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1 PERUS: OLHARES E PROCESSOS HISTÓRICO- GEOGRÁFICOS; UMA PROPOSTA AOS FILHOS DA FÁBRICA DE CIMENTO. LUÍS FERNANDO DE ABREU SÃO PAULO - 2008

Aterro e usina bandeirantes perus

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PERUS: OLHARES E PROCESSOS HISTÓRICO-

GEOGRÁFICOS; UMA PROPOSTA AOS FILHOS DA FÁBRICA DE

CIMENTO.

LUÍS FERNANDO DE ABREU

SÃO PAULO - 2008

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O ATERRO SANITÁRIO BANDEIRANTES

Introdução

Sempre ouvimos

discussões sobre a

questão do lixo, da

reciclagem, da poluição

ambiental e tantas

outras relativas a esses

temas, sem

questionarmos qual é o

nosso papel nestas

questões? Ou ainda:

onde Perus entra nesta

discussão.

Em alguns casos

ouvimos cada

palavrão... Mecanismo

de Desenvolvimento

Limpo (MDL); Créditos

de Carbono; Protocolo

de Quioto (ou Kioto),

compostagem;

reciclagem, preciclagem

e tantos outros e o que

é pior em muitos casos

ficamos sem entender o que eu, você, nossos vizinhos ou parentes, enfim, o que

nossa comunidade tem a ver com essas questões... Será que temos que nos

importar com esse que seria um indesejável e permanente vizinho?

Im

agem

Google

Eart

h (

adapta

da)

Aterro

Bandeirantes

Rodoanel

Rua Mogeiro

Recanto dos

Humildes

Mapa 1. Nosso vizinho: o Aterro Bandeirantes

Rodoanel

Rodovia dos

Bandeirantes

Aterro

Bandeirantes

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Afinal quem nunca ouviu falar do “Lixão de Perus”? Mas há um lixão em

nossa região? Trataremos desses e outros temas neste capítulo ao discutirmos o

Aterro Sanitário Bandeirantes, esse nosso vizinho por vezes tão contestado e

indesejado, que fica logo ali, na rua Mogeiro (mapa 1), e que há quase três

décadas faz parte da paisagem e vida da população perusiana.

Lixão... Aterro... Afinal o que será o nosso vizinho?

Para iniciar nossos trabalhos, propomos que todos se perguntem; afinal, há

um aterro sanitário ou um lixão em Perus? O que é um aterro? E um lixão, o que

vem a ser? Melhor ainda; vamos sair à rua e perguntar aos nossos vizinhos a sua

opinião a respeito! O que será que sabemos sobre isto?

Bem, acreditamos que boa parte de nossa comunidade vai tratar esse

nosso famoso e indesejado vizinho como sendo o “Lixão de Perus”, o que consiste

em um equivoco, pois realmente temos um tipo de depósito de lixo aqui logo ao

lado, mas não é um lixão.

O lixão consiste em um depósito a céu aberto onde se acumula uma

enorme quantidade de lixo sem qualquer outro tipo de cuidado; só descarregam os

caminhões de resíduos (esse é outro nome do lixo) e pronto; dia-a-dia há o

acúmulo de montanhas e mais

montanhas de lixo.

Nestas montanhas não

há um trabalho de compactação

do lixo, e nem há uma cobertura

(com terra), para que se diminua

o forte odor ou se tenha um

mínimo de controle sobre a

proliferação de ratos e baratas

(entre outros bichos do tipo),

que acabam por contribuir

imensamente para o

F

oto

CR

Mo

reira

Aterro

Bandeirantes

Lixão: depósito de resíduos a céu aberto

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comprometimento de nossa saúde, afinal sempre perto de nossas casas

percebemos a presença destes vetores de doenças, isto quando não recebemos

uma “visita” deles...

Bem, se em nossa região não existe realmente o tão famoso lixão, qual

seria o nome do nosso vizinho?

Ele é o Aterro Sanitário Bandeirantes. Isto mesmo é um aterro! Agora que

sabemos o que realmente é o nosso vizinho, vamos procurar entender as suas

características e porque vem a ser tão questionado e é taxado como um grande

problema para a nossa região.

O Aterro Bandeirantes

Antes de falar propriamente sobre o

“Bandeirantes”, vamos entender o que vem a

ser um aterro sanitário. Temos que considerar

que esta é uma obra de engenharia, que tem

por objetivo a deposição de lixo, mas

diferente do lixão, temos a presença de certa

infraestrutura e toda uma tecnologia.

Primeiro, estudam a região para

mapear a existência de nascentes, caso haja

alguma onde será construído o aterro, fazem

a captação desta água, e a

canalizam para fora da área

de ação do aterro. O segundo

passo é impermeabilização

do solo, que há alguns anos

era feita com argila, um tipo

de solo que é pouco

permeável e colabora com

esse processo, atualmente

F

oto

CR

Mo

reira

F

oto

Intr

anscol

Mantas de PEAD;

Impermeabilização do solo

Colocação de manta de PEAD

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são usadas mantas impermeabilizantes, e já que ouvimos tantos termos

incomuns, lá vem mais um: Polietileno de Alta Densidade, este é o “famoso”

PEAD, manta responsável pela impermeabilização nos aterros e que também é

usada em vários setores industriais, por ser um dos melhores isoladores da

atualidade. Mas afinal para que é necessária essa impermeabilização?

O lixo depositado em grandes quantidades acaba sofrendo um processo de

decomposição (apodrecimento) por vários microorganismos e libera um líquido

escuro e com forte odor

extremamente poluente,

que é chamado

chorume; quem já não

viu um caminhão de lixo

passando em nossa rua

e escorrendo um líquido

malcheiroso, então, o

chorume é algo similar...

Só que nos aterros temos que colocar uma

camada imperbealizante para evitar que esse líquido contamine o lençol freático.

