Auditoria Do Setor Publico

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Revista de Estudos Politcnicos Polytechnical Studies Review 2006, Vol III, n.os 5/6, 201-225

ISSN: 1645-9911

Auditoria do sector pblico no contexto da nova gesto pblicaArmindo Fernandes da Costa, Jos Manuel Pereira , Slvia Ruz [email protected], [email protected], [email protected] Resumo. Sob a influncia das mudanas induzidas pelo movimento conhecido por Nova Gesto Pblica, a administrao em geral e os municpios em particular vm assumindo formas mltiplas e fragmentadas, com estruturas de grupo cada vez mais complexas. A gesto desta fragmentao e o papel da informao contabilstica na sua optimizao colocam as questes da anlise crtica do actual sistema de gesto, de informao e de auditoria das autarquias. Em Portugal, apesar da multiplicidade de rgos de controlo sobre os municpios assistimos ao paradoxo de as contas destes serem apreciadas pelas assembleias municipais sem qualquer anlise prvia efectuada por um auditor. Neste trabalho vamos procurar caracterizar o novo universo autrquico, descrio do actual sistema de informao e anlise das funes e competncias dos vrios rgos de controlo dos municpios, identificando sobreposies e lacunas do sistema existente, no contexto de grupo complexo de entidades que as autarquias vm assumindo.

Palavras-chave: Auditoria Pblica; Auditoria Autrquica; Nova Gesto Pblica; Auditoria InternaAbstract. Under the influence of the changes induced by the movement known as New Public Management, the administration in general and the local governments in particular are assuming multiple and fragmented forms, with more and more complex group structures. The administration of this fragmentation and the role of the accounting information in its optimization arise questions about the critical analysis of the present administration system as well as about local governments information and auditing. Paradoxically, in Portugal, despite the multiplicity of control bodies on local governments, the local governments accounts are appreciated by the municipal assemblies without the previous analysis of an auditor. In this work we will try to characterize the new universe of local governments, describing the current system of information and analysing the functions and competences of the several bodies of control of the municipal districts, identifying overlappings and gaps in the existing system, in the context of complex group of entities that local governments are assuming. Keywords: Public Auditing; Local Government Auditing; New Public Management; Internal Audit. ESG Escola Superior de Gesto Instituto Politcncio do Cvado e do Ave (IPCA) UV Universidade de Vigo

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1. IntroduoA importncia crescente que vem sendo assumida pelos municpios na prestao de servios aos cidados e a multiplicidade de formas, em permanente mutao, como esses servios so prestados coloca como fundamental a gesto da fragmentao a que tm sido submetidos, no mbito do movimento conhecido por Nova Gesto Pblica. A contabilidade e a auditoria destas entidades, sob o paradigma da utilidade que justifica a sua existncia, so confrontadas com desafios de adaptao a esta nova realidade. A par da fragmentao, a multiplicidade de formas jurdicas assumidas pelas novas sub-entidades levanta novos desafios de gesto, de contabilidade e de auditoria destes verdadeiros grupos autrquicos emergentes. A anlise integrada dos oramentos disciplinadores da gesto o momento certo da escolha poltica de afectao de meios escassos a necessidades sempre impossveis de satisfazer na sua totalidade. o momento da escolha de prioridades. Noutra fase, o acompanhamento da gesto coloca o desafio do controlo oportuno do desempenho dos responsveis da autarquia e dos vrios satlites, atravs do controlo da execuo oramental. Por ltimo, a transparncia do processo de prestao de contas e o acrscimo de fiabilidade propiciado pela auditoria so elementos indispensveis do novo modelo de gesto e, tambm aqui, as potencialidades da viso global e integrada destas novas realidades se manifestam especialmente atractivas. Com este trabalho propomo-nos analisar a auditoria do sector pblico autrquico em Portugal, estudando as vrias formas como exercida, procurando identificar sobreposies e lacunas resultantes da descoordenao dos vrios rgos auditores dos municpios. Esta reflexo vai ser centrada na anlise da realidade portuguesa, sempre tendo como referencial comparativo a situao em Espanha.

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2. A nova gesto pblicaO crescimento das expectativas e necessidades dos cidados em muitos pases tem induzido a uma nova orientao na prestao de servios por parte da administrao pblica para responder a esta crescente exigncia social. A qualidade dos servios prestados bem como a satisfao do cliente so o centro desta nova orientao. Este facto veio impulsionar a realizao de reformas na administrao pblica de variados pases marcadas pela necessidade de melhorar a eficcia e eficincia das suas prestaes. Este tipo de reformas designou-se por New Public Management Nova Gesto Pblica (NGP) e inclui mudanas nos procedimentos utilizados e alteraes nas estruturas da organizao do sector pblico com o objectivo de conseguir que funcione melhor (Aucoin, 1990; Hood 1991; Dunleavy, & Hood, 1994; Hood, 1995; Pollitt, & Bouckaert, 2000). A busca sistemtica das melhores prticas do sector privado empresarial e a sua aplicao Administrao Pblica, tendo comeado a ser praticada nos Estados Unidos, nos anos 60, hoje um desiderato de quase todos os Estados. A esta fuga para as formas de gerir e para o direito privado na prestao dos servios pblicos, caracterstico da NGP, so-lhe atribudas as seguintes propostas (Olas, 2001): Reduo do tamanho do Sector Pblico; Maior autonomia e responsabilidade dos gestores (agncia); Empowerment (Delegao e Descentralizao); Reinventing Government (Reengenharia); nfase nos resultados e na necessidade de serem medidos (Indicadores de Avaliao); Equilbrio financeiro (Utilizador-Pagador); Orientao para os clientes; Formas de contratao de pessoal mais flexveis; Qualidade na prestao dos servios pblicos; Transparncia da informao (Accountability); A concretizao desta nova atitude de gesto tem sido efectuada de vrias formas: privatizaes; alienao de participaes pblicas a privados; abertura de mercados antes reservados; concesses de servios pblicos a privados; constituio de sociedades comerciais para gerir servios pblicos; criao de empresas pblicas com estatutos especficos; criao de entidades quasi-empresas: institutos,

