Aula 1 - Belle Epoque

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  • 7/26/2019 Aula 1 - Belle Epoque

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    Literatura Brasileira 2 Prof. Milena MartinsBelle poque poemas selecionados - 1900-1920

    Rstica de Francisca Jlia, in Esfinges (1903)

    Da casinha, em que vive, o reboco alvacentoReflete o ribeiro na gua clara e sonora.Este o ninho feliz e obscuro em que ela mora;Alm, o seu quintal, este, o seu aposento.

    Vem do campo, a correr; e mida do relento,Toda ela, fresca do ar, tanto aroma evaporaQue parece trazer consigo, l de fora,Na desordem da roupa e do cabelo, o vento...

    E senta-se. Compe as roupas. Olha em tornoCom seus olhos azuis onde a inocncia bia;Nessa meia penumbra e nesse ambiente morno,

    Pegando da costura luz da clarabia,Pe na ponta do dedo em feitio de adorno,

    O seu lindo dedal com pretenso de jia.

    Na tarde morta de Eduardo Guimaraens, in A Divina Quimera, 1916

    Na tardemorta,que sinochora?

    No chora,canta,

    repica,tine...

    Dos matosvagoperfumesobe...

    Na tardemorta,que sinodobra?

    No dobra...Canta

    por simplesgozo

    das coisasbelasque apenasvivem,

    a esta horatriste,divina-mente.

    Das guasmortas,

    dos camposquietos,

    dos bosquesmurchos,dos charcossecos,

    dos cerrosclarosque se erguemlonge,

    dos ninhosno alto

    dos galhostortos...

    E sobre-tudodas cria-turas!

    Guerra, de Augusto dos Anjos (1884-1914), in Eu e outras poesias

    Guerra esforo, inquietude, nsia, transporte...E a dramatizao sangrenta e dura

    Da avidez com que o Esprito procuraSer perfeito, ser mximo, ser forte!

    a Subconscincia que se transfiguraEm volio conflagradora... a coorteDas raas todas, que se entrega mortePara a felicidade da Criatura!

    a obsesso de ver sangue, o instinto horrendoDe subir, na ordem csmica, descendo irracionalidade primitiva.

    a Natureza que, no seu arcano,Precisa de encharcar-se em sangue humanoPara mostrar aos Homens que est viva!

    Leopoldina 1914

  • 7/26/2019 Aula 1 - Belle Epoque

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    Trecho de Clara dos Anjos, Lima BarretoEscrito em 1921-2, publicado postumamente

    O subrbio propriamente dito uma longa faixa de terra que se alonga, desde o Rochaou So Francisco Xavier, at Sapopemba, tendo para eixo a linha frrea da Central.

    Para os lados, no se aprofunda muito, sobretudo quando encontra colinas e montanhasque tenham a sua expanso; mas, assim mesmo, o subrbio continua invadindo, com as suasazinhagas e trilhos, charnecas e morrotes. Passa-se por um lugar que supomos deserto, eolhamos, por acaso, o fundo de uma grota, donde brotam ainda rvores de capoeira, l damos

    com um casebre tosco, que, para ser alcanado, se torna preciso descer uma ladeirota quase aprumo; andamos mais e levantamos o olhar para um canto do horizonte e l vemos, em cimade uma elevao, um ou mais barraces, para os quais no topamos logo da primeira vistacom a ladeira de acesso.

    H casas, casinhas, casebres, barraces, choas, por toda a parte onde se possa fincarquatro estacas de pau e uni-las por paredes duvidosas. Todo o material para essasconstrues serve: so latas de fsforos distendidas, telhas velhas, folhas de zinco, e, para asnervuras das paredes de taipa, o bambu, que no barato.

    H verdadeiros aldeamentos dessas barracas, nas coroas dos morros, que as rvores eos bambuais escondem aos olhos dos transeuntes. Nelas, h quase sempre uma bica paratodos os habitantes e nenhuma espcie de esgoto. Toda essa populao, pobrssima, vive sob

    a ameaa constante da varola e, quando ela d para aquelas bandas, um verdadeiro flagelo.Afastando-nos do eixo da zona suburbana, logo o aspecto das ruas muda. No h mais

    gradis de ferros, nem casas com tendncias aristocrticas: h o barraco, a choa e uma ououtra casa que tal. Tudo isto muito espaado e separado; entretanto, encontram-se, porvezes, correres de pequenas casas, de duas janelas e porta ao centro, formando o quechama- mos "avenida".

    As ruas distantes da linha da Central vivem cheias de tabuleiros de grama e de capim,que so aproveitados pelas famlias para coradouro. De manh at noite, ficam povoadas detoda a espcie de pequenos animais domsticos: galinhas, patos, marrecos, cabritos, carneirose porcos, sem esquecer os ces, que, com todos aqueles, fraternizam.

    Quando chega a tardinha, de cada porto se ouve o "toque de reunir": "Mimoso"! um

    bode que a dona chama. "Sereia"! uma leitoa que uma criana faz entrar em casa; e assimpor diante. Carneiros, cabritos, marrecos, galinhas, perus tudo entra pela porta principal,atravessa a casa toda e vai se recolher ao quintalejo aos fundos.

    Se acontece faltar um dos seus "bichos", a dona da casa faz um barulho de todos osdiabos, descompe os filhos e filhas, atribui o furto vizinha tal. Esta vem a saber, e eis umbate-boca formado, que s vezes desanda em pugilato entre os maridos.

    A gente pobre difcil de se suportar mutuamente; por qualquer ninharia, encontrandoponto de honra, brigando, especialmente as mulheres. O estado de irritabilidade, provindo dasconstantes dificuldades por que passam, a incapacidade de encontrar fora do seu habitualcampo de viso motivo para explicar o seu mal-estar, fazem-nas descarregar as suas queixas,em forma de desaforos velados, nas vizinhas com que antipatizam por lhes parecer mais

    felizes. Todas elas se tm na mais alta conta, provindas da mais alta prospia; mas sopobrssimas e necessitadas. Uma diferena acidental de cor causa para que se possa julgarsuperior vizinha; o fato do marido desta ganhar mais do que o daquela outro. Um"belchior" de mesquinharias aula-lhes a vaidade e alimenta-lhes o despeito. Em geral, essasbrigas duram pouco. L vem uma molstia num dos pequenos desta, e logo aquela a socorrecom os seus vidros de homeopatia.

    Por esse intrincado labirinto de ruas e bibocas que vive uma grande parte da populaoda cidade, a cuja existncia o governo fecha os olhos, embora lhe cobre atrozes impostos,empregados em obras inteis e sunturias noutros pontos do Rio de Janeiro.

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