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1 06.01.2010 DIREITO INTERNACIONAL – 5ª AULA (PROF. VALÉRIO MAZZUOLI) [email protected] TEORIA GERAL DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO DIPRI : Conceito de DIPRI : As relações jurídicas de direito privado acontecem dentro de uma determinada jurisdição, podendo ser regida por essa mesma jurisdição. Essa é a regra. Ocorre que, com a evolução das trocas e dos meios de comunicação tornou-se possível o fenômeno migratório. Ex: brasileiros casam no Brasil, divorciam-se em França, possuem bens na Itália e morrem na Alemanha. Essa relação jurídica de direito privado interno permanece sendo de direito privado. Daí o DIPRI ser muito próximo ao Direito Civil. Nessa relação existe um elemento estrangeiro de conexão internacional (estrangeira): divórcio no exterior, bens no exterior, etc. Logo, a partir do momento que a relação jurídica de direito privado ganha esse conotação estrangeira (agregação do elemento estrangeiro) estaremos diante de um problema de DIPRI. O Direito Internacional Público trata de direito internacional (tratados, convenções, etc.). Já o DIPRI versa sobre a aplicação de normas estrangeiras, ou seja, da jurisdição interna dos países estrangeiros. Por essa razão, uma sentença da Corte Interamericana não necessita ser homologada pelo STF,

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06.01.2010

DIREITO INTERNACIONAL – 5ª AULA (PROF. VALÉRIO MAZZUOLI)

[email protected]

TEORIA GERAL DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO – DIPRI :

Conceito de DIPRI :

As relações jurídicas de direito privado acontecem dentro de uma determinada jurisdição,

podendo ser regida por essa mesma jurisdição. Essa é a regra.

Ocorre que, com a evolução das trocas e dos meios de comunicação tornou-se possível o

fenômeno migratório. Ex: brasileiros casam no Brasil, divorciam-se em França, possuem

bens na Itália e morrem na Alemanha. Essa relação jurídica de direito privado interno

permanece sendo de direito privado. Daí o DIPRI ser muito próximo ao Direito Civil.

Nessa relação existe um elemento estrangeiro de conexão internacional (estrangeira):

divórcio no exterior, bens no exterior, etc.

Logo, a partir do momento que a relação jurídica de direito privado ganha esse

conotação estrangeira (agregação do elemento estrangeiro) estaremos diante de um

problema de DIPRI.

O Direito Internacional Público trata de direito internacional (tratados, convenções, etc.). Já o

DIPRI versa sobre a aplicação de normas estrangeiras, ou seja, da jurisdição interna dos países

estrangeiros. Por essa razão, uma sentença da Corte Interamericana não necessita ser

homologada pelo STF, pois proferida por tribunal internacional. Já um divórcio

demanda essa homologação pelo STJ.

Tribunal internacional: uma parte participa da corte a partir do momento em que o seu país de

nacionalidade aceita a sua competência contenciosa.

Tribunal estrangeiro: interno de cada país. Suas sentenças deverão ser homologadas pelo STJ.

Havendo a conexão estrangeira, cada Estado poderia aplicar a sua própria norma interna para

a resolução de um dado problema. Mas isso acarretaria problemas. Por essa razão o DIPRI

surge para uniformizar a resolução de questões que possuem essa conexão estrangeira. O

objetivo é a obtenção de uma decisão única, com a aplicação das regras do DIPRI. Daí a

existência das convenções de DIPRI (ex: CIDIPS – Conferências Interamericanas de DIPRI), que

estipulam regras de direito uniforme versando sobre vários assuntos: contratos, consumidor,

bens, etc.

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As regras de DIPRI não são de resolução do problema prático, mas de indicação da

norma aplicável à resolução desse problema, ou seja, o DIPRI indica o ordenamento

jurídico que dará a resposta de fundo – nacional ou estrangeiro.

Embora se aproxime do Direito Civil, o DIPRI é o ramo do direito público que visa resolver os

conflitos de leis no espaço, com conexão internacional (estrangeira) em um determinado caso

sub judice.

Objeto do DIPRI :

De acordo com o entendimento majoritário, o DIPRI resolve essencialmente conflitos de leis

no espaço em determinada situação de direito privado, determinando o direito aplicável. Em

outras palavras, seu objetivo não é resolver a quaestio juris propriamente dita, mas

indicar o ordenamento jurídico (nacional ou estrangeiro) que resolverá a questão.