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fundaes, agncias; parcerias pblico-privadas e recurso a sofisticados processos de engenharia financeira. Nem todos esto de acordo sobre a benignidade deste movimento e alguns referem razes ocultas que no constam da fundamentao dos polticos no poder, quando assumem algumas opes de NGP ligadas a questes de desoramentao, contabilidade criativa e problemas de hipotecar o futuro. Uma cmara municipal poderia assim ser vista com um grande grupo econmico com as suas reas de negcios autonomizadas em empresas, fundaes, empresas pblicas municipais, associaes de municpios, sociedades annimas desportivas, etc.. Interessa-nos reter esta viso da cmara municipal como um grupo econmico, porque est associada ao foco que demos nossa abordagem ao tema da NGP nesta reflexo. A assumpo da cmara como um grupo econmico e a busca das melhores prticas de gesto dos grupos privados implica que as medidas a adoptar para a optimizao dos modelos devem ser globais e consistentes. A transformao das autarquias em nebulosas de entidades multiformes coloca, a nvel contabilstico, a necessidade de conhecer a situao da autarquia no seu todo, muito em especial o seu grau de risco a algum descalabro financeiro associado a endividamento directo e indirecto excessivo. O efeito do emagrecimento produzido pela NGP nas contas das autarquias, torna os actuais documentos de prestao de contas insuficientes para o conhecimento pelos usurios da realidade econmica e financeira da autarquia. A criao de novas entidades para assumir a prestao dos servios pblicos tradicionalmente atribudos s autarquias pode assumir vrias formas: servio municipal, servio municipalizado, concesso a empresa privada, participao em sociedade comercial, integrao de uma associao de municpios, criao de empresa pblica municipal, fundao, instituto pblico, associao, etc.. Cada uma destas formas de intervir tem diferentes regimes jurdicos, contabilsticos e fiscais e diferentes nveis de autonomia econmica e financeira. Consequentemente, tambm exigindo diferentes nveis de coordenao, controlo e risco por parte da autarquia. Vamos caracterizar brevemente cada uma destas formas de intervir das autarquias, procurando sobretudo ponderar os aspectos contabilsticos e de auditoria que permitam um controlo integrado da actual fragmentao.

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Um servio municipal uma seco ou departamento dentro da cmara sem qualquer tipo de autonomia relativamente a esta. A gesto e a contabilidade das receitas e despesas do servio esto sujeitas a todos os formalismos e controlos da restante actividade administrativa da cmara. As suas contas no so autonomizadas relativamente s contas da autarquia e a sua auditoria semelhante de qualquer servio autrquico. Um servio municipalizado uma forma de intervir ao alcance das Cmaras, j com autonomia administrativa e financeira, com uma contabilidade autnoma mas ainda sem personalidade jurdica. A sua criao est prevista no Cdigo Administrativo, art. 177 e seguintes. Continua a ser a cmara a nica entidade responsvel pelo passivo dos servios municipalizados. Do ponto de vista contabilstico, pese embora a sua falta de personalidade jurdica prpria, j havia sido previsto para os servios municipalizados um plano de contas normalizado prprio, muito antes da publicao do Plano Oficial de Contabilidade Pblica (POCP) e do Plano Oficial de Contabilidade para as Autarquias Locais (POCAL), que era o Regime de Contabilidade dos Servios Municipalizados e das Federaes de Municpios (RCSMFM) aprovado pelo Decreto-Lei (DL) 226/93 de 22 de Junho. Este plano de contas estava muito prximo do Plano Oficial de Contabilidade (POC). Era frequente em Portugal alguns servios municipalizados apresentarem contas com qualidade bastante superior s das autarquias em que se integravam. As contas destes servios municipalizados eram prestadas assembleia municipal de forma autnoma relativamente s Cmaras que as detinham. Presentemente esto sujeitos ao POCAL. No que auditoria se refere, estes servios esto submetidos aos mesmos requisitos de auditoria das autarquias. As Cmaras podem ainda intervir sob uma forma empresarial com algumas especificidades, autonomizando numa estrutura juridicamente independente o exerccio duma determinada actividade de prestao de servio pblico, nos termos da Lei 58/98, de 18 de Agosto, como empresa pblica municipal, empresa de capitais pblicos e empresa de capitais maioritariamente pblicos. Esta lei surgiu numa altura em que muitas Cmaras pressionavam para a necessidade de poderem actuar sob formas de estruturas empresariais. Apesar de, na altura, ser duvidosa a possibilidade de cobertura legal criao de empresas privadas com capitais detidos pelas autarquias, havia j muitas participaes destas em empresas constitudas ao abrigo da legislao comercial. O artigo 40 da lei 58/98 de alguma forma j tratou estas participaes em empresas privadas, situao que veio a ser mais clarificada com a publicao da Lei 159/99 de 14 de Setembro, nomeadamente no seu artigo 10: Os municpios podem criar205

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ou participar, nos termos da lei, em empresas de mbito municipal e intermunicipal para a prossecuo de actividades de interesse pblico ou de desenvolvimento regional e local cujo objecto se contenha no mbito das suas atribuies e competncias. A Lei 169/99, de 18 de Setembro veio tambm, no seu artigo 53, alneas l) e m), atribuir s assembleias municipais o poder de autorizar as Cmaras a constituir ou a participar nas empresas previstas pela Lei 58/98 e na participao em associaes e federaes de municpios, cooperativas, fundaes e empresas privadas de mbito municipal que prossigam fins de reconhecido interesse pblico (art. 10). Apenas o mbito, municipal ou intermunicipal, e o interesse pblico so restries legais criao destas sub-entidades. Uma das caractersticas deste tipo plural de entidades atravs das quais as Cmaras podem prestar os seus servios a ausncia de um modelo que as aproxime, na forma de nomeao dos seus dirigentes, na definio estatutria, nas regras de contratao com terceiros, nos sistemas de contabilidade patrimonial e oramental, nas formas de prestao de contas e nas formas de serem controladas pelos vrios rgos. O pluriformismo mais evidente se incluirmos entidades de tipo no empresarial como fundaes, institutos, agncias e associaes, principais alvos das crticas sobre o fenmeno da desoramentao. Sob o ponto de vista contabilstico e de auditoria so variados os sistemas a aplicar a estas entidades. Umas adoptam o POC das empresas privadas, outras o Plano Oficial de Contabilidade das Instituies do Sistema de Solidariedade e de Segurana Social (POCISSSS), outras o POC-Educao. So planos semelhantes, mas com algumas diferenas entre eles. Quanto auditoria, a muitas destas entidades aplicam-se sistemas hbridos: por um lado esto sujeitas reviso legal de contas e ao controlo do fiscal nico como uma sociedade annima privada por parte de um ROC, por outro lado esto tambm sujeitas ao controlo por parte dos rgos de controlo pblicos, nomeadamente, o Tribunal de Contas (TC), a Inspeco Geral de Finanas (IGF) e a Inspeco Geral de Administrao do Territrio (IGAT). Na ordem do dia esto tambm cada vez mais sofisticados e complexos projectos de parceria pblico privada, cuja apreenso nas contas das autarquias nem sempre evidente e que colocam problemas delicados de integrao contabilstica, de auditoria financeira e de controlo da eficcia e eficincia.206

