigo. Conforme o autor, já no final do século XIX,

    muitos trabalhadores de metalúrgicas previam que as máquinas passariam a

    desempenhar as atividades mais complexas das suas rotinas de trabalho.

    De acordo com Souza (2000), o capitalismo atual combina a mecânica com

    a eletrônica, liberando um número significativo de mão-de-obra do processo

    produtivo. “Cada vez mais o trabalho vivo está sendo substituído pelo trabalhomorto” (SOUZA, 2000, p. 241). O autor ainda coloca que, além da diminuição dos

    postos de trabalho, há um deslocamento da força-de-trabalho para o setor de

    serviços, em que a tecnologia provoca uma decrescente oferta de empregos.

    Singer (2000), no entanto, lança a ideia de que não pode ser a tecnologia a

    culpada pelo “fim do trabalho”. Para ele, o número crescente do desemprego é

    resultante de transformações políticas, ideológicas e sociais, pois houve muitas

    mudanças nas prioridades e no papel do Estado. Segundo o autor, a tecnologiacontinua fazendo suas “estripulias”, no entanto, não mudou de ritmo.  

     A tecnologia, que vem se aprimorando cada vez mais, não é um surgimento

    da modernidade. Estudando as consequências que ela produz, principalmente para

    os postos de trabalho, alguns autores tendem a lê-la como “destruidora” de muitos

    empregos, uma vez que com a rápida introdução de máquinas e aparelhos

    tecnológicos, há a expulsão de muita mão-de-obra humana. Porém, há de se

    destacar que foram alguns robôs que possibilitaram a entrada de muitas pessoas nomercado de trabalho.

    Segundo Singer (2000), os robôs que ganharam bastante destaque nas

    últimas décadas foram o liquidificador, o fogão e a geladeira. De acordo com o autor,

    essas tecnologias liberaram metade da humanidade de uma atividade que

    geralmente era feita em tempo integral. “Cozinhar, limpar, todas as tarefas

    domésticas foram, eu diria, 90% automatizadas” (SINGER, 2000, p. 58). O resultado

    obtido a partir disso foi que as mulheres conseguiram ingressar nas atividades

    econômicas de uma forma, que até então, apenas os homens participavam.

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    Porém, atualmente e a partir da visão de Sennett (2008), os fabricantes

    empregam a tecnologia de uma forma especial, uma vez que ela permite reagir com

    rapidez às mudanças propostas, pois a máquina pode ser rapidamente

    reconfigurada e readaptada às exigências comerciais. Dessa forma, “os operários

    modernos finalmente estão enfrentando o fantasma da inutilidade automatizada”

    (SENNETT, 2008, p. 88).

     A tecnologia e as máquinas chegaram a desempenhar as mesmas funções

    realizadas por seres humanos, exemplo disto são as típicas atividades

    desenvolvidas em linhas de montagem e industrialização, como: montar produtos,

    rotulá-los, lacrá-los etc. Muitas dessas atividades que começaram a ser realizadas

    por máquinas, ao invés de humanos, se deram em função dos baixos custos(custavam menos do que um empregado), facilidade de reprogramação e rapidez.

     Além do mais, partiram da ideia de que toda atividade repetitiva poderia ser

    automatizada. No entanto, o que se percebe hoje é que as máquinas vão muito além

    daquilo que um ser humano seria capaz de realizar.

    Segundo Sennett (2008, p.90):

    Boa parte da tecnologia de automação de nossa época continua voltadapara a imitação da voz humana ou da cabeça humana  –  esta última, emcâmeras “inteligentes” de vigilância que giram sobre o eixo para focalizarqualquer coisa que pareça estranha aos seus “olhos”. Mas outrastecnologias não imitam seres humanos, particularmente as tecnologias decomputação, capazes de calcular em velocidades que não estariam aoalcance de pessoa alguma. Assim, não é exata a imagem da substituição deum par de mãos por uma máquina: como observou o analista do trabalhoJeremy Rifkin, o reino da inutilidade se vai expandindo à medida que asmáquinas passam a fazer coisas de valor econômico que os seres humanosnão são capazes.

    O que se pode concluir com isso é que, de qualquer forma, o valor dohomem no trabalho passa a estar diretamente vinculado à máquina e dependendo

    cada vez mais de um objeto. Muitos dos postos de trabalho se organizam a partir de

    determinado objeto.

    Jerusalinsky (2000) escreve sobre de que forma o objeto passa a ser

    persecutório. Para ele, o objeto adquire essa posição quando, ao invés de se manter

    na posição de causador de desejo, ele passa a se constituir como máquina de

    satisfação. Assim, Jerusalinsky (2000, p.40) argumenta:

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    Na nossa sociedade, a ciência propõe-nos a promessa de que, mais cedoou mais tarde, ela será capaz de produzir o objeto completamenteadequado a nossa satisfação. Por isso, se trata, necessariamente, de umobjeto positivado, e nessa positivação a palavra não pode estar senão aserviço de agenciar esse objeto positivo. Quer dizer, ela está aí só para

    revelar o que esse objeto contém, ele mesmo, de saber. Isso quer dizer quea palavra não é mais autônoma, não é mais arbitrária; ela dependerá doobjeto, pelo menos na nossa civilização atual.

    Neste mesmo norte, Giongo (2000) assinala que a principal meta do mundo

    do trabalho, nos dias de hoje, é a produtividade. Para a autora, há um investimento

    grande na produção, que busca fabricar algum produto/objeto que satisfaça

    completamente o cliente, e que vença a concorrência e mantenha a empresa no

    mercado competitivo. “Trabalha-se no sentido da eliminação dos erros, da busca da

    perfeição de produtos, processos e serviços” (GIONGO, 2000, p. 263).

    Vale evidenciar que o objeto para a psicanálise (objeto a) é objeto na sua

    condição negativada, objeto de perda, assim, a teoria psicanalítica irá trabalhar

    sempre com a falta, com o buraco, com o negativo. O que a modernidade tende é

    propor a obturação dessa falta, de forma que o objeto deixe de ser negativo e passe

    a ser positivo. Passando a ser positivo, o objeto também se torna persecutório.

