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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 6 (supl A) — Novembro/Dezembro de 2005 1 INTRODUÇÃO O tratamento odontológico de pacientes cardiopa- tas ainda é motivo de insegurança para muitos profis- sionais. Da mesma forma, o tratamento de gestantes também causa algumas incertezas ao cirurgião-den- tista. A associação da gravidez com cardiopatia necessi- ta de cuidados diferenciados pelo cirurgião-dentista, pois tanto a cardiopatia como o estado da cavidade bucal sofrem importantes modificações durante a gra- videz. O conhecimento e o entendimento do cirurgião-den- tista sobre as cardiopatias associadas à gravidez tor- nam o tratamento odontológico dessa paciente mais objetivo e seguro. CARDIOPATAS E PERÍODO GESTACIONAL: ASPECTOS DE INTERESSE AO CIRURGIÃO-DENTISTA FERNANDO RAMOS PASSARELLI, ITAMARA LUCIA ITAGIBA NEVES, RICARDO SIMÕES NEVES, WALKÍRIA SAMUEL ÁVILA Unidade de Odontologia – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – CEP 05403-900 – São Paulo – SP O tratamento odontológico em pacientes cardiopatas na gestação implica cuida- dos especiais para o bem-estar materno-fetal. É sabido que a gravidez, por si só, proporciona alterações fisiológicas que devem ser consideradas no tratamento den- tário. O tratamento em pacientes cardiopatas implica diversas restrições, principalmente em relação aos medicamentos que podem ser prescritos em caso de necessidade. Entre eles, destacam-se os anestésicos locais, que, na prática odontológica, são de suma importância para o conforto do paciente. Quando o paciente a ser tratado no consultório odontológico é uma gestante cardiopata, os cuidados devem estar somados ao tipo de cardiopatia e às altera- ções fisiológicas da gravidez, sendo eles relacionados aos fármacos, ao posiciona- mento dessa paciente na cadeira odontológica, à época da gestação para o trata- mento e às alterações fisiológicas da gravidez. Palavras-chave: cardiopatia, gravidez, odontologia. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6 Supl A:1-6) RSCESP (72594)-1567 FISIOLOGIA DA GRAVIDEZ DE IMPORTÂNCIA PARA O CIRURGIÃO-DENTISTA O ciclo gravídico-puerperal proporciona inúmeras al- terações no organismo da mulher, desde seu início. Al- terações hormonais são notadas desde as primeiras semanas de gestação, seguidas de alterações meta- bólicas, anatômicas e, principalmente, cardiovascula- res. As modificações cardiovasculares (1) mais importan- tes são aumento da volemia, do débito cardíaco, da pressão arterial e da freqüência cardíaca e a diminui- ção da resistência vascular. Tais alterações ocorrem pela sobrecarga hemodinâmica gerada durante a gra- videz, sendo mais intensas no segundo trimestre de gestação e mais brandas nos últimos meses, aumen-

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PASSARELLI FRe cols.

Cardiopatas e períodogestacional: aspectos

de interesse aocirurgião-dentista

INTRODUÇÃO

O tratamento odontológico de pacientes cardiopa-tas ainda é motivo de insegurança para muitos profis-sionais. Da mesma forma, o tratamento de gestantestambém causa algumas incertezas ao cirurgião-den-tista.

A associação da gravidez com cardiopatia necessi-ta de cuidados diferenciados pelo cirurgião-dentista,pois tanto a cardiopatia como o estado da cavidadebucal sofrem importantes modificações durante a gra-videz.

O conhecimento e o entendimento do cirurgião-den-tista sobre as cardiopatias associadas à gravidez tor-nam o tratamento odontológico dessa paciente maisobjetivo e seguro.

CARDIOPATAS E PERÍODO GESTACIONAL:ASPECTOS DE INTERESSE AO CIRURGIÃO-DENTISTA

FERNANDO RAMOS PASSARELLI, ITAMARA LUCIA ITAGIBA NEVES,RICARDO SIMÕES NEVES, WALKÍRIA SAMUEL ÁVILA

Unidade de Odontologia – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 –CEP 05403-900 – São Paulo – SP

O tratamento odontológico em pacientes cardiopatas na gestação implica cuida-dos especiais para o bem-estar materno-fetal. É sabido que a gravidez, por si só,proporciona alterações fisiológicas que devem ser consideradas no tratamento den-tário.

O tratamento em pacientes cardiopatas implica diversas restrições, principalmenteem relação aos medicamentos que podem ser prescritos em caso de necessidade.Entre eles, destacam-se os anestésicos locais, que, na prática odontológica, são desuma importância para o conforto do paciente.

Quando o paciente a ser tratado no consultório odontológico é uma gestantecardiopata, os cuidados devem estar somados ao tipo de cardiopatia e às altera-ções fisiológicas da gravidez, sendo eles relacionados aos fármacos, ao posiciona-mento dessa paciente na cadeira odontológica, à época da gestação para o trata-mento e às alterações fisiológicas da gravidez.

Palavras-chave: cardiopatia, gravidez, odontologia.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6 Supl A:1-6)RSCESP (72594)-1567

FISIOLOGIA DA GRAVIDEZ DE IMPORTÂNCIA PARAO CIRURGIÃO-DENTISTA

O ciclo gravídico-puerperal proporciona inúmeras al-terações no organismo da mulher, desde seu início. Al-terações hormonais são notadas desde as primeirassemanas de gestação, seguidas de alterações meta-bólicas, anatômicas e, principalmente, cardiovascula-res.

As modificações cardiovasculares(1) mais importan-tes são aumento da volemia, do débito cardíaco, dapressão arterial e da freqüência cardíaca e a diminui-ção da resistência vascular. Tais alterações ocorrempela sobrecarga hemodinâmica gerada durante a gra-videz, sendo mais intensas no segundo trimestre degestação e mais brandas nos últimos meses, aumen-

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tando novamente no tra-balho de parto.

Burwell e colaborado-res(2) realizaram um estu-do, na década de 1930,propondo que os mecanis-mos das modificações cir-culatórias são decorrentesda formação de fístulas ar-teriovenosas, relaciona-das com a fragilidade vas-cular da circulação útero-

placentária. Já em 1963, Glaviano(3) conclui que há re-dução do débito cardíaco pela oclusão da artéria uteri-na.

As repercussões cardiovasculares que mais acar-retam intercorrências no atendimento odontológico agestantes estão relacionadas à compressão da veiacava inferior pelo útero gravídico, quando a gestanteassume a posição dorsal. De acordo com Kerr e cola-boradores(4, 5), essa situação provoca o desenvolvimentode uma circulação paravertebral para tentar suprir aredução do retorno venoso e débito cardíaco, que podefavorecer uma síncope, situação esta chamada de “sín-drome da hipotensão da posição supina da gravidez” eque decorre de uma circulação paravertebral insufici-ente. Em 1968, Kerr(6) atribuiu a hipotensão supina nãosó à diminuição do retorno venoso da cava inferior, mastambém ao estímulo vasovagal que acarreta bradicar-dia, sendo esta a explicação mais aceita para a ocor-rência da síndrome.

Dentre outras alterações fisiológicas que ocorremna gravidez, há o aumento do volume sanguíneo(7), ob-servado já em 1915, situação conhecida como hiper-volemia, que é, em média, de 40%, segundo estudosrealizados por Goodlin e colaboradores(8) em 1964. Esseaumento resulta de 45% a 55% de volume plasmáticoe de 20% a 30% de massa eritrocitária, gerando a di-minuição do hematócrito e da hemoglobina e ocasio-nando uma condição chamada de “anemia fisiológicada gravidez”.(9, 10)

Uma das alterações mais importantes encontradasem mulheres grávidas é a elevação do débito cardía-co, entre 40% e 60% do valor pré-gravídico, alcançan-do seu pico em torno da 28ª à 32ª semanas de gesta-ção.(10-12)

No decúbito lateral esquerdo ocorre redução dodébito cardíaco e facilidade de retorno sanguíneo pelaveia cava inferior, diminuindo também o risco de sín-drome da hipotensão supina(13). A manobra de empur-rar o útero para a esquerda é de grande valia para otratamento odontológico, principalmente no último tri-mestre de gestação.

A diminuição da resistência vascular sistêmica é con-seqüência das modificações durante o período gesta-

cional, além da ação dos estrógenos, que promovemvasodilatação arteriolar. O calor produzido pelo úterogravídico e a vasodilatação do leito mamário tambémcontribuem para a diminuição da resistência vascularsistêmica(11, 13).

Já as alterações da pressão arterial em gestantessão pequenas, salvo em alguns momentos do períodode trabalho de parto. Nas fases iniciais do trabalho departo, as contrações uterinas podem ser acompanha-das pela elevação da pressão arterial(1). No início dotrabalho de parto, a pressão sistólica pode aumentarcerca de 25 mmHg e a diastólica pode aumentar cercade 35 mmHg, podendo chegar a até 65 mmHg próximoao período expulsivo(11, 13).

Entre as alterações fisiológicas da gravidez, a fre-qüência cardíaca é a que menos se altera, alcançandoos maiores valores entre 10 e 20 batimentos por minu-tos a mais que o normal em torno da 28ª à 32ª sema-nas de gestação. Tal aumento não é significante parauma gestação típica(1). A freqüência é máxima na posi-ção sentada, mínima em decúbito lateral esquerdo emediana em decúbito dorsal(13).

ODONTOLOGIA, CARDIOPATIA E GRAVIDEZ

No campo odontológico, é comum o aumento dasalivação até o quinto mês de gestação, atribuído areações vagotônicas e irritações locais, que, por meiodo nervo trigêmeo, estimulam a secreção da salivapelas parótidas. Outra alteração muito comum é a hi-pertrofia gengival, conhecida como gengivite gravídi-ca, causada pelas alterações hormonais desse perío-do. Os sinais e sintomas dessa gengivite tendem a de-saparecer por completo após o parto. Apesar disso,deve ser controlada com higiene oral rigorosa, remo-ção de fatores irritativos (como próteses) e utilizaçãode vitamina C e sais minerais por via sistêmica em ca-sos graves. Quando a hipertrofia evoluir para tumoresgengivais, a remoção cirúrgica é indicada no períodomais propício da gravidez(14).

Quanto à cárie dentária, não existem trabalhos con-clusivos de que alterações hormonais, aumento da sa-livação, modificações do pH bucal e presença de vômi-tos, em algumas mulheres, tenham alguma relação coma atividade cariogênica. A única conclusão em comumentre estudiosos dessa área é que o aumento da cáriedurante a gestação, quando ocorre, resulta do mauestado bucodentário da gestante(14).

DISCUSSÃO

A doença cardíaca é a quarta causa indireta de mor-talidade materna, no ciclo gravídico-puerperal, segun-do o Comitê de Mortalidade Materna de São Paulo(1998). Dentre as doenças cardíacas que mais ofere-

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cem riscos às gestantes eaos fetos destacam-se asdoenças valvares(15), ascardiopatias congênitas, adoença de Chagas, a car-diomiopatia hipertrófica eoutras de menor risco, quedevem ser consideradas,como as arritmias, a hiper-tensão arterial sistêmica,e o uso de marcapasso ede anticoagulantes.

No Brasil, cerca de 50% das doenças cardíacas ob-servadas em gestantes estão relacionados à doençareumática crônica(16). A avaliação correta da lesão val-var e das repercussões hemodinâmicas tem reduzidoa taxa de morbidade e de letalidade materno-fetal quan-do diagnosticadas no início da gestação(17).

De acordo com as recomendações da SociedadeBrasileira de Cardiologia, em toda valvopatia decorrentede doença reumática é necessária a profilaxia antibió-tica antes de alguns procedimentos odontológicos, paraa prevenção de endocardite infecciosa, que pode dealguma forma tornar a gestação inviável se ocorrernesse período. Além disso, a endocardite infecciosapode não só tornar inviável a gestação, mas tambémcausar morbidade e mortalidade materna.

As cardiopatias congênitas mais comuns em ges-tantes são as acianóticas, que, na maioria das vezes,são corrigidas na infância por apresentarem altas ta-xas de mortalidade. De maneira geral, as alteraçõesfisiopatológicas vão depender do tipo, do tamanho edo local do defeito. As gestantes portadoras de cardio-patias congênitas estão sujeitas, principalmente, a in-fecções pulmonares, insuficiência cardíaca, arritmiase endocardite infecciosa. Novamente, a prevenção daendocardite infecciosa feita pelo cirurgião-dentista é defundamental importância(18, 19).

Outra cardiopatia importante é a cardiomiopatia hi-pertrófica, que tem como característica uma hipertro-fia inapropriada do miocárdio, geralmente envolvendoo septo interventricular e apresentando um ventrículoesquerdo não dilatado(20, 21). As alterações pertinentesà gravidez oferecem risco em potencial às portadorasdessa cardiopatia, podendo ocorrer morte súbita nes-sas pacientes(22, 23). Dentre as complicações mais fre-qüentes associadas à gravidez, destacam-se dispnéia,palpitações, precordialgia e tontura(20). Tais sintomaspodem ser minimizados ou até evitados quando o tra-tamento odontológico dessas pacientes é realizado emdecúbito lateral esquerdo(5).

Em relação às arritmias, elas próprias são fisiológi-cas do período gestacional. Na maioria das vezes, asarritmias são conseqüências de cardiopatias e podemse tornar intensas em gestantes, causando fraqueza,

tonturas, pré-síncopes e síncopes. Nesses casos, o tra-tamento precoce é recomendado. O maior cuidado queo cirurgião-dentista deve tomar em relação às arritmi-as é quanto ao uso de vasoconstritores, que aumen-tam a freqüência cardíaca e a pressão arterial, fatoresestimulantes para a ocorrência de arritmias(24). Alémdisso, vasoconstritores como a felipressina podem au-mentar as contrações uterinas, levando ao aborto es-pontâneo ou ao parto prematuro. Assim sendo, Torta-mano e colaboradores(14) recomendam o uso de anes-tésicos locais sem vasoconstritor para as pacientesgestantes e cardiopatas. Vasconcellos e colaborado-res(25) recomendam o uso de bupivacaína e lidocaínacomo anestésicos locais.

A hipertensão arterial sistêmica é outra condiçãoque o cirurgião-dentista tem capacidade, por meio desimples cuidados, de evitar riscos e complicações empacientes cardiopatas gestantes durante o atendimen-to odontológico, como o uso de anestésicos locais semvasoconstritores(14) e o controle da ansiedade por meiode benzodiazepínicos(26, 27). Dentre as complicaçõesmais comuns da hipertensão, destaca-se o risco dehemorragias, de pré-eclâmpsia e de eclâmpsia(28).

Em relação às medicações sistêmicas utilizadas naprática odontológica, segundo Sonis e colaboradores(24),deve-se evitar o primeiro trimestre de gestação. Quan-to ao uso de antibióticos, há contra-indicação para te-traciclinas e aminoglicosídeos(14, 29). As penicilinas, aseritromicinas e a clindamicina não possuem efeitos te-ratogênicos ao feto(14, 24). Quanto ao uso de analgési-cos e antiinflamatórios, durante o primeiro trimestre degestação pode ocorrer má formação fetal e risco deaborto espontâneo no último trimestre(30, 31). A utiliza-ção de antiinflamatórios durante a gravidez não é re-comendada; porém, se for necessário o uso dessamedicação nesse período, autores como Tortamano ecolaboradores(14) e Sonis e colaboradores(24) recomen-dam o uso de derivados do paraminofenol (paraceta-mol), por apresentarem menores interações medica-mentosas, principalmente com as drogas de uso cardi-ológico. É recomendada, também, a troca da warfarinasódica por heparina durante todo o ciclo gravídico(32),levando em conta os riscos que a heparina pode pro-vocar, quando usada por longos períodos, como alo-pécia, osteoporose e fraturas de vértebras e costelas(29).Além disso, o cirurgião-dentista tem por obrigação in-vestigar se a gestante cardiopata usa algum tipo deanticoagulante, como warfarina sódica ou heparina, poisa interação medicamentosa, principalmente com an-tiinflamatórios, é perigosa pelo alto risco de hemorra-gias, podendo levar à perda do feto. Além disso, ges-tantes que usam anticoagulante oral podem apresen-tar alterações fetais severas, conhecidas como síndro-me warfarínico-fetal, cujas manifestações incluem atre-sia (ou aplasia) nasal, retardo do crescimento intra-ute-

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rino, retardo do apareci-mento dos núcleos de os-sificação dos ossos lon-gos, hemorragia (em es-pecial, hemorragia menín-gea), atrofia óptica, comconseqüente cegueira, ecardiopatias congênitas(29).Ueland e colaboradores(32)

ainda atribuem à síndromealterações do sistema ner-voso central, como hidro-

cefalia e agenesia cerebral.

CONCLUSÃO

O cirurgião-dentista tem fundamental importância napromoção da saúde da gestante, pois as próprias altera-ções fisiológicas implicam um cuidado especial em rela-

ção à saúde bucal da gestante. Além disso, é um períodoem que a ingestão alimentar é maior, pois certas carênci-as vitamínicas são comuns na gravidez, e para isso agestante deve apresentar plena saúde bucal.

Quanto às cardiopatias, a prevenção da endocardi-te infecciosa é fundamental para que esse quadro nãocause morbidade e/ou mortalidade à paciente e trans-tornos a seus familiares. A gestante cardiopata neces-sita cuidados especiais redobrados, incluindo anam-nese detalhada, profilaxia antibiótica para prevençãode endocardite infecciosa, uso de lidocaína sem vaso-constritor como anestésico local, breve conhecimentoda fisiologia da gravidez e das cardiopatias que pos-sam acompanhar a gestação, e um contato com o car-diologista e/ou o obstetra da paciente gestante cardio-pata, quando necessário, são medidas simples e efi-cazes para a realização de qualquer procedimentoodontológico com grande segurança e conforto para apaciente e para o profissional.

HEART DISEASE PATIENT AND THE PREGNANCYPERIOD: ASPECTS OF INTEREST FORTHE DENTAL SURGEON

FERNANDO RAMOS PASSARELLI, ITAMARA LUCIA ITAGIBA NEVES,RICARDO SIMÕES NEVES, WALKÍRIA SAMUEL ÁVILA

The odontological treatment of cardiac pregnant patients needs special care topreserve the maternal comfort and the pregnancy viability. The pregnancy, by itself,provides physiological changes to the future mother, which must be take into ac-count in the course of the odontological treatment.

The odontological treatment of cardiac patients involves many restrictions, main-ly related to drugs that should be prescribed in case of necessity. Among them, thereare the local anesthetics, which are very important to the comfort of the patientregarding the odontological treatment.

In case of cardiac pregnant patients, the odontological care should take into ac-count and should be added to the type of heart disease and the pregnancy physio-logical alterations, regarding to the use of drugs, the position of the patient in theodontological chair, the best pregnancy period for treatment, and the physiologicalchanges of pregnancy.

Key words: heart disease, pregnancy, odontology.

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DE ANGELIS K e cols.Exercício físico ediabetes melito

do tipo 1

INTRODUÇÃO

O diabetes melito compreende um grupo heterogê-neo de distúrbios metabólicos de múltiplas etiologias,caracterizado pela presença de hiperglicemia crônicaacompanhada de alterações no metabolismo de car-boidratos, gorduras e proteínas, decorrentes tanto dedefeito da secreção de insulina como da ação insulíni-ca. O diabetes melito do tipo 1 caracteriza-se pela de-ficiência absoluta de insulina, sendo esta, na maioriados casos, causada por processo auto-imune desen-cadeado após interação complexa entre fatores gené-ticos e ambientais. O diabetes melito do tipo 1 podeocorrer em qualquer idade; todavia, em geral, é diag-nosticado antes dos 20 anos de idade e compreendecerca de 8% a 10% dos casos de diabetes melito(1). Aincidência do diabetes melito do tipo 1 é variável empopulações diferentes, desde 30 a 40 indivíduos por100 mil pessoas por ano em países do norte europeu(como Finlândia e Suécia) até 0,5 a 1 indivíduo por

EXERCÍCIO FÍSICO E DIABETES MELITO DO TIPO 1

KÁTIA DE ANGELIS, DEMILTO YAMAGUCHI DA PUREZA,LUCINAR JUPIR FORNER FLORES, MARIA CLÁUDIA IRIGOYEN

Laboratório do Movimento Humano – Universidade São Judas TadeuUnidade de Hipertensão – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Rua Taquari, 546 – CEP 03166-000 –São Paulo – SP

O exercício físico regular, juntamente com a insulinoterapia e o planejamentoalimentar, tem sido considerado uma importante abordagem no tratamento do dia-betes melito do tipo 1. Trabalhos clínicos e experimentais têm evidenciado os bene-fícios do treinamento físico em indivíduos com diabetes do tipo 1, tais como melhorada sensibilidade à insulina e do perfil lipídico, redução da reposição de insulina eatenuação das disfunções autonômicas e cardiovasculares. Neste trabalho são dis-cutidas as respostas fisiológicas do indivíduo portador de diabetes do tipo 1 ao exer-cício tanto agudo como crônico, bem como são abordadas as recomendações, oscuidados e a prescrição adequada de exercícios físicos para essa população.

Palavras-chave: diabetes melito do tipo 1, exercício físico, perfil metabólico, disfun-ção cardiovascular, disfunção autonômica.

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100 mil pessoas por ano em países asiáticos(2). No Bra-sil, a incidência é de 7,4 indivíduos por 100 mil pesso-as por ano em cidades do interior do Estado de SãoPaulo(3).

O tratamento para pacientes com diabetes melitodo tipo 1 é a insulinoterapia intensiva (administraçãode insulina que objetiva reproduzir, da melhor formapossível, a secreção fisiológica desse hormônio), que,associada a planejamento alimentar, exercícios físicose cuidadosa automonitorização da glicemia, pode apro-ximar as condições metabólicas do indivíduo de umestado fisiológico e, conseqüentemente, prevenir ouretardar as complicações em longo prazo do diabetesmelito. A hiperglicemia crônica é associada com im-portantes complicações a longo prazo, que particular-mente afetam os rins, os olhos, os nervos, o coração eos vasos sanguíneos, causando nefropatia, retinopa-tia, neuropatia, cardiopatia e disfunções micro e ma-crovasculares no diabetes melito crônico(4). Além dis-so, o diabetes do tipo 1 é associado a maior risco car-

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DE ANGELIS K e cols.Exercício físico

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diovascular e aumenta dequatro a oito vezes a mor-talidade em seus portado-res quando comparados aindivíduos não-diabéticosde mesma idade(5). Apesardesses índices, poucosestudos têm investigadoos efeitos do tratamento edo manejo de fatores derisco cardiovascular no di-abetes melito do tipo 1.

Todavia, nenhum achado sugere que as abordagensterapêuticas devam ser diferentes das utilizadas emindivíduos não-diabéticos ou diabéticos do tipo 2.

Desde o século 18, médicos reconheceram a utili-dade terapêutica do exercício no tratamento do diabe-tes melito(6). Na edição de 1935 do “The Treatment ofDiabetes Mellitus”, exercícios diários eram recomen-dados no tratamento do diabetes melito(7). Atualmente,o exercício físico regular, juntamente com a insulinote-rapia e o planejamento alimentar, tem sido considera-do uma das três principais abordagens no tratamentodo diabetes melito do tipo 1.

Neste trabalho serão revisadas as respostas fisio-lógicas do portador de diabetes melito do tipo 1 ao exer-cício tanto agudo como crônico, destacando-se os be-nefícios da prática regular de atividade física na atenu-ação das disfunções metabólicas, cardiovasculares eautonômicas associadas a essa doença. Além disso,serão abordadas as avaliações necessárias para em-basar uma prescrição adequada de exercícios físicospara essa população, salientado-se os riscos associa-dos a essa conduta e as precauções para com o exer-cício.

RESPOSTAS FISIOLÓGICAS AOEXERCÍCIO FÍSICO AGUDO

Durante o exercício, o consumo de oxigênio (VO2)em todo o corpo aumenta em até 20 vezes, e esseaumento pode ser ainda maior nos músculos em ativi-dade. Com o objetivo de atender à demanda aumenta-da de energia da atividade física, o músculo esqueléti-co utiliza seus depósitos de glicogênio e triglicerídeospara re-síntese de ATP. Já está bem estabelecido queo exercício de alta intensidade (acima de 75% do VO2máximo) utiliza glicose como fonte energética primá-ria; todavia, atividades físicas moderadas ou leves (até70% do VO2 máximo) utilizam predominantemente áci-dos graxos livres, cuja utilização torna-se cada vez maispredominante em relação à utilização de glicose àmedida que o exercício se prolonga. Apesar do grandeaporte de glicose à musculatura em atividade, a glico-se sanguínea é mantida em níveis normais, pois ocor-

re redução da insulinemia e elevação de hormônioscontra-reguladores, como glucagon, cortisol, catecola-minas e hormônio do crescimento(8).

Durante o exercício, o transporte de glicose na cé-lula muscular aumenta, bem como a sensibilidade dacélula à ação da insulina. O transporte de glicose nomúsculo esquelético durante o exercício ocorre prima-riamente por difusão facilitada, usando proteínas trans-portadoras (GLUTs) cujos principais mediadores deativação são a insulina e o exercício, ou seja, é possí-vel haver translocação de GLUT4 para a membranamuscular durante o exercício mesmo na ausência deinsulina. A Figura 1 apresenta uma ilustração dos pos-síveis mecanismos pelos quais a glicose é transporta-da para o interior da célula em presença de insulina oudurante o exercício (sem a necessidade de insulina).Os mecanismos moleculares desencadeados pela in-sulina no processo de translocação do GLUT4 são bemconhecidos. A ligação da insulina a seu receptor namembrana plasmática determina autofosforilação dosresíduos de tirosina do receptor, fosforilação dos subs-tratos do receptor de insulina IRS-1 e IRS-2, e ativa-ção do fosfatidilinositol 3-quinase. Isso causa a trans-locação do GLUT4 para a membrana celular, com con-seqüente aumento do transporte de glicose para o in-terior celular. Em contrapartida, os mecanismos mole-culares envolvidos na translocação do GLUT4 em de-corrência do exercício, e independente da ação da in-sulina, não estão bem estabelecidos. Evidências pare-cem indicar que o cálcio liberado pelo retículo sarco-plasmático é um mediador desse processo de translo-cação, iniciando ou facilitando a ativação de moléculassinalizadoras intracelulares ou cascatas de sinalizaçãoque levam aos efeitos imediatos e prolongados do exer-cício sobre o transporte de glicose no músculo. A pro-teína quinase C é um exemplo dessas moléculas deativação dependente de cálcio. Existem também evi-dências de componentes autócrinos e parácrinos paraativação do transporte de glicose, tais como o óxidonítrico, a calicreína e a adenosina(9). Mais recentemen-te, alguns estudos têm proposto que a proteína quina-se ativada AMP (AMPK) pode ser um potencial regula-dor da translocação do GLUT4 em resposta à contra-ção muscular, ativando a via da PI 3-quinase(10).

Dessa forma, a possibilidade de indivíduos diabéti-cos do tipo 1 transportarem glicose para a musculatu-ra durante o exercício, independentemente da ação dainsulina, poderia contribuir para maior utilização dessesubstrato como fonte energética, favorecendo a redu-ção da hiperglicemia e a melhora do controle glicêmi-co. Corroborando essa hipótese, estudos em animaisdiabéticos demonstraram que durante o exercício físi-co a captação de glicose independente da insulina nes-ses animais aumenta de forma semelhante àquela des-crita em ratos saudáveis(11). Além disso, esse aumento

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do transporte de glicose e a melhora da sensibilidadeà insulina podem permanecer por períodos prolonga-dos após a sessão de exercício dinâmico, o que pode-ria ser benéfico no controle glicêmico de pacientes comdiabetes melito. No entanto, um estudo de Peltonimi ecolaboradores(12) demonstrou que indivíduos com dia-betes melito do tipo 1 com resistência à insulina apre-sentam defeito do transporte de glicose para o interiorda célula muscular em resposta ao estímulo insulínicoe também em resposta ao exercício isométrico quandocomparados a indivíduos não-diabéticos.

A dependência da reposição de insulina no diabéti-co do tipo 1 pode ocasionar deficiência ou excessodesse hormônio fundamental para a regulação meta-

Figura 1. Respostas glicê-micas de indivíduos diabé-ticos do tipo 1 duranteexercício físico leve-mode-rado. A interação entreconcentração de insulina ehormônios contra-regula-tórios determina a libera-ção hepática de glicose,que, associada à captaçãode glicose pelo tecido mus-cular (determinada pelaconcentração de insulina,pela sensibilidade à insuli-na e pelo transporte de gli-cose independente da in-sulina induzido pela con-tração muscular), pode in-duzir manutenção dos ní-veis glicêmicos ou, adver-samente, hiperglicemia ouhipoglicemia.

bólica em repouso e durante o exercício (Fig. 1). Nesseaspecto, é importante salientar que em indivíduos comdiabetes melito do tipo 1 a presença de hiperglicemia eníveis circulantes de insulina baixos quando do des-controle metabólico crônico podem levar a aumento daglicemia e da produção de corpos cetônicos com o exer-cício físico (mesmo em intensidade leve a moderada),decorrente de aumento de hormônios contra-regula-dores(13). Por outro lado, a presença de hiperinsuline-mia decorrente de administração exógena de insulinapode reduzir a mobilização de glicose e outros subs-tratos em resposta ao exercício físico e aumentar acaptação de glicose nos músculos, levando à hipogli-cemia. Somado a isso, o aumento da sensibilidade à

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insulina durante a ativida-de física favorece aindamais a ocorrência de hipo-glicemia(13, 14) (Fig. 1). Nor-malmente a maior exposi-ção à insulina ocorre emfunção do aumento do flu-xo muscular durante a ati-vidade física (que promo-ve grande captação de gli-cose) ou mesmo de oexercício ser realizado no

pico de ação da insulina exógena. Vários estudos têmrelatado hipoglicemia durante e após o exercício físico,merecendo essa alteração especial atenção no momen-to da prescrição da atividade, uma vez que a hipoglice-mia pode causar importantes alterações nas funçõesdo sistema nervoso central(14, 15).

Além da possibilidade de hipo ou hiperglicemia du-rante a sessão de exercício, deve-se ressaltar aindaque o VO2 máximo pode estar reduzido(16) e os níveisde lactato durante o exercício podem estar aumenta-dos(17) em indivíduos com diabetes melito do tipo 1 ati-vos. A redução do VO2 máximo está provavelmente as-sociada a prejuízo na função muscular esquelética (mi-opatia diabética)(18-21) e na função cardiovascular(23-25)

nesses sujeitos. Na miopatia diabética existem evidên-cias de alteração das proteínas contráteis(26) e aumen-to do estresse oxidativo(27), o qual poderia induzir alte-ração na via dos polióis(18) e redução da Na+K+ ATPa-se e Ca++ATPase da membrana muscular(18, 19). Alémdisso, um estudo recente evidenciou redução do meta-bolismo oxidativo com conseqüente aumento do meta-bolismo glicolítico durante o exercício em diabéticos dotipo 1, sugerindo a possibilidade de acúmulo de lipíde-os e de resistência à insulina semelhante aos observa-dos no diabetes melito do tipo 2(28).

Por fim, é importante salientar que o exercício agu-do pode falsamente incrementar a excreção de albu-mina, um marcador de nefropatia em pacientes comdiabetes melito(29), pois aumenta a pressão intravascu-lar nas artérias e arteríolas, levando ao aumento dapressão glomerular e da filtração de albumina. Recen-temente, Lane e colaboradores(30) demonstraram quea excreção urinária de albumina não ultrapassa valo-res de normalidade após exercício moderado ou inten-so em indivíduos portadores de diabetes melito do tipo1, normoalbuminúricos e normotensos. Em contrapar-tida, pacientes com diabetes melito do tipo 1 microal-buminúricos apresentam aumento da excreção de al-bumina e maior aumento da pressão arterial sistólicainduzidos pelo exercício físico(31). Alguns autores têmsugerido que a exagerada resposta albuminúrica cau-sada pelo exercício poderia ser considerada um mar-cador prognóstico precoce de nefropatia diabética(29).

RESPOSTAS FISIOLÓGICAS AOEXERCÍCIO FÍSICO CRÔNICO

A Figura 2 sumariza alguns dos benefícios do trei-namento físico dinâmico em humanos e em modelosanimais de diabetes melito do tipo 1.

Benefícios no controle metabólicoEstudos demonstram que o treinamento físico di-

nâmico em diabéticos do tipo 1 melhora a sensibilida-de à insulina, mas normalmente não induz melhora nocontrole glicêmico(32-34). Em 1984, Zinman e colabora-dores(32) demonstraram que o treinamento físico nãomodificou a glicemia, a hemoglobina glicosilada ou areposição de insulina em indivíduos com diabetes me-lito do tipo 1. Entretanto, Mosher e colaboradores(35) evi-denciaram redução dos níveis de hemoglobina glicosi-lada em adolescentes portadores de diabetes melitodo tipo 1 submetidos a treinamento físico. Um estudoenvolvendo 142 portadores de diabetes melito do tipo1 em idade escolar (6 a 18 anos) evidenciou que o tem-po semanal gasto com atividades físicas foi maior nes-se grupo comparativamente com 97 crianças não-dia-béticas. Neste trabalho foram observadas correlaçõesentre o aumento das atividades esportivas com a re-dução da reposição diária de insulina, mas não comalterações da hemoglobina glicosilada(34). A melhora daação insulínica, predominantemente no tecido muscu-lar esquelético, induzida pelo treinamento físico dinâ-mico inclui várias adaptações, entre elas aumento dadensidade capilar e do conteúdo de GLUT4, alteraçõespara fibras musculares mais sensíveis à ação insulíni-ca, possíveis alterações da composição de fosfolípi-des do sarcolema, aumento da atividade de enzimasglicolíticas e oxidativas, e aumento da atividade da gli-cogênio sintetase(26). Apesar de a melhora do controleglicêmico não ser um achado universal em portadoresde diabetes melito do tipo 1 treinados, a redução daresistência à insulina, também presente no diabetesmelito do tipo 1, induzida pelo treinamento físico dinâ-mico pode promover outros efeitos benéficos, incluin-do melhora cardiovascular e do perfil lipídico(33, 36), osquais podem potencialmente reduzir a morbidade e amortalidade nessa população.

O controle glicêmico é o principal fator que interferesobre a concentração lipídica dos portadores de dia-betes melito do tipo 1. Os pacientes com diabetes me-lito do tipo 1 descompensados têm níveis mais altosde triglicérides e colesterol quando comparados aosnão-diabéticos(37). Khawali e colaboradores(38) verifica-ram melhora do perfil lipídico independentemente damelhora do controle glicêmico em adolescentes porta-dores de diabetes melito do tipo 1 que aderiram a umprograma de exercícios e controle alimentar por oitodias. Outros estudos também demonstraram melhora

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do perfil lipídico após trei-namento físico (poucosdias a três meses) em por-tadores de diabetes meli-to do tipo 1, incluindo re-dução dos níveis de coles-terol total, de colesterol delipoproteína de baixa den-sidade (LDL-colesterol) ede triglicérides, e aumen-

Figura 2. Evidências clínicas e experimentais dos benefícios do treinamento físico dinâmico na atenuação dasdisfunções metabólica, autonômica e cardiovascular no diabetes melito do tipo 1. FC = freqüência cardíaca.

duração parece haver essa correlação(45). A microalbu-minúria pode ser decorrente da hiperglicemia, que au-menta o estresse oxidativo e acaba por provocar lesãona microvasculatura renal(46), associada a distúrbios li-pídicos que favorecem a aterogênese, a deposição delipídeos nas células mesangiais glomerulares, o quepode evoluir para glomerulosclerose(47).

Nesse aspecto, o treinamento físico tem sido reco-nhecido como uma forma de aumentar as defesas an-tioxidantes e de reduzir o estresse oxidativo(48), bemcomo de melhorar o perfil lipídico(39, 40), sugerindo me-canismos benéficos para reduzir as lesões renais. Ape-sar de o exercício agudo às vezes induzir aumento daexcreção de albumina em portadores de diabetes me-lito do tipo 1 (conforme discutido anteriormente), tra-balhos experimentais têm demonstrado que a ativida-de física realizada de forma regular não prejudica afunção renal, podendo inclusive atenuar alguns sinto-mas da nefropatia diabética. Albright e colaboradores(49)

verificaram, em ratos diabéticos induzidos por estrep-tozotocina, um modelo experimental de diabetes meli-

to do colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol) plasmático(39, 40). Todavia, trabalhos demons-tram redução(41) ou manutenção(39) dos níveis da lipo-proteína (a), que é considerada um fator de risco cardi-ovascular, após um período de condicionamento emsujeitos com diabetes melito do tipo 1. Esses achadosem conjunto parecem comprovar o benefício do treina-mento físico no perfil lipídico do diabetes melito do tipo1, sugerindo que essa abordagem não-farmacológicarepresenta uma alternativa terapêutica que deve serconsiderada nessa população, uma vez que não hásuporte na literatura para justificar o uso de agentesredutores de lipídeos na prevenção primária das com-plicações do diabetes melito.

Possíveis benefícios na função renalNo desenvolvimento da nefropatia diabética, anor-

malidades no perfil lipídico são detectadas em paralelocom discretas elevações da excreção urinária de albu-mina(42). Além disso, aumento do colesterol total, doLDL-colesterol e dos triglicérides e redução do HDL-

coleterol são achados mais freqüentes na vigência demicroalbuminúria(43), sugerindo que tal perfil aterogêni-co poderia explicar a razão pela qual a microalbuminú-ria é preditiva de mortalidade cardiovascular no diabe-tes melito do tipo 1(44). Os estudos demonstram que,dentro de níveis normais de albuminúria, parece nãohaver associação da excreção urinária de albumina comas lipoproteínas em jovens com diabetes melito do tipo1 com controle glicêmico estável(33); entretanto, em pa-cientes mais velhos e com diabetes melito de longa

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to do tipo 1, que o treina-mento físico aeróbio ate-nuou o aumento do volu-me do mesângio além denão aumentar os danosrenais induzidos pela neu-ropatia diabética. Estudosrecentes de nosso grupodemonstraram que o trei-namento físico de dez se-manas em esteira ergomé-trica reduziu a poliúria e a

glicosúria em animais diabéticos. Esses achados fo-ram correlacionados com redução da glicemia, e coma proteinúria e a uremia(50), sugerindo que treinamentofísico aeróbio melhora o perfil metabólico, sem, no en-tanto, promover benefícios importantes na nefropatiadiabética. Apesar de os estudos clínicos e experimen-tais não terem demonstrado de forma consistente me-lhoras induzidas pelo condicionamento físico nas dis-funções crônicas da nefropatia diabética, trabalhosdemonstram melhora da função muscular, da capaci-dade de exercício e da disfunção ventricular e autonô-mica em indivíduos com nefropatia(51, 52). De acordo comesses achados em pacientes com doença renal crôni-ca, estudos demonstram aumento da força muscularapós treinamento em portadores de diabetes melito dotipo 1(20, 21). Entretanto, deve-se ressaltar que ainda sãopoucos os estudos clínicos na literatura que incluíramindivíduos diabéticos na população de nefropatas sub-metidos a treinamento físico, havendo a necessidadede trabalhos futuros que avaliem o efeito dessa práticaem portadores de diabetes melito do tipo 1 com nefro-patia.

Benefícios nas funções autonômica ecardiovascular

A nefropatia é o principal preditor de doença cardi-ovascular em portadores de diabetes melito do tipo 1(25).Estudos com pacientes com diabetes melito do tipo 1evidenciaram que a presença de microalbuminúria au-menta em oito vezes a incidência de doença arterialcoronariana(25) e em três vezes o risco de morte cardi-ovascular(53). Entre pacientes diabéticos sem nefropa-tia, o melhor preditor de doença arterial coronariana éo tempo de diabetes melito, a ocorrência prévia de in-farto do miocárdio e o controle glicêmico inadequado(53).De fato, uma meta-análise que incluiu 6 estudos (n =1.732) verificou que a insulinoterapia intensa, que de-terminou bom controle glicêmico, reduziu o número to-tal de eventos cardiovasculares, apesar de não ter al-terado de forma significativa a mortalidade de portado-res de diabetes melito do tipo 1(54).

O modelo experimental de diabetes melito por es-treptozotocina tem sido utilizado por muitos investiga-

dores no estudo das alterações metabólicas, cardio-vasculares e autonômicas do diabetes melito. Ratos di-abéticos por estreptozotocina apresentam muitas alte-rações semelhantes às observadas em humanos por-tadores de diabetes melito do tipo 1, tais como hiper-glicemia, hipoinsulinemia, glicosúria, poliúria, perda depeso, neuropatia, nefropatia e cardiopatia(23, 50). Em nos-so grupo, temos utilizado esse modelo na busca damelhor compreensão das disfunções do controle auto-nômico do sistema cardiovascular. Estudos de nossolaboratório demonstraram redução da pressão arteriale da freqüência cardíaca desde 5 até 80 dias após aindução do diabetes melito(23, 55-58). Os mecanismos en-volvidos nessas disfunções ainda não estão perfeita-mente esclarecidos, mas existem evidências consisten-tes do envolvimento de alterações da freqüência cardí-aca intrínseca, do tônus vagal e do controle reflexo car-diovascular (barorreflexo e quimiorreflexo) nesse pre-juízo cardiovascular(23, 55, 59). Além disso, trabalhos denosso grupo vêm evidenciando os efeitos benéficos dotreinamento físico dinâmico (dez semanas em esteiraergométrica) nas disfunções desse modelo experimen-tal(23, 58, 59). Verificou-se que o treinamento físico norma-liza a hipotensão e a bradicardia basais observadasem ratos com diabetes melito por estreptozotocina se-dentários. A normalização dos níveis pressóricos nes-ses animais parece estar relacionada ao aumento dodébito cardíaco, produto do aumento da freqüênciacardíaca basal e da melhora da contratilidade miocár-dica(23, 58). A reversão da bradicardia do diabetes melitoem animais treinados foi positivamente correlacionadacom o aumento da freqüência cardíaca intrínseca(58). Aredução dos fluxos sanguíneos renal, cardíaco e mus-cular decorrente do diabetes melito por estreptozotoci-na também é atenuada após o condicionamento físi-co(59).

A prevalência de disfunção autonômica cardíaca emdiabéticos é alta(60) e afeta a modulação do nodo sino-atrial, reduzindo a variabilidade da freqüência cardía-ca(24), além de diminuir a sensibilidade dos reflexosautonômicos(55, 57, 59), sendo em parte responsável pelaredução da expectativa de vida nessa doença(61). Ho-worka e colaboradores(24) verificaram que doze sema-nas de exercícios em bicicleta ergométrica induziramaumento da variabilidade da freqüência cardíaca, emdecorrência da melhora autonômica, em portadores dediabetes melito do tipo 1 sem neuropatia ou com dis-função autonômica cardíaca recente. Todavia, essebenefício não foi observado em pacientes com diabe-tes melito do tipo 1 com neuropatia definitiva ou seve-ra. Um estudo recente de Larsen e colaboradores(62)

evidenciou que 18 anos de rígido controle glicêmicoforam associados à preservação da função autonômi-ca cardíaca em portadores de diabetes melito do tipo1, enquanto pacientes com diabetes melito do tipo 1

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que no mesmo períodonão apresentaram boa re-gulação glicêmica apre-sentaram neuropatia ao fi-nal do estudo. De acordocom esses achados, resul-tados recentes de nossogrupo evidenciaram que amelhora da glicemia de je-jum induzida pelo treina-mento físico estava positi-vamente correlacionada

com aumento da variabilidade da freqüência cardíacaem ratos diabéticos treinados(50).

A sensibilidade dos pressorreceptores é uma exce-lente medida de função autonômica. Os pressorrecep-tores estão localizados principalmente na crossa da aor-ta e no seio carotídeo, e pelo seu alto ganho constitu-em-se na forma mais importante de controle da pres-são arterial em curto prazo, ou seja, momento a mo-mento. Além do controle reflexo da atividade autonô-mica, os pressorreceptores também exercem controletônico sobre a atividade simpática (inibição) e paras-simpática (estimulação)(63). Assim, o comprometimentoda função dos pressorreceptores poderia atuar comoelemento permissivo ao estabelecimento de alteraçõesprimárias de outros mecanismos de controle da fun-ção cardiovascular, por não modular adequadamentea atividade tanto simpática como parassimpática. Re-centemente, o prejuízo no controle reflexo da circula-ção comandado pelos pressorreceptores tem sido re-conhecido também como um importante preditor de ris-co após evento cardiovascular. Um estudo de La Rove-re e colaboradores(64) demonstrou que indivíduos pós-infarto submetidos a um mês de treinamento físico di-nâmico e que melhoravam a sensibilidade dos pres-sorreceptores após esse período apresentavam mor-talidade ao longo de dez anos muito menor que indiví-duos não treinados ou treinados que não melhoravamesse reflexo.

Estudos em humanos e em ratos demonstraram queo diabetes melito atenua a sensibilidade dos pressor-receptores(55, 57, 59, 65). Loimaala e colaboradores(65) veri-ficaram que o treinamento físico por doze meses ate-nuou a disfunção barorreflexa em portadores de dia-betes melito do tipo 2. Corroborando esses dados empacientes, recentemente resultados de nosso grupoevidenciaram que o treinamento físico aeróbio por dezsemanas em ratos diabéticos normalizou o reflexo pres-sorreceptor e quimiorreceptor, este último um reflexoautonômico desencadeado por alterações do pH e/ouda pressão de oxigênio e de dióxido de carbono san-guíneos(59, 66).

Além disso, muitos portadores de diabetes melitodo tipo 1, no curso temporal das complicações relacio-

nadas a essa doença, apresentam hipertensão. Em in-divíduos hipertensos, o treinamento físico dinâmico pro-move redução dos níveis pressóricos no período derepouso(67). Todavia, poucos estudos avaliaram os efei-tos do treinamento físico na associação de diabetesmelito e hipertensão. Lehmann e colaboradores(40) de-monstraram que pacientes com diabetes melito do tipo1, limítrofes para hipertensão, submetidos a um pro-grama de exercícios aeróbios por três meses, apresen-tavam aumento do VO2 máximo e redução da pressãoarterial e da freqüência cardíaca, com melhora do per-fil lipídico, independentemente de melhora glicêmica.

Anormalidades cardíacas foram observadas em por-tadores de diabetes melito do tipo 1 relativamente jo-vens, sem hipertensão ou doença arterial coronarianae aparentemente saudáveis(68). A disfunção diastólicado ventrículo esquerdo é uma alteração comum e pre-coce no diabetes melito. Seu achado sugere compla-cência reduzida ou relaxamento prolongado, e relacio-na-se a pior desempenho durante exercício físico, mes-mo sem ser acompanhada de disfunção sistólica(69). Es-tudos realizados em nosso laboratório em coraçõesisolados de ratos com diabetes melito por estreptozo-tocina demonstraram prejuízo nas derivadas de con-tração e relaxamento do ventrículo esquerdo, sem al-teração da pressão sistólica ventricular em relação acorações de animais normais. O treinamento físico di-nâmico reverteu essas disfunções cardíacas, normali-zando a função ventricular de corações de ratos diabé-ticos treinados(58).

Da mesma forma, disfunção endotelial é uma alte-ração comum no diabetes melito. O aumento do fluxosanguíneo para a musculatura esquelética durante oexercício físico aumenta o estresse sobre a paredevascular, induzindo maior liberação de óxido nítrico e,conseqüentemente, vasodilatação. Essa vasodilataçãoadaptativa do leito muscular é benéfica, uma vez quese contrapõe aos fatores vasoconstritores usualmentepresentes na disfunção vascular, podendo ser obser-vada inclusive em longo prazo(70). Três meses de trei-namento físico reduziram os níveis de trombomoduli-na, um marcador de dano endotelial, em portadoresde diabetes melito do tipo 1, e esse efeito foi correlaci-onado com aumento do consumo de oxigênio nessespacientes(71). Fuchsjager-Mayrl e colaboradores(72) de-monstraram que quatro meses de treinamento físicomelhoraram o VO2 máximo e a função endotelial emportadores de diabetes melito do tipo 1 (~20 anos dediabetes melito), sugerindo que esses benefícios emdiabéticos, que apresentam considerável risco de de-senvolvimento de doença micro e macrovascular, po-deriam induzir redução da morbidade e da mortalidadenessa população. Além disso, esses autores compro-varam a importância da continuidade do programa deatividades físicas, já que verificaram que oito semanas

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de destreinamento nessesmesmos pacientes induzi-ram retorno dos efeitosbenéficos do condiciona-mento físico aos valoresobservados em diabéticossedentários(72).

Possíveis benefícios dosexercícios resistidos

Cabe salientar que osbenefícios fisiológicos ob-

tidos por meio do treinamento físico dependem de ocomponente predominante da atividade física ser es-tático ou dinâmico. Dessa forma, os dados obtidos emtrabalhos com animais e humanos parecem comprovarque indivíduos portadores de diabetes melito do tipo 1treinados, especialmente com exercícios aeróbios e di-nâmicos, tendem a apresentar atenuação das disfunçõesmetabólicas, cardiovasculares e autonômicas após pro-grama de condicionamento(24, 34, 38, 40, 49, 50, 58, 59). No entan-to, os efeitos do uso de exercícios resistidos ou de for-ça sobre as disfunções crônicas do diabetes melito dotipo 1 permanecem pouco esclarecidos. Cronicamenteo treinamento físico resistido induz melhoras musculo-esqueléticas, como, por exemplo, aumento da forçamuscular e aumento da densidade óssea em indivídu-os normoglicêmicos.

Os estudos iniciais dos benefícios do treinamentofísico resistido em indivíduos diabéticos apresentaramresultados positivos. Farrel e colaboradores(73) demons-traram que oito semanas de treinamento físico resisti-do em ratos diabéticos induziram redução da glicemiaassociada a ganho de massa muscular. Brankston ecolaboradores(74) verificaram que um programa de exer-cícios resistidos associado a dieta foi mais eficiente quesimplesmente a dieta em reduzir a reposição de insuli-na em mulheres com sobrepeso e diabetes gestacio-nal. Além disso, existem dados na literatura de benefí-cios do treinamento resistido na ação insulínica em in-divíduos intolerantes à glicose(75), no ganho de massamuscular e na redução da massa gorda(76), no controleglicêmico(76, 77) e na redução da pressão arterial(77) emidosos com diabetes melito do tipo 2. Deve-se ressal-tar, no entanto, que não existe um consenso na litera-tura com relação aos benefícios metabólicos, quantomais cardiovasculares e autonômicos, dos exercíciosresistidos na promoção da saúde em portadores dediabetes melito do tipo 1.

RECOMENDAÇÕES PARA A PRÁTICADE ATIVIDADES FÍSICAS

Todos os portadores de diabetes melito do tipo 1devem ser submetidos a história e exame físico, com

especial ênfase na pesquisa das complicações crôni-cas do diabetes melito. Um teste ergométrico, e se pos-sível ergoespirométrico, é recomendado para todosaqueles diabéticos com mais de 35 anos ou com maisde 25 anos e com diabetes melito do tipo 1 há mais dequinze anos. Pacientes com presença de outro fator derisco para doença arterial coronariana, complicação mi-crovascular, nefropatia, doença vascular periférica eneuropatia tanto periférica como autonômica devem sercuidadosamente avaliados, conforme recomendaçõesda “American Diabetes Association”(13).

A hiperglicemia (> 250 mg/dl com cetose ou > 300mg/dl mesmo sem cetose) ou as glicemias reduzidas(< 100 mg/dl) prévias à atividade física devem ser cor-rigidas, por representarem fatores de risco para o de-senvolvimento de cetose e hipoglicemia, respectiva-mente. Recomenda-se a ingesta adicional de carboi-dratos (15 g a 30 g) se os níveis de glicose forem < 100mg/dl(13). A hipoglicemia pode ocorrer durante, imedia-tamente depois ou muitas horas após a atividade físicae pode ser evitada. Isso requer que o paciente tenhaconhecimento adequado das respostas metabólicas ehormonais à atividade física e capacidade de autoge-rência de sua glicemia. Nos pacientes com diabetesmelito do tipo 1 deve ser dada ênfase a ajustes da tera-pêutica de reposição de insulina, para que esses indi-víduos possam participar com segurança de ativida-des físicas usuais na sua idade(13). Programas educa-cionais são extremamente importantes para portado-res de diabetes melito do tipo 1 para que estes pos-sam realizar o manejo de seus níveis glicêmicos(13).Rabasa-Lhoret e colaboradores(78) avaliaram a apropri-ada redução da dose de insulina pré-refeição (25% a100%) para exercícios realizados em diferentes inten-sidades (25%, 50% e 75% VO2 máximo) e durações(30 minutos e 60 minutos) no período pós-pradial empacientes diabéticos portadores de diabetes melito dotipo 1, sugerindo parâmetros de redução da reposiçãoinsulínica a fim de evitar hipoglicemia durante o exercí-cio nesses indivíduos. Todavia, ajustes na reposiçãode insulina devem sempre ser realizados segundo pres-crição médica. A atividade física deve ser realizada pelomenos uma hora após a reposição de insulina, evitan-do, assim, que esta seja absorvida muito rapidamenteou seu pico máximo de ação, situações que poderiaminduzir hipoglicemia(13, 14). Em exercícios prolongadosde intensidade leve a moderada recomenda-se a in-gestão de carboidratos durante (10 g a 15 g a cada 30minutos) e/ou após a sessão para evitar a hipoglice-mia. Outras recomendações úteis para evitar a hipo-glicemia, além de redução da reposição de insulina,tempo de aplicação pré-exercício e ingesta de car-boidratos, são que o indivíduo diabético se exercitecom um parceiro e que tenha conhecimento dos sin-tomas da hipo e da hiperglicemia, sabendo inclusive

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DE ANGELIS K e cols.Exercício físico ediabetes melito

do tipo 1

como proceder nessassituações(13, 14, 79).

