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CRISE ECONÔMICA, FLEXIBILIZAÇÃO E O VALOR SOCIAL DO TRABALHO

Átila Da Rold Roesler (2014) Crise Econômica, Flexibilização e o Valor Social Do Trabalho

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Átila Da Rold Roesler (2014) Crise Econômica, Flexibilização e o Valor Social Do Trabalho

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  • CRISE ECONMICA,FLEXIBILIZAO E O VALOR

    SOCIAL DO TRABALHO

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  • TILA DA ROLD ROESLER

    Juiz do Trabalho Substituto na 4a Regio (RS).Ex-Juiz do Trabalho Substituto na 23a Regio (MT).

    Ps-graduado lato sensu (especialista) em Direito e Processo do Trabalho.Ps-graduado lato sensu em Direito Processual Civil.

    Professor na Ps-Graduao em Direito e Processo do Trabalhoe em Direito Previdencirio na UNIVATES Lajeado-RS.

    Autor de diversos artigos jurdicos em publicaes especializadas.Exerceu o cargo de Procurador Federal na Advocacia Geral da Unio (AGU).

    Foi Delegado de Polcia Civil no Paran.

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  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Roesler, tila da Rold Crise econmica, fl exibilizao e o valor social do trabalho / tila da Rold Roesler. So Paulo : LTr, 2014. Bibliografi a.

    1. Brasil Constituio (1988) 2. Crise econmica 3. Direitos fun-damentais 4. Ordem econmico-social 5. Trabalho e classes trabalhadoras Aspectos sociais I. Ttulo.

    133:43-UDC 13090-41

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Trabalho : Valor social : Direito do trabalho 34:3312. Valor social do trabalho : Direito do trabalho 34:331

    R

    EDITORA LTDA.

    Todos os direitos reservados

    Rua Jaguaribe, 571

    CEP 01224-001

    So Paulo, SP Brasil

    Fone: (11) 2167-1101

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    Produo Grfi ca e Editorao Eletrnica: Peter Fritz Strotbek

    Projeto de Capa: Fabio Giglio

    Impresso: Pimenta Grfi ca e Editora

    Outubro, 2014

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    Verso impressa - LTr 5078.8 - ISBN 978-85-361-3105-4Verso digital - LTr 8509.2 - ISBN 978-85-361-3190-0

  • Para Ana Jlia, fi lha amada.

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  • Agradeo:

    A todos os colegas que fazem parte da Justia do Trabalho brasileira.

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    Sumrio

    Prefcio .................................................................................................................... 13

    Apresentao ........................................................................................................... 15

    1 A Compreenso do Trabalho Humano Atravs da Histria ........................... 17

    1.1. Antiguidade ...................................................................................................... 18

    1.2. Idade Mdia ...................................................................................................... 20

    1.3. Corporaes de artes e ofcio ............................................................................ 21

    1.4. A Revoluo Comercial e a consolidao do capitalismo ................................. 23

    1.5. A necessidade de regulamentao da economia liberal .................................... 27

    1.6. Surgimento e afi rmao histrica do Direito do Trabalho ................................ 28

    1.7. As relaes de trabalho e a globalizao ........................................................... 36

    2 A Globalizao da Economia e a Flexibilizao da Legislao Trabalhista .. 41

    2.1. Sobre a globalizao .......................................................................................... 41

    2.2. Da fl exibilizao das normas trabalhistas ......................................................... 46

    2.3. Crticas ao discurso neoliberal .......................................................................... 60

    3 O Valor Social do Trabalho na Constituio Federal de 1988....................... 80

    3.1. Premissas fundamentais .................................................................................... 80

    3.2. Direitos sociais .................................................................................................. 83

    3.3. A ordem econmica na Constituio de 1988 .................................................. 87

    4 A Necessria Reafi rmao do Valor Social do Trabalho no Cenrio Econ- mico Contemporneo ....................................................................................... 95

    5 A Concretizao do Valor Social do Trabalho na Interpretao da Legislao Social ................................................................................................................ 107

