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 EXERCÍCIOS SOBRE VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS 1) A seguir são apresen tados alguns fragmentos textuais. Sua tarefa consistirá em analisá-los, atribuindo a variação linguística condizente aos mesmos (variação cultural, histórica, social ou regional). a – Antigamente  “Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio." Carlos Drummond de Andrade b - Vício na fala Para dizerem milho dizem mio Para melhor dizem mió Para pior pió Para telha dizem teia Para telhado dizem teiado E vão fazendo telhados. Oswald de Andrade c “ Aqui no Norte do Paraná, as pessoas chamam a correnteza do rio de corredeira. Quando a corredeira está forte é perigoso passar  pela pinguela, que é uma ponte muito estreita feita, geralmente, com um tronco de árvore. Se temos muita chuva a pinguela pode ficar submersa e, portanto, impossibilita a passagem. Mas se ocorre uma manga de chuva, uma chuvinha passageira, esse problema deixa de existir.” d – E aí mano? Ta a fim de dá uns rolé hoje? Qual é! Vai topá a parada? Vê se desencana! Morô velho? 2) Os enunciados linguísticos em evidência e ncontram-se grafa dos na linguagem coloquial. Reescreva-os de acordo com o padrão culto da linguagem. a – Os livros estão sobre a mesa. Por favor, devolve eles na biblioteca. b – Falar no celular é uma falha grave. A consequência deste ato pode s er cara. c – Me diga se você gostou da s urpresa, pois levei muito para preparar ela. d – No aviso havia o seguinte comentário: Não aproxime-se do alambrado. Perigo constante. e – Durante a reunião houveram reclamações contra o atraso do pagamento dos funcionários. 3) Enem 2009  A norma-padrão e stá vinculada à ideia de língu a modelo, seguin do as regras g ramaticais de a cordo com o momento histórico e com a sociedade. Quanto às variantes linguísticas presentes no texto, a norma-padrão da língua portuguesa é rigorosamente obedecida por meio a) do emprego do pronome demonstrativo “esse” em “Por que o senhor publicou esse livro?”. b) do emprego do pronome pessoal oblíquo em “Meu filho, um escritor publica um livro para parar de escrevê-lo!”. c) do emprego do vocativo “Meu filho”, que confere à fala distanciamento do interlocutor. d) da necessária repetição do conectivo no último quadrinho. 4) Enem 2010 

Atividades variação linguística

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Atividades variação linguística

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  • EXERCCIOS SOBRE VARIAES LINGUSTICAS

    1) A seguir so apresentados alguns fragmentos textuais. Sua tarefa consistir em analis-los, atribuindo a variao lingustica

    condizente aos mesmos (variao cultural, histrica, social ou regional).

    a Antigamente

    Antigamente, as moas chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. No faziam anos:

    completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo sendo rapages, faziam-lhes p-de-alferes, arrastando a asa,

    mas ficavam longos meses debaixo do balaio."

    Carlos Drummond de Andrade

    b - Vcio na fala

    Para dizerem milho dizem mio

    Para melhor dizem mi

    Para pior pi

    Para telha dizem teia

    Para telhado dizem teiado

    E vo fazendo telhados.

    Oswald de Andrade

    c Aqui no Norte do Paran, as pessoas chamam a correnteza do rio de corredeira. Quando a corredeira est forte perigoso passar

    pela pinguela, que uma ponte muito estreita feita, geralmente, com um tronco de rvore. Se temos muita chuva a pinguela pode ficar

    submersa e, portanto, impossibilita a passagem. Mas se ocorre uma manga de chuva, uma chuvinha passageira, esse problema deixa de

    existir.

    d E a mano? Ta a fim de d uns rol hoje?

    Qual ! Vai top a parada? V se desencana! Mor velho?

