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Átimo é a publicação resultante da disciplina de Edição do curso de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no Departamento de Comunicação (DCOM), do Centro de Artes e Comunicação (CAC).
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Rua da Moeda
Dez horas na moeda: efervescência e calma
Graffiti na moeda: expressao das ruas
O espaço dividido pelos flanelinhas
ÁTIMO
o outro lado da
RECIFE | FEVEREIRO | 2014
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editorial
Vigiando a Rua da Moeda4Casarões abrigam o passado 6
Não tinha teto, não tinha nada 8
Muros falantes exalam ideias13
A moeda vale dois reais11
Via que anseia por cultura 16
Quem quiser pode chegar18
Posfácio22
índice
T.A.T.I codinome da rua9
Mural20
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O relógio marcava exatamente duas da tarde de uma sexta feira quando cheguei ao localda“pauta” deste texto. estava disposto a acompanhar, por dez horas seguidas, a movimentação deste logradouro, que é tão famoso pela sua vida noturna. Mas chegar na hora do“baile” era muito fácil. A minha curiosidade era em saber como a “gata borralheira” se transformava em“cinderela”. Se me permitem o trocadilho infeliz, que-ria conhecer o “outro lado da moeda” da rua da moeda.
Vigiando a Rua da MoedaTEXTO ROBSON GOMES FOTO KÁCIA GUEDES
crônica
Nas primeiras horas de observação, encontro um cenário completamente dife rente do expediente noturno: mais carros do que gente, quase como um grande estacionamento ao ar livre, organizado pelos amad os (ou odiados, como queiram) flanelinhas. Os “gatos pingados” que usufruíam de alguns bares que estavam abertos só reforçavam o ar de tranquilidade da rua. A única música que se ouvia por ali era o barulho da construção que vinha das proximidades do Marco Zero. O público que passava pela Moeda naquele momento era formado por pequenos grupos de turistas, ou simplesmente, trabalhadores que aproveitavam o seu intervalo de almoço, já antecipando o happy hour de logo mais à noite. Por volta das 16h37 (sim, gosto de ser exato algumas vezes), um soar de tambor quebra o silêncio quase fúnebre daquela rua. E não era apenas um tambor. Eram vários. Também não era um batuque desenfreado e descompassado. Era um batuque que a gente sentia que até o coração entrava no ritmo. Estamos falando dos tambores de um maracatu.
E como o próprio nome do grupo anunciava, o “Encanto da Alegria” acordava o local com sua música, beleza e tradição. Foi o momento perfeito para os turistas se chegarem. Era engraçado olhar para aqueles gringos e perceber o quanto estavam admirados ao ver aquela manifestação po pular. Os integrantes do maracatu dançavam com sorriso no rosto, sedu zindo ainda mais àqueles que viam aquele momento pela primeira vez. O encanta mento era tanto, que duas gringas saíram do bar com o copo de cerveja quase cheio nas suas mãos para se balançarem, mesmo que timidamente, com aqueles batuquei ros. Em frente às casas de número 133 e 143, surge um artista solitário que começa a treinar malabares. De forma gradual, ele tenta fazer arte com duas, três e, por fim, quatro bolas, de forma paciente e equilibrada. Mal sabia eu que aquele ensaio de malabarismo fosse me chamar tanto a atenção nas próximas horas. Você entenderá ao longo desta nossa conversa... O cenário noturno, já conhecido da Rua da Moeda, começa a ser construído.
Passam das seis da noite quando ouço os versos iniciais de “O Que Há de Bom”, de alguém que cantava voz e violão, ao vivo, em um dos bares. Fiquei triste porque ninguém aplaudiu o jovem cantor ao fim desta música, que iniciou bem a sua apresentação. Mas deixando o momento The Voice de lado, minhas atenções voltaram para aquele artista solitário, lembra? É que aquele malabarista agora não estava mais sozinho. Ele tinha a companhia de uma bela moça, que treinava com claves estampados, estilo tabuleiro de xadrez. Se eram namorados? Talvez. Mas também não vou bancar o cupido, né? A Moeda começa a ficar mais colorida. Calma, não me refiro a público (ainda!). E sim pelo colorido das mesas que começam a tomar mais espaço pela rua: brancas, amarelas, verdes, laranjas, vermelhas, além das de madeira pintadas em cinza. Aquele bar da música ao vivo, parece chamar mais clientes. Já posso dizer que esse estabelecimento “está bombando”. Lembra do artista solitário e “sua possível namorada”? Pois bem. Chegou
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mais uma moça para o grupo. Com bolinhas verdes e rosas, agora os três en saiam números de malabarismo. Continuo a andar de um lado para outro buscando o que escrever aqui quando olho com mais atenção para um imóvel maltratado pelo tempo por fora, mas que por dentro parece tomado pela arte. Do alto de seu primeiro andar, é possível ver pelas janelas mãos e corpos voando rapidamente. Percebi que se tratava de um ensaio de um grupo de dança. A padaria e o mercadinho da Rua da Moeda já estavam fechados. Agora era, mesmo, a hora dos bares. Do outro lado da animação, causado pela música ao vivo, na outra ponta da rua ouço apenas Zé Ramalho cantando baixinho, em nível ambiente. Posso voltar ao trio de malabaristas? (Pois é, eles ainda existem!) É que a jovem de claves de xadrez deu lugar a uma simpática garotinha que tenta realizar os seus primeiros movimentos. E finalmente eu ouço Chico