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A constituio de uma empresa pblica, ao nvel do Estado ou ao nvel Autrquico, nem sempre corresponde criao de uma unidade auto-sustentvel numa lgica de equilbrio e rentabilidade empresariais. A sua finalidade continua a ser a vocao eminentemente estatal de suprir as falhas do mercado em actividades poltico-sociais, quase sempre estruturalmente deficitria e no suportada por uma lgica de mercado. A complexidade crescente do universo autrquico tornando mais complexa a sua apreenso de forma integrada, apenas reala o apelo da necessidade absoluta de encontrar formas de assegurar a apresentao de contas que englobem todo o universo autrquico e o necessrio controlo e transparncia da autarquia no seu todo e de cada uma das suas entidades integrantes em particular.

3. A auditoria do sector pblico autrquico

3.1 Conceito O conceito de auditoria, independentemente do mbito a que se aplique, tem vindo a evoluir. A preocupao com as fraudes e irregularidades tem vindo a ceder passo a outros objectivos, continuando no entanto, nomeadamente no domnio da funo pblica, a ter muita relevncia. Para caracterizar a auditoria pblica vamos seguir de perto o manual de auditoria do Tribunal de Contas (Tribunal de Contas, 1999). Comeamos pela definio de auditoria financeira emanada do International Federation of Accountants (IFAC), segundo o qual O objectivo da reviso/auditoria de demonstraes financeiras o de habilitar o revisor/auditor a expressar uma opinio sobre se as demonstraes financeiras esto ou no preparadas, em todos os aspectos materialmente relevantes, de acordo com uma estrutura conceptual de relato financeiro identificada (Norma Internacional de Reviso n. 200, traduo da Cmara dos Revisores Oficiais de Contas). A International Organization of Supreme Audit Institutions (INTOSAI), no glossrio que acompanha as suas normas de auditoria, define esta como: Auditoria o exame das operaes, actividades e sistemas de determinada entidade, com vista a verificar se so executados ou funcionam em conformidade com determinados objectivos, oramentos, regras e normas.207

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Esta definio, virada para a auditoria do sector pblico alarga os objectivos e amplitude da definio do IFAC, indo muito alm das contas como objectivo da auditoria. No seu manual de auditoria, j citado, o TC d a seguinte definio de auditoria, prxima da sugerida pela INTOSAI e que vamos adoptar: Auditoria um exame ou verificao de uma dada matria, tendente a analisar a conformidade da mesma com determinadas regras, normas ou objectivos, conduzido por uma pessoa idnea, tecnicamente preparada, realizado com observncia de certos princpios, mtodos e tcnicas geralmente aceites, com vista a possibilitar ao auditor formar uma opinio e emitir um parecer sobre a matria analisada. 3.2 Justificao da auditoria pblica A caracterizao da utilidade da auditoria para os vrios grupos envolvidos com as empresas e outras entidades especialmente relevante para a delimitao das expectativas razoveis sobre o grau de segurana aportado pelo auditor s contas, processos ou situaes analisadas e sobre as quais formula uma opinio. A existncia de expectativas no satisfeitas expectation gap um risco sempre presente quando se fala em auditoria. Sendo til, a auditoria no pode, por si s, resolver todas as expectativas sobre a credibilidade da informao, a actuao dos gestores dentro da legalidade e a eficcia e eficincia no seu desempenho. Humphrey (1991), refere que, basicamente, h 3 teorias que procuram justificar a utilidades da auditoria. A primeira, baseada na teoria da agncia estatui que consubstanciando a gesto das empresas em geral e das entidades pblicas em especial uma relao de agncia, ao prprio agente mais do que ao principal que interessa esbater os custos da conflitualidade latente numa relao de agncia atravs da contratao da auditoria. Uma outra teoria tem subjacente o raciocnio econmico da anlise custobenefcio: estando todos os grupos envolvidos interessados em credibilizar a gesto e a informao que lhes propiciada pelos gestores economicamente mais vantajoso, dada a tecnicidade da funo, encarregar um perito de tal misso em vez de cada um dos interessados proceder por si prprio a tal tarefa. A tecnicidade da misso tambm sugere a racionalidade da delegao da funo. A terceira, especialmente aplicvel na auditoria do sector pblico, fundamentase no interesse pblico da funo: a presena do auditor numa organizao ou a conscincia por parte do agente da existncia e efectividade do controlo tem um efeito dissuasor sobre prticas indesejveis na gesto e apresentao das contas.208

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No caso do sector pblico, nomeadamente no sector pblico autrquico, sobretudo aplicvel esta ltima teoria. O uso da informao contabilstica para avaliao da gesto autrquica por parte dos cidados, individualmente ou de forma institucional e organizada, est muito limitado pelo hermetismo do sistema de informao contabilstico e por prticas contabilsticas que no facilitam essa avaliao para os no tcnicos. No sector pblico autrquico os rgos de controlo so muitas vezes percebidos pelos gestores pblicos como os verdadeiros destinatrios das contas, miopia que est sendo combatida tambm em Portugal, no mbito da NGP. Num pronunciamento de Junho de 2002, o Public Audit Forum, que rene todos os orgos de controlo pblico do Reino Unido, refere:1 "O pblico espera daqueles que gerem os dinheiros pblicos a maior transparncia na prestao de contas. Os primeiros responsveis para assegurar que os dinheiros pblicos so geridos com integridade so o Governo, os membros eleitos, gestores e funcionrios. A auditoria pblica representa um elo fundamental nesta cadeia de fiabilidade: auditorias regulares so um importante meio de prevenir e detectar irregularidades em matrias financeiras, quer sejam devidas corrupo dos agentes quer simples negligncia no prosseguimento de procedimentos que assegurem que os dinheiros pblicos esto a ser gastos de forma adequada. A auditoria pblica no acresce valor apenas analisando e reportando sobre o passado mas sobretudo actuando de forma permanente sobre o que est acontecendo e disseminando as melhores prticas contribuindo para que a gesto se faa dentro dos princpios que assegurem o mximo de value for Money de cada euro pblico". 3.3 Classificaes de auditoria Definida atrs genericamente, a auditoria pode ser delimitada de muitas formas. Vamos tambm aqui seguir de perto as formas como o TC no seu manual de auditoria arruma as actuaes dos auditores. Quanto s entidades alvo, pode desde logo ser classificada em auditoria pblica e privada.