    2) Os enunciados lingusticos em evidncia encontram-se grafados na linguagem coloquial. Reescreva-os de acordo com o padro

    culto da linguagem.

    a Os livros esto sobre a mesa. Por favor, devolve eles na biblioteca.

    b Falar no celular uma falha grave. A consequncia deste ato pode ser cara.

    c Me diga se voc gostou da surpresa, pois levei muito para preparar ela.

    d No aviso havia o seguinte comentrio: No aproxime-se do alambrado. Perigo constante.

    e Durante a reunio houveram reclamaes contra o atraso do pagamento dos funcionrios.

    3) Enem 2009

    A norma-padro est vinculada ideia de lngua modelo, seguindo as regras gramaticais de acordo

    com o momento histrico e com a sociedade.

    Quanto s variantes lingusticas presentes no texto, a norma-padro da lngua

    portuguesa rigorosamente obedecida por meio

    a) do emprego do pronome demonstrativo esse em Por que o senhor publicou

    esse livro?.

    b) do emprego do pronome pessoal oblquo em Meu filho, um escritor publica um

    livro para parar de escrev-lo!.

    c) do emprego do vocativo Meu filho, que confere fala distanciamento do

    interlocutor.

    d) da necessria repetio do conectivo no ltimo quadrinho.

    4) Enem 2010

  • S.O.S Portugus

    Por que pronunciamos muitas palavras de um jeito diferente da escrita? Pode-se refletir sobre esse aspecto da

    lngua com base em duas perspectivas. Na primeira delas, fala e escrita so dicotmicas, o que restringe o ensino

    da lngua ao cdigo. Da vem o entendimento de que a escrita mais complexa que a fala, e seu ensino restringe-se

    ao conhecimento das regras gramaticais, sem a preocupao com situaes de uso. Outra abordagem permite

    encarar as diferenas como um produto distinto de duas modalidades da lngua: a oral e a escrita. A questo que

    nem sempre nos damos conta disso.

    S.O.S Portugus. Nova Escola. So Paulo: Abril, Ano XXV, n- 231, abr. 2010 (fragmento adaptado).

    O assunto tratado no fragmento relativo lngua portuguesa e foi publicado em uma revista destinada a professores. Entre as

    caractersticas prprias desse tipo de texto, identificam-se marcas lingusticas prprias do uso

    a) regional, pela presena do lxico de determinada regio do Brasil.

    b) literrio, pela conformidade com as normas da gramtica.

    c) tcnico, por meio de expresses prprias de textos cientficos.

    d) coloquial, por meio do registro de informalidade.

    e) oral, por meio do uso de expresses tpicas da oralidade.

    5)

    "Todas as variedades lingusticas so estruturadas, e correspondem a sistemas e subsistemas adequados s necessidades de

    seus usurios. Mas o fato de estar a lngua fortemente ligada estrutura social e aos sistemas de valores da sociedade

    conduz a uma avaliao distinta das caractersticas das suas diversas modalidades regionais, sociais e estilsticas. A lngua

    padro, por exemplo, embora seja uma entre as muitas variedades de um idioma, sempre a mais prestigiosa, porque atua

    como modelo, como norma, como ideal lingustico de uma comunidade. Do valor normativo decorre a sua funo coercitiva

    sobre as outras variedades, com o que se torna uma pondervel fora contrria variao."

    Celso Cunha. Nova gramtica do portugus contemporneo. Adaptado.

    A partir da leitura do texto, podemos inferir que uma lngua :

    a) conjunto de variedades lingusticas, dentre as quais uma alcana maior valor social e passa a ser considerada exemplar.

    b) sistema que no admite nenhum tipo de variao lingustica, sob pena de empobrecimento do lxico.

    c) a modalidade oral alcana maior prestgio social, pois o resultado das adaptaes lingusticas produzidas pelos falantes.

    d) A lngua padro deve ser preservada na modalidade oral e escrita, pois toda modificao prejudicial a um sistema lingustico.