Alguns cuidados de-vem ser tomados em pa-cientes com neuropatia eretinopatia, como, porexemplo, uso de sapatosadequados, cuidados coma higiene dos pés, e evitara realização de exercíciosem ambientes muito quen-tes e a prática de exercíci-

os que mudem muito rapidamente de posição ou queelevem muito a pressão arterial(13, 14).

Além disso, em indivíduos diabéticos e hipertensosrecomenda-se o controle estrito da pressão arterial. Apressão arterial sistólica deverá ser mantida abaixo de130 mmHg e a pressão arterial diastólica, inferior a 80mmHg. A hipertensão moderada a grave (sistólica ≥ 160mmHg ou diastólica ≥ 100 mmHg) deve ser controladaantes do início de programa de exercícios físicos(13, 79).

PRESCRIÇÃO DE ATIVIDADE FÍSICA

Revisões recentes têm enfocado a prescrição cien-tífica e segura de atividade física para portadores dediabetes melito do tipo 1, devendo ser consultadas eseguidas(13, 14, 80). Todos os níveis de atividade física, in-cluindo atividades de lazer, esportes recreacionais ecompetitivos/alto desempenho, podem ser realizadospor sujeitos com diabetes melito do tipo 1 sem compli-cações e com bom controle glicêmico(13).

Conforme o “American College of Sports Medici-ne”(79), dentro da rotina de exercícios para os indivídu-os diabéticos devem fazer parte três grupos de exercí-cios: exercícios aeróbios, exercícios resistidos e exer-cícios de flexibilidade. Exercícios aeróbios devem serrealizados três a cinco vezes por semana por 20 a 60minutos a 40%-85% do VO2 máximo ou a 55%-90% dafreqüência cardíaca máxima. O treinamento resistidopode ser realizado com a utilização de pesos livres,aparelhos com carga, elásticos, halteres e materiaisadaptados, como sacos de areia e bastões de madei-ra. Colberg e Swain(14) recomendam que os exercíciosresistidos devem incluir pelo menos 8 a 10 exercíciosdiferentes, usando grandes grupos musculares com afreqüência de duas a três vezes por semana. Todavia,especial atenção deve ser dada à prescrição de exer-cícios resistidos em portadores de diabetes melito dotipo 1 com complicações crônicas da doença como hi-pertensão. Nesses indivíduos, o exercício resistido deveser prescrito em intensidade baixa-moderada (~40%da carga voluntária máxima), com aumento do número

de repetições, porém sem que seja atingida a exaus-tão, ou seja, até uma fadiga moderada. Recomenda-seque também seja levado em consideração o cansaçofísico subjetivo durante os exercícios aeróbios e resis-tidos, devendo este permanecer entre ligeiramente can-sativo e cansativo. Os exercícios de flexibilidade de-vem ser incorporados à rotina de exercícios com umafreqüência de duas a três vezes por semana para mini-mizar o prejuízo na flexibilidade decorrente da glicosi-lação de várias estruturas articulares. Além disso, exer-cícios de alongamento (5 a 10 minutos) devem ser re-alizados em todos os dias das sessões de treinamen-to, no aquecimento ou no pós-sessão. Por fim, aqueci-mento e relaxamento são recomendados independen-temente do tipo de atividade realizada, consistindo de5 a 10 minutos de atividades aeróbias de baixa intensi-dade(14, 79).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de a prevalência do diabetes melito do tipo1 ser muito menor que a do diabetes melito do tipo 2,deve-se ressaltar que essa afecção é normalmente di-agnosticada nas primeiras décadas de vida, obrigandoo indivíduo a iniciar a insulinoterapia diária e a convi-ver com esse tratamento e os sintomas dessa doençapor toda a vida. Nas crianças e nos adolescentes dia-béticos, a aderência ao tratamento, com base não sóna reposição de insulina mas também em cuidados ali-mentares e programas de atividade física, depende daeducação desse indivíduo por uma equipe multidisci-plinar, e visa ao equilíbrio tanto físico como psíquico esocial do diabético. Apesar de normalmente não me-lhorar o controle glicêmico, a atividade física regular érecomendada para pacientes com diabetes melito dotipo 1 em razão de seus vários efeitos benéficos sobreo controle metabólico e sobre o risco cardiovascular,além de seu papel importante na prevenção das com-plicações crônicas das doenças. Somado a isso, o bai-xo custo, a natureza não-farmacológica e os benefíci-os psicossociais de uma vida menos sedentária e maisintegrada ao grupo de convivência aumentam aindamais o apelo da terapêutica por meio do exercício físi-co. Todavia, para que esses benefícios sejam alcança-dos deve-se respeitar a individualidade biológica dopaciente e seguir as recomendações em termos deavaliação, acompanhamento e prescrição de exercíci-os físicos. Por fim, é importante ressaltar que o desafioatual consiste no desenvolvimento e na aplicação deestratégias que permitam que portadores de diabetesmelito do tipo 1 participem de maneira segura e agra-dável de atividades físicas regulares que sejam condi-zentes com seus estilos de vida e cultura.

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Key words: type 1 diabetes, exercise, metabolic profile, cardiovascular dysfunction,autonomic dysfunction.

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dislipidemias

INTRODUÇÃO

Há cerca de 40 anos, a comunidade científica reco-nheceu a necessidade de se introduzir uma classificaçãodas dislipidemias, no intuito de ordenar os defeitos meta-bólicos então conhecidos. Essa classificação permitiu quese criasse uma linguagem científica universal, facilitandoo diagnóstico, o tratamento, bem como a evolução e oprognóstico das dislipidemias. Nesse sentido, com basenos métodos laboratoriais validados na época, a Organi-zação Mundial da Saúde referendou a classificação feno-típica de Fredrickson e colaboradores(1), em 1970, queainda hoje constitui um método prático de se identificareventual defeito lipídico metabólico.

Além da classificação fenotípica, as dislipidemias sãoclassificadas de acordo com as determinações bioquími-cas e sua etiologia. A Tabela 1 apresenta os valores nor-mais do perfil lipídico em indivíduos com mais de 20 anosde idade.

CLASSIFICAÇÃO BIOQUÍMICA

A classificação bioquímica(2) considera a determina-ção do colesterol total, dos triglicérides e do colesterol delipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol) por meiode métodos diretos de determinação. Não discrimina ospadrões das diferentes lipoproteínas. Compreende qua-tro tipos principais bem definidos:

CLASSIFICAÇÃO DAS DISLIPIDEMIAS

ANA PAULA MARTE CHACRA, JAYME DIAMENT, NEUSA A. FORTI

Unidade Clínica de Dislipidemias – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Bloco II –2º andar – sala 4 – Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP

Os autores ressaltam a importância de uma classificação das dislipidemias acei-ta pela comunidade científica, o que facilita o estabelecimento do diagnóstico e amelhor terapêutica, bem como o prognóstico das mesmas. Além da propedêuticados distúrbios lipoprotéicos, são abordados aspectos genéticos das principais disli-pidemias.

Palavras-chave: lipoproteínas séricas, dislipidemias, classificação, etiologia.

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a) Hipercolesterolemia isolada: elevação isolada do co-lesterol total, que corresponde ao aumento do colesterolde lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol).b) Hipertrigliceridemia isolada: elevação isolada dos tri-glicérides, que reflete o aumento das partículas de lipo-proteína de densidade muito baixa (VLDL) ou dos quilo-mícrons ou de ambos.c) Hiperlipidemia mista: valores aumentados de coleste-rol total e triglicérides, em proporções variáveis.d) HDL-colesterol baixo: isolado ou em associação comaumento de LDL-colesterol ou de triglicérides.

CLASSIFICAÇÃO FENOTÍPICA

A classificação proposta por Fredrickson e colabora-dores(1) (Tab. 2) foi baseada nos métodos de eletroforesee ultracentrifugação, além da aparência do plasma obtidode amostra no jejum, após 24 horas de repouso a 4oC(geladeira comum). Essa classificação considera as ca-tegorias das lipoproteínas(1, 3, 4) e admite os seguintes fe-nótipos:a) Tipo I: colesterol total normal ou pouco elevado e hi-pertrigliceridemia às custas do excesso de quilomícrons.A aparência do plasma de jejum, após 24 horas, apre-senta camada cremosa acima de uma coluna líquida deplasma transparente. Pela eletroforese, observa-se den-sa faixa de quilomícrons, e as demais faixas podem nãoser visíveis.

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CHACRA APM e cols.Classificação das

dislipidemias

b) Tipo IIa: aumento de colesterol total às custas da ele-vação das betalipoproteínas. O plasma de jejum, após 24horas, mostra-se límpido. O colesterol está elevado e ostriglicérides estão dentro dos valores normais. Na eletro-forese há uma faixa de betalipoproteínas intensamentecoradas e na ultracentrifugação observa-se aumento dosníveis plasmáticos de LDL-colesterol, com VLDL-coleste-rol normal e HDL-colesterol variável.c) Tipo IIb: elevação plasmática concomitante do coleste-rol total e dos triglicérides às custas de aumento de pré-beta e betalipoproteínas. O plasma de jejum é geralmen-te turvo. A eletroforese mostra faixas de beta e pré-beta-lipoproteínas, intensamente coradas e separadas, e a ul-tracentrifugação exibe aumento da LDL e da VLDL.d) Tipo III: relativamente incomum, caracteriza-se por umafração de VLDL com mobilidade eletroforética anormal;esse fenótipo é conhecido como doença da beta larga. Oplasma de jejum, após 24 horas, é turvo, com leve cama-da cremosa na parte superior, que corresponde aos qui-lomícrons. A banda beta da eletroforese está alargada,correspondendo à elevação das lipoproteínas de densi-dade intermediária (IDL). As concentrações de colesteroltotal e triglicérides estão elevadas e a relação colesteroltotal/triglicérides é de aproximadamente 1.e) Tipo IV: aumento dos triglicérides em decorrência doacúmulo das pré-betalipoproteínas, correspondente à ele-vação das VLDL. O colesterol total é normal ou poucoaumentado, às custas do colesterol contido nas VLDL. Oplasma tem aspecto turvo.f) Tipo V: colesterol total pouco aumentado e aumento

Tabela 1. Valores de referência para o diagnóstico das dislipidemias em adultos >20 anos.

Lípides Valores Nível

Colesterol total < 200 Ótimo200-239 Limítrofe≥ 240 Alto

LDL-colesterol < 100 Ótimo100-129 Desejável130-159 Limítrofe160-189 Alto≥ 190 Muito alto

HDL-colesterol < 40 Baixo> 60 Alto

Triglicérides < 150 Ótimo150-200 Limítrofe201-499 Alto≥ 500 Muito alto

LDL-colesterol = colesterol de lipoproteína de baixa densidade; HDL-colesterol =colesterol de lipoproteína de alta densidade.

importante dos triglicérides por elevação concomitante dequilomícrons e pré-betalipoproteínas. O plasma de jejumapresenta uma camada cremosa, superior, que corres-ponde aos quilomícrons, e outra turva, inferior, que cor-responde aos triglicérides endógenos.

A classificação fenotípica não define a etiologia dasdislipidemias, não diferencia as primárias das secundári-as, mas tem sido útil na caracterização dessas anormali-dades.

A eletroforese de lipoproteínas é usada eventualmen-te a fim de diferenciar quando a elevação de triglicéridesé procedente de fontes alimentares (triglicérides contidosnos quilomícrons) ou de partículas ricas em triglicéridesde origem endógena (VLDL produzida pelo fígado, como,por exemplo, em indivíduos com alta ingestão de carboi-dratos)(5, 6).

Entretanto, estabelecer o fenótipo das lipoproteínasplasmáticas não substitui o diagnóstico da etiologia dadislipidemia.

Por serem métodos mais caros, tanto a eletroforesecomo a ultra-centrifugação não são feitas de rotina; a ele-troforese, como mencionado, tem utilidade na presençade hipertrigliceridemias graves e é também indicada nasuspeita diagnóstica da dislipidemia tipo III(6).

CLASSIFICAÇÃOETIOLÓGICA

Diante de concentrações anormais de lípides no plas-ma, é necessária a identificação das causas da dislipide-mia. De acordo com sua etiologia, as dislipidemias são

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classificadas como primári-as ou secundárias.Dislipidemias primárias

As dislipidemias primá-rias caracterizam-se por au-mento ou diminuição dos lí-pides plasmáticos, resultan-tes de alterações genéticasque interferem com os me-canismos de síntese ou re-

Tabela 2. Classificação fenotípica das hiperlipidemias (Fredrickson).

Lipoproteínas Lípides Aparência(principal alteração) (valores mais comuns) do plasma

Fenótipo QM VLDL IDL LDL CT (mg/dl) TG (mg/dl) ou soro

Tipo I ↑↑↑ 160-400 1.500-5.000 Sobrenadantecremoso

Tipo IIa ↑ a ↑↑↑ > 240 < 200 TransparenteTipo IIb ↑ a ↑↑ ↑ a ↑↑↑ 240-500 200-500 TurvoTipo III ↑↑ a ↑↑↑ 300-600 300-600 TurvoTipo IV ↑ a ↑↑↑ < 240 300-1.000 TurvoTipo V ↑ a ↑↑↑ ↑ a ↑↑↑ 160-400 1.500-5.000 Camada superior

cremosaCamada inferiorturva

QM = quilomícron; VLDL = lipoproteína de densidade muito baixa; IDL = lipoproteína de densidade intermediária;CT = colesterol total; TG = triglicérides.

moção das lipoproteínas circulantes. Algumas dessasdislipidemias manifestam-se em função da influênciaambiental, incluindo dieta inadequada e/ou sedentaris-mo. As dislipidemias primárias englobam as hiperlipide-mias e as hipolipidemias. Serão abordadas, a seguir, asprincipais hiperlipidemias genéticas.Hipercolesterolemia familiar

A hipercolesterolemia familiar é uma doença genéti-ca, com transmissão autossômica dominante, o que con-fere dois genótipos: os homozigóticos, que praticamentenão expressam receptores para remoção do LDL-coles-terol, com níveis muito elevados de colesterol plasmático,e os heterozigóticos, com expressão parcial dos recepto-res e níveis de colesterol não tão elevados como na for-ma heterozigótica. A heterozigótica é mais freqüente eacomete cerca de 1:500 pessoas da população; a formahomozigótica, muito rara, tem prevalência de1:1.000.000(7). A concentração plasmática de LDL-coles-terol, nos heterozigóticos, oscila entre 250 mg/dl e 450mg/dl. Nos homozigóticos, esses valores são mais pro-nunciados, podendo-se observar níveis entre 550 mg/dle 950 mg/dl. Xantomas tuberosos na face dorsal das mãos,nos joelhos, nos cotovelos e no tendão de Aquiles, alémde xantelasma e arco córneo lipídico, são sinais do exa-me físico considerados patognomônicos dessa doença.

O fenótipo da hipercolesterolemia familiar é IIa. A impor-tância do diagnóstico precoce e da instituição do trata-mento adequado decorre do conhecimento da histórianatural da doença. Em sua forma heterozigótica, calcula-se que homens com 50 anos de idade ou mais apresen-tem risco elevado de doença coronariana (de 50%), en-quanto em mulheres o risco estimado é de 30% antesdos 60 anos de idade. Na forma homozigótica, mais gra-ve, observa-se doença arterial coronariana e até óbito jána primeira infância(7).

Defeito familiar da apo BO defeito familiar da apo B é uma alteração genética

que se caracteriza por uma única mutação da apo B-100,defeito que impede que essa apolipoproteína seja reco-nhecida pelo receptor; assim, não se estabelece a liga-ção entre a apo B100 e o receptor da LDL, o que resultaem elevação dos níveis de colesterol total e de LDL-co-lesterol. A freqüência dessa doença é de 1:500 e 1:750em indivíduos brancos com hipercolesterolemia. Em po-pulações não selecionadas e de etnia diversa, a preva-lência é de 0,08%. O quadro clínico dos pacientes homo-zigóticos e heterozigóticos com defeito familiar da apo Bé muito semelhante ao de hipercolesterolemia familiar,com níveis elevados de LDL-colesterol, xantomas e do-ença coronariana precoce. Apesar da semelhança, osníveis de colesterol são menos elevados e as manifesta-ções clínicas são menos intensas no defeito familiar daapo B, quando comparados à hipercolesterolemia famili-ar. Esse fenótipo menos grave deve-se ao fato de que aligação da apo B com o receptor da LDL é defeituosa,mas não ausente. Clinicamente, o defeito familiar da apo Bé indistinguível da hipercolesterolemia familiar e o tratamen-to é semelhante ao da hipercolesterolemia familiar(8).Hiperlipidemia familiar combinada

A hiperlipidemia familiar combinada é uma das hiper-

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lipidemias mais comuns,com prevalência aproxima-da de 2%, além de ser cau-sa freqüente de doença co-ronariana precoce (20%dos pacientes jovens cominfarto do miocárdio apre-sentam hiperlipidemia fami-liar combinada). Foi reco-nhecida em 1973 por Gol-dstein e colaboradores(9) emestudo de famílias com do-

ença coronariana precoce. A hiperlipidemia familiar com-binada caracteriza-se por níveis elevados de triglicéridesou colesterol ou ambos, com padrão aparente de heran-ça autossômica dominante. Como peculiaridade, obser-va-se fenótipo variável no grupamento familiar, ora tipoIIa ora IIb ou IV(10).Hipertrigliceridemia familiar

Sua herança é autossômica dominante, com penetra-ção variável. É decorrente do acúmulo, no plasma, delipoproteínas ricas em triglicérides (VLDL e IDL), que re-sulta tanto do aumento da produção hepática como dadiminuição da depuração plasmática. O mecanismo res-ponsável pela doença ainda não é conhecido. O aumentoda produção hepática dos triglicérides estaria relaciona-do à resistência à insulina, e é semelhante ao observadoapós o consumo aumentado de hidratos de carbono e deálcool. O fenótipo correspondente é o tipo IV(10).Disbetalipoproteinemia

A hiperlipoproteinemia tipo III, também conhecidacomo disbetalipoproteinemia, é caracterizada por aumentodas concentrações plasmáticas de colesterol total e trigli-cérides, causado pelo acúmulo, no plasma, dos rema-nescentes das lipoproteínas ricas em triglicérides. O acú-mulo de remanescentes, na circulação, decorre da dimi-nuição da afinidade entre a apo E, presente nas lipopro-teínas remanescentes, e o receptor hepático B/E. Essespacientes apresentam o genótipo E2/E2 e a transmissãodesse alelo é autossômica recessiva(11, 12). O genótipo E2/E2 ocorre com freqüência relativamente alta na popula-ção (cerca de 1:100). No entanto, o fenótipo da hiperlipo-proteinemia tipo III é relativamente raro, desenvolvendo-se apenas entre 1:10 e 1:100 dos portadores do genótipohomozigoto. A dislipidemia, para se manifestar, necessitada presença de um fator secundário, como, por exemplo,alguma alteração metabólica que aumente a produçãodas VLDL, tal como obesidade, diabetes melito, hipoti-reoidismo e consumo elevado de álcool(13). O quadro clí-nico característico é a presença de xantomas palmares eplantares, bem como o desenvolvimento precoce de do-ença coronariana.Síndrome da hiperquilomicronemia

É conseqüente a mutações nos genes que codificama lipase lipoprotéica, enzima que tem a função de hidroli-

sar os triglicérides das lipoproteínas ricas em triglicéri-des, principalmente os quilomícrons. Essas mutações sãotransmitidas de forma recessiva. A freqüência dos homo-zigóticos ou heterozigóticos compostos para essas mu-tações é de 1:1.000.000(14).

A deficiência parcial da lipase lipoprotéica (heterozi-gotos) provoca hipertrigliceridemia, que se acentua napresença de fatores ambientais como obesidade ou se-dentarismo. Sua prevalência é de 1:500 indivíduos, napopulação em geral, ou de 1:40, como observado em al-gumas áreas do Canadá. São descritas mais de 60 muta-ções que cursam com a deficiência da lipase lipoprotéica.De forma mais rara, como causas potenciais da síndro-me da hiperquilomicronemia, descrevem-se a deficiênciada apo C-II ou a existência de um inibidor circulante dalipase lipoprotéica. Vale lembrar que a apo CII é uma co-enzima que estimula a atividade da lipase lipoprotéica. Adeficiência da lipase lipoprotéica é reconhecida na infân-cia ou adolescência na sua forma homozigótica, na qualse observa grave hipertrigliceridemia, com níveis plas-máticos acima de 1.000 mg/dl, no jejum, alcançando even-tualmente valores acima de 10.000 mg/dl, principalmenteapós refeições gordurosas, pelo excesso de quilomícronsna circulação. O colesterol plasmático pode estar normalou pouco elevado e o HDL-colesterol, reduzido. Existeacúmulo de quilomícrons tanto no jejum como no períodopós-prandial. A síndrome da hiperquilomicronemia cor-responde, na classificação fenotípica, aos tipos I e V.Acompanhando a acentuada hipertrigliceridemia, pode-se observar dor abdominal recorrente, acompanhadaou não de pancreatite aguda, xantomas eruptivos, li-pemia retiniana, além de hepato e esplenomegalia. Osxantomas eruptivos são lesões papulosas pequenas eamareladas, que se localizam geralmente no dorso ena face extensora de braços e pernas, os quais resul-tam da fagocitose dos quilomícrons pelos macrófagoslocalizados na pele. A regressão dos xantomas erupti-vos ocorre após a diminuição das concentrações plas-máticas de triglicérides.(14)

Dislipidemias secundáriasAs dislipidemias secundárias resultam, por sua vez,

em alterações das concentrações plasmáticas das li-poproteínas, secundárias a uma causa específica, sejaàs custas de efeito colateral de medicamentos seja àscustas de outras doenças ou de hábitos de vida inade-quados. A detecção de uma causa secundária de disli-pidemia é de grande importância diagnóstica, pelassuas implicações terapêuticas. As etiologias das disli-pidemias secundárias podem ser agrupadas em disli-pidemias secundárias a doenças, dislipidemias secun-dárias a medicamentos, e dislipidemias secundárias ahábitos de vida inadequados.Dislipidemias secundárias a doenças

As dislipidemias secundárias a doenças estão apre-

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dislipidemias

sentadas na Tabela 3.a) Diabetes melito do tipoII: as anormalidades lipídi-cas em portadores de dia-betes melito do tipo II re-sultam da obesidade ab-dominal e da resistência àinsulina. São caracteriza-das por hipertrigliceride-mia, baixos níveis de HDL-colesterol e presença deLDL pequenas e densas.

Os fenótipos são variáveis, dependendo da alteraçãolipídica predominante (IIb, IV e V). Dois defeitos acar-retam aumento de VLDL: 1) superprodução; e 2) lipóli-se diminuída das partículas de VLDL. O primeiro me-canismo é secundário à elevação dos ácidos graxoslivres e da glicemia, o que estimula a síntese de VLDL.O segundo resulta da deficiência relativa de insulina,uma vez que a insulina estimula a ação da lipase lipo-protéica(15).

b) Hipotireoidismo: a dislipidemia do hipotireoidismo écaracterizada pelo aumento das concentrações plas-máticas do LDL-colesterol, conseqüente ao decrésci-mo do número de receptores hepáticos para a remo-ção dessas partículas. Nos indivíduos com hipotireoi-dismo e obesos, observa-se hipertrigliceridemia emdecorrência da hiperprodução de VLDL, pelos seguin-tes mecanismos: 1) aumento da produção hepática daspartículas de VLDL; 2) lipólise diminuída dos triglicéri-des séricos; e c) alguns indivíduos com o genótipo E-2/E-2 têm remoção lenta dos remanescentes de VLDL,podendo expressar o fenótipo tipo III(16). As alteraçõesnos lípides plasmáticos ocorrem tanto no hipotireoidis-

mo manifesto clinicamente como na forma subclínica.Em estudo com 1.210 pacientes com colesterol total aci-ma de 200 mg/dl, a prevalência de hipotireoidismo mani-festo clinicamente foi de 1,3% e de hipotireoidismo sub-clínico, de 11,2%. Assim, a avaliação funcional da tireói-de deve ser feita quando detectada a dislipidemia(17).c) Síndrome nefrótica: tanto a hipercolesterolemia comoa hipertrigliceridemia são observadas na síndromenefrótica. Em estudo com 100 pacientes com síndro-me nefrótica e hipercolesterolemia, foram observadosníveis plasmáticos de colesterol total > 200 mg/dl em87%, dos quais o colesterol total era > 300 mg/dl em53% e o colesterol total, > 400 mg/dl em 25%. Estudos“in vitro” demonstraram que a pressão oncótica baixado plasma, própria da síndrome nefrótica, estimula di-retamente a transcrição do gene da apo B, aumentan-do a síntese das lipoproteínas que contêm apo B. Aredução do catabolismo tem papel importante na fisio-patologia da dislipidemia observada na síndrome ne-frótica. Muitos pacientes apresentam hiperlipidemiamista, embora ocorra predomínio de hipertrigliceride-

mia. A regressão da síndrome nefrótica, espontâneaou após tratamento medicamentoso, reverte a dislipi-demia(18).d) Insuficiência renal crônica: a hipertrigliceridemia, empacientes com insuficiência renal crônica, ocorre em30% a 50% dos casos(19). As anormalidades no meta-bolismo lipídico ocorrem também nos portadores deinsuficiência renal crônica em diálise e após transplan-te renal. O achado mais comum na insuficiência renalcrônica, dialítica ou não-dialítica, é a hipertrigliceride-mia, com o colesterol total próximo aos valores nor-mais, talvez pelo estado de desnutrição em alguns pa-cientes. A elevação dos níveis plasmáticos de triglicé-

Tabela 3. Dislipidemias secundárias a doenças.

Lipoproteínas (principal alteração)Causa CT TG HDL-colesterol

1. Diabetes —— ↑ ↓2. Hipotireoidismo ↑↑ ↑ ↑ ou ↓3. Doenças renais

- Síndrome nefrótica ↑ ↑ —- Insuficiência renal crônica ↑ ↑ —

4. Hepatopatias colestáticascrônicas ↑ a ↑↑↑↑↑ Normal ↑↑ - > ↓

ou leve ↑5. Obesidade ↑ ↑↑ ↓6. Anorexia nervosa ↑ —— ——7. Bulimia ↑ ↑ -—-

CT = colesterol total; TG = triglicérides; HDL-colesterol = colesterol de lipoproteína de alta densidade.

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rides é conseqüente à re-dução da atividade da li-pase lipoprotéica e da li-pase hepática, que podemcontribuir para o decrésci-mo da remoção das lipo-proteínas ricas em triglicé-rides(20).e) Hepatopatias colestáti-cas crônicas: cirrose biliar,colangite esclerosante eoutras hepatopatias que

cursam com colestase podem ser acompanhadas dehipercolesterolemia significativa. Entretanto, em um re-lato de 284 pacientes, a faixa de valores do colesteroltotal foi bem ampla, variando entre 120 mg/dl e 1.775mg/dl. Não houve correlação entre o colesterol total eos níveis de bilirrubina. O perfil lipídico demonstrou nãosó elevação do LDL-colesterol mas também elevaçãosignificativa do HDL-colesterol nos estágios iniciais dadoença; os níveis de triglicérides mantiveram-se nor-mais ou pouco elevados(21).f) Obesidade: as alterações lipídicas incluem elevaçãodos triglicérides plasmáticos, redução do HDL-coleste-rol e, principalmente na obesidade abdominal, presen-ça de LDL-colesterol pequena e densa(22).g) Síndrome de Cushing: o hipercortisolismo está as-

sociado a níveis elevados de LDL-colesterol e triglicé-rides(23).Dislipidemias secundárias a medicamentos

Alguns anti-hipertensivos podem causar efeitos ad-versos nos níveis séricos lipídicos. Outras drogas, comoos corticosteróides, aumentam tanto os níveis de co-lesterol como os de triglicérides. A isotretinoína utiliza-da para a acne grave com freqüência causa dislipide-mia mista, geralmente associada à redução do HDL-colesterol. Os medicamentos que afetam desfavoravel-mente os lípides séricos têm seu efeito mais acentua-do nos pacientes com distúrbios lipídicos prévios. Osinibidores de protease também se associam a dislipi-demias (aumento dos triglicérides e diminuição do HDL-colesterol). A Tabela 4 ilustra os principais grupos demedicamentos que causam dislipidemias, bem como otipo de alteração lipídica encontrada(24).Dislipidemias secundárias a hábitos de vidainadequadosa) Tabagismo: o fumo causa reduções em graus variá-veis do HDL-colesterol e pode induzir resistência à in-sulina. No estudo “Bezafibrate Infarction PreventionStudy Group”, o HDL-colesterol médio foi de 39,6 mg/dl em não-fumantes e de 35 mg/dl em fumantes(25).b) Etilismo: a ingestão alcoólica excessiva é freqüente-mente acompanhada do aumento dos triglicérides edo HDL-colesterol(23).

Tabela 4. Dislipidemias secundárias a medicamentos.

Lipoproteínas (principal alteração)Medicamento CT TG HDL-colesterol

Diuréticos —— ↑ ↓Betabloqueadores —— ↑ ↓Anticoncepcionais ↑ ↑ —Corticosteróides ↑ ↑ —Anabolizantes ↑ —— ↓Estrógenos ** → ↑ → ↓Progestágenos ** → ↑ → ↓Isotretinoína ↑ ↑ ↑Ciclosporinas ↑ ↑↑ ↑Inibidores de protease ↑ ↑↑↑ ↓

** Efeitos dependem do tipo de estrógeno e progestágeno e da via de administração.CT = colesterol total; TG = triglicérides; HDL-colesterol = colesterol de lipoproteína de alta densidade.

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dislipidemias

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CLASSIFICATION OF DYSLIPIDAEMIA

ANA PAULA MARTE CHACRA, JAYME DIAMENT, NEUSA A. FORTI

The authors emphasize the importance of an internationally accepted languagefor classification of different types of dyslipidemia. They also discuss about diagno-sis, best therapy as well as prognosis of dyslipidemia.

Key words: lipoproteins, dyslipidaemia, classification, etiology.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:465-72)RSCESP (72594)-1569

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ARAÚJO RG e cols.Dislipidemia, inflamação

e aterosclerose

INTRODUÇÃO

A aterosclerose, doença progressiva caracterizadapelo acúmulo de lípides e componente fibroso em gran-des artérias, é a causa primária de doença arterial co-ronariana e acidente vascular cerebral, sendo respon-sável por aproximadamente 50% das mortes em paí-ses ocidentais(1). Por esse motivo, há grande interessena elucidação da etiopatogenia da aterosclerose.

Atualmente, a aterosclerose é compreendida comouma doença inflamatória e não meramente como umacúmulo passivo de lípides na parede arterial. O pro-cesso inflamatório crônico envolvendo o endotélio ar-terial e que culmina com as complicações da ateros-clerose pode ser causado por uma resposta inflamató-ria ou por fatores como o estresse oxidativo desenca-deados por partículas de lipoproteína de baixa densi-

DISLIPIDEMIA, INFLAMAÇÃO E ATEROSCLEROSE

RENATA GOMES DE ARAÚJO, ANTONIO CASELLA FILHO,TATIANA DE FÁTIMA GONÇALVES GALVÃO, ANTONIO CARLOS PALANDRI CHAGAS

Unidade Clínica de Aterosclerose – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 –Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP

Atualmente, entende-se o processo aterosclerótico não apenas como decorrên-cia do acúmulo de lípides nas paredes dos vasos, mas também como conseqüênciada disfunção endotelial e da ativação do sistema inflamatório. A descoberta de queo endotélio sintetiza importantes vasodilatadores, tais como o fator relaxante deriva-do do endotélio e a prostaciclina, despertou enorme interesse na função endotelial eem seu papel sobre o controle vascular, tanto em situações fisiológicas como emprocessos patológicos, como as síndromes coronarianas agudas. Atualmente, sabe-se que o endotélio influencia não somente o tônus vascular, mas também o remode-lamento vascular, por meio da produção de substâncias promotoras e inibidoras deseu crescimento, e os processos de hemostasia e trombose, por meio de efeitosantiplaquetários, anticoagulantes e fibrinolíticos. Além de sofrer influência e de estarsuscetível à ação de substâncias inflamatórias, sabe-se que a perda de continuida-de da placa e a resultante trombose coronariana são a base fisiopatológica da mai-oria dos casos de síndromes coronarianas agudas.

Palavras-chave: aterosclerose, dislipidemia, inflamação, doença arterial coronaria-na.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo;2005;6:473-81)RSCESP (72594)-1570

dade (LDL) oxidada, infecção crônica e formação deradicais livres, entre outros. O envolvimento da infla-mação na aterosclerose também torna o processo in-flamatório um alvo potencial para o tratamento e a pre-venção da doença arterial coronariana(2).

ATEROSCLEROSE E LESÃO ENDOTELIAL

A disfunção endotelial é implicada na fisiopatologiadas doenças cardiovasculares, incluindo: hipertensão,doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca crô-nica, doença arterial periférica, diabetes, e insuficiên-cia renal crônica. A disfunção endotelial foi identificadainicialmente como vasodilatação diminuída a estímu-los específicos, tais como acetilcolina ou bradicinina.Nos últimos anos, porém, comprovou-se que o termodisfunção endotelial incluiria não somente a vasodila-

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ARAÚJO RG e cols.Dislipidemia, inflamação

e aterosclerose

tação reduzida, mas umestado também pró-infla-matório e pró-trombótico(2).

O endotélio, maior ór-gão do corpo, é posiciona-do estrategicamente entrea parede dos vasos san-guíneos. Detecta estímu-los mecânicos, tais comoo “shear stress”, e estímu-los hormonais, tais comosubstâncias vasoativas. As

substâncias vasodilatadoras produzidas pelo endoté-lio são o óxido nítrico (NO), a prostaciclina, os fatoreshiperpolarizantes derivados do endotélio e o peptídeonatriurético tipo-C(3). A endotelina-1 (ET-1), a angioten-sina II, o tromboxano A2 e as espécies reativas de oxi-gênio são as substâncias que, agindo sobre o endoté-lio, promovem a vasoconstrição. Os moduladores infla-matórios incluem o NO, a molécula de adesão interce-lular-1 (ICAM-1), a molécula de adesão vascular-1(VCAM-1), a E-selectina e o NFκ-B(3). A modulação dahomeostase é realizada pela liberação e pela ação, noendotélio, de fatores tais como ativador plasminogê-nio, fator de inibição tecidual e fator de von Willebrand,assim como pela liberação de NO, prostaciclina, trom-boxano A2, inibidor do ativador do plasminogênio e fi-brinogênio. O endotélio contribui também na mitogê-nese, na angiogênese e no controle da permeabilida-de vascular(3).

Assim, as células endoteliais desempenham diver-sas funções fisiológicas na manutenção da integrida-de da parede vascular, constituindo barreira permeá-vel através da qual ocorre difusão e trocas ou trans-porte ativo de diversas substâncias, além de atuar comosuperfície não-trombogênica e não-aderente para pla-quetas e leucócitos, e no controle da vasomotricidade.Esse mecanismo está comprometido em pacientes ate-roscleróticos, muito provavelmente pelos efeitos dele-térios diretos dos níveis plasmáticos elevados de LDL-colesterol sobre o endotélio vascular; assim, nos paci-entes portadores de doença arterial coronariana, hápredomínio das respostas vasoconstritoras influenci-ando a patogênese da isquemia(4). Até alguns anosatrás, o desnudamento do endotélio era considerado oresponsável por ocasionar a adesão plaquetária, a de-granulação e a liberação de mediadores fibrinogêni-cos, tais como o fator de crescimento derivado de pla-quetas (PDGF)(5). Atualmente, sabe-se que a forma-ção do ateroma pode ocorrer sem descamação endo-telial, mas sim na presença de disfunção do endoté-lio(6, 7).

O processo aterosclerótico inicia-se com a agres-são do endotélio por fatores diversos, como estressemecânico e por oxidação do LDL-colesterol. O endoté-

lio encontra-se lesado, mas sem alteração morfológi-ca. Essa disfunção endotelial propicia o aumento dapermeabilidade ao LDL-colesterol, ocorrendo, assim,maior oxidação e aumento da concentração de LDL-colesterol oxidado e retido nos proteoglicanos (a oxi-dação decorre do aumento de espécies reativas deoxigênio). A oxidação estimula a adesão de moléculasde adesão leucocitária na superfície endotelial, sendoessas moléculas responsáveis pela atração de monó-citos e linfócitos para a parede arterial(8).

Além da alteração de permeabilidade, que provocaaprisionamento da LDL no espaço subendotelial, sabe-se que, nas lesões ateroscleróticas iniciais, células en-doteliais ou leucócitos que infiltram o endotélio podemativar mediadores inflamatórios, como, por exemplo, oPDGF, o fator de crescimento de fibroblastos (FGF) eos fatores de crescimento similares à insulina (IGF)(9).

Assim, a incessante discussão sobre a iniciação dalesão aterosclerótica suscita o potencial papel das ci-tocinas inflamatórias nesse processo. Essas proteínasmediadoras também podem ter importante papel na re-gulação da expressão de fatores de crescimento porcélulas endoteliais e leucócitos. Cita-se, como exem-plo, uma dessas citocinas, a interleucina-1 (IL-1), quepode estimular o aumento da produção de PDGF porcélulas musculares lisas vasculares humanas e a mai-or expressão de FGF por células musculares lisas hu-manas(10). Como as células endoteliais são suscetíveisà regulação tanto positiva como negativa, alguns me-diadores podem inibir funções pró-aterogênicas dascélulas musculares lisas. O fator de crescimento e trans-formação beta (TGF-β), por exemplo, pode limitar aproliferação da célula muscular lisa, enquanto promo-ve aumento da produção de matriz extracelular. O in-terferon gama (IFN-γ), uma citocina derivada de linfó-citos T ativados, pode reduzir a proliferação de célulasmusculares lisas. Então, o acúmulo de células muscu-lares lisas no local da placa aterosclerótica em forma-ção depende do balanço entre estímulos promotores einibidores do crescimento(11).

O endotélio, como foi citado anteriormente, possuiação controladora da mitogênese e da angiogênese.Nos últimos anos, tem-se estudado a ação do endoté-lio no estímulo à formação do “vasa vasorum”; diver-sos estudos sugerem que a neovascularização contri-bui para o crescimento de lesões ateroscleróticas, sen-do um fator-chave na instabilização da placa, condu-zindo à ruptura. Estudos relevantes focalizaram o pa-pel do fator endotelial de crescimento vascular (VEGF)na formação do “vasa vasorum”. Essa neovasculariza-ção é derivada do “vasa vasorum” da adventícia e podetambém ser denominada microangiopatia intimal. A res-posta angiogênica inicial pelo “vasa vasorum” da ad-ventícia é estimulada pela hipoxia e pela isquemia queocorre no processo de remodelamento e espessamen-

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e aterosclerose

to das camadas íntima emédia, o que dificulta a di-fusão de substâncias.Essa hipoxia induz a for-mação do “vasa vasorum”ao estimular a Hif-1 e aVEGF. O processo infla-matório presente na placatambém induz a neovas-cularização, pelo fato deos macrófagos serem fon-tes ricas de VEGF e outros

reguladores da angiogênese(12).A importância desses microvasos na formação da

placa encontra sustentação no fato de esses microva-sos expressarem as moléculas da adesão (ICAM-1,VCAM-1, E-selectina, CD40), o que facilitaria a migra-ção transendotelial de células inflamatórias(13). O CD40é um receptor de superfície celular que pertence à fa-mília dos receptores do fator de necrose tumoral (TNF)e que, apesar de ter sido inicialmente identificada efuncionalmente caracterizada em células linfocitáriastipo B, é encontrada em outras células, entre as quaisse encontram as endoteliais, desenvolvendo importan-te papel na regulação de respostas imunes e inflama-tórias(14).

A associação entre a neovascularização e a ateros-clerose foi confirmada em análise histopatológica emamostras de placas ateroscleróticas de humanos e nasartérias coronárias de primatas, demonstrando a cor-relação entre a extensão da aterosclerose e a neovas-cularização. Foi observado que, em primatas ateros-cleróticos, o sangue que fluía pelo “vasa vasorum” eramais hipercolesterolêmico quando comparado com osangue de outras regiões, e que a suspensão da dietahipercolesterolêmica foi associada à regressão da pla-ca e à diminuição do “vasa vasorum”, assim como àdiminuição do volume de sangue que corria por essaneovascularização.(15)

OXIDAÇÃO DA LDL

A disfunção endotelial, como abordado anteriormen-te, foi comprovada como o evento inicial em modelosde hipercolesterolemia, em estudos experimentais. Alesão ao endotélio resulta em aumento de permeabili-dade endotelial a lipoproteínas e outros constituintesplasmáticos.

Essa disfunção endotelial causaria inicialmente au-mento de permeabilidade ao LDL-colesterol no espa-ço subendotelial e surgimento de moléculas de ade-são leucocitária na superfície endotelial. Essas molé-culas são responsáveis pela atração de monócitos elinfócitos para a parede arterial. O recrutamento de leu-cócitos mononucleares para a íntima é um evento pre-

coce demonstrado no início da formação do ateroma.Essas moléculas de adesão são divididas em diversosgrupos, mas a molécula de adesão da célula vascular-1 (VCAM-1) é de particular interesse nos estágios ini-ciais da aterosclerose(16).

As alterações que se seguem no LDL-colesterol apri-sionado foram propostas em vários estudos no inícioda década de 1980, e baseiam a “hipótese oxidativa”da aterogênese, segundo a qual a LDL oxidada é im-portante, e possivelmente obrigatória, na patogêneseda lesão aterosclerótica(17). O transporte do LDL-coles-terol da corrente sanguínea para o espaço subendote-lial é um processo passivo e ocorre de maneira direta-mente proporcional a sua concentração no sangue(18).

O processo de oxidação da lipoproteína inicia-se pormeio de produtos oxidativos das células da parede ar-terial, como endotélio, células musculares lisas e ma-crófagos. Nessa primeira fase da oxidação, apenas afração lipídica da lipoproteína é alterada, mantendo-seíntegra a apolipoproteína B, fração protéica da molé-cula(19, 20). Após esse processo inicial de oxidação, apartícula de LDL torna-se levemente oxidada. Berlinere colaboradores(21) demonstraram que a LDL levemen-te oxidada induz maior adesão de monócitos, mas nãode neutrófilos, às células endoteliais. Isso ocorre peloaumento da expressão das moléculas de adesão e deproteínas quimiotáticas, como a proteína quimiotáticade monócitos-1 (MCP-1). Há ainda estímulo para se-creção de fatores estimuladores, como o fator estimu-lador de colônia monocitária (MCS-F), que estimulama migração e a diferenciação de monócitos em macró-fagos. A oxidação aumentada promove maior atividadedos macrófagos. Recentemente, considerável esclare-cimento a respeito da base molecular do acúmulo lipí-dico pelos macrófagos vem sendo obtido. Várias molé-culas da superfície celular, que se ligam seletivamentea formas modificadas de lipoproteínas (seja por pero-xidação seja por lipólise ou proteólise), foram identifi-cadas. Elas incluem os receptores “scavenger” de ma-crófagos(22), o CD-36(23) e o CD68(24).

Nessa segunda fase da oxidação, a fração protéicada lipoproteína também torna-se alterada. A LDL é ditaentão oxidada. Essa molécula passa a ser reconheci-da por receptores “scavenger” e CD-36(22-24) na superfí-cie dos macrófagos, que englobam as moléculas delipoproteína e se tornam ricos em conteúdo lipídico.Essas células, chamadas células espumosas, são ca-racterísticas da estria gordurosa, que é a lesão maisprecoce reconhecida no início da aterosclerose.

Evidências recentes indicam que a lesão endotelialdecorre da atividade aumentada da LOx-1, que é o prin-cipal receptor da LDL oxidada, por promover a forma-ção de radicais superóxido, diminuir a concentração deóxido nítrico e ativar o fator de transcrição nuclear NFκ-B(25).

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ARAÚJO RG e cols.Dislipidemia, inflamação

e aterosclerose

ATEROSCLEROSE E IN-FLAMAÇÃO

O conceito clássico deaterosclerose como so-mente parte de uma de-sordem do metabolismo eda deposição lipídica ob-teve, no passado, grandeaceitação. Entretanto, ahistória natural da aterogê-

nese estende-se além da dislipidemia. Além disso, aligação da desordem lipídica ao envolvimento vasculardurante a aterogênese e as subsequentes manifesta-ções clínicas por si só já indicam fisiopatologia bemmais complexa que mera deposição lipídica(26).

Recentemente, emergiu o conceito de aterosclero-se como uma doença inflamatória, multifatorial, que en-volve processos inflamatórios do início até um eventofinal, como, por exemplo, a ruptura de placa ateroscle-rótica, e de que o endotélio influencia não somente otônus vascular pela produção de substâncias promoto-ras e inibidoras de seu crescimento mas também o ba-lanço entre fatores pró-trombóticos e trombogênicosna interface lúmen-parede do vaso, principalmente coma importante função de regular o processo inflamatóriona parede do vaso(26).

O processo inflamatório está presente desde o iní-cio da formação da placa aterosclerótica, com o pro-cesso de oxidação do LDL-colesterol ativando macró-fagos e adesão leucocitária. As lesões ateroscleróti-cas caracterizadas como placas surgem, na maioriados casos, a partir da segunda década de vida, apósvários anos de evolução da doença. São formadas porum núcleo acelular de lípides e substâncias necróti-cas, circundado pelas chamadas células espumosas(células que englobam grandes quantidades de lipíde-os, correspondendo a macrófagos), e, mais externa-mente, por uma capa fibrosa composta de fibras mus-culares lisas e tecido conjuntivo fibroso. Além do infil-trado inflamatório linfo-histiocitário, pode haver aindavasos neoformados e deposição de cálcio no centrolipídico-necrótico, em quantidade variável de placa paraplaca e de indivíduo para indivíduo. Nos últimos anosfoi demonstrado que na fase inicial do processo atero-gênico ocorre a expressão de várias moléculas de ade-são na superfície de células endoteliais, que essas mo-léculas modulam a interação do endotélio vascular comos leucócitos, e que esse recrutamento de leucócitosmononucleares para a camada íntima dos vasos é umevento celular precoce que ocorre no ateroma em for-mação(27).

Assim, após a ativação leucocitária, moléculas en-doteliais, tais como as moléculas de adesão intercelu-

lar (ICAM-1 e ICAM-2) e a molécula de adesão da cé-lula vascular (VCAM-1), começam a participar do pro-cesso de ativação inflamatória, podendo inclusive serutilizadas como marcadoras do processo inflamatório.Essas moléculas permitem adesão estável dos leucó-citos e sua subseqüente passagem pela camada decélulas endoteliais(27). Em caso de estresse oxidativo, amodificação de lipoproteínas na parede vascular podegerar citocinas que induzem a expressão de moléculasde adesão, incluindo a VCAM-1. Os leucócitos circu-lam no sangue como células de forma livre e não ade-rentes, as quais, após receberem estímulos apropria-dos, apresentam um fenômeno de rolamento na pare-de vascular, aderindo-se firmemente à superfície en-dotelial. As moléculas de adesão celular fazem partedo recrutamento das células inflamatórias responsá-veis pelo desenvolvimento do ateroma da parede vas-cular(28).

Os leucócitos mononucleares, após entrarem no ate-roma nascente por meio de adesão às células endote-liais e penetração na camada íntima por diapedeseentre as junções intercelulares, iniciam a captação delípides modificados, principalmente o LDL-oxidado pe-las espécies reativas de oxigênio (EROS) produzidopelo estresse oxidativo, e se transformam em célulasespumosas(26, 29). Entretanto, esse acúmulo de macró-fagos dentro da camada íntima significa um primeiroestágio, que predispõe à progressão do ateroma e àevolução para uma placa mais fibrosa e eventualmen-te mais complicada, que pode ocasionar conseqüênci-as clínicas. As estrias gordurosas observadas nos es-tágios iniciais da doença, e que traduzem o acúmulode células espumosas, pode ser reversível e não cau-sar conseqüências clínicas(30). A oxidação de lipoprote-ínas, como o LDL-colesterol, constitui, portanto, fatorde risco importante para inflamação no processo ate-rosclerótico. Esse fato pode ser comprovado em váriosestudos clínicos, nos quais foram encontrados níveissignificantemente elevados dessas moléculas em ca-sos de infarto agudo do miocárdio(31, 32).

Entre as alterações causadas pela presença de LDL-oxidada está também a produção de interleucina-1 (IL-1), que estimula a migração e a proliferação das célu-las musculares lisas da camada média arterial. Estas,ao migrarem para a íntima, passam a produzir não sócitocinas e fatores de crescimento como também amatriz extracelular, que formará parte da capa fibrosada placa aterosclerótica madura(33).

A incessante discussão sobre a iniciação da lesãoaterosclerótica suscita o potencial papel das citocinasinflamatórias nesse processo(29). Essas proteínas me-diadoras também podem ter importante papel na regu-lação da expressão de fatores de crescimento por cé-lulas endoteliais e leucócitos.

Além do adelgaçamento e fraqueza da capa fibrosa

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e aterosclerose

da placa e do acúmulo demacrófagos e células T,uma diminuição relativa decélulas musculares lisaspode caracterizar a ruptu-ra da placa. A morte decélulas musculares lisas,provavelmente por apopto-se, pode contribuir para aescassez de células mus-culares lisas nessas regi-ões da placa e promover

seu enfraquecimento, pois foi evidenciado que na pla-ca ateromatosa existem células musculares lisas comDNA fragmentado, o que é característico da morte celularprogramada(34, 35). Estudos “in vitro” têm estabelecido que ci-tocinas inflamatórias podem “disparar” o programa de mortecelular por apoptose em células musculares lisas vasculareshumanas(36).

ANGIOTENSINA E ATEROSCLEROSE

Existem evidências crescentes indicando que a an-giotensina e a endotelina-1 promovem e aceleram oprocesso aterosclerótico por meio de mecanismos in-flamatórios, envolvendo interações complexas entre cé-lulas inflamatórias, tais como neutrófilos, linfócitos,monócitos/macrófagos e célula lisa vascular. Essa in-teração resulta em resposta inflamatória nas célulasvasculares com a expressão aumentada de moléculasda adesão, de citocinas, de metaloproteinases e defatores do crescimento(37). O fator de transcrição nucle-ar NFκ-B é considerado o principal modulador de infla-mação, mediando a maioria das respostas inflamatóri-as vasculares(37). O NFκ-B é ativado por estímulos nu-merosos, tais como citocinas, ativadores da proteínaquinase e, sobretudo, espécies reativas de oxigênio.Após a ativação do NFκ-B, ocorre a transcrição dosgenes envolvidos na patogênese da lesão inflamató-ria. Esses genes, certamente, codificam a formação decitocinas, tais como interleucina-6 e fator de necrosetumoral alfa (TNFα), quimiocinas, tais como a proteínaquimiotática 1 do monócito (MCP-1), as moléculas deadesão intercelular-1 (ICAM-1 e ICAM-2) e a moléculade adesão da célula vascular (VCAM-1), que tambémparticiparão do processo de ativação inflamatória(38).

Em modelo experimental do processo de ateroscle-rose em artéria femoral de coelho, Hernandez-Presa ecolaboradores(39) observaram atividade aumentada doNFκ-B coincidente a infiltração dos macrófagos e ex-pressão aumentada do gene MCP-1 no neoíntima. Ex-pressão aumentada de genes inflamatórios vasculares,tais como VCAM-1, também foi observada na aorta deratos que receberam angiotensina II(40). A angiotensinaII aumentou a expressão do RNA mensageiro do VCAM-

1, sendo o NFκ-B o mecanismo de transcrição. Simi-larmente, Pueyo e colaboradores(41) demonstraram que,em células endoteliais de rato, a expressão VCAM-1foi diretamente estimulada pela angiotensina II e pelaativação do NFκ-B, e que o fator da transcrição foi ati-vado pelo aumento do estresse oxidativo intracelular.

A ativação da expressão das moléculas de adesãopela angiotensina II e o NFκ-B é de particular impor-tância, pois essas moléculas, principalmente VCAM-1,desempenham papel importante nos estágios iniciaisda aterosclerose. A VCAM-1 liga-se ao antígeno tar-dio-4 (VLA-4), expresso seletivamente por vários tiposde leucócitos recrutados durante a formação das estri-as gordurosas, as quais são as lesões precursoras doateroma.(42)

A angiotensina II também interfere no processo ate-rosclerótico, por induzir o estresse oxidativo por meioda produção de espécie reativa de oxigênio, pela ativa-ção NADH/NADPH(43). Por sua vez, as espécies reati-vas de oxigênio agem como mensageiros de transdu-ção do sinal para diversos fatores importantes de trans-crição, tais como NFκ-B e ativador da proteína-1, su-blinhando o papel do NFκ-B como mediador da angio-tensina II induzindo lesão inflamatória.

