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Ate o Centro

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Revista dedicada a arte urbana belo horizontina. Por Cidadão Comum

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Caminho em ruínas de um tempo que ainda não passou. Tudo em volta se desfazendo tão rápido quanto quando formado. O concreto se rompendo no aço, poeira no ar. Fragmentos transformados em morros aplainados para pas-sarmos. Passamos por cima e isso basta. Como se bastasse!

Ruínas de vida para abrir o caminho. Memórias que se escondem em lugares que não vemos, em pessoas que não percebemos, porque passamos, num passo de tempo apressado. Sentimos e ouvimos notícias de outros ontens, resquícios do que havia. Tudo que víamos agora não é mais, é outra coisa, e não estranhamos. Como se não fôssemos estranhos!

Caminhamos mais rápidos do que nossos pas-sos, que já não cabem no tempo para transpor o caminho. Somos tantos e estamos em tantos lugares que nossos corpos se encontram em si mesmos e em outros apenas quando convêm. Definimos nosso tempo pelo que foi definido por outro, alguém indefinido. E todo o espaço que ocupamos parece obedecer, como se não parás-semos!

As memórias dos que pararam, dos que antes ficaram, não são concretas, então, como se não existissem, viram passado. Embaixo do caminho, não vemos, não sentimos, não estranhamos. Dentro da nossa definição, talvez seja isso que buscamos. Como se não passássemos!

_Marina Teixeira

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Pra Antônio Carlos,luminosa linha eterna(não mais) cercada de árvores.

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_rua, apropriação, espaço, fluxo, mercadoria, grafite_

-Suellen Guimarães

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Reproduzimos um modo de vida em que as possibil-idades de apropriação dos espaços da cidade são reduzidas. Em geral nos atemos apenas ao ponto de partida e ao ponto de chegada – movidos, em geral, pelo deslocamento casa-trabalho. Na maior parte das vezes, o que está entre esses dois pon-tos é encarado como estranho e com significados reduzidos para os sujeitos que se deslocam e vi-venciam os espaços geométricos. Nesse processo de alienação do espaço, não nos reconhecemos na cidade e não a encaramos como obra, como espaço socialmente produzido e usado.

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Ao argumentar contra a rua, Henri Lefebvre diz que “ela não é mais que a transição obrigatória entre o tra-balho forçado, os lazeres programados e a habitação como lugar de consumo”. Or-denada para o consumo, seu tempo é o da mercadoria – o que se vê são pedestres e automóveis apressados. A rua promove encontros superficiais e os sujeitos a procuram em busca de algo específico: a mercadoria. Diante disso, como pensar sobre práticas desenvolvidas, por exemplo, pe-los grafiteiros e grafiteiras que, de alguma forma, se apropriam das grandes avenidas e seus escombros? Como explicar os la-ços afetivos que perpas-sam determinadas práticas sócio-espaciais e que acabam produzindo algum sentimento de pertencimento à cidade? Que out-ras possibilidades a rua oferece? A rua é também lugar de en-contro e transgressão, ela possibilita o confronto/encontro do diverso. Além de informativa ela é também lúdica: propicia o

“A rua promove encontros superficiais e os sujeitos a procuram em busca de algo específico: a mercadoria.”

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teatro espontâneo da vida. Seu movimento não precisa, necessariamente, ser ditado pela determinação do fluxo. Na rua, e por esse espaço, um grupo (a própria cidade) se manifesta, aparece, apropria-se dos lugares, realiza um tempo-espaço apro-priado. Uma tal apropriação mostra que o uso e o valor de uso podem dominar a troca e o valor de troca.

