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Atlas de Fisiologia Humana

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Coordenacao editorial • Livro de Saude • Formato: 225 x 265 mm •

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O estudo do corpo humano é um assunto tão fascinante quanto complexo: as inúmeras e diferentes atividades de células, tecidos, órgãos e sistemas,

integrando-se de maneira perfeita, colaborando para o funcionamento de uma máquina biológica incrivelmente complicada.

A fisiologia é a ciência que estuda tudo isso, e este livro traz os principais pontos dos conhecimentos atuais dessa importante área da saúde.

Com a ajuda de imagens belíssimas e detalhadas, um texto discursivo e sintético nos guiará na compreensão das principais funções da vida, fornecendo os elementos necessários para uma primeira visão geral sobre esse assunto complexo.

Mas também existe espaço para assuntos mais abrangentes: a história da fisiologia, com o seu peso de angústia ligado à vivissecção, a evolução das tecnologias aplicadas ao estudo do corpo humano, as principais referências anatômicas e alguns problemas médicos importantes, ligados a um defeito na funcionalidade.

Trinta e duas fichas de aprofundamento sobre a estrutura anatômica, sobre o funcionamento e o papel de alguns sistemas do corpo humano, além de informações gerais sobre algumas disfunções relevantes do ponto de vista médico ou de curiosidade.

Mais de 700 imagens coloridas: desenhos anatômicos detalhados e espetaculares, fotografias feitas com os mais modernos microscópios à disposição, fotografias explicativas, tabelas de resumos e esquemas descritivos.

Alameda Pucuruí, 51-59 - Bloco B1o andar - Conj. 1010 - Sala 2

Tamboré - Barueri - SP - [email protected]

www.girassolbrasil.com.br

© 2009 by Giunti Editore S.p.A.,Firenze - Milano

Distribuído em Portugal porGirassol Edições, Lda.Impresso na Espanha

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FISIOLOGIA: CIÊNCIAANTIGA E MODERNA

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10COMO OS MILHÕES DE CÉLULAS QUE FORMAM NOSSO CORPO CONSEGUEM SE

COORDENAR DE UMA FORMA TÃO PERFEITA QUE NOS PERMITE, POR EXEMPLO,

SENTIR O RITMO DA MÚSICA E DANÇAR MANTENDO O EQUILÍBRIO? É ISSO QUE

A FISIOLOGIA ESTUDA.

L iteralmente, o termo “fisiologia” significa “es-tudo sobre os fenômenos naturais”. Como amaioria das palavras científicas, deriva do

grego (fusis, natureza, e logos, palavra). Essa disciplinatem por finalidade esclarecer “o que fazem para vi-ver” os diferentes organismos – animais, vegetais,fungos ou seres unicelulares –, explicando suas fun-ções físicas e bioquímicas e suas atividades mecâni-cas. Mas, para conseguir fazer isso, são necessáriosconhecimentos profundos e métodos de indagaçãoconclusivos. É por isso que, enquanto não se dis-punha de ciências químicas, físicas e anatômicasavançadas nem de tecnologias eficazes, a fisiologiapermaneceu no âmbito das observações macroscó-picas e das hipóteses, subordinada às disciplinas “tra-dicionais”: medicina, botânica e zoologia.

A HISTÓRIA ANTIGA

Compreender como funciona o corpo humano paracurar suas falhas, doenças e “avarias” tem sido um in-teresse primordial da humanidade desde a alvoradada história. Já foram encontrados ossos fraturados ecicatrizados, assim como crânios trepanados commais de 100.000 anos de antiguidade, que testemu-nham que os povos pré-históricos já haviam come-çado a estudar o funcionamento do corpo. Em tex-tos chineses com mais de 3.500 anos, é possível lerque o médico pode diagnosticar a doença tomandoo pulso do paciente e confrontando-o com os 200 ti-pos descritos. Os fármacos disponíveis já eram maisde 2.000, e muitos deles são utilizados até hoje. A acu-puntura também data de tempos remotos (2.700a.C.): um modo de curar que exige um amplo conhe-cimento da anatomia humana, mas não necessaria-mente do funcionamento dos vários sistemas. A pri-meira tentativa de imunização ativa é, igualmente, an-tiga: novamente na China, quando ainda não eramconhecidos os mecanismos de defesa do corpo, reco-mendava-se que pessoas sãs inalassem o pó de cros-tas secas de varíola para prevenir a infecção.Por volta do ano 2.000 a.C., os índios realizavam ci-rurgias plásticas no nariz, e os antigos etruscos pro-

duziam próteses dentárias feitas de ouro com técni-cas, sem dúvida, avançadas. Portanto, poder-se-iapensar que o conhecimento sobre as dinâmicas docorpo humano, após 5.000 anos, fosse completa-mente adquirido. Porém, isso não é verdade: descre-ver uma máquina é uma coisa, compreender seu fun-cionamento é outra. A evolução da medicina nomundo não tem sido homogênea: no Oriente, já emtempos muito remotos, desenvolveram-se formas deconhecimento sobre o corpo cujas dinâmicas conti-nuam válidas ainda hoje. Os povos da América do Sule da África continuaram usando, durante milênios,uma medicina baseada na magia e na interpretaçãoreligiosa das capacidades curativas das substâncias na-turais. Os povos do Mediterrâneo e da Europa, apósos avanços promissores da civilização grega, regredi-ram durante séculos, durante os quais ressurgiramconcepções mágicas e religiosas que dificultaram o ca-minho do conhecimento.

