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ASTREINTES - EFICÁCIA E EFETIVIDADE

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ASTREINTES – EFICÁCIA E EFETIVIDADE

Marta Helena Baptista da Silva Jung

Não são poucos os operadores do direito que têm se ocupado com a reforma do Código de Processo Civil pátrio na busca de soluções visando maior celeridade e efetividade processual. Entretanto, a nova redação do artigo 461 e a inclusão do artigo suplementar 461-A, dado pela Lei 10.444 de 07.05.2002, despertou em alguns autores uma maior preocupação com o já antigo instituto das astreintes e suas peculiares características.

A doutrina tem estudado o tema, abordando aspectos importantes sobre sua natureza jurídica, sua função na dinâmica processual, sua eficácia, trazendo questões, que se não bem solucionadas, retiram a razão de ser do instituto.

Este trabalho tem a modesta pretensão de, ao fazer uma análise do instituto das astreintes, levantar algumas questões que têm dificultado o entendimento em relação ao momento da sua exigibilidade, criando divergências doutrinária e jurisprudencial.

Nesta oportunidade pretendemos tecer algumas considerações acerca de determinadas controvérsias doutrinárias geradas, a nosso ver, pelo entendimento desfocado de alguns autores. A doutrina brasileira já expôs as semelhanças existentes entre a multa diária estabelecida pelos artigos 267, 461 e 461-A, acrescido pela Lei 10.444 de 07.05.2002, e as astreintes do direito francês, com alguns elementos caracterizadores do contempt of court.

O tema que tem ocupado a doutrina brasileira se refere a natureza jurídica das astreintes e seu caráter acessório. Embora a multa cominatória seja de natureza reconhecidamente coercitiva, quanto à sua acessoriedade, a doutrina vem entendendo que por se tratar de medida assecuratória, esta só poderá ser exigível após o trânsito em julgado da sentença que tenha resultado desfavorável a quem fora imposta a multa ou em caso de sentença pendente de recurso recebido somente no efeito devolutivo, quando se poderá executá-la provisoriamente, sob pena de o vencedor no processo, ser obrigado ao pagamento do valor da multa, promovendo o enriquecimento sem causa da parte sucumbente. Divergindo deste posicionamento, entendemos que a acessoriedade está limitada apenas pela sua classificação como medida de coerção para atingir determinado fim, qual seja, pressionar o demandado a cumprir determinação judicial. Efetivamente, não se trata de enriquecimento ilícito, uma vez que a multa cominatória não tem natureza reparatória nem caracteriza contraprestação de obrigação. A tese esposada tem amparo na jurisprudência firmada pelo Tribunal de Justiça do RS, que ao manifestar-se sobre a questão, assim se pronunciou: ...“ A obrigação de fazer ou não fazer fixada em compromisso de ajustamento, caso não adimplida, enseja execução especifica, sem prejuízo da multa estabelecida no titulo, que pode ser cobrada pela via da execução por quantia certa. Não ha limite para a fixação da multa, e sua fixação deve ser em valor elevado, para que iniba o devedor com intenção de descumprir a obrigação. O objetivo precípuo das “astreintes” e compelir o devedor a cumprir a obrigação e sensibiliza-lo de que vale mais a pena cumprir a obrigação do que pagar a pena pecuniária. Nesse sentido, a ilimitacão da multa nada tem a ver com enriquecimento ilícito do credor, porque não é contraprestação de obrigação, nem tem caráter reparatório”.

Com efeito, o caráter acessório das astreintes está relacionado com a tutela do bem jurídico que se busca preservar, no curso do processo. Assim, deferido o pedido em tutela antecipada, a qualquer tempo, seja através de decisão interlocutória, sentença ou acórdão, ou mesmo em fase executória, expedida ordem de cumprimento, esta deve ser

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cumprida. Esta é a questão fundamental, muitas vezes ignorada pelos autores.

Ora, o deferimento de medida antecipatória pressupõe a existência de verossimilhança, prova inequívoca e justo receio de dano irreparável ou de difícil reparação, requisitos formadores do conhecimento do magistrado, mesmo que sumário, capaz de convencê-lo do direito pleiteado, a ponto de, não somente deferir a tutela pretendida, como ter a preocupação de impor cominação, para o caso de desobediência, como um meio assecuratório do cumprimento da medida. Assim, a multa cominatória constitui a rigor uma forma de pressão sobre a vontade do réu, que se destina basicamente a efetividade da ordem judicial.

O ilícito processual configura-se como "desobediência consumada", independentemente do resultado do processo que dera origem à imposição da multa. Seja com a vitória, seja com a sucumbência da parte contra quem o julgador impusera a cominação, desobediência terá havido. Portanto, não havendo o devido recurso contra a decisão que impõe a cominação de multa pelo descumprimento, no devido prazo legal, resta preclusa a matéria, podendo a nosso ver, ser de pronto executada.