Todos esses fatores demonstram que o NFκ-B é omediador principal da regulação da expressão da an-giotensina, que ele estimula a expressão das molécu-las de adesão e citocinas inflamatórias, e que o estres-se oxidativo está envolvido diretamente na ativação daangiotensina II e do NFκ-B.

IMPLICAÇÕES CLÍNICAS

A disfunção endotelial em artérias coronárias, as-sociada a eventos cardiovasculares, quando avaliadade forma não-invasiva em artérias periféricas pode pre-dizer eventos coronarianos em indivíduos com ou semdoença arterial coronariana.

A disfunção endotelial foi associada a risco elevadode aterosclerose em crianças e adultos jovens livresde sintomas, bem como em indivíduos com anteceden-tes familiares de diabetes melito do tipo II, e a lesãoendotelial correlacionou-se a resistência à insulina(3).Além da análise da função endotelial como preditor deaterosclerose, pesquisas recentes evidenciam que mar-cadores envolvidos na disfunção endotelial e marca-dores de inflamação podem ser preditores de eventoscardiovasculares(28). As moléculas VCAM-1 soluto e in-terleucina-1 predisseram a morte cardiovascular nospacientes com doença arterial coronariana independen-temente de outros fatores de risco(28).

Além da importância dos marcadores inflamatórioscomo preditores de aterosclerose, o envolvimento dainflamação na doença aterosclerótica tornou-se alvoterapêutico. Os bloqueadores dos receptores da angi-

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Figura 2. NFκ-B é o mediador prin-cipal da regulação da expressão daangiotensina, e esta, por sua vez, es-timula a expressão das moléculas deadesão e citocinas inflamatórias.(Modificado de Collins e colaborado-res(50).)

Figura 1. Papel da lipoproteína de bai-xa densidade (LDL) na aterogênese.

otensina e os inibidores daenzima conversora da an-giotensina demonstraramrestaurar a função endote-lial, e os mecanismos pro-váveis para essa melhorada função podem ser ex-plicados pela redução daoxidação e da inflamaçãoque ocorre na doença ate-rosclerótica(44). As estati-nas provaram ter efeitos

benéficos na disfunção endotelial por diminuírem aoxidação lipídica e também por seus efeitos pleiotrópi-cos antiinflamatórios(45), e também por inibir a regula-ção excessiva da LOX-1 e por aumentar a expressão

da eNOS nas células endoteliais.Um aspecto fascinante que está emergindo na pes-

quisa da função endotelial é a utilização de células pro-genitoras endoteliais, as células da medula óssea pri-mitivas que têm a habilidade de se diferenciar em célu-las endoteliais e de ter papel fisiológico no reparo daslesões endoteliais(46). Os níveis circulantes de célulasprogenitoras endoteliais correlacionam-se inversamentecom o grau de disfunção endotelial em humanos emvários graus de risco cardiovascular(47). É interessanteconstatar que a expressão dos eNOS nas células damedula óssea desempenha papel essencial no recru-tamento de células progenitoras endoteliais(48). Estudosrecentes comprovaram que a terapia com estatinasaumenta o número de circulantes de células progeni-toras endoteliais(49).

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HYPERCHOLESTEROLAEMIA, INFLAMMATION ANDATHEROSCLEROSIS

RENATA GOMES DE ARAÚJO, ANTONIO CASELLA FILHO,TATIANA DE FÁTIMA GONÇALVES GALVÃO, ANTONIO CARLOS PALANDRI CHAGAS

Currently, the atherosclerotic process is understood not only as a result of theaccumulation of lipids in the walls of the vases, but also as a consequence of theendothelial dysfunction and the activation of the inflammatory system. The findingthat the endothelium synthetizes important vasodilators, such as the endothelium-derived relaxing factor and the prostacyclin, had promoted enormous interest addres-sed to the endothelium function and its role on the vascular control, both in physiolo-gical situations and pathological processes (e.g., acute coronary syndromes). Cur-rently, it’s known that the endothelium not only influences the vascular tonus, butalso the vascular remodeling, through the production of promotional and inhibitorgrowth substances, and the processes of modulation of hemostasis and thrombo-ses, through the inhibition of platelet aggregation, anticoagulant and fribinolytic effects.Besides suffering influence and being susceptible to inflammatory substance action,it’s known that the loss of continuity of the plaque and the resulting coronary throm-boses are the pathophysiologic basis of the majority of the cases of acute coronarysyndromes.

Key words: atherosclerosis, hypercholesterolaemia, inflammation, coronary heartdisease.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo;2005;6:473-81)RSCESP (72594)-1570

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482 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005

MINAME MH e col.Síndrome metabólica

INTRODUÇÃO

A síndrome metabólica, também conhecida como sín-drome de resistência à insulina, é caracterizada pela coexis-tência variável de obesidade, hiperinsulinemia, dislipidemiae hipertensão. Outros achados incluem estado pró-inflama-tório, microalbuminúria e hipercoagulabilidade.

O conjunto de fatores de risco que identificam a sín-drome metabólica foi reconhecido, pela primeira vez, em1983. Em 1988, Reaven introduziu o termo síndrome X eidentificou a resistência à insulina, definida como a me-nor captação da glicose pelos tecidos periféricos, como osubstrato fisiopatológico comum da síndrome. Outros si-nônimos têm sido utilizados para denominar essa cons-telação de fatores de risco (dislipidemia, resistência à in-sulina, hipertensão e obesidade), tais como síndrome plu-rimetabólica, síndrome da resistência à insulina e quarte-to mortal, entre outros. Em 1998, a Organização Mundialda Saúde estabeleceu o termo unificado síndrome meta-bólica, pois estudos não identificaram a presença de re-sistência à insulina como único fator causal de todos oscomponentes da síndrome.

A patogênese da síndrome é multifatorial, sendo a obe-sidade, a vida sedentária, a dieta e a interação com fato-

SÍNDROME METABÓLICA

MARCIO HIROSHI MINAME, ANA PAULA MARTE CHACRA

Unidade Clínica de Dislipidemias – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Bloco II –2º andar – sala 4 – Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP

Os autores descrevem os novos critérios diagnósticos para síndrome metabólicapropostos pela “International Diabetes Federation”, além de comentarem sobre opapel da resistência à insulina como fator importante na fisiopatologia da dislipidemiae no aumento do risco cardiovascular nos pacientes portadores dessa síndrome.Finalmente, os autores comentam sobre as estratégias atuais no manejo da síndromemetabólica, além das novas drogas promissoras no auxílio a seu tratamento, taiscomo o rimonabant e os inibidores de “peroxisome proliferator activator receptor”(PPAR) alfa e gama.

Palavras-chave: síndrome metabólica, fisiopatologia, tratamento.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:482-9)RSCESP (72594)-1571

res genéticos responsáveis pelo aparecimento da mes-ma. Mutações e polimorfismos nos genes associados comresistência à insulina, anormalidades nos adipócitos, hi-pertensão e alterações lipídicas ocupam papel central naetiopatogenia da síndrome.

O diagnóstico da síndrome metabólica parece identifi-car pacientes com um risco cardiovascular adicional emrelação aos fatores de risco clássicos. Em 2001, o “ThirdReport of the National Cholesterol Education ProgramExpert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment ofHigh Blood Cholesterol in Adults” (NCEP-ATPIII)(1) pro-pôs os critérios diagnósticos para a síndrome metabóli-ca, baseado em cinco parâmetros: circunferência abdo-minal, triglicérides, colesterol de lipoproteína de alta den-sidade (HDL-colesterol), pressão arterial e glicemia dejejum (Tab. 1). A presença de três dos cinco critérios per-mite o diagnóstico de síndrome metabólica. Recentemen-te, a “International Diabetes Federation” propôs algumasmudanças nos critérios diagnósticos pelo ATP III. Houveredução dos valores de corte para cintura abdominal, deacordo com a etnia do paciente (Tab. 2)(2), além da dimi-nuição dos níveis de glicemia de jejum para > 100 mg/dl.

O critério proposto pela “International Diabetes Fede-ration” aumenta a prevalência do diagnóstico de síndro-

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 483

MINAME MH e col.Síndrome metabólica

me metabólica. De fato, emestudo realizado na Gréciae conduzido por Athyros ecolaboradores(3), com umaamostra de 9.669 indivídu-os, 24,5% tinham síndromemetabólica pelo critério daNCEP-ATPIII, enquantopelo critério da “Internatio-nal Diabetes Federation” a

prevalência foi de 43,4% (+77%; p < 0,0001). Dessa for-ma, talvez o critério da “International Diabetes Federati-on” diagnostique muitos pacientes como portadores desíndrome metabólica, mas que apresentam baixo riscocardiovascular.

FISIOPATOLOGIA DA DISLIPIDEMIA DASÍNDROME METABÓLICA

A dislipidemia, principal alteração encontrada na sín-drome metabólica, é caracterizada por: a) aumento dosácidos graxos livres circulantes; b) elevação dos triglicéri-

des; c) redução dos valores de HDL-colesterol; e d) au-mento das concentrações de apo B.

A obesidade abdominal, fruto da interação de fatoresgenéticos e ambientais, é responsável por adipócitos hi-pertrofiados. O tecido adiposo, reconhecido como um ór-gão endócrino, secreta adipocitocinas, que, na obesida-de abdominal, estão em concentração aumentada e rela-cionadas à resistência à insulina. A alteração primária é,provavelmente, a incapacidade desse tecido adiposo hi-pertrofiado em incorporar os ácidos graxos livres aos tri-

glicérides (esterificação inadequada). Outra alteração éuma falha dos adipócitos em reter os ácidos graxos livresem seu interior, aumentando seu fluxo para a circulação.Esse mecanismo é facilitado pela resistência à insulina.Essas alterações aumentam a quantidade de ácidos gra-xos livres para o fígado. Na resistência à insulina, o fíga-do estimula a síntese hepática de triglicérides, pois pro-move a reesterificação desses ácidos graxos, formandotriglicérides, os quais são liberados na circulação na for-ma de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL).

No plasma, ocorre a transferência de lípides entre aslipoproteínas. A “cholesteryl ester transfer protein” (CETP)

Tabela 1. Critérios do “Third Report of the National Cholesterol Education Program Expert Panel on Detection,Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults” (NCEP-ATPIII) para síndrome metabólica.

Identificação clínica da síndrome metabólicaFatores de risco Valores de corte

Obesidade abdominal- Homens Circunferência abdominal > 120 cm- Mulheres Circunferência abdominal > 88 cmTriglicérides 150 mg/dlHDL-colesterol- Homens < 40 mg/dl- Mulheres < 50 mg/dlPressão arterial 130/85 mmHgGlicemia de jejum 110 mmHg

Tabela 2. Critérios da “International Diabetes Federation” para síndrome metabólica.

Grupo étnico Circunferência abdominal (cm)

Europeu Homem > 94 Mulher > 80Sul-asiático Homem > 90 Mulher > 80Chinês Homem > 90 Mulher > 80Japonês Homem > 85 Mulher > 90América do Sul e Central Utilizar recomendação para sul-asiáticoÁfrica subsaariana Utilizar recomendação para europeuPopulações do Leste Mediterrâneo eMeio Leste Utilizar recomendação para europeu

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MINAME MH e col.Síndrome metabólica

é um dos determinantes dacomposição das lipoproteí-nas, pois tem a capacidadede mediar a transferênciade éster de colesterol e tri-glicérides entre as diversaslipoproteínas. Nos indivídu-os obesos, a atividade daCETP está aumentada. Amesma, portanto, irá pro-mover a transferência doéster de colesterol das lipo-

proteínas ricas em éster de colesterol, como a HDL e alipoproteína de baixa densidade (LDL), em troca dos tri-glicérides das lipoproteínas ricas em triglicérides, comoas VLDL e os quilomícrons. As partículas de HDL ricasem triglicérides, após ação da CETP, sofrem hidrólise pelalipase hepática, tornando-se menores e com depuraçãoplasmática mais rápida. Conseqüentemente, observa-seredução dos níveis de HDL-colesterol e da apolipoprote-ína A-I. As partículas de LDL ricas em triglicérides tambémsofrem lipólise pela lipase hepática, tornando-se pequenas edensas. Existem evidências de que as partículas de LDLpequenas e densas são mais aterogênicas, provavelmentepor penetrarem mais facilmente na íntima da artéria, por so-frerem mais oxidação e por outros motivos(4).

EVIDÊNCIAS EPIDEMIOLÓGICAS DO RISCOCARDIOVASCULAR E DE DIABETES MELITODO TIPO II NA SÍNDROME METABÓLICA

A síndrome metabólica está associada a aumento dorisco de diabetes melito do tipo II e de doença cardiovas-cular(5-7). O ensaio clínico “Paris Prospective Study”(8) ob-servou os fatores de risco cardiovascular em 7 mil indiví-duos do sexo masculino. Após 11 anos de seguimento,os níveis elevados de insulina de jejum representaramfator de risco independente para doença cardiovascular.O risco maior foi observado acima do quarto quintil dosníveis de insulina (concentrações > 19 µU/ml).

O agrupamento de fatores de risco associados à re-sistência à insulina pode causar danos nas artérias muitoantes do desenvolvimento do diabetes melito do tipo II. O“Helsinki Policemen Study”(9) avaliou a relação entre re-sistência à insulina e desenvolvimento de doença arterialcoronariana. Foram feitas mensurações plasmáticas daglicemia e da insulina de jejum em 970 indivíduos saudá-veis, e após 22 anos de seguimento o grupo com insulinaacima dos valores dentro dos determinados tercis apre-sentou freqüência maior de eventos cardiovasculares.

O ensaio clínico San Antonio demonstrou, após 7 anosde seguimento, que a maioria dos pacientes que evoluiupara diabetes melito do tipo II apresentava, além da re-sistência à insulina, desordens metabólicas múltiplas,como baixos níveis de HDL-colesterol, níveis elevados

de triglicérides e hipertensão arterial sistêmica. Esse es-tado pré-diabético não foi observado no grupo que nãodesenvolveu diabetes, no qual houve predomínio da sen-sibilidade à insulina, além da presença de poucos fatoresde risco associados.

A resistência à insulina pode se correlacionar com apresença de aterosclerose incipiente. O “The Insulin Re-sistance Atherosclerosis Study” (IRAS)(10) teve como pro-pósito observar a relação entre resistência à insulina eaterosclerose da artéria carótida interna. Houve correla-ção do espessamento do complexo íntima-média da ar-téria carótida com a presença de resistência à insulina,mesmo quando ajustada para os fatores de risco tradici-onais.

AVALIAÇÃO LABORATORIAL DA RESISTÊNCIA ÀINSULINA NA SÍNDROME METABÓLICA

Existem vários métodos diretos e indiretos que avali-am a presença de resistência à insulina, e os principaisdeles serão descritos a seguir.(11-13)

O método considerado “padrão ouro” para se avaliar aresistência à insulina é o “clamp” euglicêmico-hiperinsuli-nêmico concebido por DeFronzo e colaboradores, em1978. É um método indireto, que consiste na infusão deinsulina contínua no paciente a uma taxa constante, paraque sejam alcançados valores de insulina um pouco aci-ma do basal. A glicemia plasmática é monitorizada e aglicose é infundida continuamente, para que se mante-nha a glicemia próxima ao normal no jejum. Quanto mai-or for a quantidade de glicose infundida no paciente, paraque se mantenha euglicêmico, mais insulino-sensível omesmo é. O inverso dessa resposta demonstra a presen-ça de resistência periférica à insulina. Pela sua alta com-plexidade técnica, o teste é restrito a protocolos de estu-do.

A fim de se evitar procedimentos muito complexos, foidesenvolvido o método HOMA (“Homeostasis Assess-ment Model”), um modelo matemático proposto por Mat-thews e colaboradores, que avalia a sensibilidade à insu-lina e a função da célula beta com valores obtidos simul-taneamente a partir das concentrações plasmáticas deglicose e insulina de jejum. Como a secreção de insulinaé pulsátil, são obtidas três amostras de glicose e de insu-lina de jejum, com intervalos de cinco minutos, sendo uti-lizados os valores médios dessas duas variáveis. O HOMApode ser dividido em dois índices:a) HOMA IR: glicemia de jejum (mmol) X insulina (µU/ml) : 22,5 (esse índice traduz a sensibilidade à insulina);b) HOMA β: 20 X insulina (µU/ml) : glicemia (mmol) - 3,5(esse índice traduz a secreção da célula beta).

Estudos epidemiológicos têm utilizado o HOMA paraa mensuração do grau de resistência à insulina, princi-palmente a longo prazo, pela simplicidade do método epela excelente correlação com o “clamp” euglicêmico.

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MINAME MH e col.Síndrome metabólica

Figura 1. Fisiopatologia da síndrome metabólica.

Outro método é a do-sagem de insulina plas-mática de jejum. Os níveisde insulina plasmática nojejum muitas vezes nãoidentificam a presença deresistência à insulina.Uma determinada por-centagem de pacientescom resistência à insuli-na e diabetes melito dotipo II pode apresentarvalores normais de insulinemia de jejum. A eficáciadessa medida é comprometida mediante alguns fa-tores: a) no jejum, a glicose é mais utilizada por teci-dos que não dependem da ação da insulina; b) a in-sulina em jejum não reflete a ação da insulina emtecidos insulino-dependentes; c) valores reduzidos deinsulina plasmática de jejum, em diabéticos, podemrefletir falência pancreática e não ausência de resis-tência à insulina; d) pode haver reação cruzada coma pró-insulina, que se encontra elevada na resistên-cia à insulina; e e) existe uma variabilidade intra-la-boratorial acentuada na mensuração da insulina, queleva às diferenças encontradas nos resultados. As-sim, o uso rotineiro fica comprometido pelo exposto.

TRATAMENTO DA SÍNDROME METABÓLICA

Modificação do estilo de vidaO primeiro passo para a redução do risco cardiovas-

cular, na síndrome metabólica, consiste na adoção deum estilo de vida mais saudável, visando sempre a trêsobjetivos principais: perda de peso, atividade física regu-lar e plano alimentar mais saudável. A perda de 5% a10% do peso, em indivíduos com sobrepeso ou obesida-de, representa ganho significativo no aumento da sensi-bilidade à insulina, na redução plasmática da mesma ena melhora das manifestações clínicas decorrentes daresistência à insulina. A atividade física aumenta o gastoenergético, que proporciona perda de peso e contribuipara a manutenção do peso adequado. A atividade físicaaumenta a sensibilidade à insulina, observada em indiví-

duos que praticam exercício aeróbico quatro vezes porsemana, durante 30 a 40 minutos. No ensaio clínico “TheDiabetes Prevention Program Group”(14), um grupo depacientes com intolerância à glicose submetido às mu-danças do estilo de vida apresentou significativa reduçãode risco de evoluir para diabetes melito do tipo II, em rela-ção ao grupo tratado com metformina e ao grupo place-bo.

Alguns estudos demonstram que determinadas die-tas podem acentuar as manifestações clínicas da síndro-me metabólica, como as dietas ricas em carboidratos, naausência de perda de peso. Alguns princípios, portanto,devem ser considerados em relação à orientação dietéti-ca, como evitar dietas com baixo teor de gordura e eleva-do teor de carboidratos, a menos que a mesma resulteem perda ponderal, pois quanto mais insulino-resistentefor o indivíduo maior a quantidade de insulina secretadapara a manutenção dos valores normais da glicemia. Naausência de perda de peso, dietas ricas em carboidratospodem aumentar o grau de resistência à insulina. Umaalternativa consiste em substituir parte do conteúdo decarboidratos por gorduras insaturadas, com ingestãomoderada de carboidratos, preferencialmente os carboi-dratos complexos. Outra recomendação é a ingestão defibras solúveis.

Existem evidências de que o tratamento individualiza-do, estimulando o paciente a atingir seus objetivos, podeser mais eficiente que apenas orientações gerais. No es-tudo “Finnish Diabetes Prevention”, 552 indivíduos demeia-idade com sobrepeso e intolerância à glicose, dosquais 76% apresentavam síndrome metabólica, foram ran-

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MINAME MH e col.Síndrome metabólica

domizados para grupo con-trole (receberam orienta-ções gerais sobre atividadefísica e perda de peso) oupara grupo intervenção(atendimento individualiza-do com aconselhamento eseguimento visando à per-da de peso, à redução daingesta de gordura, ao au-mento da ingestão de fibras,e ao aumento da atividade

física). Após um ano, o grupo intervenção perdeu maispeso que o controle (4,2 kg comparativamente a 0,8 kg; p< 0,001), e durante todo o período do estudo (seguimen-to médio de 3,2 anos) o grupo intervenção apresentouredução de 58% no risco de desenvolver diabetes com-parativamente com o grupo controle (p < 0,001)(15).

Tratamento medicamentosoEmbora as modificações do estilo de vida reduzam o ris-

co de diabetes melito do tipo II e de eventos cardiovascula-res, pode haver necessidade de intervenções farmacológi-cas. O tratamento medicamentoso da síndrome metabólicapode ser instituído para controle dos seguintes fatores derisco: hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, diabetesmelito, resistência à insulina, e obesidade.

A pressão arterial deve ser tratada com a meta de umaredução para valores inferiores a 135 mmHg x 80 mmHg,em indivíduos de alto risco para eventos cardiovasculares.Os diabéticos beneficiam-se de valores de pressão arterialinferiores a 130 mmHg x 80 mmHg e aqueles com proteinú-ria acima de 1 g/24 horas devem atingir cifras inferiores a 120mmHg x 75 mmHg(16).

As estatinas são os hipolipemiantes de primeira linha(1),tendo demonstrado benefícios na evolução clínica de paci-entes diabéticos(17). Alguns estudos realizados com portado-res de diabetes melito do tipo II demonstraram que a rosu-vastatina é mais efetiva que a atorvastatina em reduzir o LDL-colesterol, melhorando a relação apoB/apoA1 e com melhorpotencial para atingir as metas de LDL-colesterol(18, 19). O es-tudo MERCURY I(20) avaliou o impacto da troca de atorvasta-tina 10 mg, sinvastatina 20 mg ou pravastatina 40 mg porrosuvastatina 10 mg em 3.140 pacientes hipercolesterolêmi-cos, dos quais 1.342 apresentavam síndrome metabólica.Uma análise de subgrupo comparou os efeitos das estatinasno perfil lipídico daqueles com síndrome metabólica contraos que não apresentavam síndrome metabólica. No gruporosuvastatina na dose de 10 mg, 77% dos pacientes comsíndrome metabólica atingiram as metas de LDL-colesterolpreconizadas pela NCEP-ATP III, sendo significativamentemaior que os grupos atorvastatina 10 mg (62%), sinvastatina20 mg (51%) ou pravastatina 40 mg (34%). O estudo CO-METS, que comparou rosuvastatina (10-20 mg/dia) com ator-vastatina (10-20 mg/dia) em pacientes com síndrome meta-

bólica, também demonstrou maior taxa de metas de LDL-colesterol atingidas a favor do grupo rosuvastatina(21).

Entre as drogas para tratamento do diabetes melito dotipo II em pacientes com síndrome metabólica, vem ganhan-do importância o papel das tiazolidineodionas, também de-nominadas de sensibilizadores de insulina. Essas drogasreduzem a resistência periférica (dos tecidos adiposo e mus-cular) à ação da insulina. Atualmente existem dois compos-tos disponíveis: roziglitazona e pioglitazona. O mecanismode ação dessa classe de medicamentos se dá por meio daligação e da ativação de receptores intranucleares denomi-dados PPAR (“peroxisome proliferator-activator receptor”). Háquatro tipos descritos de PPAR, e as tiazolidineodionas esti-mulam os PPAR gama, que estão localizados principalmen-te nos tecidos adiposo e muscular e nas células endoteliaisdos vasos. A ação dos PPAR gama consiste em modular ainteração entre os tecidos adiposo e muscular. Quando seadministram os ativadores dos PPAR gama, ou ligantes dosPPAR gama, em indivíduos com resistência à insulina, ob-serva-se redução dos níveis plasmáticos de ácidos graxoslivres. O mecanismo exato desse efeito é desconhecido, maspode estar relacionado com o aumento da oxidação dos áci-dos graxos livres dentro dos adipócitos, e/ou a redistribuiçãodos depósitos de gordura central dos tecidos adiposo e mus-cular para o tecido adiposo subcutâneo. A redução dos ní-veis de ácidos graxos circulantes resulta na maior captaçãode glicose pela célula muscular, com melhor ação da insuli-na. Esses ativadores dos PPAR gama também diminuem osfatores produzidos e secretados pelo tecido adiposo (TNF-alfa e resistina, entre outros), que promovem a resistência àinsulina e a inflamação vascular, aumentando a secreção defatores que inibem esses processos. A eficácia das tiazolidi-neodionas em reduzir os níveis de glicose plasmática é, emmédia, de 50 mg/dl e o da glico-hemoglobina, de 0,8 a 1,5ponto porcentual. Elevam os valores de HDL-colesterol em10% a 15% e de LDL-colesterol, em 15%. A pioglitazonareduz os níveis de triglicérides em 28% e a rosiglitazona nãoaltera esses níveis. O efeito colateral comum é o ganho pon-deral de 1 kg a 2 kg, mais exacerbado quando essas drogassão associadas a sulfoniluréias e insulina. Em 5% dos casosobserva-se edema com retenção hídrica e queda de hema-tócrito. Há aumento crescente de relatos de pacientes emuso de tiazolidinedionas que apresentaram insuficiência car-díaca congestiva, relacionada à expansão volêmica, por re-tenção fluida. Até o momento não há casos de hepatotoxici-dade com o uso de rosiglitazona e pioglitazona, ao contráriodo ocorrido com a trogitazona, que foi retirada do mercado.As tiazoledinedionas podem se tornar um fármaco atrativono manejo da síndrome metabólica, visando à sensibilidadeà insulina e à prevenção da aterosclerose. Foram descritosefeitos favoráveis da troglitazona e da pioglitazona sobre aprogressão da espessura íntima-média carotídea (IMT) decarótida em portadores de diabetes melito do tipo 2(22, 23). Otratamento da rosiglitazona em pacientes coronarianos,mas não diabéticos, resultou em redução de parâmetros

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MINAME MH e col.Síndrome metabólica

inflamatórios e de ativaçãocelular endotelial(24). Atual-mente encontra-se em es-tudo o fármaco tesaglitazar.Trata-se de um agonista dePPAR alfa e gama, cujo pro-pósito é melhorar a resis-tência à insulina e tambémas anormalidades no perfiltanto lipídico como glicêmi-co. Estudo randomizado re-alizado por Fagerberg e co-

laboradores(25) em 390 indivíduos não-diabéticos com hi-pertrigliceridemia e obesidade abdominal, comparando aeficácia e a segurança do tesaglitazar (0,1, 0,25, 0,5 e1,0 mg/dia) contra placebo, demonstrou melhora do perfillipídico e da sensibilidade à insulina no grupo tesaglita-zar, representada respectivamente por queda dos trigli-cérides de 37% (p < 0,0001), queda do colesterol não-HDL de 15% (p < 0,0001) e aumento do HDL-colesterolde 16% (p < 0,0001), e por redução da concentração deinsulina de jejum (-35%; p < 0,0001) e de glicose plasmá-tica de jejum (p < 0,0001). Infecções respiratórias e sin-tomas gastrointestinais foram os efeitos adversos maiscomuns e ocorreram de forma similar em todos os gru-pos. Dessa forma, trata-se de uma droga promissoracomo auxiliar no manejo de pacientes com síndromemetabólica.

A metformina oferece um benefício em potencial parao tratamento da síndrome metabólica. Esse medicamen-to tem sido amplamente utilizado no tratamento do dia-betes melito do tipo II e da síndrome dos ovários policís-ticos. A metformina pertence ao grupo das biguanidas eseu principal mecanismo de ação é a diminuição da pro-dução de glicose hepática. É indicada em pacientes comdiabetes melito do tipo II que não responderam à dieta eque são geralmente obesos, pois costumam perder pesocom essa medicação. Apesar de as mudanças de estilode vida terem sido mais eficazes que o tratamento medi-camentoso, os resultados do “Diabetes Prevention Pro-gram”(26) demonstraram que a progressão dos indivíduoscom intolerância à glicose para o desenvolvimento do di-abetes melito do tipo II foi significativamente menor nogrupo metformina em relação ao placebo, confirmando aação benéfica dessa terapêutica na prevenção do diabe-tes melito do tipo II. Esse medicamento reduz os níveisde insulina plasmática e melhora o metabolismo da glico-se e dos lipídeos nos indivíduos com resistência à insuli-na. A metformina reduz os níveis de triglicérides (em 10%a 15%) e do inibidor-1 do ativador do plasminogênio (PAI-1). Essas drogas não causam hipoglicemia em pacientesnão-diabéticos, mesmo em doses elevadas. Não sãometabolizadas pelo fígado e sua excreção é renal. A aci-

dose lática é uma complicação muito rara e está relacio-nada com alterações na excreção renal da metforminaou a algumas condições de acidose acentuada. O uso dametformina está contra-indicado em pacientes com po-tencial para desenvolver acidose lática: em portadoresde insuficiência cardíaca, respiratória renal, hepática, nagravidez e alcoolismo. Os efeitos colaterais mais comuns(gosto metálico na boca, desconforto abdominal e diar-réia) são relacionados à dose do medicamento. No estu-do UKPDS, a metformina foi eficaz em prevenir as com-plicações cardiovasculares em pacientes com diabetesmelito do tipo II e obesos, para os quais deve ser o medi-camento de primeira linha. Atualmente existem evidênci-as de melhora da função endotelial com o uso da metfor-mina em pacientes com síndrome metabólica(27).

A obesidade presente na síndrome metabólica tam-bém deve ser tratada de forma ativa. Recomenda-se ouso de medicamentos nos indivíduos portadores de sín-drome metabólica com obesidade (índice de massa cor-pórea > 30 kg/m2) ou com excesso de peso (índice demassa corpórea entre 25 kg/m2 e 30 kg/m2) desde queacompanhado de co-morbidades e que não tenham per-dido 1% do peso inicial por mês, após um a três mesesde tratamento não-medicamentoso(16). Atualmente exis-tem cinco medicamentos para o tratamento da obesida-de no Brasil (anfepramona, femproporex, mazindol, sibu-tramina e orlistat), porém as duas medicações de esco-lha no tratamento da obesidade na síndrome metabólicasão o orlistat e a sibutramina(16). Mais recentemente vemapresentando resultados promissores uma nova drogaantagonista de receptor canabióide tipo 1: o rimonabant.Alguns estudos com esse fármaco vêm demonstrandoresultados promissores no tratamento da obesidade e defatores de risco metabólicos relacionados, além do trata-mento da dependência ao tabagismo(28). Estudo realizadopor Van Gaal e colaboradores(29) envolvendo 1.507 pacien-tes com índice de massa corpórea > 30 kg/m2 ou índice demassa corpórea > 27 kg/m2 com dislipidemia tratada ou não,hipertensão ou ambos foram randomizados para placebo,rimonabant 5 mg ou rimonabant 20 mg, seguidos por umano. A perda de peso em um ano foi significativamentemaior no grupo rimonabant 5 mg (média de -3,4 kg; p =0,002 vs. placebo) e no grupo rimonabant 20 mg (-6,6 kg;p < 0,001 vs. placebo), comparativamente com o grupoplacebo. O grupo rimonabant 20 mg produziu significati-vamente maior redução da circunferência abdominal,aumento do nível de HDL-colesterol e de triglicérides, alémde maior redução da resistência à insulina e da prevalên-cia da síndrome metabólica. Os efeitos de 5 mg de rimo-nabant foram clinicamente menos significativos. Dessaforma, o rimonabant pode se tornar, futuramente, umasdas drogas de grande potencial no tratamento da obesi-dade na síndrome metabólica.

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MINAME MH e col.Síndrome metabólica

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METABOLIC SYNDROME

MARCIO HIROSHI MINAME, ANA PAULA MARTE CHACRA

The authors describe the newest criteria for diagnosis of metabolic syndromeproposed by the International Diabetes Federation. Furthermore, they comment aboutthe importance of insulin resistance as an important risk factor for cardiovasculardisease and its importance on the physiopathology of dyslipidemia. Finally, the au-thors comment about current strategies on the management of metabolic syndromeas well as newer medications, like rimonabant and PPAR alpha and gama inhibitors.

Key words: metabolic syndrome, physiopathology, treatment.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:482-9)RSCESP (72594)-1571

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MAGALHÃES CCe cols.

Hipertrigliceridemia:implicações clínicas e

terapêuticas

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, estudos experimentais, epidemio-lógicos, genéticos e intervencionistas têm validado que ofator central do processo aterosclerótico é a dislipidemia,e que grandes avanços têm sido obtidos nos últimos anos,contribuindo para que os clínicos melhorem sua capaci-dade para identificar e efetivamente tratar as alteraçõeslipídicas, que incluem níveis elevados de colesterol total,de colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol), de triglicérides e de lipoproteína (a), e de ní-veis baixos de colesterol de lipoproteína de alta densida-de (HDL-colesterol).

A elevação plasmática dos níveis de triglicérides (hi-

HIPERTRIGLICERIDEMIA: IMPLICAÇÕES CLÍNICAS ETERAPÊUTICAS

CARLOS COSTA MAGALHÃES, ANTONIO CARLOS PALANDRI CHAGAS,PROTÁSIO LEMOS DA LUZ

Unidade Clínica de Aterosclerose – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – CerqueiraCésar – CEP 05403-900 – São Paulo – SP

A hipertrigliceridemia tem sido associada a risco de doença arterial coronária,mas sua associação não é tão forte como a da lipoproteína de baixa densidade(LDL), e a relação dos triglicérides com a aterosclerose tem sido fonte de certaconfusão para os clínicos. Tal confusão decorre em parte dos dados pouco expres-sivos obtidos dos estudos epidemiológicos, quando são extrapolados para o cenárioclínico. Níveis elevados de triglicérides (> 180 mg/dl) associados a níveis baixos decolesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol) (< 40 mg/dl) são predi-tores de risco coronário elevado, principalmente se a relação colesterol total/HDL-colesterol for superior a 5. Os fibratos contribuem para importante redução dos ní-veis de triglicérides, atuando discretamente sobre os níveis de LDL-colesterol, ten-do papel destacado no aumento dos níveis de HDL-colesterol. Segundo os resulta-dos de alguns estudos, existem evidências da importância da redução dos níveisséricos das concentrações da lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL), comodemonstrado no estudo angiográfico BECAIT, em que os níveis de LDL-colesterolnão foram afetados e os benefícios clínicos e angiográficos parecem estar relacio-nados à redução dos níveis de triglicérides (VLDL) e de fibrinogênio, com elevaçãodos níveis de HDL-colesterol.

Palavras-chave: triglicérides aumentado, risco coronário, HDL-colesterol baixo.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:490-5)RSCESP (72594)-1572

pertrigliceridemia) é mais freqüentemente observada napresença de obesidade e nos indivíduos que fazem usode dieta rica em calorias, açúcares e gordura saturada,principalmente em diabéticos, sendo um dos componen-tes da síndrome metabólica quando está associado à di-minuição do HDL-colesterol e de níveis normais de LDL-colesterol, mas com predomínio da LDL pequena e den-sa (fenótipo B) mais aterogênica, além de aumento geraldas lipoproteínas contendo apolipoproteína B (apoB).

A hipertrigliceridemia também está associada com ris-co de doença arterial coronária, não apresentando, noentanto, relação tão forte como a do LDL-colesterol, tor-nando a associação triglicérides e aterosclerose fonte decerta confusão, que decorre em parte de dados epidemi-

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 491

MAGALHÃES CCe cols.

Hipertrigliceridemia:implicações clínicas e

terapêuticas

ológicos extrapolados paraa prática clínica.

Em análises univariadasde vários estudos prospec-tivos, quando os níveis detriglicérides são superioresa 400 mg/dl existe risco au-mentado de coronariopa-tia(1), principalmente em pa-cientes do sexo feminino eem jovens. Contudo, quan-do são realizados ajustes

estatísticos para avaliar o efeito de outros fatores de ris-co, principalmente com HDL-colesterol, o poder dos trigli-cérides enfraquece ou desaparece.(1-3)

Esse achado acontece por causa das diferenças nometabolismo da HDL e da lipoproteína de muito baixadensidade (VLDL), que normalmente carrega o triglicéri-de plasmático, sendo essas lipoproteínas metabolizadasrapidamente, com meia-vida em menos de uma hora.

Entretanto, a HDL é metabolizada muito mais lenta-mente, tendo sua meia-vida por vários dias. As lipoprote-ínas VLDL e HDL são, no entanto, estreitamente ligadasmetabolicamente, e as concentrações da HDL são usual-mente baixas, quando a concentração dos triglicérides(VLDL) está elevada. A HDL, portanto, torna-se um indi-cador reverso ao que ocorre no metabolismo das VLDL(triglicérides). Do ponto de vista prático, os níveis de HDL-colesterol podem ser usados como indicador de distúrbionos triglicérides, assim como a hemoglobina glicosiladaé usada para indicar quando os níveis glicêmicos estãosob controle, num período de dias ou semanas.

Outra razão para a confusão sobre o papel dos trigli-cérides na doença coronária é que somente parte do tri-glicéride plasmático está relacionada à aterosclerose.Todas as lipoproteínas contêm triglicérides, e as lipopro-teínas ricas em triglicérides, em sua maioria, são quilo-mícrons sintetizados pela mucosa da parede do intestinodelgado, e as VLDL são sintetizadas no fígado. A LDL e aHDL também contêm pequenas quantidades de triglicéri-des.

A hipertrigliceridemia severa pode decorrer dos quilo-mícrons elevados e das VLDL de grande peso molecular,podendo levar à pancreatite, não sendo considerada ate-rogênica por ser de grande tamanho e não penetrando,portanto, na parede arterial(4).

Entretanto, as VLDL de menor peso molecular, bemcomo as IDL (lipoproteínas de densidade intermediária)e as LDL, são aterogênicas, e a hipertrigliceridemia de-corrente das altas concentrações plasmáticas dessas li-poproteínas, por conseguinte com maior facilidade parapenetração na parede arteriolar, identifica os indivíduossob risco aumentado de doença coronária.

A hipertrigliceridemia familiar (tipo IV da hiperlipopro-teinemia) é identifcada pela presença de níveis séricos

significativamente elevados, que resultam de defeitosgenéticos enzimáticos e de apolipoproteínas, com con-centração plasmática de jejum variando de 200 mg/dl a500 mg/dl (2,3 mmol/l a 5,7 mmol/l) e pós-prandial po-dendo exceder a 1.000 mg/dl (11,3 mmol/l). Os níveis deLDL-colesterol e de HDL-colesterol estão freqüentemen-te reduzidos, com níveis de colesterol total normais ouelevados, dependendo dos níveis de VLDL-colesterol. Éencontrada em parentes de primeiro grau, e sua preva-lência pode variar de 1:100 a 1:50, com variabilidade fe-notípica relacionada a sexo, idade, dieta rica em caloriase carboidratos, e uso de álcool e de hormônio, principal-mente de estrogênio(5-7).

IMPLICAÇÕES CLÍNICAS

A implementação de estratégias preventivas requeruma abordagem prática e esquemática. Na década de1990, o “American College of Cardiology” desenvolveuuma classificação para a intervenção sobre os fatores derisco modificáveis, que resultaria na redução de risco car-diovascular, a qual foi dividida em quatro categorias(8):– Classe 1 – intervenção sobre fatores que comprovada-

mente reduzem o risco, como tabagismo, LDL-coles-terol, dieta rica em gordura saturada e colesterol, ehipertensão;

– Classe 2 – intervenção sobre fatores que provavelmen-te reduzem a incidência de eventos cardiovasculares,como diabetes melito, sedentarismo, HDL-colesterol,triglicérides, obesidade e menopausa;

– Classe 3 – fatores que são aparentemente associadoscom risco coronariano aumentado, que, se modifica-do, pode reduzir a incidência de eventos, como fato-res psicossociais, lipoproteína (a), homocisteína, es-tresse oxidativo, e consumo de álcool;

– Classe 4 – fatores associados com risco coronarianonão-modificáveis ou, se modificáveis, não parecemreduzir o risco (idade, sexo, baixa condição socioeco-nômica e história familiar de doença cardiovascular).Na classe 2, em que os triglicérides são um dos fato-

res de maior relevância, dados obtidos de pesquisa bási-ca e de grandes estudos observacionais indicam forterelação causal e sugerem que intervenções provavelmenteirão reduzir a incidência de eventos, mas esses dadossão limitados quanto aos benefícios, ao risco e ao custodessa intervenção. Apesar dessa limitação, a interven-ção sobre os fatores de risco dessa classe são úteis naavaliação do risco cardiovascular global, e tem o potenci-al para redução do risco coronariano primário e secundá-rio. A hipertrigliceridemia encontra-se freqüentementeassociada a diabetes, obesidade, sedentarismo e consu-mo de álcool, e sua prevalência está diretamente ligada aníveis baixos de HDL-colesterol, que resulta de transtor-no metabólico diferente do encontrado quando os níveisde LDL-colesterol estão elevados.

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492 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005

MAGALHÃES CCe cols.

Hipertrigliceridemia:implicações clínicas e

terapêuticas

O HDL-colesterol temsido considerado importan-te preditor de risco coroná-rio independente, em quepara cada 1 mg/dl de redu-ção no HDL-colesterol ocor-re 3% a 4% de aumento dadoença arterial coronária(9, 10).Evidências têm demonstra-do que as relações coles-terol total/HDL-colesterol eLDL-colesterol/HDL-coles-

terol são melhores preditores de risco coronário que oLDL-colesterol isolado. Dados obtidos do estudo “Physi-cians Health Study” sugerem que a redução de uma uni-dade dessa relação, que pode ser facilmente conseguidacom uma vastatina, reduz o risco de infarto do miocárdioem 53%(11).

A imprecisão dos valores de triglicérides, decorrenteda variabilidade individual, e as interações complexasentre triglicérides e outros parâmetros lipídicos podemobscurecer o impacto dos triglicérides no desenvolvimentoda doença arterial coronária. Contudo, níveis de triglicéri-des de jejum representam útil marcador de risco, princi-palmente se forem considerados os níveis de HDL-coles-terol(12). Dados de estudos baseados em estratégias in-tervencionistas em portadores de HDL-colesterol baixoou hipertrigliceridemia com níveis de LDL-colesterol nor-mal são bastante limitados.

IMPLICAÇÕES TERAPÊUTICAS

Dentre alguns dos estudos epidemiológicos, o “Pros-pective Cardiovascular Muenster” (PROCAM) demonstrouque a relação entre dislipidemia e eventos coronáriospoderia ter ligação com a relação colesterol total/HDL-colesterol elevados, associada a hipertrigliceridemia(13).Esses dados corroboraram os do “Helsinski Heart Stu-dy”, que demonstrou que 70% dos eventos coronáriosnesse estudo de prevenção primária com gemfibrozil ocor-reram em um subgrupo semelhante à coorte global, quecorresponde a 10% dos indivíduos randomizados(14).

O PROCAM publicou, em 1998, o seguimento de 8anos(15), que analisava parâmetros lipídicos e caracterís-ticas clínicas em 17.437 homens e 8.065 mulheres commédia de idade variando entre 40,4 anos e 36 anos, res-pectivamente. Os fatores de risco considerados foram ta-bagismo, diabetes, história familiar de infarto do miocár-dio e hipertensão arterial sistólica como preditores inde-pendentes de risco coronário, associados aos parâme-tros lipídicos clássicos. A relação LDL-colesterol/HDL-co-lesterol acima de 5, usada como marcador de risco au-mentado nas avaliações anteriores, foi associada a 19,2%de probabilidade de um paciente desenvolver evento ate-rosclerótico significativo num período de oito anos.

Em um subgrupo de participantes que apresentavamhipertrigliceridemia associada a relação LDL-colesterol/HDL-colesterol superior a 5, a taxa de eventos coronári-os foi de aproximadamente 26,9%, elevando em seis ve-zes o risco coronário nesse pequeno subgrupo de indiví-duos.

O PROCAM também considerou a correlação entremortalidade por doença coronária e hipertrigliceridemiacomo fator de risco independente para eventos coronári-os, não considerando os níveis de HDL-colesterol e deLDL-colesterol. Por causa de problemas inerentes asso-ciados aos estudos epidemiológicos, os mecanismos sub-jacentes ou a causalidade do risco aumentado decorren-te desse parâmetro lipídico não puderam ser delineados.Um possível mecanismo dessa associação inclui a liga-ção entre hipertrigliceridemia e incidência aumentada deaterosclerose em decorrência da propensão para hiper-coagulabilidade e da persistência na circulação de subpo-pulações aterogênicas de partículas ricas em triglicéri-des(16).

O “Copenhagen Male Study” é outro estudo epidemi-ológico, prospectivo, iniciado na década de 1970, em que2.906 homens foram seguidos por 8 anos(17). Os pacien-tes foram categorizados em fatores de risco para ateros-clerose lipídicos e não-lipídicos, de acordo com o tercil donível de triglicérides em jejum. Níveis elevados de triglicé-rides foram associados a níveis elevados de colesteroltotal, de LDL-colesterol, de pressão arterial tanto sistóli-ca como diastólica, e de índice de massa corpórea, comgrande prevalência de hipertensão arterial e diabetes.Níveis baixos de HDL-colesterol e sedentarismo tambémestavam associados a elevação dos triglicérides. Duranteo período de seguimento, 229 indivíduos tiveram eventoisquêmico, dos quais 66 foram fatais. A mortalidade glo-bal também foi documentada e 426 homens morreramdurante esse estudo. Foi encontrada associação entreníveis de triglicérides e presença de doença arterial coro-nária, tendo como base os tercis de HDL-colesterol, rela-ção que permaneceu nos controles adicionais para fato-res conflitantes, como efeitos das medicações anti-hiper-tensivas, sedentarismo, uso de álcool, e classe socioeco-nômica.

A taxa de incidência cumulativa de eventos isquêmi-cos foi de 4,6% para tercil inferior dos níveis de triglicéri-des, 7,7% no médio, e 11,5% no superior (p < 0,01). Apóscontrole de outros fatores de risco para doença isquêmi-ca, incluindo HDL-colesterol, os pesquisadores encontra-ram risco relativo para doença isquêmica de 1,5 (p = 0,05)e de 2,2 (p < 0,001) para tercil médio e superior, respec-tivamente. O “Copenhagen Male Study” indicou que umgradiente de risco para aterosclerose pode ser demons-trado pelos níveis elevados de triglicérides, independen-temente de outros fatores de risco.

Em estudo de intervenção, o “Helsinki Heart Study”demonstrou que o gemfibrozil (fibrato), agente usado para

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MAGALHÃES CCe cols.

Hipertrigliceridemia:implicações clínicas e

terapêuticas

redução dos níveis de trigli-cérides e elevação dos ní-veis de HDL-colesterol,contribuiu para redução derisco entre os indivíduoscom níveis elevados decolesterol total e de LDL-colesterol(18). Ao final da dé-cada de 1990, o estudo “Ve-terans Affairs High-DensityLipoprotein Cholesterol In-tervention Trial” (VA-HIT)

demonstrou que uma redução de 22% de eventos cardi-ovasculares foi observada com o uso de gemfibrozil napopulação de indivíduos com níveis de HDL-colesterolabaixo de 40 mg/dl (1,0 mmol/l)(19). Essa redução de riscoocorreu na ausência de significativa mudança dos níveisde LDL-colesterol, dado que reforça o potencial dos agen-tes que atuam sobre os níveis de HDL-colesterol e detriglicérides.

No estudo angiográfico “Bezafibrate Coronary Athe-rosclerosis Intervention Trial” (BECAIT), duplo-cego, pla-cebo controlado, com duração de cinco anos, 92 pacien-tes foram randomizados, dos quais 42 pacientes utiliza-ram bezafibrato e 39, placebo. Pacientes jovens, sexomasculino, menos de 45 anos de idade, sobreviventes deum primeiro episódio de infarto do miocárdio, escolhidospelo fato de os investigadores terem identificado determi-nado número de alterações hemostáticas e metabólicas,que incluíam níveis elevados de fibrinogênio, resistênciainsulínica e tríade lipídica (hipertrigliceridemia, HDL-co-lesterol baixo e LDL-colesterol de pequena densidade)foram alguns dos critérios de inclusão de pacientes. Esseestudo foi desenhado para avaliar a provável progressãoda alteração angiográfica aterosclerótica nos pacientessob regime medicamentoso e nos que permaneceramem dieta. A análise angiográfica demonstrou redução de0,13 mm na média do diâmetro mínimo do lúmen da le-são no grupo de pacientes sob uso de gemfibrozil, quan-do comparado com placebo (p = 0,049). Níveis de fibrino-gênio e de apoB foram significativamente reduzidos nogrupo gemfibrozil, e apo AI aumentou em três vezes quan-do comparada com placebo. O BECAIT foi um estudopequeno, que enfatiza a importância da seleção dos pa-cientes em relação à terapêutica empregada. Embora omecanismo preciso do benefício do bezafibrato não pos-sa ser deduzido nesse estudo, os resultados podem sersecundários pela combinação da redução dos níveis detriglicérides, fibrinogênio e outros mecanismos envolvi-dos na composição dos níveis das lipoproteínas e apoli-poproteínas(20, 21).

Já o estudo “Lopid Coronary Angiography Trial” (LO-CAT) analisou o efeito do gemfibrozil numa coorte de ho-mens submetidos a cirurgia de revascularização miocár-dica(22). No total, 395 pacientes foram randomizados para

receber gemfibrozil de ação prolongada ou dieta, comseguimento controlado por avaliação angiográfica 32meses após alocação para medicamento ou placebo. Ogemfibrozil reduziu os níveis de triglicérides em 36%, as-sociado à elevação dos níveis de HDL-colesterol de 21%,quando comparado com o início do tratamento. O benefí-cio encontrado foi o de redução estatisticamente signifi-cativa do diâmetro mínimo da lesão estenótica do vasono grupo sob uso de gemfibrozil, quando comparado complacebo (p = 0,002). Novas lesões também foram anali-sadas, e 14% dos pacientes alocados para dieta desen-volveram novas lesões, comparados com 2% no gruposob uso de gemfibrozil (p < 0,001). Esse estudo enfatizoua importância clínica da determinação do fenótipo lipídi-co como um guia para decisão farmacológica.

Embora todos os agentes hipolipemiantes tenham al-gum efeito nos níveis de colesterol total, LDL-colesterol,HDL-colesterol e VLDL-colesterol, os derivados do ácidofíbrico têm papel importante nos pacientes com níveisisolados de HDL-colesterol baixo ou elevados de triglicé-rides. A evolução angiográfica no estudo LOCAT, que foidesenhado para também avaliar o impacto da terapêuti-ca nos níveis de HDL-colesterol baixo, foi quantitativa-mente semelhante a outros estudos angiográficos comvastatinas em pacientes portadores de aterosclerose edislipidemia caracterizada predominantemente pela ele-vação de colesterol total ou de LDL-colesterol.

Recentemente foi publicado o estudo “The CiproamlatStudy”(23), que utilizou o ciprofibrato nos 437 pacientes de4 países latino-americanos (Brasil, Chile, Colômbia eMéxico), que apresentavam níveis de triglicérides de je-jum entre 150 mg/dl e 350 mg/dl (1,6 mmol/l a 3,9 mmol/l), HDL-colesterol abaixo de 40 mg/dl (≤ 1,05 mmol/l) paramulheres e de 35 mg/dl (≤ 0,9 mmol/l) para homens, eLDL-colesterol abaixo de 160 mg/dl (< 4,2 mmol/l). Apósquatro meses os níveis de triglicérides diminuíram 44%(p < 0,001), os de HDL-colesterol aumentaram 10% (p <0,001), e os níveis de colesterol não-HDL diminuíram 19%(o colesterol não-HDL foi calculado subtraindo-se o HDLdo colesterol total). Respostas mais evidentes do HDL-colesterol foram observadas em pacientes com índice demassa corpórea < 25 kg/m2, quando comparados com oresto da população (8,2% vs. 19,7%; p < 0,001). Contras-tando, casos com peso corpóreo excessivo obtiverammaiores diminuições dos níveis do colesterol não-HDL(-20,8% vs. 10,8%; p < 0,001). Com o uso do ciprofibratoe de dieta isocalórica, aproximadamente metade dos ca-sos alcançou as metas de triglicérides de 150 mg/dl (1,68mmol/l) e cerca de 51% dos pacientes atingiram as me-tas do HDL-colesterol de 40 mg/dl.

CONCLUSÃO

Todos os pacientes com HDL-colesterol baixo ou hi-pertrigliceridemia devem receber recomendações para

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MAGALHÃES CCe cols.

Hipertrigliceridemia:implicações clínicas e

terapêuticas

modificação de seu estilode vida, que incluem dietacom baixa quantidade degordura saturada e aumen-to da atividade física.