     A informação e a técnica permitem um aperfeiçoamento nas máquinas de

    trabalho. O trabalho que sempre fora desempenhado pelo artesão, hoje é substituído

    pelo computador ou algum eletrônico semelhante, basta que o trabalhador clique em

    um botão para o sistema iniciar. Consequentemente, o lugar do sujeito decai. Aquele

    que era visto como um artista naquilo que desempenhava, um real artesão, passa a

    ser refém da máquina, um simples apertador de botões.

    Sennett (2007) apresenta em seu livro um exemplo bárbaro a esse respeito.

    Conta sobre as mudanças que ocorreram em uma padaria de Boston, a qual ele

    costumava frequentar. Na antiga gerência, os funcionários realmente eram padeiros;

    para fabricarem os pães usavam de todo conhecimento que tinham. Não era um

    trabalho leve, pois exigia muita força para sovar e amassar os pães, além de o

    ambiente ser muito quente pelo uso dos fornos. Para saber quando o pão estava

    pronto, era necessária a utilização de dois sentidos: olhava-se a textura e a cor do

    pão e apreciava-se o cheiro. Os horários de trabalho eram à noite, para que pela

    manhã estivesse tudo pronto.

    Com o passar dos anos, Sennett (2007) percebeu algumas mudanças. Afábrica havia sido comprada por um gigantesco conglomerado da área de alimentos.

    O trabalho começou a funcionar sobre a ótica da flexibilidade, disponibilizando-se de

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    máquinas sofisticadas e reconfiguráveis. A panificação computadorizada mudou a

    rotina dos trabalhadores, que já não tinham mais contato físico com os pães; não se

    fazia mais necessário sovar o pão, pois a máquina fazia tudo. Todo o processo

    passou a ser monitorado por ícones em telas de computador que exigiam o simples

    ato de apertar os botões. Num simples clique era possível escolher o tipo e a cor do

    pão. Os horários de trabalho tornaram-se flexíveis, já que as máquinas faziam tudo e

    poderiam ser programadas facilmente.

     A intenção de Sennett (2007), ao descrever esse exemplo, era mostrar o

    quanto os trabalhadores começaram a sentir-se degradados com essa nova forma

    de trabalho. “Nesse paraíso do padeiro, tal reação ao trabalho é uma coisa que eles

    próprios não entendem. Operacionalmente, tudo é muito claro; emocionalmente,muito ilegível” (SENNETT, 2007, p. 79). Muitas das mudanças ocorridas são

    incompreensíveis para os sujeitos que estão implicados nessas novas relações de

    trabalho.

    Interessante também é analisar aquilo que Sennett (2007) obtém como

    resposta ao entrevistar alguns trabalhadores daquela padaria. “Eu vou para casa,

    faço pão mesmo, sou um padeiro. Aqui, aperto botões”, diz um funcionário. “Padaria,

    sapataria, gráfica, é só dizer, eu tenho as qualificações”, diz outra funcionária. Apartir dessas frases pode-se pensar no que o trabalho se resume nos dias de hoje.

    O artesão torna-se operário, deixando o seu saber de lado e fazendo aquilo

    que a máquina exige. O trabalhador pode sim controlar o processo de produção,

    mas já não põe a “mão na massa”. Quem possui qualificação para tal é a máquina e

    não o sujeito. Percebe-se, com facilidade, que a identificação dos trabalhadores com

    o seu trabalho torna-se fraca, uma vez que os mesmos não se reconhecem naquilo

    que fazem.No novo capitalismo, as organizações visam apenas os lucros, trabalham em

    função da produção e do consumismo. Os produtos não são feitos para durar, mas

    na perspectiva de que logo tenham que ser substituídos por novos, mesmo que não

    tenham chegado ao fim. A moda é um fator importante nesse sentido, como também

    a qualidade de seus objetos e produtos, que decaem muito. Dessa forma, aquele

    sujeito que se reconhecia no trabalho, produzindo algo que seria realmente útil para

    a vida da sociedade, perde o controle sobre o seu fazer. As novas formas de

    trabalho tornam-se um tanto incompreensíveis e estranhas para os trabalhadores.

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    1.2. Relações de Tempo e Espaço

    O tempo nas organizações pode ser estudado a partir de diferentes

    perspectivas. Uma delas diz respeito ao tempo de duração dos vínculos

    empregatícios, a outra faz menção ao tempo dedicado às atividades do dia-a-dia no

    trabalho. Ambas serão abordadas na sequência, observando-as como traços do

    capitalismo contemporâneo.

    Conforme Tonelli (2001), o trabalho não visa mais atender apenas às

    finalidades econômicas e de estabilidade, mas também traduz a busca pelo prazer,

    pela satisfação, pela alegria e pelo contato com o outro. Hoje a relação entre

    empregador e funcionário dura até que se rompam os interesses de uma das partes.Segundo Sennett (2007, p.21):

    O sinal mais tangível dessa mudança talvez seja o lema “Não há longoPrazo”. No trabalho, a carreira tradicional, que avança passo a passo peloscorredores de uma ou duas instituições, está fenecendo; e também autilização de um único conjunto de qualificações no decorrer de uma vida detrabalhado. Hoje, um jovem americano com pelo menos dois anos defaculdade pode esperar mudar de emprego pelo menos onze vezes nocurso do trabalho, e trocar sua aptidão básica pelo menos outras três

    durante os quarenta anos de trabalho.

    O tempo do vínculo nas relações de trabalho não é mais tão duradouro

    quanto nas sociedades tradicionais. Aquele sistema em que várias pessoas

    organizavam e planejavam sua carreira de trabalho, da qual vinha a aposentadoria

    após anos de dedicação e serviço numa mesma empresa, não é mais tido como um

    ideal a ser seguido, pois cada vez mais, veem-se jovens migrando de um trabalho

    para outro dentro de poucos anos. Todavia, há um traço muito importante que

    Tonelli (2001) destaca. Segundo a autora, por mais que as relações hoje sejam de

    curto prazo, a ideia é de que sejam intensas enquanto durem. “O envolvimento com

    a empresa deve ser intenso, profundo, maior, mas isso apenas enquanto a relação

    durar” (TONELLI, 2001, p. 257).