Science, tão lembrado aqui nesta rua. Já passam das oito da noite por aqui. No lado mais calmo (até então) da rua, surgem mais mesas e cadeiras. Mais um bar acaba de abrir o seu expediente por ali. Do lado que está “fervendo” uma segunda banda ao vivo começa a tocar naquele bar. A vocalista começa seu show cantando “Valerie”, de Amy Winehouse. Parecendo coincidência (ou não), foi apenas nesse instante que eu consegui encontrar uma das características “tão lembradas” em relação à esta rua: o consumo de entorpecentes. Vi dois rapazes fumando um baseado, se revezando entre um trago e outro. Assim que terminaram, foram embora tranquilamente. Resolvi sentar um pouco em um dos bancos de concreto para descansar por uns instantes e retomar a rotina por mim proposta. Foi nesse exato momento que uma figura inte ressantíssima sentouse ao meu lado. Com trajes que lembravam um cangaceiro e munido de literaturas de cordel numa bolsa de couro preta, parei
para observar, principalmente, os títulos de algumas das muitas histórias que ele carregava consigo e, confesso, me prendi para não gargalhar e constrangêlo de alguma forma. Fiquei muito curioso para ler “A véia debaixo da cama e a perna cabeluda”, “A mulher tem o sabor da maçã, a malícia, e o veneno da serpente” e “O grande debate de Lampião e São Pedro”. Minha análise daquelas literaturas só foi interrompida porque o próprio, bastante simpático, voltouse pra mim e explicou o porquê de estar sentado. Ele disse que precisava descansar “pois havia andado muito pela Praça do Arsenal”, que ficava ligeiramente perto dali. Assim que olhei diretamente para o rosto daquele senhor, fui distraído pelo seu chapéu de palha de cangaceiro decorado com moedas antigas. E mais uma vez, minhas viagens e análises internas são interrompidas por aquele homem, que se vira pra mim e me questiona, levemente irritado: “Pra quê esse grito?” Ele se referia àquela banda ao vivo que tinha acabado de começar seu show e a vocalista estava fazendo as famosas “firulas vocais” ao entoar “Mercy”, sucesso da cantora Duffy. Apenas sorri e deixei ele formar a sua própria opinião sobre a “excentricidade” que ele estava escutando. Faltando duas horas para encerrar a minha missão, tenho que te perguntar mais uma vez, paciente leitor: Lembram dos malabaristas? Sim, eles ainda estão lá! E agora, existem mais amigos com eles. Não treinando exatamente, mas tipo, curtindo o momento. São seis pessoas ao todo. Um jovem descamisado, que parece ser de rua, aparentando uns 20 anos, apareceu e pediu àqueles artistas para tentar também. E agora, de costas para mim, onde enxergo uma tatuagem escrito “Neide”, ele presta atenção nas instruções dos donos do instrumento para tentar fazer igual. E bem atrás deles, cinco jovens fazem uma rodinha para dividir (olha a novidade, só que não) um baseado. A medida que a noite avança, as
pessoas não param de chegar por aqui. Geralmente grupos ou casais são maioria. E quando chego no “lado samba”, acre ditem: agora encontro malabaristas por lá também! Mas juro que esta será a única citação sobre eles. Também é nesse instante que começa o famoso “sambão”, com um grupo de pagode ao vivo, formado por cinco integrantes. Atrás desse conjunto, surgiu um casal dançando como ninguém! No maior estilo dança de salão, eles evoluíam com muita classe. Apesar do cansaço nítido do homem, demasiadamente suado, era possível ver piruetas com muito sorriso no rosto. Notei também que um dos vocalistas do grupo estava um pouco estressado com o som, bem abafado, que se propagava da banda. Mas mesmo assim, eles não deixavam “o samba morrer”. Continuando as minhas andanças e observações, só agora consegui ver as luzes da boate “Moeda Eletrônica”, famoso point GLS do bairro, que fica no primeiro andar de um dos prédios dali. Porém, o silêncio ainda tomava conta daquela de coração fluorescente em tons de verde e laranja marcatexto, que se destacava da luz negra que também se via da janela. Com o passar das horas, as cenas de consumo de maconha ao ar livre predominavam na área “descolada”, que por sinal, é a mais frequentada da noite. O cheiro da rua começa a ficar ligeiramente desconfortável, e bancar o fumante passivo de maconha não é nem um pouco interessante. Fora que tô quase aprendendo a como embalar o entorpecente para ser tragado, de tão explícito que é por aqui. Peço desculpas por tamanha caretice. Minha jornada começa a se encerrar. Olhando em minha volta, mais uma vez, é incrível como consigo encontrar as mais diversas tribos, os mais diversos gêneros, as mais diversas pessoas. Talvez seja essa a grande característica da Rua da Moeda: um refúgio, onde qualquer pessoa pode ser apenas, você mesmo, explicitamente, e sem precisar dever “uma moeda” a, absolutamente, ninguém.
crônica
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Casarões abrigam o passado
TEXTO JOSÉ DANIEL FOTOS KÁCIA GUEDES e WANDERLEY ANDRADE
história
Cidades com áreas tombadas são consideradas como pontos de memória de uma região. Mas as mudanças também são realizadas no processo de transformação desses locais. Essas modi-ficações são por motivos vários, seja por uma especulação imobiliária, ou por uma inovação que tenta se adequar aos padrões vigentes, só que é preciso atentar para que não se apague a história desses lugares, por isso há a atuação dos órgãos responsáveis pela preservação de patrimônios.