Taí mais um palavrão: “lençol freático”, mas esse é fácil, na verdade ele consiste

em um depósito de água subterrânea proveniente da infiltração das chuvas, sendo

de extrema importância para o abastecimento de água, seja por sua exploração

em poços, seja por prover os rios deste nosso precioso recurso que é a água.

Podemos imaginar... Se fizermos um poço em nossa casa, sobretudo na

região do aterro e formos consumir essa água, esta poderá estar contaminada e

trazer sérios problemas de saúde aos nossos familiares, logo devemos ter

cuidados com o destino deste líquido mal cheiroso e poluidor... O famoso

chorume.

Mas somente a impermeabilização do solo, não resolve os nossos problemas.

Pensemos. Este líquido não infiltra logo ele tem que escoar para algum lugar... E

que lugar é esse? Se não tivermos cuidado esse chorume vai acabar

F

oto

CR

Mo

reira

Local destinado à deposição do chorume

Compactador de lixo em operação

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contaminando rios e lagos, e aí teremos um novo problema! Afinal de que vale

preservarmos o lençol freático, com a impermeabilização (citada acima) e

poluirmos ainda mais os nossos rios... Aí entra a outra ação estrutural do aterro,

constrói-se uma rede de capitação para todo esse chorume, que é enviado para

um reservatório, chamado de lagoa de acumulação e diariamente carretas tiram

esse líquido mal cheiroso desta “lagoa” e levam para ser tratado em uma Estação

de Tratamento de Esgoto.

Bem,

pensadas essas

etapas, temos

ainda uma

questão... O lixo é

depositado a céu

aberto? É

interessante

sabermos, pois

afeta diretamente

as nossas vidas, então vejamos...

Os caminhões despejam diariamente toneladas de lixo nos aterros, que são

prensados contra o solo por grandes tratores, essas máquinas são chamadas

compactadores, que passam diversas vezes sobre o lixo.

Agora, será que se faz necessária esta compactação? Diante da grande

quantidade de lixo e da escassez de áreas destinadas à construção de aterros, se

faz necessária esta compactação, desta forma prolongamos em muitos anos a

vida útil destes aterros.

Agora já sabemos que o nosso vizinho não é um lixão, e que há toda uma

preparação antes da deposição final do lixo; que este é compactado... Mas e

depois qual é a o próximo passo na construção de um aterro? O que vem por cima

desta camada de lixo prensada? E novamente: este lixo fica a céu aberto?

F

oto

: Luís

Fe

rnando d

e A

bre

u

Compactador em ação

Lagoa de acumulação de chorume no Aterro Bandeirantes

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Comecemos

pela última questão,

que nos ajudará a

entender as

demais. O lixo não

fica exposto, depois

de compactado é

jogado sobre ele

uma camada de

solo argiloso (mais impermeável) e de brita, para evitar mau cheiro e a proliferação

de vetores e, e logo em seguida há a deposição de mais uma camada de lixo que

é novamente compactada, e assim se segue por diversas vezes esse mesmo

trabalho. Essas camadas são denominadas células de lixo e no “Bandeirantes”

tem cinco metros de altura, cada uma.

Também sempre ouvimos falar sobre um tal gás que o lixo libera. Neste

processo de construção de um aterro, há espaço, para a implantação

de mecanismo para esse tal gás? E

mais... Existe realmente esse gás no

lixo?

É verdade, existe um gás

poderosíssimo liberado na

decomposição do lixo orgânico, e se

chama Gás Metano, só para termos

uma idéia ele é vinte vezes mais poluente que o já terrível CO2 (mais conhecido

como dióxido de carbono). Mas tratando do “nosso” gás (o Metano) tomamos

alguns cuidados.

F

oto

CR

Mo

reira

Células de lixo e drenos de chorume no aterro sanitário

FA

U-U

SP

FA

U-U

SP

Células

de lixo

Dreno vertical de gás

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Quando são

construídos os aterros, é

implantado uma série de

dutos, como se fossem

grandes canos na

posição vertical, com

uma série de furos, que

vão desde as células

mais profundas do lixo

até a superfície. Esses

“tipos” de canos servem

para que o gás escape

para a atmosfera, ou ainda que seja transferido a reservatórios para

posteriormente serem reaproveitados, gerando energia (veremos mais adiante).

A partir desta definição, podemos começar a discutir e entender, o porquê

de se considerar o nosso vizinho tão indesejado; esse gás se por algum motivo

ficar muito concentrado

entre as células de lixo, e

devido a alguma falha no

sistema de dutos, não

conseguir escapar à

superfície, pode transformar

o aterro em uma grande

bomba. Mas pensando que

tudo que está ruim pode

piorar ainda mais, para

evitar tal explosão, acabam

por mandar todo esse gás para

a superfície, aí respiramos esse “ar puro” carregado de gás metano em Perus, e

acabamos nem percebendo...

F

AU

-US

P

D

anilo

Verp

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olh

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agem

Dutos verticais de

gás Lixo

compactado

A nossa terrível “atração”: a queima do gás metano

Sistema de dutos: trás o gás para a superfície

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Para diminuir (isso mesmo, diminuir) esse impacto na atmosfera, por anos

queimaram esse gás, como vimos acima. Os dutos traziam o gás à superfície e ai

se dava a sua queima, no entanto, continuava-se a poluir e o que ocorreu foi uma

relativa diminuição das emissões, mas não houve a resolução do problema.

Inclusive quem passava pela rodovia dos Bandeirantes, e possivelmente até parte

da comunidade, sem saber o que significava aquela queima, achava muito bonita

aquela imagem do fogo, no meio daquele imenso vazio que era o aterro.