     A modernidade se caracteriza por outro modo de funcionamento, seguindo a

    seguinte lógica: produza rápido, faça rápido, consuma rápido. Tudo precisa ser

    realizado com uma velocidade implacavelmente rápida, afinal, como diz o ditado

    popular “tempo é dinheiro”. Com essa mesma rapidez é que os produtos são

    descartados, dando sempre espaço para versões mais atualizadas, que ligeiramente

    se tornam ultrapassadas.

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    Giongo (2000) destaca que, na modernidade, emerge uma noção de tempo,

    a qual precisa tornar-se impreterivelmente produtiva. A cobrança interna do sujeito

    quanto às metas é muito mais forte, uma vez que mesmo fora do horário de serviço

    o sujeito é tomado pelas solicitações do trabalho, portanto, o tempo para o trabalho

    não segue limites definidos. Conforme Giongo, essas mudanças em relação ao

    tempo tocam a todos nas empresas, isto é, valem inclusive para os empresários, não

    sendo exclusivas apenas a operários e assalariados. A autora ressalta que essa

    ruptura dos limites do tempo se constituiu como uma condição da cultura

    contemporânea, onde o valor de cada um é medido pela rapidez na prestação de um

    serviço ou na finalização de um produto.

    Em se tratando da velocidade contemporânea, Corso (2000) escreve que ohomem moderno está sempre correndo atrás do tempo, tanto é que os objetos mais

    usados e cultuados são aqueles que permitem usufruir de rápida velocidade como,

    por exemplo, os computadores, os automóveis e os aviões. Segundo o autor, a

    lógica do tempo, na modernidade, atingiu até mesmo as refeições realizadas ao

    longo do dia, o que fez com que as pessoas buscassem se alimentar com o famoso

    fast-food, traduzido para o português como comida rápida.

    O tempo, a velocidade, o consumismo e o novo capitalismo tornaram otrabalho instável e efêmero, não se tem mais certezas sobre o dia de amanhã e não

    há visão de longo prazo.

    Nesse sentido, Tonelli (2001, p. 251) destaca:

     Assim, todo o conjunto de qualificações que um trabalhador possa terconstruído durante toda sua vida pode não ter hoje mais nenhum valor. Aprópria noção de emprego foi substituída pela noção de empregabilidade.Nessa noção, o passado e o tradicional são desprezados e o que conta é o

    dia de hoje e a potencialidade do futuro. Não importa quanto uma pessoapossa ter contribuído anteriormente para o desenvolvimento da empresa.Diante das mudanças, ela será rapidamente removida (...). A noção detrabalho de longo prazo também não existe mais: trabalha-se por projetos epor resultados; o conhecimento é rapidamente ultrapassado por novasversões mais atualizadas, não só dos equipamentos, mas também daspessoas.

    Pode-se pensar a durabilidade dos vínculos empregatícios, na modernidade,

    a partir da lógica do tempo instável. Nos dias de hoje, o trabalhador tem ciência de

    que a qualquer momento pode ser demitido, afinal, seu desempenho é medido pelo

    tempo presente, sendo que as suas contribuições passadas já não têm muito peso.

    Da mesma forma, não há mais uma preocupação tão grande da parte dos

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    trabalhadores, salvo em situações de demissão por justa causa, em “sujar a carteira

    de trabalho”, expressão usada para aqueles que costumam transitar por vários

    empregos. O trabalhador tem autonomia para decidir a hora e o momento de mudar

    de trabalho, conforme o seu interesse. Assim, se uma empresa tem uma proposta

    melhor que a atual ou as atribuições são mais favoráveis, não há o que discutir.

    Richard Sennett (2007) apresenta o conceito de flexibilidade6, sublinhando o

    fato de esse ser bastante enfatizado no capitalismo contemporâneo. De acordo com

    ele, a flexibilidade surge no intuito de combater a rotina e as rígidas formas de

    burocracia. Como consequência, aos trabalhadores pede-se uma série de

    potencialidades: é preciso ser ágil, estar aberto a mudanças, assumir riscos,

    depender menos de leis e formalidades.Nesse viés, destaca-se que um dos traços mais marcantes do capitalismo é

    a concepção de tempo. O tempo cronológico, aquele que controla os funcionários

    através do registro ponto, continua vigorando, porém algumas organizações passam

    a trabalhar com uma nova ideia de tempo. Sob essa lógica, o trabalhador não

    precisa, necessariamente, cumprir seu horário nas dependências da empresa, o que

    parece proporcionar mais autonomia a cada um, embora essa visão seja um tanto

    obscura.Sobre essa nova forma de controlar o tempo, Sennett (2007) coloca que as

    empresas hoje estão fazendo experiências com os novos horários do chamado

    “flexitempo”7:

    Em vez de turnos fixos, que não mudam de mês para mês, o dia de trabalhoé um mosaico de pessoas trabalhando em horários diferentes, maisindividualizados (...). Esse mosaico de tempo de trabalho parece (...) umaliberação do tempo de trabalho, um verdadeiro benefício do ataque à

    organização moderna à rotina padronizada. As realidades do flexitempo sãobem diferentes (SENNETT, 2007, p. 66).

    6 De acordo com Richard Sennett, em  A corrosão do caráter (2007, p. 53), “a palavra „flexibilidade‟entrou na língua inglesa no século quinze. Seu sentido derivou originalmente da simples observaçãode que, embora a árvore se dobrasse ao vento, seus galhos sempre voltam à posição normal.„Flexibilidade‟ designa essa capacidade de ceder e recuperar-se da árvore, o teste e restauração desua forma. Em termos ideais, o comportamento humano flexível deve ter a mesma força tênsil: seradaptável a circunstâncias variáveis, mas não quebrado por elas”. 7 Segundo Richard Sennett (2007) “o flexitempo surgiu do novo influxo de mulheres no mundo dotrabalho (...)”. “A necessidade, assim como o desejo pessoal, motivou esse trabalho; um padrão de

    vida de classe média em geral exige hoje dois assalariados adultos. Essas trabalhadoras precisavam,porém, de horas de trabalho mais flexíveis; em todas as classes, muitas delas são empregadas demeio período e mães em período integral”. “A essa altura, tais mudanças já cruzaram a barreira dos  gêneros, de modo que também os homens têm horários elásticos. O flexitempo hoje atua de váriasmaneiras” (SENNETT, 2007, p. 66). 