    6)

    A variao inerente s lnguas, porque as sociedades so divididas em grupos: h os mais jovens e os mais velhos, os que

    habitam numa regio ou outra, os que tm esta ou aquela profisso, os que so de uma ou outra classe social e assim por

    diante. O uso de determinada variedade lingustica serve para marcar a incluso num desses grupos, d uma identidade para os

    seus membros. Aprendemos a distinguir a variao. Quando algum comea a falar, sabemos se de So Paulo, gacho,

    carioca ou portugus. Sabemos que certas expresses pertencem fala dos mais jovens, que determinadas formas se usam em

    situao informal, mas no em ocasies formais. Saber uma lngua ser poliglota em sua prpria lngua. Saber portugus no

    s aprender regras que s existem numa lngua artificial usada pela escola. As variaes no so fceis ou bonitas, erradas

    ou certas, deselegantes ou elegantes, so simplesmente diferentes. Como as lnguas so variveis, elas mudam.

    (FIORIN, Jos Luiz. Os Aldrovandos Cantagalos e o preconceito lingustico. In O direito fala. A questo do preconceito

    lingustico. Florianpolis. Editora Insular, pp. 27, 28, 2002.)

    Sobre o texto de Jos Luiz Fiorin, incorreto afirmar:

    a) As variaes lingusticas so prprias da lngua e esto aliceradas nas diversas intenes comunicacionais.

    b) A variedade lingustica um importante elemento de incluso, alm de instrumento de afirmao da identidade de alguns grupos

    sociais.

    c) O aprendizado da lngua portuguesa no deve estar restrito ao ensino das regras.

    d) As variedades lingusticas trazem prejuzos norma-padro da lngua, por isso devem ser evitadas.

  • 7) Contudo, a divergncia est no fato de existirem pessoas que possuem um grau de escolaridade mais elevado e com um poder

    aquisitivo maior que consideram um determinado modo de falar como o correto, no levando em considerao essas variaes

    que ocorrem na lngua. Porm, o senso lingustico diz que no h variao superior outra, e isso acontece pelo fato de no Brasil

    o portugus ser a lngua da imensa maioria da populao no implica automaticamente que esse portugus seja um bloco

    compacto coeso e homogneo. (BAGNO, 1999, p. 18)

    Sobre o fragmento do texto de Marcos Bagno, podemos inferir, exceto:

    a) A lngua deve ser preservada e utilizada como um instrumento de opresso. Quem estudou mais define os padres

    lingusticos, analisando assim o que correto e o que deve ser evitado na lngua.

    b) As variaes lingusticas so prprias da lngua e esto aliceradas nas diversas intenes comunicacionais.

    c) A variedade lingustica um importante elemento de incluso, alm de instrumento de afirmao da identidade de alguns

    grupos sociais.

    d) O aprendizado da lngua portuguesa no deve estar restrito ao ensino das regras.

    e) Segundo Bagno, no podemos afirmar que exista um tipo de variante que possa ser considerada superior outra, j que

    todas possuem funes dentro de um determinado grupo social.

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  • Mito n 4 As pessoas sem instruo falam tudo errado

    O preconceito lingustico se baseia na crena de que s existe, como vimos no Mito n 1, uma nica

    lngua portuguesa digna deste nome e que seria a lngua ensinada nas escolas, explicada nas gramticas e

    catalogada nos dicionrios. Qualquer manifestao lingustica que escape desse tringulo escola-

    gramtica-dicionrio considerada, sob a tica do preconceito lingustico, errada, feia, estropiada,

    rudimentar, deficiente, e no raro a gente ouvir que isso no portugus.