HIPÓCRATES E A ESCOLA DE CÓSA história da ciência ocidental começa na Grécia, naescola de Cós; particularmente as histórias da medicinae da fisiologia, que por longo tempo não se diferen-ciaram. Embora a fisiologia grega tenha pouco em co-mum com a fisiologia moderna, muitas das ideias fun-damentais já estavam nos escritos de Hipócrates(c.460-370 a.C.), fundador da escola e considerado opai da medicina moderna. Em Cós, pela primeira vez,a figura do médico desvincula-se totalmente da do sa-cerdote; é introduzida a ideia de que doença e saúdedependem de circunstâncias específicas da vida pes-soal e não de intervenções divinas; que as doenças sãofenômenos gerais do organismo e não estão circuns-critas a um único órgão. Era declarada a necessidadede estudar a anatomia e a patologia por meio da dis-secção de cadáveres e observar de maneira direta e ra-cional cada doente, levando em consideração seu as-pecto e seus sintomas. Também eram estudadas aquantidade e a qualidade das secreções, e, assimcomo ocorre hoje, eram controlados a quantidade, acor, o sedimento e o aspecto turvo da urina: foramas primeiras “análises clínicas” da história. Pela pri-

� ACUPUNTURA

Na China, a acupunturapode ser praticada somentepor pessoa que possua umconhecimento excepcionalda anatomia humana. De fato, pressupõe-se que o médico conheceperfeitamente alocalização dos plexosprincipais e dasterminações nervosas. Esse desenho, realizadoem 1031 por Thong JinTchou, apresenta os“pontos meridianos” do braço.

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Platão, Aristóteles considerava que o conhecimentoadquirido por meio dos sentidos era de enorme im-portância. Por muitos aspectos, esse filósofo é consi-derado o responsável por fixar as bases para o desen-volvimento do método científico da pesquisaexperimental – o que seria aplicado apenas muitos sé-culos depois. Segundo Aristóteles, a procura pelo sa-ber é impulsionada pela curiosidade, pelo questiona-mento sobre o “porquê” das coisas e dos fenômenosobservados. Assim, unindo ciência e filosofia, suasobras de biologia – De generatione animalium (Da ge-ração dos animais), De motu animalium (Do movimentodos animais), De partibus animalium (Das partes dos ani-mais), Historia animalium (História dos animais) e Parvanaturalia (Pequenas coisas naturais) – transforma-ram-se na base “experimental” na qual seus con-ceitos metafísicos se apoiam.Para Aristóteles, não existe diferença qualitativaentre o mundo vivo superior (os homens), omundo vivo inferior (as plantas e os animais) eo mundo inorgânico. Todos os corpos são fei-tos de matéria organizada de acordo com umaforma, e somente são diferentes quanto ao nívelde complexidade. Quando a forma é complexa,recebe o nome de alma: unidas entre si, maté-ria (corpo) e forma (alma) criam as realidadesfísicas chamadas viventes. Cada grupo de viven-tes caracteriza-se por um tipo de alma que de-termina suas peculiaridades: as plantas têmuma alma vegetativa que faz que se alimentem,cresçam e se reproduzam; os animais têmuma alma sensitiva que faz que desenvolvamtambém as funções sensoriais vinculadas ao

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meira vez, foram definidos os conceitos de diagnósticoe prognóstico, enquanto a parte “humoral” do corpo –que, de acordo com as crenças religiosas, estaria rela-cionada com o pneuma, o espírito vital – passou a terum papel fundamental. Segundo Hipócrates, de fato,a doença é decorrente de uma falta de equilíbrio en-tre quatro humores: o sangue (humor quente úmido),que provém do coração; o fleugma (humor frio úmido,uma espécie de muco), que provém do cérebro; a bí-lis amarela (humor quente seco), proveniente do fí-gado; e a bílis negra (humor frio seco), que provémdo baço. A alteração nesse equilíbrio leva à doença, eisso pode acontecer pela intempérie, por outras cau-sas físicas ambientais ou por uma dieta inadequada:uma concepção plenamente atual.Esses conceitos, traduzidos para o árabe, o hebraicoe o latim, durante séculos tiveram influência na me-dicina ocidental. Contudo, careciam de bases anatô-micas precisas: Hipócrates estava mais interessado naprática médica, e o estudo anatômico foi dificultadopor causa do respeito que os gregos professavam aoscadáveres. Apesar disso, o nascimento da clínica –como um estudo dos sintomas – também foi impor-tante para a fisiologia: saber o que não funcionaajuda a compreender quais são os mecanismos sadios.

DE ARISTÓTELES À ESCOLA DE ALEXANDRIAAristóteles (384-322 a.C.), considerado por muitos ofundador da anatomia comparada, foi o primeiro arealizar estudos sistemáticos sobre seções anatômicase a estudar em profundidade a estrutura e a organi-zação do corpo animal, especialmente do sistema ner-voso e do coração. Diferentemente de filósofos como

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� MINIATURA

Imagem extraída dosAforismos de Hipócrates,obra traduzida do árabepara o latim e comcomentário de Galeno,mostra Hipócrateslecionando para seusdiscípulos.

� ÁRABES

A descrição, em árabe, doselementos anatômicos quecompõem, de maneiramuito aproximada, a figura humana.

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movimento. Por último, o homem, graças à alma in-telectiva, além das funções vegetativas e sensitivas,pode raciocinar e generalizar, passando da ex-periência para a abstração. Segundo Aristó-teles, o homem é apenas um animal racional, conceito que – descartado durante a Idade Média – foi retomadono século XVII. Assim, a matéria se organiza esponta-neamente em sistemas cada vez maiscomplexos. Os tecidos são partes do corpoomeomère, isto é, homogêneas, formadas poruma matéria uniforme (ao cortar ummúsculo ou um osso em duas partes, asmetades possuem características similares).Os órgãos, por sua vez, são partes nãoomeomère, e, combinadas entre si,formam sistemas mais com-plexos. O conjunto de siste-mas é o organismo vivo: sãodefinições fundamentaispara o estudo da vida. Essaorganização espontâneasempre tem uma finalidade:os peixes, por exemplo, têmnadadeiras para nadar. “Anatureza não faz nada emvão”: um ponto de vista queserá reinterpretado porLamarck, Cuvier e Darwin nas diversasteorias sobre a evolução.A reprodução também é um processo com umfim: dar alma ao não vivente. Aristótelesacreditava na geração espontânea dos seresinferiores, como os pequenos insetos, que