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    Há várias formas de organizar o trabalho flexível. Algumas empresas

    dividem a carga horária dos trabalhadores entre: horários fixos, que devem ser

    cumpridos por todos, e horários opcionais, onde cada trabalhador decide seu

    horário. Outras empresas deixam livre a escolha dos horários de entrada e saída

    para cada trabalhador, desde que esse cumpra sua carga horária diária e semanal.

    Outro exemplo de trabalho em flexitempo, o mais flexível de acordo com

    Sennett (2007), é o trabalho em casa. De acordo com o autor, essa maneira de

    organizar os horários de trabalho dos funcionários causa muita ansiedade entre os

    empregadores, pois muitos deles desconfiam que estejam dando muita liberdade

    aos seus funcionários, temendo perder o controle sobre os mesmos. Em decorrência

    disso, de acordo com Sennett, cria-se uma série de controles para poder regular otrabalho daqueles que estão ausentes da empresa. Como por exemplo: “exige -se

    que as pessoas telefonem regularmente para o escritório, ou usam-se controles de

    intra-rede para monitorar o trabalhador ausente; os e-mails  são frequentemente

    abertos pelos supervisores” (SENNETT, 2007, p.68).

    Nesse exemplo de trabalho em flexitempo, como há de ser em outros

    também, os empregadores parece se preocuparem mais com os trabalhadores que

    estão ausentes do local de trabalho do que com aqueles que estão dentro daempresa, e dessa forma acabam criando maneiras de fiscalizá-los. Em consonância

    com Sennett (2007), percebe-se que esses trabalhadores (em horários flexíveis)

    deixam de ser monitorados pela forma “cara a cara”, para serem monitorados

    eletronicamente, através de redes de computadores.

     Além das empresas criarem mecanismos para fiscalizar a rotina de trabalho

    dos funcionários que estão em flexitempo, percebe-se que a forma de controle

    também passa a estar internalizada em cada sujeito. O trabalhador não tem o chefeao seu lado controlando-o incessantemente, porém tem uma meta. Dessa forma, o

    trabalhador tem “liberdade” de realizar seu trabalho em casa, em horários mais

    adequados ao seu desempenho e a sua vontade, porém sabe que se não produzir,

    não inventar nada de novo, será demitido. A cobrança passa a ser interna, criando

    uma estrutura de controle extremamente paranoica.

    “Um trabalhador em flexitempo controla o local de trabalho, mas não adquire

    maior controle sobre o processo de trabalho em si” (SENNETT, 2007, p. 68). O

    flexitempo é, sem dúvidas, uma nova forma de controle muito mais tirânica, pois

    coloca o sujeito num risco constante, onde não há garantias. Em comparação com

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    outras formas de controle, pode-se dizer que essa não é menos violenta, porém é

    invisível.

    Para Castells (1999), as duas principais dimensões materiais da vida

    humana são o tempo e o espaço; o autor destaca que ambas se relacionam entre si.

    “Tanto o espaço quanto o tempo estão sendo transformados sob o efeito combinado

    do paradigma da tecnologia da informação e das formas e processos sociais

    induzidos pelo processo atual de transformação histórica” (CASTELLS, 1999, p.

    467).

    Dessa forma, no capitalismo contemporâneo, também se percebe uma

    mudança nas relações de espaço, uma vez que se rompem várias barreiras que

    dividiam e dificultavam alguns tipos de relações devido à distância geográfica. Hoje,através de todos os meios e formas de tecnologia, é possível ter acesso a notícias

    de todo o mundo, bem como comunicar-se com aquelas pessoas que estão

    distantes. O que acontece em outro país, em outro continente, pode interferir,

    repercutir e afetar outro país, mesmo estando bastante distante.

    Giddens (1991) acentua que, nas sociedades pré-modernas, as dimensões

    espaciais eram, para a maioria das pessoas e para quase todos os efeitos,

    dominadas pela “presença”. Na modernidade, segundo ele, fomentam-se relações“ausentes”, isto é, há um crescimento das relações distantes e uma diminuição de

    interações face a face.

    Segundo o autor:

    Em condições de modernidade, o lugar se torna cada vez maisfantasmagórico: isto é, os locais são completamente penetrados e moldadosem termos de influências sociais bem distantes deles. O que estrutura olocal não é simplesmente o que está presente na cena; a “forma visível” dolocal oculta as relações distanciadas que determinam sua natureza (GIDDENS, 1991, p. 27).

    Os acontecimentos atuais não se baseiam mais nos limites territoriais. De

    acordo com Forrester (2001), o novo regime político no qual as pessoas vivem é de

    caráter internacional ou até mesmo planetário. Para a autora, esse novo regime

    coloca as pessoas numa obsessão na busca de lucros, a qual abarca todo o

    território, isto é, envolve o espaço em seu todo, não se limitando aos limites

    geográficos.

    O local e o global estão interligados, pois de acordo com Giddens, “as

    organizações modernas são capazes de conectar o local e o global de forma que

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    seriam impensáveis em sociedades mais tradicionais e, assim fazendo, afetam

    rotineiramente a vida de milhões de pessoas” (GIDDENS, 1991, p. 28). Essa forma

    de conexão com o restante do mundo marca que o espaço é independente do local

    onde o sujeito está situado. Dessa maneira, os avanços da tecnologia permitem

    relações amplas, tanto pessoais como profissionais, fazendo jus ao termo

    “globalização”. 