Na prevenção secundá-ria, pacientes com níveiselevados de LDL-colesterol,que tenham níveis baixos

HYPERTRIGLYCERIDAEMIA: CLINICAL ANDTHERAPEUTICAL IMPLICATIONS

CARLOS COSTA MAGALHÃES, ANTONIO CARLOS PALANDRI CHAGAS,PROTÁSIO LEMOS DA LUZ

Hypertriglyceridaemia is also associated with risk of coronary heart disease, but theassociation is not as strong as it is for low density lipoprotein (LDL), and the relati-onship of triglycerides to atherosclerosis has been a source of confusion to clinici-ans. The confusion is due in part to the oversimplified extrapolation of epidemiologi-cal data into the clinical setting. High plasma triglyceride levels (> 180 mg/dl) asso-ciated to low HDL-cholesterol levels (< 40 mg/dl) predicts high risk of coronary heartdisease, especially if the total cholesterol/HDL-cholesterol ratio is greater than 5.Fibrates significantly contribute to the reduction of triglycerides with modest effect inLDL-cholesterol, and important elevation of HDL-cholesterol levels. There is alsosome trial evidences of the importance of lowering serum concentrations of VLDL,as observed in the BECAIT angiographic trial, according to which LDL-cholesterolwas unaffected, and angiographic and clinical benefits seemed to be related to re-ductions in triglycerides (VLDL) and fibrinogen and elevations of HDL.

Key words: hypretriglyceridaemia, coronary heart disease, low HDL-cholesterol.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:490-5)RSCESP (72594)-1572

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de HDL-colesterol ou hipertrigliceridemia, devem ser tra-tados adequadamente, devendo ser considerada a pos-sibilidade de terapêutica combinada (fibrato e vastatina).

Na prevenção primária, medidas não-farmacológicasdevem ser enfatizadas para os indivíduos que tenhamníveis normais de LDL-colesterol, mas com níveis baixosde HDL-colesterol e/ou hipertrigliceridemia, porque da-dos de estudos com o uso de medicação nesses casossão ainda insuficientes.

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MAGALHÃES CCe cols.

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MARTINEZ TLR e cols.Tratamento não-

farmacológico dasdislipidemias: o que os

estudos ensinaram?

A intervenção não-farmacológica das dislipidemias nãopode ser abordada em caráter monotemático; tanto asrecomendações preconizadas (multiprofissionais) para oestilo de vida como as respectivas respostas sobrepujamos dados bioquímicos do perfil lipídico. Antes de prescre-vermos as modificações de estilo de vida, há de se aten-tar para uma anamnese detalhada dos hábitos e dos com-portamentos de cada paciente.

Estilo de vida é uma expressão que encerra enormegama de comportamentos e atitudes de um indivíduo oude uma sociedade. Fatores culturais, sociais, psicológi-cos, genéticos, ambientais, educacionais, históricos, ge-ográficos, políticos, midiáticos, mercadológicos e outroscombinam-se e têm o poder de impulsionar ou induzir ocomportamento do ser humano, levando-o a fazer esco-

TRATAMENTO NÃO-FARMACOLÓGICO DASDISLIPIDEMIAS: O QUE OS ESTUDOS ENSINARAM?

TANIA LEME DA ROCHA MARTINEZ, HELENA MARIA DO NASCIMENTO,CARLOS ALBERTO ALMEIDA DE MORAES

Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – 2º andar –Bloco 2 – Sala 4 – Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP

Neste artigo os autores versam sobre o tratamento não-farmacológico das disli-pidemias, em que as mudanças de estilo de vida são apreciadas, tanto aquelasrelacionadas à dieta e as advindas dos exercícios físicos como as relacionadas aoabandono do hábito de fumar e às medidas antiestresse. Relatam o que os estudosinternacionais demonstraram e, em nosso meio, os trabalhos de Moraes, que avali-aram parâmetros clínicos e laboratoriais em 279 pacientes submetidos a interven-ção aguda no estilo de vida (média, 14,27 dias), as modificações produzidas poresse tratamento e a presença e a reversão da síndrome metabólica. Os parâmetrosbioquímicos utilizados foram: colesterol total, frações HDL-colesterol e LDL-coleste-rol, triglicérides, glicose e ácido úrico plasmáticos. Houve melhora significante dospadrões bioquímicos de entrada, com destaque para os pacientes com síndromemetabólica, entre os quais aproximadamente 36% deixaram de apresentar essacondição. A intervenção aguda de estilo de vida reduziu ou reverteu os fatores derisco para doença arterial coronariana.

Palavras-chave: colesterol, dislipidemia, estilo de vida, tratamento.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:496-505)RSCESP (72594)-1573

lhas e opções muitas vezes automáticas e irrefletidas, sobcerto aspecto, subtraindo a este ser o atributo que o tor-na tão destacado na história da vida: o livre arbítrio. Naevolução da vida o ser humano foi suprido de especializa-da capacidade, sobreposta à de qualquer outra espécie,qual seja a de interagir com o meio, seus semelhantes eoutras espécies, formar juízo próprio a respeito de si edessas relações, podendo decidir sobre quais as condu-tas que lhe convêm e segui-las ou não, se assim lhe aprou-ver.

Todavia, no último século, com o advento de fatores etendências como economia de escala, economia de mer-cado, sociedade de consumo e urbanização social, entreoutros, o ser humano tem adotado um estilo de vida quecoloca em risco sua saúde e a própria vida, criando con-

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MARTINEZ TLR e cols.Tratamento não-

farmacológico dasdislipidemias: o que os

estudos ensinaram?

dições ambientais para quegenes, antes inexpressí-veis, passem a ter a expres-são inadequada à vida.

Dessa forma, percebe-se, muitas vezes, as pesso-as tomando atitudes, fazen-do escolhas sobre as quaisnão conseguem refletir. En-tão passam a ser uma so-ciedade que ingere álcoolem excesso, que se torna

adicta de hábitos como o tabagismo, que adquire produ-tos sem consciência de seus prejuízos, e até mesmo dosbenefícios que possam trazer, e que ingere alimentos demá qualidade e em quantidades exageradas.

Assim, essa sociedade tem se tornado hipertensa,obesa, diabética, dismetabólica e aterosclerótica.

Diante dessa constatação, torna-se fundamental que,além do desenvolvimento tecnológico para suporte e tra-tamento dos problemas da saúde humana, as comunida-des científicas e acadêmicas disponham-se a estudar otema e a propor condutas e políticas, ajudando a plasmarnas sociedades humanas estilos de ser adequados à vida.

Diversas observações realizadas desde a década de1970 demonstram claramente a relação entre hábitos devida, como os alimentares, e a incidência de doençasdegenerativas e mortalidade por doenças cardiovascula-res. Como publicado em 1979 por Levy(1) a partir de da-dos colhidos em vinte países, a correlação entre mortali-dade por doença arterial coronariana e ingestão de calo-rias provenientes de diversos tipos de alimentos mostrou-se fortemente positiva quando tais calorias eram extraí-das preferentemente de alimentos como manteiga (0,546),ovos (0,592), carne bovina e de aves (0,501), e açúcar(0,676), e negativa quando proveniente de grãos, frutas,verduras e legumes (-0,633). Ou seja, na medida em quese aumentou a porcentagem de calorias extraídas de ali-mentos vegetais, diminuiu o índice de mortalidade pordoença coronariana, tendo por base dados colhidos emvinte países.

Resultados de diversos estudos realizados, como “Se-ven Countries”, “Eighteen Countries”, “Twenty Countries”,“Fourty Countries” e “Ni-Hon-San Studies”, demonstra-ram que as populações com altas ingestões de gorduratotal, gordura saturada, colesterol e açúcar na dieta tive-ram crescentes índices de mortalidade por doença cardi-ovascular, assim como alta prevalência de obesidade, hi-percolesterolemia e diabetes melito. O inverso tambémse mostrou verdadeiro.

No Brasil, entendendo o problema que hábitos de vidainadequados produzem em termos de morbidade e mor-talidade, e acompanhando a orientação do 3o NCEP–AT-PIII(2), a Sociedade Brasileira de Cardiologia, por meio doDepartamento de Aterosclerose, conforme publicado no

Consenso Brasileiro Sobre Dislipidemias e Diretriz dePrevenção da Aterosclerose(3), reconhece o importantepapel da modificação do estilo de vida como medida fun-damental na prevenção e no tratamento das dislipidemi-as, da aterosclerose e das doenças arteriais obstrutivas,recomendando empenho para que se consiga o estabe-lecimento de hábitos de vida mais adequados à saúde.

São reconhecidos como fatores de risco para ateros-clerose arterial e doença arterial obstrutiva: 1) dislipide-mia; 2) diabetes melito; 3) tabagismo; 4) hipertensão ar-terial sistêmica; 5) idade > 45 anos para homens e > 55anos para mulheres; e 6) antecedente de ateroscleroseem parente de primeiro grau, < 55 anos para homens e <65 anos para mulheres. Tal definição é homologada pelasDiretrizes Brasileiras Sobre Dislipidemias e Diretriz dePrevenção da Aterosclerose do Departamento de Ate-rosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia, emsua terceira edição(3). São também reconhecidos comomarcadores de risco condições como: alterações dos fa-tores da coagulação, aumento do fibrinogênio plasmáti-co, aumento do nível plasmático de proteína C-reativaultra-sensível, sedentarismo e obesidade.

Dentre os seis fatores de risco patentes, quatro delesestão relacionados com a forma de viver (estilo de vida)da sociedade. Podem ser deflagrados, mantidos ou mes-mo agravados pelas atitudes tomadas pelo ser humano eseu “modus vivendi”. Assim, hábitos como o de fumar e ode ingerir sal excessivamente, alimentos industrializadosou excesso de carboidratos e/ou gorduras podem acen-tuar tendências individuais de instalação e progressão daaterosclerose arterial, a qual é reconhecida, desde hámuito tempo, como fator primordial no desenvolvimentoda maior parte das doenças arteriais obstrutivas e, con-seqüentemente, a maior responsável pela mortalidade dassociedades ocidentais(4-6).

Dados disponíveis de longa data vêm demonstrando,claramente, o papel dos hábitos de vida na gênese dedoença aterosclerótica e sua potencial evitabilidade: (1)indivíduos mesmo intensamente tabagistas ao aboliremesse hábito têm reduzido à metade seu risco de enfren-tar eventos coronarianos, quando comparados àquelesque não o fizeram(7-9); (2) para cada aumento de 10 mg/dlno colesterol total no sangue ocorre aumento de 9% namortalidade cardiovascular e de 5% na mortalidade ge-ral(4, 5) ou, ainda, a mortalidade por doença arterial coro-nariana foi quase quatro vezes maior nos indivíduos emque o colesterol total foi de 264 mg/dl, quando compara-dos àqueles que mantinham o nível em até 182 mg/dl(10);(3) a diminuição de 6 mmHg na pressão arterial foi acom-panhada de redução do risco de acidente vascular ence-fálico e eventos coronarianos em 42% e 24%, respectiva-mente, estando ambas as condições fortemente ligadasà aterosclerose arterial(11-14); e, finalmente, (4) mais recen-temente tem ficado claro o papel do diabetes na produ-ção e na progressão da aterosclerose, bem como da per-

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MARTINEZ TLR e cols.Tratamento não-

farmacológico dasdislipidemias: o que os

estudos ensinaram?

turbação no metabolismoda glicose denominada re-sistência à insulina ou into-lerância à glicose(5, 15), de-monstrando, claramente, opapel dos hábitos de vidana gênese de doença ate-rosclerótica e sua potencialevitabilidade.

A obesidade, especial-mente em sua forma abdo-minal ou visceral, mantém

estreita relação com três dos quatro fatores menciona-dos acima, a saber: dislipidemia, hipertensão arterial ediabetes(8). Apesar de não ser reconhecida como fator derisco (agente causal) e sim como marcador de risco (as-sociado com maior risco, mas sem causalidade estabele-cida), a obesidade, por sua relação com os fatores quetêm causalidade bem estabelecida, desempenha impor-tante papel na gênese, manutenção e progressão da ate-rosclerose e suas conseqüências(16).

O aumento de peso tem sido considerado um proble-ma de saúde pública em todo o mundo, não isentandopaíses ricos nem aqueles considerados “em desenvolvi-mento”, como o Brasil. Nos Estados Unidos, na décadade 1960, a prevalência de obesidade era de 24%, ao passoque na década de 1990 essa prevalência saltou para 35%.No Brasil, dados do Ministério da Saúde apontam preva-lência de 32% para sobrepeso e de 8% para obesida-de(17-19).

Segundo observações e recomendações do InstitutoNacional do Coração, Pulmão e Sangue dos EstadosUnidos, apresentam risco aumentado para doenças car-diovasculares todas as pessoas que têm índice de mas-sa corporal > 25 kg/m2 (peso, em quilogramas, divididopelo quadrado da altura, em metros)(5). A taxa de mortali-dade tem aumento exponencial à medida que o índice demassa corporal ultrapassa 30(19), ponto que delimita ascondições do sobrepeso e obesidade. Destaca-se comoqualificador da concentração de peso e/ou gordura a sim-ples medida da circunferência abdominal. Essa medidaindica risco aumentado para hipertensão arterial, diabe-tes melito, dislipidemia e doença cardiovascular em ho-mens quando > 94 cm e em mulheres, quando > 80 cm.

Mais recentemente tem sido reconhecida a conjun-ção de múltiplas condições que conferem maior risco deaterosclerose e doenças arteriais obstrutivas, cuja deno-minação mais aceita é a de síndrome metabólica, tendono passado recente várias denominações, de acordo comos autores que a descreveram: síndrome plurimetabólica(Crepaldi), síndrome X (Reaven), síndrome de resistên-cia à insulina (De Fronzo e Haffner), e quarteto mortal(Kaplan). Um indivíduo é reconhecido como portador desíndrome metabólica quando apresenta, além da circun-ferência abdominal aumentada, mais dois dos fatores re-

lacionados, a saber: 1) triglicérides > 150 mg/dl; 2) coles-terol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol) <40 mg/dl para o sexo masculino) e HDL-colesterol < 50mg/dl para o sexo feminino; 3) hipertensão; e 4) glicemiade jejum > 100 mg/dl, segundo critérios da “InternationalDiabetes Federation”(19).

A literatura tem apresentado tentativas bem-sucedi-das de modificação do estilo de vida alterando positiva-mente a história natural de doenças, bem como evitandoo surgimento de outras. Publicações recentes demons-tram claramente os benefícios das intervenções no estilode vida em diversas populações e em ambientes os maisvariados.

Knowler e colaboradores(20) publicaram, em 2002, osresultados de ensaio clínico no qual 3.234 indivíduos comalteração nas glicemias de jejum e pós-prandial, mas nãodiabéticos, portando sobrepeso ou obesidade, foram ran-domizados para as seguintes intervenções: uso de pla-cebo e intervenção leve no estilo de vida; uso de metfor-mina e as mesmas alterações no estilo de vida; e umterceiro grupo em que foi estabelecido apenas intensoprograma de intervenção no estilo de vida. Os resultadosalcançados, após dois anos e dez meses, em média, de-monstraram incidência de diabetes estabelecida de 11%,7,8% e 4,8%, respectivamente, para os grupos placebo,uso de metformina, e intervenção no estilo de vida. Paraprevenir um caso de diabetes melito tiveram que ser tra-tados intensivamente quanto aos hábitos de vida 6,9 pes-soas, e usando metformina, 13,9 pessoas. A incidênciade diabetes foi 58% menor no grupo de intensa modifica-ção e 31% menor no grupo usando metformina, quandocomparados ao grupo placebo. Finalmente, a incidênciade diabetes foi 39% menor no grupo de intervenção noestilo de vida que no grupo do metformina.

Os dados relatados são consoantes com outros ante-riormente apresentados em ensaios semelhantes, reali-zados na China(21) e na Finlândia(22). Stampfer e colabora-dores(23) relataram resultados do acompanhamento deaproximadamente 84 mil mulheres, a partir de 1980 até1992, nas quais houve clara relação entre modificaçõesde estilo de vida e diminuição ou aumento de doençacoronariana, dependendo do teor das modificações. A sus-pensão do tabagismo explicou diminuição de 13%, amelhora da qualidade da dieta provocou diminuição de16%, enquanto o aumento do índice de massa corporalpara além de 25 kg/m2, que ocorrera em 38% das partici-pantes, incrementou em 8% a incidência da doença.

Verificou-se, também, que 82% dos eventos coronari-anos ocorridos no período relatado, que somaram 1.128casos, estiveram relacionados à não-aderência ao pro-grama de estilo de vida preconizado, que consistia deutilização de dieta rica em fibras de cereais, ácidos gra-xos ômega-3, folato, prevalência de ácidos graxos poliin-saturados sobre os saturados, prática regular de exercí-cio por no mínimo trinta a sessenta minutos por dia, e

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abstenção de tabagismo.Estudo de intervenção

em estilo de vida realizadona Finlândia por Tuomilehtoe colaboradores(22), envol-vendo 522 indivíduos por-tadores de obesidade e dis-túrbio do metabolismo daglicose (intolerância à glico-se), foi eficiente em evitar ainstalação de diabetes me-lito no grupo randomizado

para intervenção: ao final de quatro anos de acompanha-mento a incidência de diabetes era de 11% nesse grupoe de 23% no grupo controle. Houve diminuição de 58%no risco de desenvolvimento de diabetes melito e inci-dência 63% menor da doença.

Em artigo de revisão, Kromhout e colaboradores(24)

analisaram estudos transculturais, como “The SevenCountries Study”(25), WHO-MONICA(26) e outros de obser-vação prospectiva (coorte) e de intervenção, como o “Fra-mingham Heart Study”. Citam mais três importantes es-tudos prospectivos de coorte: MRFIT (“Multiple Risk Fac-tor Intervention Trial”), CHA (“Chicago Heart AssociationDetection Project in Industry”)(27) e “Nurses Health Stu-dy”(23). Em todos eles há evidências claras de relação po-sitiva entre estilo de vida adequado e menor incidênciade doença aterosclerótica coronariana. Todavia, desta-cam a importância de serem realizados estudos mais bemcontrolados e com objetivos de avaliação bem definidos.

Em ensaio clínico controlado(28), realizado em Oslo com1.232 homens com idade entre 40 e 49 anos, 80% delestabagistas, hipercolesterolêmicos e com pressão arterialsistólica < 150 mmHg, randomizados para grupo controlee de aconselhamento dietético e antitabágico apenas, fi-cou clara a diferença de 47% para menor da soma detodos os infartos, fatais e não-fatais, e morte súbita.

Outra revisão envolvendo cinco estudos de interven-ção e prevenções primária e secundária demonstrou quea diminuição média de 13% nos níveis de colesterol plas-mático foi acompanhada da redução de 30% nos eventoscoronarianos maiores e de 11% na mortalidade por to-das as causas(30).

Num seguimento de 46 meses, o “Lyon Diet Heart Stu-dy”(30) captou diminuição de mortalidade por infarto domiocárdio e por todas as causas em 65% e 56%, respec-tivamente. Nessa intervenção foi utilizada dieta tipicamentemediterrânea enriquecida com ácido graxo alfa-linolêni-co(31).

Dois outros estudos avaliando os resultados produzi-dos pela adesão a dietas típicas locais foram publicadose demonstraram claramente benefícios obtidos como pre-venções primária e secundária para doenças vascula-res.(32)

Singh e colaboradores(33) publicaram os resultados de

estudo de prevenção secundária na Índia, que acompa-nhou 1.000 participantes randomizados para dieta nor-mal naquela região da Ásia, isto é, basicamente vegetari-ana e comparável à fase I da dieta preconizada pelo “Na-tional Cholesterol Education Program”, e grupo de inter-venção, o qual ingeriu mais verduras, legumes, frutas,castanhas e grãos integrais, em pouco mais que o dobro,sendo o aporte do ácido graxo alfa-linolênico o dobro nogrupo de intervenção, quando comparado ao grupo con-trole. O total de eventos cardíacos, no período de doisanos, foi menor no grupo de intervenção que no grupocontrole que recebeu a dieta indo-mediterrânea (39 vs.78 eventos); a morte súbita também apresentou a mes-ma tendência (6 vs. 16), bem como infarto do miocárdio(21 vs. 43).

A dieta típica do Mediterrâneo foi colocada à prova naGrécia em estudo prospectivo(34), abrangendo 22.043 in-divíduos adultos, tendo havido acompanhamento por 44meses em média. Alto grau de aderência à dieta preconi-zada mostrou índice de relação inversa com mortalidadepor doença cardiovascular, à razão de 0,67, e inclusivemortalidade por câncer, à razão de 0,76.

O estudo “Dietary Approaches to Stop Hypertension”(DASH)(35) mostrou ser possível obter diminuições signifi-cativas da pressão arterial com intervenção dietética,equivalentes àquelas obtidas em ensaios clínicos queutilizam drogas e presumivelmente nas conseqüênciasnefastas da hipertensão arterial.

A suspensão do tabagismo em 36% de pacientes car-diopatas, por doença arterial coronariana(32), leva à redu-ção de 30% na mortalidade cardiovascular.

Recentemente, Espósito e colaboradores(36) publica-ram os resultados de estudo randomizado em que o gru-po de intervenção foi instruído a manter dieta típica doMediterrâneo, enquanto o grupo controle permaneceu emdieta que chamaram de prudente, durante aproximada-mente dois anos. O grupo de intervenção teve ao final doestudo menor incidência de síndrome metabólica e me-lhora considerável de índices que apontam risco cardio-vascular, comparado ao grupo controle.

Finalmente, Ornish e colaboradores(37) demonstraramque, após cinco anos de acompanhamento, um gruposubmetido a programa intensivo de modificação no estilode vida apresentou melhora do diâmetro de estenosearterial coronariana prévia em 7,9%, enquanto no grupocontrole houve acentuação da estenose em 27,7%. Oíndice de risco para eventos coronarianos no grupo con-trole, em face do grupo experimental, foi de 2,47%. Nes-te, a intervenção consistiu de dieta estritamente vegetari-ana, com 10% da energia proveniente de gorduras, exer-cícios aeróbicos regulares e freqüentes, treinamento paramanejo do estresse, suspensão do tabagismo e suportesocial.

Embora haja farta documentação científica compro-vando que a adoção de estilo de vida cuidadoso para

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com a saúde, individual esocial, produz efeitos muitopositivos, diminuindo a mor-bidade e a mortalidade pordoenças cardiovasculares,e até mesmo geral, a ques-tão de se implantar novos ebons hábitos permanececomo um grande desafio. Aadoção de padrões dietéti-cos sugeridos ou aconse-lhados nem sempre é con-

seguida(31). A prática de movimento regular ou mesmo deexercícios orientados, ainda que desejado pela socieda-de, é muito dificultada pelos confortos da modernidade; oalto consumo de alimentos industrializados é cada vezmais estimulado; e o tabagismo, se bem que condenadoem nossos dias, continua tendo larga utilização, especi-almente entre jovens. Não obstante, como sociedade deconsumo, haja uma busca pelo padrão magro, a imagemde beleza e vitalidade, produz-se cada vez mais obesida-de, tendo as prevalências dessa condição, e de sobrepe-so, quase dobrado na maioria dos países industrializa-dos e também naqueles “em desenvolvimento”, nos últi-mos vinte anos. Todavia, modificações ainda que peque-nas no comportamento podem proporcionar grandes be-nefícios, como ocorre em obesos nos quais a perda de5% do peso corporal mostra melhora do risco vascular edesordens coexistentes(39).

Em nosso país, tendo em vista a grande necessidadede abordagens que orientem e apóiem indivíduos e asociedade na adoção de estilos de vida que modifiquemas tendências atuais de deterioração da saúde, especial-mente no sistema cardiovascular, os trabalhos de Mora-es(40, 41) demonstraram como a ação aguda na modifica-ção de estilo de vida pôde influenciar metabólica e clini-camente os indivíduos submetidos a ela. Com essa fina-lidade, o autor selecionou 279 indivíduos que foram colo-cados em programa de hábitos dirigidos e controlados, asaber:– dieta ovo-lacto-vegetariana, com leite desnatado e oferta

de gema de ovo dentro das normas nutricionais demenos de 200 mg/dia de colesterol, exercícios físicosdiários, predominando os aeróbicos, e gasto calóricomédio de 400 Kcal/dia a 800 Kcal/dia;

– horário de dormir e repousar bem estabelecidos, tendoas 21h30 como limite para a vigília e estimulando-se aprática de sesta vespertina; horário de despertar bemestabelecido e precoce, estimulando o despertar paraas 6h00 ou, no máximo, 7h30; horários de refeiçõesestabelecidos e cumpridos, sendo o desjejum servidoàs 8h00, o almoço às 12h00, o lanche às 15h30 e ojantar às 18h00; aplicação de terapias corporais, comohidro e fisioterapia;

– estímulo à convivência social por meio de encontros,

grupos de discussão, colóquios informativos e ativida-des lúdicas; estímulo ao exercício da espiritualidadecom a realização de meditação semanal, na profissãode fé de cada um, com orientação para busca indivi-dual do resgate da dimensão espiritual.Os pacientes que se submeteram a esse programa

foram acompanhados por equipe multidisciplinar compos-ta por médicos, nutricionista, fisioterapeuta, educadoresfísicos e especialistas em aconselhamento.

A “imersão” nesse estilo de vida ocorreu no períodomínimo de dez dias, sendo indicado como ideal o períodode três semanas.

Após os períodos de intervenção, os pacientes rece-beram recomendação formal de como adicionar compor-tamentos que substituam aqueles identificados como in-desejáveis.

Durante o tratamento, em que a experiência vivencia-da foi avaliada como positiva, restauradora e recupera-dora, os indivíduos receberam informações que comple-mentaram um ciclo pedagógico e o aprendizado pelo bi-nômio experiência vivencial e sedimentação conceitual.Foram avaliados parâmetros clínicos e laboratoriais.

Os 279 pacientes permaneceram em tratamento portempo igual ou maior que 10 dias (média de 14,27 dias).Foram realizadas dosagens bioquímicas (colesterol totale suas frações HDL-colesterol e LDL-colesterol, triglicéri-des e ácido úrico) e coletados dados antropométricos.Foram identificados os indivíduos classificados como por-tadores da síndrome metabólica e observada a evoluçãodessa condição ao longo do período.

Os parâmetros bioquímicos colesterol total, HDL-co-lesterol, triglicérides, glicemia e ácido úrico foram deter-minados por métodos enzimáticos. A fração LDL-coleste-rol foi determinada pela fórmula de Friedewald. O sanguefoi colhido em jejum, na manhã do primeiro dia da inter-venção e no último dia de observação. Os resultados ob-tidos dos parâmetros bioquímicos e da evolução da sín-drome metabólica, na entrada (1) e na saída (2), tratadosestatisticamente, estão apresentados nas Tabelas 1 a 7.

Todos os parâmetros estudados tiveram significânciaestatística quanto ao estudo evolutivo (p < 0,001), ou seja,do momento inicial para o final. De acordo com os dadosestatísticos demonstrados, os índices bioquímicos estu-dados apresentaram alterações favoráveis. A glicemiaplasmática teve decréscimo significativo (Tab. 1). Os índi-ces que expressam o metabolismo dos lipídeos, a sabero colesterol total, o LDL-colesterol e os triglicérides, apre-sentaram evolução favorável e estatisticamente significan-te (Tabs. 2, 3 e 4). O HDL-colesterol apresentou incre-mento significativo (Tab. 5). Observou-se, ainda, nos indi-víduos que permaneceram em tratamento num períodomaior que dez dias, a presença de síndrome metabólica(Tab. 7). Havia 84 pacientes nessa condição inicialmente,e após o período de tratamento constatou-se a manuten-ção do dismetabolismo em apenas 54 (64% do número

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total de portadores), haven-do melhora da alteração em30 indivíduos (36% do nú-mero total de portadores).

Os autores concluem,nesses estudos, que os pa-cientes submetidos a inter-

Tabela 1. Resultados da glicose plasmática.

DesvioVariável Média padrão Mínimo Máximo

GLIC_1 90,53 23,09 61,00 258,00GLIC_2 85,37 18,25 55,00 194,00

* Variável analisada com transformação log.Houve decréscimo de forma significativa ao longo das avaliações (p < 0,001)

Tabela 2. Resultados do colesterol plasmático.

DesvioVariável Média padrão Mínimo Máximo

COL_1 227,34 43,88 120,00 369,00COL_2 206,08 38,82 107,00 321,00

* Variável analisada com transformação log.Foi observado, por meio das médias, decréscimo de 9,35% dos níveis de colesterol.

Tabela 3. Resultados da fração LDL-colesterol plasmática.

DesvioVariável Média padrão Mínimo Máximo

LDL1 144,12200 43,94265 21,80000 274,40000LDL2 126,46133 38,81837 32,40000 229,40000

Foi observado decréscimo significativo do LDL-colesterol (p < 0,001).

Tabela 4. Resultados dos triglicerídeos plasmáticos.

DesvioVariável Média padrão Mínimo Máximo

TRIG_1 168,83 79,33 67,00 739,00TRIG_2 139,53 87,96 60,00 1.326,00

* Variável analisada com transformação log.Foi observado, por meio das médias, decréscimo de 17,35% dos níveis de triglice-rídeos.

venção aguda no estilo e vida, independentemente doescore de Framingham(3), de acordo com o método pro-posto, apresentaram melhora dos parâmetros metabóli-cos estudados. Os níveis de colesterol total ficaram próxi-mos ao nível ótimo, os de LDL-colesterol situaram-se nacategoria desejável, e dos triglicérides dentro do padrãoótimo. Houve evolução clínico-metabólica desejável,

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MARTINEZ TLR e cols.Tratamento não-

farmacológico dasdislipidemias: o que os

estudos ensinaram?

Tabela 5. Resultados da fração HDL-colesterol.

DesvioVariável Média padrão Mínimo Máximo

COL_HDL1 50,41 7,88 29,00 84,00COL_HDL2 52,46 8,32 5,00 82,00

* Variável analisada com transformação log.Foi observado decréscimo significativo do HDL-colesterol (p < 0,001).

Tabela 6. Resultados do ácido úrico.

DesvioVariável Média padrão Mínimo Máximo

AC_UR1 5,52 1,35 2,60 9,50AC_UR2 5,07 1,28 2,30 8,30

* Variável analisada com transformação log.Foi observado decréscimo de 8,15% dos níveis de ácido úrico.

Tabela 7. Evolução da síndrome metabólica.

Antes Depois Total

Não portadores (%) 195 (69,9%) 30 (10,7%) 225 (80,6%)Portadores (%) 84 (30,1%) 54 (19,3)TOTAL 279 (N)

Por meio do teste não-paramétrico de McNemar, observou-se que essa alteraçãodo momento antes para o momento depois é significante (p < 0,001).

promovendo indivíduos da condição de portadores àde não-portadores da síndrome metabólica, modifica-ções estas que certamente diminuem o risco de fenô-menos ateroscleróticos e de doença arterial ateroscle-

rótica. Tais modificações apontam para o modelo apre-sentado como uma alternativa válida, eficiente e moti-vadora para médio e longo prazos, em promover me-lhor qualidade de saúde e melhor estilo de vida.

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farmacológico dasdislipidemias: o que os

estudos ensinaram?

NON PHARMACOLOGICAL DYSLIPIDEMIAS TREATMENT:WHAT DID WE LEARN FROM CLINICAL STUDIES?

TANIA LEME DA ROCHA MARTINEZ, HELENA MARIA DO NASCIMENTO,CARLOS ALBERTO ALMEIDA DE MORAES

This article shows an overview on the non pharmacological dyslipidemias treat-ment and what we have learnt from international and Brazilian clinical studies. Thisintervention changed the life style of 279 patients submitted to diet, exercises, nosmoking and anti stress measures in about 14 days: the biochemical profiles de-monstrated improvement in all of them and a decrease of 36% on the prevalence ofmetabolic syndrome (acute: fourteen days intervention). All these data point to theimportance of life style modifications as a tool for reducing cardiovascular risks.

Key words: cholesterol, dyslipidemia, life style, treatment.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:496-505)RSCESP (72594)-1573

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39. Goldstein DJ. Beneficial health effects of modestweight loss. Int J Obes. 1992;6:397-415.

40. Moraes CAA. Estilo de vida – Intervenção aguda e modi-ficações metabólicas e ponderais. São Paulo, 33 pp. [Mo-

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MARTINEZ TLR e cols.Tratamento não-

farmacológico dasdislipidemias: o que os

estudos ensinaram?

nografia de Mestrado] PósGraduação Latu Sensu emDistúrbios Metabólicos e Ris-co Cardiovascular no Centrode Extensão Universitária –CEU, 2005.

41. Moraes CAA, Salgado Filho W, Martinez TLR, Ra-mires JAF. Intervenção aguda de dieta hipocalóricae vegetariana acrescida de atividade física aeróbi-ca e medidas antiestresse sobre parâmetros clíni-cos e laboratoriais de risco para doença arterialcoronariana. Atheros. 2001;12(3):100-12.

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FORTI N e col.Fármacos

hipolipemiantes

FÁRMACOS HIPOLIPEMIANTES

O tratamento farmacológico das dislipidemias, emparticular da hipercolesterolemia, reveste-se de gran-de relevância, não só pela possibilidade de regressãoe/ou estabilização de placas ateroscleróticas, comotambém pela possibilidade da diminuição da morbida-de e da mortalidade dependentes de comprometimen-to aterosclerótico. O advento de novos fármacos tem,nesse sentido, propiciado controle prolongado e relati-vamente seguro de indivíduos dislipidêmicos, especi-almente os hipercolesterolêmicos.

Este artigo aborda aspectos terapêuticos dos fár-macos, atualmente indicados na prática clínica, comação predominante na hipercolesterolemia e na hiper-trigliceridemia e em desenvolvimento, chamando a aten-ção para aqueles capazes de elevar os níveis da lipo-proteína de alta densidade (HDL-colesterol).

FÁRMACOS HIPOLIPEMIANTES

NEUSA FORTI, JAYME DIAMENT

Disciplina de Cardiologia – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 –Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP

A importância do tratamento das dislipidemias na prevenção da doença ateros-clerótica é sobejamente reconhecida. Neste artigo são abordados aspectos farma-cológicos e terapêuticos de medicamentos, em uso habitual, com ação predominan-te na hipercolesterolemia e na hipertrigliceridemia. Ao final, são apresentados osmedicamentos em desenvolvimento, incluindo aqueles capazes de elevar a fraçãoHDL-colesterol.

Para a escolha do hipolipemiante, devem ser considerados: o diagnóstico preci-so da dislipidemia (primária e secundária), possível interação com outros fármacos,idade, fases pré e pós-menopausal, co-morbidades, presença de alteração hepáticaou renal, etilismo, e disponibilidade em farmácias institucionais. Quanto à associa-ção de hipolipemiantes com diferentes mecanismos de ação, além de adequar asdoses, exige-se maior atenção aos efeitos adversos (clínicos e/ou laboratoriais).

Palavras-chave: hipolipemiantes, hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, HDL-colesterol, dislipidemia.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:506-16)RSCESP (72594)-1574

FÁRMACOS COM AÇÃO PREDOMINANTENA HIPERCOLESTEROLEMIA

Incluem medicamentos que agem na síntese intra-celular do colesterol (vastatinas), inibidores específi-cos de sua absorção (ezetimiba) e bloqueadores dociclo êntero-hepático (resinas seqüestradoras de áci-dos biliares).

Fármacos que agem na síntese celular docolesterol – vastatinas

São substâncias capazes de diminuir a síntese in-tracelular do colesterol, por competir com a hidroxi-metil-glutaril-coenzima A (HMG-CoA) pela HMG-CoAredutase (HMG-CoA R), inibindo parcialmente a açãodesta última. Essa inibição parcial assegura a forma-ção do colesterol necessário para o equilíbrio da mem-brana celular, síntese de hormônios esteróides e de

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FORTI N e col.Fármacos

hipolipemiantes

vitamina D. Inicialmente fo-ram isoladas a partir decultura de fungos (a me-vastatina, do Penicillium ci-trinum; a lovastatina, doAspergillus terreus; a pra-vastatina, da Nocardia au-trophica). A sinvastatinadesenvolveu-se a partir demodificações estruturaisda lovastatina. Surgiramposteriormente a fluvasta-

tina, a atorvastatina, a cerivastatina (retirada do mer-cado), a rosuvastatina e a pitavastatina. Apresentadascomo lactonas, a lovastatina e a sinvastatina inibem aHMG-CoA R somente após hidrólise no fígado e, porisso, são consideradas pró-drogas; as demais, consi-deradas fármacos ativos, apresentam-se na forma hi-droxiácida e não necessitam daquela transformação.

A absorção é intestinal, a metabolização se proces-sa no fígado e a excreção é por via intestinal (a maiorparte) e por via renal. Diferem em relação ao porcentu-al de absorção, ao efeito da alimentação sobre o apro-veitamento sistêmico, à ligação com as proteínas plas-máticas, à extração hepática e à meia-vida plasmática(Tab. 1).(1, 2)

Todas as vastatinas são metabolizadas, em maiorou menor grau, no citocromo P 450 (CYP P 450), pormeio de diferentes sistemas enzimáticos: 1) a atorvas-

tatina, a lovastatina e a sinvastatina sofrem ação do3A4; 2) a fluvastatina, do 2C9, do 2D6 e do 3A; 3) arosuvastatina usa o 2C9 e o 2C19. A pravastatina utili-za pouco o P 450, sendo metabolizada preferencial-mente por sulfatação (Tab. 1). O emprego concomitan-te de outros medicamentos que dependem dos mes-mos sistemas enzimáticos, ou que são capazes de ini-bir a ação destes, pode ocasionar elevação dos níveisséricos das vastatinas, aumentando o risco de efeitosindesejáveis. Por outro lado, medicamentos que aumen-tam a atividade enzimática levam à diminuição dos ní-veis circulantes das vastatinas, diminuindo a eficáciadestas últimas (Tab. 2).(3, 4)

Diminuição da ação também ocorre pela interaçãocom: 1) resinas seqüestradoras de ácidos biliares, queacarretam menor absorção das vastatinas quando ad-ministradas de modo concomitante; 2) cimetidina e ou-tros inibidores H2, também pela diminuição da absor-ção; 3) bloqueadores beta-adrenérgicos, pelo retardodo fluxo hepático e aumento da excreção hepática.

Aumento do tempo de protrombina e possibilidadede sangramento podem ser facilitados pela interaçãoda sinvastatina e da lovastatina com varfarina, talvezem decorrência da para-hidroxilação desta no fígado.Essas vastatinas também podem ocasionar elevaçãoda digoxinemia, por provável alteração na proteína detransporte.

Além de inibir parcialmente a HMG-CoA R, diminu-indo a síntese intracelular do colesterol, as vastatinas

Tabela 1. Vastatinas: aspectos farmacocinéticos.

Lovas- Sinvas- Pravas- Fluvas- Atorvas- Rosuvas-Propriedade tatina tatina tatina tatina tatina tatina

Pró-fármaco Sim Sim Não Não Não NãoEfeito do alimento + 50% Despre- - 30% - 15% - 13% Não

zívelFração absorvida (%) 30 60 a 85 35 98 30 Moderadamente

rápidaT max (horas) 2 a 4 1,3 a 0,9 a 0,5 a 2 a 5

2,4 1,6 1,5 3Biodisponibilidade (F%) < 5 < 5 18 10 a 35 12 n.d.Meia-vida (horas) 2,9 2 a 3 1,3 a 0,5 a 15 a 20

2,8 2,3 30Ligação à proteína (%) > 95 95 55 a 98 98 n.d.

60Hidro/lipofílica Lipo Lipo Hidro Hidro Lipo HidroMetabólito sistêmico Ativo Ativo Inativo Inativo Ativo InativoMetabolização CYP CYP Sulfa- CYP CYP CYP 2C9,

3A4 3A4 tação 2C9 2A4 CYP 2C19Eliminação hepática (%) 70 < 87 71 95 98 n.d.Excreção (forma ativa)- Renal (%) 10 13 20 6 Despre- 10

zível- Fecal (%) 83 58 71 90 Predo- 90

minante

n.d. = não disponível.

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FORTI N e col.Fármacos

hipolipemiantes

aumentam o número dereceptores (receptores B-E) das lipoproteínas debaixa densidade (LDL),principalmente no fígado,provocando, assim, maiordepuração dessas partícu-las e conseqüente declíniode seus níveis plasmáti-cos. Adicionalmente, inter-

Tabela 2. Medicamentos que interagem com os sistemas enzimáticos do citocromo P 450.

Sistema enzimático Metabolização Indução Inibição

CYP 3A4 Antagonistas do cálcio Fenilbutazona CimetidinaLosartan Rifampicina QuinidinaQuinidina, amiodarona Barbituratos EritromicinaDigitoxina Fenitoína Triacetoolean-

domicinaLovastatina, sinvastatina, Carbomazepina Cetoconazolatorvastatina, cerivastatinaCiclosporina, rapamicina ItraconazolMidozalam, triazolam, MiconazoldiazepamEtinilestradiol PropaxifenoEritro, claritro,roxitromicinaTanoxifen, R warfarinTerfanadina, astemizol,loratadinaCisaprideIndinavir, retonavir,saquinavirCarbomazepineOmeprazol, lanzoprazol

CYP 2C9 Diclofenaco Rifampicina SulfafenazolFenitoínaPiroxican, tenoxicanTolbutamidaS warfarinFluvastatina

ferem na secreção das lipoproteínas de muito baixadensidade (VLDL), de densidade intermediária (IDL) ede apo B, interferências que também contribuem paraa redução de LDL circulantes. A menor produção deVLDL e a maior captura pelas células hepáticas de re-manescentes de VLDL (receptores B-E) são respon-sáveis pela diminuição da trigliceridemia. As vastati-nas induzem elevações discretas de HDL, provavelmen-te por diminuir a atividade da proteína de transferênciado colesterol-éster (CETP) e por aumentar a síntese

de apolipoproteína AI. Não estimulam a remoção dosquilomícrons e praticamente não agem sobre os níveisplasmáticos de Lp (a).(5)

Paralelamente à ação no perfil lipídico, as vastati-nas possuem outros efeitos, conhecidos como pleio-trópicos: 1) aumento da atividade da óxido nítrico (NO)sintase, NO e inibição da endotelina, melhorando a fun-ção endotelial; 2) antioxidante de LDL e de HDL; 3)diminuição dos valores da proteína C-reativa, provo-cando efeito antiinflamatório; 4) inibição da migração e

proliferação das células musculares lisas e da forma-ção das células espumosas; 5) diminuição do fator te-cidual e da agregação plaquetária; 6) estabilização daplaca aterosclerótica; 7) menor formação de osteoclas-tos e estimulação da formação de osteoblastos (efeitoantiosteoporótico); e 8) modulação da função imune (emalguns animais). Esses efeitos são variáveis e não sãocomuns a todas as vastatinas, necessitando de com-provação mais ampla.(6)

Na prática, em doses habituais, as vastatinas redu-

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hipolipemiantes

zem os valores do colesterol total (de 15% a 60%), doLDL-colesterol (20% a 60%) e dos triglicérides (10% a20%) e aumentam os de HDL-colesterol (5% a 10%).Essas variações diferem para cada fármaco e são dose-dependentes, verificam-se a partir de 15 dias de uso,estabilizam-se a partir dos 30 dias e mantêm-se com ouso contínuo (Tab. 3). Se ocorrer interrupção do trata-mento, as taxas lipídicas se modificam e tendem a re-tornar às anteriores em cerca de 30 dias. Se necessá-rio, ajuste de dose pode ser feito mensalmente, obser-vando-se elevações de 6% a 8% na redução de LDL-colesterol quando dobrada. São administradas à noitee, nas doses habituais, de uma só vez. Na Tabela 4estão as apresentações e as doses utilizadas na clíni-ca.(1, 2)

As vastatinas são indicadas para o tratamento dahipercolesterolemia comum, da hipercolesterolemia fa-miliar (forma heterozigótica ou combinada familiar) dahiperlipidemia mista, das dislipidemias secundárias (emparticular, do diabetes melito, da síndrome nefrótica edo hipotireoidismo). Reduções discretas de colesteroltotal e de LDL-colesterol são observadas na hiperco-

lesterolemia familiar homozigótica.São eficazes em homens e mulheres, jovens e ido-

sos, crianças e adolescentes. Entretanto, não devemser indicadas para gestantes ou mulheres com pos-sibilidade de engravidar ou em fase de aleitamento.Doses inferiores às habituais são capazes de atingiro objetivo em idosos. A administração de vastatinaem crianças e adolescentes é restrita aos casos dehipercolesterolemia de origem genética. Também sãoeficazes após procedimentos de revascularização,renais submetidos ou não a transplante, pós-trans-plante cardíaco e na fase aguda de infarto do mio-cárdio.(7-9)

A tolerância às vastatinas é boa. Náuseas, flatu-lência, obstipação intestinal, cefaléia, prurido e do-res musculares podem surgir, e raramente aparecemerupções cutâneas, púrpura trombocitopênica e ic-terícia. Elevações transitórias das transaminases oxa-lo-acética (TGO) e glutâmico-pirúvica (TGP) e da cre-atinofosfoquinase (CPK) podem ocorrer; somentequando essas elevações alcançam valores respecti-vamente superiores a 3 ou 10 vezes os iniciais o

Tabela 3. Modificações das variáveis lipídicas induzidas pelo uso de vastatinas emdiferentes doses.

Modificações emDose diária variáveis lipídicas (%)

Vastatina (mg) ↓ LDL-c ↓ HDL-c ↓ TG

Lovastatina 20 24 7 12040 34 9 1680 40 10 19

Sinvastatina 10 28 5 420 35 5 1140 40 12 19

Pravastatina 10 19 12 920 25 16 1340 27 16 15

Fluvastatina 20 21 2 740 25 8 1080 34 4 12

Atorvastatina 10 39 6 1920 43 9 2640 50 6 2980 60 5 37

Rosuvastatina 10 51 14 1020 57 10 2340 63 10 2880 65 13 23

LDL-c = colesterol ligado à lipoproteína de baixa densidade; HDL-c = colesterolligado à lipoproteína de alta densidade; TG = triglicérides.

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FORTI N e col.Fármacos

hipolipemiantes

medicamento deve sersuspenso. As modifica-ções das enzimas hepáti-cas não dependem de al-teração celular hepáticaanterior, uso de bebidasalcoólicas e colestase,mas podem ser favoreci-das nessas condições.(1, 2)

Recomenda-se sua de-

Tabela 4. Vastatinas: apresentação, posologia e horário preferencial de administração.

HorárioDose recomendada_____ preferencial de

Vastatina Apresentação Habitual Máxima administração

Lovastatina Comprimidos 20 mg 20 mg-40 mg 80 mg Após o jantarSinvastatina Comprimidos 5 mg, 10 mg 40 mg* À noite

10 mg, 20 mg e 40 mgPravastatina Comprimidos 10 mg 20 mg 40 mg À noiteFluvastatina Cápsulas 20 mg 20 mg 80 mg À noite

e 40 mgAtorvastatina Comprimidos 10 mg, 10 mg 80 mg Não há

20 mg e 40 mgRosuvastatina Comprimidos 10 mg 10 mg 40 mg Não há

e 20 mg

* Doses bem mais elevadas (80 mg/dia e 160 mg/dia) já foram empregadas em casos de hipercolesterolemiagrave.

terminação a cada três meses no primeiro ano deuso. Mialgia pode ocorrer na presença ou não de au-mento de CPK e é atribuída a níveis circulantes ele-vados das vastatinas e, menos freqüentemente, faci-litada pelo exercício físico. A interação com outrosmedicamentos (fibratos, ácido nicotínico, eritromici-na e ciclosporina) aumenta o risco de mialgia, po-dendo levar a rabdomiólise e conseqüente insufici-ência renal aguda (em especial em indivíduos sub-metidos a transplante de órgãos). A cerivastatina,quando associada a genfibrozila, aumentou a morta-lidade por rabdomiólise, acarretando sua retirada domercado.(10-13) Recentemente, foram descritos casosde polineuropatia periférica associada ao uso pro-longado de vastatina; especula-se que esse raríssi-mo acometimento dependa da formação de metabó-litos tóxicos para os nervos, de alteração de funçãoda membrana nervosa, e inibição da ubiquinona, al-terando a utilização de energia pelos neurônios.(14, 15)

As vastatinas podem ser associadas a outros fár-macos com mecanismo de ação diferente: resinas se-qüestradoras de ácidos biliares (se administradas três

horas antes ou três horas depois das resinas), inibi-dores seletivos da absorção de colesterol (ezetimi-ba), fibratos e ácido nicotínico. A associação com fi-bratos e/ou ácido nicotínico requer monitorizaçãomais freqüente das enzimas hepáticas e muscula-res.

Benefícios do tratamento da hipercolesterolemiacom vastatinas vêm sendo evidenciados por estudoscontrolados por angiografia, ressonância magnética,ultra-sonografia e estudos clínicos prospectivos de

longa duração. Estes últimos avaliaram grandes po-pulações e grupos especiais (idosos, crianças, mu-lheres, hipertensos, renais, diabéticos, pacientes emfase aguda do miocárdio e após transplante renal ecardíaco).(16)

Meta-análise recentemente publicada, envolven-do 90.056 participantes de 14 estudos clínicos ran-domizados, demonstrou que a redução de 40 mg/dlde LDL-colesterol obtida com as vastatinas diminuiem cerca de 21% o risco em cinco anos de eventoscoronários, revascularização miocárdica e acidentevascular cerebral.(17)

Fármacos inibidores da absorção decolesterol – ezetimiba

A ezetimiba é um fármaco que inibe, de modo se-letivo, a absorção intestinal do colesterol da dieta edos sais biliares. Age na borda do enterócito, no du-odeno e no jejuno, inibindo a ação da proteína doesterol. Com isso, menos colesterol é ofertado paraa formação dos quilomícrons (Qm). Não interfere naabsorção de triglicérides e de vitaminas lipossolú-

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FORTI N e col.Fármacos

hipolipemiantes

veis.(1, 18, 19)

É administrada nadose de 10 mg/dia, semhorário preestabelecido,e, após sua absorção(duas a três horas), sofre,no fígado, processo deglicuronidação, transfor-mando-se em glicuroní-deo ativo, que se localizana borda do enterócito eretorna à circulação ênte-

ro-hepática (20%). Tem meia-vida longa (22 horas) eé eliminada nas fezes (77%) após extenso processode recirculação; não é metabolizada no sistema CYP450 3A4. Não são necessários ajustes posológicos.Antiácidos e resinas seqüestrantes diminuem suaabsorção. A ação se faz sentir logo após 14 dias: re-dução de LDL-colesterol (18%) e de triglicérides (7%a 8%) e elevação de HDL-colesterol (2% a 3%). Nãoforam observadas diferenças significativas relaciona-das à idade e ao sexo.(1)

É indicada para o tratamento das diferentes for-mas de hipercolesterolemia, de preferência em as-sociação com vastatina, acentuando a redução deLDL-colesterol. Por exemplo, a associação de 10 mg/dia de ezetimiba com sinvastatina 10 mg/dia, 20 mg/dia e 40 mg/dia reduziu o LDL-colesterol, respectiva-mente, em 27%, 30% e 38%. Reduções de LDL-co-lesterol obtidas com 10 mg/dia de ezetimiba associ-ada a menor dose de vastatina são de magnitudesemelhante à obtida com as doses máximas de vas-tatina. Chama a atenção a redução de LDL-coleste-rol obtida em pacientes (com idade superior a 12anos) com hipercolesterolemia familiar homozigóti-ca, comprovada por testes genéticos: em associa-ção com atorvastatina 80 mg/dia, reduziu o LDL-co-lesterol em 27,6%, ao passo que a atorvastatina, namesma dosagem, administrada isoladamente, redu-ziu o LDL-colesterol em somente 7%.(20, 21)

A associação de ezetimiba com fibrato foi objetode recente publicação. Em pacientes com hiperlipi-demia mista, a administração concomitante de ezeti-miba (10 mg/dia) e fenofibrato (160 mg/dia) reduziuo LDL-colesterol em 20,4%, o não-HDL-colesterol em30,4% e os triglicérides em 44%, e aumentou o HDL-colesterol em 19%. Essas modificações foram maisacentuadas quando comparadas às obtidas com osmedicamentos isolados.(22)

A tolerância à ezetimiba é muito boa. A freqüên-cia de distúrbios gastrointestinais (empachamento,náuseas, diarréia) é inferior a 4% e a de mialgia éinferior a 1%, podendo ocorrer elevações discretasdas enzimas hepáticas. Mesmo quando associadasa vastatina ou fibrato, a tolerância à ezetimiba pouco

se altera; entretanto, os mesmos cuidados devemser observados em relação aos fármacos associ-ados.(22, 23)

Fármacos bloqueadores do ciclo êntero-hepáticodo colesterol – resinas seqüestradoras de ácidosbiliares

São resinas de troca iônica (trocam o íon cloro pelacarboxila dos ácidos biliares conjugados com glicinaou taurina) não absorvíveis. Bloqueiam a reabsorção,na porção proximal do íleo, de ácidos biliares, diminu-indo sua oferta ao fígado e aumentando sua excreçãofecal. Aumentam a síntese hepática de colesterol e aexpressão dos receptores de LDL (receptores B-E);elevam a atividade de 7 alfa hidroxilase (enzima queregula a formação dos ácidos biliares a partir do coles-terol) e a síntese hepática de VLDL. Como resultado,há diminuição das taxas sanguíneas de LDL-colesterol(15% a 30%) e discreta e eventual elevação de triglicé-rides.(1, 24-26)

São indicadas para o tratamento da hipercoleste-rolemia leve ou moderada, mas seu uso está mais res-trito atualmente pelo surgimento dos inibidores seleti-vos de absorção intestinal. Constituem ainda uma dasprimeiras alternativas para o tratamento de crianças eadolescentes.(27) Podem ser indicadas para mulheresem idade fértil e também para idosos. Cuidados com asuplementação vitamínica devem ser observados. Sãocontra-indicadas quando os níveis de triglicérides es-tão elevados.(1)

No mercado brasileiro, é disponível apenas a coles-tiramina; em outros países, existem o colestipol e o co-lesevelam. A colestiramina, cuja estrutura é de um co-polímero de estireno com divinil-benzeno combinado agrupos de amônio quaternário em forma de cloreto in-solúvel, é apresentada em envelopes de 4 g na formade grânulos. Inicia-se o tratamento com 4 g/dia e, senecessário, aumenta-se progressivamente até o máxi-mo de 16 g/dia(1). Recomenda-se a dissolução dos grâ-nulos em suco de frutas, para melhorar o sabor, e aingestão junto às refeições. Há, no comércio, a forma“light”, que contém fenilamina para melhorar a tolerân-cia.