seriam gerados a partir do mundo inorgânico, graçasà energia do sol. Passaram-se quase 1.000 anos atéque claras demonstrações experimentais colocassemessa convicção à margem.Na mesma época em que Aristóteles realizava suasobservações e elaborava novas ideias sobre o mundovivente, na Escola de Alexandria eram desenvolvidosestudos sistemáticos sobre cadáveres e praticava-sea vivisseção. Os animais eram utilizados para omelhor conhecimento da estrutura e da função dosdiferentes órgãos. O estudo anatômico, fisiológicoe biológico avançou rapidamente. Erasístrato deCéos (c.310-250 a.C.) descobriu os vasa vasorum (osvasos que irrigam outros vasos), estudou as válvulasauriculares e venosas, a veia e a artéria pulmonares,a circulação sanguínea, e considerou que o sanguecirculava pelas veias da mesma forma que o pneumados pulmões circulava pelas artérias.Herófilo de Calcedônia (320-260 a.C.) tambémestudou o sistema cardiovascular, chegando adescrever as fases cardíacas e a compreender a importância da frequência cardíaca no pulso.Diferenciou os tendões dos nervos e os nervosmotores dos sensoriais, e descreveu a estrutura doolho, do nervo óptico e do cérebro, relacionandocérebro e nervos. Segundo ele, a fisiologia do corpoé baseada em quatro forças: a força nutritiva, comsede no aparelho digestório e no fígado; a calorífica,no coração; a pensante, no cérebro; a sensitiva, no

sistema nervoso. Dois séculos antes de Cristo,portanto, já havia profundo conhecimento das

principais dinâmicas do corpo, mas,infelizmente, tudo seria perdido

rapidamente.

EM ROMA COM GALENOApós ter se dedicado aos gladiadores, curando-

-os com grande habilidade, Galeno de Pérgamo(131-201 d.C.) transformou-se no médico de

Marco Aurélio. Homem de grande intelectoe vastos conhecimentos, tentou reelaborar

em um único quadro coerente tudoaquilo que a medicina havia descrito einterpretado até então. Estudou amedicina das regiões do império,

recompilou, examinou e tentousalvar o que considerou verídico,enriquecendo os conhecimentosda Escola da Alexandria comobservações pessoais, extraídas desuas experiências com animais

(especialmente porcos, cachorros emacacos). Não se limitou a descrever

apenas o organismo, mas também tentouexplicar as funções e as finalidades decada uma de suas partes, sustentan-do seus estudos experimentalmente.

Contudo, por se basear quaseexclusivamente na anatomiaanimal, ao aplicar seus resul-tados experimentais ao homem, ele “corrigiu-os” de maneirafantasiosa, falseando, assim, os

� MANUSCRITO

Neste antigo manuscritoestá representado, de modomuito rudimentar, osistema vascular.

� O SISTEMA DOS

ESPÍRITOS DE GALENO

Esta ilustração históricadescreve a teoria de Galenoque relacionava aanatomia com o espírito: o espírito natural nofígado, o espírito vital nocoração e o espírito animalno sistema nervoso.Segundo Galeno, o homem, assim como osanimais, tem o coraçãodividido em duascavidades comunicantes.Sua interpretação dosfluxos sanguíneosinfluenciou a fisiologia atéo século XVII. O fígado é o centro do sanguevenoso, assim como o coração é o centro dosangue arterial; as veiaspulmonares transportamsangue “sujo” para ospulmões e levam-no devolta, purificado, para o coração; posteriormente,o sangue esgota-se nosórgãos. Galeno estudavatambém as lesões doshemisférios cerebrais,diferenciando-as das docerebelo; descreveutambém a função excretorados rins, as modalidadesda circulação fetal e os órgãos sensoriais.

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conhecimentos alexandrinos baseados na obser-vação de cadáveres. Apesar de alguns erros ele-mentares, seus escritos representaram os alicercesda fisiologia medieval. Nos séculos posteriores, seutrabalho foi ganhando consideração crescente,até o ponto em que qualquer opinião discordanteseria tida como heresia.A tendência a aprofundar-se na filosofia e na magia,própria da medicina medieval, não contribuiu cominovações tecnológicas ou com novas descobertas.

A ESCOLA DE SALERNO E AS PRIMEIRASUNIVERSIDADESAfortunadamente, muitos conventos mantiveramvivos os conhecimentos do passado, enquanto oseruditos árabes enriqueciam-nos com contribuiçõesoriginais. Abu Bakr Al-Razi descreveu algunsparâmetros fisiológicos no século VIII, os quaisforam retomados posteriormente por seu discípuloAl-Kindi, que escreveu um tratado de fisiologiahumana. Contudo, na Europa, nada fez diminuira autoridade de Galeno até o século VIII. A partirdesse período, as grandes correntes do pensamentomédico romano, grego, hebraico e árabe confluíramna Escola de Salerno, a mais antiga e ilustreinstituição médica ocidental. Aberta para homense mulheres, teve seu período de maior esplendor noséculo XI, com a chegada de Constantino, oAfricano (c. 1010 – c. 1087), um estudioso líbio quetinha lido os textos alexandrinos originais e que,após ter aprendido árabe, traduziu para o latimtodos os tratados de medicina que havia reunidoem suas viagens pelo Oriente. Graças a ele, as ideiasde Hipócrates e as noções da Escola da Alexandriasobre anatomia humana voltaram a fazer parte dacultura ocidental. De fato, para que um estudantechegasse a ser médico em Salerno, além dos anosde estudo dos textos gregos, devia praticarautópsias, com a finalidade de conhecer bem todosos órgãos. Nessa escola, foi redigida, no século XII,a obra Chirurgia magistri Rogeri, o primeiro textosobre cirurgia da história.Aumentar os conhecimentos anatômicos efisiológicos, no entanto, tornou-se muito difícil, ouaté mesmo perigoso, por causa da oposiçãointransigente da Igreja. Em 1215, o papa InocêncioIII publicou a encíclica Ecclesia abhorret a sanguine(A Igreja abomina o sangue) que condenava todo tipode atuação sobre o corpo humano, incluindo acirurgia. Assim, apenas as escolas e as universidadesvinculadas aos círculos eclesiásticos estariamautorizadas a levar esse tipo de estudos adiante.Nessa mesma época, Mondino de’ Liuzzi (c. 1276-1326) escreveu sua Anatomia corporis humani(Anatomia do corpo humano), um manual sobre adissecção de cadáveres, considerado livro dereferência durante longo tempo, que, emboraestivesse pautado em experiências diretas, nãocorrespondia à realidade observada. De fato,Mondino deu interpretações que concordavam comas de Galeno, embora contrastassem com o que eleobservava. Mas as coisas foram mudando, porémlentamente.