    O que é visível com essa nova concepção de espaço, é que as ideias de

    perto e longe não se refletem somente em números aproximados de quilômetros

    (km). Conforme Castells (1999), com o desenvolvimento da informação e dos meios

    de comunicação eletrônica, ocorre uma dissociação entre a proximidade espacial e o

    desempenho de funções rotineiras, como, por exemplo, compras, educação(faculdades à distância), trabalho, entretenimento etc. Assim sendo, aquilo que está

    longe (distância em km) pode, com essas novas estratégias, estar muito próximo das

    pessoas e, em muitas situações, ser até mais acessível em comparação com aquilo

    que está perto (distância em km).

    Nesse sentido, no capitalismo contemporâneo, tanto as relações de tempo,

    como as relações de espaço, permitem e exigem que as pessoas se adaptem às

    novas formas de interação. O trabalho torna-se mais flexível quanto a horários,possibilitando outras formas de controle. Da mesma forma, o espaço deixa de ser

    geográfico, permitindo relações pessoais, comerciais, políticas, econômicas etc,

    entre diferentes localidades do mundo, com uma ampla facilidade.

    1.3 Laço Social

     Algumas mudanças decorrentes da passagem da sociedade tradicional para

    a sociedade moderna foram destacadas por Tonelli (2001), em que assinala a

    modificação de uma época de relações duráveis, para relações de curto prazo.

    Segundo a autora, tanto as relações familiares e amorosas quanto as relações de

    trabalho seguiram o mesmo rumo, isto é, casamento e emprego não são mais para

    toda a vida.

    De acordo com Giongo (2000), os pressupostos que fundam as relações no

    mundo atual são fugazes, colocando o sujeito numa constante reinscrição e

    reformulação. Além do mais, em conformidade com a autora, independente do

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    cargo e posição hierárquica ocupada numa empresa, o trabalhador não tem

    certezas, nada irá assegurar o seu lugar, não há garantias de validade.

    O que marca a diferença no modo de funcionar contemporâneo é aexistência de uma lógica que implica incessantemente o questionamento ea reflexividade sobre as ações e direcionamento que devemos perseguirpara estabelecer nossas estratégias de ação, em face da diversidade e damultiplicidade de opções que temos oriundas de conhecimentos einformações que, cada vez mais, é possível acessar (TONELLI, 2001, p.244).

    Hoje as pessoas vivem numa superficialidade degradante que, segundo

    Sennett (2007), é motivada principalmente pela desorganização do tempo. Em

    consonância com o autor, “a seta do tempo se partiu; não tem trajetória numa

    economia política continuamente replanejada, que detesta a rotina, e de curto prazo” 

    (SENNETT, 2007, p. 117). Dessa forma, Sennett destaca que as pessoas acabam

    sentindo falta de relações constantes e de objetivos duráveis.

    O fato de sermos movidos pelo curto prazo coloca algumas questões: como

    é possível almejar relações duráveis numa cultura que se organiza pelo curto prazo?

    Quais são os sentimentos implicados nessas relações efêmeras e fugazes? Como

    construir laços de confiança? Respondendo a estes questionamentos, destacam-seas ideias de Sennett, o qual escreve que “„Não há longo prazo‟ é um princípio que

    corrói a confiança, a lealdade e o compromisso mútuo” (SENNETT, 2007, p. 24).

    Mais uma questão que se coloca é a seguinte: se nas relações de trabalho o

    que predomina é a lógica do curto prazo, que consequentemente enfraquece os

    laços de lealdade e compromisso mútuo, como manter nas relações amorosas e

    familiares estes mesmos valores fortalecidos? Essa é uma questão complexa, pois

    como é possível transmitir algo que não se tem como experiência? Numa sociedade

    em que nada está posto para durar, é complicado construir relações afetivas nas

    quais se tenha como princípios a confiança, a honestidade, a fidelidade e o

    compromisso mútuo. Uma vez que o sujeito vive relações fugazes no trabalho, ele

    tende a reproduzi-las na sua vida pessoal também.

    Existe uma idealização de passar para a família, e especialmente para filhos,

    valores necessários para que eles tenham uma boa educação e uma boa formação,

    porém alguns desses só podem ser transmitidos de maneira abstrata. Diz-se

    maneira abstrata porque aquilo que se gostaria de transmitir é bem diferente daquilo

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    que realmente se vive; não há uma real experiência que proporcione firmeza na

    passagem de alguns valores.

    Toda experiência só tem valor se ela puder ser transmitida. O que é mesmo

    que se quer transmitir das relações atuais? As parábolas, as histórias e os contos

    utilizados antigamente pelas pessoas para comunicar e ensinar lições morais e

    éticas não se mantêm nos dias de hoje, pois não há mais a experiência que os

    sustente.

    Walter Benjamin (1936) faz menção ao fato de que, atualmente, a

    experiência e a arte de narrar estão em baixa, em vias de extinção. De acordo com

    ele:

    São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente,Quando se pede num grupo que alguém narre alguma coisa, o embaraço segeneraliza. É como se estivéssemos privados de uma faculdade que nosparecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências. Umadas causas desse fenômeno é obvia: as ações da experiência estão embaixa, e tudo indica que continuarão caindo até que seu valor desaparecede todo. Basta olharmos um jornal para percebermos que seu nível estámais baixo que nunca, e que da noite para o dia não somente a imagem domundo exterior, mas também a do mundo ético sofreram transformaçõesque antes não julgaríamos possíveis. Com a guerra mundial tornou-semanifesta um processo que continua até hoje. No final da guerra, observou-

    se que os combatentes voltavam mudos do campo de batalha não maisricos, e sim mais pobres em experiência comunicável. E o que se difundiudez anos depois, na enxurrada de livros sobre a guerra, nada tinha emcomum com uma experiência transmitida de boca em boca (BENJAMIN,1936, p. 197).

    Nem só os soldados voltaram mudos dos campos de batalha. O que se

    percebe hoje é que as pessoas costumam realizar cursos, viagens, trabalham em

    vários ramos e negócios e, em muitas situações, saem caladas, sem nada a dizer.

    Nesse sentido, faz-se necessário destacar que experiência e vivência são conceitos

    distintos, pois nem toda vivência se traduz numa experiência, isto é, nem toda

    vivência é comunicável. A experiência só tem tal valor, na medida em que temos o

    testemunho dos pares.