Podemos perceber a complexidade na construção de um aterro, mas

temos que lembrar ainda de outro fator: a chuva. Isto porque já pensamos na

drenagem do chorume e do gás, mas as águas superficiais também devem ser

drenadas de forma que não haja o acúmulo ou infiltração nas células de lixo, para

evitar isto, constroem-se dutos para o escoamento desta água, evitando que a

água da chuva infiltrada possa aumentar e muito o volume do chorume,

dificultando o seu processo de drenagem, armazenamento e transporte.

Agora que estamos conhecendo um pouco mais o aterro, e ganhamos certa

intimidade com nosso vizinho, podemos passar a questioná-lo sobre esta

convivência inconveniente, afinal um vizinho que se preze, não contamina o

quintal alheio, ainda mais se tratando de toda uma imensa comunidade como a

perusiana.

Desta forma vamos dar a palavra ao nosso vizinho para que possa se

defender destas acusações, e quem sabe nos convencer que não é tão errado

assim, e que tem consciência; por outro lado podemos juntos pensar em soluções

que agradem a ambos, ou pelo menos podemos propor alternativas para um

convívio mais agradável e harmonioso. Com a palavra o nosso vizinho o “Aterro

Sanitário Bandeirantes”.

O nosso vizinho por ele mesmo...

Ótimo que foi dada à oportunidade de me defender, assim poderei dizer um

pouco sobre mim, sobre a minha história, e quem sabe todos entendam que não

tenho culpa de ser assim, e mais; que entendam que não gosto de ter sido

concebido para esse fim. Talvez possam perceber quem são os verdadeiros

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responsáveis pela minha concepção e manutenção; e o mais importante que

juntos podemos encontrar sim alternativas para um melhor convívio.

Entrei em funcionamento em 1979 e recebi lixo até o dia vinte de março de

2006. Sempre fui um aterro e nunca um lixão como alguns pensam. Fui crescendo

ano a ano e hoje tenho aproximadamente 140 hectares (1.400.000m²), que

equivale mais ou menos a 180 campos de futebol do tamanho do Morumbi

ocupando hoje o que já foi uma antiga área florestada Durante toda a minha vida

recebi 38 milhões de toneladas de resíduos; célula a célula de lixo atingi a

impressionante altura de 110 metros, isso mesmo mais de 100 metros de lixo

compactados sendo que em meus últimos dias de vida recebia diariamente 6.500

toneladas de lixo.

Ah! Ia me esquecendo... Lembra do chorume aquele líquido escuro e mal

cheiroso? Então, vocês não imaginam a quantidade desta porcaria que meu lixo

gerava, imaginam? Pois eu falo para vocês; 19 litros por segundo... Isso mesmo, o

tempo que vocês demoram para piscar... A cada piscada de vocês, eu gerava 19

litros de chorume, era uma loucura... Por falar em loucura, lembram do gás que eu

jogava atmosfera, para respirarmos? Lembraram? Aliás, nem temos como se

esquecer de tal veneno... Então, a cada hora ganhávamos 12 mil m³ de gás

metano, sabem quanto é isso? Pensem naquela caixa de água que vocês têm em

casa, isso mesmo aquela de mil litros, pensaram? Pois é, a cada hora jogava no

ar o equivalente a 12 mil caixas d‟água cheias de veneno, o gás metano...

Também queria falar para vocês, que sempre recebi resíduos domésticos,

que possuem grande volume de carga orgânica, e entulhos de construções, os

chamados resíduos inertes, por outro lado nunca conheci lixos hospitalares ou

industriais, que eram encaminhados para outras localidades e incinerados ou

tratados.

Toda essa quantidade de lixo, como vocês viram acima, gerava uma

enorme quantidade de chorume e gás metano, que apenas bem mais tarde

quando eu já estava bem grandinho, perceberam que poderiam utilizar todo

aquele gás para gerar energia, logo pensei: “nossa que interessante”, pode-se

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gerar energia e ainda não se joga toda aquela porcaria na atmosfera para os meus

queridos vizinhos de Perus respirarem. Embora vocês não acreditem, eu tentava

ser um aterro consciente, mas sem o apoio de nossa comunidade, do poder

público e das empresas envolvidas em meu funcionamento nada podia fazer.

Neste momento já diziam que minha vida útil (alguém já viu vida inútil? Pois

é, diziam que a minha era.), estava perto do fim, que não poderia mais receber

lixo, foi uma alegria só pra mim, afinal o que mais eu poderia querer, além de não

receber mais tanta porcaria, ainda iria gerar energia e diminuir a emissão de gás

para que meus vizinhos pudessem respirar um ar mais puro... E o melhor. Ainda

ouvi dizer que no futuro, me transformariam em um parque; que beleza... Já

pensou, eu que por anos fui tão odiado, logo estarei recebendo crianças e adultos

para brincar...

A descoberta desse meu potencial energético foi um grande acontecimento

para mim e para a

nossa vizinhança,

mas também

apareceram

algumas questões

que me deixaram

confuso, primeiro

pelos palavrões que

começaram a dizer.

Coisas do tipo;

créditos de carbono,

Protocolo de Kioto,

um tal de MDL que

diziam ser um Mecanismo

de Desenvolvimento Limpo... Mas tenho certeza que até o fim deste trabalho

estarei entendendo todos eles.

D

anilo

Verp

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olh

a Im

agem

Radiação solar retida pelos gases estufa

O efeito estufa em ação: o aquecimento natural da Terra

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De tantos nomes esquisitos um dos poucos que eu estava acostumado, era

o tal do efeito estufa, mas isso muitos já conhecem, só o que demorei a entender

é porque diziam que ele é importante para a vida, e ao mesmo tempo diziam que

poderia decretar o fim da humanidade. Ainda bem que certo dia alguns estudantes

da região foram me conhecer e fiquei ouvindo a conversa, como sou um aterro

que não guarda segredo vou contar essa história para vocês...