NASCE O MÉTODO CIENTÍFICOCom o Renascimento, a necessidade de “retornar àsfontes clássicas” do conhecimento levou à superaçãodos preconceitos que paralisavam a pesquisacientífica. Os artistas italianos do Quattrocento,precursores de uma nova forma de ver a realidade,desempenharam um papel importante incitando aoestudo do corpo humano no sentido moderno.Impulsionados pela busca do contato direto com anatureza – o mesmo que levou Galileu Galilei (1564-1642) a formalizar seu revolucionário métodocientífico –, Pollaiuolo (c. 1423-1498), Verrocchio(1435-1488) e Leonardo da Vinci (1452-1519)realizaram estudos proibidos utilizando cadáveres,fazendo dissecções e reproduzindo pormenoriza-damente todos os seus detalhes.

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� CIRURGIÃO FAMOSO

Guy de Chauliac (c. 1300-1368) foi o cirurgiãoeuropeu mais famoso daIdade Média. Médico dospapas Clemente VI,Inocêncio VI e Urbano V,em 1363 escreveu Cirurgiamagna, um manual que descreve numerososprocedimentos cirúrgicos(para curar hérnia ecataratas) e o uso deinalações narcóticas. Essaobra foi fundamental parao ensino médico nos trêsséculos posteriores.

� INTERVENÇÕES DIVINAS

Documentos pontificaisque reconhecemuniversidades específicas.À direita, Inter singula, de9 de junho de 1318, como qual Juan XXII funda a Universidade deCambridge; à esquerda,Querentes in agro, de 6 deoutubro de 1254, com oqual o papa Inocêncio IVacolhe a Universidade deOxford sob a proteção daSede Apostólica. Sem a vênia papal, os estudosdas ciências médicaspodiam significar a excomunhão. Porexemplo, os cursos demedicina na Universidadede Bolonha – a primeirada Itália, fundada em1088 – começaram apenasem 1219, graças àdispensa concedida pelopapa Honório III.

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– está estruturada de tal maneira que “reconhece”determinadas moléculas e os estímulos físicos domeio (variações na concentração de sais, mudan-ças de luz ou temperatura, presença de umcampo elétrico etc.) aos quais pode reagir mo-dificando-se.

Essas características estão presentes em todas asmembranas que formam a célula, independente-mente do organismo ao qual ela pertença. Éprovável que, uma vez formada, essa estruturaessencial para a vida tenha evoluído lentamente,mas sem sofrer alterações profundas, proporcio-nando uma prova ulterior de que os seres vivosderivam de um único antepassado comum.As membranas plasmáticas são formadas por umadupla camada (frequentemente de 5,5 nm) de ácidosgraxos (fosfolipídios), atravessada por grandescomplexos proteicos e “enriquecida” por moléculasde colesterol e glicolipídios. Essa estrutura explica--se quando são consideradas as propriedades físico--químicas dos seus constituintes principais. Ao verterum pouco de azeite em água e mexer a mistura comforça, forma-se uma emulsão: o azeite transforma--se em diminutas gotas que permanecem separa-das da água. Examinando essas gotas em nívelmolecular, seria possível ver que as gorduras, cujasmoléculas não têm uma carga elétrica repartidauniformemente, são “polares” – posicionam-se demodo que isolam a “cauda” hidrófoba, expondo àsmoléculas de água (elas também, altamentepolarizadas) sua “cabeça” hidrófila. Assim, forma--se uma dupla camada de moléculas compactas,extremamente estável e, ao mesmo tempo, “móvel”.Um dos últimos modelos propostos de estrutura dasmembranas biológicas é o denominado modeloem mosaico fluido. Dependendo das condiçõesambientais e das exigências celulares, a formação damembrana modifica-se e, com isso, mudam –mesmo que seja pouco – suas características depermeabilidade e sensibilidade aos estímulos.Graças à sua constituição “fluida”, a membranapermite que a célula expulse ou englobe

corpúsculos, inclusive de grandes dimensões. Comofoi visto no complexo de Golgi, vesículas produzidasno interior da célula podem fundir-se com amembrana e expulsar seu próprio conteúdo; e, vice--versa, a membrana pode englobar corpúsculosexternos e transformar o espaço em que os encerraem uma vesícula que, absorvida para o interior,desintegra-se e libera as substâncias englobadas.Esses dois processos contrários são denominados,respectivamente, exocitose ou pinocitose e endocitoseou fagocitose.Através da membrana, finalmente, podem-seformar autênticas junções entre células: são osdesmossomos, que têm aspecto de densas placassituadas imediatamente contíguo à membranacelular. Deles partem estreitas fibras (tonofibrilas)que se estendem pelo interior do citoplasma nasduas células que participam da junção. O tipo dedesmossomo mais comum liga células epiteliais:eles representam um ponto de ancoragem para ocitoesqueleto celular e um elemento de coesão detodo o tecido.

� FOSFOLIPÍDOS

Estrutura química em trêsdimensões de umamolécula de fosfolipídio.

�� DESMOSSOMO

Microfotografia feita com TEM que mostra,claramente, como amembrana plasmática que delimita a célula estáformada por uma duplacamada de moléculas,menos “densa” no centro.

� ENDOCITOSE E

EXOCITOSE

Nesse esquema, a cor azulindica o exterior da célula,e a verde, o interior.Durante a endocitose(esquema superior), aspartículas aderem-se àmembrana, que se“invagina” e formam uma

vesícula que se desprende,para depois desfazer-se nointerior da célula. Naexocitose (esquemainferior), a vesícula seadere à face interna damembrana e funde-se comela, expulsando para oexterior tudo o que contém.