    De acordo com Benjamin (1933), não é de se esperar que o homem

    moderno aspire a novas experiências. Na verdade, segundo o autor, o que o homem

    moderno deseja é se livrar de toda experiência, vivendo num mundo onde possa

    ostentar sua pobreza interna e externa.

    Gagnebin (2006) faz uma demarcação no conceito de experiência utilizado

    por Benjamin. A autora coloca que este se refere ao sentido forte do termo

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    desenvolvido pela filosofia, o qual alude sobre a continuidade de uma tradição em

    ser retomada e transmitida dos pais para os filhos.

    Para narrar é necessário ter a experiência. Benjamin (1936) coloca que um

    dos primeiros indícios que resulta na morte da narrativa é o surgimento do romance,

    porém ainda mais preocupante e ameaçador foi o advento da informação. Segundo

    o autor, essa nova forma de comunicação provocou uma crise no próprio romance e

    hoje é responsável pelas raríssimas narrativas que existem. “Cada manhã

    recebemos notícias de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em histórias

    surpreendentes. A razão é que os fatos já nos chegam acompanhados de

    explicações” (BENJAMIN, 1936, p. 203).

    Pode-se destacar a Internet como uma ferramenta muito importante naatualidade, uma vez que oferece um vasto espaço de comunicação e informação,

    disponibilizando vários recursos e vários serviços. A facilidade de acesso, a rapidez

    e a ampla gama de informações que podem ser extraídas desse mundo virtual,

    fazem com que, cada vez mais, as pessoas busquem aderi-la. A todo o momento

    alguém publica algo na rede; sites de notícias e entretenimento, bem como as

    páginas de pesquisa, são atualizados constantemente, pois conforme escreveu

    Benjamin (1936, p. 204) “a informação só tem valor no momento em que é nova”.Sobre a incidência da informação, Corso (2000, p. 5) destaca:

    O que é extraordinário é que nem nos damos conta de como os sistemas depensar dominantes são primários, somos entupidos de informações, masquase ninguém se ocupa em nos ensinar a pensar. A Internet é apontadacomo solução, ela é a totalidade das informações aliadas à ausência deformação. Nada mais contemporâneo, pois confundimos o tempo todoinformação com formação. Formação demanda tempo e um outro maissábio como guia, como o ideal é fazer-se por si mesmo, ser autodidata, ficacada vez mais difícil formar-se. 

    O que acontece é que quanto mais informações são disponibilizadas, mais

    as pessoas se abstêm de pensar. Benjamin (1936, p. 203) destaca que na

    modernidade “quase nada está a serviço da narrativa, e quase tudo está a serviço

    da informação”.  Todavia, de nada adianta existirem várias técnicas, máquinas e

    sistemas se o sujeito sai vazio e não é colocado para pensar.

    Na lógica contemporânea, é necessário reinventar-se constantemente para

    alcançar êxito. Nesse sentido, Tonelli (2001, p. 244) acentua que “as geraçõesatuais, porém, precisam responder rapidamente a mudanças que são contínuas e

    enfrentar múltiplas demandas tanto na vida pessoal quanto na vida do trabalho”. Da

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    mesma forma que as pessoas precisam encarar algumas mudanças, as

    organizações também acabam sofrendo alterações. Uma delas, por exemplo, é o

    fato de não mais se organizarem naquela rígida hierarquia piramidal. Segundo

    Sennett (2007), as empresas buscam tornarem-se mais planas e flexíveis,

    eliminando camadas de burocracia, assim, ao invés de organizações piramidais, a

    nova forma de organização se dá em redes.

    É necessário assinalar que, mesmo assim, a burocracia se reinventa e as

    redes não proporcionam segurança aos trabalhadores. Quanto a isso, podem-se

    destacar dois motivos: primeiro, pelo fato de serem frouxas, as pessoas podem ser

    facilmente substituídas; segundo, dentro dessa rede, não se sabe quem é que

    realmente manda e tem o poder.Sennett (2008), ao dedicar-se ao estudo e pesquisas sobre questões

    relativas ao trabalho e à mão-de-obra, faz menção ao fato de que, em condições

    fragmentadas e instáveis, características visíveis do trabalho na modernidade,

    apenas um tipo de ser humano seria capaz de prosperar, embora tivesse que

    enfrentar no mínimo três desafios.

    O primeiro desses desafios seria em relação ao tempo. De acordo com o

    autor, já que as instituições não proporcionam um ideal de longo prazo, o sujeitoacaba migrando de uma atividade para outra e de um serviço para outro.

    O segundo desafio colocado diz respeito ao talento, uma vez que é

    necessário que o mesmo indivíduo desenvolva vários potenciais e capacitações,

    pois as mudanças quanto às exigências se atualizam constantemente. Sennett

    (2008) ressalta que a ordem atual vai contra o ideal do artesanato, que era de

    aprender a fazer bem apenas uma coisa, propondo a cultura moderna, uma atuação

    baseada no mérito, em que valem as habilidades atuais e as realizações passadassão desconsideradas.

    O terceiro desafio proposto por Sennett (2008) diz respeito ao fato de o

    sujeito permitir que as experiências passadas fiquem para trás. As empresas não

    garantem mais o prolongamento do vínculo empregatício decorrente dos serviços

    prestados no passado, mas exige que o trabalhador tenha como traço de

    personalidade a facilidade de se descartar de algumas experiências.

    Cabistani (2000) faz menção às mudanças ocorridas, afirmando que a

    descentralização do trabalho como referência identitária faz com que surjam novos

    casos clínicos e novos sintomas nos trabalhadores. Segundo a autora, há um

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    discurso predominante que coloca a globalização como um caminho inevitável.

    Sendo assim, o mundo do trabalho depende de pessoas inteligentes,

    empreendedoras, com iniciativa, liderança e criatividade. Depende também de

    pessoas com disponibilidade ilimitada para o trabalho, que possuam um bom

    relacionamento interpessoal e capacidade critica.