Uma jovem garota disse que o nosso planeta recebe uma grande

quantidade de raios solares, e que eles chegavam até o nosso solo, parte era

retido por aqui e o restante tentava voltar para o espaço, foi quando percebi a

importância dos gases do efeito estufa, eles acabam não permitindo que todo o

calor saia de nosso planeta, ele “segura”, um pouco para a gente... O mais legal é

que entendi, também, que tudo isso é um processo natural, e que em outros

momentos da nossa história quando esses gases se concentravam em nossa

atmosfera em pouca quantidade, vivíamos uma era glacial, quer dizer, se não

tivéssemos os gases estufa, não haveria a nossa comunidade pelo intenso frio...

Bem, entendi porque os gases são importantes, mas afinal, porque tanto se

fala mal deles, se permitem que vivamos? Foi essa a pergunta que um coleguinha

desta menina a fez e ela prontamente respondeu... “Foi como eu te disse, o efeito

estufa é um processo natural, mas o homem vem interferindo nessa dinâmica,

aumentando significadamente as emissões de gases estufa logo se têm

aumentado consideravelmente o „armazenamento‟ dos raios solares em nosso

mundo trazendo um aumento da temperatura que pode por em risco a nossa

vida”.

Este dia foi muito importante em minha vida, primeiro por ter descoberto

que meus gases não iriam para a atmosfera, e sim utilizados para a geração de

energia, mas sem duvida o que fez deste dia o mais valioso, foi quando percebi

que eu, um aterro tão recriminado e odiado, estava dando a minha contribuição

para a melhora na qualidade de vida da minha comunidade.

Sugiro que façamos, todos nós, eu e vocês queridos vizinhos, uma reflexão.

Diminuímos a emissão de gases em nossa região, certo? Entendemos que já não

Energia solar absorvida

Radiação solar

refletida

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funciono mais. Tudo bem até aqui? Mas, afinal e todos aqueles palavrões, o que

são aquilo? E mais. A nossa comunidade realmente foi beneficiada com o meu

fechamento e com essa geração de energia? Todos estão contentes com a atual

situação? E o poder público quais são as suas ações e responsabilidades com a

nossa comunidade? Qual é o seu comprometimento com a melhora da qualidade

de vida da nossa querida Perus?

Espero que tenhamos respostas para essas e tantas outras questões que

dizem respeito ao nosso cotidiano, para que assim possamos, eu o famoso Aterro

Sanitário Bandeirantes e a comunidade de Perus ter uma convivência tranqüila.

Muitas questões... Algumas respostas...Certas dúvidas...

Podemos iniciar esta discussão, a partir de uma fala de nosso vizinho, o

aterro, quando diz que o gás metano seria “reaproveitado” e transformado em

energia, mas isso é realmente possível? Vamos conhecer a pouco divulgada usina

que faz esse trabalho limpo e que pode nos trazer essas e outras respostas...

A Usina Termoelétrica Bandeirantes (UTEB)

Realmente, desde o

final de 2003 com a

inauguração da Usina

Termoelétrica Bandeirantes

(UTEB), este gás, aliás,

passaremos a chamá-lo de

biogás, gerado pelo aterro é

“transformado” em energia

elétrica, o que contribui,

como já falamos, para a

redução da emissão de

poluentes para a atmosfera.

Ah! Íamos esquecendo...

Essa usina foi desenvolvida em

conjunto entre a Biogás Energia Ambiental, que faz a captação do gás e dá

Bio

gás E

nerg

ia A

mbie

nta

l

Usina Termoelétrica Bandeirantes

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encaminhamento as demais etapas para geração de energia e o Unibanco que foi

o financiador do projeto e ocupa uma área gentilmente cedida pela prefeitura em

forma de concessão.

Antes de continuarmos essa conversa, queríamos dizer que procuramos

alguns textos que falam sobre a geração de energia a partir do biogás, e ainda

visitamos a UTEB, para comprovar se realmente o processo de geração de

energia se dá como nos mostra os livros, aliás, sugerimos que quem tiver

curiosidade, faça o mesmo... Vá fazer uma visitinha à usina e aproveite também

para conhecer o aterro, mas lembrem; as visitas são sempre agendadas.

Engraçado, o nosso vizinho aterro é tão conhecido e mal amado, e junto a

ele tem essa tal usina que gera energia “limpa”... A UTEB ajuda a preservar o

meio ambiente, e como veremos adiante, trás lucros à nossa região e quase

ninguém conhece... Porque será? O poder público poderia trazer à população um

melhor esclarecimento sobre esta usina, não? Mas tudo bem, sigamos...

Lembram-se que em nosso vizinho foi depositado, incríveis 35 milhões de

toneladas de lixo? Pois é, os especialistas em geração de energia a partir do gás

metano dos aterros,

nos informa que

cada tonelada de

resíduo gera por

volta de 200 m³ de

biogás, e que se

pode iniciar a

captação desde

alguns meses da

compactação do

lixo (em células),

prosseguindo até 15

anos após o fechamento do aterro, o

“nosso” Bandeirantes, iniciou há apenas alguns anos a captação de biogás, como

F

oto

: Luis

Fe

rnando d

e A

bre

u

Dutos para captação do gás metano

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já dissemos, com a constituição da Usina Termoelétrica Bandeirantes em 2003, e

podemos imaginar que teremos muito gás para os próximos anos...

Como já vimos, por anos o gás metano gerado em nosso vizinho era jogado

na atmosfera e respirávamos aquele terrível veneno, mas com o a nossa querida

Usina (UTEB), agora não tínhamos mais motivos para nos preocupar, pois ela pôs

em funcionamento (será que podemos ficar tranquilos?) uma ampla rede de

captação do gás metano, a partir da construção de uma rede coletora (tubos) com

43 km conectados aos 250 drenos verticais que trazem à superfície o gás gerado

pelo nosso não tão amado, mas agora não tão odiado, Aterro Bandeirantes.