    5.1. Aspectos polmicos da jornada de trabalho...................................................... 108

    5.1.1. Sistema 12 x 36 e suas variaes ............................................................ 109

    5.1.2. Banco de horas ....................................................................................... 112

    5.1.3. Jornada: as excees do art. 62, I e II, da CLT ....................................... 113

    5.1.4. Dano moral por excesso de jornada ....................................................... 119

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    5.2. Revista pessoal e de pertences do trabalhador .................................................. 121

    5.3. Tratamento adequado no ambiente de trabalho ............................................... 124

    5.4. Trabalho degradante e em condies precrias ................................................. 127

    5.5. Responsabilidade civil por acidente de trabalho............................................... 129

    5.6. Ainda sobre a terceirizao ............................................................................... 133

    5.6.1. Noo sobre o tema terceirizao ........................................................ 133

    5.6.2. A fraude perpetuada por meio da terceirizao ...................................... 136

    5.6.3. Da responsabilidade do tomador de servios na terceirizao ............... 141

    5.6.4. Responsabilidade dos entes pblicos na hiptese de licitao ............... 142

    5.7. Insalubridade e periculosidade: possibilidade de acumulao ......................... 145

    5.8. Consequncias do atraso de salrios ................................................................. 149

    5.9. Abuso do poder diretivo do empregador .......................................................... 151

    5.10. Dumping social dano moral coletivo ............................................................. 152

    Consideraes Finais .............................................................................................. 159

    Anexo ....................................................................................................................... 163

    Referncias Bibliogrfi cas ....................................................................................... 165

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  • Quando uma luz se apaga, fi ca muito mais escurodo que se ela jamais houvesse brilhado.

    John Steibeck

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    Prefcio

    Sinto-me extremamente honrado pelo convite feito para prefaciar esta obra de autoria do professor e magistrado do Trabalho tila da Rold Roesler. Embora jovem, o autor j acumula vasta experincia acadmica e profissional, fatores estes que certamente o infl uenciaram e moldaram sua formao doutrinria com slida base prin-cipiolgica, de cunho social, a qual se encontra magistralmente exposta neste trabalho.

    estimulante vivenciar o nascimento de uma obra jurdica de qualidade, fruto, a toda evidncia, de um rduo trabalho de pesquisa e refl exo, a qual no poderia ter sido festada no fosse a paixo do seu criador pelos estudos e aprimoramento profi ssional, visto que o autor a produziu sem se afastar da sua funo jurisdicional, que, bem sei por experincia prpria, apesar de gratifi cante, tambm sobremaneira extenuante.

    Ao reafi rmar o valor social do trabalho, esta obra como um farol que acende em noite de penumbra, orientando os menos incautos dos perigos do rochedo que se aproximam. Muito mais do que conclamar os combatentes do neoliberalismo na seara laboral, a reafi rmao do valor social do trabalho feita pelo autor serve de alerta para os defensores da fl exibilizao extrema, ressaltando o contexto histrico das conquistas dos trabalhadores e a importncia do Direito do Trabalho para o equilbrio das relaes entre o capital e o trabalho, rememorando, ainda, a necessidade dessa harmonia para a manuteno do prprio capitalismo em si.

    No sculo I a.C., Ccero indagava: Quem hoje acredita em quimeras? O tempo destri as invenes da imaginao, mas confi rma os julgamentos da natureza e da verdade. Ouso acrescentar s palavras do fi lsofo romano que o tempo destri muitas coisas, inclusive a memria. O fato de a realidade ter sido to brutal que possa ser comparada ao monstro de trs cabeas da mitologia grega (quimera) no pode servir de artifcio para que, no futuro, determinado fato histrico seja visto como algo mitolgico e, portanto, inverossmil. Lembremo-nos de que no so poucos os que defendem a inexistncia do holocausto simplesmente por no acreditarem na capacidade e na engenhosidade humana necessrias para produzir tamanha barbrie. As conquistas alcanadas pelos trabalhadores no foram frutos da astcia de um nico heri (Belerofonte), o qual, montado em seu cavalo alado, veio a lanar chumbo na garganta incandescente da besta, matando-a de um s golpe. No mundo real, a melhoria das condies de trabalho e da vida dos traba-lhadores deu-se pela luta incessante de um sem-nmero de heris, na sua esmagadora maioria annimos, dos quais muitos deram o prprio sangue e a vida pela conquista de um ideal. Obras, como a presente, so indispensveis para a reafi rmao desses fatos histricos de modo a no serem esquecidos.