A Rua da Moeda, no bairro do Recife Antigo, não é diferente. Seus casarões são um registro da primeira reforma urbana considerável ocorrida no Recife, no i nício do século XX. Neste período, a arquitetura do bairro recebeu predominante influência francesa no formato das ruas, assemelhandose ao de Paris, na época do Barão Haussmann, na reforma urbana da cidade. De acordo com o professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Tomas Lapa, o estilo adotado nos casarões foi o Eclético, que possuía uma mescla de vários estilos como o Neoclássico, o Renascentista, o Clássico e etc. Ainda segundo o professor, essas reformas ocorridas trouxeram novas características, “sobrados de cinco ou seis pavimentos; outra mudança foi nas telhas que avançavam para pingar água nas calçadas, e passaram a ficar por trás das platibandas, que não deixavam aparecer as telhas; as portas e janelas envidraçadas, substituindo as de madeira do tempo colonial”. Portas e janelas envidraçadas substituíram as de madeira do tempo colonial
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Em 1998, o Bairro do Recife foi tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio nacional, devido ao reconhecimento de seus exemplares arquitetônicos. Por essa razão, é necessário sempre olhar com diligência para o estado das antigas casas, e como são conduzidas as eventuais modificações. O artigo 17, do decretolei nº25, de 30 de novembro de 1937, da Justiça Brasileira, determina que “as coisas tombadas não poderão ser demolidas ou mutiladas, sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nem reparadas ou pintadas ou restauradas, sob
pena de multa”. Porém, numa passagem pela Rua da Moeda, percebese que algumas casas não têm a conservação devida, por uma reforma feita na fachada ou outras chegando a ser classificadas como Imóveis de Risco, conforme avaliações do Iphan. Ao proprietário compete zelar pelo patrimônio. No entanto, essa atenção não deve se voltar restritamente aos aspectos funcionais e de segurança, há também muitos valores subjetivos nesses casarões, pela estética e história que estão ali representados, e por atuarem como ponto de visitação de turistas. Não só por estar previsto em lei, mas também por uma questão
de consciência histórica, a arquitetura e cores dos casarões tombados não podem perder suas características. Cada intervenção feita nessas casas traz consequências mais ou menos significativas num espaço de interesse público, por isso deve haver um critério para não desfigurar a paisagem, com alguma reforma inadequada. Essas mudanças não devem se restringir apenas ao gosto do proprietário do imóvel, pois elas fazem parte da relação que a cidade possui com sua memória e seus visitantes também, tornandoa integrante de um grande acervo da cultura local e de considerável importância.
história
À esquerda, os graffitis exprimem modernidade junto aos casarões e à direita, alguns estabelecimentos optam por preservar as antigas construções
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TEXTO KÁCIA GUEDES FOTO KÁCIA GUEDES
Não sei se muitas pessoas sabem, mas a Rua da Moeda é denominada de tal forma devido à implementação da Casa da Moeda em sua localidade no início do século XVIII. Há quem conheça bem a história de Pernam-buco na época, a economia do Brasil e etc. Mas o que há em comum entre essas pessoas e os turistas que somente passeiam pelo local histórico? É uma simples pergunta: “Onde era a Casa da Moeda aqui na rua?”
artigo
Um questionamento de fácil compreensão que se torna complexo pela falta de informações e pelo crescimento das dúvidas sobre seu local. Tudo isso poderia ser resolvido com uma placa contendo informações turísticas. Entretanto, o que se tem é tudo menos esclarecedor. A placa de metal antiga e desgastada, localizada no meio do comprimento da rua, trás o seguinte trecho: “Antiga Casa da Moeda Construída em 1673 e fechada por ordem do governo da metrópole no ano de 1702. Existem controvérsias acerca da sua exata localização”. A partir disso surge uma inquietação. Uma informação histórica que agrega valor à própria rua e que poderia trazer mais turistas ao local simplesmente não é dita ou não foi preservada pelos governantes. O tempo foi passando, o estado mudou de gestão em gestão e ainda não se tem tal dado referente à sede de uma das instituições mais importantes para a época.
A Casa da Moeda, empresa pública vinculada ao Ministério da Fazenda, foi inicialmente criada em 1694, em Salvador, e tinha como função a fabricação de moedas com o ouro oriundo da mineração. Segundo o próprio site da instituição, em 1700 a Casa da Moeda se transfere do Rio de Janeiro, para o Recife, na antiga Rua Maria Rodrigues, posteriormente Rua da Moeda e passou a ocupar o prédio da Antiga Oficina de Recunhagem da capital pernambucana. Dois anos depois, ela é extinta do local e transferida novamente para o estado carioca. Já a partir dessas informações existe uma conflito de datas entre o site e a placa exibida no Recife Antigo Mas ainda querendo saber onde se localizava tal órgão, conversei com o professor de história Salviano Feitoza e descobri ainda mais. Pernambuco teve duas Casas da Moeda, uma co nstruída pelos holandeses em Olinda, não atrelada ao governo português e outra
na da Rua da Moeda. De acordo Feitosa, arqueólogos afirmam que o prédio amarelo hoje abandonado, na esquina da rua próximo ao Porto do Recife seria o local onde abrigou a i ns tituição pelo pouquíssimo tempo de dois anos. Mas há uma ressalva – como sempre – não há registros suficientes para a comprovação do local. E para alguns que acham que o Bar Casa da Moeda tem alguma relação com essa história, saibam que é somente um nome atrativo e característico que foi escolhido pelo empresário do restaurante. Não há nenhum vínculo com a instituição “desaparecida”, como afirmou o dono do estabelecimento Kadu Oliveira. E eu volto à estaca zero. Triste por essas e outras tantas informações se perderem no tempo e no espaço, por não haver a preocupação geral em preservar tal conhecimento. O que me resta é achar essa casa engraçada, como se não tivesse teto, como se não tivesse nada...