Bem, agora que já entendemos a captação do biogás, vamos ver como se

dá a sua transformação em energia elétrica. Na verdade, a melhor forma de

conhecer e entender esse processo com maior facilidade seria visitar a UTEB,

mas até que todos tenham condições de conhecê-lo pessoalmente, daremos uma

simplificada no processo, contando com a compreensão de vocês, queridos

leitores, e mais, contando que venham a conhecer esse nosso querido vizinho.

Vamos lá...

Recolhido todo o gás, o encaminhamos para limpeza e secagem, como

nem tudo é pureza e perfeição, parte do gás extraído do aterro não é aproveitado,

para gerar energia, por não ter qualidade suficiente, durante essa fase separa-se

líquidos que são escoados para um reservatório. Esse líquido é chamado de

chorume branco, por apresentar coloração clara e ser o oposto do chorume

produzido no aterro de coloração escura, mas podemos afirmar: ambos possuem

um odor insuportável.

O biogás neste momento se encontra com uma alta temperatura e depois

de separado líquidos e gases não aproveitáveis, passa por resfriadores, para

poder ser encaminhado ao moto-geradores, esses são grandes motores, que

serão os responsáveis por funcionar turbinas que irão gerar energia elétrica...

Mas gostaríamos de falar um pouco mais sobre esse processo, que pode

parecer complicado mais não é, vamos pensar em um motor de carro, por

exemplo, ele é movido à gasolina (pode ser a álcool, diesel ou GNV), ou seja,

Page 16: Aterro e usina bandeirantes perus

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temos que colocar gasolina para ele funcionar, não é isso? Então no processo de

geração de energia elétrica temos algo similar, há grandes motores, chamados de

moto-geradores, que são abastecidos, não com gasolina, mas com o biogás...

Mas gostaria de perguntar uma coisa a todos: vocês já ouviram dizer que um carro

não anda com gasolina de má qualidade? Pois é, com os moto-geradores ocorre a

mesma coisa, se não houver um biogás rico em gás metano ele não consegue

funcionar e aí é impossível gerar energia. Por isso que se faz a separação do gás

metano e de líquidos que vem junto ao biogás. Vale lembrar que todo gás

excedente é queimado em um flair, que é uma espécie de chaminé, e como eles

dizem lá na usina “destroem” o gás, não mandando para a atmosfera os terríveis

gases não aproveitados.

Durante a nossa visita os flaires não estavam sendo utilizados, pois todo o

gás estava sendo encaminhado, para os moto-geradores, e pudemos ver que todo

esse processo é controlado por um grande Painel de Controle que obedece aos

mais rígidos sistemas de segurança, há assim uma grande preocupação para que

não ocorram acidentes e essa monitoração é fundamental para que se evitem

explosões, por exemplo. Se aumentar muito a concentração de Gás Metano

(muito acima de 50%) e oxigênio acima de 3% se alarma a usina, se a

concentração de oxigênio chegar a 6% a usina é desligada automaticamente, mas

segundo o operador que nos acompanhou durante a nossa visita isso nunca

ocorreu.

Agora que esclarecemos muitas questões... Temos algumas respostas, nos

falta acabar com certas dúvidas. Tudo bem, já entendemos como se dá o

funcionamento de nossos vizinhos: o aterro e a usina, mas ainda persistem as

dúvidas levantadas anteriormente, lembram? Os palavrões, o poder público, os

interesses da comunidade... Vamos tentar entender todos, e o mais importante:

aonde a nossa comunidade se insere nesta discussão? Quais vantagens

obtivemos com os nossos vizinhos, temos algo de positivo construído? Sim, pois

até agora, só foi prejuízo, ou quando muito alguns curativos para minimizar as

porcarias feitas em nossa querida Perus.

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17

Mas para nos ajudar nesta conversa recorreremos às lembranças da nossa

querida usina. Isso mesmo, ela tem lá suas histórias pra contar, ainda que seja

jovem, ela já recebeu várias visitas e assim como o nosso outro vizinho, o aterro,

também gostava de ficar bisbilhotando a conversa dos outros...

Em uma bela manhã de quarta-feira um jovem mestre, de nome Ronaldinho

das Figueiras, que vivia discutindo as problemáticas ambientais e de gestão

pública, foi fazer uma visita à usina, ele já era defensor de uma maior participação

da comunidade nas decisões locais, sempre dizia que somente uma sociedade

organizada, teria condições de conquistar melhorias na qualidade de vida, pois se

a tomada de decisões ficasse nas mãos do poder público ou do interesse privado,

os chamados primeiro e segundo setores, haveria uma defesa pelos interesses

destes, em detrimento da vontade do chamado terceiro setor, ou seja, da

sociedade.

Ronaldinho destacava, ainda, o papel da Escola nesta conscientização, e

sempre falava da responsabilidade do professor de Geografia neste processo,

sobretudo por tem uma visão mais ampla destas questões, logo teria muito a

contribuir... Mas deixemos de blá blá blá e vamos ao que interessa; à conversa do

professor neste dia de visita com sua jovem aluna, e intelectual Silvinha.

Primeiro eles conversavam sobre a geração de energia, créditos de

carbono, Protocolo de Kioto e Mecanismo de Desenvolvimento Limpo,

compostagem, reciclagem, para a seguir contextualizar o papel da comunidade e

do poder público nestas discussões, e é claro, a nossa vizinha usina, ficou de

ouvidos bem abertos para entender toda essa história agora vai nos ajudar com

seu relato...

Os Palavrões...