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    Lanadas as bases histricas e axiolgicas, o autor tambm dedicou-se a contemporiz--las, dando aplicao prtica s suas premissas principiolgicas to bem estruturadas no desenvolvimento do seu trabalho.

    Por tudo isso, tenho a convico de que se trata de obra de grande valia para o mundo acadmico, para os operadores de direito e para os estudantes, no s do curso de Direito, mas tambm das demais reas das Cincias Humanas.

    De Cuiab para Porto Alegre, outono de 2014.

    dson Bueno de SouzaDesembargador Presidente do Tribunal

    Regional do Trabalho da 23a Regio.

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    Apresentao

    Este trabalho representa a necessria reafi rmao da importncia do valor do trabalho humano no atual momento econmico pelo qual passamos. Cada vez mais os direitos sociais so atacados e vistos como entraves ao desenvolvimento econmico da sociedade, acusados de prejudicar a abertura de novos negcios e o progresso do pas, como se a economia, em si mesmo considerada, fosse mais importante do que a prpria condio humana.

    No entanto, preciso compreender o valor que o trabalho possui atravs da histria da humanidade. A busca pela acumulao de riquezas existe desde tempos imemoriais, remetendo s guerras e conquistas de outros povos da Antiguidade, donde surgiu a prpria noo de escravatura. Para bem compreender a explorao do trabalho pelo capital ne-cessrio retornar aos dias passados, de forma a estudar as relaes escravocratas e servis, passando pelo iluminismo e pelo surgimento da Revoluo Industrial at se chegar s modernas relaes de trabalho. Somente aps as crescentes reivindicaes dos operrios e do perigo representado pelo Manifesto Comunista que o Estado resolveu intervir nas relaes de trabalho no incio do sculo XX, criando um corpo de leis que pretendia coibir a ao dos detentores do capital para garantir, ao menos, a integridade fsica do homem-trabalhador. Surgia, ento, o Direito do Trabalho.

    Aps dcadas de afi rmao e de conquistas histricas, a ordem da vez na atualidade a desregulamentao das normas trabalhistas por conta do discurso de uma suposta evoluo da sociedade e da melhoria substancial na condio social dos trabalhadores. A globalizao da economia passou a justifi car a fl exibilizao da legislao social sob o argumento de que o progresso e o desenvolvimento econmico so fundamentais ao desenvolvimento das naes. Entretanto, preciso entender o Direito do Trabalho no somente como um conjunto de normas postas pelos detentores do poder econmico, mas como direitos fundamentais de segunda gerao constitucionalmente garantidos que so.

    certo que a luz da Constituio Federal irradia-se tambm no ramo social do direito, do qual faz parte o Direito do Trabalho. Partindo dessa moderna viso constitucional e contempornea que o valor social do trabalho se reafi rma diante do atual cenrio eco-nmico. A sociedade evoluiu numa noo mais fraterna e solidria das relaes humanas, dando ensejo a novos conceitos. A Constituio brasileira de 1988 resgatou valores at ento esquecidos pela cultura moderna, como a elevao da dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, a busca pela reduo das desigualdades regionais e sociais e a construo de uma sociedade livre, justa e solidria.

    A legislao social serve para estabelecer claros limites acumulao de riquezas em prol de uma condio de vida digna a todos. preciso que se interpretem as controvrsias

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    surgidas na relao entre capital e trabalho com o olhar da Constituio de 1988, de modo que no se alegue anacronismo da legislao trabalhista nos dias de hoje. Somente assim veremos que no h necessidade de profundas alteraes legislativas para que o Direito do Trabalho permanea sempre atual na sua misso constante de realizar-se como instrumento de efetivao da justia social.