    Um exemplo. Na viso preconceituosa dos fenmenos da lngua, a transformao de I em R nos

    encontros consonantais como em Crudia, chicrete, praca, broco, pranta tremendamente estigmatizada

    e s vezes considerada at como um sinal do atraso mental das pessoas que falam assim. Ora,

    estudando cientificamente a questo, fcil descobrir que no estamos diante de um trao de atraso

    mental dos falantes ignorantes do portugus, mas simplesmente de um fenmeno fontico que

    contribuiu para a formao da prpria lngua portuguesa padro. Basta olharmos para o seguinte quadro:

    Como fcil notar, todas as palavras do portugus-- padro listadas acima tinham, na sua origem,

    um I bem ntido que se transformou em R. E agora? Se fssemos pensar que as pessoas que dizem Crudia,

    chicrete e pranta tm algum defeito ou atraso mental, seramos forados a admitir que toda a

    populao da provncia romana da Lusitnia tambm tinha esse mesmo problema na poca em que a

    lngua portuguesa estava se formando. E que o grande Lus de Cames tambm sofria desse mesmo mal, j

    que ele escreveu ingrs, pubricar, pranta, frauta, frecha na obra que considerada at hoje o maior

    monumento literrio do portugus clssico, o poema Os Lusadas. E isso, craro, seria no mnimo

    absurdo.

    Existem, evidentemente, falantes da norma culta urbana, pessoas escolarizadas, que tm

    problemas para [pg. 41] pronunciar os encontros consonantais com L. Nesses casos, sim, trata-se

    realmente de uma dificuldade fsica que pode ser resolvida com uma terapia fonoaudiolgica. No dessas

    pessoas que estamos tratando aqui, mas dos brasileiros falantes das variedades no-padro, em cujo

    sistema fontico simplesmente no existe encontro consonantal com L, independentemente de terem ou

    no dificuldades articulatrias. Quando, na escola, se depararem com os encontros consonantais com L,

    preciso que o professor tenha conscincia de que se trata de um aspecto fontico estrangeiro para eles,

    do mesmo tipo dos que encontramos, por exemplo, nos cursos de ingls, quando nos esforamos para

    pronunciar bem o TH de throw ou o I de live. preciso separar bem os dois aspectos do fenmeno.

    Se dizer Crudia, praca, pranta considerado errado, e, por outro lado, dizer frouxo, escravo,

    branco, praga considerado certo, isso se deve simplesmente a uma questo que no lingustica, mas

    social e poltica as' pessoas que dizem Crudia, praca, pranta pertencem a uma classe social

    desprestigiada, marginalizada, que no tem acesso educao formal e aos bens culturais da elite, e por

  • isso a lngua que elas falam sofre o mesmo preconceito que pesa sobre elas mesmas, ou seja, sua lngua

    considerada feia,pobre,carente, quando na verdade apenas diferente da lngua ensinada na escola.

    Ora, do ponto de vista exclusivamente lingustico, o fenmeno que existe no portugus no-padro

    o mesmo que aconteceu na histria do portugus-padro, e tem at um nome tcnico: rotacismo. O

    rotacismo participou da formao da lngua portuguesa padro, como j vimos em branco, escravo, praga,

    fraco etc., mas ele continua vivo e atuante no portugus no-padro, como em broco, chicrete, pranta,

    Crudia, porque essa variedade no-padro deixa que as tendncias normais e inerentes lngua se

    manifestem livremente. Assim, o problema no est naquilo que se fala, mas em quem fala o qu. Neste

    caso, o preconceito lingustico decorrncia de um preconceito social. Este tipo especfico de preconceito

    o que abordei em meu livro A lngua de Eullia.

    Minha herona literria predileta, a boneca Emlia, de Monteiro Lobato, no quis saber desse tipo

    de preconceito. Ao visitar, no Pas da Gramtica, a priso onde Dona Sintaxe mantinha enjaulados os

    vcios de linguagem, revoltou-se ao ver atrs das grades o Provincianismo, isto , os vcios da fala

    rural, do caipira (p. 120):

    Emlia no achou que fosse caso de conservar na cadeia o pobre matuto. Alegou que ele

    tambm estava trabalhando na evoluo da lngua e soltou-o.