� MODELO

Modelo “em mosaicofluido” da membranacelular. Acima está oexterior da célula; abaixo,o interior.

proteína (parte hidrófila)

cabeçahidrófila

proteína (parte hidrófila)

proteína (parte hidrófoba)

oligossacarídios

canal iônico

colesterol

glicolipídio

complexo proteicofosfolipídios

caudashidrófobas

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Quando se comparam as composições químicas domeio interno e externo de uma célula, pode-seobservar que as substâncias não apresentam amesma distribuição nos dois lados da membrana. A capacidade das moléculas de passar através damembrana depende de suas propriedades físico--químicas; algumas, como as da água, passamseguindo as leis da difusão; outras são ajudadas pelaação de algumas estruturas da membrana; e outras,ainda, podem passar apenas se a célula despendeenergia para fazê-las passar (para o interior ou para oexterior).A seguir, apresenta-se uma breve revisão das diversasmaneiras pelas quais as moléculas podem entrar emuma célula. Antes de mais nada, é útil lembrar algunsconceitos de dinâmica dos fluidos, necessários paracompreender o comportamento de soluçõesdiferentes (A, menos concentrada, e B, maisconcentrada) separadas por uma membranasemipermeável.O fluxo ou osmose do solvente através damembrana depende das duas concentrações: quantomaior for a concentração de íons e moléculas de umasolução com respeito à outra, mais alta será suapressão osmótica. O fluxo líquido de solvente, maisrápido que o de soluto, tende a tornar uniforme aconcentração nos dois lados da membrana; por isso,globalmente ocorre um movimento de moléculas desolvente que vai de A para B.

1. No caso citado, pode-se dizer que as moléculas desolvente mostram uma DIFUSÃO SIMPLES através damembrana, o que significa que a passagem estáregulada apenas pela pressão osmótica. Assim, nacélula ocorre a passagem em ambos os sentidos deágua e gases e, frequentemente, também desubstâncias em dissolução na água. Esse mecanismofaz que, quando a quantidade de água no interior dacélula diminui, haja uma reposição imediata, o quegarante a conservação das condições endocelularesótimas.

difusão orientada, da qual a membrana tambémparticipa, é típico de substâncias como o açúcar,fonte de energia.

pressão osmótica

concentraçãomais baixa

concentraçãomais alta

passagem dosolvente

membranasemi-

-permeável

pressãoosmótica = pesoda diferença devolume: unidadede superfície

ALTA CONCENTRAÇÃO MEMBRANA

FLUXOESPONTÂNEO

DIFUSÃOLIVRE

� OSMOSE

Esse fenômeno físico--químico ocorre quandouma membranasemipermeável separaduas soluções comconcentrações diferentes.

Como o sistema tende aoequilíbrio, o solvente tendea atravessar a membranaaté que a concentração dossolutos seja igual emambos os lados (flui emdireção à solução mais

concentrada e aumentaseu volume). Assim, apressão osmótica diminuiaté que o peso exercidosobre a superfície deseparação “seja igual emambos os lados”.

� GLÓBULOS VERMELHOS

As hemácias (ou glóbulosvermelhos ou eritrócitos)têm, normalmente, umaforma arredondada eplana. Contudo, se estãoem um meio muito rico em

sais (hipertônico), perdemgrande parte da água quecontêm e adotam formas –como a da direita – muitodiferentes das que sãohabituais.

2. A DIFUSÃO FACILITADA modifica a velocidade comque substâncias dissolvidas passam através damembrana; também nesse caso, as moléculasseguem o gradiente de concentração da mais altapara a mais baixa; contudo, seu movimento éacelerado inicialmente até alcançar uma determinadaconcentração no interior da célula, quando o fluxo seinterrompe para recomeçar somente se aconcentração interna cai de novo. Esse tipo de

BAIXA CONCENTRAÇÃO

CONCENTRAÇÃOMAIS ALTA

MEMBRANA

FLUXOESPONTÂNEO

DIFUSÃOFACILITADA

CONCENTRAÇÃOMAIS BAIXA

BAIXA CONCENTRAÇÃO MEMBRANA

FLUXOESPONTÂNEO

ATP → ADP

TRANSPORTEATIVO

ALTA CONCENTRAÇÃO

3. Em alguns casos – por exemplo, com algunsíons –, a célula requer concentrações muito maisaltas do que as que são características do meioque a rodeia. Nessas circunstâncias, o movimentodas moléculas vai contra o gradiente deconcentração. Para que isso ocorra, a célula devegastar energia, trata-se do TRANSPORTE ATIVO

através da membrana. Por exemplo, a célulaexpele continuamente íons de sódio (Na+); parafazer isso, deve produzir uma série demodificações na estrutura tridimensional damembrana. Mas, para que esse processo ocorra, épreciso que haja dispêndio de energia, que éproduzida pela transformação de ATP em ADP.

Existem fluxos de outras substâncias que, mesmoindo contra um gradiente de concentração, nãorequerem energia produzida pela célula. É o queacontece quando um íon negativo “inútil” é“trocado” por outro íon negativo “útil”. Tambémnesse caso, as moléculas que formam a membranaparticipam efetivamente no transporte, mas, por não haver dispêndio de energia endógena (ou seja, dado que o fenômeno é independente do metabolismo celular), trata-se de TRANSPORTE PASSIVO.

OSMOSE, DIFUSÃO, TRANSPORTE

PASSIVO E TRANSPORTE ATIVO

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As enzimas são proteínas: seu nome deriva dogrego e significa “em levedura”, porque asprimeiras foram descobertas nesse tipo de células.Cada uma desenvolve as funções fundamentaisde catalisar uma reação bioquímica específica.Um catalisador é uma substância que nãoparticipa diretamente em uma reação química,mas é capaz de intervir sobre a energia potencialmodificando a velocidade da reação; de modogeral, aumenta-a até tornar úteis reações que,caso contrário, não teriam efeitos significativos.Contudo, diferentemente dos catalisadoresinorgânicos, as enzimas apresentam umaespecificidade elevadíssima, ou seja, catalisamexclusivamente uma reação ou muito poucasreações similares. E fazem isso extremamentebem: são capazes de fazer que a reação sejaentre 108 e 1.020 vezes mais rápida.A substância que interage com uma enzima e étransformada denomina-se substrato. A zona damolécula enzimática que entra em contato como substrato é o sítio ativo, que interage com os

reagentes de maneira estereoespecífica, ou seja,sensível inclusive a pequenas diferenças deformação. Sua funcionalidade depende daestrutura: o sítio ativo adapta-se ao substratocomo uma fechadura à sua chave, e não funcionacom outros substratos. De fato, caracteriza-se poruma forma tridimensional precisa, determinadapor estruturas químicas típicas e/ou pela presençade moléculas não proteicas que se ligam àenzima nas proximidades do sítio ativo. Essas moléculas são os cofatores. Dependendoda ligação que estabelecem com a enzima,diferenciam-se em grupos prostéticos ecoenzimas. Os primeiros (muitos deles são íonsmetálicos) ligam-se estreitamente e quase semprede modo permanente; as segundas(principalmente vitaminas) ligam-se debilmente,e a mesma molécula de coenzima pode associar--se posteriormente com diversas enzimas.Nas enzimas que só funcionam graças a umcofator, a parte proteica “incompleta” édenominada apoenzima, e o conjunto enzima-