Bem, agora eu, a querida usina termoelétrica vai contar um pouco do que

ouvi nesta conversa; os famosos palavrões, ou seja, aquelas palavras, que para

mim uma simples usina, em um primeiro momento, parece de difícil entendimento,

mas que depois desta discussão, perceberemos que são conceitos

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descomplicados, mas de fundamental importância, para o desenvolvimento de

nossa comunidade, mas vamos lá...

Como falamos acima, o professor e sua aluna começaram a falar sobre a

geração de energia em minha usina. Mais que uma alegria para o nosso vizinho

aterro, que era da onde vinha biogás que seria transformado em energia elétrica,

seria de grande alegria para toda a comunidade, uma vez que tal processo de

geração de energia traria dinheiro para a nossa Perus, mas como isso seria

possível? Vejamos e aproveitaremos para conhecer outros palavrões...

Já ouviram falar dos tais créditos de carbono? Pois é, daí que viria o

dinheiro para a nossa comunidade, mas afinal o que são esses tais créditos? Bem,

antes temos que entender outro palavrão, que é o Protocolo de Quioto e conhecer

alguns outros lugares, para podemos entender esse conceito. Vamos viajar um

pouco?

Há muitos anos a problemática ambiental vem se tornando não só uma

questão de nossa comunidade, mas do mundo inteiro. Tal problema ganhou

dimensão planetária, sobretudo após as décadas de 1940/50, com a explosão do

capitalismo e seu consumo desenfreado, que contribuiu muito para a degradação

do meio ambiente.

A partir deste momento, houve alguns encontros e conferências para

discutir a criação de mecanismos que garantissem o desenvolvimento

socioeconômico, mas de forma que não se comprometesse a qualidade de vida e

desenvolvimento, das gerações futuras. Entre esses encontros podemos destacar

a “Conferência de Estocolmo” na Suécia e a “Rio 92” (Eco 92), aqui no Brasil. A

parir deste momento intensificaram-se essas discussões e durante a 3ª

Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças

Climáticas, realizada no Japão em 1997, firmou-se o “Protocolo de Kioto”.

Este documento estabelecia o comprometimento, dos países

industrializados em reduzir as emissões de gás estufa, isto chamou a minha

atenção, pois ainda que seja uma usina e não entenda muito desses assuntos,

pensei: e os chamados “países em desenvolvimento”? Mas não fiquei sem

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19

resposta, pois o professor Ronaldinho logo respondeu, que esses países, como

Brasil, China e Índia, por exemplo, não teriam metas de redução destes gases...

Nossa, mas logo eles que são grandes poluidores? Mas sei lá, vai ver eu, uma

mísera usina esteja errada e os mentores deste protocolo, que são tão estudados

devem saber o que fazem... Será que sabem mesmo? Quem sabe um dia não

terei a reposta...

B

FA

U-U

SP

PROTOCOLO DE QUIOTO

Legenda :

: Países que ratificaram o protocolo.

: Países que ratificaram, mas ainda não cumpriram o protocolo. : Países que não ratificaram o protocolo. : Países que não assumiram nenhuma posição no protocolo.

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agora que entendi esse tal de protocolo, fiquei interessado em saber o papel do

Brasil, e afinal onde entra a minha Perus nessa discussão? E os tais créditos de

carbono? Continuei atento na conversa entre o professor e sua aluna, e logo

disseram que temos um papel importante nesta história toda, que seria a

implantação de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL)... Nossa lá vem

esse palavrão, prestei atenção ainda mais na conversa e entendi que esse era um

mecanismo onde se desenvolvia a chamada energia limpa, e como nós os

“subdesenvolvidos” diminuíamos a emissão de gases poluentes, poderíamos

vender aos países desenvolvidos o direito de poluir...

Nossa! Outra loucura, e o pior é que nós estávamos no meio, eu (a usina) o

aterro e toda a comunidade perusiana. Agora entendi quase tudo; quer dizer que o

meu projeto de gerar energia elétrica a partir do gás metano, extraído do Aterro

Bandeirantes era esse tal de MDL, e que a tal venda do direito a poluir, seria a

venda dos créditos de carbono.

Em palavras bonitas eles disseram que esses créditos são certificados

emitidos quando se dá a redução da emissão de gases do efeito estufa, sendo

que esses créditos podem ser comercializados no mercado internacional, porém

apenas os países chamados em desenvolvimento podem vendê-los, aos países

industrializados.

Entendi o processo, mas fiquei extremamente decepcionado, pelo menos

por um lado. Claro que o meu papel na redução de poluentes em nossa atmosfera

me gratifica, mas só em pensar que estou dando o direito a outros países de

continuarem poluindo, me entristeço, pois todos deveriam ter essa

responsabilidade, e não se aproveitarem da energia limpa gerada aqui em Perus.

Mas essa relação de decepção e gratificação não se resume a esses

fatores, fiquei sabendo que o dinheiro do leilão desse crédito de carbono, trouxe

recursos parta a nossa comunidade, foi mais de R$ 30 milhões, momento de

grande alegria, mas por outro lado, esse dinheiro todo, só pode ser revertido para

a área ambiental. Até aí tudo bem, mas o problema é que o poder público não

considera o Homem, como parte integrante desse meio, pelo menos em minha

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opinião, digo isso porque não se pode construir um hospital para nossa

comunidade, aliás, não temos nenhum; mas pode-se construir o Hospital dos

macaquinhos, a um custo de R$ 5 milhões...

Na verdade o que se discutia era a construção de um hospital veterinário, e

os opositores desta idéia, de forma pejorativa, e como forma de protesto passaram

a chamar esse empreendimento de ”hospital dos macaquinhos”. Enfim,

continuaremos sem o nosso hospital, mesmo tendo verba disponível, mas achei

interessante a fala do professor Ronaldinho sobre isto... ”Não se pode utilizá-la

para o „bicho Homem‟, só para os demais, temos a impressão que realmente não

fazemos parte do meio ambiente, e enquanto não tivermos uma visão sistêmica,

ou seja, enxergar „o todo‟ e o homem como agente do meio ambiente, não

conseguiremos encontrar alternativas para as problemáticas sócioambienteais...”