    V passear, seu Jeca. Muita coisa que hoje esta senhora condena vai ser lei um

    dia. Foi voc quem inventou o VOC em vez de TU, e s isso quanto no vale? Estamos

    livres da complicao antiga do Tuturututu.

    Como se v, do mesmo modo como existe o preconceito contra a fala de determinadas classes

    sociais, tambm existe o preconceito contra a fala caracterstica de certas regies. um verdadeiro acinte

    aos direitos humanos, por exemplo, o modo como a fala nordestina retratada nas novelas de televiso,

    principalmente da Rede Globo. Todo personagem de origem nordestina , sem exceo, um tipo grotesco,

    rstico, atrasado, criado para provocar o riso, o escrnio e o deboche dos demais personagens e do

    espectador. No plano lingstico, atores no-nordestinos expressam-se num arremedo de lngua que no

    falada em lugar nenhum do Brasil, muito menos no Nordeste. Costumo dizer que aquela deve ser a lngua

    do Nordeste de Marte! Mas ns sabemos muito bem que essa atitude representa uma forma de

    marginalizao e excluso.

    Para mostrar que a fala nordestina nada tem de engra- ada ou ridcula, vamos fazer uma

    pequena comparao. Na pronncia normal do Sudeste, a consoante que escrevemos T pronunciada [t]

    (como em tcheco) toda vez que seguida de um [i]. Esse fenmeno fontico se chama palatalizao. Por

    causa dele, ns, sudestinos, pronunciamos [titia] a palavra escrita TITIA. E todo mundo acha isso

    perfeitamente normal, ningum tem vontade de rir quando um carioca, mineiro ou capixaba fala assim.

    Quando, porm, um falante do Sudeste ouve um falante da zona rural nordestina pronunciar a

    palavra escrita OITO como [oytu], ele acha isso muito engraado, ridculo ou errado. Ora, do ponto

    de vista meramente lingstico, o fenmeno o mesmo palatalizao , s que o elemento provocador

    dessa palatalizao, o [y], est antes do [t] e no depois dele.

    Ento, se o fenmeno o mesmo, por que na boca de um ele normal e na boca de outro ele

    engraado, feio ou errado? Porque o que est em jogo aqui no a lngua, mas a pessoa que fala

    essa lngua e a regio geogrfica onde essa pessoa vive. Se o Nordeste atrasado, pobre,

    subdesenvolvido ou (na melhor das hipteses) pitoresco, ento, naturalmente, as pessoas que l

    nasceram e a lngua que elas falam tambm devem ser consideradas assim...

    Ora, faa-me o favor, Rede Globo!

  • Mito n8

    O domnio da norma culta um instrumento de ascenso social

    Este mito, que vem fechar nosso circuito mitolgico, tem muito que ver com o primeiro, o mito da

    unidade lingustica do Brasil. Esses dois mitos so aparentados porque ambos tocam em srias questes

    sociais. muito comum encontrar pessoas muito bem-intencionadas que dizem que a norma padro

    conservadora, tradicional, literria, clssica que tem de ser mesmo ensinada nas escolas porque ela um

    instrumento de ascenso social. Seria ento o caso de dar uma lngua queles que eu chamei de sem-

    lngua?

    Ora, se o domnio da norma culta fosse realmente um instrumento de ascenso na sociedade, os

    professores de portugus ocupariam o topo da pirmide social, econmica e poltica do pas, no

    mesmo? Afinal, supostamente, ningum melhor do que eles domina a norma culta. S que a verdade est

    muito longe disso como bem sabemos ns, professores, a quem so pagos alguns dos salrios mais

    obscenos de nossa sociedade. Por outro lado, um grande fazendeiro que tenha apenas alguns poucos anos

    de estudo primrio, mas que seja dono de milhares de cabeas de gado, de indstrias agrcolas e detentor

    de grande influncia poltica em sua regio vai poder falar vontade sua lngua de caipira, com todas as

    formas sintticas consideradas erradas pela gramtica [pg.69] tradicional, porque ningum vai se atrever

    a corrigir seu modo de falar.