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VIVO

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é

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_estórias

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a estória está em todo lugar. o cenário pode ser, por exemplo, essa longa avenida que carrega as pessoas. essa sucessão de números, muros, pistas, pontos, gente, obras, portas, traços, escombros, acessos, sinais e mentiras bem impressas. pode parecer tudo muito duro a princípio, a vida muito escassa, mas é uma questão de saber chegar, saber se apresentar e principalmente saber escutar. a estória está no fundo e não pula na nossa frente, exibida, como os produtos sem história - realmente é preciso cuidado e atenção para captar a vida de uma avenida concretada. mas ela vai se revelando, solta, na medida em que nos deixamos livrar do medo, da separação, do interesse egoísta, da simulação. é preciso deixar que os fatos sejam fatos naturalmente, sem que sejam forjados para acontecer. deixar que os olhos vejam os pequenos detalhes lentamente.

diluídas em concreto

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quando você menos espera está impregnado do ecossistema e vai descobrindo a estrutura da teia que o conecta e as possibilidades infinitas de vida ali dentro. os exemplos anteriores são fundamentais nesse ponto, e eles se revelam naturalmente. você descobre estórias que jamais saberia através do google, de um livro ou um documentário. coisas que ninguém jamais te contaria, só aquele carroceiro com anos de avenida, só a observação cuidadosa das letras marginais, só a cerveja naquele bar descuidado. dá pra ficar besta com quanta coisa pode acontecer sem que a gente se dê conta. e tudo esteve ali o tempo todo; a gente sempre enxergou, mas nunca viu.

é uma mudança bastante sutil. têm a ver com uma nova consciência em relação ao nosso espaço e nossas relações dentro dele; com perceber que existem possibilidades reais de se relacionar na cidade e com a

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cidade de forma mais direta e real do que aquela condicionada pelo dinheiro e pelo espetáculo. têm a ver com extrapolar as fronteiras que nos impedem de ser ativos na cidade e endurecem ainda mais a vida do cidadão comum.

amaciar o concreto é um trabalho importante. importante para que ele não nos machuque mais e nem machuque os outros comuns que de um jeito ou de outro são atritados contra ele. é importante saber se misturar e se sentir parte. saber colaborar e cuidar, prestar atenção na vida que cresce nas frestas pois, acima de tudo, ela ainda cresce. é importante multiplicar essa vida e não perder a esperança de construir sobre essa pedra crua algo em que realmente acreditemos.

por mais vida nas ruas!

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COMUNIDADE

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Avenida Antônio Carlos, 23 de Maio, de 2009. Belo Horizonte, Brasil.

COM UNIDADE

Vejo a cidade de cima do viaduto São Francisco, que corta a avenida Antônio

Carlos carregando o Anel Rodoviário sobre si. Aqui se dá um encontro breve

de duas grandes passagens, uma em cima, outra embaixo, cada uma carregan-

do seus porquês, cada qual um caminho do capital. Olho em direção ao cen-

tro, e à minha direita, embaixo, têm uma favela. Lá, numa parede que ganhou

a vista da rua de presente de uma demolição, dividida por quadro quadrantes

(dois em cima, dois embaixo) que eram antes as divisões dos cômodos de

uma casa que já não é mais, e agora é grid, estão trabalhando os outros do

meu grupo, meus amigos, meus companheiros das últimas tardes em que o

sol rachou na cabeça da gente. Deve ser a quinta tarde que passamos aqui

escrevendo nessa parede e já estamos concluindo nosso trabalho.

Primeiro nós sentamos e discutimos. Tentamos entender a parede, falamos de

comunidade e ficamos ali perto ouvindo o ruído daquele pedaço da cidade.

Falamos um monte, de um monte de coisa, ficamos tagarelando uma porção

de papos com pronúncias difíceis, citamos nomes, fizemos conexões novas

e excitantes nas nossas cabeças cheias de cerveja e maconha e sintonizamos

nossas frequências. Queríamos ver a cidade de cima e de longe, entender

seus fluxos, entender o por quê deste lugar que estou agora mesmo, esse

cruzamento de artérias automobilísticas que se dá aqui em cima do viaduto

São Francisco, e porque que esses fluxos deixam suas margens tão desiguais.

Por quê favela ou por quê não ela? Por quê demoliram essa parede? O que ela

revela? Qual o sentido e a direção dessas transformações todas?