1 www.public-audit-forum.gov.uk/popa.htm): (traduo adaptada)

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Quanto ao objectivo do controlo, podemos classificar as auditorias em auditorias de contas, auditorias da situao financeira das entidades, da legalidade e regularidade e auditorias de gesto. Estas ltimas podem ter como objectivos a anlise da legalidade, da economia, da eficincia e da eficcia ou estratgicas. Quanto ao momento em que se verifica o controlo, relativamente situao auditada, pode-se falar de controlo prvio, simultneo (concomitante) e posteriori. Segundo o grau de dependncia das auditorias relativamente ao rgo auditado, as auditorias podem classificar-se como internas ou externas. No que s autarquias se refere, as auditorias do rgo superior de Controlo Externo (TC) e dos chamados rgos de Controlo Interno (OCI), IGF e IGAT surgem todas como verdadeiras auditorias externas independentes das autarquias que fiscalizam. Tradicionalmente, na auditoria pblica, chama-se rgo externo apenas ao TC e a todos os rgos auditores no independentes do Governo rgos de Controlo Interno. Aqui controlo interno usado no seu conceito orgnico. Relativamente s autarquias e seus satlites, no est previsto nenhum rgo de controlo interno, dependente da prpria autarquia. Quanto amplitude do controlo, isto , quanto ao universo a auditar, podem distinguir-se os seguintes tipos de auditorias: Gerais: quando tm por fim uma viso global da entidade auditada, a qual, sendo uma auditoria financeira, obriga a examinar todas as parcelas contabilsticas mas no exige um exame completo e integral de cada uma delas; Parciais: Quando tm por fim examinar um ou vrios sectores, reas, actividades ou temas, podendo ser orientadas, horizontais, de projectos ou programas e de sistemas. No que respeita periodicidade, as auditorias podem ser: permanentes, ocasionais e de fim de exerccio. Dizem-se permanentes, quando se realizam por diversas vezes ao longo do exerccio, de forma regular ou irregular; Dizem-se ocasionais ou nicas as que se realizam quando ocorre qualquer acontecimento imprevisto ou necessrio dar soluo ou resposta a alguma questo especial; Dizem-se de fim de exerccio, as que tm por objectivo averiguar da sinceridade dos documentos de prestao de contas.210

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Por ltimo, e no que respeita exausto dos procedimentos de auditoria utilizados pelo auditor, as auditorias podem classificar-se como integrais ou completas e por provas ou sondagens. As auditorias integrais consistem no exame de todas as operaes efectuadas no perodo, podendo ocorrer quer numa auditoria geral quer numa parcial. As auditorias por sondagens consistem em comprovar a exactido de um nmero seleccionado de situaes, lanamentos, registos, etc., e inferir as concluses para o conjunto objecto da anlise. Normalmente, uma misso de auditoria pode ser enquadrvel em vrios destes critrios classificativos. 3.4 rgos de controlo no universo autrquico O sistema de auditoria e controlo do Sector Pblico Autrquico em geral (administrativo e empresarial) , em Portugal, exercido de vrias formas: Tribunal de Contas (TC) Inspeco Geral de Finanas (IGF) Inspeco Geral de Administrao do Territrio (IGAT) Conselho Fiscal ou Fiscal nico (FU) Revisor Oficial de Contas (ROC) rgos de Controlo Interno (Auditoria Interna) Assembleias Municipais, Assembleias Gerais das Empresas Controlo pelos Cidados Livro de Reclamaes Vamos de seguida analisar o papel de cada um destes rgos e formas de controlo, na perspectiva do seu contributo para o controlo das contas e optimizao dos resultados estratgicos previstos para a actividade das autarquias e dos seus satlites, num momento em que se desenvolve uma forte dinmica de multiplicao das formas de actuar dos municpios no cumprimento das suas funes. 3.4.1 O tribunal de contas A Constituio da Repblica Portuguesa (CRP) no seu artigo 214, define o Tribunal de Contas como o rgo supremo da fiscalizao da legalidade das despesas pblicas e de julgamento das contas que a lei mandar submeter-lhe. Tambm no mesmo artigo se prev a existncia de seces do TC nas regies autnomas dos Aores e da Madeira.211

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Historicamente, as funes do TC tm evoludo ao longo dos tempos estando a sua origem associada aos primeiros tempos da Nao (Campinho, 1998). Nos tempos mais recentes as suas funes evoluram para assumirem, hoje, a mais elevada responsabilidade no mbito da auditoria pblica. De acordo com o artigo 9, n. 10, da Lei Orgnica do Tribunal de Contas (LOPTC), o TC fiscaliza a legalidade e a regularidade das despesas pblicas, aprecia a gesto financeira e efectiva responsabilidades por infraces financeiras. A sua jurisdio abrange todas as instituies pblicas portuguesas quer actuem em Portugal quer no estrangeiro (art. 1, n. 2). O n. 1 do artigo 2, diz que esto sujeitas jurisdio e aos poderes de controlo financeiro do TC as entidades integradas no sector administrativo: Estado; As Regies Autnomas e os seus servios; As autarquias locais, suas associaes ou federaes e seus servios bem como as reas metropolitanas; Os institutos pblicos; As instituies de segurana social. No nmero 2 do mesmo artigo so referidas as entidades pblicas sujeitas apenas ao controlo financeiro do TC (mas no ao controlo jurisdicional): Associaes financiadas com capitais pblicos; Empresas pblicas, mesmo formadas sobre a forma comercial; Fundaes que recebem fundos do Estado ou das autarquias com carcter de regularidade. O controlo financeiro das entidades que integram o grupo autarquia , assim, da responsabilidade do TC. Vamos reflectir sobre algumas das caractersticas deste controlo financeiro exercido pelo TC. Quanto ao momento em que o controlo do TC exercido, usual dizer-se que ele pode assumir-se previamente efectivao dos actos de gesto pblica, durante a efectivao (controlo concomitante) e controlo posteriori tambm chamado de sucessivo. As competncias materiais essenciais do TC esto reguladas no art. 5 da lei LOPTC, das quais retiramos as mais relevantes na perspectiva de controlo da gesto e das contas das autarquias: Art. 5, alnea c) Fiscalizar previamente a legalidade e o cabimento oramental dos actos e contratos de qualquer natureza que sejam geradores de212