Não tinha teto, não tinha nada
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T.A.T.Icodinome da rua
Veio assim....meio que de mansinho. Qual será a dela? Nossa, mas a Moeda tem uma gente bem esquisita...só que era diferente. Um quê de dona-de-casa, porém com roupas, digamos, sofisticadas demais para tal alcunha. Um quê de conversadora, um jeito de falar que demonstrava que ela sabia das coisas da vida. Um carisma que faz todos se grudarem a ela, ou talvez ela grudasse nos outros, com seu discurso entremeado de humor e com direito a reflexões profundas (e repetitivas) sobre a vida, a pós-vida, a ante vida. Seu nome era, as-sim, simples como ela, seu nome era Tati.
Tati já foi parte da Moeda. Nasceu por lá mesmo, em seu berço de papelão e jornal e se criou em suas travessas, junto com sua mãe e irmãos. “Eram tempos muito difíceis...já passei fome várias vezes, comia só uma vez por dia, essas coisas.” Por ali não existe muitas saídas pra se sobreviver...pois quando tudo à volta já parece ter dono, como os carros a serem guardados e todos os bares com seus empregados, a vida a obrigou abandonar a posse de seu próprio corpo. Toda vez que alguém quer saber mais sobre, Tati desconversa. Aliás, desconversar é a melhor habilidade de Tati, talvez por seu carisma enorme, talvez pelas dores, manchas e marcas deixadas por terceiros em sua pele e mãos. Suas mãos, frequentemente agitadas quando ela fala, são levemente envelhecidas e um pouco machucadas. Contudo, suas unhas vão estar sempre pintadas e esses tipos de vaidade ela aprendeu com a vida. Ou melhor, com a outra vida. Sobreviver para Tati é exatamente o que a palavra diz: viver além do que é viver. Se ela não tivesse sobrevivido as ruas a teriam engolido certamente.
perfil
TEXTO GABRIEL SHIMODA FOTOS KÁCIA GUEDES
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Além de vender o próprio corpo, nas ruas também é possível vender subs tâncias que dopam o corpo, e isso Tati quase não admite nem pros outros nem pra ela mesma que fez, mas fez. Seu des trambelhamento misturado com seu ordenamento lógicofilosófico a denuncia de forma moderada. “Opa, nãão, isso daí é perigoso, não faço isso não. Olhe meu filho, nunca entre nesse mundo...só vai te trazer tristeza e vai te desviar do caminho. Aí você vai ficar que nem Tati”. E por mais que motivos estranhos a impeçam de completar cem por cento suas ideias, Tati fala com a experiência e sapiência de quem viveu muito mais do que viveu. Nunca precisou de escola pra saber de nada, nunca precisou de criaturas quadradas para ensinála a ser boa ou má. Ela aprendeu tudo na base do empirismo, e percebeu
perfil
que ser carismática, falante e amigável só trouxe boas coisas até agora. “Veja você, esse sorriso. Esse sorriso, abre portas. É como se todo o carnaval estivesse aí nele, você cativa a todos com esses dentes arreganhados aí, olha praí. É como se fosse uma luz que ilumina o seu rosto e a todos pra quem você sorri.” Tati tem sorriso metálico. Mediante sua observação, Tati intuiu que sorrisos realmente facilitam as oportunidades, e foi logo cuidar do seu. Quem diria, ela que, em um mundo de jornais e chão frio, nem sabia que metal se punha nos dentes. O metal que conhecia era pra ser revendido em algum lugar por aí, numa tal “reciclage”. E já que a rua, por muito tempo, foi seu habitat, ela se acostumou a todo instante olhar pro chão e pros lados pra saber se há alguma coisa que ela possa catar. Ao
mesmo tempo em que esquadrinha as pessoas com o olhar e chama a atenção para as coisas que elas estão vestindo. A Rua a ensinou ter os olhos mais atentos que a própria Rua. E as próprias ruas. E assim como a rua a recebeu, Tati aprendeu a ser hospitaleira. “Pode chegar lá em casa. Se tô precisando de um banho, se tô querendo passar um tempo, se tô com fome, o que eu faço? Vou lá pra casa de Tati. Lá eu vou encher minha barriguinha, ficar cheirosinho, ter uma caminha limpa pra dormir, é sempre bom né? Pois eu convido todos vocês a irem lá, pode aparecer por lá!”. E lá vai Tati com seu espartilho apertado, preto, brilhante. Suas sandálias de salto alto e sua sacola de compras. Tati é a rua que ela mesma pisa.
Tati é a rua.