Mas voltando a falar sobre a relação “custo-benefício”, realmente parece

muito dinheiro, afinal, mais de Rl$ 30 milhões, para quem nunca viu dinheiro na

vida é uma quantia realmente significativa, e até para a nossa subprefeitura esse

valor é exorbitante e muito superior a todo o seu orçamento; mas será que o custo

ambiental de um aterro é só esse? Vale a pena recebermos essa quantia por

respirar por anos aquela porcaria de ar? O poder público vai dizer que sim, até

porque já iniciou a reforma das praças do bairro, as primeiras são: Vale do Saber

(Jardim Monte Belo), Mogeiro (Vila Nova Perus) e Cuitegi (Vila Caiuba) e

principalmente, porque agora em outubro (2008) acabou de acontecer o segundo

leilão dos créditos de carbono, e a prefeitura vai receber por cada um dos seus

713 mil créditos a quantia de € 19, 20, somando um total de R$ 37 milhões.

Desculpe a sinceridade de uma usina sem estudos e ignorante, mas acho que

não, a nossa qualidade de vida vale muito mais... Muito mais mesmo!

Diante da conversa que presenciei, me tornei uma usina questionadora, e

penso que a comunidade de Perus, bem que poderia ter acesso a essas

discussões, afinal, será que realmente temos a necessidades desses tais aterros

sanitários, ou poderíamos dar outro destino aos resíduos, ou quem sabe,

poderíamos pensar em reduzir essa emissão... A cada momento ficava mais

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interessado na conversa dos meus visitantes, e ainda bem que não me deixaram

sem resposta; logo passaram a discutir, essas questões e outras relativas aos

famosos, poder público e interesse privado. E o mais interessante é que

finalmente poderemos conhecer os últimos palavrões: compostagem, reciclagem e

preciclagem...

Uma alternativa aos aterros

Os meus queridos e estudiosos visitantes fizeram uma reflexão

interessante, e provocaram duas estudantes que passavam ali e se interessaram

pela conversa. Essas duas meninas eram as irmãs Ana Lúcia e Ana Maria, e

faziam parte de um grupo que estava fazendo uma visita ao meu vizinho, o Aterro,

mas desgarraram-se de seu grupo e foram ver o que tanto Ronaldinho e Silvia

discutiam. Ao se aproximarem Ronaldinho percebeu a curiosidade das meninas e

perguntou em tom de provocação, se elas sabiam que estavam passando em

cima de mais de 35 milhões de lixo compactados, elas já conheciam toda a

história do aterro, até porque moravam logo ali ao lado, e eram extremamente

comprometidas com o meio ambiente, e responderam a provocação de nosso

querido professor de forma surpreendente...

Logo falaram que elas eram comprometidas com as questões ambientais, e

não concordavam com os “ecobobos” e seus discursos ecologicamente corretos,

lembrando, que do discurso a pratica, existia um grande caminho e que elas

futuras professoras de Geografia realmente tinham que se preocupar com a

educação e conscientização da comunidade, pois só assim, realmente

conseguiriam alcançar melhorias na qualidade de nossa comunidade, e não

ficariam presas à “boa” vontade do poder público.

Vocês não imaginam como o nosso professor ficou surpreso com a fala das

meninas, uma vez que realmente a falta educação constitui um grande obstáculo a

implementação de qualquer projeto dito ambiental. Mas uma vez provocadas, as

meninas não pararam...

Perguntaram ao professor se ele sabia que em nossa cidade atualmente 74

bairros são atendidos pela coleta seletiva, e que Perus não era “contemplada” com

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essa coleta. Que em nosso bairro existe um Ecoponto, que é o lugar de entrega

voluntária de pequenos volumes de entulho (até 1 m³), grandes objetos (móveis,

poda de árvores etc.) e resíduos recicláveis, mas que por conta da falta de

educação (desconhecimento) já haviam presenciado um morador vizinho a esse

ponto de coleta de entulho, despejando vários carrinhos de “restos de construção”

na via pública... Mas uma vez provocadas, as meninas não pararam...

Falaram ao professor que curiosas, foram visitar um bairro da zona norte

atendido por essa coleta seletiva do lixo, o Parque Peruche, e constataram, sem

se surpreender (afinal sem educação nada funciona) que em um quarteirão, com

mais de 80 casas apenas 7 descartavam o chamado “reciclado”. Mas uma vez

provocadas, as meninas não pararam...

Devolveram a provocação, perguntando ao professor se ele fazia a

preciclagem, e o que ele pensava da compostagem, e diante da resposta (positiva

e explicativa) do professor, continuaram a discussão, a essa altura, eu já me

considerava uma usina pós-graduada em temáticas ambientais, diante de tão

produtiva conversa, mas queria mais, e tive muito mais...

Ana & Ana consideraram a importância da preciclagem, pois já no ato da

compra de certo produto pode-se escolher os que possuem menos embalagens,

ou os que são mais fáceis de reciclar, enfim, seguem o slogan simples e sensato:

"Reduza o lixo antes de comprá-lo" ou "Não compre lixo"! Mas uma vez

provocadas, as meninas não pararam...

Sobre a compostagem, citaram a grande quantidade de matéria orgânica

presente em nosso lixo; mais da metade do que descartamos é matéria orgânica,

que poderia ser reaproveitada e transformada em abudo natural, o que contribuiria

duplamente para a preservação do meio ambiente: primeiro por se reduzir os

resíduos encaminhados aos aterros, e segundo ao diminuir a produção de

fertilizantes (químicos) que comprometem seriamente a natureza. Então

pensemos: só com a compostagem poderíamos reduzir a quantidade de lixo do

nosso vizinho em mais de 18 milhões de toneladas, e isso ninguém fala, e muito

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menos as escolas trabalham essas informações. Mas uma vez provocadas, as

meninas não pararam...

