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68 Jazon Ferreira Primo Junior 1 Wilson José Vasconcelos Dias 2 Ivan Leite Fontes 3 Robson Andrade Santos 4 1 – Engenheiro Agrônomo, Coordenador Técnico de ATER – SUAF/SEAGRI; e-mail: [email protected] 2 – Engenheiro Agrônomo, Superintendente da Agri- cultura Familiar – SUAF/SEAGRI; e-mail: [email protected] 3 – Economista, Diretor de Desenvolvimento Territorial – SUAF/SEAGRI; e-mail: [email protected] 4 – Engenheiro Agrônomo, Especialista em Gestão da Inovação Tecnológica, Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS; e-mail: [email protected] A pesar de ser um direito cons- titucional – a Constituição Federal de 1988 e a Lei Agrícola de 1991 determinam que a União mantenha os serviços de ATER pública e gratuita para os peque- nos agricultores – , na década de 90, assistimos o sucateamento dos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), com a ex- tinção da Empresa Brasileira de As- sistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER). Esse período coinci- de com a intensificação das refle- xões e questionamentos acerca do modelo de desenvolvimento rural, amplamente difundido pela exten- são rural brasileira desde a década de 60, baseado, dentre outros fa- tores, na ampla utilização de agro- tóxicos, na concentração da terra e na compreensão de que o meio rural se constituía num espaço ex- clusivamente dedicado à produção agropecuária, desconsiderando os aspectos socioambientais e cultu- rais do campo brasileiro. Movimentos do campo, organi- zações sociais e outros setores progressistas da sociedade vêm refletindo e propondo novas estra- Assistência técnica e extensão rural: novos caminhos para o desenvolvimento rural sustentável Foto: Acervo EBDA

Assistência técnica e extensão rural: novos caminhos para ... · Extensão Rural para a Agricultura Familiar – PEATER, através da Lei Estadual nº 12.372/2011. Os princípios

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Jazon Ferreira Primo Junior1

Wilson José Vasconcelos Dias2

Ivan Leite Fontes3

Robson Andrade Santos4

1 – Engenheiro Agrônomo, Coordenador Técnico de ATER – SUAF/SEAGRI; e-mail: [email protected]

2 – Engenheiro Agrônomo, Superintendente da Agri-cultura Familiar – SUAF/SEAGRI; e-mail: [email protected]

3 – Economista, Diretor de Desenvolvimento Territorial – SUAF/SEAGRI; e-mail: [email protected]

4 – Engenheiro Agrônomo, Especialista em Gestão da Inovação Tecnológica, Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS; e-mail: [email protected]

A pesar de ser um direito cons-titucional – a Constituição

Federal de 1988 e a Lei Agrícola de 1991 determinam que a União mantenha os serviços de ATER pública e gratuita para os peque-nos agricultores – , na década de 90, assistimos o sucateamento dos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), com a ex-tinção da Empresa Brasileira de As-sistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER). Esse período coinci-de com a intensificação das refle-xões e questionamentos acerca do modelo de desenvolvimento rural,

amplamente difundido pela exten-são rural brasileira desde a década de 60, baseado, dentre outros fa-tores, na ampla utilização de agro-tóxicos, na concentração da terra e na compreensão de que o meio rural se constituía num espaço ex-clusivamente dedicado à produção agropecuária, desconsiderando os aspectos socioambientais e cultu-rais do campo brasileiro.

Movimentos do campo, organi-zações sociais e outros setores progressistas da sociedade vêm refletindo e propondo novas estra-

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desenvolvimento rural sustentável

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tégias para estimular o desenvol-vimento no meio rural brasileiro, em bases mais sustentáveis. Isto inclui uma agricultura sustentável baseada nos princípios agroeco-lógicos. Este modo de produção pautado pela sustentabilidade econômica, social e ambiental, leva em consideração, dentre ou-tros aspectos, a inclusão social das famílias rurais envolvidas no processo de produção e a produ-ção de alimentos visando a segu-rança e a soberania alimentar.

A partir do Governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, o Minis-tério do Desenvolvimento Agrário (MDA) amplia substancialmente seu orçamento e ações. Prova maior disso é o crescimento es-trondoso dos recursos do PRO-NAF (Programa Nacional de Forta-lecimento da Agricultura Familiar). Além das ações diretas, voltadas ao desenvolvimento do campo brasileiro, era importante, também, instituir um marco legal, necessá-rio para consolidar estas políticas públicas. Com esse objetivo, a Lei Federal nº 12.188/2010 institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária – PNATER. Seguindo esta trajetória, o Governo do Estado da Bahia também instituiu a Política Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar – PEATER, através da Lei Estadual nº 12.372/2011.