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A moeda vale dois reais
Repletas de mesas e cadeiras durante a noi-te, as largas calçadas da Rua da Moeda se esvaziam durante o dia, quando os bares e restaurantes recolhem sua mobília. Com o dia claro, o que enche mesmo é a própria via, que fica tomada de carros e se trans-forma num grande estacionamento aber-to.
Via de mão única (sentido Rua Madre de Deus/Avenida Alfredo Lisboa) localizada entre as paralelas Rua Tomazina e Travessa Tuyuti, no Bairro do Recife, a Moeda comporta cerca de 30 automóveis ao mesmo tempo em toda sua extensão. O logradouro, assim como as ruas que lhe são perpendiculares (Rua Mariz e Barros e Rua da Assembleia) e outras localidades da zona central do Recife, está entre as áreas onde o sistema de Estacionamento Rotativo Zona Azul atua. Nas placas de sinalização presentes na Rua da Moeda, é possível ler os horários de funcionamento da Zona Azul em dias úteis (8h às 18h) e nos sábados (8h às 12h) e o tempo de permanência máxima no estacionamento, que, ali, é de cinco horas, além de alertar o uso obrigatório do cartão. O cartão, na verdade, é uma folha de papel preenchido como as raspadinhas, na qual os campos que indicam dia, mês e horário são raspados e o campo referente à placa do veículo é preenchido a caneta. Um talão com 10 folhas pode ser adquirido em postos de venda autorizados no valor de um real por folha.
TEXTO CLÁUDIA FERREIRA FOTOS KÁCIA GUEDES e WANDERLEY ANDRADE
reportagem
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Os usuários normalmente trabalham ou têm outras atividades, diárias ou eventuais, na Moeda ou nas proximidades. O controle do uso do estacionamento pelo talão é o trabalho de pessoas como José Carlos Trajano, de 55 anos, credenciado pela Zona Azul desde 2005. Fazendo questão de exibir sua credencial, o autônomo conta a dinâmica de trabalho de um fiscal do estacionamento rotativo. “Eu compro o talão por 10 reais e cobro dois por cada folha. Eu só deixo a pessoa estacionar em local permitido”, alega José Carlos, deixando claro que trabalha de maneira honesta. No entanto, alguns de seus colegas de trabalho chegam a cobrar quatro, até cinco reais para permitir que os usuários estacionem em local proibido. “Agorinha mesmo rebocaram o carro de uma advogada, até conheço ela, trabalha ali na Folha [de
Pernambuco, cuja sede se situa no Recife Antigo], porque tava estacionado no canteiro central”, esclarece. Apesar de não concordar com essa conduta, José Carlos afirma que são todos seus amigos, tanto os credenciados, como ele, quanto os clandestinos, popularmente conhecidos como flanelinhas. “Conheço tudinho, é tudo chegado”, reconhece o fiscal sem por em questão a ética dos colegas. O trabalho é tranquilo, mas o profissional não deixa de passar por alguns aborrecimentos. Uma vez, uma usuária do estacionamento tentou intimidálo. Ele conta que, insatisfeita com o valor que tinha pagar para estacionar, uma senhora, que assegurou ser delegada, levantou um pouco a roupa para ostentar as algemas e um revolver. “Eu disse a ela: ‘tá pensando que eu tenho medo, é? A senhora é uma doida, uma maluca!”,
disse, esbanjando coragem. Ele relata que a suposta delegada lhe perguntou se ele bebia, fumava e usava drogas ilícitas. “Eu disse a ela que drogado era o pai dela”, lembra, dando risadas. José Carlos confessa que gosta, sim, de “tomar uma cachacinha”, mas se sente ofendido quando lhe perguntam se é usuário de drogas, principalmente se põem sua honestidade à prova. “Eu só coloco um real a mais na folha porque esse é meu sustento e vem o povo me dizer que eu tô extorcando”, esbraveja o autônomo diante de eventuais acusações de extorsão. Com um faturamento que varia entre 30 e 40 reais por dia, ele brinca que deveria mesmo começar a extorquir, como muitos fazem. “Mas eu acabo conhecendo muito gente boa e termina o trabalho valendo a pena”, encerra.
reportagem
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“Uma educação pela pedra: por lições; para aprender da pe-dra, frequentá-la; captar sua voz inenfática, impessoal (pela de dicção ela começa as aulas)”. Neste trecho do po-ema A educação pela pedra, datado de 1966 e escrito pelo recifense, João Cabral de Melo Neto, poderia ser prevista naquela época uma das características mais singulares da Rua da Moeda: o fato de falar sem ser falado. Sem arrodei-os, as peças da rua se encaixam como num quebra-cabeça.
