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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA ASSESSORIA DE RECURSOS CONSTITUCIONAIS CRIMINAIS 1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR TERCEIRO VICE-PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pelo Subprocurador-Geral de Justiça de Assuntos Criminais e de Direitos Humanos, nos autos do habeas corpus n.º 0011759-58.2020.8.19.0001, impetrado pela advogada Dr.ª LUCIANA BARBOSA PIRES, em que figura como paciente o Senador da República FLÁVIO NANTES BOLSONARO, vem manifestar-se sobre a certidão de fls. 345 que apontou os Recursos Especial e Extraordinário interpostos pelo Ministério Público como intempestivos. Inicialmente é preciso esclarecer que assiste razão à Serventia no que diz respeito à intimação do Ministério Público no dia 02 de julho de 2020, pois uma Procuradora de Justiça com atribuição recursal concorrente peticionou apondo ciência da decisão no dia 03 de julho de 2020, mas acessou a intimação eletrônica no dia anterior, dando início à contagem do prazo recursal. Contudo, a certidão de intempestividade dos Recursos Especial e Extraordinário exarada por Serventuário do Tribunal de Justiça nos autos do habeas corpus nº 0011759-58.2020.8.19.0000 não se coaduna à nova sistemática de processamento dos recursos constitucionais instituída pela Lei nº 13.964/2019. Em que pese vigorar no Supremo Tribunal Federal até o ano de 2019 o entendimento de que não se aplicariam as regras do Código de Processo Civil para

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ASSESSORIA DE RECURSOS CONSTITUCIONAIS CRIMINAIS

1

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR TERCEIRO VICE-PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pelo

Subprocurador-Geral de Justiça de Assuntos Criminais e de Direitos Humanos, nos autos

do habeas corpus n.º 0011759-58.2020.8.19.0001, impetrado pela advogada Dr.ª LUCIANA

BARBOSA PIRES, em que figura como paciente o Senador da República FLÁVIO NANTES

BOLSONARO, vem manifestar-se sobre a certidão de fls. 345 que apontou os Recursos

Especial e Extraordinário interpostos pelo Ministério Público como intempestivos.

Inicialmente é preciso esclarecer que assiste razão à Serventia no que diz

respeito à intimação do Ministério Público no dia 02 de julho de 2020, pois uma Procuradora

de Justiça com atribuição recursal concorrente peticionou apondo ciência da decisão no

dia 03 de julho de 2020, mas acessou a intimação eletrônica no dia anterior, dando início à

contagem do prazo recursal.

Contudo, a certidão de intempestividade dos Recursos Especial e

Extraordinário exarada por Serventuário do Tribunal de Justiça nos autos do habeas corpus

nº 0011759-58.2020.8.19.0000 não se coaduna à nova sistemática de processamento dos

recursos constitucionais instituída pela Lei nº 13.964/2019.

Em que pese vigorar no Supremo Tribunal Federal até o ano de 2019 o

entendimento de que não se aplicariam as regras do Código de Processo Civil para

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contagem de prazos de recursos constitucionais1, a partir da vigência do Pacote Anticrime, em janeiro de 2020, o artigo 638 do Código de Processo Penal passou a prever expressamente a aplicabilidade da lei processual civil no processamento dos Recursos Especial e Extraordinário:

Art. 638. O recurso extraordinário será processado e julgado no Supremo Tribunal Federal na

forma estabelecida pelo respectivo regimento interno. (Redação Original)

Art. 638. O recurso extraordinário e o recurso especial serão processados e julgados no

Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça na forma estabelecida por leis

especiais, pela lei processual civil e pelos respectivos regimentos internos. (Redação

dada pela Lei nº 13.964, de 2019 – grifos nossos)

A nova e recente regulamentação da matéria teve por escopo seguir a

estrutura dogmática pátria que permeia a jurisdição constitucional, buscando conferir

uniformidade no tocante aos diversos elementos que a englobam, seja no tocante aos

instrumentos processuais em si, seja na própria arquitetura orgânica do Superior Tribunal

de Justiça e Supremo Tribunal Federal, os quais, diversamente dos órgãos colegiados que

atuam nos recursos ordinários, não possuem segmentação em razão da matéria objeto da

demanda respectiva. A estruturação possui como foco a unificação, em sua integralidade,

do tratamento jurídico a ser atribuído a instituto único.

Nessa linha, atualmente contamos com um comando normativo, inserido topograficamente no corpo do Código de Processo Penal, o qual estipula que nas

hipóteses específicas, taxativa e expressamente enumeradas, não se aplica o disposto,

como norma geral, no próprio Código de Processo Penal, remetendo – expressamente,

repita-se – a diplomas normativos diferentes desse.

Portanto, invocáveis em tela para a formação do convencimento do ora

sustentado, não só (1) o argumento da prevalência de normas especiais, em detrimento

de normas gerais, conferindo homenagens ao princípio da especialidade, como um dos

1 STF, Rcl 25638 Rcon-QO / MG, Min. Edson Fachin, DJ 09/05/2019.

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reitores da interpretação jurídica, (2) o princípio da temporalidade, segundo o qual normas posteriores, incompatíveis com normas anteriores, revogam essas últimas, retirando-lhes

integralmente a validade jurídica, como, por fim, (3) o argumento topográfico, que

apresenta considerável peso na hipótese, justamente porque a própria lei que regula o

processo penal, de onde se extraem os comandos normativos sobre processo penal, de

modo claro, transfere a disciplina da matéria para diploma normativo diverso, estipulando literalmente que seja aplicado o novo Código de Processo Civil, em desfavor da norma

que, a priori, deveria ser aplicada, caso não houvesse a estipulação ora em estudo. O

próprio Estatuto Processual Penal afirma que ele não será aplicado na contagem de prazos

dos Recursos Especial e Extraordinário.