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despesa ou representativos de quaisquer encargos e responsabilidades, directos ou indirectos, para as entidades referidas no n. 1 do artigo 2. Na alnea c) do referido n. 1 do artigo 2 vm referidas as autarquias locais, suas associaes ou federaes e seus servios, bem como as reas metropolitanas. No esto includas no mbito do controlo prvio as empresas pblicas municipais (Lei 58/98) nem empresas constitudas sob a forma comercial de capitais pblicos (art. 10 da Lei 159/99, de 14 de Setembro).2 A ausncia desta fiscalizao prvia tem sido, alis, apresentada como uma virtualidade destas formas de gesto empresarial, constituindo um dos principais argumentos usados para realar a agilizao de gesto que est na base da constituio destas entidades de tipo empresarial pelas autarquias. Art. 5, alnea d) Verificar as contas dos organismos, servios e entidades sujeitas sua prestao. Para alm das prprias autarquias, como vimos, as entidades participadas por estas esto tambm sujeitas ao controlo financeiro do TC (n. 2 do artigo 2 da LOPTC) e consequentemente devem remeter-lhes os documentos de prestao de contas para verificao at 15 de Maio do ano seguinte ao ano de referncia das contas: Art. 5, alnea e) Julgar a efectivao da responsabilidade financeira das entidades referidas no n. 1 do artigo 2, mediante processo de julgamento de contas ou na sequncia de auditorias, bem como a fixao de dbitos aos responsveis financeiros na reposio de verbas e aplicar multas e demais sanes previstas na lei. Assim, relativamente s autarquias (includas no n. 1 do art.2) o TC tem poderes de julgar e sancionar a gesto dos autarcas. O mesmo no se passa com as empresas municipais, institutos e associaes detidas pela autarquia. Sobre estas o TC s tem poderes de controlo financeiro competindo o poder jurisdicional e sancionatrio aos tribunais comuns; f) Apreciar a legalidade, bem como a economia, eficincia e eficcia, segundo critrios tcnicos da gesto financeira das entidades referidas nos

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A Lei 159/99, de 14 de Setembro (que estabelece o quadro de transferncia de atribuies para as autarquias locais) veio admitir no seu artigo 10 a possibilidade de as autarquias criarem empresas de mbito municipal ou intermunicipal, sem sujeio a uma forma especial.213

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n. 1 e 2 do artigo 2, incluindo a organizao, funcionamento e a fiabilidade dos sistemas de controlo interno; g) Realizar por iniciativa prpria, ou a solicitao da Assembleia da Repblica ou do Governo, auditoria s entidades referidas nos n. 1 e 2 do artigo 2. A apreciao da legalidade, economia, eficincia e eficcia e a realizao de auditorias est cometida ao TC em relao a todas as entidades integradas no universo das autarquias. Esta competncia surge como uma possibilidade, cujo exerccio est condicionado pela limitao de meios que impedem a sua efectivao de forma sistemtica. As contas das autarquias so auditadas distncia, posteriori e usando sobretudo procedimentos de reviso analtica, sem prejuzo da possibilidade de auditorias sistemticas. Relativamente s empresas pblicas municipais (DL 58/98) as contas so auditadas pelo fiscal nico (ROC) e, quando so apreciadas pelo executivo camarrio e pela assembleia municipal j esto acompanhadas pelos pareceres de auditoria do ROC. Em nenhum caso feita a apreciao do universo autrquico na sua globalidade e de forma tecnicamente adequada atravs da consolidao de contas, que no est actualmente prevista em nenhuma das suas fases (Oramental e de Contas). Nos termos do artigo 55 da LOPTC o TC pode realizar auditorias de qualquer natureza, para alm das auditorias financeiras (legalidade e regularidade): auditorias integradas; auditorias especficas ou orientadas; auditorias de projectos ou programas; auditorias de sistema; auditorias de avaliao especfica (impactos ambientais, sociais, etc.). A LOPTC no seu artigo 56 prev a possibilidade de o TC recorrer sempre que entenda necessrio, por razes de insuficincia ou limitao dos meios, contratao de empresas de auditoria ou consultoria tcnica que actuaro de acordo com as misses especificadas pelo TC. Em 1999, o TC editou o primeiro volume do manual de auditoria e procedimentos3, aguardando-se a publicao da sua continuao. Este manual foi elaborado na senda das normas da INTOSAI e do manual de auditoria do Tribunal de Contas Europeu.

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Ficha de consulta: www.tcontas.pt

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3.4.2 Inspeco Geral de Finanas A IGF o mais antigo e conhecido rgo de Controlo Interno (OCI) do Estado Portugus. equivalente ao rgo de controlo espanhol Intervencin General de La Administracion del Estado (IGAE), sem contudo serem coincidentes as suas atribuies, nomeadamente no domnio de que nos ocupamos de controlo das autarquias e seus satlites, em que nos parece que o IGAE tem funes mais amplas. A IGF foi criada em 1930, tendo desde ento o seu papel sido vrias vezes alterado para adaptao s mudanas verificadas nas entidades que controla. A actual Lei Orgnica da Inspeco Geral de Finanas (LOIGF) foi aprovada pelo Decretolei 249/98, de 11 de Agosto. um servio integrado no Ministrio das Finanas que tem por funo o controlo da Administrao Financeira do Estado e o apoio tcnico quele ministrio, funcionando na directa dependncia do Ministro.4 Enquanto servio de controlo financeiro da administrao do Estado, incumbe especialmente IGF o exerccio do controlo nos domnios oramental, econmico, financeiro e patrimonial, de acordo com os princpios da legalidade, da regularidade e de boa gesto financeira, visando contribuir para que a gesto pblica e a gesto dos fundos comunitrios se faa com as regras da economia, eficincia e eficcia. O seu papel na defesa da legalidade, regularidade e boa gesto financeira do sector pblico uma tarefa partilhada com outras entidades de controlo internas ao Governo (IGAT e auditorias afectas aos Ministrios), com o TC e, em certa medida, tambm j com os revisores oficiais de contas das entidades pblicas a eles sujeitas. 3.4.3 Inspeco Geral da Administrao do Territrio (IGAT) A tutela administrativa das autarquias locais tem o seu suporte na CRP que, no seu artigo 242, estipula:1- A tutela administrativa (do governo) sobre as autarquias locais consiste na verificao do cumprimento da lei por parte dos rgos autrquicos e exercida nos casos e segundo as formas prescritas na lei;

2 As medidas tutelares restritivas da autonomia local so precedidas de parecer de um rgo autrquico, nos termos a definir por lei.