Os princípios contidos nestes dois importantes marcos jurídi-cos, dentre outras coisas, estabe-lecem, a adoção da agroecologia,

da promoção do desenvolvimento sustentável e da garantia de uni-versalização da assistência técni-ca e extensão rural para a agricul-tura familiar e reforma agrária.

ATER PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

Um novo Brasil rural emerge. Fortalecido, diversificado e sus-tentável, capaz de contribuir decisivamente para a constru-ção de um País mais justo e com a tão desejada equidade social. Esse novo Brasil rural surge impulsionado pela ines-gotável capacidade produtiva de 4,3 milhões de famílias que vivem na terra e dela produzem 70% dos alimentos consumidos diariamente pelos brasileiros (BRASIL, 2010a). Estes agricul-tores e agricultoras familiares dispõem, hoje, de um conjunto de políticas públicas de apoio a sua atividade produtiva tendo a Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) como instrumen-to catalisador desse processo de desenvolvimento que visa à sustentabilidade.

O grande desafio de ampliar o acesso dos agricultores/as familiares às políticas públicas; de qualificar o acesso e a aplica-ção das políticas públicas, com controle social; de estimular am-pliação da qualidade de vida no campo; e de produzir com quali-dade e com respeito aos princí-

pios agroecológicos dependem da oferta, com qualidade, dos serviços de ATER.

A história nos sugere que esta as-sistência técnica, disponibilizada aos/as agricultores/as familiares não pode manter o foco apenas na produção e na produtividade, nem ser pautada pelos interesses exclusivos do capital e das gran-des empresas, ou mesmo, des-considerar o conhecimento en-dógeno das comunidades rurais, suas particularidades e história.

A nova assistência técnica, con-forme prevê as Leis Nacional e Estadual de ATER, tem que ter um caráter educativo e transfor-mador, que estimula um modelo justo, solidário e sustentável. O bem-estar das famílias deve figu-rar no centro das ações, além de considerar as condições especí-ficas de cada sistema cultural e agroecossistema.

Acredita-se que à medida que a ATER for incorporada na vida co-tidiana do/a agricultor/a familiar, naturalmente, haverá o desenvol-vimento de uma agricultura mais saudável e responsável com a qualidade sanitária do alimento que será consumido pelo povo do campo e da cidade. Contu-do, é evidente a necessidade de aumento dos índices de produ-tividade da agricultura familiar conciliando com a qualidade do alimento que chegará a mesa da sociedade brasileira e mundial. Certamente que este estágio ape-nas será alcançado com ações e ou investimentos de médio e lon-

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go prazo, como desenvolvimento da pesquisa, das novas tecnolo-gias e inovação, formação profis-sional dos técnicos e técnicas, a integração das políticas públicas e o acesso a terra.

AGRICULTURA FAMILIAR BAIANA E O ACESSO A ASSISTÊNCIA TÉCNICA

Em 2006, pela primeira vez o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-tica (IBGE) quantificou a partici-

pação da agricultura familiar na geração de empregos e renda no País. Os resultados divulga-dos demonstram e comprovam a importância econômica e so-cial da agricultura familiar para o Brasil. O Censo identificou que o Estado da Bahia, com 665.831 famílias rurais (IBGE, 2006), que vivem no campo sob o regime de economia familiar, destaca-se no cenário nacional como o Estado com maior número de estabele-cimentos rurais geridos por agri-cultores/as familiares.

Outros números apresentados reforçam o entendimento sobre a importância e dimensão desta agricultura familiar. A Tabela 1 traz

alguns desses números referente ao Estado da Bahia, em compara-tivo com o Brasil.

A justificativa para escolha da agri-cultura familiar como público bene-ficiário dos projetos de desenvolvi-mento rural, dentre eles a ATER, é amparada pela notada importância do setor para segurança e sobe-rania alimentar. A Tabela 1 mostra que, embora ocupe apenas 34% da área total, a agricultura familiar responde por 77% do alimento pro-duzido no Estado da Bahia.