-cofator recebe o nome de holoenzima. Muitas coenzimas permitem a transferência depequenas moléculas de uma espécie químicapara outra: por exemplo, o NAD+ (dinucleótidode nicotinamida e adenina oxidado) pode ligar--se com hidrogênio iônico (H+), que é aceito pormoléculas que sofrem, assim, uma oxidação, edepois pode ser cedido para outras moléculas,que, assim, reduzem-se.Algumas enzimas também possuem um sítioalostérico que funciona como um interruptor,ativando-as ou desativando-as. Somente umamolécula específica pode ligar-se com o sítioalostérico: com frequência, essa molécula éproduto da reação enzimática e bloqueia afuncionalidade da enzima interrompendo areação. E, pelo contrário, quando se trata de umreagente, a enzima começa a funcionar.Uma célula contém numerosas cópias deaproximadamente 3.000 tipos diferentes deenzimas, presentes geralmente emconcentrações muito baixas com respeito àsconcentrações dos substratos. Para expressar acapacidade de ação de uma enzima, utiliza-se o"número de turnover", que indica o número demoléculas de substrato que uma única moléculaenzimática consegue transformar no transcursode um minuto. Esse valor vai de 1 mil a 36milhões: a anidrase carbônica é a enzima quepossui a mais alta capacidade catalítica.Contudo, a funcionalidade da mesma enzimatambém pode variar: como todas as reaçõesquímicas, as enzimáticas dependem datemperatura, do pH e da presença desubstâncias que podem modificar a molécula daenzima. Alguns metais pesados (como omercúrio ou o chumbo) são tóxicos justamenteporque seus íons se ligam aos grupos SH dosresíduos de cisteína presentes nas moléculas denumerosas enzimas e, ao fazê-lo, desativam-nas.Diz-se que esses íons são inibidores nãocompetitivos; outras substâncias que, ao seremestruturalmente parecidas com o substrato, seligam com o sítio ativo, pelo contrário,competem com o substrato: nesse caso, sãochamados inibidores competitivos. Exemplodisso são as sulfamidas, cuja eficácia terapêuticadeve-se justamente a que as enzimas de algumasbactérias reagem da mesma maneira com essasmoléculas e com um precursor do ácido fólico,uma vitamina indispensável para elas. Sem podersintetizar ácido fólico, as bactérias morrem.

ENZIMAS E COFATORES

produtos

catalisador

reativos

conjuntoativado

reação

reativos produtosreação

energia potencial dos reagentes

energia potencial dos produtos

energia deativação

ENER

GIA

POTE

NCIA

L

DESENVOLVIMENTO DA REAÇÃO

� RELAÇÕES ENTRE ENZIMAS

E SUBSTRATO

Simulação por computador dainteração entre enzima esubstrato. À esquerda, aenzima com o sítio ativo vazio;à direita, o substrato aderiu aosítio ativo da enzima.

� REAÇÕES COMPARADAS

Representação da mesmareação na ausência de umcatalisador (acima) e empresença de um (embaixo). O diagrama da direita resumeas variações de energiapotencial das duas reações. É evidente que no primeiro caso(linha vermelha), a energia de

ativação é mais elevada que nosegundo (linha azul). Apresença da enzima, portanto,facilita a reação, que, paraocorrer, precisará de umaquantidade de energia menorque a outra. Assim, com amesma quantidade de energiadisponível, poderá produzir ummaior número de reações.

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AS DUAS FASES DOMETABOLISMO: CATABOLISMO E ANABOLISMOO termo “metabolismo” indica o conjunto de rea-ções químicas e físicas indispensáveis para a vida,que ocorrem em uma célula ou em um organismo.A química biológica estuda essas transformações,identificando todas as moléculas que nelas inter-vêm, a dinâmica energética que as dirige, aparticipação das enzimas etc.Muitas reações metabólicas são reversíveis, e suadireção é determinada pelas condições energéticas em que a célula se encontra. Todas são reguladas porenzimas e, como as enzimas são proteínas, fabricadassegundo um projeto contido no DNA. Isso significaque o metabolismo é controlado pelo patrimôniogenético, algo que fica evidente em algumascondições patológicas hereditárias (como nafenilcetonúria), nas quais o organismo é incapaz desintetizar enzimas específicas e não pode levar atermo algumas reações metabólicas. Apesar de ometabolismo humano ser muito mais complexo doque o de uma única célula (consiste em dezenas demilhares de processos bioquímicos nos quais participauma enorme quantidade de enzimas específicasdeterminadas geneticamente), os processos básicossão iguais. Além disso, mesmo nos organismos maissimples, todas as reações metabólicas formam umarede extremamente complexa, que se divide emcadeias metabólicas e ciclos metabólicos, na qualalgumas vias são curtas e outras longas, algumas sãoreversíveis e outras não. Nos ciclos, pelo contrário, asubstância de partida regenera-se depois de ter so-frido várias transformações. Para facilitar oentendimento, os processos metabólicos foramdivididos em dois grandes grupos:

• o anabolismo agrupa todas as reações endergôni-cas, ou seja, que requerem um aporte energéticoe que levam à síntese de moléculas complexas apartir de moléculas simples;

• o catabolismo agrupa todas as reações exergôni-cas, ou seja, que liberam energia; essas reações le-vam à produção de moléculas simples a partir demoléculas complexas.