4 Em 31 de dezembro de 2000 encontravam-se em exerccio na Inspeco 266 inspectores.

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3- A dissoluo dos rgos autrquicos s pode ter por causa aces ou omisses ilegais graves. A regulao do regime jurdico da tutela administrativa, anteriormente sob a Lei 87/89, de 9 de Setembro, est hoje regulada pela Lei 27/96, de 1 de Agosto, que estabelece o regime jurdico da tutela administrativa das autarquias, bem como o respectivo regime sancionatrio (art. 1). Esta funo est cometida Inspeco Geral de Administrao e do Territrio (IGAT), que depende do Ministro da Administrao Interna e do Territrio. Pelo despacho 16174/2000, publicado no DR n. 183, de 9 de Agosto de 2000, foram emitidas as normas e procedimentos tcnicos dos processos inspectivos (NPTPI) da IGAT. No artigo 2 definido o objecto da tutela administrativa do Governo sobre as autarquias como a verificao do cumprimento das leis e regulamentos por parte dos rgos e servios das autarquias locais e entidades equiparadas. Tem assim o IGAT um objectivo de controlo da legalidade da actuao das autarquias, desiderato que como j vimos partilha com o TC e a IGF. Contudo, o mbito da actuao da IGAT mais do tipo inspectivo, concretizando-se em trs tipos de aces (art. 3):Inspeco: Consiste na verificao da conformidade dos actos e contratos dos rgos e servios com a lei.; Inqurito: Consiste na verificao da legalidade dos actos e contratos concretos dos rgos e servios resultantes de fundada denncia apresentada por quaisquer pessoas singulares ou colectivas ou de inspeco; Sindicncia: Consiste numa indagao dos servios quando existam srios indcios de ilegalidade de actos de rgos e servios que, pelo seu volume e gravidade, no devam ser averiguados no mbito do inqurito.

As aces de inspeco da IGAT, como as de qualquer rgo de auditoria, traduzem-se na emisso de relatrios de auditoria cujo primeiro destinatrio o Ministro que solicitou a interveno. 3.4.4 O sistema de controlo interno das autarquias O DL 54-A/99, de 22 de Fevereiro, que aprovou o POCAL prev a obrigatoriedade da existncia de um SCI para as autarquias locais. Antes de mais, o SCI integrado pelo POCAL e ao qual nos vamos referir no visa expressamente a existncia de um rgo de controlo especfico da autarquia, mas sim um conjunto

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de procedimentos includos no sistema contabilstico e de processo das transaces, na linha do preconizado na norma do IFAC n. 6. Os procedimentos preconizados para o sistema de controlo interno vm referidos nos pontos 2.9.1. a 2.9.9. do POCAL. No ponto 2.9.3 refere-se que o rgo executivo que aprova e mantm em funcionamento o sistema de controlo interno adequado s actividades da autarquia local, assegurando o seu acompanhamento e avaliao permanentes. Os rgos executivos das autarquias locais cujas contas so enviadas a julgamento do TC remetem IGF e IGAT cpia da norma de controlo interno, bem como de todas as suas alteraes, no prazo de 30 dias aps a sua aprovao (Ponto 2.9.9. do POCAL). Na prtica, este diploma traduziu-se na elaborao por parte das autarquias de manuais onde expressamente se transcrevem os objectivos de controlo interno, bem como alguma formas de concretizar esses objectivos. A eficcia da implantao destes sistemas vai depender muito da atitude das Cmaras perante o controlo (cultura de controlo) e das estruturas criadas para dinamizar o seu cumprimento e melhoria permanente. Como refere Carvalho, Fernandes & Teixeira (2002) "a criao de servios de auditoria interna, tornar-se- imprescindvel para acompanhar o funcionamento e permanente actualizao dos sistemas de controlo interno implantados." Nada estando previsto, este servio vai ser determinante para a sua operacionalidade e seleco do pessoal a integrar nos servios de auditoria interna e o grau de independncia de que forem dotados. No que auditoria do grupo autrquico respeita, o servio de Auditoria interna a criar deveria assumir as funes de controller relativamente s entidades participadas pela autarquia. 3.4.5 Interveno dos Revisores Oficiais de Contas (ROC) e Auditores Privados na auditoria autrquica Os ROC e outros auditores privados desempenham j algumas misses no quadro da auditoria das autarquias e dos seus satlites. As contas do prprio TC so auditadas por um auditor privado que, no ano de 2000, foi a BDO Binder & Co. (Relatrio de Actividades e Contas do Tribunal de Contas, ano 2000).

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Aos ROC so cometidas as seguintes funes no quadro da auditoria das autarquias: Enquanto revisores de contas e fiscais nicos de empresas de capitais autrquicos, desempenham uma funo semelhante realizada para as entidades privadas mas com algumas especificidades resultante do estatuto das empresas de capitais pblicos. Enquanto subcontratados pelo TC e pela IGF na realizao de auditorias, nomeadamente de programas, em que a sua actuao est subordinada s directrizes destes rgos pblicos de controlo. Enquanto auditores directamente contratados pelas autarquias para realizar auditorias a servios e s contas, nomeadamente no quadro de avaliao da situao financeira das autarquias5. A colaborao dos auditores com o TC est enquadrada pela LOPTC. As EPM tm uma lei prpria (Lei 58/98), que atribui aos ROC algumas especificidades na auditoria destas empresas6. 3.4.6 Controlo poltico pelas assembleias municipais A Assembleia Municipal (AM) o rgo representativo dos muncipes. As competncias dos vrios rgos autrquicos foram recentemente redefinidas pela Lei 5-A/2002, que alterou e reformulou a Lei 169-99, conhecida por Lei-quadro das Competncias e do Regime Jurdico do Funcionamento dos rgos Autrquicos. As funes da AM enquanto rgo de controlo da actividade das autarquias e das entidades delas dependentes esto previstas no art. 53 da referida lei. Refira-se que os documentos de prestao de contas das autarquias so apresentados a deliberao da AM sem qualquer auditoria prvia efectuada por qualquer dos rgos fiscalizadores internos e externos autarquia. Do mesmo modo, e no estando ainda definida a tipologia da informao a prestar em cada sesso da AM pelo presidente da cmara sobre a situao financeira da mesma, tambm esta informao padece da mesma limitao de fiabilidade que resulta da sua no auditoria por auditor com independncia relativamente cmara. Para alm desta limitao de fiabilidade resultante da ausncia de auditoria prvia, outro tipo de limitaes poderamos apontar, como seja, a ausncia de