Portanto, qualquer inferência hermenêutica contrária à incidência do artigo

638 do Código de Processo Penal, de acordo com o texto advindo da recente alteração

atribuída pela Lei 13.964/19, encontra obstáculo intransponível nos argumentos acima

elencados, salientando que todos esses são autônomos, o que permite, caminhando

adiante, a afirmação de que bastaria um deles para justificar a conclusão aposta nessa

peça.

Nesse viés, seguindo a determinação do mencionado artigo 638 do CPP e

aplicando a legislação processual civil, salientemos que a sistemática do Novo Código de

Processo Civil considera apenas os dias úteis na contagem dos prazos processuais,

conforme preceituado em seu artigo 219, sejam eles, indistintamente, estabelecidos pelo

juiz, como também aqueles constantes de lei, como no presente caso. Paralelamente, o

artigo 180 do mesmo diploma processual estabelece que o Ministério Público terá prazo em

dobro para manifestar-se nos autos, com fundamento no princípio da isonomia material, em

virtude do volume diferenciado de processos que reclamam a atuação ministerial. A

conjugação dos preceitos citados, mesmo considerando a intimação em 02 de julho de

2020, o prazo de 30 dias úteis teve início no dia 03 de julho de 2020, que porta à conclusão

de que o prazo recursal só venceria em 13 de agosto de 2020.

Entretanto, ainda que viéssemos a desconsiderar o prazo em dobro conferido

ao Ministério Público por expressa disposição legal, do mesmo modo, os Recursos Especial

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e Extraordinário interpostos não padeceriam de intempestividade. Isso porque, aplicando a

norma correta ao caso concreto, qual seja, artigo 638 do Código de Processo Penal c/c

artigo 219 do Código de Processo Civil, levando em consideração os dias úteis, o prazo

recursal finalizar-se-ia apenas em 23 de julho do ano corrente, ou seja, 3 dias após a efetiva

protocolização de ambos os recursos constitucionais.

Cabem parênteses apenas para esclarecermos de que o artigo 638 do Código

de Processo Penal faz expressa menção também às leis especiais e aos respectivos

regimentos internos como balizas normativas para a contagem dos prazos recursais, já que

o tema se insere na temática de processo. Todavia, a Lei 8038 de 1990, lei especial que

institui normas procedimentais para os processos perante o Superior Tribunal de Justiça e

o Supremo Tribunal Federal, teve todo o capítulo, compreendido entre os artigos 26 a 29,

que versava sobre os Recursos Especial e Extraordinário, expressamente revogado pelo

Novo Código de Processo Civil.

Por outro lado, no que toca aos regimentos internos também referidos na nova

redação do artigo 638 do Código de Processo Penal, o artigo 321 do RISTF estabelece que

o recurso extraordinário será interposto no prazo estipulado na legislação processual

pertinente. De igual modo, o RISTJ determina no caput do artigo 255 que a interposição do

recurso especial se dará na forma e no prazo estabelecidos na legislação processual

vigente. Portanto, ambos os regimentos seguem a mesma orientação, remetendo a

legislação processual pertinente, ou seja, ao artigo 638 do Código de Processo Penal, que,

in casu, remete ao Código de Processo Civil, como exaustivamente já evidenciado.

Por fim, enfatizamos que é de conhecimento dos subscritores da presente

peça o posicionamento reinante até há pouco nos Tribunais Superiores pátrios acerca do

entendimento dual sobre a contagem de prazos nas hipóteses de recurso especial e recurso

extraordinário, aplicando-se regras distintas em conformidade com a esfera jurídica tratada,

segmentando-as unicamente em penal e extrapenal, exemplificado pela Reclamação STF

25638, de 09 de maio de 2019, de relatoria do Ilustre Ministro Edson Fachin.

Todavia, esse ponto reclama especial atenção. Isso porque esse e outros

precedentes a serem eventualmente colacionados dizem respeito à anterior sistemática

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normativa de contagem de prazo, quando ainda não vigorava a nova redação do artigo 638

do Código de Processo Penal, cuja vigência, repita-se, iniciou-se tão somente em janeiro

do ano em curso.

Tal afirmação pode ser inferida não somente pelas datas apostas nos

referidos precedentes, datadas de 2019 ou anos anteriores, como pelo fato de não

enfrentarem, expressa ou implicitamente, os reflexos e questionamentos jurídicos advindos

da referida alteração legislativa, que atualmente pauta a solução da questão. Em outras

palavras, os pronunciamentos de nossos egrégios tribunais não debruçam suas motivações

decisórias sobre a recentíssima modificação introduzida na contagem do prazo, havendo

uma lacuna jurisprudencial em relação a esse tópico específico, de modo que pudéssemos

asseverar que o mesmo já teria sido objeto de ponderação pelas mencionadas Cortes e

houvessem sido pelas elas rechaçados.

Portanto, como os Recursos Especial e Extraordinário de fls. 280 e 304 foram interpostos em 20 de julho de 2020, são claramente tempestivos pela nova sistemática introduzida pela Lei nº 13.964/2019, razão pela qual requer o Ministério Público a retificação da certidão de fls. 345.

Rio de Janeiro, 11 de agosto de 2020.

RICARDO RIBEIRO MARTINS Subprocurador-Geral de Justiça de Assuntos Criminais e de Direitos Humanos

PATRICIA DO COUTO VILLELA Coordenadora do Grupo de Atuação Especializada de Combate à Corrupção