O ANABOLISMOMuitas das moléculas biológicas necessárias paraconstruir e dar vida a uma célula não podematravessar a membrana e devem ser produzidasdentro da célula. Por exemplo, as proteínas, que sãosintetizadas a partir de aminoácidos. As membranasestão formadas por lipídios (fosforilados ou unidosa moléculas de açúcares) e proteínas (ligadas aoligossacarídios) etc. O conjunto dessas reações échamado anabolismo, e não se trata de reaçõesespontâneas, mas que ocorrem por meio de umaporte energético. Por isso, acontecem “associadas”com outras reações que produzem a energianecessária, principalmente sob a forma de duascoenzimas: ATP e NADH. Essas moléculas sãoproduzidas pelas reações catabólicas, ligam-se demaneira reversível, respectivamente, com o íonfosfato (PO3–) e o íon hidrogênio (H+).No citoplasma, o ATP reage facilmente com a água(H2O) e “hidrolisa-se”, segundo a reação

ATP + H2O → ADP + P

que libera até 54,4 kJ/M (~ 13 kcal/M). A disponi-bilidade de ATP torna possível a síntese das biomo-léculas, o transporte ativo através da membrana, acontração muscular e muitos outros processos. OATP é uma forma de energia química imediata-mente utilizável pela célula e, por isso, é consumidae produzida continuamente. É a “moeda energética”que permite as trocas vitais da célula. O NADH serveprincipalmente para reduzir e oxidar as moléculas.O ATP é fosforilado por enzimas chamadas quina-ses, que transferem o grupo fosfato para as molécu-las que contêm energia para reagir.

reagentes ou produtos. As cores de fundo indicamas principais viasmetabólicas:

via glicolítica e ciclo deKrebs;via metabólicas doscarboidratos;vias metabólicas doslipídios;vias metabólicas dosaminoácidos;via metabólica que levada acetilcoenzima A aocolesterol.

� O METABOLISMO

O emaranhado de linhasdesta imagem dá umaideia concreta,aproximada, dacomplexidade das reaçõesquímico-físicas queconstituem o metabolismocelular. O esquema mostrao conjunto das diversasvias metabólicas e suasinterseções. Os pontosindicam os metabólitosprincipais, ou seja, assubstâncias que participamnas reações metabólicas;os traços sugerem assequências de reações nasquais os metabólitos são,segundo a ocasião,

� NADH E ATPEstrutura química dasprincipais moléculasenergéticas produzidasdurante as reaçõescatabólicas, o NADH(dinucleotídio denicotinamida e adenina) e o ATP (trifosfato deadenosina).

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O CATABOLISMOEnquanto as reações anabólicas servem paraconstruir novas moléculas, as reações catabólicasdegradam os nutrientes até reduzi-los a moléculasúteis para o anabolismo armazenando a energiaquímica que liberam sob a forma de ATP.As proteínas, os polissacarídios e os lipídios (ouseja, as substâncias que constituem a maioria dosalimentos) são decompostos em suas unidadesfundamentais já durante sua passagem peloaparelho digestivo. Reduzidos a moléculasrelativamente pequenas, chegam ao segundo estádioda degradação, que ocorre na célula por meio dasvias catabólicas.Quase todas as reações catabólicas são oxidações queproduzem energia graças à formação de fortesligações entre os átomos de carbono e hidrogênio– contidos nas substâncias nutritivas – e os deoxigênio que se difundem na célula. O catabolismooxidativo, portanto, é um processo que, do pontode vista químico, é análogo à combustão; sejaqueimando no fogo seja degradando-se em umacélula, a glicose que se combina com o oxigênio setransforma completamente em dióxido de carbono(CO2) e água (H2O); a única diferença é que nosegundo caso a temperatura é tal que não altera asdelicadas estruturas celulares, e a reação pode ocorrerapenas graças à ação das enzimas.As reações catabólicas desenvolvem-se quase exclu-sivamente nas mitocôndrias. De fato, no citoplasmasomente se verifica a transformação dos monossa-carídios em ácido pirúvico, segundo a denominada

via glicolítica, que, junto com o ciclo de Krebs, temum papel crucial na produção de energia celular.A GLICÓLISE é um processo anaeróbico, ou seja, nãorequer a presença de oxigênio para ocorrer. Porisso, considerando que a atmosfera inicial da Ter-ra carecia desse gás, o que se pensa é que a glicó-lise pode representar um dos mecanismos mais an-tigos desenvolvidos pelas células para aproveitar aenergia química dos açúcares. Nesse processo, oácido pirúvico é transformado em grupo acetil(CH3COS–), que depois forma a acetilcoenzima A (acetil-CoA), uma molécula biológica de grandeimportância, que também é produzida em gran-des quantidades durante a degradação dos ácidosgraxos.A última fase da desintegração é nas mitocôndrias,em que ocorre a degradação do grupo acetil da ace-tilcoenzima A em dióxido de carbono e água,com a produção da maior parte do ATP da célula.A reação que leva à produção de ATP – desfavo-recida do ponto de vista energético porque requerenergia para ocorrer – não apenas é possível, poisse junta com as reações exergônicas da degrada-ção de nutrientes dos alimentos, mas tambémporque ocorre de maneira extremamente eficaz.Com efeito, aproximadamente 50% da energiaque, teoricamente, é possível obter da combustãodos hidratos de carbono e das gorduras se trans-forma em ATP, uma eficiência considerávelquando se pensa que o rendimento energético dosmelhores motores de explosão é de apenas 20%.O resto da energia, assim como em um motor, éliberado lentamente em forma de calor.A posterior decomposição dos nutrientes emdióxido de carbono e água ocorre por meio de umasérie de reações aeróbicas (para as quais é necessárioo oxigênio). A eficiente e ordenada subtração deenergia dessas moléculas começa com o ciclo do ácidocítrico ou ciclo de Krebs (sobrenome de seudescobridor) e termina com a fosforilação oxidativa.O CICLO DE KREBS ocorre por causa da ação de uma sé-rie de enzimas que fazem parte da estrutura da mi-tocôndria. Esse processo é fundamental para o me-tabolismo celular; nele se verifica a oxidação dogrupo acetil da acetilcoenzima A e, enquanto os áto-mos de carbono desse grupo químico se transfor-mam em dióxido de carbono, os de hidrogênio pas-sam para as moléculas dos transportadores NAD+ eFAD (dinucleotídio de flavina e adenina), que setransformam em NADH e FADH2.A FOSFORILAÇÃO OXIDATIVA que se segue provoca atransferência do hidrogênio de NADH e FADH2 parao oxigênio molecular que penetrou por difusão nacélula. Ao mesmo tempo, uma série de enzimas emoléculas da denominada cadeia respiratória – quetambém faz parte da membrana interior damitocôndria – determina, por meio do transporte deelétrons, a expulsão de íons H+. Mas esses íonsvoltam a entrar por causa da ação do ATP sintetase,um complexo enzimático que combina esse fluxo