    O Autor

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    1 A Compreenso do TrabalhoHumano Atravs da Histria

    A valorizao do trabalho humano e seu verdadeiro signifi cado s podem ser com-preendidos atravs de uma anlise histrica do trabalho do homem ao longo dos tempos, o que se pretende fazer a partir desse momento. Afi nal, como diz Segadas Vianna, o homem sempre trabalhou.(1)

    Em todas as fases de nossa histria est presente a capacidade humana para o trabalho, o que pode ser notado considerando-se desde o esforo pela conquista da terra e da civilizao at a busca constante por melhores condies de vida. Como diz Lygia Maria de Godoy Batista Cavalcanti, a nossa civilizao pode ser entendida como a civilizao do trabalho porque nasce e desenvolve-se mediante o trabalho.(2)

    Jos Soares Filho revela que:

    O trabalho sempre teve importncia fundamental na existncia do homem, sob mltiplos aspectos e por vrias razes. Seja como meio de subsistncia e, como tal, condicionante do ser humano, seja como fator de sua realizao pessoal e de sua dignidade.

    Desde tempos imemoriais constitui causa de preocupao dos responsveis pelo destino do homem e, dessa maneira, foi referido em registros de relevante valor e credibilidade entre os povos na Antiguidade.(3)

    O trabalho o homem, dele no se dissocia, no se afasta; dele faz parte, na medida em que a fora (braal, intelectual) cedida no contrato no desintegra o homem, vende-se parte dele, disposio do comando empregatcio.(4) Ceder a fora ceder-se, entregar--se ao trabalho, deixando no fruto da prestao dos servios partes de si.(5) Trabalho subordinado, por alteridade, constitui-se justamente pela disponibilidade do trabalhador s ordens do empreendedor. No se pode deixar disposio a fora, o pensamento, a capacidade profi ssional, sem disponibilizar-se, de igual modo, o prprio homem.(6)

    (1) SSSEKIND, Arnaldo; MARANHO, Dlio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Instituies de Direito do Trabalho. 21. ed. So Paulo: LTr, 2003. v. 1, p. 27.

    (2) CAVALCANTI, Lygia Maria de Godoy Batista. A fl exibilizao do direito do trabalho no Brasil Desregulao ou Regulao Antica do Mercado? 1. ed. So Paulo: LTr, 2008. p. 23, destaque nosso.

    (3) SOARES FILHO, Jos. Sociedade ps-industrial e os impactos da globalizao na sociedade, no trabalho, na economia e no Estado. Curitiba: Juru, 2007. p. 17.

    (4) FAVA, Marcos Neves. Dano moral (coletivo) decorrente de descumprimento da legislao trabalhista. In: Contempo-raneidade e Trabalho. So Paulo: LTr, 2012. p. 105.

    (5) Ibidem, p. 109.(6) Ibidem, p. 105.

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    Assim que as relaes entre capital e trabalho e os confl itos da decorrentes so temas da mais profunda relevncia na sociedade. A proximidade de interesses opostos converte o contrato de trabalho em palco de confl itos constantes. justamente essa disputa entre capital e trabalho que tem caracterizado a Era de Extremos que vivencia-mos nos ltimos sculos de Histria recente ou, na expresso de Tereza Aparecida Asta Gemignani, a Justia do Trabalho acaba funcionando como algodo entre cristais.(7)

    1.1. Antiguidade

    Falar do trabalho humano na Antiguidade signifi ca falar tambm em escravido. Somente retornando ao passado que se consegue perceber o verdadeiro signifi cado por trs da expresso trabalho, que remete expresso latina tripalium, que se refere a uma espcie de instrumento de tortura ou canga que pesava sobre os animais. Como diz Cavalcanti, na Antiguidade clssica, via-se o trabalho com negatividade pela prpria concepo grega de vida, a qual dedicava contemplao sua mais alta relevncia.(8) O trabalho, em si, no era sinnimo, poca, de atividade digna ao cidado.