Os efeitos indesejáveis das resinas são: obstipação,empachamento, náuseas, meteorismo, exacerbação daabsorção de vitaminas lipossolúveis (A, D e K) e ácidofólico, digoxina, tiroxina e warfarina. Recomenda-se aingestão destas uma hora antes ou quatro horas de-pois das resinas. Podem ocasionar acidose hiperclorê-mica e o uso prolongado, hipoprotrombinemia. Eleva-ção dos valores das transaminases hepáticas e da fos-fatase alcalina também é relatada. A tolerância é pe-quena, em qualquer idade, porém ainda menor empacientes idosos.(1)

As resinas podem ser eventualmente associadas a

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FORTI N e col.Fármacos

hipolipemiantes

vastatinas nos casos dehipercolesterolemia, acen-tuando as reduções deLDL-colesterol, e a fibratosou ácido nicotínico na hi-pertrigliceridemia conco-mitante. Esses outros hi-polipemiantes devem seradministrados três horasantes ou três horas depoisdas resinas.

FÁRMACOS COM AÇÃO PREDOMINANTENA HIPERTRIGLICERIDEMIA

Este grupo de medicamentos tem indicação na hi-pertrigliceridemia endógena, que corresponde ao in-cremento de VLDL.

FibratosSão derivados do ácido fíbrico: clofibrato, bezafibra-

to, fenofibrato, etofibrato, genfibrozila, cipofibrato.Diminuem a lipólise no tecido adiposo, reduzindo a

oferta de ácidos graxos ao fígado, levando a menorsíntese de triglicérides e conseqüentemente de VLDL.Estimulam a atividade da lipase lipoprotéica. Aumen-tam a excreção do colesterol hepático pelas vias bilia-res e a afinidade dos receptores B-E pelas LDL. Emdecorrência da redução de triglicérides das VLDL, for-mam-se LDL grandes e menos densas, facilmente cap-tadas pelos receptores B-E, e reduzem a lipemia pós-prandial. Recentemente, demonstrou-se que os fibra-tos são capazes de ativar os fatores de transcriçãonuclear (PPARs alfa), reduzindo a produção da apoli-poproteína CIII, aumentando a produção da lipase li-poprotéica e das apolipoproteínas AI e AII. Diminuema regulação dos receptores hepáticos SRB1, diminuin-do o “clearance” de HDL. Em estudos experimentais,diminuíram a suscetibilidade de LDL à oxidação e inibi-

ram a HMG-CoA R.(28-31)

Dessas ações resultam diminuição da trigliceride-mia (35% a 55%), aumento de HDL-colesterol (10% a25%) e diminuição de LDL-colesterol (10% a 35%).Eventualmente, ocorre aumento de LDL-colesterolcomo resultado da competição de remanescentes deVLDL com LDL pelos receptores B-E. Também podemreduzir Lp (a), por mecanismos não esclarecidos.

Os fibratos possuem efeitos sobre fatores da coa-gulação: redução da fibrinogenemia, da agregação pla-quetária, do fator VII e de PAI-1. Podem melhorar a to-lerância à glicose. Entretanto, esses efeitos variam demedicamento para medicamento.(29)

Administrados de preferência após uma refeição, sãoabsorvidos no intestino, ligam-se em alto grau à albu-mina, são metabolizados pelo CYP 450 3A4 e são ex-cretados pelos rins. O pico máximo de ação, a meia-vida, a apresentação e as doses habituais são variá-veis para cada fibrato (Tab. 5).(29-31)

São indicados para a terapêutica da hipertrigliceri-demia endógena isolada ou associada à hipercoleste-rolemia (tipos IV, IIb e III).

Os fibratos são bem tolerados. São relatados efei-tos indesejáveis (5% a 10%), mas reversíveis, com ainterrupção do tratamento: intolerância gástrica, diar-réia, litíase biliar (mais comum com clofibrato), fraque-za muscular, mialgia, diminuição da libido, erupção cu-tânea, cefaléia e insônia. Podem elevar as taxas deenzimas hepáticas, de CPK, de uréia e de creatinina ediminuir o tempo de protrombina. Atenção especial deveser dada quando se administra fibrato a paciente comlitíase biliar, função renal diminuída e em tratamentoanticoagulante. Não devem ser usados em mulheresgrávidas ou amamentando. Interagem com fármacosmetabolizados pelo CYP 3A4, o que requer cuidadosespeciais em casos de polimedicação.(29-31)

A associação de fibratos com outros hipolipemian-tes pode ser feita, observando-se as seguintes precau-ções: 1) a administração concomitante com colestira-

Tabela 5. Fibratos: pico máximo de ação, meia-vida, apresentação e doses habituais.

Pico máximo Meia-vida Apresentação Doses habituaisFibrato (horas) (horas) (mg) (mg/dia)

Clofibrato 4 12 500 1.000-2.000Bezafibrato 2 1,5 a 2 200 600

400 (retard) 400Etofibrato 8 16 500 500Genfibrozila 2 7,6 300 600-1.200

600Fenofibrato 4 a 6 19,6 a 26,6 250 250

200 (micronizado)Cipofibrato 1 a 2 80 100 100-200

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FORTI N e col.Fármacos

hipolipemiantes

mina diminui a absorçãodo fibrato (se necessário,o fibrato deve ser ingeridotrês horas antes ou trêshoras depois da colestira-mina); 2) a associaçãocom vastatina favorecemialgia e pode facilitar rab-domiólise. Com monitori-zação adequada das en-zimas hepáticas e muscu-lares e ajustes de dose,

essa associação pode ser empregada em casos de hi-perlipidemia mista. Ressalte-se que a associação degenfibrozila com vastatina representa maior risco dealterações musculares e rabdomiólise e não deve serutilizada.(29-31)

Ácido nicotínicoO ácido nicotínico inibe a atividade de lipases hor-

mônio-sensíveis, diminuindo a quantidade de ácidosgraxos na circulação e a oferta ao fígado. Em conse-qüência, há diminuição da síntese de VLDL no fígado,com reflexos na formação de IDL e LDL nos capilares.Estimula a síntese e diminui o catabolismo de apo AI.Dessas ações resultam diminuição de 30% da triglice-ridemia e de LDL-colesterol e aumento de HDL-coles-terol (15%).(30, 31)

É recomendado principalmente para o tratamentoda dislipidemia mista, mas pode ser empregado na te-rapêutica da hipertrigliceridemia endógena (como al-ternativa aos fibratos). Também pode ser utilizado paraelevar a fração HDL-colesterol.

É administrado na dose de 2 mg/dia a 6 g/dia, divi-didos em duas a três tomadas/dia, após as refeições.É rapidamente absorvido, atingindo concentração má-xima em menos de uma hora, e a eliminação é renal. Otratamento é iniciado com dose baixa, aumentando-seprogressivamente.

A tolerância é baixa, particularmente para o produ-to de liberação imediata. Os principais efeitos indese-jáveis são: náuseas, dores epigástricas, rubor facial ougeneralizado (este pode ser minimizado pela adminis-tração de aspirina 30 minutos antes), urticária, eleva-ção das taxas de glicose, ácido úrico e enzimas hepá-ticas, e potencialização de anti-hipertensivos. Há rela-tos de Acanthosis nigricans. Aumenta o risco de mio-patia quando associado a vastatina.(30, 31)

Recentemente, foram lançadas duas formas de áci-do nicotínico: de liberação gradual (ER) e de liberaçãoprolongada, lenta (SR). A forma ER é administrada nadose de 500 mg a 2 g (também iniciando com dosebaixa e aumentando progressivamente), a absorção émais lenta e menor, e os efeitos gastrintestinais e orisco hepatotóxico são menores. A forma SR também

é administrada uma vez ao dia, está associada à redu-ção dos rubores, mas o risco de hepatotoxicidade émaior.(32, 33)

Ômega 3Os ácidos graxos ômega 3 (eicosapentaenóico e

docosaexaenóico) são componentes de óleo de pei-xes de águas frias e profundas. Inibem a síntese deVLDL no fígado, aumentam seu catabolismo, e diminu-em a agregação plaquetária.(30, 31, 34, 35)

Encontram indicação somente em casos de hiper-trigliceridemia grave em associação a fibratos e noscasos de intolerância a fibratos.

São totalmente absorvidos após seis horas da in-gestão. A dose mínima recomendada é de 4 g/dia, e,no mercado, estão disponíveis em cápsulas de 1 g.

FÁRMACOS COM AÇÃO SOBRE OMETABOLISMO LIPÍDICO EM DESENVOLVIMENTO

A busca por novos fármacos que agem em diferen-tes pontos do metabolismo lipídico prossegue. Encon-tram-se em desenvolvimento pesquisas de medicamen-tos com ação sobre a hipercolesterolemia, sobre a hi-pertrigliceridemia e para elevar a fração HDL-coleste-rol, considerada antiaterogênica.

Fármacos com ação sobre a hipercolesterolemiae/ou hipertrigliceridemia

As pesquisas estão sendo desenvolvidas baseadas nainibição(1, 36):1) da síntese de ácidos biliares, como, por exemplo, inibido-res do 7 alfa-hidroxilase;2) do colesterol-ester-hidroxilase, enzima envolvida no meta-bolismo intestinal do colesterol;3) da proteína de transplante de ácidos biliares (ASBT);4) da acil-colesterol-acil-transferase (ACAT), enzima respon-sável pela reesterificação do colesterol absorvido nos ente-rócitos;5) da proteína de transferência microssomal de triglicérides(MTP), que diminui o transporte dos lípides exógenos, difi-cultando a formação de quilomícrons e levando à menor for-mação de VLDL;6) da esqualeno-sintase , envolvida na síntese do colesterol;7) da acil-CoA-diaciltransferase, participante da síntese detriglicérides.

Fármacos com ação predominante emHDL-colesterol

Fibratos, ácido nicotínico e vastatinas elevam a fra-ção HDL-colesterol em cerca de 10%, 20%, e 5% a10%, respectivamente(1, 37, 38). Em estudo recentementepublicado, a associação de genfibrozila, ácido nicotíni-co e colestiramina em pacientes somente com HDL-colesterol = 34 mg/dl + 6 mg/dl elevou o HDL-coleste-

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FORTI N e col.Fármacos

hipolipemiantes

rol em 36%. Essa elevaçãofoi responsabilizada por di-minuição de obstrução dasartérias coronárias e deeventos cardiovascula-res.(39)

Várias investigaçõesestão sendo desenvolvi-das no sentido de identifi-car um fármaco que, iso-ladamente, tenha capaci-dade de elevar mais acen-

tuadamente as taxas baixas de HDL-colesterol. Em fasemais avançada de pesquisa, encontram-se os inibido-res de CETP: JTT 705 (Roche, Japan Tobacco) e o tor-

cetrapib (Pfizer). Em paciente com hiperlipidemia mo-derada, o JTT 705 aumentou o HDL-colesterol (37%) ediminuiu o LDL-colesterol (7%). O torcetrapib, em indi-víduos com HDL-colesterol inferior a 40 mg/dl, na dosede 120 mg/dia, durante quatro semanas, aumentou osvalores dessa fração em 46% quando administrado iso-ladamente e em 61% quando concomitante a 20 mg/dia de atorvastatina; em uso isolado por oito semanas,o aumento foi de 106%.(40)

Estão sendo objeto de investigação: 1) ativadores/moduladores seletivos de LXR (fator de transcrição dassuperfamílias de receptores nucleares); 2) inibidoresdas lipases hepática e endotelial; 3) moduladores dereceptores hepáticos SRB1; e 4) miméticos de lisoes-fingolípides.(38)

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HYPOLIPIDEMIC DRUGS

NEUSA FORTI, JAYME DIAMENT

Treatment of dyslipidemia in order to prevent atherosclerotic disease is widelyaccepted. This review includes: 1) pharmacologic and therapeutic aspects of hypo-cholesterolemic and hypotriglyceridemic drugs most commonly used in clinical prac-tice; 2) considerations regarding hypolipidemic drugs association; 3) new therapeu-tic approaches: new hypolipidemic drugs and drugs to increase HDL-cholesterol.

Before pharmacologic intervention, clinicians must correctly screen dyslipidemiaand consider the following conditions: drug interactions, aging, menopausal status,comorbidity, renal or hepatic disease, alcohol abuse and availability of selected dru-gs in the public health system.

Key words: hypolipidemic drugs, hypercholesterolemia, hypotriglyceridemia, HDL-cholesterol, dyslipidemia.

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 517

FONSECA FAH e cols.Abordagem dasdislipidemias na

prevenção primáriae secundária:

o que há de novo?

INTRODUÇÃO

A aterosclerose é a doença mais prevalente da so-ciedade moderna e, com base nos estudos da cidadede Framingham, estima-se que 50% dos homens e 30%das mulheres apresentarão manifestações da sua for-ma mais comum de apresentação, a doença arterialcoronariana, ao longo de suas vidas(1).

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, asdoenças cardiovasculares são responsáveis por 5 a 12milhões de mortes anuais em países desenvolvidos e por10 a 40 milhões de mortes anuais em países em desen-volvimento. Desse total, estima-se que a metade dessasmortes decorra da doença arterial coronariana(2).

Apesar das fortes evidências de que a redução docolesterol possa modificar a história natural dessespacientes, alguns estudos demonstram claramente queas diretrizes na prevenção primária ou secundária dadoença coronariana têm sido negligenciadas.

Nos Estados Unidos, o “National Health and NutritionExamination Survey” (NHANES III)(3) mostrou que 65%dos pacientes elegíveis para o tratamento hipolipemiantenão recebiam qualquer forma de terapia. No continente

ABORDAGEM DAS DISLIPIDEMIAS NA PREVENÇÃOPRIMÁRIA E SECUNDÁRIA: O QUE HÁ DE NOVO?

FRANCISCO A. H. FONSECA, CARLOS M. C. MONTEIRO, SERGIO A. B. BRANDÃO

Setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular –Universidade Federal de São Paulo

Endereço para correspondência: Rua Pedro de Toledo, 458 – CEP 04039-001 –São Paulo – SP

O melhor conhecimento da história natural da aterosclerose revelou a importânciacrucial dos lipídeos. Dessa forma, têm sido propostas intervenções mais agressivassobretudo para os pacientes em prevenção secundária ou sob alto ou muito altorisco de eventos coronarianos. Hoje, com os fármacos disponíveis, essas metas têmsido alcançadas com maior facilidade. Embora esses fármacos sejam muito seguros,alguns cuidados, especialmente para doses elevadas ou quando associados, sãoimportantes.

Palavras-chave: dislipidemias, tratamento, hipolipemiantes.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:517-25)RSCESP (72594)-1575

europeu, o estudo “European Action on Secondary Pre-vention through Intervention to Reduce Events” (EURO-ASPIRE)(4) revelou que apenas 32% dos pacientes emprevenção secundária estavam recebendo terapia hipoli-pemiante e que, dentre estes, a metade permanecia comvalores de colesterol acima das metas.

ESTRATIFICAÇÃO DO RISCO CARDIOVASCULAR

Estudos observacionais como o “Prospective Car-diovascular Münster “(PROCAM) e o “FraminghamHeart Study” demonstraram a importância dos fatoresde risco e seu sinergismo e permitiram a elaboraçãode um escore para a obtenção do risco absoluto deeventos coronarianos.

O escore de Framingham foi revisto recentementee modificado pelo “National Cholesterol Education Pro-gram” (NCEP/ATP III)(5). Com base nesse novo escore,os pacientes, independentemente de sua condição emprevenção primária ou secundária da aterosclerose, sãoclassificados em três níveis de risco: alto, intermediá-rio ou baixo para a ocorrência de morte ou infarto domiocádio em dez anos (Tab. 1).

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FONSECA FAH e cols.Abordagem dasdislipidemias na

prevenção primáriae secundária:

o que há de novo?

Para facilitar a identificação dos pacientes que de-vem ter seu risco avaliado pelo novo escore, o NCEP/ATP III classifica como de alto risco os pacientes commanifestações da aterosclerose e todos os diabéticose de baixo risco pacientes com 0 ou 1 dos seguintesfatores:- idade em homens a partir dos 45 anos e mulheres a

partir dos 55 anos;- antecedente familiar de doença coronariana prema-

tura (parentes de primeiro grau do sexo masculino< 55 anos ou feminino < 65 anos);

- hipertensão arterial (PA > 140/90 mmHg) ou anti-hi-pertensivo;

- fumo (qualquer quantidade de cigarros fumados nomês anterior);

- HDL-colesterol < 40 mg/dl (homens ou mulheres).No caso de HDL-colesterol > 60 mg/dl, deve ser des-

contado um fator de risco.Com base nessa classificação inicial, os pacientes

de alto risco (aqueles com manifestações prévias deaterosclerose ou diabetes) devem ter LDL-colesterol-alvo < 100 mg/dl e para os considerados de baixo ris-co, LDL-colesterol-alvo < 160 mg/dl. Entretanto, os pa-cientes que apresentarem dois ou mais fatores de ris-co precisam ter seu risco coronariano avaliado peloescore de Framingham para determinação da meta li-pídica a ser alcançada (Tab. 2).

Em 2004, novas recomendações do NCEP/ATP IIIforam publicadas, incluindo a consideração para umtratamento mais agressivo (opcional), com meta deLDL-colesterol < 70 mg/dl para pacientes de muito altorisco, como aqueles com síndromes coronarianas agu-das ou coronarianos sem adequado controle dos fato-res de risco, principalmente os diabéticos, os que per-manecem fumando apesar da aterosclerose estabele-cida ou, ainda, para os coronarianos que preenchamcritérios de síndrome metabólica (especialmente entre

Tabela 1. Categorias de risco absoluto de eventos coronarianos (NCEP III).

Categoria de risco Diagnóstico

Alto risco DAC ou DAC equivalenteRisco absoluto* > 20%* Diabetes melito (tipos 1 ou 2)

Múltiplos fatores de risco†

Risco intermediário Geralmente 2 ou maisRisco absoluto* entre 10% e 20%* fatores de riscoBaixo risco Geralmente 0 a 1 fator de riscoRisco absoluto* < 10%*

* Risco absoluto para morte ou infarto(6).† Múltiplos fatores de risco com risco absoluto > 20% em dez anos.DAC = doença arterial coronariana; DAC equivalente = doença vascular periférica,doença carotídea sintomática, aneurisma de aorta abdominal.

aqueles que mantêm níveis de triglicérides ou HDL-colesterol inadequados).

Além disso, como muitos dos desfechos coronaria-nos ocorrem entre os indivíduos com risco intermediá-rio, foi sugerido que, nessa condição, os pacientes comdois ou mais fatores de risco, incluindo novos parâme-tros como a proteína C-reativa ultra-sensível > 3 m/dlou o escore de cálcio > 75 percentil, tenham como metaprincipal o LDL-colesterol < 100 mg/dl (opcional)(6). Alémdisso, uma vez obtido o LDL-colesterol-alvo, foi pro-posta como meta secundária a obtenção de valoresdesejáveis para os triglicérides (< 150 mg/dl) e para oHDL-colesterol (> 40 mg/dl para a população geral e> 45 mg/dl para os diabéticos)(7), e para os indivíduoscom triglicérides > 200 mg/dl foi sugerida uma metapara o colesterol não-HDL 30 mg acima da meta doLDL-colesterol. Nesse novo documento, foi sugerida aassociação de fármacos como estatinas e fibratos ouestatinas e ácido nicotínico para a obtenção dos valo-res lipídicos ideais em todas as frações lipídicas e nãoapenas no LDL-colesterol.

ESTRATÉGIAS INICIAIS

O tratamento de indivíduos em prevenção primá-ria da doença coronariana, sobretudo os de riscobaixo (< 10%), deve ter como enfoque prioritário modi-ficação do estilo de vida, abstenção do fumo, exercíci-os físicos e dieta adequada em seu conteúdo calóricoe nutricional(5).

Por outro lado, além da ênfase para um adequadoestilo de vida, para os indivíduos de risco intermediá-rio, especialmente com dois ou mais fatores de risco, epara os classificados como de alto ou muito alto riscoessas medidas são muitas vezes insuficientes para oalcance das metas. Nesse caso, o tratamento farma-cológico tem permitido o alcance das metas na maio-

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FONSECA FAH e cols.Abordagem dasdislipidemias na

prevenção primáriae secundária:

o que há de novo?

Tabela 2. Estimativa de risco coronariano absoluto para homens e mulheres.

Homens Mulheres

Idade Pontos Idade Pontos20-34 9 20-34 -735-39 4 35-39 -340-44 0 40-44 045-49 3 45-49 350-54 6 50-54 655-59 8 55-59 860-64 10 60-64 1065-69 11 65-69 1270-74 12 70-74 1475-79 13 75-79 16Colesterol Idade Idade Idade Idade Idade Colesterol Idade Idade Idade Idade Idadetotal (anos) (anos) (anos) (anos) (anos) total (anos) (anos) (anos) (anos) (anos)(mg/dl) 20-39 40-49 50-59 60-69 70-79 (mg/dl) 20-39 40-49 50-59 60-69 70-79< 160 0 0 0 0 0 < 160 0 0 0 0 0160-199 4 3 2 1 0 160-199 4 3 2 1 1200-239 7 5 3 1 0 200-239 8 6 4 2 1240-279 9 6 4 2 1 240-279 11 8 5 3 2≥ 280 11 8 5 3 1 ≥ 280 13 10 7 4 2Fumo Idade Idade Idade Idade Idade Fumo Idade Idade Idade Idade Idade

(anos) (anos) (anos) (anos) (anos) (anos) (anos) (anos) (anos) (anos)20-39 40-49 50-59 60-69 70-79 20-39 40-49 50-59 60-69 70-79

Não 0 0 0 0 0 Não 0 0 0 0 0Sim 8 5 3 1 1 Sim 9 7 4 2 1HDL-colesterol (mg/dl) Pontos HDL-colesterol (mg/dl) Pontos≥ 60 -1 ≥ 60 -150-59 0 50-59 040-49 1 40-49 1< 40 2 < 40 2PA sistólica PA sistólica(mmHg) Não tratada Tratada (mmHg) Não tratada Tratada< 120 0 0 < 120 0 0120-129 0 1 120-129 1 3130-139 1 2 130-139 2 4140-159 1 2 140-159 3 5≥ 160 2 3 ≥ 160 4 6

Risco absoluto Risco absolutoTotal de pontos em 10 anos (%) Total de pontos em 10 anos (%)< 0 < 1 < 9 < 10 1 9 11 1 10 12 1 11 13 1 12 14 1 13 25 2 14 26 2 15 37 3 16 48 4 17 59 5 18 610 6 19 811 8 20 1112 10 21 1413 12 22 1714 16 23 2215 20 24 2716 25 ≥ 25 ≥ 30≥ 17 ≥ 30

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FONSECA FAH e cols.Abordagem dasdislipidemias na

prevenção primáriae secundária:

o que há de novo?

ria dos indivíduos e comconsiderável rapidez.

Além disso, formas gra-ves de dislipidemias, comoníveis muito elevados detriglicérides (especialmen-te quando > 1.000 mg/dl)devem receber tratamen-to farmacológico ao ladode restrição de gorduras(< 15% do valor calóricototal). Nesses indivíduos

não é possível a determinação do LDL-colesterol pelafórmula de Friedewald (LDL-colesterol = colesterol to-tal – HDL-colesterol – triglicérides/5), pois esse cálcu-lo não é válido para valores de triglicérides > 400 mg/dl. Nessa situação, devemos usar o colesterol não-HDLcomo meta a ser atingida, sendo seus valores de refe-rência 30 mg acima do LDL-colesterol-alvo.

No caso de indivíduos com níveis muito elevadosde LDL-colesterol (> 190 mg/dl), uma forma genéticade dislipidemia geralmente está presente (como, porexemplo, hipercolesterolemia familiar), mas esse altovalor de colesterol pode ser secundário a um hipoti-reoidismo. No caso da hipercolesterolemia de basegenética, além do rastreamento dos familiares e dasavaliações laboratoriais pertinentes uma cuidadosaatenção deverá ser dada para o diagnóstico da doençaarterial coronária.

Para a hipoalfalipoproteinemia (HDL-colesterol < 40mg/dl), o tratamento de causas secundárias, comomelhor compensação do diabetes, perda de peso ouexercícios, constitui a conduta inicial. Entretanto, medi-camentos para elevação do HDL-colesterol também têmsido sugeridos, especialmente para pacientes de altoou muito alto risco. Além disso, pacientes em preven-ção secundária com HDL-colesterol baixo e hiperco-lesterolemia apresentam alta incidência de recorrên-cia de eventos, que não foram controlados apenas como uso da estatina, como foi mostrado no “ScandinavianSinvastatin Survival Study” (4S)(7).

Nos dias atuais, grande ênfase tem sido dada ao di-agnóstico da síndrome metabólica. Em 2001, o NCEP/ATPIII sugeriu critérios muito simples para seu diagnósti-co(5). Entretanto, em 2005 novos critérios foram sugeridospela “International Diabetes Federation”(8). A obesidadevisceral passou a ser uma alteração obrigatória, detecta-da com base na circunferência abdominal (Tab. 3), alémde pelo menos duas das seguintes condições:- glicemia > 100 mg/dl ou tratamento para diabetes;- triglicérides > 150 mg/dl;- HDL-colesterol < 40 mg/dl (homens) ou < 50 mg/dl

(mulheres);- pressão arterial > 130/85 mmHg ou uso de anti-hiper-

tensivo.

A BASE DE EVIDÊNCIAS PARA O EMPREGODE HIPOLIPEMIANTES E AS MODIFICAÇÕESDAS METAS DE LDL-COLESTEROL

Diversos ensaios clínicos com estatinas, fibratos,niacina e resinas demonstraram que as terapias hipoli-pemiantes reduzem o risco de morte e de eventos car-diovasculares em pacientes que apresentam ou nãohistória de doença arterial coronariana prévia, nos hi-pertensos, nos diabéticos, nas síndromes isquêmicasagudas ou, ainda, com a utilização de tratamento maisrigoroso(9-24).

Mais recentemente, uma meta-análise de 14 estu-dos com estatinas(25) demonstrou que a redução doLDL-colesterol de apenas 1 mmol (aproximadamente38 mg/ml) está associada com 12% de redução demortalidade total e 18% de mortalidade coronariana,além de expressiva redução das taxas de eventos co-ronarianos ou necessidade de revascularização.

Na realidade, todos esses estudos demonstraramque a redução do colesterol pode ser considerada bas-tante segura e pode ser mantida em longo prazo, semevidências de alterações metabólicas deletérias ouaparecimento de qualquer forma particular de câncer(25).

Os estudos que demonstraram maior grau de redu-ção do LDL-colesterol também se acompanharam demenores taxas de eventos coronarianos e de mortali-dade total (Tabs. 4 e 5).

COMO ALCANÇAR AS METAS LIPÍDICAS-ALVO

Com base nos estudos de desfechos clínicos men-cionados e, mais recentemente, com os resultados deavaliações por imagem (ultra-som) em carótidas e emartérias coronárias, pode-se verificar a necessidade dereduções médias de cerca de 50% no LDL-colesterolpara se evitar a progressão da aterosclerose(32, 33). Re-duções do colesterol não-HDL e, especialmente, au-mentos do HDL-colesterol também parecem influenci-ar a evolução clínica e anatômica da aterosclerose(23).

Na abordagem das dislipidemias na prevenção pri-mária ou secundária, algumas estratégias podem serseguidas.

Estratégia 1– Alcançar a meta de LDL-colesterol com a menor dose

de hipolipemiante, mas que atinja a meta-alvo.Para os pacientes de alto ou muito alto risco, a dose

do hipolipemiante (geralmente uma estatina) pode seriniciada já com a dose necessária para se atingir a meta.Entretanto, para subgrupos de risco, idosos, mulheresde baixo peso, pacientes em uso concomitante de ou-tros fármacos que possam interferir no metabolismodo hipolipemiante, pacientes com comprometimento defunção hepática ou renal, hipotireoidismo e co-morbi-

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FONSECA FAH e cols.Abordagem dasdislipidemias na

prevenção primáriae secundária:

o que há de novo?

Tabela 3. Valores propostos para o diagnóstico da síndrome metabólica com basena obesidade visceral pela “International Diabetes Federation” (IDF).

Grupo étnico Circunferência abdomial

Europídeos*- Homem > 94 cm- Mulher > 80 cmSul da Ásia- Homem > 90 cm- Mulher > 80 cmChineses- Homem > 90 cm- Mulher > 80 cmJaponeses- Homem > 85 cm- Mulher > 90 cmAmérica Central e do Sul**- Homem > 90 cm- Mulher > 80 cmÁfrica (subsaariana)** Semelhantes aos europídeos*Mediterrâneo (leste)** Semelhantes aos europídeos*Centro-oeste árabe** Semelhantes aos europídeos*

* Indivíduos de origem européia.** Valores sugeridos até que novos dados estejam disponíveis.

Tabela 4. Eventos coronarianos e níveis de LDL-colesterol.

Estatina Placebo comparador*LDL-C Taxa de LDL-C Taxa deatingido evento de DAC atingido evento de DAC

Estudo (mg/dl) (% de pacientes) (mg/dl) (% de pacientes)

4S26 122 19,4 190 28,0LIPID27 112 12,3 150 15,9CARE28 98 10,2 135 13,2HPS29 89 8,7 128 11,8TNT30 77 6,7 101 8,3

* O comparador no TNT foi atorvastatina 10 mg.LDL-c = LDL-colesterol; DAC = doença arterial coronariana.

dades, tais como doenças auto-imunes, SIDA e pós-transplante, devem receber a dose do hipolipemiantetitulada gradualmente e com adequado monitoramen-to de enzimas.

Geralmente, para que sejam alcançados valores > 50%em relação aos valores basais ou LDL-colesterol < 70mg/dl são necessárias doses máximas de sinvastatina(80 mg/dia), doses de atorvastatina de 40 mg/dia a 80mg/dia e de rosuvastatina entre 10 mg/dia e 40 mg/dia.Pode ainda ser empregada a combinação de ezetimiba

com estatina. Em casos mais raros, pode ser feita associ-ação de ezetimiba + estatina + resina ou niacina.

Estratégia 2– Atingir meta de colesterol não-HDL em pacientes com

triglicérides > 200 mg/dl.Neste sentido, ao lado da meta de LDL-colesterol

(objetivo primário), é preciso buscar mudanças no esti-lo de vida que possam melhorar de forma global o per-fil lipídico (exercícios, perda de peso, dieta, melhor con-

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FONSECA FAH e cols.Abordagem dasdislipidemias na

prevenção primáriae secundária:

o que há de novo?

Tabela 5. Mortalidade total e LDL-colesterol.

Mortalidade total (% de pacientes)Estudo Anos Estatina Placebo comparador*

HPS29 5,0 12,9 14,7LIPID27 6,1 11,0 14,14S26 5,4 8,2 11,5PROSPER31 3,.2 10,3 10,5CARE28 5,0 8,6 9,4TNT30 4,9 5,7 5,6

* O comparador no TNT foi atorvastatina 10 mg.

trole de diabetes, etc.).Entretanto, com freqüência não conseguimos uma

modificação no estilo de vida que permita o alcance detodas as metas e, nesse caso, individualmente, podemosconsiderar a administração concomitante de um segun-do fármaco, geralmente um fibrato ou niacina. É impor-tante que os fármacos não sejam iniciados simultanea-mente, mas ao lado de adequado monitoramento sejaadicionado o segundo fármaco e a dose de estatina sejapreferencialmente inicial, com cuidadosa titulação.

Estratégia 3– Atingir a meta de HDL-colesterol.

Evidências epidemiológicas, análise de subgruposde pacientes com baixos níveis de HDL-colesterol emvários ensaios clínicos e estudos experimentais têmsugerido grande importância para a HDL. Sendo as-sim, ao lado de uma meta adequada de LDL-colesterole de colesterol não-HDL, buscam-se valores adequa-dos de HDL-colesterol (> 40 mg/dl para a populaçãogeral e > 45 mg/dl para os diabéticos). Mudanças noestilo de vida, exercícios, parar de fumar, perda de peso,etc. são importantes, mas, em geral, a efetividade des-sas medidas é limitada e demanda vários meses. Paci-entes com reduções isoladas de HDL-colesterol (semhipertrigliceridemias ou uma causa secundária) apre-sentam maior desafio para se atingir as metas propos-tas. O principal fármaco hoje disponível é a niacina,que deve ter sua dosagem titulada com paciência (ge-ralmente a cada quatro semanas) para melhor tolera-bilidade, sendo os melhores resultados por vezes obti-dos apenas após um ano de terapia. O uso de fibratose algumas estatinas (sinvastatina e rosuvastatina) iso-

ladamente ou combinadas com ezetimiba propicia au-mentos moderados no HDL-colesterol. A combinaçãode estatina com niacina constitui uma perspectiva a serconsiderada com base em estudos mais recentes(34).Novas perspectivas terapêuticas têm sido propostaspara elevação do HDL-colesterol por interferência nometabolismo da HDL, mas esses fármacos ainda nãoestão disponíveis no mercado(35).

Estratégia 4A importância epidemiológica da aterosclerose e os

custos sociais e econômicos dos desfechos cardiovas-culares motivaram um dos maiores avanços no conhe-cimento da aterogênese, da história natural da ateros-clerose e de possibilidades de intervenção nesse pro-cesso. Hoje, os hipolipemiantes constituem os fárma-cos mais estudados, em uma variedade de situaçõesclínicas da infância à senilidade, e esses estudos trou-xeram grande responsabilidade ao clínico.

Crescem as evidências de que mudanças discretasnos lipídeos estão longe de propiciar o melhor benefí-cio com esses fármacos. De fato, os melhores resulta-dos só são contemplados com adequada conscienti-zação para os pacientes da importância da adoção deum melhor estilo de vida e, quando necessário, de umadisciplinada rotina de exames e uso de medicamentos,para que a segurança e a efetividade do tratamentocaminhem juntas. Novos marcadores, como homocis-teína, Lp(a), fibrinogênio, etc., apenas sugerem a ne-cessidade de melhor controle lipídico pelo risco adicio-nal de desfechos cardiovasculares e não para as me-didas de controle específico desses marcadores de ris-co cardiovascular.

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DYSLIPIDEMIA APPROACH IN PRIMARY ANDSECONDARY PREVENTION: WHAT’S NEW?

FRANCISCO A. H. FONSECA, CARLOS M. C. MONTEIRO, SERGIO A. B. BRANDÃO

A better understanding of the natural history of atherosclerosis has revealed acrucial importance of lipids. Therefore, more aggressive treatment has been proposed,especially for secondary prevention patients or for those at high or very-high coronaryrisk. Nowadays, lipid targets have been successfully achieved by the use of moreeffective drugs either alone or combined. These drugs appear to be safe, however,appropriate monitoring is recommended especially when high doses or combinationis required.

Key words: dyslipidemia, treatment, hypolipidemic agents.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:517-25)RSCESP (72594)-1575

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COELHO OR e col.Estratégia

na abordagemdas dislipidemiasnas síndromes

coronarianas agudas

INTRODUÇÃO

As síndromes coronarianas agudas, definidas comoangina instável, infarto agudo do miocárdio sem supra-desnivelamento do segmento ST e infarto agudo domiocárdio com supradesnivelamento do segmento ST,apresentam alta prevalência e grande importância clí-nica na atualidade. Nos Estados Unidos, estima-se queocorra aproximadamente 1,5 milhão de admissões hos-pitalares por síndromes coronarianas agudas.(1) NoBrasil, esse problema não é diferente e os dados for-necidos pelo DATASUS demonstram que as síndromescoronarianas agudas são uma importante causa demorbidade e mortalidade em nosso país.(2) Apesar dosrecentes avanços no tratamento das síndromes coro-narianas agudas, com novos medicamentos e novasmodalidades terapêuticas invasivas, o risco de even-tos sucessivos e de isquemia recorrente ainda é alto.

ESTRATÉGIA NA ABORDAGEM DAS DISLIPIDEMIASNAS SÍNDROMES CORONARIANAS AGUDAS

OTÁVIO RIZZI COELHO, OTÁVIO RIZZI COELHO FILHO

Departamento de Clínica Médica – Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP

Endereço para correspondência: Rua Benjamin Constant, 2050 –CEP 13010-142 – Campinas – SP

As síndromes coronarianas agudas representam importante causa de mortalida-de nos países desenvolvidos e no Brasil. Apesar dos últimos avanços no tratamentodas síndromes coronarianas agudas, uma parcela significativa dos pacientes apre-senta evolução desfavorável nos primeiros meses após evento coronariano. Estu-dos de prevenção secundária demonstraram que as estatinas, quando iniciadas trêsa seis meses após síndromes coronarianas agudas, diminuíram o risco de morte eangina recorrente. Estudos observacionais demonstraram benefício do uso precocede estatinas após síndrome coronariana aguda. Três estudos recentes prospectivoscontrolados confirmaram os benefícios do uso precoce de estatinas após síndromescoronarianas agudas, mostrando também que essa terapia é segura inclusive quan-do são utilizados regimes intensivos da terapia redutora de colesterol.

Palavras-chave: síndromes coronarianas agudas, dislipidemia, estatinas, tratamento.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:526-34)RSCESP (72594)-1576

Por exemplo, após a ocorrência de síndrome coronari-ana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST,o risco de morte ou infarto do miocárdio não-fatal che-ga a 10%, e o risco de morte, infarto do miocárdio ouisquemia recorrente atinge 20%(3-6). Apesar de reduziro risco de novos eventos coronarianos e de reduzir aisquemia miocárdica, a estratégia de revascularizaçãomiocárdica percutânea ou cirúrgica não altera o pro-cesso fisiopatológico da aterosclerose coronariana(5, 6).

Estudos de prevenção secundária têm demonstra-do claramente benefícios clínicos do uso das estatinas(4S, CARE, LIPID)(7-11), um inibidor da 3-hidroxi-3-me-tilglutaril coenzima A (HMG-CoA), em pacientes comdoença arterial coronária estável. Um dado interessantedesses estudos reside no fato de que o benefício daredução do risco de morte e de evento coronariano não-fatal ocorreu apenas após período de 12-24 meses detratamento. Parte desse achado pode ser justificado

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 527

COELHO OR e col.Estratégia

na abordagemdas dislipidemiasnas síndromes

coronarianas agudas

pelo número pequeno deeventos da população es-tudada e pela dose mode-rada de estatina emprega-da.

Com os avanços no co-nhecimento da biologiamolecular, passamos acompreender melhor a fi-siopatologia das síndro-mes coronarianas agudas,sendo aceitável atualmen-

te uma tríade de fatores agindo em conjunto: disfunçãoendotelial, inflamação e ativação da coagulação(12). Al-guns mecanismos tentam justificar os motivos pelosquais a terapia precoce com estatinas poderia modifi-car favoravelmente a fisiopatologia das síndromes co-ronarianas agudas e, com isso, melhorar o prognósti-co após um evento coronariano. A aterosclerose é umprocesso inflamatório caracterizado por infiltração demacrófagos e linfócitos T na parede das artérias. Osmacrófagos ativados e outras células inflamatórias po-dem secretar uma série de substâncias que podem terefeito pró-trombótico (mediado por fator tecidual) edegradar a capa fibrosa das placas de aterosclerose(mediado por metaloproteinase). Estudos clássicosdemonstraram haver importante relação entre lesãocoronária e infiltração de células inflamatórias(13); alémdisso, já foi demonstrado que os níveis de marcadoresinflamatórios, como níveis de proteína C-reativa e CD40ligante, estão usualmente elevados nas síndromes co-ronarianas agudas e associados com pior prognósti-co.(14)

Dados experimentais sugerem que a terapia comestatina pode ter efeito antiinflamatório “in vitro”. Li eChen(15), utilizando a proteína C-reativa para estimularmonócitos humanos a produzir interleucina 6 (IL-6), de-monstraram que a terapia com estatina reduz a produ-ção de IL-6. Dados indiretos de outros estudos clínicossugerem que as estatinas podem reduzir os níveis daproteína C-reativa. Em uma subanálise do estudoCARE(16), que incluiu pacientes com infarto agudo domiocárdio entre 3 e 20 meses da inclusão, foi demons-trado que o uso da pravastatina por cinco anos reduziua proteína C-reativa em 17%. Mais recentemente, emum estudo clínico com 40 pacientes hipercolesterolê-micos ambulatoriais, o tratamento com simvastatinareduziu os níveis de proteína C-reativa após 14 diasde tratamento. Macin e colaboradores(17) demonstraram,em um estudo com 90 pacientes com síndrome coro-nariana aguda, que o tratamento precoce com atorvas-tatina 40 mg/dia reduz os níveis de proteína C-reativa,comparando admissão com alta hospitalar(17).

A aterosclerose também está associada com piorada função endotelial e alteração da vasomotricidade

coronariana, sendo essa alteração particularmente im-portante nos pacientes com síndrome coronariana agu-da(18). A hiperlipidemia reduz a atividade da óxido nítri-co sintetase e também estimula seu catabolismo. Acorreção da hiperlipidemia com estatinas pode parcial-mente restaurar a função endotelial, promovendo oaumento da expressão óxido nítrico sintetase endoteli-al e do número de células endoteliais progenitoras(19).A hiperlipidemia pode também promover um estado pró-trombótico, caracterizado por aumento da ativação pla-quetária, diminuição da produção de óxido nítrico eaumento da produção de fator tecidual, que também érestaurado com o tratamento com estatina(20-24).

ESTUDOS OBSERVACIONAIS

Estudos observacionais, que utilizaram terapia pre-coce com inibidores da HMG-CoA em paciente comsíndrome coronariana aguda, sugerem que o tratamen-to pode melhorar o prognóstico desse grupo de paci-entes. Um dos primeiros desses estudos foi publicadopor Stenestrannd e Wallentin como parte do registro“Swedish Register of Cardiac Intensive Care” (RISKS-HIA)(25), que envolveu cerca de 58 hospitais. Os auto-res analisaram cerca de 19.500 pacientes com menosde 80 anos, hospitalizados por infarto agudo do mio-cárdio que receberam alta hospitalar. Apesar de o re-gistro não indicar qual estatina foi usada, os dados doestudo demonstram que 14.071 pacientes sem estati-na apresentaram mortalidade em um ano de 9,3%,enquanto 5.528 pacientes em uso de estatina, desde aalta hospitalar, tiveram mortalidade em um ano de 4,0%.Quando foram feitas análises ajustadas com outrasvariáveis, o uso de estatina na alta do paciente foi as-sociado com redução de 25% do risco relativo paramortalidade em um ano (p = 0,001).

O segundo estudo observacional utilizou dados doGUSTOIIb e do PURSUIT e comparou a mortalidadepor todas as causas dos pacientes com síndrome co-ronariana aguda que receberam alta com e sem tera-pia com estatina(26). Dos 20.809 pacientes estudados,cerca de 18% utilizaram estatina, sendo observada jáem 30 dias redução da mortalidade favorável ao grupotratado, que foi mantida até seis meses (1,7% contra3,5%; p < 0,0001).

Em uma análise do estudo PRISM (“Platelet Recep-tor Inhibition in Ischemic Syndrome Management’)(27),cerca de 1.600 pacientes hospitalizados com síndro-me coronariana aguda foram avaliados retrospectiva-mente, dos quais 465 já faziam uso de estatina no mo-mento da hospitalização. Nesse estudo foram utiliza-das as seguintes estatinas: simvastatina (50%), lovas-tatina (24%) e pravastatina (20%). O uso de estatinaesteve associado com redução da isquemia recorrente(p < 0,01), redução da necessidade de revasculariza-

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ção (p = 0,042) e reduçãodo período de hospitaliza-ção (p = 0,02). Foram tam-bém estudados os benefí-cios do uso precoce, nasprimeiras 24 horas, deuma estatina após a im-plantação de stent coroná-rio com sucesso em 705pacientes: 335 com angi-na estável, 224 com angi-na instável e 145 com in-

farto agudo do miocárdio não-Q. Pacientes que já fazi-am uso de terapia hipolipemiante foram excluídos e aterapia com estatina foi iniciada apenas quando o LDL-colesterol excedia o percentil 75. Os autores desseestudo demonstraram que, nos pacientes com anginainstável, a terapia com estatina pós-angioplastia redu-ziu o risco de infarto agudo do miocárdio em seis me-ses (“endpoint” primário do estudo) para níveis seme-lhantes aos do grupo de pacientes com angina estável.Entretanto, no grupo de pacientes com infarto agudodo miocárdio não-Q não houve redução do risco.

Em contraste com os estudos já citados, Newby ecolaboradores(28), utilizando dados do estudo SYM-PHONY e 2nd SYMPHONY, estudaram uma popula-ção de 12.365 pacientes com síndrome coronarianaaguda, que não faziam uso de estatina antes da inclu-são no estudo. Os pacientes foram divididos em doisgrupos: um que fez uso de estatina precoce antes desete dias após o evento coronariano (n = 3.952) e ou-tro que não fez uso de estatina (n = 8.413). Os autoresnão encontraram benefícios no grupo que fez uso deestatina precoce, tanto para “endpoint” primário do es-

Tabela 1. Estudos prospectivos de estatina nas síndromes coronarianas agudas.

MIRACL FLORIDA A-TO-Z PROVE-IT

Número de pacientes 3.000 540 4.500 4.000Diagnóstico AI, IAMSS IAM AI, IAMSS, SCA

IAMCSMedicação/dose Atorvastatina Fluvastatina Simvastatina Pravastatina

80 mg 40 mg 2x dia 40-80 mg/dia 40 mg/dia eatorvastatina80 mg/dia

Placebo controlado? Sim Sim Sim NãoSeguimento 4 meses 1 ano 2 anos 2-3 anosInício da terapia Em 4 dias Em 24 horas Em 2-5 dias Em 10 dias

AI = angina instável; IAMCS = infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST; IAMSS =infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST; SCA = síndrome coronariana aguda;IAM = infarto agudo do miocárdio.

tudo (mortalidade com 90 dias, infarto agudo do mio-cárdio, re-hospitalização, morte e angina recorrente)como para o “endpoint” secundário (“endpoint” primá-rio, acidente vascular cerebral associado ou sozinho).

Estudos observacionais demonstrando dados orafavoráveis ora desfavoráveis ao uso de estatinas na faseaguda das síndromes coronarianas agudas indicavama necessidade de estudos prospectivos, randomizados(Tab. 1), com grande número de pacientes, que investi-gassem o uso dos inibidores da HMG-CoA precoceapós evento coronariano agudo.

ESTUDOS CLÍNICOS PROSPECTIVOS

O primeiro grande estudo randomizado, cego, pla-cebo-controlado, que investigou a introdução precocede uma estatina nas síndromes coronarianas agudasfoi “The myocardial ischemia reduction with acute cho-lesterol lowering trial” (MIRACL)(29). Esse estudo ran-domizou 3.086 pacientes em 122 centros, portadoresde angina instável ou infarto agudo do miocárdio não-Q. Foram excluídos pacientes com colesterol total> 270 mg/dl (310 mg/dl em alguns países nórdicos eÁfrica do Sul), infarto agudo do miocárdio com onda Qnos últimos meses, programação para cirurgia de re-vascularização em três meses e para intervenção co-ronária percutânea em seis meses, bloqueio de ramoesquerdo, sinais de disfunção ventricular esquerda gra-ve na apresentação, uso prévio de vitamina E, gravi-dez, insuficiência renal, e uso concomitante de drogasque alterassem função hepática. Os paciente foram ran-domizados para receber atorvastatina 80 mg/dia ou pla-cebo, tendo a terapia redutora do colesterol sido inicia-da em média 63 horas após a admissão hospitalar. Os

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hospitalizações decorrentes de infarto agudo do mio-cárdio sintomático (6,2% vs. 8,4%; IC 95%; p = 0,02).Os pacientes que receberam atorvastatina 80 mg apre-sentaram redução do LDL-colesterol de aproximada-mente 40% (127 mg/dl para 72 mg/dl). Outro dado in-teressante foi que o grupo tratado com atorvastatinaapresentou risco reduzido de desenvolver acidentevascular não-fatal (risco relativo = 0,41; IC 95%; p =0,02). Vale salientar que, comparativamente ao grupoplacebo, o uso do redutor do colesterol não reduziuisoladamente o risco de morte, infarto agudo do mio-cárdio não-fatal, e parada cardíaca ressuscitada. Tam-bém não foram observadas diferenças nos dois gruposde pacientes quanto a incidência de revascularização,piora da insuficiência cardíaca ou piora da angina.Quanto ao aparecimento de efeitos adversos, apesarde o grupo tratado não ter apresentado aumento signi-ficativo, foi observado aumento maior que três vezesdas enzimas hepáticas no grupo da estatina (2,5% vs.0,6%; p < 0,001). Mesmo com o resultado do estudoMIRACL sendo favorável, cumpre ressaltar que o be-nefício ocorreu apenas nos desfechos primários com-binados e que o intervalo de confiança dessa análise

desfechos combinadosprimários para esse estu-do foram: morte, infartoagudo do miocárdio não-fatal, parada cardíaca res-suscitada ou sinais de is-quemia miocárdica recor-rentes necessitando de re-hospitalização. Os desfe-chos combinados secun-dários foram: os desfechosprimários, acidente vascu-

lar cerebral não-fatal, aparecimento de insuficiênciacardíaca ou piora da classe funcional, angina necessi-tando de hospitalização, revascularização miocárdicacirúrgica ou por intervenção percutânea. No total, 1.538pacientes receberam atorvastatina 80 mg e 1.548, pla-cebo. As características demográficas e os níveis decolesterol dos dois grupos eram semelhantes. O grupotratado com atorvastatina apresentou redução de riscorelativo de 16% para os desfechos primários combina-dos (14,8% vs. 17,4%; IC 95%, 0,70-1,00; p = 0,048)(Fig. 1). O benefício concentrou-se na redução de re-

Figura 1. Tratamento intenso com estatina reduz os desfechos primários combinados de infarto agudo do mio-cárdio não-fatal, morte, parada cardíaca ressuscitada e piora da angina com evidência objetiva de re-hospitaliza-ção após síndrome coronariana aguda.

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foi muito grande, sugerin-do necessidade de caute-la nas conclusões do es-tudo. Além disso, o desfe-cho que teve redução maisimportante foi o de re-hos-pitalização por infarto agu-do do miocárdio sintomá-tico.

Outro ensaio clínicorandomizado placebo-controlado foi o estudo

“Fluvastatin on Risk of Diminishment After Acute Myo-cardial Infarction” (FLORIDA)(30, 31), publicado em 2002,que avaliou o uso da fluvastatina 40 mg duas vezes aodia, 24 horas após o início dos sintomas de infarto agu-do do miocárdio. Todos os pacientes tiveram seguimentode um ano. Os desfechos primários foram: evidênciade isquemia residual no eletrocardiograma ambulatori-al de 48 horas e eventos clínicos (morte e infarto agu-do do miocárdio). Diferentemente dos achados do es-tudo MIRACL, os autores não encontraram nenhumaalteração significativa na isquemia reconhecida pelo ele-trocardiograma de 48 horas e nos eventos clínicos en-tre os dois grupos. Em relação à presença de isque-mia, no eletrocardiograma foi demonstrada apenas ten-dência de redução no grupo tratado com fluvastatina(50% vs. 61%; p = NS). Para explicar os achados neu-tros desse estudo, os autores sugerem que, como cer-ca de 90% dos pacientes tinham recebido ácido acetil-salicílico e betabloqueador, a mortalidade geral do es-tudo (apenas 2% a 4%) acabou sendo menor que aesperada no desenho inicial do protocolo.