Trata-se, segundo o ensinamento do mestre TEORI ALBINO ZAVASCKI , de ação de execução fundada em decisão interlocutória não antecipatória, que impõe ao executado multa com fundamento nos artigos 601 ou 644 e 645 do CPC. Segundo o festejado jurista “em todos estes casos, o título executivo, consubstanciado em decisão interlocutória, define norma jurídica individualizada cujo fato gerador é superveniente à relação processual e, por isso mesmo, dá origem a obrigação autônoma e independente da que constitui objeto do processo”.

A lição de Barbosa Moreira, também no sentido da imediata exeqüibilidade da multa coercitiva e cominatória, é irrespondível. Tratando dessas sanções patrimoniais, escreve o consagrado processualista:

"Em mecanismo processual bem construído, devem elas, para mostrar-se praticamente eficazes, observar dois requisitos: a) não ficar o valor respectivo sujeito a limite prefixado, que coincida com o da obrigação; b) aplicar-se desde logo, uma vez descumprida a ordem de abstenção" (sem os grifos no original) . . . Considerações análogas são cabíveis com referência ao outro requisito, (o de sua imediata exigibilidade), cuja necessidade é até maior que a do primeiro. Com efeito: se se adota o alvitre de deferir a incidência da multa para momento posterior à infração do preceito (trânsito em julgado da sentença que julgue procedente o pedido, citação do vencido para a execução, e assim por diante), é óbvio que se está concedendo ao réu, a priori, uma espécie de "anistia" como relação ao período que eventualmente decorra entre a desobediência à ordem (isto é, entre a violação do dever de abster-se) e aquele momento posterior –– período cuja duração, conforme as circunstâncias, pode ser bastante longo. Nessas condições, a força do preceito dilui-se em tal medida, que já não se poderá a rigor contar com a providência como elemento eficaz de um mecanismo de tutela preventiva" ("A tutela específica do credor nas obrigações negativas", in Temas de direito processual, 2ª Série, 1980, Saraiva, pp. 39-40).

Apoiando-se em idêntica lição do Min. Teori Zavascki, escreve Guilherme Rizzo Amaral:

". . .o título executivo que autoriza a cobrança da multa é autônomo e independente em relação ao que sustenta a execução da obrigação de fazer ou de não fazer' admite sua execução antes mesmo da sentença de mérito, execução esta que será definitiva ou provisória, dependendo de estar ou não a decisão que fixa as “astreintes” submetida a recurso"

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Marcelo Lima Guerra , por sua vez, vai ainda mais longe, ao preconizar que se cobrem as multas diárias, parcialmente "enquanto ela ainda está incidindo" uma vez que o valor a ser exigido não precisa mais do que simples operação aritmética".

Tratando do procedimento aplicável à efetivação das medidas urgentes de natureza antecipatória, mostra Sérgio Arenhart que “o cumprimento de tais decisões não se compadece com a morosidade do processo executivo, próprio das sentenças condenatórias, por isso que o respectivo cumprimento deve dar-se imediatamente, sem as delongas do procedimento comum executivo”.

Da mesma forma, entendeu o Tribunal de Justiça do RS, por sua Décima Quarta Câmara Cível em julgamento do Agravo de Instrumento nº 70005680657, tendo como relator o Des. Aymoré Roque Pottes De Mello, do qual se transcreve parte da ementa: ... “As astreintes são auto-executáveis nos próprios autos da demanda em que cominadas, sem necessidade do prévio ajuizamento, pela parte beneficiaria dessa multa processual, de ação de execução de obrigação de fazer. 4. No ponto, alias, o devido processo legal e o direito a ampla defesa ficam asseguradas para ambas as partes, e não só para aquela contra a qual e dirigida a ordem cominatória violada, por via da malha recursal cabível a espécie (duplo grau de jurisdição), âmbito em que a conformidade de qualquer das partes com o decidido gera preclusão temporal. 5. No caso, havendo numerário do infrator depositado nos autos, a exigência de processo de execução para cobrança da multa viola o principio de economia processual, impondo ônus desnecessário para ambas as partes e para o próprio juízo da causa originaria”.

A multa diária cuidadosamente inserida em nosso ordenamento jurídico, tem o condão de, através de coação moral, inibir a parte a quem se destina o comando judicial, ao descumprimento da ordem, mantendo íntegra a dignidade da justiça e a efetividade processual. Este é o fim último da norma.

Entretanto, se mesmo com a fixação de multa pelo descumprimento, ainda assim a parte a ignora e descumpre a medida, caracterizado está o ilícito processual e não há razão para que esta não arque com o ônus daí advindo, independentemente da sentença de procedência. Caso contrário se estaria oportunizando à parte infratora que permanecesse impune até o resultado final da demanda, que no caso de procedência estaria desonerada do pagamento, não sofrendo punição alguma pelo desacato ao comando judicial.

Assim, a imediata execução das astreintes é importante forma de inibir o litigante faltoso a resistir ao cumprimento das determinações judiciais e manter a confiança pública na seriedade do sistema jurídico brasileiro, bastando que se demonstre o período em que se caracterizou o ilícito, com seu termo inicial e final.