Muros falantes exalam ideias
TEXTO TAMÍZ FREITAS FOTOS KÁCIA GUEDES e TAMÍZ FREITAS
reportagem
As expressões estão ao longo de toda a extensão da rua, basta dedicar alguns segundos para descobrilas e apreciar cada “recado” dado por meio delas. Há escritos em postes, num deles, a frase escolhida foi: “Cadê o amar?” Há rostos estampados nas bolas de concreto que decoram a rua, indicando carinhas tristes ou felizes. Além disso, há também o espaço pa ra a manifestação do pensamento político. Um deles diz: “Toda riqueza é
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reportagem
oriunda da exploração”. Há ainda um desenho bastante representativo do ex Beatle, Paul McCartney. A riqueza de cores e traços diferenciados são o destaque e certamente, o que mais marca a Rua, são os graffitis. De todos os tipos, formas e tamanhos, esta modalidade de arte se espalha no lugar, embora esteja mais concentrado num dos quarteirões, entre as ruas Mariz e Barros e a da Assembléia. Segundo a antropóloga e pesquisadora do assunto, Nicole Costa, neste trecho há características diversas exploradas pelos artistas, como a conexão com a xilogravura (técnica de gravura em madeira), o estêncil e até mesmo com formas orgânicas, que remetem à natureza em sua formação. A antropóloga destaca esse valor que a Rua da Moeda tem de unir esses artistas. “Naquele espaço ali, a gente pode ver uma breve história do graffiti pernambucano, do graffiti e da pichação pernambucana, por um lado e por outro lado, é um ponto de encontro geral”, argumenta. Além disso, ela lembra facilmente de outros pontos da região com características semelhantes e justifica tal in
cidência: “porque o Recife Antigo é o centro, é o coração simbólico, é um marco geográfico da cidade”. Os estilos, desenhos e formas são bastante variados numa mesma parede. Alguns dos artistas que “ocuparam” o espaço em branco foram Arbus, Galo, Derlon e Gust. Todos com características e referências bastante particulares. Há por exemplo, artistas que gostam de trabalhar mais com letras, como é o caso do que assina como Gust. Dois dos graffitis presentes no local possuem uma marca em comum, são duas garotas retratadas de cabeça para baixo. Provavelmente, há também um sentido no fato de estarem nesta posição. O artista conhecido como Cajú fala que é a partir do graffiti que consegue se comunicar com a população e também ressalta a Rua da Moeda como um local muito representativo do movimento cultural, desde os anos 90. Dentro da sua arte, ele diz preferir trabalhar com representação de pessoas e cores e estes personagens são tanto anônimos, mas também celebridades. Sobre a diferença sempre revisitada entre o graffiti e o piche, ele afirma: “o graffiti é uma evolução do piche”,
mas logo trata de dizer que apesar de ter incorporado o novo tipo de arte, não abandonou a pichação, mesmo que não faça com a mesma frequência de anteriormente. “A pichação é importante porque quando estão pichando é porque o povo está se manifestando né, se não tem piche na rua é porque o povo tá calado e o povo calado não é coisa boa”, argumenta. Na Rua da Moeda, há um graffiti recente dele, que retrata um garoto que mora no Alto da Sé, em Olinda, e se chama Chico. As cores em “Chico”, ressaltando o seu sorriso e o seu olhar, rendem mais uma lição. Em mais um dos trechos do poema de João Cabral de Melo Neto, se aprende tudo isso: “A lição de moral, sua resistência fria. Ao que flui e a fluir, a ser maleada; A de poética, sua carnadura concreta; A de economia, seu adensarse compacta: Lições da pedra (de fora para dentro, Cartilha não muda), para quem sabe soletrála”. Chico, que poderia ser Pedro ou Gustavo, a partir de sua realidade, jorra significado a todo o momento, saindo como água de uma cachoeira e se juntando ao curso do rio, neste caso, a “Rua da Moeda”, tão rica no quesito cultural.
Nem as famosas bolas de cimento escaparamA representação da simplicidade na meninada simples, sob o nome de Chico
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reportagem
Um dos graffitis que mais chamam atenção na Rua da Moeda, que se destaca pelas cores fortes e pelo efeito de 3D
Os desenhos acima remetem às capas da literatura de Cordel, forte elemento da cultura de nosso estado
A criatividade de formas e cruzamento de palavras é elemento fun-damental do graffiti presente na rua
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Via que anseia por culturaTEXTO HOULDINE NASCIMENTO FOTOS KÁCIA GUEDES e TAMÍZ FREITAS
reportagem
Conhecida pela grande efervescência cultural, a Rua da Moeda é povoada por vários ateliês e galerias. O local é um dos mais frequentados no bairro do Re-cife, área central da capital pernambucana. A rua também costuma receber várias manifestações artísticas todo ano. Tudo isso é facilmente notado desde a estátua que homenageia Chico Science, grande líder do movimento Mangue Beat, até as lojas que estão sempre a oferecer algum objeto com valor cultural.