O estudo “Pravastatin or Atorvastatin Evaluation andInfection Therapy” (PROVE-IT)(32, 33) foi um ensaio mul-ticêntrico, randomizado, duplo-cego, droga contra dro-ga, que incluiu 4.162 pacientes com síndrome corona-riana aguda para receber atorvastatina 80 mg/dia (n =2.099) ou pravastatina 40 mg/dia (n = 2.063). O objeti-vo do estudo era verificar se o benefício da redução doLDL-colesterol para níveis de 100 mg/dl com pravasta-tina seria semelhante à redução com atorvastatina paraníveis próximos a 70 mg/dl. O estudo incluiu pacientesaté dez dias da hospitalização, realizando seguimentomédio de dois anos. O desfecho primário do estudo foi:morte de qualquer causa, infarto agudo do miocárdio,angina instável necessitando hospitalização, revascu-larização em 30 dias (cirúrgica ou percutânea) e aci-dente vascular cerebral. Os desfechos secundários fo-ram: os desfechos primários e comparação dos níveisde proteína C-reativa. As características demográficasdos dois grupos eram semelhantes, e o LDL-colesterolmédio nos dois grupos foi de 106 mg/dl. Os pacientesrandomizados para tratamento intensivo com atorvas-tatina apresentaram redução de risco de 16% (p =

0,005; IC 95%) (Fig. 2) para desfechos primários com-binados de morte por qualquer causa, infarto agudo domiocárdio, acidente vascular cerebral, angina instávele revascularização. Esse benefício já esteve presente30 dias após a randomização e manteve-se no decor-rer do estudo(34). Em relação à redução do LDL-coles-terol, o grupo atorvastatina reduziu em média 42% (106mg/dl para 62 mg/dl) e o grupo pravastatina, 10% (106mg/dl para 95 mg/dl). Apesar de o grupo tratado comatorvastatina ter apresentado maior aumento de enzi-mas hepáticas (3,3% vs. 1,1%; p < 0,001), não ocorre-ram diferenças na descontinuidade do estudo por efei-tos colaterais entre os grupos(35). Os autores concluí-ram que o tratamento intenso com atorvastatina nãoapenas reduziu mais intensamente o LDL-colesterol eos níveis de proteína C-reativa como também reduziua mortalidade e a morbidade. Os autores também afir-mam que esse benefício é precoce e que a terapiaagressiva do colesterol foi bem tolerada sem aumentarsignificativamente os eventos adversos.

O estudo “A-to-Z”(36) foi um estudo de duas fases. Aprimeira investigou o uso de heparina de baixo pesomolecular “versus” heparina não-fracionada em paci-entes com síndrome coronariana aguda que recebe-ram ácido acetilsalicílico e tirofibam. A segunda fasedo estudo (fase Z) comparou o uso precoce de estati-na com dose baixa de estatina iniciada três a seis me-ses após infarto agudo do miocárdio com e sem supra-desnível do segmento ST. Os pacientes foram rando-mizados para simvastatina 40 mg/dia por 30 dias se-guido de simvastatina 80 mg/dia contra placebo porquatro meses seguido de simvastatina 20 mg/dia. Cer-ca de 4.500 pacientes foram randomizados em 322centros em 41 países. O grupo de pacientes tratadoscom simvastatina 80 mg/dia apresentou redução maisintensa do LDL-colesterol, que se manteve mesmo apósquatro meses da randomização. Apesar de existir umatendência favorável à terapia intensiva com simvastati-na 80 mg, o estudo “A-to-Z” não demonstrou reduçãosignificativa dos desfechos primários (infarto agudo domiocárdio, readmissão por síndrome coronariana agu-da, acidente vascular cerebral isquêmico) e secundári-os (desfechos primários, revascularização, insuficiên-cia cardíaca, re-hospitalização por causa cardiovascu-lar).

Um dado interessante desse estudo diz respeito aosníveis de proteína C-reativa. Os autores demonstraramque, no primeiro mês de tratamento, os níveis de pro-teína C-reativa não apresentaram diferença entre osgrupos, e apenas com quatro meses após a randomi-zação ocorreu redução significativa a favor do grupoque usou simvastatina 80 mg/dia (p < 0,001). Recente-mente, Nissen(37), em um editorial, sugeriu que a dife-rença dos níveis de proteína C-reativa entre os gruposdo estudo “A-to-Z” poderia ser a explicação para os

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resultados neutros do es-tudo. Tanto no MIRACLcomo no PROVE-IT os ní-veis de proteína C-reativaentre os grupos no final doestudo apresentavam dife-renças maiores que no “A-to-Z” (MIRACL, 34%;PROVE-IT, 38%; e “A-to-Z”, 16,7%). Essa observa-

Figura 2. A terapia intensiva com atorvastatina 80 mg/dia após síndrome coronariana aguda reduz significativa-mente o risco de óbitos e eventos cardiovasculares.

ção sugere que o efeito precoce das estatinas nas sín-dromes coronarianas agudas estaria mais relacionadocom o efeito antiinflamatório e que o benefício tardioestaria mais relacionado com a redução do LDL-coles-terol.

CONCLUSÃO

Apesar de os estudos clínicos prospectivos rando-mizados com estatina na fase aguda das síndromescoronarianas agudas terem demonstrado melhora ape-

nas modesta na evolução desses pacientes(29, 33), es-ses estudos demonstraram que essa terapia é segurae que talvez seu benefício seja mais intenso nos paci-entes de alto risco. Conforme já foi discutido, a infla-mação tem papel muito importante na fisiopatologia doseventos coronarianos agudos e alguns achados recen-tes sugerem que a terapia com estatinas reduz marca-dores de inflamação de maneira independente do LDL-colesterol(12). Entretanto, ainda faltam comprovações,com estudos dirigidos, para avaliar se realmente existe

relação clara entre redução de marcadores de inflama-ção na fase aguda e melhora do prognóstico.

A atual diretriz da Sociedade Brasileira de Cardio-logia para o tratamento das dislipidemias orienta a in-trodução de terapia redutora do colesterol, caso o LDL-colesterol dosado nas primeiras 24 horas do eventocoronariano seja > 130 mg/dl, ficando a critério domédico assistente a introdução quando o LDL varia de100 mg/dl a 130 mg/dl, sugerindo também que quandoa terapia é introduzida antes da alta hospitalar a ade-rência ao tratamento é maior(38).

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STRATEGY APPROACH OF DYSLIPIDAEMIA IN ACUTECORONARY SYNDROMES

OTÁVIO RIZZI COELHO, OTÁVIO RIZZI COELHO FILHO

Acute coronary syndromes represent an important cause of death in developedcountries and also in Brazil. Although the last advances in the treatment of acutecoronary syndromes, many patients present adverse events after acute coronarysyndromes. Secondary prevention trials have shown that the initiation of statin the-rapy within 3-6 months after acute coronary syndromes decreases the risk of deathand recurrent angina. Observational studies have demonstrated benefits of earlystatin therapy after acute coronary syndromes. Three recent prospective controlledtrials confirmed the benefit and safety of the use of statin early after acute coronarysyndromes.

Key words: acute coronary syndromes, dyslipidaemia, statins, treatment.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:526-34)RSCESP (72594)-1576

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534 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005

COELHO OR e col.Estratégia

na abordagemdas dislipidemiasnas síndromes

coronarianas agudas

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GIULIANO ICB e col.Dislipidemias em

crianças e adolescentes

EPIDEMIOLOGIA DAS DISLIPIDEMIASNA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA

Evidências demonstram uma tendência secular depiora do perfil lipídico em crianças e adolescentes e oaumento em níveis epidêmicos da obesidade infantilparece ser o fenômeno de maior impacto nessa as-censão(1). Apesar disso, alguns estudos têm demons-trado aumento dos níveis de colesterol total e de co-lesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-co-lesterol) e diminuição do colesterol de lipoproteína dealta densidade (HDL-colesterol), mesmo após o ajustepara o índice de massa corporal em populações infantis,demonstrando também a ascensão independente da pre-valência da dislipidemia nessa faixa etária. Esse fenôme-no parece ser fruto das profundas mudanças dietéticas ecomportamentais das crianças na atualidade(2).

Considerando o fato de que não há consenso nospontos de corte para dislipidemia na infância nem umestudo populacional representativo sobre o assunto,não há como determinar a prevalência de hipercoles-

DISLIPIDEMIAS EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

ISABELA C. B. GIULIANO, BRUNO CARAMELLI

Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 –CEP 05403-900 – São Paulo – SP

A prevalência da dislipidemia, em associação ou não à obesidade infantil, temapresentado aumento nos últimos anos, atingindo valores que variam entre 2% e40% e sendo mais freqüente com o aumento da idade e entre as meninas. Há fortesevidências funcionais e anatômicas da presença de aterosclerose já na infância,sendo a dislipidemia o fator de risco de maior impacto em sua gênese. Além disso,determinadas doenças e medicamentos modificam o metabolismo lipídico nessapopulação em direção a um perfil mais aterogênico. Critérios e valores de referênciajá foram propostos para caracterização dessas alterações metabólicas. O tratamen-to baseia-se inicialmente em dieta, atividade física e controle do peso, e, quandoindicado, pode-se utilizar medicamentos como estatinas, resinas, ezetimiba e nutra-cêuticos.

Palavras-chave: lípides, crianças, adolescentes, fatores de risco, aterosclerose.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:535-43)RSCESP (72594)-1577

terolemia nas crianças. No mundo, há descrições deprevalência de dislipidemia em crianças que variamentre 2,9% e 33%, quando considerados níveis de co-lesterol total maiores que 200 mg/dl(3).

No Brasil, as prevalências descritas de colesteroltotal sérico mais elevado do que 170 mg/dl variam de28% a 40%(4-6), valor considerado como não-desejávelpela III Diretriz Brasileira de Prevenção da Ateroscle-rose(7). Os níveis de lípides variam de 158 a 167, de 79a 93, de 92 a 96 e de 49 a 53 para colesterol total,triglicerídeos, LDL-colesterol e HDL-colesterol, respec-tivamente(5, 6).

A dislipidemia na infância obedece ao fenômeno detrilha, havendo um coeficiente de correlação entre ocolesterol total na infância e na fase adulta de 0,35 a0,55. A probabilidade de uma criança manter-se noquartil superior dos níveis de colesterol total quandoadulto é de cerca de 80%(8).

Com relação às características demográficas, os es-tudos têm demonstrado variações dos níveis dos lípi-des segundo a idade, com pico máximo em torno dos

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GIULIANO ICB e col.Dislipidemias em

crianças e adolescentes

9 anos. Descrevem-se ní-veis mais elevados de lípi-des em meninas, principal-mente após a maturaçãosexual, do colesterol total,do HDL-colesterol e doLDL-colesterol, sendo amenarca o período no qualocorre maior ascensão. Nosexo masculino, há umadiminuição progressiva decolesterol total, LDL-coles-

terol e HDL-colesterol nessa fase(9). Nos meninos, aredução do HDL-colesterol parece guardar associaçãonegativa com os níveis de testosterona; o estradiol, porsua vez, apresenta associação negativa com o coles-terol de lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL-colesterol), o LDL-colesterol, o colesterol total e os tri-glicerídeos. Já nas meninas encontrou-se associaçãopositiva do estradiol com o HDL-colesterol e negativacom o VLDL-colesterol. Este, por sua vez, apresentaassociação negativa com o índice estradiol/testostero-na livre(9).Por outro lado, não há consenso sobre a as-sociação entre níveis de lípides e cor da pele.

LÍPIDES E A ATEROGÊNESE NA INFÂNCIA

A aterosclerose inicia-se na infância, podendo serencontradas estrias gordurosas em fetos de mães comdislipidemia, e altas prevalências de placas ateromato-sas na segunda década. A gravidade, a extensão e aprevalência de tais lesões parecem estar associadas àpresença dos fatores de risco classicamente descritosem adultos. Um dos fatores com maior grau de associ-ação com a prevalência de tais lesões é a dislipidemia,especialmente níveis elevados de colesterol total e LDL-colesterol e baixos de HDL-colesterol(10).

Além dos achados de necropsias, têm sido descri-tas associação positiva entre espessamento médio-in-timal, alterações da distensibilidade e tonometria deartérias em crianças com dislipidemia, além de evidên-cias de ativação plaquetária (como elevações séricasde ICAM e VCAM), assim como elevações de proteínaC-reativa de alta sensibilidade. Essas alterações pare-cem ser potencializadas quando há a associação coma obesidade, pela interação com a elevação da leptinae a diminuição dos níveis da adiponectina. Todos es-ses achados sugerem uma tendência à aceleração daprogressão da aterosclerose, já nessa faixa etária, tantomais grave quanto mais altos os níveis das lipoproteí-nas mais aterogênicas e maior a associação desta comoutros fatores de risco(11).

A dislipidemia pode se iniciar na infância e manteressa característica durante o crescimento e o desen-volvimento, fenômeno mais freqüentemente observa-

do em famílias com história de aterosclerose(12). Alémdisso, descreve-se uma relação direta entre os níveisde colesterol total nas crianças e a incidência de even-tos maiores – infarto agudo do miocárdio e acidentevascular encefálico – nos adultos dessa mesma popu-lação. Esses achados também foram encontrados emestudos brasileiros e relacionados aos dados do DA-TASUS (Tab. 1; Fig. 1).

DISLIPIDEMIA E A ASSOCIAÇÃO COMOUTRAS DOENÇAS

A obesidade infantil é um dos fatores de risco paraaterosclerose que se associa de maneira mais estreitacom dislipidemia. Na maioria dos casos ocorrem níveiselevados de colesterol total, triglicerídeos, LDL-coles-terol – sendo mais prevalentes as subclasses de me-nor tamanho, portanto mais aterogênicas – e níveisbaixos de HDL-colesterol. Quanto mais grave a obesi-dade e maior o número de outros fatores de risco, maisfreqüentemente esse perfil é encontrado, em especialos distúrbios do metabolismo dos carboidratos, carac-terizando a síndrome metabólica(14).

Nas crianças com diabetes melito, não se encon-tram alterações significativas em relação a colesteroltotal e lipoproteínas como LDL-colesterol, HDL-coles-terol e triglicerídeos. Contudo, descrevem-se elevaçõesdos níveis de LpA-I e de HDL-colesterol glicosilado ediminuição da relação LpA-I:LpA-II, o que confere aessas crianças um perfil metabólico mais aterogênicoque o das crianças não-diabéticas(15).

Entre as principais doenças que cursam com disli-pidemia na infância, destacam-se(16, 17): obesidade, hi-potireoidismo, hipopituitarismo, diabetes melito, síndro-me nefrótica, insuficiência renal crônica, atresia biliarcongênita, doenças de armazenamento, lúpus eritema-toso sistêmico, colestases crônicas, transplantes de ór-gãos sólidos, síndrome de Prader Willi, síndrome dosovários policísticos, síndrome da imunodeficiência ad-quirida (SIDA) e deficiência de hormônio do crescimentocomo seqüela de câncer na infância.

As drogas que mais comumente alteram o perfil li-pídico estão apresentadas na Tabela 2.

DISLIPIDEMIAS GENÉTICAS NA INFÂNCIA

A partir da segunda década de vida, a hipercoleste-rolemia familiar e a hipoalfalipoproteinemia podem apre-sentar manifestações precoces da aterosclerose. Nashipertrigliceridemias, a complicação mais freqüente éa exacerbação de quadros de pancreatite. Achados re-centes têm descrito novos polimorfismos dos genes res-ponsáveis pelo metabolismo dos lípides, como os das apo-lipoproteínas, o que abre novas possibilidades terapêuti-cas em médio prazo, a partir de terapia gênica(18).

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GIULIANO ICB e col.Dislipidemias em

crianças e adolescentes

Tabela 1. Mortalidade por complicações da aterosclerose nos adultos e colesterol total de sua população infantil,Brasil, 2000.

Mortalidade (por Colesterol totalCidade 100 mil habitantes) (mg/dl)

Bento Gonçalves 227 167(4)

Florianópolis 224 162(5)

Campinas 223 160(6)

Belo Horizonte 222 158(13)

Fonte: DATASUS-MS. Dados de 2000, referentes à mortalidade por 100 mil habitantes por doenças isquêmicasdo coração, aterosclerose e doenças cerebrovasculares.

Figura 1. Mortalidade porcomplicações da aterosclero-se nos adultos e colesteroltotal (CT) de sua populaçãoinfantil, Brasil, 2000.Fonte: DATASUS-MS. Dadosde 2000, referentes à morta-lidade por 100 mil habitantespor doenças isquêmicas docoração, aterosclerose e do-enças cerebrovasculares.

Tabela 2. Drogas que mais comumente alteram o perfil lipídico.

Classe Drogas

Anti-hipertensivos Tiazidas, clortalidona, espironolactona, betabloqueadoresImunossupressores Ciclosporina, prednisolona, prednisonaEsteróides sexuais Estrógenos, progestágenos, contraceptivos oraisAnticonvulsivantes Ácido valpróicoOutros inibidores Ácido acetilsalicílico, ácido ascórbico, amiodarona, alopurinol,de protease

Deve-se suspeitar dehipercolesterolemia fami-l iar quando a criançaapresentar colesterol to-tal > 270 mg/dl ou LDL-colesterol > 200 mg/dl,com parentes de primei-ro grau com colesteroltotal > 220 mg/dl ou LDL-colesterol > 155 mg/dl(19).

Além das formas já co-

nhecidas de distúrbios do metabolismo dos lípides, têm-se encontrado fenótipos característicos também entreas subclasses de lipoproteínas. A subclasse pequenae densa do LDL-colesterol (SDLDL-colesterol), porexemplo, com maior poder de aterogênese, parece sermais prevalente nas crianças com os fenótipos IIb (em83%) e IV (em 55%) de Fredrickson, sugerindo umamediação genética em tal associação(20).

Métodos diagnósticos adicionais para o acompanha-mento de formas graves de dislipidemias têm sido su-geridos, como a ultra-sonografia abdominal, a ecocar-

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GIULIANO ICB e col.Dislipidemias em

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diografia e a ultra-sonogra-fia de artérias carótidas,pelo risco de manifesta-ções precoces da ateros-clerose, já na segundadécada(21).

DIAGNÓSTICO DEDISLIPIDEMIA

Segundo a I Diretriz Bra-sileira para a Prevenção da

Aterosclerose na Infância(22), nas crianças de 2 a 10 anosde idade deve-se solicitar perfil lipídico quando houver:1) pais ou avós com história de aterosclerose precoce,ou seja, antes dos 55 anos para o sexo masculino e an-tes dos 65 anos para o sexo feminino;2) parentes de primeiro grau com valores de colesteroltotal > 240 mg/dl e de triglicerídeos > 400 mg/dl;3) outros fatores de risco, como obesidade, sedentaris-mo, tabagismo, hipertensão arterial, diabetes melito, ní-veis de HDL-colesterol < 35 mg/dl;4) história positiva de pancreatite aguda, xantomas erup-tivos, arco corneano palpebral, e xantomas em tornoze-los, face dorsal das mãos e joelhos;5) história familiar desconhecida.

Aos 10 anos de idade, toda criança deve ter determi-nado seu colesterol total em jejum, realizando perfil lipídi-co caso seu nível esteja acima do desejável. Caso hajaindicação da determinação do perfil lipídico, deve-se rea-lizar o exame mediante todos os cuidados já descritos napopulação adulta, considerando os valores de referênciadescritos na Tabela 3. Idealmente, deve-se repetir o perfillipídico e calcular a média entre os valores. A condutadependerá do resultado da média de LDL-colesterol.

CONDUTAS NA DISLIPIDEMIA NA INFÂNCIAE NA ADOLESCÊNCIA

A conduta na dislipidemia na infância dependerá damédia do LDL-colesterol de duas amostras indepen-dentes(23), conforme apresentado na Tabela 4.

NutriçãoAlém do aumento da diversidade e da densidade

calórica dos alimentos infantis relacionados ao aumentoda obesidade em todo o mundo(25), as altas prevalênci-as de dislipidemia infantil no Brasil podem ser explica-das por mudanças observadas nos hábitos de nossascrianças, que se tornaram cada vez mais sedentáriase modificaram sua dieta. Houve o aumento da ingestãode gorduras e colesterol nas regiões norte, nordeste esudeste, aumento da ingestão de gorduras saturadasnas regiões metropolitanas e diminuição da ingestãode alimentos ricos em fibras(26).

O leite materno é rico em gorduras saturadas. Obebê amamentado exclusivamente ao seio tem nívelmédio de colesterol total de cerca de 180 mg/dl e oamamentado com leite de fórmula tem cerca de 150mg/dl. Apesar disso, evidências demonstram que ascrianças amamentadas ao seio apresentam perfil lipí-dico mais favorável quando atingem a adolescência,sugerindo que níveis elevados de colesterol na lactân-cia podem induzir regulação endógena do metabolis-mo dos lípides ao longo da vida(27).

Estudos têm demonstrado que, em crianças comalimentação qualitativamente adequada e sem grandenúmero de infecções, a restrição moderada de gordu-ras pode determinar a diminuição dos níveis de coles-terol sérico, sem prejuízo para seu crescimento e de-senvolvimento. Apesar disso, a recomendação se apli-ca a crianças com mais de 2 anos de idade, pois aingestão de gorduras nos dois primeiros anos de vidainterfere na mielinização do sistema nervoso central(23).

Além da gordura saturada, o controle da ingestãode colesterol e de gordura trans também parece influ-enciar os níveis dos lípides séricos nas crianças. A res-posta ou não à ingestão de colesterol pode variar tam-bém na infância, sendo descrita a classificação das cri-anças em hipo ou hiperabsortivas(28).

A quantidade diária de gordura total na dieta dascrianças deve estar entre 25% a 35% do total calóricoconsumido no dia, sendo de até 10% do tipo saturada,de até 10% do tipo poliinsaturada e de até 20%, mono-insaturada. O consumo dos ácidos graxos trans deveser inferior a 1% do total energético. Com relação ao

Tabela 3. Valores de referência para lípides em crianças e adolescentes(22).

Desejáveis Limítrofes AumentadosLípides (mg/dl) (mg/dl) (mg/dl)

Colesterol total < 150 150-169 > 170LDL-colesterol < 100 100-129 > 130HDL-colesterol > 45Triglicerídeos < 100 100-129 > 130

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GIULIANO ICB e col.Dislipidemias em

crianças e adolescentes

colesterol, a ingestão alimentar não deve ultrapassar300 mg por dia(29).

Para o cálculo da quantidade de fibras na infância,deve ser utilizada a fórmula: fibras (g) = idade (em gra-mas) + 5.

A ingestão de fibras – especialmente as solúveis –tem ação sinérgica com a restrição de gorduras na di-minuição do colesterol total sérico de crianças. Estu-dos que compararam dieta hipogordurosa, com e sema suplementação de fibras, encontrou melhora do per-fil lipídico de forma mais significativa no primeiro gru-po(30).

Estudos recentes têm demonstrado associação ne-gativa entre o nível glicêmico dos alimentos ingeridose níveis de HDL-colesterol na infância. Todavia, não háestudos determinando se a redução do nível glicêmicodos alimentos (opção mais freqüente por alimentos in-tegrais, diminuição da ingestão de açúcares simples)possa determinar aumento de seus níveis em criançascom níveis baixos de HDL-colesterol(31).

Atividade físicaApesar de muitos estudos demonstrarem que não

há uma diminuição significativa dos níveis de coleste-rol total e de LDL-colesterol com a prática desportiva,ela deve ser indicada como prevenção e tratamentocoadjuvante das dislipidemias na infância. Em primeirolugar, por contribuir com o aumento do HDL-colesterol,da relação HDL/colesterol total e das subclasses me-nos aterogênicas do HDL-colesterol e do LDL-coleste-rol. Mas talvez o maior impacto seja no controle daobesidade infantil, pois estudos populacionais demons-tram que o sedentarismo infantil pode ser a maior cau-sa da epidemia mundial de obesidade nessa faixa etá-

Tabela 4. Conduta na dislipidemia, segundo níveis de LDL-colesterol(24).

LDL-colesterol (mg/dl) Conduta

< 110 Dosar novamente em cinco anos;controle de hábitos de vida;controle do índice de massa corporal.

110-129 Controle de hábitos de vida;dieta tipo I;reavaliar em um ano;controle do índice de massa corporal.

> 130 Descartar causas para dislipidemia;dieta tipo I;dieta tipo II;controle do índice de massa corporal;meta:- ideal: < 100 mg/dl;- mínimo: < 130 mg/dl.

ria, sendo esta, como já descrito, uma das maiorescausas do aumento da prevalência de dislipidemia nainfância em todo o mundo(32).

Estudos recentes têm demonstrado que a atividadefísica parece ter efeito independente na melhora da fun-ção endotelial e dos níveis de proteína C-reativa dealta sensibilidade, mesmo em crianças com dislipide-mias, associado ou não à obesidade(33).

Atualmente, recomenda-se a dose de uma hora pordia de atividade física moderada a intensa na infância.Associada à prática desportiva, recomenda-se tambéma redução para no máximo duas horas/dia de ativida-des sedentárias (televisão, jogos eletrônicos ou com-putador)(23).

Tratamento farmacológico nas dislipidemiasna infância

Os valores de referência do LDL-colesterol para aintervenção com hipolipemiantes dependem dos fato-res de risco presentes, da história familiar e da magni-tude da elevação do LDL-colesterol(34) (Tab. 5).Seqüestrantes de ácidos biliares (resinas)

A colestiramina e o colestipol (este não disponívelno Brasil) são resinas aprovadas para uso em crian-ças. As reduções do LDL-colesterol são relativamentemodestas. As resinas podem aumentar os níveis detriglicerídeos (maior síntese de VLDL-colesterol) e di-minuir a absorção de vitaminas lipossolúveis e de áci-do fólico.

A associação com a ezetimiba demonstrou benefí-cios adicionais na redução do colesterol total e do LDL-colesterol. A dose usual para a colestiramina na infân-cia é de 4 g/dia a 10 g/dia, podendo chegar a 16 g/dianos casos mais graves(35).

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GIULIANO ICB e col.Dislipidemias em

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EstatinasA experiência com esses hipolipemiantes na infân-

cia ainda é limitada pela falta de estudos em longo pra-zo. Os estudos têm determinado segurança no uso emcrianças com mais de 10 anos de idade. E em meni-nas, após um ano da menarca. Entretanto, as adoles-centes em idade fértil não devem fazer uso das estati-nas sem adequada contracepção, pois seu uso podeestar associado com malformações, especialmente dosistema nervoso central(36).

As doses empregadas são variadas em função donível de LDL-colesterol basal e para as formas maisgraves de hipercolesterolemia familiar tem sido sugeri-da a associação de estatinas com resina ou, mais re-centemente, com ezetimiba. A dose usual é de 10 mg/dia a 40 mg/dia, podendo chegar a 80 mg/dia nas dis-lipidemias graves, preferencialmente associado a eze-timiba(37).

As estatinas podem induzir aumento discreto e tran-sitório das enzimas hepáticas e miosite, sendo reco-mendada a monitoração tanto das enzimas hepáticascomo da creatinofosfoquinase. As crianças em utiliza-ção de anti-retrovirais (especialmente os inibidores daprotease) são especialmente suscetíveis a essa com-

Tabela 5. Critérios para tratamento hipolipemiante em crianças com idade > 10anos, segundo o LDL-colesterol.

LDL-colesterol (mg/dl) Quadro clínico

> 190 Dislipidemia de base genética> 160 História familiar de doença arterial

coronariana prematura ou dois ou mais fatoresde risco (HDL-colesterol < 35 mg/dl, fumo,hipertensão arterial, obesidade, diabetes)

Obs.: Em crianças menores, a utilização de fármacos deve ficar reservada a casosespeciais, considerando os níveis de lípides séricos e a associação de outros fato-res de risco.

plicação. Nessa situação, além do controle dos demaisfatores de risco, está indicado o uso da pravastatina.Ezetimiba

É empregado na dose de 10 mg/dia e não apresen-ta os sintomas de desconforto gastrointestinal obser-vados com as resinas. É usado preferencialmente emassociação com estatinas. Seu uso em crianças commais de 10 anos de idade já foi aprovado, nos EstadosUnidos, para hipercolesterolemia grave(38).

A efetividade da atorvastatina e da sinvastatina emassociação com a ezetimiba foi testada em portadoresde hipercolesterolemia familiar homozigótica e na sis-tosterolemia. Mesmo naquele grupo de pacientes, aadição da ezetimiba a doses altas das estatinas pro-moveu importante redução do LDL-colesterol, pelomenos 20% maior que a obtida apenas com as estati-nas em doses mais elevadas, sendo a associação bemtolerada.Nutracêuticos e suplementos alimentares

O uso de ácidos graxos ômega-3 pode contribuirpara redução discreta na trigliceridemia. Os estanóis efitosteróis são contra-indicados na presença de sitos-terolemia(39). A dose usual de ácidos graxos ômega-3 éde 2 g/dia a 4 g/dia(40).

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DYSLIPIDEMIA IN CHILDREN AND ADOLESCENTS

ISABELA C. B. GIULIANO, BRUNO CARAMELLI

The prevalence of dyslipidemia in childhood has increased, ranging between 2%to 40%. It increases with age and is more frequent in girls. There are compellingevidences that atherosclerotic disease begins in childhood, and that dyslipidemia isthe most important risk factor related to the genesis and progression of the illness.Moreover, some drugs and diseases could increase lipid levels in this population,leading to a more aterogenic profile. Both criteria and reference values for the defini-tion of the metabolic modifications in children and adolescents were proposed. Thetreatment is based on diet, physical activity and weight control, and there are drugsthat could be safety used at this age, when indicated.

Key words: lipids, children, adolescents, risk factors, atherosclerosis.

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LIBERMAN A e cols.Dislipidemias em

octogenários

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas do século 20, países com maiorou menor grau de desenvolvimento socioeconômicoforam surpreendidos com o fenômeno do envelheci-mento de sua população. Entre suas múltiplas causas,é relevante o papel da urbanização como conseqüên-cia dos novos modos de produção industrial e agríco-la, notadamente após a 2ª Guerra Mundial. Melhorescondições sanitárias e habitacionais e acesso à edu-cação e à atenção médica foram, sem dúvida, algunsdos atrativos responsáveis pelo êxodo rural para as ci-dades.

Simultaneamente, o desenvolvimento ímpar da me-dicina preventiva e curativa possibilitou a ampliação daesperança de vida ao nascer. Como resultado tambémda redução dos índices de mortalidade infantil e doadulto, uma larga proporção de indivíduos atingiu a ida-

DISLIPIDEMIAS EM OCTOGENÁRIOS

ALBERTO LIBERMAN, CLÁUDIA FELÍCIA GRAVINA TADDEI, STELA MARIS GRESPAN

Faculdade de Medicina da PUC – CampinasInstituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência: Av. Andrade Neves, 699 – 3º andar –CEP 13013-161 – Campinas – SP

A abordagem do tratamento das dislipidemias nos pacientes com mais de 80anos de idade deve ser cuidadosa e implica a análise de múltiplos dados, a saber:condições de saúde tanto funcional como cognitiva, fatores de risco associados, co-morbidades, presença de doença subclínica, e interação medicamentosa decorren-te de polifarmácia. Enquanto o risco relativo de doença cardiovascular associada adislipidemia diminui no idoso, o risco absoluto de morbidade e de mortalidade, aocontrário, aumenta com o envelhecimento. A razão colesterol total/HDL-colesterolrepresenta a mais importante fração lipídica em octogenário, e a identificação dedoença aterosclerótica subclínica auxilia na decisão de tratamento em prevençãoprimária. A avaliação clínica, associada à análise de segurança, tolerabilidade epreferência do paciente, devem ser consideradas em prevenção primária. Em pre-venção secundária, recomenda-se tratamento farmacológico, com introdução gra-dativa do fármaco, e monitorização cuidadosa de sintomas e interação medicamen-tosa.

Palavras-chave: dislipidemia, octogenário, estatina, doença subclínica.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:544-52)RSCESP (72594)-1578

de adulta e acima dos 65 anos com taxas de cresci-mento variáveis entre os diversos grupos etários. Ocrescimento do número de octogenários é, em muitospaíses, mais veloz que os demais, notadamente naspopulações européias. No Brasil, segundo o Censo doIBGE de 2000, o número de idosos é da ordem de 14,5milhões de pessoas, dos quais 3,7 milhões têm idadessuperiores a 75 anos, significando, em relação ao Cen-so de 1991, crescimento de 49,3%(1).

O envelhecimento considerado saudável acalentao sonho da humanidade que conhece a finitude comoinerente a sua própria condição. A sociedade, particu-larmente nos países em desenvolvimento, não teve tem-po de se preparar para essa novidade do velho. A des-proporção entre a massa de trabalhadores economi-camente ativos e o pagamento de um número cres-cente de aposentadorias representa significativo impac-to nas finanças públicas, e reformas previdenciárias vêm

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LIBERMAN A e cols.Dislipidemias em

octogenários

sendo motivo de discussão em todas as sociedades.Não menos inquietante é a repercussão sobre a as-

sistência médica e a necessidade de mudanças naspolíticas de saúde, quando os dados fornecidos porestudos observacionais demonstram ser os idosos, e,em especial, os octogenários, de maior vulnerabilida-de às doenças crônicas e degenerativas, em particularas cardiovasculares.

O envelhecimento é determinado pela interaçãoentre os fatores genéticos e o estilo de vida, por suavez subordinado às diferenças socioeconômicas e cul-turais, responsáveis pela grande heterogeneidade des-sa população. O envelhecer é um processo que se dáno tempo e isso gera a pressuposição de que as alte-rações serão tanto maiores quanto maior o tempo deexposição a alguns fatores capazes de operar a trans-formação do fisiológico em patológico.

Os estudos epidemiológicos há muito reconhece-ram alguns fatores, hoje clássicos, como promotoresde risco para as doenças cardiovasculares, quais se-jam: dislipidemia, diabetes melito, hipertensão arterial,sedentarismo e tabagismo. Esses fatores, no entanto,podem ter seus efeitos atenuados por meio de inter-venções no estilo de vida ou farmacológicas. A cargahereditária e a idade, entretanto, persistem imutáveis.Dentre todas as causas, a idade é superior em poder eprevalência como fator predisponente às doenças car-diovasculares.

O envelhecimento progressivo predispõe ao surgi-mento de alterações degenerativas, que, em conjuntocom os fatores de risco a que estamos continuamenteexpostos, promovem o aparecimento de doença cardi-

ovascular clínica ou subclínica(2) (Fig. 1), altamente pre-valente em octogenários.

PREVALÊNCIA DA DISLIPIDEMIA

Estudos epidemiológicos, transversais e prospecti-vos têm demonstrado que, conquanto os níveis séri-cos de colesterol total e de colesterol de lipoproteínade baixa densidade (LDL-colesterol) tendam a se ele-var na meia-idade, tais níveis podem estabilizar e mes-mo diminuir após os 65 anos. Entre os octogenários, osexo feminino apresenta valores de colesterol total eLDL-colesterol mais elevados que o sexo masculino,não obstante a diminuição dos níveis lipídicos(3) (Fig.2).

Estudos prospectivos(4) demonstram que, em am-bos os sexos, os valores de colesterol de lipoproteínade alta densidade (HDL-colesterol) permanecem está-veis, embora diminuídos em relação aos mais jovens,sendo mais elevados no sexo feminino quando compa-rados ao sexo masculino, apesar da discreta diminui-ção após os 50 anos. Com o envelhecimento, a razãocolesterol total/HDL-colesterol diminui em homens e au-menta nas mulheres, porém após os 80 anos essa ra-zão é igual nos dois sexos(5).

O Estudo Multicêntrico em Idosos (EMI) mostrou da-dos obtidos pela análise transversal de 2.196 idososcom doença cardiovascular estabelecida, atendidos emambulatórios de cardiologia e geriatria de 36 centros,localizados em 13 Estados e nas 5 regiões brasilei-ras(6). Os fatores de risco encontrados, por ordem defreqüência, foram: sedentarismo (74%), hipertensão

Figura 1. Envelhecimento,fatores de risco e doençacardiovascular(2).

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LIBERMAN A e cols.Dislipidemias em

octogenários

Figura 2. Perfil lipídico eidade(3).

Figura 3. Estudo Multicên-trico em Idosos(EMI) – Pre-valência dos fatores de ris-co em idosos no Brasil(6).

arterial (53%), dislipidemia (33%), obesidade (30%),diabetes melito (13%) e tabagismo (6%) (Fig. 3). Nes-se estudo, a análise do colesterol total nas faixas etá-rias de 65 a 74 anos, de 75 a 84 anos, e com idadeigual ou superior a 85 anos demonstrou redução gra-dativa da prevalência de colesterol > 240 mg/dl (32%,30% e 19%, respectivamente; p < 0,05). Tal resulta-do poderia sugerir que a hipercolesterolemia perdesua importância em octogenários, uma vez que suaprevalência diminui. Entretanto, quando se analisa-ram as frações do colesterol, verificou-se que nãoocorreram alterações significantes entre as três fai-xas etárias, quer em relação ao HDL-colesterol re-duzido (< 35 mg/dl – 15%, 15% e 19%, respectiva-mente, na população analisada) quer em relação aoLDL-colesterol aumentado (> 160 mg/dl – 33%, 35%

e 24%, respectivamente; p = não significativo).Para melhor conhecer os octogenários, analisou-se

essa mesma população por faixa etária dividida a cadacinco anos (65-69 anos, 70-74 anos, 75-79 anos, e ≥80 anos)(7). Consideraram-se elevados o colesterol to-tal > 200 mg/dl e o LDL-colesterol > 130 mg/dl, e redu-zido o HDL-colesterol < 35 mg/dl. Verificou-se nova-mente aparente redução da prevalência de hipercoles-terolemia nos octogenários (66%, 71%, 61% e 54%,respectivamente; p < 0,05). A análise do LDL-coleste-rol, entretanto, não mostrou diferença de prevalêncianos octogenários comparativamente com as faixas maisjovens (69%, 63%, 61% e 60%, respectivamente; p =não significante). A prevalência do HDL-colesterol re-duzido foi maior nos octogenários (14%, 16%, 15% e17%, respectivamente; p < 0,05).

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LIBERMAN A e cols.Dislipidemias em

octogenários

DISLIPIDEMIA COMOFATOR DE RISCO

Em muito idosos, oaparecimento de eventoscoronarianos nem semprese correlaciona com os ní-veis do perfil lipídico obti-dos, razão pela qual a im-portância da dislipidemiana morbidade e na morta-lidade por doença arterial

coronariana em octogenários segue gerando contro-vérsias. Os resultados do Estudo de Framingham, nasubpopulação de 65 a 94 anos de idade, evidenciaramque a hipercolesterolemia continuava a exercer impac-to na incidência de doenças cardiovasculares apenasem homens, embora atenuado em relação aos maisjovens(8). O Estudo de Honolulu avaliou a associaçãoentre mortalidade global e colesterol durante vinte anos.Os níveis de colesterol diminuíram significativamentenas faixas etárias mais avançadas, mas mantiveram

relação positiva com as doenças cardiovasculares. Aelevada relação entre mortalidade por todas as causase níveis baixos de colesterol total suscitou dúvidas so-bre a intervenção terapêutica agressiva na populaçãode idosos(9). Em outro estudo prospectivo (EPESE), doqual participaram 2.527 mulheres e 1.377 homens,seguidos por 4,4 anos, o HDL-colesterol baixo foi pre-ditor de mortalidade por doença arterial coronariana ede novos eventos coronários em idosos com mais de70 anos, mas o colesterol total aumentado associou-se à mortalidade por doença arterial coronariana(10)

apenas no sexo feminino. Entretanto, assim como ob-servado no estudo brasileiro EMI(6), quando são avalia-das as frações do colesterol a maioria dos estudosdemonstra relação positiva entre dislipidemia e desen-volvimento de doença arterial coronariana nos idosos(11).Mais ainda, dados do Estudo de Framingham indicam,conforme mencionado anteriormente, que o índice lipí-dico mais importante como preditor de doença arterial

coronariana em octogenários é a razão colesterol to-tal/HDL-colesterol(11) (Tab. 1).

É importante considerar que os valores do coleste-rol total e do LDL-colesterol expressos tardiamente po-dem diferir daqueles a que o octogenário esteve ex-posto na maior parte de sua vida, especialmente seocorrer emagrecimento na idade mais madura. Assim,o tempo de evolução da dislipidemia na anamnese deveser considerado.

A dislipidemia leve ou moderada costuma associar-se a maior número de eventos coronarianos em idososque em faixas etárias mais baixas(12), ou seja, cresce orisco absoluto e mesmo pequenos aumentos podemprovocar grande impacto na saúde pública.

Rubin estudou 2.746 homens, nas faixas etárias> 60 e < 79 anos durante dez anos e verificou que orisco relativo para doença arterial coronariana au-mentou de 1,4 para 1,7 morte por 1.000 pacientes,quando comparou idades de 60 a 64 e de 75 a 79anos, respectivamente. O risco absoluto, no entanto,aumentou de 2,2 aos 60 anos para 11,3 mortes por1.000 após os 75 anos de idade. Esse estudo verifi-

Tabela 1. Risco de doença arterial coronariana pela razão colesterol total/HDL-colesterol em cada sexo deacordo com a idade no Estudo de Framingham(11).

Colesterol total/HDL-colesterol Q5/Q1 Risco RelativoIdade (anos) 50-59 60-69 70-79 80-89

Homem 2,5 1,7 2,3 5,6p < 0,001 0,01 0,004 0,05

Mulher 3,1 3,5 2,8 4,8p < 0,0001 0,0001 0,001 0,024

cou que o risco absoluto e atribuível da doença arte-rial coronariana não só aumentou dramaticamentecom a idade como também seus resultados sugeremexcesso de mortalidade naqueles idosos no quartilde colesterol mais elevado(13).

A dislipidemia freqüentemente se associa a diabe-tes, hipertensão arterial, obesidade e doença renal, esua relevância pontual dependerá do impacto do con-junto desses fatores dentro do risco cardiovascular glo-bal.

Os dados epidemiológicos de octogenários devemconsiderar a elevada prevalência de doença arterial co-ronariana manifesta ou subclínica, a presença de co-morbidades, a alta mortalidade e a seleção natural.Nesse sentido, o “Cardiovascular Health Study”, estu-do observacional realizado em 5.888 indivíduos comidades acima de 65 anos em quatro comunidades ame-ricanas, demonstrou que a prevalência de doença ate-rosclerótica tanto manifesta como subclínica é elevada

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LIBERMAN A e cols.Dislipidemias em

octogenários

nessa faixa etária(14). Adoença arterial subclínicafoi identificada de formanão-invasiva pelas medi-das da espessura da ca-mada médio-intimal caro-tídea, do índice tornozelo/braquial, de discinesias daparede do ventrículo es-querdo à ecocardiografiaou de alterações eletrocar-diográficas. No início do

estudo, 39% de homens e 35,9% de mulheres apre-sentavam doença aterosclerótica subclínica. Em seuseguimento, evidenciou-se que apenas uma minoria dosindivíduos era isenta de doença cardíaca e que a do-ença de apresentação silenciosa predominava sobre aforma manifesta(15). Os fatores de risco clássicos estãorelacionados a ambas as formas de doença arterialcoronariana, manifesta e subclínica (silenciosa).

A utilização de marcadores de doença subclínicapode ser útil na identificação dos octogenários de altorisco, uma vez que não se utiliza o escore de Framin-gham em octogenários, pois esse escore não inclui ido-sos com mais de 79 anos. A identificação de doençasubclínica e de HDL reduzido pode contribuir para adecisão clínica de intervenção preventiva farmacológi-ca .

TRATAMENTO DAS DISLIPIDEMIAS

A abordagem do tratamento das dislipidemias nospacientes com mais de 80 anos deve ser cuidadosa, eimplica a análise de múltiplos dados. Esse tema apre-senta alta complexidade diante das dificuldades quese apresentam nessa faixa etária: heterogeneidade dascondições de saúde geral (grau funcional e cognitivo),alterações fisiológicas da idade, múltiplos fatores derisco, co-morbidades, interações medicamentosas de-correntes de polifarmácia e, finalmente, limitações so-cioeconômicas e análise de expectativa de vida. Deacordo com o Programa Nacional de Educação emColesterol do Departamento Nacional de Saúde emWashington (1993)(16), o tratamento da hipercolestero-lemia não é indicado se a expectativa de vida for inferi-or a dois anos. A expectativa de vida de um octogená-rio no Brasil é de 6,1 anos, segundo dados do IBGE de2000(1).

É relevante assinalar a maior freqüência no octoge-nário de dislipidemia secundária a outras doenças, taiscomo doença tireoidiana (mais comum no sexo femini-no), diabetes melito, insuficiência renal e doenças decaráter consumptivo. Nesse caso, o tratamento da do-ença de base pode levar ao desaparecimento da disli-pidemia.

ESTUDOS DE INTERVENÇÃO FARMACOLÓGICA

Os fármacos mais amplamente estudados no trata-mento das dislipidemias foram os inibidores da HMG-CoA redutase (estatinas). Entretanto, a limitada inclu-são de octogenários em estudos clínicos restringe aobtenção de dados obtidos por meio da medicina ba-seada em evidências científicas.

Prevenção secundáriaApenas dois estudos de prevenção secundária in-

cluem octogenários:1) “Heart Protection Study” (HPS)(17) – Esse estudo ava-liou 20.536 pacientes de 40 a 80 anos de idade, sendo5.806 com idade ≥ 70 anos. O número exato de octo-genários não foi identificado, bem como a idade comque os octogenários incluídos chegaram ao término doestudo. Os pacientes apresentavam uma ou mais dasseguintes condições: a) doença arterial coronariana (in-farto agudo do miocárdio, angina estável ou instável,revascularização miocárdica ou angioplastia); b) doen-ça oclusiva de artérias não-coronárias (acidente vas-cular cerebral, insuficiência vascular periférica, claudi-cação intermitente, endarterectomia de carótida); c)diabetes melito; d) hipertensão arterial tratada. O LDL-colesterol foi inferior a 116 mg/dl em 33% dos pacien-tes, entre 116 mg/dl e 135 mg/dl em 25%, e maior que135 mg/dl em 42%. O tempo de seguimento foi de cin-co anos. Observou-se, com o uso de sinvastatina, re-dução da mortalidade em 18%, de incidência de pri-meiro infarto agudo do miocárdio em 38%, de infartoagudo do miocárdio não-fatal ou morte coronária em27%, e acidente vascular cerebral em 25%. Tais redu-ções ocorreram em todas as faixas etárias, incluindoos octogenários. O HPS foi o primeiro estudo a assina-lar que pacientes com níveis relativamente baixos decolesterol em uso de estatina apresentavam benefíci-os semelhantes aos de níveis mais elevados.2) “Prospective Study of Pravastatin in the Elderly atRisk” (PROSPER)(18)) – Destaca-se entre os estudospor ser o primeiro direcionado apenas a idosos. Incluiu5.804 pacientes entre 70 e 82 anos de idade (média,75 anos), com doença vascular (coronária, cerebral,periférica) ou com fatores de risco para doença vascu-lar (hipertensão arterial, tabagismo, diabetes melito).O colesterol total deveria estar entre 155 mg/dl e 350mg/dl e os triglicérides, abaixo de 500 mg/dl. O tempode seguimento foi de 3 a 5 anos, com média de 3,2anos. Observou-se, com o uso da pravastatina, redu-ção de 15% no desfecho composto de mortalidade co-ronária, infarto agudo do miocárdio ou acidente vascu-lar cerebral, e redução de 24% na mortalidade coroná-ria. Não foi detectada redução significante de acidentevascular cerebral ou disfunção cognitiva, fato atribuídoà falta de poder estatístico ou à curta duração do estu-

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LIBERMAN A e cols.Dislipidemias em

octogenários

do(19). Observou-se aindaque idosos com baixoHDL-colesterol apresenta-ram os maiores benefíci-os. Eventos adversos fo-ram relatados com igualfreqüência entre o grupoplacebo e o grupo pravas-tatina (55% vs. 56%, res-pectivamente). Mialgia foirelatada em 36 ocasiõesno grupo pravastatina e

em 32 vezes no grupo placebo. Nenhum grupo apre-sentou aumento de CPK maior que dez vezes o limitesuperior do normal. Aumento em transaminases maiorque três vezes o limite superior do normal foi encontra-do em um paciente de cada grupo. Houve aumento de25% na incidência de câncer (199 casos no grupo pla-cebo “versus” 245 no grupo pravastatina). Atribuiu-seessa ocorrência ao recrutamento de idosos com cân-cer oculto, e não a efeito do fármaco, uma vez que aincidência de câncer nessa faixa etária é de 290 casosem cada grupo, maior que o que foi encontrado. Alémdisso, não houve predomínio de um tipo de câncer e oaparecimento foi predominantemente no primeiro anodo estudo, considerado precoce para o tratamento pro-vocar tal efeito.

Prevenção primáriaGrandes estudos clínicos documentaram de maneira

conclusiva que as estatinas diminuem o risco dos even-tos coronários em pelo menos 30% dos pacientes por-tadores ou não de doença arterial coronariana conhe-cida. A maioria desses estudos com estatina, emboraincluísse indivíduos com idades entre 65 e 75 anos,não incluiu o número suficiente de octogenários paraobter as informações sobre o papel das estatinas naprevenção primária nessa faixa etária.1) “Heart Protection Study” (HPS)(17) – Conforme men-cionado anteriormente, esse estudo incluiu pacientesde 40 a 80 anos, com seguimento de cinco anos. Seuplanejamento foi de um estudo não apenas de preven-ção secundária, mas também primária, uma vez queincluiu pacientes sem doença arterial coronariana pré-via, portadores de doença cerebrovascular, e/ou insu-ficiência vascular periférica, e/ou diabetes melito, eobteve redução de eventos também nesses pacientes.Não foi fornecida a idade dos pacientes sem doençaarterial coronariana; porém, na análise final, verificou-se que a redução de eventos vasculares foi menor emtodas as faixas etárias de pacientes com o tratamentopor estatina. Esse estudo não incluiu o número sufici-ente de octogenários para concluir o benefício da pre-venção primária nesses pacientes(20).2) “Cardiovascular Health Study” (CHS)(21) – Estudo

longitudinal realizado em quatro comunidades ameri-canas, que teve início em 1989, com 5.201 idosos daraça branca. Em 1992, foram incluídos 687 idosos daraça negra, totalizando 5.888 idosos saudáveis ≥ 65anos. Destes, foram selecionados 2.914 idosos, commédia de idade de 72,5 anos, sem doença cardiovas-cular no início do estudo, para avaliar o uso de hipoli-pemiante em prevenção primária no idoso. Foi admi-nistrado tratamento com estatina ou nenhum tratamen-to, de acordo com as diretrizes do Programa de Edu-cação Nacional do Colesterol. O objetivo primário deinteresse consistiu em eventos cardiovasculares com-binados de infarto agudo do miocárdio fatal e não-fa-tal, acidente vascular cerebral fatal e não-fatal e mortepor doença arterial coronariana, excluindo RM. O tem-po de seguimento foi de 7,3 anos. Durante esse perío-do ocorreram 382 novos eventos cardiovasculares (158infartos, 159 acidentes vasculares cerebrais, e 64 mor-tes por doença arterial coronariana). No grupo estati-na, observou-se redução de 56% na incidência de even-tos cardiovasculares, e de 44% na mortalidade por to-das as causas. A redução do risco de eventos cardio-vasculares ocorreu entre participantes com idade de65 a 73 anos e nos com ≥ 74 anos. Esse estudo pros-pectivo realizou verificação confiável dos eventos car-diovasculares, dos fatores de risco a cada ano, e douso contínuo da medicação. Apresentou como limita-ções o pequeno número de eventos e mortes, reduzin-do o poder de encontrar diferentes associações emanálises de subgrupo e o desenho observacional doestudo. A conclusão do estudo foi que, para prevençãoprimária em idosos, a terapia farmacológica deve serconsiderada em pacientes de alto risco, como diabe-tes, múltiplos fatores de risco ou doença subclínica (cer-ca de 80% dos idosos desse estudo seriam considera-dos de alto risco). O uso de estatina para prevençãoprimária de doença arterial coronariana em idosos paraos quais se recomenda redução de colesterol asso-ciou-se com redução da incidência de eventos cardio-vasculares e mortalidade por todas as causas.3) “Prospective Study Of Pravastatin In The Elderly”(PROSPER)(18) – Assim como o HPS, foi um estudode prevenção secundária e também primária, umavez que dentre os 5.804 indivíduos de 70 a 82 anosincluídos 50% apresentavam doença cardiovasculare 50% apenas fatores de risco. Analisando o subgru-po de pacientes sem doença arterial coronariana (pre-venção primária, n = 3.239), o uso de pravastatinanão foi associado a redução dos desfechos primári-os (Fig. 4).

EFEITOS COLATERAIS E SEGURANÇA

As alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicasdos medicamentos observadas em idosos reduzem a

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faixa de segurança terapêutica e são exacerbadas pe-las co-morbidades presentes e pela polifarmácia. Oconjunto desses fatores aumenta a possibilidade deefeitos colaterais, ainda mais freqüentes em octogená-rios que em idosos mais jovens(20). Assim, como comqualquer outro fármaco a ser utilizado nessa faixa etá-ria, medidas de precaução devem ser observadas. Otratamento deverá ser iniciado após prévia avaliaçãolaboratorial dos perfis hepático, renal e muscular dopaciente, a qual servirá de base para a orientação te-rapêutica posterior. Após o início do tratamento, é re-comendável repetir os exames entre a quarta e a sextasemanas, na vigência do fármaco, e como rotina se-mestral ou na introdução de fármacos com potencialinteração com as estatinas. Os critérios para interrup-ção do tratamento estabelecidos são os aumentos detrês vezes no valor máximo de TGP e de dez vezes daCPK.

Outra preocupação no uso das estatinas é seu po-tencial carcinogênico, sobretudo em octogenários, fai-xa mais propensa às degenerações neoplásicas. Noestudo PROSPER, o uso da pravastatina foi associadoao diagnóstico de câncer com significância marginal,durante o tratamento (245 [8,5%] pravastatina vs. 199[6,8%] placebo; p = 0,02). A análise dos dados demons-trou que o aumento da incidência de câncer ocorreuna fase inicial do tratamento, sugerindo não haver cor-relação de causa/efeito. Entre os 1.600 indivíduos comcâncer diagnosticado durante o HPS, não ocorreu au-mento significativo entre os participantes mais jovensou mais idosos.