    No Brasil primitivo, de colonizao portuguesa, pouco importava o esforo indivi-dual e a capacidade para o trabalho. Tereza Aparecida Asta Gemignani nos conta que no Brasil Colonial era um demrito ter de trabalhar para sobreviver, pois signifi cava falta de engenho e arte. Inclusive a autora relata que muitos se gabavam de que em suas famlias no se trabalhava h vrias geraes.(9)

    O trabalho, portanto, sempre fora considerado uma espcie de castigo divino, tarefa menos nobre e que pesava apenas sobre a classe desfavorecida da sociedade. Enquanto a classe dominante exercia encargos intelectuais, religiosos ou dedicava-se s artes e guerra, os trabalhos pesados fi cavam por conta de uma subclasse de pessoas consideradas escravas. Battaglia informa que o trabalho no mundo clssico grego e romano uma ativi-dade vil, signifi ca fadiga e, por isso, indigno, aviltando a essncia do homem livre.(10)

    A execuo do trabalho para a satisfao do interesse alheio se d, inicialmente, na histria da humanidade, por meio da escravizao advinda das guerras travadas entre os povos antigos. A origem da palavra escravo remete ao termo sclavus em latim medieval que fazia referncia aos povos eslavos conquistados pelo Imprio Romano na Antiguidade. Nos combates que se travavam naqueles tempos, um dos trunfos dos vencedores era justa-mente o de angariar os esplios de guerra, assim considerados os produtos dos saques realizados em territrio inimigo e a escravido dos povos conquistados.

    Mas essa noo no veio de imediato, e muitos dos povos conquistados foram chacinados de imediato por seus conquistadores. Como destaca Segadas Vianna, nos combates que se travavam entre tribos ou grupos rivais, os vencedores matavam os

    (7) GEMIGNANI, Tereza Aparecida Asta. De algodo entre os cristais a protagonista na formao da nacionalidade brasileira. Revista Eletrnica do TRT da 4a Regio, ano VIII, n. 141, 2a quinzena de junho de 2012.

    (8) CAVALCANTI, Lygia Maria de Godoy Batista. Op. cit., p. 26. (9) GEMIGNANI, Tereza Aparecida Asta. Op. cit.(10) Apud CAVALCANTI, Lygia Maria de Godoy Batista. Op. cit., p. 27.

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    vencidos. Depois, percebeu-se que em vez que liquidar os prisioneiros, era mais til escraviz-los para gozar de seu trabalho.(11) Assim foi que em dado momento histrico se percebeu que os prisioneiros de guerra poderiam ser transformados em escravos cujo trabalho seria bem aproveitado na sociedade da poca, j que o labor era considerado funo menos nobre e da qual os sbios e pensadores no deveriam se ocupar.

    Como explica Manoel Alonso Olea, citado por Souto Maior:

    Basicamente se chegava condio de escravo, em primeiro lugar, pelo subjugamento em razo de conquista ou pela catividade do prisioneiro no sacrifi cado, seja permanecendo este no solo conquistado como agricultor, seja desterrando-o para transport-lo a outras exploraes agrcolas ou utiliz-lo como escravo industrial ou domstico. Em segundo lugar, esgotadas as fontes externas, pelo nascimento de pais escravos ou me escrava, sendo estas as duas espcies aludidas no texto romano tardio, os escravos nascem ou se fazem. Com frequncia, tambm, por vrias situaes de endividamento ou por outras causas.(12)

    Diante da farta proviso de povos a serem conquistados, no faltavam escravos naquela poca. Em razo disso, a escravatura era levada a extremos pelos senhores que obrigavam seus escravos a trabalhar at carem mortos. Muitos sofriam com o tratamento aviltante que lhes era dispensado, sendo comum ocorrerem mortes de escravos por no disporem de condies bsicas de alimentao e sade, alm de permanecem laborando indefi nidamente e sem qualquer pausa para descanso. Foi dessa maneira que muitas obras suntuosas da Antiguidade foram construdas, ao custo de muitas mortes e sofrimento alheio, como as pirmides do Egito, consideradas uma das maravilhas da humanidade.