O setor destaca-se também na geração de emprego com 81% do pessoal ocupado na agricultura, sendo 18,9 trabalhadores a cada

TABELA 1 IMPORTÂNCIA ECONÔMICA E SOCIAL DA AGRICULTURA FAMILIAR

PERFIL DA AGRICULTURA FAMILIAR BRASIL BAHIANº Propriedades de Agricultores/as Familiares 4.500.000 665.000% da Produção Agropecuária da Agricultura Familiar (Total) 54% 44%% Área Ocupada da Agricultura Familiar (Total) 31% 34%% Produção de Alimentos pela Agricultura Familiar (Total) 70% 77%Nº Empregos a cada 100 ha na Agricultura Familiar 16,1 18,9Nº Municípios tipicamente rurais 3.255 378Pessoal Ocupado 74% 81%Fonte: IBGE (2009)Elaboração: Autores

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100 hectares contra apenas 2,3 da agricultura patronal.

Apesar de ocupar uma área menor de plantio e pastagens, a agricultu-ra familiar é a principal fornecedora de alimentos básicos para popula-ção baiana, como feijão 83%, leite 52%, mandioca 91%, milho 44%, aves 60% e suínos 76%.

A instituição da Política Estadual de Assistência Técnica e Exten-são Rural (PEATER) e do Progra-ma Estadual (PROATER) são as bases para garantir o financia-mento e a garantia da manuten-ção da prestação dos serviços de ATER na Bahia. Essa ação per-mitiu, já em 2012, o lançamento de duas chamadas públicas para contratação de entidades/institui-ções prestadoras de serviços de ATER, com metas definidas para o atendimento de 38 mil famílias.

A garantia de amplo atendimen-to da oferta dos serviços de ATER exige a organização de um “siste-ma” interinstitucional, composto pelas entidades civis prestadoras de serviços de assistência técnica, pela Empresa Baiana de Desenvol-

vimento Agrícola (EBDA), pela Co-missão Executiva de Planejamento da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), Prefeituras Municipais, dentre ou-tras instituições. O financiamento deste sistema também é diverso, contando, para isso, com recursos de organismos internacionais, do Governo Federal, através do MDA, CODEVASF, dentre outros, além do Governo do Estado da Bahia que, por meio do Programa Vida Melhor, tem como meta atender 280 mil fa-mílias com os serviços de ATER.

Outros elementos são, também, necessários para o bom funciona-mento deste complexo sistema de ATER na Bahia: ampliação das Cha-madas Públicas; fortalecimento da rede de entidades prestadoras de serviços de ATER; e o ordenamento dos serviços através da elaboração dos Planos Municipais/Territoriais de ATER. Estes elementos são peças de planejamento e constituem im-portantes instrumentos, construídos participativamente, para permitir o controle social sobre metas, quali-dade e distribuição dos serviços.

Um aspecto inovador da nova ATER deve ser, também, a bus-

ca pela ampliação do acesso dos/as agricultores/as familiares a outras políticas públicas fun-damentais para a emancipação social destes. O crédito, a infra-estrutura, o apoio a comercializa-ção, além dos serviços de saúde, educação, dentre outros, que são fundamentais para a transforma-ção da vida no campo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados dessa nova fase da ATER serão, assim, sentidos no curto e médio prazo na Bahia. Mais agricultores familiares sendo atendidos de forma mais qualificada e permanente implicará em melhor manejo dos sistemas produtivos em todos os elos das cadeias produti-vas, que, por sua vez, proporcio-nará mais renda, mais emprego e melhor sustentabilidade ambiental. Implicará, também, na ampliação e qualificação das políticas públicas complementares, que rapidamente multiplicarão seus efeitos na vida das pessoas e da economia dos municípios baianos.

Referências

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Fundamentos teóricos, orientações e procedimentos metodológicos para construção de uma pedagogia de ATER. Brasília: MDA/SAF, 2010. 45p.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Um novo Brasil rural. Brasília: MDA, 2010a. 124p.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Secretaria de Agricultura Familiar. Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural: versão final 25/05/2004. Brasília: MDA/SAF, 2004. (Grupo de Trabalho de Ater).

CAPORAL F. R.; COSTABEBER J. A. Agroecologia: alguns conceitos e princípios. Brasília: MDA/SAF/DATER-IICA, 2007. 24p.

CAPORAL F. R.; COSTABEBER J. A. Agroecologia: enfoque científico e estratégico para apoiar o desenvolvimento rural sustentável. Porto Alegre: EMATER/RS-ASCAR, 2002.

FRANÇA, C. G. et al. O Censo Agropecuário 2006 e a agricultura familiar no Brasil. Brasília: MDA, 2009.

IBGE. Censo Demográfico. Rio de janeiro. 2006.