5 Frequentes quando h mudana de partido responsvel pela gesto autrquica. 6 Veja-se o art. 14. da referida Lei 58/98.

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informao consolidada de todo o universo autrquico que completasse a informao financeira individual de cada uma das entidades. Nota-se tambm a ausncia de poder de fiscalizao da AM sobre as empresas camarrias constitudas com o figurino das empresas privadas (S.A. e Lda.). 3.4.7 Controlo pelos cidados o livro de reclamaes Pela Portaria 355/97, de 28 de Maio, foi institudo o livro de reclamaes, obrigatrio em todos os servios e organismos de Administrao Pblica, a partir de 1 de Janeiro de 1997. O livro iniciado com o termo de abertura e encerramento assinado pelo dirigente mximo do servio ou entidade, que deve tambm numerar e rubricar todas as suas folhas. A reclamao do cidado - utente preenchida directamente no livro em 3 exemplares. No prazo de 5 dias o servio poder tomar as medidas para rectificar a situao, devendo descrever as medidas tomadas quando enviar a reclamao ao ministrio. O reclamante dever ser informado da reclamao apresentada. 3.5 Coordenao entre as vrias entidades de controlo do sector pblico Como vimos atrs, o controlo das entidades pblicas, nomeadamente as que integram o sector pblico autrquico, administrativo e empresarial, exercido por vrias entidades auditoras: O Tribunal de Contas, como rgo supremo de controlo dito externo; A Inspeco Geral de Finanas, que embora tradicionalmente integrada nos rgos de controlo interno pelo facto de estar dependente do Governo, assume relativamente s autarquias e seus satlites funes de verdadeiro rgo de controlo externo; A Inspeco Geral de Administrao do Territrio, com perfil prximo da Inspeco Geral de Finanas mas mais vocacionada para inspeces rpidas de tipo inspectivo legalidade da actuao dos rgos; Os auditores internos que comeam a ser institucionalizados em algumas autarquias e em algumas empresas municipais; Os revisores oficiais de contas que, enquanto tais, e enquanto fiscais nicos so hoje parte integrante do sistema, especialmente no que se refere ao sector autrquico empresarial. A nvel do sector pblico estatal, mais entidades de controlo podem ser identificadas: Direco Geral do Oramento (DGO), Instituto de Gesto Financeira219

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da Segurana Social (IGFSS) e Inspeces Gerais afectas a cada um dos Ministrios. Dada a pluralidade de rgos de auditoria podem colocar-se problemas de coordenao eficiente dos recursos pblicos afectos actividade e questes de identificao de zonas no cobertas pelas mltiplas entidades auditoras. Uma primeira referncia necessidade de coordenao dos rgos de controlo, podemos encontr-la no Lei 98/97 (LOPTC) que no seu artigo 12 estabelece o quadro do relacionamento do TC com os OCI, fixando: A obrigatoriedade de comunicao ao TC dos programas anuais e plurianuais de actividades e respectivos relatrios de actividades por parte dos OCIs; Envio ao TC dos relatrios das aces de fiscalizao realizadas sempre que contenham matrias de interesse para a aco do TC, nomeadamente as que exijam a interveno do Ministrio Pblico; Realizao de aces a solicitao do Tribunal tendo em conta os critrios e objectivos por esta fixados; O presidente do TC assume o papel de coordenador na promoo do intercmbio de informaes quanto aos respectivos programas anuais e plurianuais de actividades e na harmonizao de critrios de controlo externo e interno. No que se refere aos ROCs das empresas municipais, estes esto abrangidos pelo dever de colaborao com o TC previsto nos artigos 10 e 11 da LOPTC, que sistematicamente recebe os seus relatrios includos nas contas das empresas municipais. No est prevista qualquer colaborao no sentido inverso, i. e., participao pelo TC dos seus relatrios aos auditores das entidades e informao sistemtica de resolues e orientaes que se revistam de interesse. No que se refere aos rgos de controlo sob a responsabilidade do Governo, a que vulgarmente se chama rgos de controlo interno, para enfatizar a independncia do TC relativamente ao Governo, tambm foi sentida a disperso de meios provocada pela multiplicidade de rgos controladores. Pelo DL 166/98, de 25 de Junho foi regulamentado o sistema de controlo financeiro do Estado estando no seu artigo 2 a seguinte definio de controlo interno: o controlo interno consiste na verificao, avaliao e informao sobre a legalidade, regularidade e boa gesto relativamente a actividades, programas, projectos ou operaes de entidades de direito pblico ou privado, com interesse no mbito da gesto ou tutela governamental em matria de finanas pblicas,220

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nacionais e comunitrias, bem como de outros interesses financeiros nos termos da lei. Como se verifica trata-se da definio de uma funo e no do conjunto de procedimentos. Ainda no mesmo DL, estrutura-se o controlo financeiro do Estado em 3 nveis: operacional, sectorial e estratgico, respectivamente centrados nas unidades operacionais de gesto, ao nvel dos ministrios e ao nvel do Governo no seu todo. No art. 5 do DL 166/98, fixa-se como objectivo do SCI a articulao de forma planeada da actividade dos vrios OCI, tendo em vista o funcionamento coerente e racional de todo o sistema, com vista a que tenha caractersticas de suficincia, complementaridade e relevncia. Como elemento fundamental para a implantao e desenvolvimento do sistema foi criado o Conselho Coordenador do Sistema de Controlo Interno (CCSCI), composto por representantes de todos OCI e presidido pelo Inspector Geral de Finanas (art.6). As funes e forma de funcionamento deste rgo foram regulamentadas pelo DL 27/99, de 12 de Novembro. Rene ordinariamente 5 vezes por ano e sempre que o presidente ou qualquer dos seus membros o convoque. O TC, embora no seja um OCI, tem integrado como observador as reunies do CCSCI. Colocando-nos no plano das autarquias, a actuao do TC, da IGF e da IGAT aparecem quase ao mesmo nvel, sendo todos eles vistos como rgos de controlo externos autarquia, com planos, programas e intervenes que a cmara no controla de nenhuma forma, colocando-se aqui a questo da necessria articulao para evitar sobreposies e hiatos. Relativamente s autarquias e s suas sub-entidades, podemos referir que todas estas auditorias so realizadas distncia7, no existindo em Portugal um rgo do tipo do Interventor em Espanha que acompanhe a gesto e d parecer sobre as contas autrquicas antes de serem submetidas deliberao da assembleia municipal.