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As esculturas de Suely Brasileiro e a galeria Traços do Brasil
A Vênus exibida na Arte Plural em destaque
reportagem
Via que anseia por cultura
A Arte Plural Galeria é um dos espaços relacionados à cultura. Fundada em maio de 2005 por Fernando Neves e Luciana Carvalho, a galeria está entre as mais famosas do Recife Antigo por realizar exposições de artes visuais, além de venda de obras. Tereza Menezes gerencia o ambiente desde 2009. Ela explica que o espaço surgiu buscando promover a discussão sobre arte, sem se preocupar com o conceito de galeria. “A ideia inicial era de um espaço múltiplo, voltado para as artes. Depois, fomos profissionalizando mais ao contratar curadores. Fizemos parcerias com artistas importantes da época, além de acelerar a parte comercial.” Ela destaca alguns pontos fundamentais para a galeria se instalar na Rua da Moeda. “Viemos para cá porque é uma parte histórica da cidade e o bairro estava ca rente de um espaço tão bom quanto o nosso.” Apesar de a Arte Plural apos tar no bairro, Tereza relata que existe uma insatisfação quanto às ações do poder público, como a manutenção da rua e a falta de informação sobre os eventos promovidos. “A prefeitura devia intervir mais. A Secretaria de Cultura avisa aos empresários de última hora sobre qualquer evento. Nós acreditamos no bairro, tanto que estamos aqui desde 2005. Eu fico triste com todas as gestões que passaram até o momento”, comenta Tereza Menezes. Reclamação semelhante faz o casal Ricardo e Suely Brasileiro, que administram a galeria Traços do Brasil. “A Rua tem uma vocação turística muito interessante, mas o que falta é uma organização do governo, que deixa bastante a dese
jar”, declara Suely. Há dois anos, a loja tinha sede no Paço Alfândega, shopping próximo à Rua da Moeda. No entanto, Suely diz que resolveu se transferir para a Rua da Moeda pelo potencial do lugar. “Com a minha visão, que não é a mesma dos governantes, enxerguei uma qualidade na rua e saí de lá. Estou bem instalada”, afirma. Nem só de arte formal vive a Rua da Moeda. Eventos como a Recitata festival de poesia e a Terça do Vinil movimentam o lugar. No entanto, manifestações desse tipo parecem incomodar o casal. “Quem quer manter a arte aqui e quem frequenta os ateliês não tem interesse em coisas desse tipo”, diz Suely. Ricardo vai além: “Só a galera da fumaça”. Para ele, a Rua da Moeda perdeu o foco de arte. “Hoje há mais restaurantes e bares”, pontua. Entre os anos de 2009 e 2011, a Rua sediou a Freeporto – Festa Literária do Recife, paródia aos formatos de eventos literários. A Freeporto foi criada pelos escritores Wellington de Melo, Artur Rogério e Bruno Piffardini, que compõem o grupo Urros Masculinos. Na festa, aconteciam atividades como “lançamento de livro”, com cada autor arremessando sua obra, vencendo o que fez o melhor arremesso, e “offsinas” que não eram exa tamente oficinas convencionais. Melo explica o objetivo da Festa. “Nossa ideia era plantar uma semente, indicar que todo mundo podia fazer eventos literários”. No entanto, o fim da Freeporto estava programado para 2011 para que os organizadores pudessem se dedicar a projetos individuais.
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Quem quiser pode chegarTEXTO TAMÍZ FREITAS FOTOS KÁCIA GUEDES e TAMÍZ FREITAS
Três quarteirões e diversas histórias. É essa a bagagem da Rua da Moeda, localizada no Bairro do Recife Antigo. Conhecida pela boemia das noites na parte antiga da capital pernambucana, esta rua consegue acolher dife-rentes ritmos e pessoas. Do dia para a noite, ela se transforma, mas as mudanças ocorrem também a cada turno. Nada nunca é igual naquele lugar, mesmo diante da vida cotidiana.
reportagem
A Rua da Moeda fica próxima a alguns empresariais e vários profissio nais circulam nela diariamente, mesmo que só de passagem para o seu trabalho, para fazerem um rápido lanche ou almoço ou ainda participarem de um mini happy hour nos intervalos dos expedientes. Nesse sentido, percebese nas pessoas que circulam na via por esses motivos, a experiência de viver na modernidade, com a sensação de nostalgia, neste ambi
ente tão rico de histórias. O restaurante Villa Vecchia, por exemplo, conta com um imóvel de construção datada há mais de 300 anos. É por esta dinâmica que o comércio da região é adequado, proporcionando esses momentos mais íntimos com a Rua, ainda que na correria do dia a dia. Timm Mendes, dono da padaria Brotfabrik (do alemão, “Fábrica de pão”), conta que o públicoalvo do seu estabe
lecimento é amplo, mas reconhece que a maioria dos clientes provém de empresas próximas, como as que estão localizadas no Porto Digital. A padaria abre inclusive no carnaval, período em que, segundo Timm, há maior diversidade de público. Sobre a inspiração de montar sua padaria lá, ele justifica: “o Bairro do Recife porque é o mais simpático, que tem menos prédios e sempre achei bonitinho”.