3Cpiruvato

2CAcetilcoenzima A

4Csuccinilcoenzima A

6Ccitrato

6Cisocitrato

5Calfa-ketoglutarato

P

NADH + H+

NAD+

NADH + H+

NAD+

NADH + H+

NAD+

GDP

GTP

4Csuccinato

FAD

FADH2

4Cfumarato

4Cmalato

NADH + H+

NAD+

4Coxalacetato

CO2

CO2

CO2

� CICLO DE KREBS

Esquema das reações queformam esta fundamentalvia metabólica. Seudescobrimento, pelo qualHans Adolf Krebs recebeuo Prêmio Nobel, permitiunotáveis avanços nacompreensão dabioquímica celular.

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com a ligação entre ADP e P para produzir ATP.Novamente na matriz, o hidrogênio liga-se aooxigênio, de maneira que, para cada átomo deoxigênio que se transforma em água, são produzidastrês moléculas de ATP.Assim, a presença de oxigênio é essencial tantopara que ocorra o ciclo de Krebs como para permi-tir o desenvolvimento normal do transporte de elé-trons e para formar novamente moléculas de água.Sua ausência leva à morte da célula. Oxidarcompletamente 1 mol (M) de glicose (180 g) produz2.870 kJ (~686 kcal), das quais 1.159 são arma-zenadas em 38 M de ATP. Em condições teóricas,portanto, o rendimento do catabolismo da glicoseé de 40,4%. Contudo, a célula consegue aumentaresse rendimento aproveitando as diversas condiçõesem que as reações metabólicas ocorrem.

DA CÉLULA AO ORGANISMO: O METABOLISMO BASALDado que todas as reações vitais se desenvol-vem no interior de cada célula, a fisiologia quese ocupa de tecidos, órgãos e sistemas está, decerto modo, subordinada à fisiologia celular.Alimentar-se e respirar, por exemplo, são açõesnecessárias para manter ativas as reaçõesmetabólicas celulares, mantendo constante ofluxo de substâncias que as células não sãocapazes de produzir (açúcares ricos em energia,cofatores como as vitaminas e sais minerais, mastambém água e oxigênio). No organismo,contudo, as atividades das células não estão emconfronto: pelo contrário, estão coordenadas detal maneira que sustentam o desenvolvimento docorpo. Assim, durante a juventude, a faseanabólica prevalece sobre a catabólica e há umaumento de peso; na maturidade existe – oudeveria existir – um equilíbrio substancial entreas duas fases, enquanto na velhice predomina ocatabolismo. Um metabolismo celular normaldeve garantir ao organismo condições físico--químicas constantes; normalmente, não hávariação na composição química dos líquidosinternos, na temperatura, na funcionalidadecardíaca, na respiração etc.

A quantidade mínima de energia necessária paramanter ativos os processos “básicos”, e para a sobre-vivência em repouso absoluto e em jejum, é deno-minada metabolismo basal, o qual corresponde àintensidade da respiração celular global e está ligadoao consumo de oxigênio. Pode ser quantificado coma calorimetria indireta, uma metodologia que permitemedir in vivo e de modo não invasivo a produção decalor e a oxidação dos substratos energéticos. Os cál-culos utilizados consideram a idade, o sexo, a massae a superfície corporal, variáveis que podem interfe-rir no metabolismo basal, assim como algumas subs-tâncias (anfetaminas e hormônios tireóideos). Pormeio da quantidade de oxigênio consumida, tam-bém é possível conhecer as necessidades energéticasde um indivíduo por unidade de tempo.

�� CENTRAL

ENERGÉTICA

Microfotografia demitocôndrias (verde, em seção).

� RESPIRAÇÃO

Esquema de umamitocôndria e dos eventosque levam à síntese deATP. Nas cristas internasestá o sistema de enzimase transportadores deelétrons da cadeia, queestão ordenados segundo o potencial de reação; nofinal está o oxigênio, como potencial mais alto,“ávido” de elétrons. A energia liberada pelatransferência de elétronsserve para bombear íonsH+ para fora damembrana interna esintetizar ATP. Os componentes da cadeia são flavinamononucleotídeo (FMN),ubiquinona ou coenzimaQ, e citocromo (cit).

2 H+

2 H+

2 H+

NADH + H+

2 e-

2 e-

2 e-1/2 O2

cadeiarespiratória

2 H+

ADP + P ATP

fosforilação

matriz

membrana externa

membrana interna

AR

O2

CO2

H2O

N2

CATABOLISMO

ANABOLISMO

informação

ADN fibrilamuscular

proteínas

mitocôndrias

trocascelulares

ATP(energia)

calor

síntese

paredeintestinal

parede dosalvéolos

pulmonares

ABSORÇÃOINTESTINAL

meioexterno

célula

calorcalor

ALIMENTOS

DIGESTÃO

aminoácidos

reserva

monossacarídios

ácidos graxosglicerol

superficie de troca

H2O

CO2

O2

H2

movimentos

TROCASGASOSAS

RESPIRATÓRIAS

meiointerno

� DO ORGANISMO À

CÉLULA E VICE-VERSA

A energia químicaabsorvida do meio externona forma de alimentos étransformada em outrotipo de energia químicapela respiração celular.

A síntese de ATP énecessária para poderdispor mais facilmente deenergia para outrastransformações. Além denutrientes simples(aminoácidos, carboidratos,lipídios), a célula recebe do

ambiente o oxigênionecessário para realizar asreações oxidativas docatabolismo. Vice-versa, acélula emite no ambientecalor, dióxido de carbono,vapor de água e outrasmoléculas residuais.

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O estudo do corpo humano é um assunto tão fascinante quanto complexo: as inúmeras e diferentes atividades de células, tecidos, órgãos e sistemas,

integrando-se de maneira perfeita, colaborando para o funcionamento de uma máquina biológica incrivelmente complicada.

A fisiologia é a ciência que estuda tudo isso, e este livro traz os principais pontos dos conhecimentos atuais dessa importante área da saúde.

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