    Por outro lado, em algum momento, o excesso de escravos comeou a se tornar um problema, j que acabava onerando o custo da propriedade onde estavam alocados. Em razo disso, os escravos comearam a ser vendidos ou emprestados para outros que necessitassem de seus servios em verdadeira prtica de locao de trabalho, embora sem que lhes fossem assegurados quaisquer direitos mnimos. Os contratos de locao se realizavam diretamente entre o locatrio e o proprietrio do escravo, sem qualquer participao do trabalhador que sequer possua o direito de ser ouvido na relao existente entre as partes.

    Fbio Goulart Villela acrescenta que:

    Podemos considerar a escravido como a primeira forma de explorao do trabalho humano, nascendo nas eras primitivas e tendo seu apogeu durante todo o perodo da Antiguidade. Como se sabe, o homem primitivo, nos primrdios, laborava, basicamente, visando obteno de alimentos. Logo depois, almejando defender-se de animais ferozes e inimigos, iniciou a fabricao de armas e outros instrumentos de defesa, no deixando de

    (11) SSSEKIND, Arnaldo; MARANHO, Dlio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Op. cit., p. 27.(12) MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de Direito do Trabalho. v. I Parte I. So Paulo: LTr, 2011. p. 45.

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    consistir em uma atividade industrial primitiva. Durante os confl itos, os vencedores matavam ou devoravam seus inimigos. Verifi cou-se, mais tarde, a utilidade da escravido dos prisioneiros de guerra, para que pudessem gozar de seu trabalho. Com o passar do tempo, aqueles que possuam um nmero de escravos superior satisfao de suas necessidades pessoais passaram a vend-los, troc-los ou alug-los, iniciando, dessa forma, os primeiros passos do processo de escravido de seres humanos.(13)

    O fato que a escravido constituiu a principal caracterstica das relaes humanas no que tange ao trabalho no perodo histrico conhecido como Antiguidade. Quase todos os trabalhos eram realizados por eles. Apesar disso, possvel encontrar nessa poca certo nmero de trabalhadores livres, cuja atividade comea a ser regulamentada pelo Estado, com a fi xao de salrios e o reconhecimento de sua responsabilidade profi ssional.

    J a partir do sculo III, a escassez de escravos faz surgir um novo fenmeno nas cidades daquela poca: a ruralizao, que, a partir de ento, geraria as principais estru-turas do sistema feudal que vigorou durante o perodo da histria que fi cou conhecido como Idade Mdia. E, desse modo, os primeiros trabalhadores assalariados foram aqueles escravos libertados (por gratido, em dias festivos ou quando da morte de seus senhores proprietrios) e que continuaram a prestar seus ofcios habituais, em troca de salrio.

    1.2. Idade Mdia

    Com a queda do ltimo Imperador Romano, Rmulo Augusto, no ano de 476, iniciou-se a Idade Mdia, que se estenderia at 1453 com a tomada de Constantinopla pelos turcos. Esse perodo marcado por mudanas nas relaes de trabalho infl uenciadas pela criao do dinheiro, pela escassez de escravos e tambm pela ruralizao tida como fenmeno social e econmico da poca. O perodo caracteriza-se pelo feudalismo.

    O feudalismo foi um modo de organizao econmica, poltica, social e cultural baseado essencialmente na posse da terra com o poder poltico nas mos dos senhores feudais, que eram os donos das terras e que exerciam o controle sobre os servos que trabalhavam em suas propriedades. Os camponeses utilizavam para seu sustento um pedao de terra arrendado e, em troca, tinham a obrigao de trabalhar alguns dias por semana na terra do proprietrio. Os servos eram obrigados tambm a realizar trabalhos na construo e reparos de pontes, estradas e represas que circundavam a propriedade. Os senhores feudais tinham o poder total nas terras sob seu domnio, aplicando as leis e fazendo justia com as prprias mos, tendo respaldo por parte do Estado. Nesse aspecto, a situao dos servos em muito se assemelhava dos escravos, pois a sua liberdade era apenas aparente.

    O poder poltico e econmico da poca passava tambm pela Igreja, que era tida como grande proprietria de terras, o que fazia que seus interesses se rivalizassem com os senhores feudais da poca. Os religiosos detinham quase todo o conhecimento da poca,

    (13) VILLELA, Fbio Goulart. Introduo do Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 3.

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