     A respeito dessas qualificações e desafios que homens e/ou mulheres

    “ideais” da modernidade têm de enfrentar, Sennett (2008, p.14) argumenta:

    O que quero deixar claro é como uma sociedade sai em busca destehomem ou mulher ideal (...). Uma individualidade voltada para o curto prazo,preocupada com as habilidades potenciais e disposta a abrir mão dasexperiências passadas só pode ser encontrada  – para colocar as coisas emtermos simpáticos  –  em seres humanos nada comuns. A maioria daspessoas não é assim, precisando de uma narrativa continua em suas vidas,orgulhando-se de sua capacitação em algo específico e valorizando asexperiências por que passou. Desse modo, o ideal cultural necessário nasnovas instituições faz mal a muitos dos que nelas vivem.

    De acordo com Merlo (2000), as pessoas que estão inseridas nessa nova

    organização de produção capitalista, em geral têm medo de não conseguirem

    manter o desempenho adequado no trabalho e não corresponderem às exigências

    cobradas, como por exemplo: exigências de tempo, de formação, de rapidez, deinformação, de adaptação etc. Em conformidade com o autor, exigências antigas

     juntam-se com novas exigências, oriundas da busca em manter as empresas no

    nível competitivo.

    Percebe-se que muito mudou, porém nem todas as mudanças se deram no

    sentido de proporcionar às pessoas uma maior identificação com o trabalho,

    incluindo o fato de que podem ser percebidos muitos adoecimentos e sofrimentos

    patológicos em relação às novas demandas e exigências, para as quais muitos nãoestão preparados.

    No geral, podemos destacar que as possibilidades de formações técnicas

    são superiores se comparadas ao passado, porém, com o constante “pedido” de

    mudança, muitas se tornam desvalorizadas. É necessário que a pessoa passe boa

    parte da vida estudando e se atualizando profissionalmente, pois as mudanças se

    dão de forma muito rápida. Como exemplo, podemos citar os empregos na área de

    informática e eletrônicos, nos quais mal foi lançado um aparelho eletrônico ou um

    programa de computador e já está se pensando em outro mais eficiente, mais

    atualizado e que seja capaz de realizar mais coisas que o anterior. Assim,

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    capacitação, cursos e profissionalização não são indícios de que o sujeito seja dono

    de um saber eterno, pois tudo se evolui muito rápido.

    Sennett (2008) destaca que uma das principais conquistas da sociedade

    moderna foi romper com a oposição entre mental e massa. Segundo ele, as

    instituições educacionais melhoraram os padrões de alfabetização, ou seja, o sonho

    de uma criança pobre em ter uma profissão reconhecida socialmente (médico,

    advogado...)  –  que antigamente era inviável  –  hoje parece estar bastante

    disseminado. Porém, ainda nas palavras do autor, a economia continua deixando

    muitas pessoas à margem, isto é, há grande quantidade de jovens com formação

    acadêmica na condição de desempregados, ou ainda, empregados, mas não na

    área em que foram treinados. A hipótese do autor para isso é colocada da seguinteforma: “a máquina econômica pode ser capaz de funcionar de maneira eficiente e

    lucrativa contando apenas com uma elite cada vez menor” (SENNETT, 2008 p. 84).

    Outro ponto a destacar quanto às mudanças é a flexibilidade, que da

    maneira como é proposta no capitalismo contemporâneo, dá a impressão de que as

    mudanças ocorridas foram positivas e contribuíram para que o sujeito tivesse

    liberdade para organizar e realizar seu trabalho, porém há controvérsias. Segundo

    Tonelli (2001, p. 251) “nem sempre o ataque ao passado quer dizer avanço e nemsempre flexibilidade quer dizer liberdade e autonomia”. Os modelos rígidos,

    rotineiros e repetitivos vividos nas sociedades tradicionais provocavam desconforto

    para as famílias, porém não há como descartar o sofrimento causado por mudanças

    incessantes que são exigidas atualmente.

    Dessa forma, Sennett (2007, p. 9) observa:

    É bastante natural que a flexibilidade cause ansiedade: as pessoas nãosabem que riscos serão compensados, que caminhos seguir. Para tirar amaldição da expressão “sistema capitalista”, antes se criavamcircunlocuções, como sistema de “livre empresa” ou “empresa privada”.Hoje se usa a flexibilidade como outra maneira de levantar a maldição daopressão do capitalismo. Diz-se que, atacando a burocracia rígida eenfatizando o risco, a flexibilidade dá às pessoas mais liberdade paramoldar suas vidas. Na verdade, a nova ordem impõe novos controles, emvez de simplesmente abolir as regras do passado  –  mas também essesnovos controles são difíceis de entender. O novo capitalismo é um sistemade poder muitas vezes ilegível.

    Não há como descartar, eliminar e silenciar as novas formas de sofrimentospelas quais muitos trabalhadores estão expostos na modernidade. Muitas delas são

    decorrentes dessa nova forma de organização do trabalho e das novas exigências

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    feitas e refeitas o tempo todo. Por mais que as mudanças pareçam ser positivas, e

    por um lado são, é impossível não evidenciar o sofrimento que elas podem estar

    causando a alguns trabalhadores, da mesma forma que causavam as exigências do

    Taylorismo e do Fordismo. O sujeito, na modernidade, encontra-se numa busca

    incessante de algo que nem mesmo sabe o que, pois a proposta é essa: a ordem é

    mudar.

    Frente a este cenário, qual é lugar do psicólogo do trabalho nas

    organizações? Esta questão será discutida na sequência.

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    2. PSICOLOGIA E TRABALHO: UM OLHAR SOBRE O LUGAR DO

    PSICÓLOGO

     A história do trabalho humano é apontada a partir da necessidade do

    homem em suprir suas necessidades básicas, dando-se, inicialmente, através da

    caça, da coleta, da pesca etc. Com o decorrer dos anos, a partir do desenvolvimento

    das técnicas, do crescimento da economia e com o surgimento das indústrias,

    percebe-se uma expansão nos próprios objetivos do trabalho, sendo que os

    trabalhadores passam a assumir diferentes funções e ofícios dentro das

    organizações.

    Nesse viés, é importante ressaltar as ideias de Arendt (1958), a qual designaas atividades humanas fundamentais, que assim podem ser chamadas pelo fato de

    cada uma delas corresponder às condições básicas através das quais a vida foi

    dada ao homem na Terra. As atividades fundamentais ressaltadas pela autora são:

    labor, trabalho e ação.