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No sentido definido por Mesa (2001).221

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4. ConclusesInstitucionalizao de auditoria permanente nas autarquias e relatrios anuais de auditoria. Do nosso trabalho resultou a evidncia de uma lacuna que nos parece de alguma importncia e a carecer de soluo: o sistema de controlo autrquico em Portugal no prev a auditoria das contas e da gesto autrquica de forma permanente e continuada e a elaborao de um parecer de auditoria prvio apreciao das contas pela assembleia municipal. No se cumpre assim um dos principais desideratos da auditoria que o de diminuir a limitao de fiabilidade das contas apresentadas pelos gestores pblicos, atravs do exame prvio efectuado por um auditor, antes da primeira deciso pela assembleia municipal. Ao longo do trabalho analisamos algumas das alternativas possveis para atingir este desiderato. Necessidade e urgncia de elaborao de contas consolidadas das autarquias. A fragmentao crescente das entidades autrquicas impe a necessidade da consolidao de contas como forma de conhecer a situao econmica e financeira, o patrimnio e o risco de cada autarquia. A inexistncia em Portugal de normativos que suportem esta consolidao, ou outras formas de informao sobre os grupos autrquicos torna imperioso e urgente encontrar uma soluo de informao que permita um melhor conhecimento das entidades que integram o universo do municpio e os vrios modos de gesto na prestao dos servios pblicos que fazem parte das atribuies do municpio, bem como a avaliao do risco financeiro do municpio e estudos comparativos. (Durante a reviso deste trabalho foi aprovado em Conselho de Ministros de 27 de Julho de 2006 uma proposta de Lei das Finanas Locais, que em matria de prestao e reviso legal de contas estabelece a obrigatoriedade de consolidao de contas dos municpios que detenham servios municipalizados ou a totalidade do capital de empresas municipais, bem como a sujeio das contas dos municpios e associaes de municpios com participao no capital de entidades do sector empresarial local a auditoria externa, vindo ao encontro do que apresentamos nas duas propostas anteriores). Criao de uma central de balanos das autarquias. A obrigatoriedade de depsito das contas das autarquias e dos seus satlites numa central de balanos poderia contribuir para melhorar a informao sobre a evoluo e situao da gesto das autarquias para um vasto leque de usurios. (Lopz, 2000).

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O acesso s contas das autarquias, dos servios municipalizados e das empresas pblicas municipais no sendo obrigatrio o depsito no registo comercial est muito dificultado para o cidado comum e mesmo para os analistas interessados. Auditoria interna / controller. O acompanhamento dos satlites autrquicos e a evoluo da anlise do grau de risco de cada entidade em particular e da autarquia no seu conjunto, sugere a utilidade da institucionalizao da funo Auditoria Interna, pelo menos nas autarquias de maior dimenso. A atribuio a este rgo de funes de controlo sistemtico das entidades dependentes e a anlise sistemtica individualizada e integrada numa base pelo menos mensal, parece ser de recomendar. Interveno dos auditores privados na auditoria dos entes pblicos. A experincia surgida tanto em Portugal como em Espanha das intervenes dos auditores privados na auditoria pblica, nomeadamente em misses de colaborao com os TC ou rgos de controlo interno sugere as potencialidades desta relao, a incrementar. Ao nvel da superao da principal lacuna detectada, ausncia de acompanhamento da actividade das autarquias e ausncias de pareceres prvios deliberao sobre as contas das autarquias pela AM, a interveno de auditores privados (ROC), a exemplo no que j acontece para as empresas municipais poderia ser uma boa soluo. A criao de um corpo de auditores especfico a exemplo dos interventores em Espanha, poderia ser outra soluo. A soluo inglesa de centralizar a nomeao dos auditores numa entidade independente das autarquias poderia tambm ser uma soluo. Necessidade de incrementar a coordenao entre os vrios auditores. Em Portugal, a sistematizao da colaborao e coordenao entre o TC e os restantes rgos estatais de controlo interno tem dado resultados positivos ao nvel da eficcia e eficincia das auditorias. Os objectivos de suficincia dos controlos, complementaridade e relevncia, julgamos, no tem sido plenamente conseguidos, nomeadamente no est conseguida a auditoria permanente e sistemtica das autarquias e a emisso oportuna de um parecer sobre as contas de cada exerccio. O CCSCI poderia certamente ser alargado a representantes da Ordem dos Revisores, tambm eles j hoje parte integrante do controlo do sector pblico, nomeadamente do sector pblico empresarial, fundos autnomos, fundaes, institutos, etc.. No quadro da ordem dos revisores oficiais de contas funciona uma comisso de auditoria do sector pblico que integra representantes do TC e da IGF, entre outras instituies e que parece indicar que se est no bom caminho. Melhorar o controlo das autarquias e dos seus satlites por parte das AM. A transparncia da gesto autrquica relativamente s AMs sentida em geral223

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como necessidade a concretizar. A apreciao das contas, oramentos e planos das autarquias por parte das AMs, bem como a fiscalizao e acompanhamento previstas na lei poderia ser incrementada pela presena de um auditor permanente junto das autarquias com a misso de controlar o desenvolvimento da actividade do grupo autrquico e emitir relatrios adequados. Acreditamos que a consolidao dos documentos financeiros autrquicos poderia tambm ser um elemento potenciador do acompanhamento por parte da AM da actividade da autarquia. Melhoria da fiscalizao das fundaes e outras subentidades no empresas. As associaes, fundaes e consrcios esto um pouco margem da contabilidade e auditoria existentes em Portugal, quer de natureza pblica (TC), quer de natureza privada (ROC). A importncia crescente do recurso a estas formas de actuao por parte dos municpios recomenda que sejam includos em algum dos normativos contabilsticos e de auditoria j existentes. A nvel autrquico recomendvel a integrao dos oramentos e das contas destas entidades nos oramentos e contas dos municpios que as detm, no quadro da consolidao. tambm recomendvel a sua incluso no sistema de controlo de gesto do grupo autrquico com acompanhamento mensal da sua actividade no quadro dos poderes de superintendncia do municpio. Alterao da cultura de controlo. A inverso do esprito individualista e da cultura de isolamento de cada sub-entidade e da averso ao controlo, constitui uma alterao cultural muito significativa cuja inverso vai certamente encontrar resistncias, nomeadamente ao nvel dos prprios rgos mximos de deciso dos municpios. O incremento do esprito de transparncia e da necessidade de prestar contas claras dos dinheiros pblicos (accountability) o caminho certamente mais longo mas o nico com resultados duradouros e consistentes.

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