    O que estou tentando dizer que o domnio da norma culta de nada vai adiantar a uma pessoa que

    no tenha todos os dentes, que no tenha casa decente para morar, gua encanada, luz eltrica e rede de

    esgoto. O domnio da norma culta de nada vai servir a uma pessoa que no tenha acesso s tecnologias

    modernas, aos avanos da medicina, aos empregos bem remunerados, participao ativa e consciente

    nas decises polticas que afetam sua vida e a de seus concidados. O domnio da norma culta de nada vai

    adiantar a uma pessoa que no tenha seus direitos de cidado reconhecidos plenamente, a uma pessoa

    que viva numa zona rural onde um punhado de senhores feudais controlam extenses gigantescas de terra

    frtil, enquanto milhes de famlias de lavradores sem-terra no tm o que comer.

    Achar que basta ensinar a norma culta a uma criana pobre para que ela suba na vida o mesmo

    que achar que preciso aumentar o nmero de policiais na rua e de vagas nas penitencirias para resolver

    o problema da violncia urbana.

    A violncia urbana est intimamente ligada a uma situao social de profunda injustia, que d ao

    Brasil, como eu j disse, o triste segundo lugar entre os pases com a pior distribuio de renda de todo o

    mundo, perdendo apenas para Botswana, um pas africano desrtico, muito menor e muito menos

    desenvolvido.

    preciso garantir, sim, a todos os brasileiros o reconhecimento (sem o tradicional julgamento de

    valor) da variao lingustica, porque o mero domnio da norma culta no uma frmula mgica que, de

    um momento para outro, vai resolver todos os problemas de um indivduo carente. preciso favorecer

    esse reconhecimento, mas tambm garantir o acesso educao em seu sentido mais amplo, aos bens

    culturais, sade e habitao, ao transporte de boa qualidade, vida digna de cidado merecedor de

    todo respeito.

    Como fcil perceber, o que est em jogo no a simples transformao de um indivduo, que

    vai deixar de ser um sem-lngua padro para tornar-se um falante da variedade culta. O que est em jogo

    a transformao da sociedade como um todo, pois enquanto vivermos numa estrutura social cuja

    existncia mesma exige desigualdades sociais profundas, toda tentativa de promover a ascenso social

    dos marginalizados , seno hipcrita e cnica, pelo menos de uma boa inteno paternalista e ingnua.

  • Por isso eu me pergunto: ser que doando a lngua padro a um indivduo das classes subalternas

    ele vai, automaticamente, tornar-se um patro? No mera coincidncia etimolgica o fato de padro e

    patro serem duas formas divergentes de uma mesma origem comum: o latim patronu-, que tem tambm

    a mesma raiz de paternalismo e patriarcalismo.

    Valer mesmo a pena promover a ascenso social para que algum se enquadre dentro desta

    sociedade em que vivemos, tal como ela se apresenta hoje? Basta pensar um pouco nos indivduos que

    detm o poder no Brasil: no so (quando so) apenas falantes da norma culta, mas so sobretudo, em sua

    grande maioria, homens, [pg. 71]brancos, heterossexuais, nascidos/criados na poro Sul-Sudeste do pas

    ou oriundos das oligarquias feudais do Nordeste.

    Como eu j tinha avisado na abertura do livro, falar da lngua falar de poltica, e em nenhum

    momento esta reflexo poltica pode estar ausente de nossas posturas tericas e de nossas atitudes

    prticas de cidado, de professor e de cientista. Do contrrio, estaremos apenas contribuindo para a

    manuteno do crculo vicioso do preconceito lingustico e do irmo gmeo dele, o crculo vicioso da

    injustia social.

    Referncia: BAGNO, M. Preconceito lingustico: o que , e como se faz. 33 Ed. So Paulo: SP, Edies

    Loyola, 2004.