Figura 4. Estudo PROS-PER -– Eventos cardiovas-culares de acordo com aprevenção primária e a pre-venção secundária(18).

PREVENÇÃO DO ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL

O papel das estatinas na prevenção do acidente vas-cular cerebral tem sido enfatizado nos últimos anos apartir de dados obtidos dos estudos de intervenção quevisam primariamente à prevenção de doença arterialcoronariana(17, 22). Durante o estudo HPS, mais de 1.000participantes tiveram pelo menos um acidente vascu-lar cerebral. Houve redução significativa (25%) de even-tos cerebrais nos três primeiros anos de tratamento (p< 0,0001), e, após cinco anos, a redução do risco deacidente vascular cerebral foi significativa tanto em jo-vens como em idosos (< 70 anos na seleção: 274 [3,7%]sinvastatina vs. 349 [4,7%] placebo; p = 0,02; entre 70e 80 anos na seleção: 170 [5,8%] sinvastatina vs. 236[8,2%] placebo ; p = 0,0003). Não se observou evidên-cia de benefício da sinvastatina no declínio cognitivo.

No estudo PROSPER(18), conforme mencionado an-teriormente, não foi detectada redução significante deacidente vascular cerebral ou disfunção cognitiva, fatoatribuído à falta de poder estatístico ou à curta dura-ção do estudo (RR 1,03; IC 95%, 0,81-1,31; p = 0,81).Os investigadores sugerem que os benefícios das es-tatinas na prevenção do acidente vascular cerebral sóse estabelecem após três anos de intervenção, enquan-to são mais precoces na redução de risco de doençaarterial coronariana.

CONCLUSÃO

Cada vez mais o cardiologista sente-se propenso a

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prescrever estatinas paraos muito idosos portado-res de doença arterial co-ronariana. A extensão deseu uso para pacientescom doença cerebrovas-cular e periférica ou diabe-tes melito vem sendo pro-gressivamente incorpora-da à prática clínica diária.Essa decisão encontrasubsídios no corpo de evi-

dências dos benefícios promovidos por esses agenteshipolipemiantes na evolução das doenças ateroscleróti-cas e estimula seu emprego com critério e segurança.

A falta de certezas na esfera da prevenção primáriacoloca o médico no desconfortável cenário da dúvidaquanto à validade científica do ato de intervir no silên-cio. Entretanto, dados de estudos necroscópicos mos-tram lesões coronarianas em aproximadamente 90%

dos indivíduos com idade acima dos 80 anos, emboraapenas 30% a 40% fossem sintomáticos(23). As infor-mações da presença de doença cardiovascular mani-festa ou silenciosa em mais de 70% dos idosos no “Car-diovascular Health Study” reforça a idéia de que o ido-so é portador em potencial de aterosclerose, dificul-tando a distinção entre prevenção primária e secundá-ria, diante da alta prevalência das doença ateroscleró-ticas subclínicas. Recomenda-se, portanto, avaliaçãoclínica e análise da segurança, da tolerabilidade e dapreferência do octogenário ao se considerar tratamen-to farmacológico do idoso sem doença clínica manifes-ta, mas com múltiplos fatores de risco, em especial di-abetes.

Colocar o idoso em perspectiva de suas motivaçõesem viver, adaptação a suas limitações, inserção noambiente familiar e social, necessidades e expectati-vas humaniza a relação médico/paciente e, se não con-fere certeza à dúvida científica, resgata pela ética ofundamento na arte de medicar.

DYSLIPIDEMIAS IN OCTOGENARIANS

ALBERTO LIBERMAN, CLÁUDIA FELÍCIA GRAVINA TADDEI, STELA MARIS GRESPAN

The approach to treating dyslipidemias in patients older than 80 years must beadopted cautiously and implies the analysis of multiple data, i.e.: functional and cog-nitive health status, risk factors involved, comorbidities, presence of subclinical dise-ase, and drug interaction due to polypharmacy. While the relative risk of cardiovas-cular disease associated with dyslipidemia decreases in the aged, the absolute riskof morbidity and mortality increases with aging. The total cholesterol/HDL ratio re-presents the most important lipid fraction in the octogenarian and the identificationof subclinical atherosclerotic disease helps to decide on treatment for primary pre-vention. Clinical evaluation, combined with analysis of safety, tolerability and patientpreference, should be considered for primary prevention. For secondary prevention,pharmacological treatment is recommended with gradual introduction of medicati-on, along with careful monitoring of symptoms and drug interactions.

Key words: dyslipidemia, octogenarian, statin, subclinical disease.

((Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:544-52)RSCESP (72594)-1578

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octogenários

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SANTOS RD e col.Abordagem terapêuticadas dislipidemias emsituações especiais:hipercolesterolemia

familiar homozigóticarefratária

INTRODUÇÃO

A hipercolesterolemia familiar é uma doença gené-tica, caracterizada por alterações no metabolismo doslipídeos, as quais determinam elevações dos níveisplasmáticos de colesterol, às custas do aumento daslipoproteínas de baixa densidade (LDL). O defeito pri-mário da hipercolesterolemia familiar é uma reduçãoda expressão dos receptores hepáticos da LDL, queremovem o colesterol da circulação, tendo sido descri-tas mais de 900 mutações para esse receptor(1, 2).

É uma doença monogênica, com transmissão au-tossômica dominante, caracterizada pela presença demutações nos genes que codificam o receptor da LDL,sendo necessária a presença de apenas um dos ale-los com a mutação para a manifestação clínica da do-

ABORDAGEM TERAPÊUTICA DAS DISLIPIDEMIASEM SITUAÇÕES ESPECIAIS: HIPERCOLESTEROLEMIAFAMILIAR HOMOZIGÓTICA REFRATÁRIA

RAUL D. SANTOS, ANA PAULA MARTE CHACRA

Unidade Clínica de Dislipidemias – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 –2º andar – Sala 4 – Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP

A hipercolesterolemia familiar é doença autossômica dominante, que, em suaforma heterozigótica, afeta cerca de 1/500 pessoas, e, na forma homozigótica, 1/1.000.000 pessoas. Contudo, em famílias portadoras das mutações que diminuem aexpressão do receptor da lipoproteína de baixa densidade, cerca de uma em cadaduas pessoas é afetada. Ambas as formas associam-se a níveis elevados de coles-terol e doença arterial coronária precoce e na forma homozigótica há também doen-ça da aorta e da valva aórtica. Em alguns casos da hipercolesterolemia familiarheterozigótica e na maioria dos casos de homozigotos, além de uso de doses eleva-das de estatinas associadas aos bloqueadores de absorção do colesterol, podemser necessários tratamentos alternativos, como derivação ileal, aférese e transplan-te hepático, para controle eficaz dos níveis extremamente elevados de colesterol.

Palavras-chave: hipercolesterolemia familiar, estatinas, ezetimiba, plasmaférese,transplante hepático.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:553-60)RSCESP (72594)-1579

ença(2, 3). Essas mutações determinam a redução dasíntese e da expressão dos receptores da LDL, comdiminuição da capacidade de remoção dessas partícu-las da circulação e conseqüente aumento dos níveisplasmáticos de colesterol total às custas do LDL-co-lesterol. É uma das dislipidemias primárias mais fre-qüentes e, em sua forma heterozigótica, acomete cer-ca de 1:500 pessoas, ao passo que na forma homozi-gótica, muito rara, a prevalência é de 1:1.000.000. Es-tima-se que, no Brasil, existam cerca de 320 mil pes-soas afetadas pela forma heterozigótica e cerca de 160pacientes com a forma homozigótica, a maioria dasquais não recebe tratamento adequado. Esse fato éextremamente importante em decorrência do apareci-mento precoce da doença arterial coronária em porta-dores de hipercolesterolemia familiar. Dessa forma, a

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SANTOS RD e col.Abordagem terapêuticadas dislipidemias emsituações especiais:hipercolesterolemia

familiar homozigóticarefratária

doença sempre deve sersuspeitada na presençade níveis elevados de co-lesterol geralmente acimado percentil 95 para idadee sexo em portadores dedoença coronária precocee quando há história fami-liar tanto para dislipidemiacomo para doença coroná-ria. A triagem “em casca-ta”, ou seja, a de familia-

res de portadores de doença coronária precoce ou dis-lipidemia é eficaz já que nas famílias de portadores demutação um em cada dois indivíduos é afetado. Ob-serva-se alta penetrância dos genes mutantes em al-gumas populações, como no sul do Líbano, no sul daItália e na África do Sul, dada a homogeneidade étnicae a prevalência de consangüinidade nesses povos(3).

A hipercolesterolemia familiar homozigótica, muitorara, é caracterizada pela presença de dois alelos, cadaqual com uma mutação herdada do pai e da mãe, res-pectivamente. Os indivíduos com o fenótipo homozigó-tico praticamente não expressam receptores para re-moção da LDL, sendo observados valores de coleste-rol plasmático acima de 600 mg/dl e de LDL-colesterol,acima de 500 mg/dl. Na hipercolesterolemia familiar ho-mozigótica, são freqüentes os casos de consangüini-dade, isto é, de casamentos entre familiares portado-res da forma heterozigótica(4).

Em decorrência das elevadas concentrações plas-máticas de colesterol, os pacientes apresentam qua-dro clínico característico. Os xantomas ocorrem emquase 100% dos casos de hipercolesterolemia familiarhomozigótica, antes dos 10 anos de idade, e caracteri-zam-se por lesões na pele, que nada mais são do quedepósitos de colesterol no tecido subcutâneo, localiza-dos mais comumente na face dorsal das mãos, cotove-los, joelhos e tendão de Aquiles(5).O comprometimentocardíaco pode se estabelecer precocemente, com apresença de doença arterial coronária prematura equadro clínico de angina, infarto do miocárdio ou mor-te súbita já na primeira infância. A formação da placade aterosclerose acomete locais pouco freqüentes, in-cluindo aorta ascendente, arco aórtico e óstios coro-nários. A alteração inicial é o espessamento das ca-madas íntima e média da parede da aorta ascendente,o que predispõe à formação de placas nessa localida-de(5). As deformidades anulares do arco aórtico, comoa estenose supravalvar aórtica, são achados caracte-rísticos da hipercolesterolemia familiar homozigótica,mas também a válvula aórtica e o seio de Valsalva sãoacometidos pela aterosclerose prematura. A coronari-ografia revela alta proporção de pacientes com este-nose dos óstios coronários e lesão triarterial. Provavel-

mente, esses locais, pouco convencionais do acometi-mento aterosclerótico, refletem que o ateroma apre-senta bases etiológica e fisiopatológica decorrentes dahipercolesterolemia pura, oposta à origem multifatorialda doença coronariana que se observa na populaçãoem geral(6).

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da hipercolesterolemia familiar homo-zigótica é feito na presença de níveis muito elevadosde colesterol total às custa da fração LDL-colesterol(geralmente acima de 600 mg/dl), associada ou não àpresença de xantomas ou doença arterial coronária pre-matura, além da história familiar de hipercolesterole-mia ou doença cardiovascular precoce. Pode-se con-firmar o diagnóstico por meio da determinação genéti-ca da mutação, em centros especializados(5).

TRATAMENTO

Tratamento farmacológicoO tratamento da hipercolesterolemia familiar homo-

zigótica ilustra a dificuldade em se controlar os níveisde colesterol plasmático dos pacientes, pois a respos-ta à terapêutica farmacológica é quase sempre precá-ria e varia de acordo com a mutação presente. Há ca-sos em que as doses máximas de estatinas diminuemos níveis plasmáticos de LDL-colesterol em 5% a 28%,enquanto em outros não se observa qualquer reduçãodos mesmos, demonstrando capacidade quase nula deexpressão dos receptores hepáticos de LDL, mesmocom associação de vários hipolipemiantes(7).

Em pacientes com hipercolesterolemia familiar ho-mozigótica, foi observada a potencialização do efeitohipolipemiante quando se associou o ezetimiba, nadose de 10 mg/dia, à atorvastatina, na dose de 80 mg/dia, com reduções de 25% dos níveis de colesterol to-tal e LDL-colesterol(5).

As estatinas, associadas ou não a outras drogas oua outras terapêuticas, devem ser consideradas preco-cemente em pacientes com hipercolesterolemia famili-ar homozigótica, principalmente nos pacientes que nãotêm acesso a terapêuticas não-farmacológicas.

O conhecimento da história natural das hipercoles-terolemias familiares homo e heterozigóticas, bem comoa resposta precária à terapêutica medicamentosa, con-tribuíram para o desenvolvimento de técnicas alterna-tivas para a redução dos níveis de colesterol.

Cirurgia de derivação ilealO colesterol proveniente da dieta e o colesterol en-

dógeno, presente na bile, alcançam o intestino delga-do, onde sofrerão ação dos sais biliares, sendo emulsi-ficados em micelas. As micelas prendem-se à borda

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familiar homozigóticarefratária

em escova das membra-nas dos enterócitos intes-tinais, para que o coleste-rol seja transferido dasmicelas para os enteróci-tos no duodeno e no jeju-no, através de um trans-portador de esterol (estu-dos ainda não definiram anatureza molecular dessetransportador). Após a ab-sorção, uma parte do co-

lesterol contido nos enterócitos retorna novamente aolúmen intestinal, através de um transportador denomi-nado ABCG5/G8. Os sais biliares incorporam o coles-terol no lúmen intestinal, para que sejam absorvidosno íleo terminal, retornando para o fígado. O colesterolnão absorvido é eliminado com as fezes. O metabolis-mo intestinal do colesterol é responsável pela absor-ção de 60%, em média, do mesmo(2).

A partir de reconhecimento do íleo terminal comouma região especializada no processo de absorção desais biliares e, conseqüentemente, de colesterol, Bu-chwald idealizou a cirurgia de derivação ileal, realiza-da pela primeira vez em 1968, como adjuvante no tra-tamento de pacientes hipercolesterolêmicos(8). A cirur-gia consiste na exclusão do íleo, em alça cega, do trân-sito intestinal, para redução da absorção de sais bilia-res e colesterol. Existem poucos estudos na literaturaque utilizaram essa técnica, sendo o maior deles o es-tudo POSCH(9), iniciado em 1978 e elaborado para tes-tar a eficácia da cirurgia de derivação ileal, comparadaà dieta, na redução do colesterol e de eventos coroná-rios. Foi um estudo randomizado, duplo-cego, em queforam avaliados 823 pacientes com doença coronáriaprévia e colesterol total acima de 220 mg/dl. Nesseestudo, um grupo de pacientes recebeu dieta e outrofoi submetido a tratamento cirúrgico. Foram observa-das reduções de 23% dos níveis de colesterol total ede 38% do LDL-colesterol, com redução da progres-são da aterosclerose avaliada por angiografia e redu-ção de 35% de eventos combinados incluindo mortali-dade cardiovascular após dez anos, e que persistiu até18 anos de seguimento no grupo tratado com cirurgia,comparativamente à dieta(10). O estudo POSCH, por-tanto, foi o pioneiro a comprovar a teoria lipídica deque reduções dos níveis de colesterol plasmático, pelatécnica de derivação ileal, corroboraram a redução deeventos cardiovasculares.

Atualmente, a derivação ileal não é indicada para otratamento das hipercolesterolemias moderadas, poisexistem medicamentos mais eficazes, como as estati-nas, na redução do colesterol e de eventos cardiovascu-lares. Vale ressaltar que o estudo POSCH foi concebi-do numa fase em que as mesmas não eram disponí-

veis. Outro medicamento, o ezetimiba, vem sendo utili-zado, preferencialmente à colestiramina, para diminui-ção dos níveis de colesterol plasmático em associaçãocom as estatinas(5), por meio da inibição da absorçãointestinal do mesmo, mas ainda não há ensaios clíni-cos que demonstrem sua eficácia na redução de even-tos.

A experiência dessa técnica com pacientes hiper-colesterolêmicos graves deu-se por meio de um estu-do de casos controle, no qual 27 pacientes com hiper-colesterolemia familiar heterozigótica foram seleciona-dos para tratamento cirúrgico e outros 27 compuseramo grupo controle recebendo dieta. Os níveis de coles-terol total de ambos os grupos eram, em média, supe-riores a 500 mg/dl. Houve redução persistente do co-lesterol total de 33% no grupo cirúrgico comparativa-mente ao grupo controle, durante seguimento de dezanos, mas não se observou redução de eventos coro-nários e de mortalidade cardiovascular(11).

Com base nesses estudos, a cirurgia de derivaçãoileal está indicada em pacientes com hipercolesterole-mia grave refratária, como adjuvante ao tratamento me-dicamentoso. O fator que limita o uso dessa técnica éque a mesma é muito invasiva, além dos efeitos cola-terais, como flatulência, diarréia e diminuição da ab-sorção de vitaminas lipossolúveis. Além disso, em nos-sa opinião, embora seja interessante, a proposta daderivação ileal foi implantada na época em que não seutilizavam doses elevadas de fármacos potentes comoa atorvastatina e a rosuvastatina. Além disso, a associ-ação com bloqueadores de absorção era realizadanaquela época com colestiramina, um medicamentomuito menos tolerável que a ezetimiba disponível atu-almente. Dessa forma, esse procedimento só poderiaser realizado após refratariedade ao tratamento clínicomais atual.

Ainda não existem estudos comparando a deriva-ção ileal a esses regimes farmacológicos mais moder-nos de tratamento no que concerne à prevenção dadoença cardiovascular.

Transplante hepáticoQuando se descobriu que 70% dos receptores para

remoção da LDL plasmática se localizavam na superfí-cie dos hepatócitos, o transplante hepático pareceu seruma terapêutica promissora, pois o fígado transplanta-do expressaria normalmente os receptores de LDL nospacientes com ausência genética da expressão dosmesmos(12).

O primeiro transplante hepático foi realizado, em1984, em uma criança de 6 anos de idade, portadorade hipercolesterolemia familiar homozigótica, com car-diopatia isquêmica terminal decorrente da doença e quenecessitava de transplante cardíaco, o que era inviávelpelo defeito metabólico de base(12). Foram então reali-

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familiar homozigóticarefratária

zados, concomitantemen-te, transplante hepático etransplante cardíaco comsucesso, com normaliza-ção dos níveis de LDL-co-lesterol plasmáticos.

Os dados de literaturademonstram 11 relatos decasos de transplante he-pático, em que todos ospacientes apresentavamdiagnóstico de hipercoles-

terolemia familiar homozigótica, com idades entre 2 e46 anos. Desses pacientes, 7 receberam transplantede coração e fígado e 4 apenas de fígado. Os relatosde sobrevida são de quatro anos em 2 pacientes e dedez anos em 1 paciente(13, 14).

O transplante hepático é uma terapêutica invasivae com sobrevida limitada, além do risco de complica-ções, como rejeição crônica e efeito colateral das dro-gas imunossupressoras. Essa técnica é preconizadapara pacientes com hipercolesterolemia familiar homo-zigótica grave, incluindo aqueles com apenas 2% deatividade dos receptores hepáticos para LDL, e que jáapresentam comprometimento cardiovascular ou mes-mo na ausência do mesmo, como prevenção da pro-gressão da aterosclerose, pois o transplante normali-za os níveis de LDL-colesterol plasmático(15, 16).

LDL-aféreseO primeiro procedimento com plasmaférese foi rea-

lizado em 1975(17, 18), em um paciente com hipercoles-terolemia familiar homozigótica, que consistia na se-paração do plasma do sangue para remoção do coles-terol e outros componentes plasmáticos. Relatos sub-seqüentes demonstraram que esse procedimento rea-lizado repetidas vezes, a longo prazo, apresentava efeitobenéfico na redução da progressão da aterosclerose,além de prolongar a sobrevida de pacientes com hi-percolesterolemia familiar homozigótica(19).

Várias tentativas foram feitas para se remover sele-tivamente as partículas de LDL do plasma. Em 1981,Stoffel utilizou uma coluna de sefarose, que continhaanticorpos anti-LDL, o qual removia as partículas deLDL-colesterol. Esse procedimento foi denominado deLDL-aférese(17).

Foram desenvolvidos outros métodos de LDL-afé-rese e, atualmente, as técnicas disponíveis são(17):1) Imunoadsorção: consiste na remoção das partícu-las de LDL do plasma usando anticorpos anti-LDL. Foio primeiro método a ser desenvolvido e tem sido utili-zado há mais de vinte anos. É formada por um separa-dor de células, que separa o plasma do sangue, e poruma coluna, que contém anticorpos policlonais de ove-lhas anti-apo B100 humana. A anticoagulação é ne-

cessária com heparina e citrato. As colunas podem serregeneradas e reutilizadas pelo mesmo paciente.2) Adsorção pelo sulfato de dextram celulose: o sulfatode dextram faz uma ligação covalente com a celulose,formando um complexo que se liga seletivamente àspartículas de LDL e lipoproteína de muito baixa densi-dade (VLDL). Após o plasma ser separado do sanguepor uma membrana, o mesmo passa pela coluna quecontém o sulfato de dextram celulose, que adsorverá oLDL-colesterol e o VLDL-colesterol do plasma. Há ne-cessidade de heparinização do plasma para passagemna coluna. Esse foi o primeiro método descartável deLDL-aférese.3) Sistema extracorpóreo de precipitação da LDL pelaheparina (sistema HELP): é um sistema completamen-te diferente dos demais, que envolve a precipitação daspartículas de LDL pela adição de heparina no plasma.Após a separação do plasma do sangue, a heparina éadicionada ao plasma, reduzindo o pH do mesmo, quan-do ocorre a precipitação das partículas de LDL. Esseprecipitado é removido por filtração. A seguir, o plasmapassa por uma coluna de adsorção que remove o ex-cesso de heparina e acrescenta tampões de bicarbo-nato ao mesmo, restabelecendo o pH para que o plas-ma retorne ao paciente. Efeitos colaterais como san-gramento são raros.4) Adsorção direta de lipoproteínas utilizando filtro dehemoperfusão (DALI): esse é o método mais modernopara remoção das partículas de LDL-colesterol e é oúnico que não preconiza a separação do plasma dosoutros componentes do sangue. O sangue passa dire-tamente por um filtro de adsorção, que é formado pormicroporos revestidos por uma substância denomina-da ácido poliacrílico, que confere carga negativa aosporos. Quando o sangue passa pelo filtro, as apo B100das partículas de LDL, carregadas positivamente, sãoatraídas para dentro dos poros carregados negativa-mente, sendo aprisionadas pelos mesmos. Os porostêm diâmetro semelhante ao diâmetro das partículasde LDL, permitindo apenas a entrada das mesmas,evitando assim que outros componentes do sanguetambém sejam retirados. Cada filtro é descartável, nãopodendo ser reutilizado, o que confere a esse procedi-mento custo elevado. A anticoagulação é necessáriacom heparina e citrato. É um procedimento eficaz, se-guro e bem tolerado, com pouquíssimos efeitos colate-rais.Aplicação clínica da LDL-aférese

A principal indicação clínica da LDL-aférese é parapacientes com hipercolesterolemia familiar homozigó-tica, e pode ser realizada uma ou duas vezes por se-mana(20-22). São descritos casos de pacientes submeti-dos a LDL-aférese semanalmente, há pelo menos quin-ze anos, sem efeitos colaterais e com resolução dosxantomas e regressão da aterosclerose. As complica-

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familiar homozigóticarefratária

ções mais freqüentes dahipercolesterolemia famili-ar homozigótica são fibro-se da válvula aórtica e es-tenose grave, combinadacom obstrução do óstio decoronária, necessitandode cirurgia para troca val-var e revascularização mi-ocárdica. É possível quecom a introdução de ummétodo que diminua as

concentrações de colesterol antes da instalação dascomplicações decorrentes da aterosclerose a necessi-dade de cirurgia seja significativamente menor. O ide-al, portanto, é o início da LDL-aférese antes dos 10anos de idade.Efeitos colaterais

Em relação aos efeitos adversos, que ocorrem deforma esporádica (4% dos pacientes), são observadosinstabilidade hemodinâmica, reações alérgicas ao ci-trato, sangramentos pelo consumo de fatores de coa-gulação, e redução de plaquetas e fibrinogênio. O efei-to colateral mais importante é a reação anafilactóidedurante a aférese em pacientes que estão utilizandoinibidores da enzima de conversão, pois essas reaçõessão mediadas pela bradicinina e os inibidores da enzi-ma de conversão inibem seu metabolismo, sendo re-comendável que os pacientes interrompam o uso dosmesmos(17, 23, 24).LDL-aférese em crianças

A LDL-aférese, em crianças homozigóticas, é eficazem reduzir os níveis de colesterol acompanhado de reso-lução dos xantomas, além de melhorar os sintomas deisquemia miocárdica(22). Há relatos, na literatura, de 12crianças com hipercolesterolemia familiar homozigóticaque estão sob tratamento de LDL-aférese, com idadesque variam de 6 a 17 anos, e que toleram bem o procedi-mento. Além de seguro, esse procedimento não interferecom o desenvolvimento e o crescimento dos pacientes. Aúnica complicação é anemia por deficiência de ferro, queresponde bem à reposição oral.LDL-aférese na doença arterial coronária

A LDL-aférese representa uma terapêutica promis-sora para pacientes com doença arterial coronária ehipercolesterolemia severa, refratária ao uso de dro-gas hipolipemiantes. As evidências clínicas para seuuso são baseadas em estudos não-controlados, pelaprópria dificuldade ética em se randomizar pacientescom doença arterial coronária estabelecida para o usoou não de drogas redutoras de colesterol(25-27).

No período de 1992 a 1999, foram publicados oitoestudos angiográficos com LDL-aférese(26-33). Cinco des-

ses estudos não foram controlados, um foi controladoe não-randomizado, e somente dois foram controladose randomizados. Todos envolveram pacientes com do-ença arterial coronária, a maioria deles portadores dehipercolesterolemia familiar heterozigótica. A LDL-afé-rese foi realizada uma a duas vezes por semana, numperíodo de um a cinco anos, em que se utilizaram osvários métodos já descritos. Concomitantemente à afé-rese, foram prescritas medicações para a maioria dospacientes, que incluíram estatinas, resinas de troca eprobucol. Nos ensaios clínicos FHRS e LAARS(30, 31),ambos randomizados, apesar das reduções do LDL-colesterol de 44% e 47%, respectivamente, nos gru-pos tratados com drogas “versus” 53% e 63% nos gru-pos submetidos a aférese, não foram observadas dife-renças em relação à progressão ou à regressão daslesões ateroscleróticas avaliadas por angiografia. Emcontraste, no estudo L-CAPS(32), não-randomizado, ogrupo tratado com aférese associada a hipolipemian-tes orais apresentou redução do LDL-colesterol de 43%,com regressão angiográfica significativa das lesões,comparativamente ao grupo tratado somente com hi-polipemiantes, que, apesar da diminuição plasmáticade 34% dos níveis de LDL-colesterol, não foram obser-vadas reduções angiográficas das lesões. Uma dasexplicações para a diferença de resultados entre osestudos é que a redução angiográfica da progressãoda doença arterial coronária só ocorre quando a dimi-nuição plasmática dos níveis de LDL-colesterol ultra-passar o limiar de 40%.

O impacto do tratamento com LDL-aférese na re-dução de eventos cardiovasculares foi avaliado no es-tudo de Hokuriko(33), que não demonstrou diferençasna mortalidade total, mas reduções de 70% de even-tos coronarianos no grupo aférese, comparado ao gru-po tratado com medicamentos. Esse não foi um ensaioclínico randomizado e as doses de estatina, no grupocontrole, foram restritas a 10 mg e 20 mg de pravasta-tina por dia. O estudo retrospectivo que comparou aincidência de eventos coronários antes e depois da ins-tituição do tratamento com LDL-aférese (DALI), em 60pacientes com doença arterial coronária e hipercoles-terolemia, demonstrou redução significativa de even-tos coronários no período pós-LDL-aférese(34).

A LDL-aférese, combinada aos hipolipemiantesorais, é um método seguro e efetivo, que pode mudar oprognóstico de pacientes com hipercolesterolemia fa-miliar homozigótica, além de prevenir a progressão dedoença arterial coronária em pacientes com hiperco-lesterolemia familiar heterozigótica, refratários à tera-pêutica convencional e com níveis de colesterol per-sistentemente elevados. Contudo, sua utilização é limi-tada pelo alto custo do procedimento.

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TREATMENT OF SEVERE AND REFRACTORYHOMOZYGOUS FORM OF FAMILIALHYPERCHOLESTEROLEMIA

RAUL D. SANTOS, ANA PAULA MARTE CHACRA

Familial hypercholesterolemia is an autosomal dominant disease that affects onits heterozygous and homozygous forms 1/500 and 1/1,000,000 people respective-ly. However, in families affected by these mutations that reduce the expression of theLDL receptor the prevalence is one in every two people. Both forms of the diseaseare associated with severely increased cholesterol levels, early onset of coronaryartery disease and in the homozygous form disease of the aorta and the aorticvalve. In some cases of heterozygous familial hypercholesterolemia, in addition tothe use of elevated doses of statins associated with cholesterol absorption blockers,alternative treatments like ileal-bypass, apheresis and hepatic transplantation mightbe necessary to control the severely elevated cholesterol levels.

Key words: familial hypercholesterolemia, statins, ezetimibe, apheresis, hepatic trans-plantation.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:553-60)RSCESP (72594)-1579

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 561

XAVIER HTEfeitos pleiotrópicos

das estatinas: um novoantiinflamatório?

INTRODUÇÃO

Os benefícios da terapia hipolipemiante com os ini-bidores da hidroximetilglutaril – coenzima A (HMG-CoA)redutase, as estatinas, estão bem estabelecidos. Fo-ram reconhecidos a partir da demonstração inequívo-ca, em um número expressivo de estudos clínicos, dacapacidade de reduzir os principais desfechos cardio-vasculares: eventos isquêmicos coronários, necessida-de de revascularização do miocárdio, mortalidade car-diovascular e acidente vascular cerebral em todos ossubgrupos, incluindo pacientes com manifestações deaterosclerose, diabéticos, hipertensos, idosos e mulhe-res, e também da mortalidade total em pacientes dealto e muito alto risco cardiovascular.

Esses benefícios, considerados um efeito de clas-se, foram atribuídos, primeiramente, à redução dos ní-veis séricos de LDL-colesterol. A partir das análises de

EFEITOS PLEIOTRÓPICOS DAS ESTATINAS:UM NOVO ANTIINFLAMATÓRIO?

HERMES TOROS XAVIER

Disciplina de Cardiologia – Divisão de Moléstias Cardiovasculares –Faculdade de Ciências Médicas de Santos – UNILUS

Endereço para correspondência: Av. Ana Costa, 374 – cj. 102 – CEP 11060-002 –Santos – SP

A aterosclerose é hoje reconhecida como uma condição mais complexa do quesimplesmente um depósito lipídico na parede arterial. Inflamação e imunidade estãopresentes em todos os estágios evolutivos e são responsáveis pelo agravamento doprocesso aterosclerótico e pela instabilização da placa. O tratamento com estatinaspode reduzir o risco cardiovascular por mecanismos independentes de sua açãohipolipemiante, capazes de modular a composição e a biologia da placa, contribuin-do para sua estabilização. Efeitos dependentes e independentes da redução do LDL-colesterol pelas estatinas parecem ser responsáveis pelas suas funções antiinfla-matórias. Embora reconhecido, o papel dos efeitos pleiotrópicos das estatinas aindanão foi testado adequadamente sobre desfechos clínicos.

Palavras-chave: antiinflamatório, aterosclerose, efeitos pleiotrópicos, estatinas.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:561-6)RSCESP (72594)-1580

subgrupos, que demonstraram menor incidência dedoença cardiovascular em pacientes tratados com es-tatinas comparados aos indivíduos sem tratamento,tendo ambos os mesmos níveis de LDL-colesterol, eque os efeitos do tratamento estavam presentes inde-pendentemente dos níveis basais de LDL-colesterol,mesmo em pacientes com LDL-colesterol < 100 mg/dl,estabeleceu-se a hipótese de que os benefícios do tra-tamento com estatinas na redução do risco cardiovas-cular poderiam não depender exclusivamente de suaação redutora de LDL-colesterol, mas, também, secun-dariamente, a outros efeitos, denominados pleiotrópi-cos, os quais estariam relacionados a ações positivassobre fatores envolvidos na patogênese da doençavascular aterosclerótica, hoje reconhecida como umacondição mais complexa do que simplesmente um de-pósito lipídico na parede arterial.(1-10)

A aterosclerose é interpretada como uma resposta

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XAVIER HTEfeitos pleiotrópicos

das estatinas: um novoantiinflamatório?

defensiva do tecido conec-tivo da parede arterial di-ante de uma agressão per-manente, em que a biolo-gia alterada da paredevascular pela ação dosagentes agressores pro-duz uma resposta tecidu-al caracterizada, funda-mentalmente, por inflama-ção e imunidade, que es-tarão presentes em todos

os estágios evolutivos, desde a gênese até a placavulnerável, sendo responsáveis pelo agravamento doprocesso e pela instabilização da placa ateroscleróti-ca.(11)

Desse entendimento deriva o reconhecimento deque as estatinas podem reduzir o risco cardiovascularpor mecanismos capazes de modular a composição ea biologia das placas ateroscleróticas vasculares, im-pedindo sua progressão e evitando a ruptura e as com-plicações tromboembólicas, contribuindo, assim, paraa estabilização da placa.

Mais recentemente, com a introdução dos marca-dores séricos de inflamação, a mensuração da ativida-de inflamatória sistêmica e vascular tornou-se possí-vel. A demonstração de que indivíduos com níveis per-sistentemente elevados de marcadores como proteínaC-reativa, interleucina 6 (IL-6), amilóide sérico A, mo-lécula de adesão intercelular-1 (ICAM-1), P-selectinaou fosfolipase A2 associada à lipoproteína (Lp-PLA2)apresentam elevado risco cardiovascular tem levanta-do, atualmente, questionamentos importantes sobre opapel destes, não somente como marcadores mascomo potenciais objetivos terapêuticos. Devemos des-tacar que as estatinas têm eficácia comprovada emdiminuir os níveis desses marcadores inflamatórios,independentemente de sua ação hipolipemiante.

Embora reconhecido, o papel dos efeitos pleiotrópi-cos das estatinas ainda não foi testado adequadamen-te sobre desfechos clínicos que possam distingui-losdos efeitos dependentes da ação hipolipemiante. Ain-da permanece incerto, também, o grau de benefíciosderivados exclusivamente da ação hipolipemiante des-ses fármacos.

EFEITOS PLEIOTRÓPICOS DAS ESTATINAS

O mecanismo de ação das estatinas se dá pela ini-bição competitiva da HMG-CoA redutase, enzima cha-ve na biossíntese de colesterol (Fig. 1).

Esse bloqueio da transformação da HMG-CoA emmevalonato interrompe a seqüência biológica de for-mação dos compostos intermediários da síntese docolesterol, os isoprenóides, precursores de diversas

substâncias e responsáveis pela modulação de inúme-ros processos celulares, entre eles: produção e açãobiológica do óxido nítrico endotelial, fenômenos proli-ferativos, quimiotaxia, migração e adesão celular, coa-gulação e fibrinólise, todos intimamente relacionadoscom inflamação e aterosclerose (Fig. 2).(12-14)

Estudos “in vitro” têm demonstrado, de maneira uni-forme, o papel antiinflamatório das estatinas. Quandoda administração desses agentes em culturas de célu-las que participam do processo aterosclerótico, comocélulas endoteliais, células musculares lisas, monóci-tos/macrófagos e linfócitos T, ocorre diminuição das fun-ções celulares pró-inflamatórias implicadas no proces-so aterosclerótico.

As estatinas podem interferir nos processos pró-in-flamatórios de adesão e migração celular por meio dadiminuição dos níveis de expressão e função das pro-teínas mediadoras (Tab. 1).

Existem dados relevantes de que a ação das estati-nas parece depender da menor ativação de algumasproteínas que interferem em várias e importantes viasde sinalização celular, as quais estão implicadas namodulação de processos inflamatórios e relacionadasa genes que condicionam a síntese de citocinas, fato-res de coagulação e maior expressão de óxido nítrico.A redução de mevalonato determina menor ativaçãodas proteínas Ras e Rho, promovendo efeitos antiin-flamatórios, melhor equilíbrio hemostático e recupera-ção da reatividade vascular dependente do endotélio.Têm sido demonstradas outras ações imunomodulató-rias na inflamação, como a mobilização de células-tron-co e a diminuição da resistência à insulina, entre ou-tras.(16)

É preciso ressaltar que a redução do colesterol, “perse”, também modifica favoravelmente os processos bi-ológicos e os mediadores pró-inflamatórios da estabili-dade da placa aterosclerótica (Tab. 2).

Existem sugestivas evidências que suportam a hi-pótese de que as estatinas exerçam propriedades an-tiinflamatórias independentes de sua ação hipolipemi-ante; entretanto, ainda restam algumas incertezas aserem determinadas em estudos futuros. Algumasações antiinflamatórias creditadas às estatinas, comoa redução da expressão de metaloproteinases e pró-coagulantes, bem como a proliferação e a migração decélulas musculares lisas, ocorrem em modelos animaisem resposta a dieta hipogordurosa isolada. As concen-trações de estatina necessárias para produzir efeitosdiretos “in vitro” não são as normalmente utilizadas naclínica. As estatinas hidro e lipofílicas, a despeito deapresentarem efeitos antiinflamatórios distintos, promo-vem, ambas, os mesmos benefícios cardiovasculares.E, por último, a administração de outros agentes an-tiinflamatórios, como os inibidores da COX-2, não apre-sentam benefícios cardiovasculares e o conhecimento

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XAVIER HTEfeitos pleiotrópicos

das estatinas: um novoantiinflamatório?

Figura 2. Compostos isoprenóides intermediários do colesterol e modulação de pro-cessos celulares. (Modificado de Liao (13).)

Figura 1. Biossíntese do colesterol, bloqueio da HMG-CoA redutase.

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XAVIER HTEfeitos pleiotrópicos

das estatinas: um novoantiinflamatório?

pode atenuar a oxidação das lipoproteínas e, portanto,diminuir os estímulos pró-inflamatório e ateroscleróti-co. Por outro lado, as propriedades antiinflamatóriasLDL-independentes incluem uma série de mecanismosdistintos que podem ou não envolver a via HMG-CoAredutase/mevalonato.

Mesmo motivados por um interesse crescente so-bre os efeitos pleiotrópicos das estatinas, sobretudoas ações antiinflamatórias, o foco de nossa atençãopermanece sendo o LDL-colesterol, o fator de risco mo-dificável primordial da aterosclerose, principal objetivoterapêutico no alcance das metas para a redução dorisco cardiovascular.

sobre seus potenciais efei-tos adversos ainda é limi-tado.(15-17)

Em conclusão, e emresposta à questão inicial-mente formulada “As esta-tinas são um novo antiin-flamatório?”, poderíamosresponder: “Sim, mas...”Embora exerçam funçõesantiinflamatórias, ambosos efeitos LDL-dependen-

tes e LDL-independentes parecem ser responsáveis poressas funções. A redução dos níveis de LDL-colesterol

Tabela 2. Efeitos antiinflamatórios da redução do co-lesterol “per se”. (Adaptado de Libby e Aikawa(17).)

Redução do colesterol

↓ Redução do número de macrófagos↑ Maturação das células musculares lisas↑ Colágeno intersticial↓ Expressão das matrizes metaloproteinases↓ Expressão de fator tecidual↓ Expressão de CD40 ligante/CD40↓ Expressão de moléculas de adesão (VCAM-1, MCP-1)↓ Estresse oxidativo

Tabela 1. Ativação de processos pró-inflamatórios e expressão de mediadores após a administração de estati-nas. (Adaptado de Schonbeck e Libby(15).)

Processos Mediadores Tipo celular

↓ Adesão Mac-1, ICAM-1, VCAM-1 Mø e CT para o endotélio; E-selectina e L-selectina sangue periférico

↓ Migração MCP-1, IL-8 CE, CML, Mø e CT RANTES

↓ Proliferação CML e CE CE, CML e Mø↑ Função endotelial eNOS CE

LDL-ox e Endotelina-1↓ Degradação da matriz Metaloproteinases CE e Mø↑ Apoptose Caspase-3/-9 CE, CML e Mø

Prenilação de p21RhoB↓ Trombose FT, VIIa, t-PA, Pq, TxA2 CE, Mø e Pq;

Fib, PAI-1, PGI2 sangue periférico↓ Mediadores inflamatórios CD40/-40L, TNFá, PCR, CE e Mø;

IL-1ß/-6/-12, COX2, SA-A, sangue periférico IFNγ, MHC II PPARγ

↓↓

↓↓

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XAVIER HTEfeitos pleiotrópicos

das estatinas: um novoantiinflamatório?

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PLEIOTROPIC EFFECTS: STATINS ASANTI-INFLAMMATORY AGENTS?

HERMES TOROS XAVIER

In the contemporary view, the atherosclerosis does not result from the passivelipid deposition in the arterial wall. Inflammation and immunity play an active andcomplex role in all stages of atherosclerosis. Statins reduce cardiovascular risk throughmechanisms beyond mere lipid lowering and that action may derive from modulationof the composition and biology of the plaque, leading plaque stabilization. Both lipid-lowering -dependent and -independent functions appear to be responsible by anti-inflammatory effects of statins. Despite suggestive evidence, the role of the pleiotro-pic effects of statins remains controversy. Future studies addressing this issue mustconfront current uncertainties and concerns.

Key words: anti-inflammatory, atherosclerosis, pleiotropics, statins.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:561-6)RSCESP (72594)-1580

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XAVIER HTEfeitos pleiotrópicos

das estatinas: um novoantiinflamatório?

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BERTOLAMI M e col.Segurança na utilização

de fármacoshipolipemiantes

INTRODUÇÃO

Desde o reconhecimento de que as dislipidemiassão importantes fatores de risco para o desenvolvimentoda aterosclerose e de suas complicações, medidas te-rapêuticas voltadas para sua correção têm sido institu-ídas. Envolvem, além de modificações do estilo de vida,a freqüente utilização contínua de medicamentos ca-pazes de melhorar o perfil lipídico de diferentes formas.Estudos clínicos randomizados controlados por place-bo têm demonstrado claramente que esses fármacossão capazes de reduzir o risco cardiovascular em di-versas populações submetidas a variados riscos deaparecimento das manifestações ateroscleróticas. Des-

SEGURANÇA NA UTILIZAÇÃO DE FÁRMACOSHIPOLIPEMIANTES

MARCELO CHIARA BERTOLAMI, ANDRÉ ARPAD FALUDI

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência: Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Ibirapuera –CEP 04012-180 – São Paulo – SP

Os fármacos hipolipemiantes têm sido desenvolvidos amplamente desde o reco-nhecimento do papel das dislipidemias como fatores de risco para aterosclerose esuas complicações. Hoje dispomos de medicamentos potentes e seguros, capazesde isoladamente ou em associação produzir adequação do perfil lipídico da maioriados pacientes às metas terapêuticas recomendadas pelas diretrizes. Apesar disso,os dados internacionais mostram a subutilização desses produtos, particularmentenos pacientes de mais alto risco, que sabidamente apresentariam grandes benefíci-os se pudessem contar com sua prescrição. Uma das causas identificadas para apouca utilização dos hipolipemiantes é o receio dos possíveis efeitos colaterais des-ses fármacos, principalmente quando doses maiores seriam necessárias. Diantedisso, é de extrema importância o conhecimento, por parte dos profissionais desaúde, do perfil de segurança e das possíveis interações desses medicamentosentre si e com outros produtos utilizados freqüentemente na clínica. Esta revisãotraz discussão sobre a segurança do uso dos hipolipemiantes isolados ou em asso-ciação, bem como sobre as possíveis interações importantes na prática diária.

Palavras-chave: toxicidade de drogas, hiperlipidemia, efeitos adversos, interaçãode medicamentos.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:567-73)RSCESP (72594)-1581

sa forma, tem sido recomendado o emprego da medi-cação hipolipemiante com vistas à prevenção cardio-vascular por tempo indeterminado, procurando-se ade-quar as metas terapêuticas a cada situação individualde risco. Além disso, com a evolução do conhecimentoagregado pelos diversos estudos, essas metas têm sidomodificadas ao longo dos anos, tornando-se cada vezmais rigorosas, o que exige mais freqüente utilizaçãode medicamentos para sua obtenção. Diante da ne-cessidade do emprego desses produtos por longosanos, muitas vezes em altas doses e/ou em associa-ções, é muito importante o conhecimento de seu perfilde segurança e de quais os cuidados que devem sertomados para sua prescrição e uso continuado. Esses

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BERTOLAMI M e col.Segurança na utilização

de fármacoshipolipemiantes

aspectos são abordadosneste artigo.

FÁRMACOSHIPOLIPEMIANTES

Os medicamentos em-pregados para o tratamen-to das dislipidemias po-dem ser classificados, demodo simples, naquelesque agem principalmente

sobre o colesterol e naqueles que atuam principalmentesobre os triglicérides. Essa classificação traz, portan-to, a informação de que todos eles podem, além demanifestar sua ação predominante, atuar sobre as ou-tras frações do perfil lipídico, como LDL-colesterol (co-lesterol de lipoproteína de baixa densidade), triglicéri-des e HDL-colesterol (colesterol de lipoproteína de altadensidade). Os que atuam principalmente sobre o co-lesterol são as estatinas, a ezetimiba e as resinas, en-quanto os que atuam preferencialmente sobre os trigli-cérides são os fibratos, o ácido nicotínico (niacina) e oóleo de peixe. As questões envolvendo a segurança eas interações dos diversos medicamentos serão dis-cutidas a seguir, de acordo com seu grupo farmacoló-gico.

MEDICAMENTOS COM AÇÃO PREDOMINANTESOBRE O COLESTEROL

EstatinasSão bem toleradas pela maioria dos pacientes. Vá-

rios são os efeitos colaterais que podem surgir, depen-dendo do uso desses medicamentos: intolerância di-gestiva, cefaléia, distúrbios do sono, alopécia, disfun-ção erétil, alergias de pele, alterações hematológicas,dores articulares e neuropatia periférica, entre outros.A necessidade de suspender uma estatina por causados efeitos colaterais ocorre em média de 2,5% a 3%dos casos, independentemente de qual a estatina em-pregada. Os principais efeitos colaterais dependentesdo emprego desses medicamentos são a miopatia e ahepatopatia. O aumento das transaminases (TGO e/ou TGP) em conseqüência do uso das estatinas ocorreem 0,5% a 2% dos casos e é dose-dependente(1). Osaumentos das enzimas usualmente ocorrem nas pri-meiras 12 semanas de tratamento. Ainda é questioná-vel se o aumento das transaminases dependente doemprego das estatinas representa ou não verdadeirahepatotoxicidade. A chance de ocorrência de hepatiteclínica com o uso das estatinas é inferior a um em ummilhão de casos tratados(1). A progressão para insufici-ência hepática com as estatinas é extremamente rara,se é que ocorre(2). A reversão do aumento das transa-

minases geralmente é observada com a suspensão domedicamento ou com a redução da dose e muitas ve-zes não reaparece com a reintrodução do mesmo pro-duto ou pela seleção de outra estatina(3). É contra-indi-cada a prescrição de uma estatina em paciente comdoença hepática ativa, mas a presença de aumentocrônico das transaminases pode até melhorar em pa-cientes com fígado gorduroso(4). A recomendação é deque se faça a determinação inicial das transaminases(TGO e TGP) antes de se iniciar o medicamento e pos-teriormente que se faça seu controle (a mais sensívelé a TGP) a cada vez que se determina o perfil lipídico,principalmente se ocorrer aumento de dose(5). Reco-menda-se que se houver aumento das transaminasesacima de três vezes o limite superior da normalidade,o tratamento deva ser suspenso ou pelo menos a dosereduzida(5). O aumento das transaminases antes de seiniciar o tratamento com estatina não é consideradocontra-indicação para seu uso; entretanto, elas devemser prescritas com cuidado nos casos em que há indi-cação. Pacientes com cirrose avançada apresentamaumento de dez a vinte vezes dos níveis séricos deestatinas. Entretanto, os pacientes portadores de cir-rose tipicamente têm baixos níveis de colesterolemia enão requerem agentes hipolipemiantes(6).

A miopatia é o efeito colateral potencialmente maisperigoso das estatinas. O termo se refere a qualquerdoença dos músculos, que pode ser adquirida ou her-dada e que pode se manifestar ao nascimento ou du-rante a vida. Ocorre em cerca de 5% dos pacientestratados, o que não é diferente das taxas observadasnos grupos que empregaram placebo. Engloba diver-sas condições(1):- Mialgia: é a dor com ou sem fraqueza muscular, não

acompanhada do aumento da enzima muscular(CK).

- Miosite: refere-se aos sintomas musculares com au-mento da CK. Entretanto, há possibilidade da ocor-rência de aumento da CK, potencialmente perigo-so, absolutamente sem qualquer sintoma muscular.Em conseqüência, é recomendada a monitorizaçãoda CK durante o tratamento com as estatinas.

- Rabdomiólise: define os sintomas musculares acom-panhados de aumento importante da CK (em geralacima de dez vezes o limite superior da normalida-de), leva ao aumento da creatinina com disfunçãorenal, urina escura e mioglobinúria. É potencialmentefatal, aparecendo a cada 100 mil prescrições deestatina. Uma pessoa em um milhão das que rece-bem estatina irá falecer em conseqüência da rab-domiólise(7). Os casos de rabdomiólise relatados emgeral ocorreram em pacientes que empregavam umaestatina associada a um ou mais medicamentos, oque seguramente contribuiu para a ocorrência doproblema. A retirada da cerivastatina do mercado

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de fármacoshipolipemiantes

internacional em 2001,pela constatação de queela era responsável poroitenta vezes mais casosde miólise que os relata-dos para as outras estati-nas, trouxe preocupaçãoentre médicos, pacientes eautoridades de saúde. En-tretanto, a prescrição cui-dadosa das estatinas, me-dicamentos muito úteis na

prevenção cardiovascular, não perdeu espaço.Alguns pacientes assintomáticos poderão apresen-

tar aumentos da CK entre três e dez vezes o limite su-perior da normalidade, o que exige monitorização se-manal dos níveis da CK. Se esses níveis ultrapassa-rem dez vezes o limite superior da normalidade, o me-dicamento deverá ser suspenso até que haja normali-zação dos níveis. Entretanto, mesmo que os níveis nãoatinjam dez vezes o limite superior da normalidade, semostrarem aumento significativo em cada dosagem nãohá necessidade de esperar que aumentem mais e omedicamento deve ser suspenso até a normalizaçãodos níveis. Posteriormente, outro medicamento podeser testado ou até o mesmo em doses menores. Temsido sugerida para os casos em que a estatina não étolerada, por mialgia, mas a CK é nada ou pouco alte-rada, a prescrição da coenzima Q10, na tentativa dese conseguir manter a estatina. Entretanto, essa reco-mendação não é de consenso.

Algumas situações sabidamente são fatores de ris-co para a miopatia induzida pelas estatinas: interaçõesmedicamentosas (polimedicados), altas doses das es-tatinas, idade avançada, sexo feminino, pequena es-trutura corporal, distúrbios eletrolíticos, insuficiênciarenal, diabetes melito, insuficiência hepática, doençashepatobiliares obstrutivas, hipotireoidismo, períodoperioperatório, estatinas lipofílicas.

É importante salientar que as estatinas têm sua ex-creção predominante pelo fígado e vias biliares. Entre-tanto, a pravastatina é a única delas que apresenta ex-creção quase que exclusivamente renal. Diante disso,ou não deve ser empregada ou, se o for, sua prescri-ção deve ser feita com muito cuidado em pacientes por-tadores de disfunção renal.

EzetimibaÉ medicamento muito bem tolerado, raramente le-

vando a queixas gastrointestinais. Raros casos de mi-algia e rabdomiólise foram descritos, mas sempre emassociação com estatinas. Não parece produzir danoshepáticos, uma vez que o aumento das enzimas hepá-ticas com esse produto é semelhante ao observadocom o placebo(8). Recomenda-se que ela não seja utili-

zada em casos de dislipidemia com doença hepáticaaguda. Em associação com as estatinas, é bem tolera-da, não aumentando a chance de aparecimento dasalterações das transaminases, que ocorrem em nomáximo 2% dos casos(9, 10).

ResinasComo não são absorvidas pelo trato gastrointesti-

nal, não têm ação sistêmica. Portanto, os efeitos cola-terais comuns decorrentes do uso das resinas (no Bra-sil somente dispomos da colestiramina) são relaciona-dos ao aparelho digestivo. Freqüentemente aparecemobstipação intestinal, plenitude gástrica e aumento dometeorismo, razão pela qual a tolerabilidade em adul-tos e idosos é muito ruim. Em alguns pacientes podeocorrer aumento importante da trigliceridemia, chegan-do ao risco do aparecimento da pancreatite aguda.Nesses casos, a resina deverá ser suspensa ou, dian-te da impossibilidade de tal ação, deverá ser iniciadomedicamento para reduzir os níveis de triglicérides. Acolestiramina pode influir na absorção das vitaminaslipossolúveis, o que leva à necessidade de monitoriza-ção dos níveis do INR quando o paciente usa anticoa-gulantes orais. Em crianças é recomendada a reposi-ção de vitaminas A e D durante o emprego prolongadoda colestiramina.