    O labor é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpohumano, cujos crescimento espontâneo, metabolismo e eventual declíniotêm a ver com as necessidades vitais produzidas e introduzidas pelo laborno processo da vida. A condição humana do labor é a própria vida. Otrabalho é a atividade correspondente ao artificialismo da existênciahumana, existência esta não necessariamente contida no eterno ciclo vitalda espécie, e cuja mortalidade não é compensada por este último. Otrabalho produz um mundo “artificial” de coisas, nitidamente diferente dequalquer ambiente natural (...). A ação, única atividade que se exercediretamente entre os homens sem a mediação das coisas ou da matéria,corresponde à condição humana de pluralidade, ao fato de que homens, enão o Homem, vivem da Terra e habitam o mundo. (ARENDT, 1958, p. 15).

     Arendt (1958) ressalta que essas três atividades possuem uma íntima

    relação com as condições mais gerais da vida humana: o labor assegura a

    sobrevivência do indivíduo e da espécie; o trabalho e seu produto concedem certa

    permanência à futilidade da vida mortal e ao caráter efêmero do tempo; a ação, que

    se empenha em preservar os corpos políticos, cria a condição para a lembrança.

    Considerando o que Arendt propõe, apresenta-se a seguir um breve relato,

    apontando algumas diferenças entre as três atividades da condição humana.

    Evidencia-se o desprezo que se tinha pelo labor nos tempos antigos, considerando

    que, para os gregos, o labor do corpo, exigido pelas próprias necessidades deste

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    último, era servil. Os antigos valorizavam a ideia de ter escravos8, em função das

    necessidades de manutenção da vida. A escravidão, naquela época, não tinha por

    objetivo obter mão-de-obra barata, muitos menos obtenção de lucros. A escravidão

    consistia numa tentativa de excluir o labor das condições da vida humana.

    Na era moderna, o labor passa a ser glorificado como fonte de todos os

    valores e, dessa forma, o animal laborans9 é “promovido”. O motivo apontado para

    essa promoção decorre da sua produtividade10. Assim, de uma forma geral, pode-se

    dizer que na teoria antiga o labor era desprezado, enquanto na teoria moderna

    passou a ser glorificado.

    Contrariamente ao processo de trabalhar, o qual termina quando o objeto

    está pronto  – acabado e por isso pode ser acrescentado ao mundo das coisas  –, oprocesso de labor é cíclico, pois se move pelo processo biológico do organismo vivo.

    “Tudo que o labor produz destina-se a alimentar quase imediatamente o processo da

    vida humana, e este consumo, regenerando o processo vital produz  –  ou antes,

    reproduz  –  nova „força de trabalho‟ de que o corpo necessita pa ra seu próprio

    sustento” (ARENDT, 1958, p. 111). Dessa forma, o labor está imediatamente

    vinculado à vida, uma vez que o processo natural dela reside no corpo.

    O trabalho proposto por Arendt (1958) é o do artífice, que consiste nafabricação de uma variedade de coisas, cuja soma total constitui o artifício humano.

    “A palavra latina faber, que provavelmente se relaciona com facere („fazer alguma

    coisa‟, no sentido de produção), aplica-se originariamente ao fabricante e artista que

    trabalha com materiais duros, como pedra ou madeira” (ARENDT, 1958, p. 149). O

    homo faber é inteiramente dependente de suas mãos, sendo que os utensílios e

    instrumentos utilizados por ele determinam todo trabalho e toda fabricação. Dessa

    8  De acordo com Arendt (1958, p. 94) “laborar significava ser escravizado pela necessidade,escravidão inerente às condições da vida humana. Pelo fato de serem sujeitos às necessidades davida, os homens só podiam conquistar a liberdade subjugando outros que eles, à força, submetiam ànecessidade”.9 Sennett (2013) faz a distinção, em seu livro O artífice, entre Animal laborens e Homo faber – termosutilizados por Arendt. “ Animal Laborens é, como já indica o nome, o ser humano equiparado a umabesta de carga, o trabalhador braçal condenado à rotina. Arendt enriquece a imagem imaginando-oabsorto numa tarefa que o mantém isolado do mundo” (SENNETT, 2013, p. 16). Sobre o Homo faber,Sennett evidencia que é “a imagem que ela (Arendt) apresentava de homens e mulheres fazendo umoutro tipo de trabalho, criando uma vida em comum (...) O Homo faber é o juiz do labor e da práticamateriais, não um colega do Animal Laborens, mas seu superior” (SENNETT, 2013, p. 16). 10

      Segundo Arendt (1958), o fascínio pela produtividade real e sem precedentes da humanidadeocidental, fizeram com que a era moderna, em geral, e Karl Marx em particular, tendessem “quaseirresistivelmente a encarar todo o labor como trabalho e a falar do animal laborans em termos muitomais adequados ao homo faber, como a esperar que restasse apenas um passo para eliminartotalmente o labor e a necessidade” (ARENDT, 1958, p. 98). 

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    forma, pode-se dizer que os fins justificam os meios, isto é, o produto final

    determinará o que será necessário para o processo de trabalho.

    O homo faber é realmente amo e senhor, não apenas porque é senhor ouse agarrou ao papel de senhor de toda a natureza, mas porque é senhor desi mesmo e de seus atos. Isto não se aplica ao animal laborans, sujeito àsnecessidades de sua existência, nem ao homem de ação, que sempredepende de seus semelhantes. (ARENDT, 1958, p. 157).

    Em relação à ação, Arendt (1958) destaca que, em si mesma, ela não

    produz e nem gera alguma coisa. Para que a ação se transforme em coisas

    mundanas é necessário ser, primeiramente ouvida e lembrada e, em seguida

    transformada, coisificada. É através de palavras e atos que o homem se insere nomundo – essa inserção é como um segundo nascimento no qual o homem confirma

    e assume o fato original e singular do seu aparecimento. Nesse sentido, agir

    significa tomar iniciativa, imprimir um movimento a algum