Agora que as meninas apresentaram as primeiras alternativas ao aterro,

elas seguem falando sobre a reciclagem. Hoje menos de 4% do lixo produzido no

Brasil é reciclado, se pensarmos que poderíamos aumentar essa quantidade em

pelo menos 30%, chegaríamos a conclusão que o nosso aterro teria menos 8

milhões de toneladas de lixo. E o mais importante, menos lixo significaria menos

gás em nossa atmosfera, e melhor qualidade de vida a nossa comunidade. Sobre

a reciclagem elas também acham importante considerar esse projeto como de

fundamental importância enquanto política de inclusão social, geração de renda e

diminuição da desigualdade socioeconômica. Mas uma vez provocadas, as

meninas não pararam...

Ana Lúcia chamou a atenção para um ponto que é pouco discutido, e que

na cabeça dos “ecobobos” nem deve existir, e que vai além da discussão de se

preciclar, reduzir, reaproveitar, reciclar... Propôs que pensássemos na quantidade

de matéria prima e energia (por exemplo) que deixaríamos de consumir com

essas ações, logo, estaríamos colaborando com o tão divulgado, e pouco

realizado desenvolvimento sustentável, uma vez que estaríamos preservando e

oferecendo condições para as gerações futuras tivessem “seu desenvolvimento”

socioeconômico. Mas uma vez provocadas, as meninas não pararam...

Nossa, a cada novo argumento das meninas o professor Ronaldinho, ficava

mais espantado com o interesse e comprometimento das futuras professoras, que

a todo momento falavam que mais importante que ter todo esse conhecimento,

seria trabalhar junto à comunidade de Perus essas informações, para que a

comunidade organizada, pudesse, questionar o poder público.

Uma coisa posso dizer, eu, uma usina já não tão ignorante, considerava a

destinação de lixo ao aterro, nessas proporções, algo inconcebível. Tudo bem,

podemos ter aterros. Pensemos em nosso vizinho o Aterro Sanitário Bandeirantes,

ele é importante e necessário, mas com as medidas citadas pela irmãs Ana &Ana,

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hoje ele teria uma quantidade infinitamente menor de lixo e poderia ficar em

funcionamento por mais de 50 anos, pelo menos...

Já se findava o dia e a conversa tinha sido altamente produtiva, as meninas

voltaram para o seu grupo, depois de devolver todas as provocações ao professor,

que A PARTIR daquele momento, passou a questionar ainda mais o poder

público, pois afinal, diante de tudo o quer foi dito, qual a posição do nosso primeiro

setor? Será que eles consideram importante manter o sistema de coleta de lixo

nos moldes atuais? E mais... E a Educação?

Bem eu me despeço, e passo a palavra a outros que possam trazer novos

esclarecimentos à nossa comunidade, mas com certeza hoje estou feliz por

entender que existem pessoas realmente preocupadas com a nossa realidade...

O poder público, e o interesse das empresas... E a comunidade?

Podemos perceber que realmente temos grandes problemas em nossa

comunidade, sendo analisada aqui a questão do lixo, mas não podemos deixar de

considerar a falta de interesse político como um dos maiores problemas de nossa

região. Aliás, nem deveríamos chamar isto de falta de interesse, pois na verdade o

que mais se tem neste momento são interesses, mas esses não são os da

comunidade, e sim do poder público e das empresas envolvidas nestas questões.

Se não vejamos.

Como já foi citado a reciclagem e a compostagem são fundamentais para a

redução do lixo, um grande problema hoje, não só em nossa cidade, mas em todo

o planeta, mas para o poder público a implementação destas práticas, têm um

custo altíssimo, sem contar que da maneira como é feita atualmente não

consegue produzir resultados satisfatórios, pois falta educação à comunidade e as

ações não se dão em parceria com a escola, que poderia (e deveria) ser parte

integrante neste processo, desta forma falta interesse ao poder público em

atender a nossa comunidade.

Bem, se falta interesse por um lado, o de atender a comunidade, sobra

“interesses” do outro, sobretudo os das empresas envolvidas nesse processo.

Primeiro porque é mais fácil gastar milhões com transporte de lixo, com os aterros,

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por exemplo, do que investir em educação, que dá muito mais trabalho, ainda

mais em nosso falido sistema educacional. Segundo, e aí fica mais evidente o

interesse das empresas particulares envolvidas na questão do lixo, qual o

interesse em se diminuir a quantidade de lixo destinada aos aterros, uma vez que

com esse sistema de créditos de carbono, obtém-se lucro à custa da nossa

qualidade de vida?

Assim, fica muito claro quanto sobra interesse de um lado, e quanto falta do

outro, e o poder público que em tese, deveria atender aos anseios da nossa

comunidade, está a serviço, primeiramente, das empresas particulares...

Enfim, isso é um pouco de nossa realidade, triste e dura realidade, que

contrapõem interesses e que mostra a importância da Educação para a resolução

dos problemas, pois somente com grande comprometimento e envolvimento de

nossa comunidade, apoiada na Educação, é que poderemos questionar o poder

público, de forma a atender os nossos interesses, e principalmente, que possamos

mostrar que somos parte de um sistema, e que não devemos ser relegados a um

segundo ou terceiro plano nestas discussões. Afinal, ainda que nos encontremos

neste longínquo bairro do extremo norte da capital, temos uma comunidade,

temos uma população, temos sentimentos, temos famílias, temos filhos e que

fazemos parte do meio ambiente, ainda que nem todos pensem assim...