O emprego das resinas raramente produz agres-são hepática(11), diante do que não é necessário o con-trole periódico das enzimas hepáticas durante o trata-mento com esses produtos.

Em alguns pacientes, a utilização da colestiraminapode levar ao aumento da trigliceridemia, o que podeinduzir excepcionalmente o aparecimento de episódi-os de pancreatite aguda. Assim, quando houver aumen-to dos triglicérides sob ação da colestiramina, ela de-verá ser suspensa ou, se isso não for possível, deveráser adicionado outro produto capaz de levar à reduçãodos triglicérides (como um fibrato ou a niacina).

MEDICAMENTOS COM AÇÃO PREDOMINANTESOBRE OS TRIGLICÉRIDES

FibratosOs efeitos colaterais observados com o emprego

dos fibratos não são freqüentes, sendo os mais comunsos gastrointestinais. Podem ocorrer cefaléia, mialgia,perturbação do sono, alopécia, prurido, erupção cutâ-nea, diminuição da libido e disfunção erétil, e, muitoraramente, leucopenia. O mais preocupante deles é amiopatia, sendo recomendada a monitorização da CKe os cuidados para eventual suspensão do medicamen-to semelhantes aos preconizados com as estatinas(12).A hepatotoxicidade com os fibratos ocorre mais rara-mente que com as estatinas, e o controle das enzimashepáticas não é consenso. Desde a época em que o

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BERTOLAMI M e col.Segurança na utilização

de fármacoshipolipemiantes

clofibrato era o único me-dicamento disponível des-se grupo, sabe-se que osfibratos aumentam o con-teúdo de colesterol da bile,levando a maior litogenici-dade. O uso dos fibratospode, em alguns pacientes(cerca de um terço dos tra-tados com esses medica-mentos), produzir, parale-lamente à redução dos tri-

glicérides e aumento do HDL-colesterol, aumento doLDL-colesterol. O aparecimento desse efeito poderálevar à necessidade da suspensão do medicamento ouda associação com um medicamento capaz de reduziro LDL-colesterol (estatina, ezetimiba ou resina).

Os fibratos sofrem excreção principalmente pelosrins, de forma que seu emprego em pacientes com fun-ção renal prejudicada deve ser feito com muito cuida-do. Além de poderem ter maior toxicidade nos pacien-tes portadores de insuficiência renal (principalmentepela miopatia), podem ser, também, nefrotóxicos, le-vando à piora da função renal.

NiacinaAs apresentações da niacina, ou ácido nicotínico,

têm evoluído ao longo do tempo, de acordo com asnecessidades e com os efeitos colaterais apresenta-dos. Assim, inicialmente era empregada a niacina deação rápida, cujo principal efeito colateral, que pratica-mente inviabilizava seu emprego, era o “flush” cutâneo,que aparecia minutos após a ingestão do medicamen-to. Posteriormente foi desenvolvida a niacina de açãoprolongada, com a qual se obteve melhora do efeito“flush”, mas a possibilidade de alterações hepáticasinduzidas por essa formulação chegava a 50% doscasos. Finalmente podemos contar com a niacina deação intermediária, que apresenta boa redução dachance de aparecimento do “flush” e também com pou-ca probabilidade de levar a alterações hepáticas. É re-comendada a determinação das transaminases antese durante o tratamento com a niacina. Além dessesefeitos possíveis de aparecer com o tratamento com aniacina, podem surgir, também, aumentos do ácido úri-co (com desencadeamento de crises de gota) e da gli-cemia, embora com menor probabilidade com a formade ação intermediária. Pode ocorrer miopatia, caracte-rizada por mialgia acompanhada ou não de elevaçãoda CK; entretanto, a incidência é muito baixa, por issonão é necessária a monitorização da enzima musculardurante o tratamento com niacina(13). A literatura refereque o emprego de aspirina 500 mg cerca de meia horaantes da tomada da niacina pode levar à diminuição doaparecimento do “flush”, por diminuir a liberação de

prostaciclina, envolvida com a gênese desse fenôme-no. Entretanto, em nossa experiência, são poucos ospacientes que se beneficiam desse tratamento. Maisraramente, o tratamento com a niacina pode levar apele seca e “acanthosis nigricans”, hipotensão postu-ral, síncope e arritmias atriais.

Óleo de peixeO óleo de peixe, rico nos ácidos graxos do tipo ôme-

ga-3, eicosapentaenóico e docosa-hexaenóico, temsido recomendado para o tratamento das hipertriglice-ridemias. Entretanto, seu efeito é discreto e muito piorque o observado com os fibratos ou a niacina. Podeser prescrito nos casos em que esses medicamentosnão são tolerados ou não funcionam de forma adequa-da, isoladamente ou em associação. As doses requeri-das são altas, em geral superiores a 3 gramas por dia,o que leva a efeitos gastrointestinais insuportáveis paramuitos pacientes. Muitos se queixam, também, de quepassam a exalar odor de peixe com doses altas domedicamento. Os óleos de peixe disponíveis no mer-cado brasileiro são ricos em colesterol, uma vez quederivam de produto de origem animal e não são purifi-cados. Dessa forma, em alguns pacientes, altas dosesdesses produtos podem levar ao aumento do LDL-co-lesterol, exigindo ou suspensão do uso ou adição deoutros medicamentos.

INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS

As indicações e conseqüentes prescrições dos me-dicamentos hipolipemiantes têm sido cada vez maio-res. Eles são empregados por pacientes que podemter necessidade da utilização de numerosos outros me-dicamentos, para as mais diversas finalidades. A asso-ciação de um ou mais desses produtos entre si e comoutros pode ter conseqüências importantes, uma vezque a interação entre eles pode levar à diminuição ouao aumento dos efeitos terapêuticos, bem como dospossíveis efeitos colaterais. Desse modo, é muito im-portante o conhecimento de quais as possíveis intera-ções dos hipolipemiantes entre si e desses fármacoscom outros do mercado.

As estatinas têm como principal via de metaboliza-ção o citocromo P-450 (CYP450), particularmente o3A4. Essa é também a via de metabolização da maio-ria dos medicamentos empregados na prática clínica.Conseqüentemente torna-se muito importante saberquais as possíveis interações entre os medicamentosdecorrentes dessa via metabólica. Observe-se que afluvastatina usa o CYP450 2C9, enquanto a rosuvas-tatina utiliza o 2C9 e o 2C19, citocromos pelos quaismenor número de medicamentos é metabolizado e,portanto, teoricamente há menos chance de apareci-mento de interações.

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BERTOLAMI M e col.Segurança na utilização

de fármacoshipolipemiantes

INTERAÇÕESMEDICAMENTOSASENVOLVENDO ASENZIMAS DOCITOCROMO P-450 3A4(CYP450 3A4)

É importante lembrarque ocorre interação clini-camente significativa entreos fibratos e as estatinas.Embora essa associação

tenha esse potencial de interação, não é contra-indica-da formalmente, de modo que pode ser empregada comcuidado. O tipo de interferência não decorre do CYP4503A4, mas de outro processo de metabolismo das esta-tinas, a glucoronidação, que é inibido pelos fibratos.Particularmente a associação do genfibrozil com qual-quer estatina tem sido contra-indicada, pois esse fibra-to mostrou-se o mais problemático diante da associa-ção com a cerivastatina e com qualquer outra estatina.Tem sido verificado, na prática, que a associação dasestatinas com os fibratos aumenta a chance de hepa-totoxicidade para 3,2%(14).

Além disso, a associação da estatina com o ácido

Tabela 1. Exemplos de substratos do CYP450 3A4.

Atorvastatina Lovastatina Sinvastatina AnlodipinaPrednisona Diazepam Sildenafil CisapridaLidocaína Alprazolan Carbamazepina PropafenonaCilostazol Amiodarona Pioglitazona QuinidinaVerapamil Nifedipina

Tabela 2. Inibidores clinicamente significantes do CYP450 3A4.

Claritromicina Eritromicina Diltiazem Verapamil AmiodaronaCetoconazol Itraconazol Fluconazol Ciclosporina Suco de

“grapefruit”Cimetidina Ciprofloxacina Norfloxacina Norfluoxetina Ritonavir e outros

antivirais

nicotínico, apesar de não contra-indicada, também deveser realizada com cuidado.

A interação medicamentosa pode se fazer por ou-tros mecanismos além da via citocromo P-450; assim,é importante salientar que em qualquer associação me-dicamentosa deve ser lembrada a possibilidade de in-teração.

CONCLUSÃO

Os medicamentos hipolipemiantes disponíveis atu-almente representam grande avanço na área da pre-venção cardiovascular. Entretanto, apresentam, comotoda medicação, possíveis efeitos indesejáveis, algunsdeles sendo até potencialmente graves. Felizmente, es-ses efeitos colaterais não são freqüentes, o que permi-te que a prescrição da medicação hipolipemiante pos-sa ser feita com base na busca das metas lipídicas pro-postas pelas diretrizes, empregando-se as doses ne-cessárias e suficientes para tal, eventualmente comassociação de produtos. Outra informação importanteé que a associação dos hipolipemiantes entre si e comoutros medicamentos é capaz de produzir interações,que devem ser reconhecidas pelo médico assistentepara melhor proteção auferida aos pacientes.

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BERTOLAMI M e col.Segurança na utilização

de fármacoshipolipemiantes

SAFETY OF THE USE OF HYPOLIPIDEMIC DRUGS

MARCELO CHIARA BERTOLAMI, ANDRÉ ARPAD FALUDI

Since the recognition of the role of dyslipidemias as risk factors for atherosclero-sis and its complications, the development of drugs for their treatment has beennotorius. Nowadays we have potent and safe medications capable, alone or in com-bination, to lead to the adequation of the lipid profile of the majority of patients to thetherapeutical targets recommended by the guidelines. In spite of this, internationaldata show under-utilization of these products, particularly for high risk patients whowould have great benefits with their use. One of the identified causes for the littleutilization of hypolipidemic drugs is the fear of possible adverse effects of theseproducts mainly when high dosis would be necessary. Hereafter it is of extremeimportance the knowledge, by health professionals, of the safety profile and thepossible interactions of these medication between them and with other productsroutinely used. This review brings up the discussion about safety of the use of hypo-lipidemic drugs alone or in association, as well as possible interactions important fordaily practice.

Key words: drug toxicity, hyperlipidemia, adverse effects, drug interaction.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:567-73)RSCESP (72594)-1581

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BERTOLAMI M e col.Segurança na utilização

de fármacoshipolipemiantes

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FALUDI AA e col.Estratégia no seguimento

a longo prazo depacientes dislipêmicos

sob tratamentofarmacológico

INTRODUÇÃO

A doença arterial coronária é a principal causa demorte no mundo Ocidental. Segundo dados da Organi-zação Mundial da Saúde (OMS), estima-se que apro-ximadamente 16 milhões de adultos morrem por anovítimas das doenças cardiovasculares e 32 milhões deadultos por ano são acometidos por infarto do miocár-dio(1). Numerosos são os fatores de risco que atuam deforma direta na elevada prevalência dessa doença.Nesse contexto, as hiperlipidemias desempenham pa-pel importante na gênese da doença aterosclerótica.Estudos epidemiológicos, experimentais e clínicos de-monstram claramente essa associação, ou seja, quan-to maior as concentrações de colesterol total e de co-lesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-co-lesterol) maior é a incidência de doença arterial coro-nária(2). Além disso, os estudos de intervenção, por meio

ESTRATÉGIA NO SEGUIMENTO A LONGO PRAZODE PACIENTES DISLIPÊMICOS SOBTRATAMENTO FARMACOLÓGICO

ANDRÉ ARPAD FALUDI, MARCELO CHIARA BERTOLAMI

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência: Rua dos Otonis, 162 – Vila Clementino –CEP – 04025-000 – São Paulo – SP

A maior parte dos pacientes hiperlipidêmicos necessita, para controle adequadoe obtenção das metas terapêuticas, além de modificações do estilo de vida, associ-ação de terapia farmacológica. Neste artigo é discutida a melhor forma de acompa-nhar o paciente que faz uso de medicamentos hipolipemiantes, no que diz respeitoà obtenção das metas terapêuticas e dos efeitos adversos dos vários fármacos. Édiscutido, também, o controle adequado dos exames relacionados ao perfil de segu-rança, objetivando, sempre, fornecer ao paciente o máximo de segurança no trata-mento, extraindo todos os possíveis benefícios do agente farmacológico em ques-tão e reduzindo, por outro lado, seus potenciais riscos.

Palavras-chave: hiperlipidemia, agentes hipolipêmicos, efeitos adversos.

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de medidas tanto higieno-dietéticas como medicamen-tosas, evidenciam de forma inquestionável os benefí-cios da redução da colesterolemia sobre os eventoscardiovasculares, tanto na prevenção primária como naprevenção secundária da doença aterosclerótica.

Uma vez realizado o diagnóstico da dislipidemia eafastada uma possível causa secundária em sua gê-nese, o primeiro passo no tratamento consiste em de-finir a meta lipídica a ser alcançada para se obter omáximo possível de benefícios na redução dos even-tos cardiovasculares. Essas metas preconizadas, con-forme o NCEP ATP III(3) e a III Diretrizes Brasileirassobre as Dislipidemias e Diretriz de Prevenção da Ate-rosclerose do Departamento de Aterosclerose da So-ciedade Brasileira de Cardiologia(4), são obtidas pormeio do cálculo do risco pela tabela de Framingham.Assim, as metas dependem do risco cardiovascular dopaciente. Quanto maior o risco menor será a meta a

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FALUDI AA e col.Estratégia no seguimento

a longo prazo depacientes dislipêmicos

sob tratamentofarmacológico

ser atingida e mantida evice-versa (Tab. 1).

Recentemente, após aanálise dos estudosPROSPER(5), HPS(6),ALHAT(7), ASCOT(8) ePROVE-IT(9), foi publicadoum documento adicionalao NCEP-ATP III, no qualse estabeleceu novo pata-

mar de redução do LDL-colesterol, menor que 70 mg/dl. Estariam nessas metas terapêuticas indivíduos comrisco muito elevado de doença arterial coronária (paci-entes com síndrome isquêmica aguda, pacientes por-tadores de doença arterial coronária associada a fato-res de risco importantes, entre os quais diabetes, into-lerância à glicose, tabagismo e síndrome metabólica)(10).São considerados ideais os valores de triglicérides abai-xo de 150 mg/dl e de colesterol de lipoproteína de alta-densidade (HDL-colesterol) superiores a 40 mg/dl nohomem e a 50 mg/dl na mulher.

Estabelecida qual a meta de LDL-colesterol que de-vemos atingir, iniciamos a terapia hipolipemiante. Estapode inicialmente ser realizada por meio de modifica-ções do estilo de vida isoladamente (dieta, atividadefísica, cessação do vício de fumar); caso essas medi-das não produzam os benefícios esperados sobre operfil lipídico, deve-se então associar terapia medica-mentosa. Entretanto, não raramente, dependendo dagravidade da dislipidemia, principalmente as de etiolo-gia genética, podemos optar pelo início do tratamentocom a associação de modificações do estilo de vida etratamento farmacológico. É importante salientar que,uma vez iniciada a terapia farmacológica, esta deveser mantida de forma indefinida, exceto quando hou-ver motivo para sua interrupção.

O seguimento do paciente portador de dislipidemiaem tratamento farmacológico é realizado com periodi-

Tabela 1. Metas de colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol) a serem atingidas no trata-mento das dislipidemias.

Risco Categoria de pacientes Meta de LDL-colesterol

Alto risco Portadores de aterosclerose < 100 mg/dlDiabetes melitoRisco de DAC > 20%

Risco moderado Risco de DAC entre 10% e 20% < 130 mg/dlBaixo risco Risco de DAC < 10% < 160 mg/dl

DAC = doença arterial coronária.

cidade variável, em que se analisam, além da obten-ção e/ou manutenção das metas terapêuticas estabe-lecidas pelas diretrizes, a presença de possíveis sinto-mas decorrentes da terapia hipolipemiante, bem comoos exames laboratoriais de segurança.

A periodicidade da avaliação clínico-laboratorial dospacientes dislipidêmicos varia de caso a caso. Depen-de da obtenção das metas terapêuticas, da presençade sintomas, da adesão ao tratamento, da classe dehipolipemiante prescrita e do eventual uso da associa-

ção de fármacos hipolipemiantes, que sabidamentepode aumentar a ocorrência de eventos adversos clíni-cos e/ou laboratoriais. Assim, dependendo da situação,como as expostas anteriormente, as visitas podem terfreqüência mensal, bimestral e, como na nossa Insti-tuição, no máximo semestral.

SEGUIMENTO DOS PACIENTES EM USO DEESTATINAS

As estatinas são medicamentos seguros, bem tole-rados e raramente induzem a ocorrência de eventoscolaterais. Os mais freqüentes são cefaléia, sintomasdigestivos (diarréia, obstipação, flatulência, dispepsia),exantema cutâneo, prurido e mialgia. Além da monito-rização clínica, os pacientes devem ser monitoradossob o aspecto laboratorial. Assim, é imprescindível arealização de exames de segurança de hepatotoxici-dade, as aminotransferases (ALT e AST), e de toxici-dade muscular, a creatinofosfoquinase (CPK). Consti-tuem critérios de interrupção do tratamento com asestatinas a presença de sintomas desconfortáveis, prin-cipalmente a mialgia, descrita em 1% a 7% dos ca-sos(11), mesmo sem elevação da CPK. Laboratorialmen-te, são critérios para interrupção do tratamento eleva-ção de ALT e/ou AST três vezes acima do limite supe-rior da normalidade e CPK dez vezes acima do limitesuperior da normalidade. As enzimas hepáticas e mus-

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FALUDI AA e col.Estratégia no seguimento

a longo prazo depacientes dislipêmicos

sob tratamentofarmacológico

culares devem ser monito-radas antes de iniciar o tra-tamento, após trinta dias,três meses e, posterior-mente, a cada seis mesesde tratamento ou quandohouver indicação do pon-to de vista clínico. É impor-tante ressaltar que a mo-nitorização deve ser reali-zada com mais brevidadee freqüência sempre que

se utilizam doses elevadas da estatina, quando se au-menta a dose do medicamento e quando se associamoutros medicamentos hipolipemiantes como fibratos eácido nicotínico, que sabidamente aumentam o riscode eventos adversos. Às vezes pode ocorrer elevaçãoda enzima muscular após realização de exercícios físi-cos em indivíduos que utilizam estatina. Nesses ca-sos, a elevação da CPK pode ser conseqüente ao es-forço muscular realizado e não decorrente do uso daestatina. Assim, é sempre importante pesquisar a prá-tica de atividade física nos dias que precederam a co-leta do exame. Quanto às aminotransferases, tem sidodescrita elevação em indivíduos após excesso alcoóli-co, principalmente nos dias que precederam a realiza-ção do exame laboratorial.

Com a utilização das estatinas, tem sido descritaproteinúria discreta, transitória e reversível, não sen-do, portanto, preditiva de doença renal aguda e pro-gressiva(12).

É importante ressaltar que o maior porcentual deredução do LDL-colesterol ocorre com as doses inici-ais de estatinas, e cada vez que a dose é dobrada ocor-re apenas aumento adicional médio de 6% na reduçãodo LDL-colesterol. Os eventos adversos com as estati-nas, apesar de infreqüentes, exibem correlação bemdefinida e dose-dependente. Assim, para adequarmoso perfil de risco/benefício com as estatinas, é sempreprudente iniciar a terapia com doses baixas, muitasvezes eficazes e seguras, e aumentar progressivamenteaté a obtenção das metas recomendadas para cadacaso, minimizando ao máximo o potencial de eventosadversos.

SEGUIMENTO DOS PACIENTES EM USO DEFIBRATOS

Os fibratos, medicamentos que atuam de forma pre-dominante sobre os triglicérides, são fármacos bem to-lerados. Raramente são descritos efeitos adversos;quando presentes, os mais freqüentes são sintomasdigestivos (dores abdominais, diarréia, meteorismo,náuseas), tonturas, cefaléia, prurido, urticária, mialgiae aumento da incidência de litíase biliar(13). Do ponto

de vista laboratorial, raramente podem ocasionar ele-vação de ALT e AST, como também da CPK. Da mes-ma forma que para as estatinas, constituem critériospara a interrupção do medicamento elevações de ALTe AST três vezes acima do limite superior da normali-dade e da CPK dez vezes acima do limite superior danormalidade. São contra-indicados na insuficiênciahepática grave. Alterações leves de função hepáticarequerem cautela em sua utilização. Na prática diária,freqüentemente nos deparamos com portadores de hi-pertrigliceridemia importante, com elevação das tran-saminases séricas decorrente da presença de estea-tose hepática à ultra-sonografia abdominal (infiltraçãogordurosa do fígado). Nessas situações, o uso de fi-bratos, com monitorização cuidadosa da função hepá-tica, freqüentemente normaliza as concentrações detriglicérides como também das transaminases.

Fato que requer atenção especial é a função renal,pois essa classe de medicamentos é excretada pelosrins. Assim, devem ser utilizados com muito cuidadonos indivíduos que apresentam insuficiência renal.Nesses casos, quando indicado, os fibratos devem serutilizados em doses menores que as habitualmente em-pregadas.

SEGUIMENTO DOS PACIENTES EM USO DEÁCIDO NICOTÍNICO

Apesar de constituir uma classe terapêutica alta-mente eficaz no tratamento das hipertrigliceridemias ede pacientes com concentrações baixas de HDL-co-lesterol, sua utilização é limitada pelos efeitos colate-rais, que são muito freqüentes. Ocorre, portanto, altaprevalência de interrupção do tratamento, em até 50%dos casos. Dentre os eventos adversos, os mais fre-qüentes são calor, rubor, alterações digestivas (dorabdominal, náuseas, diarréia e dispepsia, e, às vezes,reativação de úlcera péptica) e prurido(14). Além disso,são descritas, com a utilização desses medicamentos,elevações da glicemia e do ácido úrico(15). Vale ressal-tar que grande parte dos pacientes hipertrigliceridêmi-cos com ou sem HDL-colesterol baixo, que têm indica-ção para usar essa classe de medicamentos, é porta-dora de diabetes, situação que deve ser analisada comcuidado, embora a hiperglicemia não seja contra-indi-cação para a prescrição da niacina. O aumento da gli-cemia ocorre menos freqüentemente com a forma deliberação intermediária; quando presente, é mais dis-creta e geralmente de caráter transitório. A niacina podeaumentar as transaminases, na maioria das vezes deforma discreta e transitória, sendo, portanto, contra-in-dicação absoluta a presença de doença hepática crô-nica. São raramente descritas elevações da CPK, comou sem queixa de dor muscular, sendo esta mais fre-qüente quando se usa o ácido nicotínico associado às

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FALUDI AA e col.Estratégia no seguimento

a longo prazo depacientes dislipêmicos

sob tratamentofarmacológico

estatinas. Comumente sãotransitórias, retornandoaos valores pré-tratamen-to com a suspensão domedicamento.

A niacina de liberaçãoimediata tem como princi-pais efeitos colaterais ocalor e o rubor decorren-tes da liberação de pros-taglandinas durante suametabolização; portanto,

podem ser reduzidos com a administração de aspirina30 a 60 minutos antes da tomada do ácido nicotínico.Além disso, a apresentação de liberação intermediáriatambém reduz esse evento adverso desconfortável.

Assim, é importante monitorar as enzimas hepáti-cas e musculares, a glicose e o ácido úrico em todosos pacientes que utilizam essa classe de medicamen-tos antes do início e um, três e seis meses após suaintrodução ou aumento de dose.

SEGUIMENTO DOS PACIENTES EM USO DEEZETIMIBA

A ezetimiba é um fármaco que inibe a absorção decolesterol biliar e proveniente da dieta, sem alterar aabsorção de gorduras, triglicérides e vitaminas lipos-solúveis. Apresenta, quando utilizado como monotera-pia, efeito hipolipemiante moderado (redução do LDL-colesterol em média de 18%), sendo geralmente utili-zado em associação às estatinas, produzindo efeitoadicional importante na redução do colesterol total edo LDL-colesterol. A ezetimiba não é metabolizada nocitocromo P-450, não apresentando, portanto, intera-ção com outros medicamentos. Os eventos adversosda ezetimiba são similares aos do placebo(16). Os even-tos mais freqüentemente relatados são dor abdominal,fadiga e diarréia. Elevações assintomáticas das enzi-mas hepáticas podem ocorrer. Entretanto, elevaçõesde ALT e AST acima de três vezes o limite superior danormalidade ocorrem raramente e de forma similar aoplacebo (0,5% vs. 0,3%). São geralmente assintomáti-cas, não associadas a colestase, e retornam aos valo-res normais após descontinuação do tratamento.

Pelo fato de a ezetimiba ser utilizada quase sempreassociada com as estatinas e, às vezes, com fibratos,

a monitorização desses pacientes segue os mesmosprincípios já descritos com esses fármacos.

Na prática clínica, a ezetimiba é indicada na mono-terapia da hipercolesterolemia para pacientes que re-querem reduções moderadas de LDL-colesterol ouquando existe intolerância ao uso de estatinas. Alémdisso, indicamos freqüentemente na terapia combina-da, principalmente naqueles pacientes que não tole-ram doses elevadas de estatina, ou quando, apesar dadose máxima de estatina, necessitamos reduções ain-da maiores das concentrações de LDL-colesterol.

SEGUIMENTO DOS PACIENTES EM USO DERESINAS

Representadas pela colestiramina (a única existen-te no mercado brasileiro), pelo colestipol e pelo cole-selevam, são resinas na forma de cloreto insolúvel, nãoabsorvidas no trato gastrointestinal, não possuindo,portanto, efeito sistêmico.

Quanto a seus efeitos colaterais, são freqüentes econstituem causa habitual para interrupção do trata-mento. Entre eles, os mais freqüentemente relatadossão os efeitos sobre o aparelho digestivo. Nesse as-pecto, os mais comuns e desconfortáveis são a obsti-pação intestinal, o empachamento, as náuseas e o me-teorismo. Além disso, diminuem a absorção de vitami-nas lipossolúveis (A, D e K) bem como de ácido fólico,muitas vezes sendo necessária sua reposição, princi-palmente em crianças e idosos.

Alteram a absorção de numerosos medicamentos,entre os quais digoxina, tiroxina, tiazidas e warfarina,sendo, portanto, recomendável a administração des-ses fármacos após três a quatro horas do uso da resi-na ou uma hora antes.

Como efeito bioquímico indesejável, podem causarelevações dos níveis de triglicérides, devendo, portan-to, ser usadas com cautela em pacientes portadoresde hipertrigliceridemia, uma vez que podem aumentaro risco de pancreatite aguda. Raramente produzem al-terações da fosfatase alcalina e das transaminases.

Assim, apesar de a utilização clínica das resinasatualmente ser muito limitada, os pacientes que delasnecessitam devem ser avaliados periodicamente quantoaos eventos colaterais mais comuns, como tambémquanto ao perfil de segurança hepático e da trigliceri-demia.

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LONG TERM FOLLOW-UP STRATEGY FOR PATIENTSUSING HYPOLIPIDEMIC DRUGS

ANDRÉ ARPAD FALUDI, MARCELO CHIARA BERTOLAMI

The vast majority of hyperlipidemic patients need, for adequate control and the-rapeutic targets attainment, association of pharmacological therapy beyond lifestylemodifications. This article discusses the better way of following the patient that useshypolipidemic drugs, in relation to the obtainment of the therapeutic targets and tothe many medications side effects. It also discusses the adequate control of thesecurity profile of related exams, always seeking for the patient’s maximal security ofthe treatment, extracting all possible benefits of the pharmacological agent and re-ducing its potential risks.

Key words: hyperlipidemia, antilipemic agents, adverse effects.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:574-9)RSCESP (72594)-1582

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580 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005

IZAR MCO e cols.Perspectivas futuras

INTRODUÇÃO

A principal razão para que o foco de diretrizes nomanuseio dos lípides plasmáticos seja a redução dosníveis circulantes da lipoproteína de baixa densida-de (LDL-colesterol) relaciona-se à disponibilidade de

PERSPECTIVAS FUTURAS

MARIA CRISTINA DE OLIVEIRA IZAR, ANDREZA OLIVEIRA SANTOS,FRANCISCO ANTONIO HELFENSTEIN FONSECA

Setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular – Disciplina de Cardiologia –Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP-EPM

Endereço para correspondência: Rua Pedro de Toledo, 458 – Vila Clementino –CEP 04039-001 – São Paulo – SP

A terapêutica das dislipidemias tem se voltado para a redução dos níveis de LDL-colesterol, por inibir a síntese endógena do colesterol ou por bloquear sua absorção,conseguindo-se, assim, maior alcance de metas, com fármacos cada vez mais po-tentes, especialmente quando usados em associação. Fibratos e ácido nicotínico,agindo preferencialmente sobre os triglicérides, promovem maiores aumentos deHDL-colesterol e, associados às vastatinas, auxiliam na otimização do perfil lipídico.Apesar do grande impacto epidemiológico do HDL-colesterol no risco cardiovascu-lar, estratégias específicas para atuar sobre o HDL não eram disponíveis até o mo-mento. O torcetrapib, um inibidor da proteína de transferência de ésteres de coleste-rol, promove grandes elevações de HDL-colesterol especialmente em combinaçãocom as estatinas. Terapias biológicas surgem como novas possibilidades e envol-vem o uso de proteínas, DNA, anticorpos ou outras substâncias derivadas ou sinte-tizadas a partir de tecidos vivos com propósitos terapêuticos. O maior avanço emestudos clínicos se deu com a utilização de apolipoproteínas-miméticas, como aapolipoproteína AI Milano, uma variante recombinante da apo AI. Infusões da apo AIMilano reduziram o desenvolvimento da aterosclerose em modelos animais e emhumanos. Outras estratégias, como a auto-imunização, formando anticorpos queneutralizam a proteína de transferência de ésteres de colesterol também estão sen-do estudadas em ensaios clínicos. Terapia gênica para elevar os níveis de HDL-colesterol pela superexpressão de lecitina:colesterol-aciltransferase encontra-se emperspectiva, mas sua habilidade em prolongar a expressão gênica com segurançairá requerer o desenvolvimento de vetores adequados.

Palavras-chave: lipoproteína de alta densidade, aterosclerose, proteína de transfe-rência de ésteres de colesterol, lecitina:colesterol-aciltransferase, apolipoproteínaAI.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:580-8)RSCESP (72594)-1583

potentes fármacos hipolipemiantes, como as estati-nas, que são agentes ideais para uso a longo prazoe provaram-se efetivos em grandes ensaios clínicosrandomizados, com reduções do risco relativo da or-dem de 25% a 35%(1). No entanto, a maior parte doseventos coronarianos continua a ocorrer, a despeito

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 581

IZAR MCO e cols.Perspectivas futuras

da terapia com as estati-nas. Assim, existe grandeinteresse na identificaçãode outros alvos terapêu-ticos para controlar a epi-demia de aterosclerose ea conseqüente doençacardiovascular. Interven-ções sobre os níveis decolesterol de lipoproteínade alta densidade (HDL-colesterol) baseiam-se no

conceito de que elevações do HDL-colesterol pos-sam reduzir a aterosclerose. Essa expectativa é de-rivada de estudos epidemiológicos, que demonstramassociação inversa entre os níveis de HDL-coleste-rol e a taxa de eventos cardiovasculares(2-4). Entre-tanto, evidências diretas de que elevações dos ní-veis de HDL-colesterol possam reduzir o risco cardi-ovascular parecem promissoras, mas são ainda es-cassas e incompletas(5). O entendimento do metabo-lismo lipídico e principalmente do transporte reversodo colesterol propiciou que enzimas e apolipoproteí-nas-chave fossem estudadas como alvos terapêuti-cos, visando à elevação dos níveis de HDL-coleste-rol e também ao melhor efluxo do colesterol dos teci-dos periféricos.

METABOLISMO DA HDL

O sistema de transporte de lipoproteínas é cruci-al no mecanismo pelo qual genes, dieta e hormôniosinteragem, regulando os níveis plasmáticos de co-lesterol e triglicérides e sua distribuição tecidual.Existem cinco classes de lipoproteínas: quilomícrons(QM), lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL),lipoproteínas de densidade intermediária (IDL), lipo-proteínas de baixa densidade e lipoproteínas de altadensidade. Para o transporte no plasma, triglicéridese ésteres de colesterol devem ser empacotados nointerior dessas lipoproteínas, formando um core hi-drofóbico circundado por uma monocamada de fos-folípides polares na superfície da partícula. Essa ca-mada superficial contém ainda pequenas quantida-des de colesterol não esterificado e proteínas, cha-madas apolipoproteínas, as quais são responsáveispela solubilização dos lípides, podendo também in-teragir com enzimas e receptores celulares envolvi-dos no metabolismo lipídico(6).

O transporte reverso de colesterol é o mecanis-mo pelo qual o excesso de colesterol tecidual é cap-tado dos tecidos periféricos e transportado ao fíga-do pela corrente sanguínea. O carreador desse co-lesterol é a partícula HDL. A partícula HDL começaseu processo de maturação como uma lipoproteína

livre de lipídeos, contendo basicamente a apolipo-proteína AI (apo AI), que é produzida principalmentepelo intestino e pelo fígado. A apo AI liga-se a umtransportador de membrana localizado na superfíciecelular, o ABCA-1, levando à translocação de coles-terol e fosfolípides da membrana para a lipoproteínanascente. Uma enzima associada ao HDL, alecitina:colesterol-aciltransferase (LCAT), esterificaesse colesterol celular que é dirigido ao interior dapartícula, em decorrência das características de hi-drofobicidade que adquire, tornando a lipoproteínamais esférica e progressivamente maior conforme oprocesso continua. A HDL madura, de maior tama-nho, é capaz de trocar o colesterol no plasma comas VLDLs, fenômeno que é mediado pela proteínade transferência de ésteres de colesterol (CETP), epode ainda ser reconhecida pelos receptores de HDLhepáticos (SR-B1), resultando na remoção seletivada carga de colesterol e reiniciando o processo dematuração da HDL. Embora os macrófagos arteriaisnão produzam apo AI, eles necessitam de sua pre-sença para livrarem-se do excesso de colesterol viaABCA-1. Intervenções em que se aumentaram osníveis de apo AI na placa foram capazes de modularo transporte reverso de colesterol, sem necessaria-mente requererem o aumento de HDL(7) (Fig. 1).

A apo AI serve como co-fator na ativação da LCATplasmática(8), promove o efluxo de colesterol tecidualem culturas de células(9), além de poder desempe-nhar um papel na função da HDL como aceptora decomponentes de superfície de VLDLs e QM durantesua lipólise nos tecidos periféricos. Defeitos na fun-ção aceptora da HDL podem comprometer o catabo-lismo das lipoproteínas ricas em triglicérides elevan-do seus níveis plasmáticos.

O HDL-colesterol é transportado ao fígado de duasmaneiras: por meio dos receptores “scavenger” clas-se B, tipo I (SR-BI), onde o colesterol é transferidodiretamente, e por um segundo mecanismo pelo qualésteres de colesterol na HDL são transferidos pelaCETP às VLDLs e LDLs, retornando então ao fígado,onde são reconhecidos pelo receptor de LDL (Fig.1). O HDL-colesterol, captado pelo fígado, é entãoexcretado sob a forma de sais biliares e colesterol,completando-se o processo do transporte reverso decolesterol(10). A HDL também diminui a aterosclerosepor suas propriedades antioxidantes(11).

Fármacos que atuem no metabolismo da HDL eterapias biológicas surgem como novas perspectivasna prevenção e no tratamento da aterosclerose (Tab.1; Fig. 1). A utilização de uma CETP, o uso de vaci-nas anti-CETP e a infusão de uma variante recombi-nante da apo AI podem mudar ainda mais o cenáriono tratamento das dislipidemias, mas, para isso, hánecessidade de ensaios clínicos randomizados e

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Figura 1. Representação esquemática do metabolismo da partícula HDL e das novas estratégias farmacológi-cas e biológicas para elevar os níveis de HDL-colesterol.LPL = lipoproteína lipase; LH = lipase hepática; LCAT = lecitina:colesterol-aciltransferase; CETP = proteína detransferência de ésteres de colesterol; ABC-A1 = transportador ATP Binding Cassete-A1; SR-B1 = receptor devarredura B tipo 1; EC = ésteres de colesterol; TG = triglicérides; LDL-R = receptor de LDL; LRP = receptorrelacionado à proteína; Apo = apolipoproteína; QM = quilomícron; VLDL = lipoproteína de muito baixa densidade;IDL = lipoproteína de densidade intermediária; LDL = lipoproteína de baixa densidade; HDL = lipoproteína dealta densidade.

controlados que avaliemdesfechos clínicos.

TERAPIASFARMACOLÓGICAS

Inibição da proteína detransferência deésteres de colesterol

Novas intervençõesterapêuticas sobre os ní-veis de HDL-colesterol

estão em desenvolvimento com propostas de fárma-cos que elevem os níveis de HDL-colesterol efetiva-mente, por longo período de tempo ou indefinidamen-te. Entre os agentes testados clinicamente, os inibi-

dores da CETP simultaneamente elevam os níveisde HDL-colesterol e reduzem o LDL-colesterol(12, 13).A CETP modula as trocas de ésteres de colesterolpor triglicérides entre HDL e VLDL-LDL e pode serpró-aterogênica, se a transferência de ésteres decolesterol de VLDL-LDL mediada pela CETP for cap-tada por macrófagos arteriais, ou antiaterogênica, seos ésteres de colesterol retornarem ao fígado pormeio dos receptores de LDL, pela via do transportereverso de colesterol(12). Indivíduos com deficiênciade CETP por defeitos moleculares no gene da CETPapresentam níveis muito elevados de HDL-coleste-rol e de apo AI(14-16), surgindo o conceito de que ainibição da CETP possa elevar o HDL-colesterol. Emmodelos animais, a inibição da CETP por anticorposmonoclonais, oligonucleotídeos anti-senso, pequenas

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Tabela 1. Efeitos das estratégias sobre o HDL-colesterol nos lípides plasmáticos e no desenvolvimento da ate-rosclerose.

Intervenção HDL-colesterol LDL-colesterol Apo-AI Apo B Aterosclerose

Inibidor da CETP 1↑16-91%a 1↓21-42% 1↑27% 1↓26%(torcetrapib) 2↑ 46b-61c% 2↓8b-17c% 2↑ 13c-16b% 2↓ 10b-14c% ?

2↑ 106%d 2↓ 17d% 2↓ 17d% 2↓17d%Vacina anti-CETP 3↑ 42% 3↓ 22% - - 3↓ 40% placas(CETi) 1sem mudançase

Apo-miméticas 4↑↑↑ - 4↑↑↑ - 4↓ 4,3% vol.(Apo AI-Milano) ateromaTerapia gênica 5↑3-5 vezes 5↓ 2-4 vezes - 5↓ 3-4 vezes 5↓ placa só em(hLCAT) LDLr+/+

Em indivíduos com HDL-colesterol normal1 ou baixo2; em coelhos Nova Zelândia3; em humanos com síndromescoronarianas agudas4; em coelhos LDLr+/+, +/- ou -/-5.Administração de torcetrapib: a30 mg, 60 mg e 120 mg, uma ou duas vezes por dia; b120 mg/dia; c120 mg uma vezpor dia + atorvastatina 20 mg/dia; d120 mg duas vezes por dia; ea vacina não foi efetiva em produzir anticorposem uma única injeção em humanos.

moléculas e anticorposinduzidos por vacinas re-sultou em elevação doHDL-colesterol(17-21).

Estudo em fase 2 deinvest igação com umnovo inibidor sintético daCETP (JTT-705) demons-trou diminuição de 37%na atividade da CETP,

elevação de 34% no HDL-colesterol, e redução em7% nos valores de LDL-colesterol(22).

Outros inibidores sintéticos da CETP foram testa-dos, e o mais promissor, o torcetrapib, foi capaz deinibir a atividade da CETP de forma dose-dependen-te (30 mg, 60 mg, 120 mg uma vez por dia, e 120 mgduas vezes por dia). Em pacientes normolipidêmicoshouve aumentos de HDL-colesterol entre 16% e 91%ao final de 14 dias de tratamento(23). Com altas do-ses, o LDL-colesterol foi reduzido em 42%(23).

Em pacientes com HDL-colesterol < 40 mg/dl esem doença coronariana, o torcetrapib foi adminis-trado isoladamente ou em combinação com a ator-vastatina 20 mg/dia. Houve redução da atividade daCETP em todos os indivíduos. Em conseqüência,observou-se marcante elevação dos níveis de HDL-colesterol com torcetrapib 120 mg quando adminis-trado uma (aumento de 46% a 61%, este associadoà atorvastatina) ou duas (106%) vezes por dia(13).Além desses efeitos, houve redução dos níveis deLDL-colesterol em 17% (com atorvastatina) e de apoB. O torcetrapib alterou significantemente a distribui-

ção das subclasses de HDL e LDL, com aumentosdo tamanho das partículas(13). Esse fármaco está emfase pré-clínica e estudos maiores de eficácia e se-gurança estão sendo conduzidos (Tab. 1; Fig. 1).

TERAPIAS BIOLÓGICAS

Terapias biológicas surgem como novas possibili-dades e envolvem a utilização de proteínas, DNA,anticorpos ou outras substâncias derivadas ou sin-

tetizadas a partir de tecidos vivos com propósitos te-rapêuticos. Existem várias terapias biológicas em de-senvolvimento clínico para prevenção e tratamentoda aterosclerose.

Auto-imunização com vacina anti-CETPEstratégias imunoterapêuticas para reduzir a ati-

vidade da CETP “in vivo” baseiam-se na utilizaçãode uma vacina para elicitar a formação de anticor-pos que se ligam e bloqueiam a função da CETP(21).A vacina (TT/CETP) é um peptídeo sintético quiméri-co contendo 31 aminoácidos, que possui uma cisteí-na na porção N-terminal, um epítopo para a célula T,consistindo dos resíduos 830 a 843 da toxina tetâni-ca e um epítopo para a célula B consistindo dos resí-duos 461 a 476 da CETP humana. O epítopo para acélula T da toxina tetânica liga-se a vários haplótiposdo complexo MHC e elicita forte resposta das célu-las T-“helpers” para as células B, enquanto o epítopopara a célula B com a seqüência da CETP humanafoi selecionado por elicitar anticorpos específicos anti-CETP. Coelhos da raça Nova Zelândia foram imuni-

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zados com a vacina anti-CETP e apresentaramreduzida atividade enzi-mática(21). Quando ali-mentados com dieta ricaem colesterol, além deelevação do HDL-coleste-rol (42%) e de redução doLDL-colesterol (24%) nogrupo vacinado, obser-vou-se redução de cercade 40% na área da aorta

ocupada por placa aterosclerótica(21).Em humanos, a vacina (CETi-1) foi inicialmente

testada em 36 indivíduos. Quando administradas emaltas doses (250 mg), em apenas um indivíduo hou-ve o desenvolvimento de anticorpos anti-CETP comuma única injeção. Num estudo de extensão, com 23pacientes, 53% (8/15) que receberam uma segundainjeção da vacina ativa desenvolveram anticorpos. Avacina foi bem tolerada e não promoveu alteraçõeslaboratoriais significantes. A CETi-1 é uma terapiacapaz de induzir auto-anticorpos em humanos. Pes-quisas futuras são necessárias para determinar seinoculações repetidas irão induzir suficiente quanti-dade de anticorpos anti-CETP para inibir efetivamentea CETP e aumentar os níveis de HDL(24), além deatenuar o curso da aterosclerose (Tab. 1; Fig. 1).

Apolipoproteínas-miméticasEm uma pequena comunidade no norte da Itália,

chamada Limone sul Garda, foram identificados cer-ca de 40 indivíduos portadores de uma variante ge-nética da apo AI, conhecida como apo AI Milano.Esses indivíduos apresentavam níveis baixos deHDL-colesterol (entre 10 mg/dl e 30 mg/dl), longevi-dade, e muito menos aterosclerose do que seria es-perado pelos seus níveis de HDL-colesterol(25, 26). Operfil lipídico dos portadores da variante apo AI Mila-no caracteriza-se por baixos níveis de HDL, eleva-ção de triglicérides e valores normais de LDL-coles-terol(27), fenótipo bastante comum em outras situa-ções clínicas relevantes, como diabetes melito e sín-drome metabólica.

A apo AI Milano difere da apo AI nativa pela subs-tituição de uma cisteína na posição 173 por arginina,permitindo a formação de homo-dímeros por meiode uma ligação dissulfídica. Com base nesses acha-dos, foi formulada uma apo AI Milano recombinante(rApo AI Milano) num complexo com fosfolípides na-turais para mimetizar as propriedades da HDL nas-cente. Experimentos com camundongos e coelhosateroscleróticos demonstraram que o complexo rApoAI Milano/fosfolípides rapidamente mobilizava coles-terol, reduzindo a carga aterosclerótica da placa. De

fato, uma hora após a infusão do complexo rApo AIMilano/fosfolípides, a capacidade do plasma em pro-mover efluxo de colesterol em camundongos trata-dos era duas vezes maior. Os efeitos antiateroscle-róticos, que incluíam redução do conteúdo de ma-crófagos e de lipídeos, persistiam por 48 horas apósuma única infusão(28).

Esse mesmo modelo foi testado em humanos por-tadores de síndromes coronarianas agudas, nosquais uma infusão endovenosa semanal do comple-xo rApo AI Milano/fosfolípides ou placebo foi realiza-da durante cinco semanas. Os pacientes foram acom-panhados por ultra-som intracoronariano no início eao final do tratamento. Os pacientes tratados com ocomplexo apo AI Milano/fosfolípides exibiram redu-ção do volume do ateroma (-14,1 mm3 ou 4,3%; p <0,001)(29), quando comparados ao grupo placebo, semalterações na carga da placa (+0,14%; p = 0,97).

Foi relatado que a apo AI Milano possui maior ca-pacidade de promover efluxo de colesterol que a apoAI nativa(30). Esses aspectos são importantes já quea preocupação de especialistas hoje enfoca tambémo transporte reverso de colesterol como alvo tera-pêutico e abre oportunidade para uma nova era nomanejo das dislipidemias e da aterosclerose. Infu-sões de apolipoproteínas têm sido utilizadas em sis-temas experimentais por vários anos. Injeções de apoE, uma apolipoproteína com estrutura semelhante àapo AI, têm significante efeito na redução de placaslipídicas em coelhos hipercolesterolêmicos(31, 32).

Já as injeções de apo AI normal demonstraramser factíveis como intervenção para a aterosclerosepor modularem o transporte reverso de colesterol(33).A variante apo AI Milano utilizada em estenose aórti-ca de coelhos deficientes em apo E também mostrouefetividade no efluxo de colesterol e redução de ma-crófagos(34). Tem sido sugerido, com base nas vari-antes Paris e Milano da apo AI, que essa proteínaenvolva a HDL como um cinturão, sendo essa carac-terística de conformação da molécula a responsávelpela ligação estrutural da apo AI com a HDL discoi-dal(35).

A apo AI Paris foi descrita pela primeira vez emum paciente francês que apresentava níveis baixosde HDL, elevação de triglicérides e valores normaisde LDL-colesterol. A apo AI Paris caracteriza-se pelasubstituição de uma cisteína por uma arginina naposição 151(36).

Os resultados dos estudos de Niessen e colabo-radores(29) demonstram que a placa arterial é um te-cido passível de sofrer rápida redução no volume doateroma(29). A apo AI Milano, por suas pontes dissul-fídicas, aumenta a estabilidade da partícula HDL ediminui as interconversões no plasma. Portadores damutação apo AI Milano tiveram seu plasma incubado

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com frações das lipopro-teínas. Houve redução daesterificação do coleste-rol e menor transferênciade lípides entre a HDL ea LDL. A presença dosdímeros de apo AI Mila-no foi responsável pelamaior estabil idade doHDL3, indicando que acomposição da apolipo-proteína desempenha

papel crucial na interconversão da partícula deHDL(37). Em presença de complexos de apo AI e fos-folípides, a exportação do colesterol livre de culturasde macrófagos ricos em colesterol torna-se mais efe-tiva, podendo ser um mecanismo importante na for-mação das células espumosas e no desenvolvimen-to da aterosclerose(38).

A utilização da apo AI Milano está sendo testadaem maior número de indivíduos e poderá ser umaferramenta adicional na melhoria dos níveis de HDL-colesterol e também na estabilização da placa ate-rosclerótica após uma síndrome coronariana aguda(Tab. 1; Fig. 1).

Terapia gênicaA LCAT é a principal enzima responsável pela es-

terificação do colesterol livre presente nas lipoprote-ínas plasmáticas, e possui papel fundamental no me-tabolismo da HDL e no transporte reverso do coles-terol, um processo que envolve a mobilização do co-lesterol das células periféricas para o fígado, ondeeste é catabolisado. Dessa forma, a terapia gênicacom a LCAT pode se constituir num atrativo alvo te-rapêutico. Foi demonstrado que em animais defici-entes no receptor de LDL (LDLr-/-) a terapia com

LCAT normalizava a hipoalfalipoproteinemia(39). A su-perexpressão do gene da LCAT foi testada em coe-lhos normais (Nova Zelândia) e naqueles deficientesno receptor de LDL (WHHL). A superexpressão daLCAT (hLCAT) resultou em reduções de LDL-coles-terol e apo B. Houve predominância no plasma deHDL sobre LDL nos animais hLCAT+/LDLr+/+ e hL-CAT+/LDLr+/-, enquanto as lipoproteínas ricas emapo B predominaram no plasma de coelhos LDLr-/-,independentemente do grau de expressão da hLCAT.Isso sugere um papel da LCAT no catabolismo doLDL(40). Entretanto, nos animais LDLr-/- não houveefeito protetor da hLCAT no desenvolvimento da ate-rosclerose, apesar de aumentos de cinco vezes nosvalores de HDL-colesterol, possivelmente pelo efeitomaciço da presença de partículas contendo apo B.Efeito protetor da hLCAT só foi observado na pre-sença de receptores de LDL funcionantes (LDLr+/+)recebendo dieta aterogênica, observando-se apenas5% de área coberta por placa nos hLCAT+ compara-da aos 35% naqueles hLCAT-(40).

A terapia gênica com apo AI Milano foi tambémtestada num sistema de liberação baseado em vetorviral, demonstrando que injeções endovenosas des-sa construção viral foram eficientes em manter altosníveis circulantes da proteína (apo AI Milano) porperíodos prolongados (até 220 ng/ml em 22 sema-nas)(41).

Estratégias farmacológicas e biológicas para mo-dificação dos níveis de HDL-colesterol surgem comonovas perspectivas na prevenção e tratamento da ate-rosclerose. A utilização de CETP, o uso de vacinasanti-CETP, e as apolipoproteínas-miméticas podemmudar ainda mais o cenário no tratamento das disli-pidemias, mas, para isso, há necessidade de ensai-os clínicos randomizados e controlados que avaliemdesfechos clínicos.

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IZAR MCO e cols.Perspectivas futuras

FUTURE PERSPECTIVES

MARIA CRISTINA DE OLIVEIRA IZAR, ANDREZA OLIVEIRA SANTOS,FRANCISCO ANTONIO HELFENSTEIN FONSECA

Therapeutic strategies for dyslipidemia have been focused on LDL-cholesterolreduction by inhibiting cholesterol synthesis and the absorption of dietary choleste-rol and bile acids, thus getting more patients to LDL-cholesterol targets with newpotent drugs, mainly when used in combination. Fibrates and nicotinic acid, prefe-rently acting on triglycerides and HDL-cholesterol have been proposed in associati-on with statins to optimize lipid profile. However, in spite of the great impact of HDL-cholesterol levels on cardiovascular risk, specific strategies to efficiently raise HDL-cholesterol levels are not currently available. Pre-clinical studies are ongoing to eva-luate a new class of drugs which inhibit the cholesteryl-ester transfer protein, torce-trapib, capable of promoting great elevations of HDL-cholesterol, especially in com-bination with statins. Biological therapies emerge as new possibilities and includethe utilization of proteins, DNA, antibodies, or other substances derived or synthesi-zed from living tissues with therapeutical purposes. There are many biological thera-pies under investigation to prevent and treat atherosclerosis. The greatest advancein clinical studies occurred with the utilization of apolipoprotein mimetics, and theseinclude the recombinant apolipoprotein-AI Milano associated to phospholipid com-plexes. Intravenous injections of these apolipoprotein mimetics have demonstratedto reduce atherosclerosis development in both animals and humans. Other strategi-es such as autoimmunization, to form antibodies that neutralize cholesteryl-estertransfer protein are under clinical investigation. Gene therapy to raise HDL-choleste-rol by overexpression of lecithin:cholesterol-acyltransferase is in perspective, howe-ver its ability to promote a long lasting effect on gene expression will require develo-pment of new vectors.

Key words: high-density lipoprotein, atherosclerosis, cholesteryl ester transfer pro-tein, lecithin:cholesterol-acyltransferase, apolipoprotein AI.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:580-8)RSCESP (72594)-1583

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588 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005

IZAR MCO e cols.Perspectivas futuras

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