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A Rua é realmente um espaço acolhedor, que consegue abrigar pessoas de todas as idades, estilos e origens. Embalado pela música ao vivo do bar Sushi Digital, o turco Devid Karataş se encontrava no local para aproveitar sua noite de folga, em pleno sábado. Ele estava na cidade de passagem, pois o navio em que trabalha situavase no Porto do Recife. Perguntado sobre o que lhe atraía no local, ele foi claro: “porque essa rua é histórica e um ótimo lugar que todos os dias toca a música brasileira”. E ele não parou com os elogios: “boas pessoas, ótima vista”. No que se refere à música, percebese o encontro (mais uma vez) de diferentes estilos, pois no mesmo momento em que a música Valerie – imortalizada na voz de Amy Winehouse – animava os presentes no barzinho em que Devid se encontrava, no outro quarteirão uma realidade distinta tomava forma. Pois bem, no
Just Kone – outro bar da região – a música da vez era Tribalistas, da banda homônima. E a recepção nos dois locais também chamou a atenção. Na primeira esquina, ao som de Amy, ouviamse gritinhos animados além de palmas e gargalhadas desenfreadas. A poucos metros, aqueles que se divertiam ao som dos Tribalistas, eram mais reservados. Todos em busca da diversão que a “Moeda” oferece, de um jeito ou de outro. Talvez as multifaces dessa rua sejam as principais responsáveis por atrair turistas como Devid. E se a rua é assim tão especial para os “de fora”, não é diferente para os nativos. Há aqueles que reservam um espaço de tempo para dar uma passada no lugar. O casal de namorados Stephanie Costa e Jeferson Dantas, que frequentam a rua há cerca de cinco anos, aproveitaram uma folga numa tarde de quintafeira e
relembraram momentos vividos no lugar e o sentimento que possuem em relação à rua. “A nossa história começou praticamente aqui, em frente ao Paço Alfândega”, recorda Stephanie. As histórias não param por aí e talvez não haja um motivo apenas que justifique a relação de afeto entre pessoas e a Rua da Moeda. O fato é que no carnaval ou não, aquelas que passam no local certamente têm alguma coisa a dizer sobre a via. Ou mesmo que não digam, pelo menos sentem algo como já havia sido elucidado por Caetano Veloso na música Sampa: “Alguma coisa acontece no meu coração, que só quando cruza a Ipiranga e a Avenida São João (...)”. A Rua da Moeda comparase a uma ponte, que na definição mais simples do termo se refere à conexão entre coisas. Neste caso também a pessoas, histórias, momentos.
reportagem
Moradores de cidades diferentes, o casal de namorados Stephanie Costa e Jefferson Dantas enxergam a Moeda como um ótimo local de encontro
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mural
“É uma rua tradicional, que eu fre-quento mais no carnaval, já que é um polo cultural” Andréa Sampaio, engenheira.
“Eu acho a Rua da Moeda uma ‘São Paulo’ no Recife e São Paulo, para mim, em cada esquina você tem a chance de fazer uma coisa completamente diferente” Francielle Fernandes, estudante.
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mural
“Acho a Rua da Moeda massa, mas assim como toda essa parte do Recife Antigo, precisa de uma restauração, de um projeto legal que venha revitalizar” Bárbara Cavalcanti, estudante.
“Eu conheço essa Rua desde quando era zona, quando era só de mulher prostituta e aqui eu sou localizado pela cultura popular” José Carlos da Silva, vendedor de Cordel.
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TEXTO CLARISSA VIANA FOTO KÁCIA GUEDES
posfácio
A rua é um meio de reconheci-mento do ser humano. Ao mesmo tempo ela é caminho e existên-cia. Essa relação é muito nítida quando se trata da Rua da Moe-da. Ela é ponto de encontro de almoço, é história, é afeto.
Um grupo de amigos se reúne sempre que pode na Moeda. O objetivo deles é diferente para aquela rua especificamente. Eles estão ali para conhecer pessoas, para fazer amizades, para conversar sobre artes e filosofia. Muito provavelmente a ligação desses jovens com as ruas da cidade é apenas de passagem. Foi na Rua da Moeda que eles estabeleceram uma ligação. Definir afetividade sempre foi um ‘problema’ para o ser humano. Definir o que é inerente ao ser e a relação com as coisas que o rodeia é sempre muito complicado. A Moeda encanta seus frequentadores por sua diversidade. Não aquela hipócrita diversidade comum nos ambientes urbanos que julgam e condenam qualquer demonstração de afeto entre pessoas do mesmo sexo. Essa afetividade é diferente na Rua da Moeda. A sensação de poder ser quem você é e demonstrar carinho é encarada como deveria ser sempre: como afeto e não como pecado. As pessoas buscam ali um refúgio para as angústias do diaadia. Suas frustrações naquele ambiente parecem ser minimizadas, pois a sensação ali é de completude.
Talvez pelo clima favorável, talvez por uma identificação real com a rua. Como se a ligação estabelecida ali fosse igual ou diferente à estabelecida em casa. Igual, pois para muitos, a experiência em casa é positiva. Diferente, pois para outros a repressão afetiva é evidenciada na própria casa. A Moeda é ao mesmo tempo aproximação e rejeição. Aproxima pessoas, faz amigos, promove um ambiente de total descontração. Lá, as pessoas não se incomodam em observar as outras, em julgar comportamentos. Elas estão ali para estender suas relações. O outro lado é evidenciado também na Rua da Moeda. Algumas pessoas não se sentem confortáveis em frequentála, acham ela esquisita e perigosa. Nem tudo na Moeda são flores. Ela é encontro de diversas ‘tribos’ e algumas pessoas sentem que o ambiente é propício para usar alucinógenos, o que gera medo. Como todas as relações, o limiar entre o amor e o ódio é evidente. Há quem ame e há quem odeie. Há riqueza cultural e pobreza social. Há o pobre e o rico. O flanelinha e o homem de terno. Todos eles em um mesmo lugar. Convivendo pacificamente e sem estranhamento. Uns com maior proximidade da Moeda e outros com menos, mas mesmo assim, reconhecendose ali.
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expediente
OrientadorThiago Soares
Editoras-chefesKácia GuedesTamíz Freitas
FotografiaKácia Guedes Tamíz Freitas Wanderley Andrade
RepórteresClarissa VianaCláudia FerreiraGabriel Shimoda Houldine NascimentoJosé Daniel Kácia Guedes Robson GomesTamíz Freitas
Projeto gráficoThiago Moreira
DiagramaçãoGabriel ShimodaWanderley Andrade
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