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Agora, daqui onde eu estou, meu olhar vai até o centro – e acho

que é um caminho possível pra tentar responder aquele monte

de perguntas. Naquela ocasião o que nós conseguimos não foram

talvez respostas, mas uma constatação. Era uma frase e ela dizia

“comunidade sem unidade”. Era isso que a gente queria escrever

naquela parede – um atestado de desunião da cidade, pois que

se nós encontramos motivos pra nos aglomerar aqui na Babilônia,

igualmente encontramos motivos para nos repelir nesse espaço,

para divergir nossos caminhos e interesses ao longo das vi(d)

as asfaltadas. O que nos une é o que nos separa na cidade, e o

que nos faz comuns uns aos outros é também o que cria nossa

desiguldade brutal. Com esses pensamentos, que eram antes

geradores de mais perguntas do que respostas para as primeiras

questões, nós fizemos nossos esboços, escolhemos as tipografias

adequadas e começamos a pintar a parede.

Primeiro veio a receptividade da dona da parede, dona Nilza,

uma doninha que nos recebeu dentro da casa dela e nos deu

café, biscoitos e todo conssentimento que precisávamos. Aí veio

a amizade do Pastor, um camarada que trabalhava de carroceiro

e guardava a mula dele dentro do barraco quando terminava o

expediente. Ele conversou muito com a gente e nos deu quilos de

bloquinhos para rascunho que ele conseguia numa gráfica. De-

pois tivemos a ajuda inesperada da Mariana, uma amiga minha

antiga que comprou nossa idéia e salvou várias impressões em

A2 para o trabalho, ainda meteu a mão na cola pra aplicar as im-

pressões na parede. E tinha ainda toda a força vital do grupo, que

está forte até hoje na atividade dessa produça, se misturando à

poeira da avenida, carregando escadas nas costas, pintando de-

baixo de sol e acordando cedo no final de semana. Novas idéias

já surgiram, laços foram criados.

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A própria cidade, do seu jeito, foi nos sugerindo outras possibilidades, novas maneiras

de agregação entre cidadãos e entre estes e o ambiente. Conversas informais, uniões

esporádicas, ajuda e cooperação gratuitas, simpatia e gentileza - coisas que se pas-

sam devagar demais para se dar conta da janela de um ônibus ou de um carro. [Isso

tudo conduziu, inclusive, à escolha da imagem da janela de um ônibus para estampar

nosso letreiro]. Era como se, tendo nos proposto a ficar ali aqueles dias pintando o

letreiro, deixando o olhar se demorar mais sobre a paisagem e convivendo mais com

aquele espaço e as pessoas que vivem nele, a gente estivesse se colocando à margem

da comunidade sem unidade e experienciando uma outra realidade, diferente da que

a gente constatou no início. Nem era o caso de se arrepender ou mudar a mensagem,

a comunidade sem unidade continua existindo - eu posso assistir ela daqui de cima,

passando a toda velocidade embaixo e atrás de mim - mas outras possibilidades se

apresentam e são possíveis o tempo todo! Novas redes, mais vivas e horizontais,

menos capitais, são necessárias e é preciso mais atenção no trato da cidade para

torna-las reais.

Daqui de cima do viaduto eu vejo os meninos terminarem o que ainda falta do

trabalho. O letreiro foi pintado. Comunidade sem unidade, está escrito lá como

tínhamos planejado. Dois stickers gigantes ocupam os quadrantes de baixo, cada qual

mostrando uma janela de ônibus com pessoas alheias. Da mesma forma que aquelas,

muitas outras pessoas vão continuar passando alheias nos ônibus e nos carros, mas

talvez agora seus olhares se detenham um pouco nos quatro quadrantes que ocupa-

mos esses dias, como quem olha ao espelho. E talvez quem olhe nunca saiba, mas só

pelo oposto do que decidimos anunciar, só pela existência de ainda alguma unidade

na comunidade, é que pudemos deixar aquilo escrito.

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Assista ao vídeo

>>> http://vimeo.com/10665075

[Além de toda ajuda e cooperação citadas, somou-se ainda aos nossos trabalhos a amizade

da Maria Leite que deu aquela moral na edição de um vídeo com imagens deste trabalho]

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