Lembrar dos conceitos de envio e reenvio (de 1º e 2º graus):

O envio acontece quando há na lei nacional das partes envolvidas um artigo enviando o conflito para ser solucionado em outro local.Já o reenvio dá-se por causa do "envio", visto que, se o país de A envia para o de B, o de B envia também para o país de A, será o caso de reenvio (lei de um país enviando para o de outro).Os artigos 7º e 10º da LICC são exemplos claros de regras de envio, uma vez que ambos os artigos enviam a solução do problema, ou seja, o seu foco jurídico, para um determinado ordenamento jurídico. Os enunciados, as regras aplicáveis nas relações internacionais são regras de envio.- Noção de Conflito de 1º Grau: Situação de conflito entre duas legislações nacionais sobre a mesma matéria (p. ex: a maioridade, contratos, sucessões, etc.).- Noção de Conflito de 2º Grau: Como conflitos entre sistemas de solução de conflitos de leis.Positivo:– dois sistemas chamam a solução do problema para o seu sistema.Negativo:– ambos os sistemas enviam a solução do problema para o outroEspécies de reenvio:- Reenvio de 1º Grau:O Código Civil do país A envia para o Código Civil do país BO Código Civil do país B reenvia para o Código Civil do país A.- Reenvio de 2º Grau:O Código Civil do país A envia para o Código Civil do país B.O Código Civil do país B reenvia para o Código Civil do país C.O Brasil no artigo 16 da LICC proíbe a possibilidade de reenvio. Proíbe o reenvio de 1º e de 2º graus.“Art. 16 LICC: Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei”.

Atualmente, o objeto do DIPRI abrange também questões de direito público. Ex: questões

trabalhistas, fiscais, financeiras, monetário-cambiais, administrativas e, inclusive, penais (é o

fenômeno da “publicização do DIPRI”). Daí a denominação inglesa do DIPRI: “Conflict of

Laws”.

Nacionalidade e condição jurídica do estrangeiro: para Valério Mazzuoli é matéria de DIP. Já

Jacob Dolinger entende que é de DIPRI.

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OBS : há projeto tramitando no CN de Código de DIPRI (nova LICC).

Fontes de DIPRI :

1ª fonte/fonte primária: lei interna. O DIPRI é, quanto à origem, direito interno. Ex: art. 5º,

XXXI, CF (“a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira

em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei

pessoal do ‘de cujus’”).

2ª fonte: tratados internacionais. Enquanto eles são fontes primárias do DIP, são fontes

secundárias do DIPRI, com o objetivo de uniformizar procedimentos e legislações. Ex:

Convenções Uniformes sobre Letras de Câmbio, Notas Promissórias e Cheques são tratados

de DIPRI, assim como aqueles firmados para evitar a dupla tributação.

3ª fonte: costume – art. 4º, LICC (“Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo

com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”).

4ª fonte: princípios gerais de direito – art. 4º, LICC.

5ª fonte: doutrina e jurisprudência.

Estrutura da norma de DIPRI :

Considerações gerais:

Se, por ex, em um processo de separação judicial perante a justiça brasileira as partes

discordam em relação à partilha dos bens, e se estas, antes de se separarem, tiveram domicílio

na Suíça, o juiz e seus advogados necessitam atentar para tal fato. Como a causa tem conexão

internacional, incide no caso o art. 7º, parágrafo 4º, LICC: “O regime de bens, legal ou

convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a

do primeiro domicílio conjugal”. Trata-se de norma bifronte/bilateral, que depende do fato

concreto para a identificação da lei aplicável. Ela difere da regra unilateral, que indica

exclusivamente o direito brasileiro como aplicável, por ex (art. 10, parágrafo 1º, LICC).

A norma brasileira de DIPRI do regime de bens, como se percebe, não esclarece em momento

algum como o juiz no Brasil procederá à partilha desses bens, indicando exclusivamente o

direito suíço, por ex., como o direito aplicável no processo sub judice que tramita no Brasil.

Nessa hipótese, o juiz nacional deverá executar duas operações consecutivas: (i)

conhecer o conteúdo da norma estrangeira (solicitando as partes, de acordo com o art. 337,

CPC: “A parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á

o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz”) e; (ii) aplicar o direito estrangeiro à causa

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sub judice. OBS : o juiz aplica o direito substantivo/material estrangeiro, jamais o

processual.

Estrutura propriamente dita:

Toda norma de DIPRI é chamada de indicativa ou indireta, pois não resolve a questão

jurídica, indicando o ordenamento jurídico que resolverá.

Classificação das normas de DIPRI :

As normas de DIPRI podem ser:

Unilaterais: indica um ordenamento apenas. Ex: art. 10, parágrafo 1º, LICC (“A sucessão de

bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge

ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei

pessoal do de cujus”).

Bilaterais: deixa a questão em aberto, para ser resolvida no caso concreto. Ex: art. 10, caput,

LICC (“A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto

ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens”).

Estrutura da norma indicativa:

Toda norma indicativa ou indireta possui uma estrutura bipartite, ou seja, 2 partes, a saber: (i)

o objeto de conexão e; (ii) o elemento de conexão.

O objeto de conexão descreve a matéria a qual se refere uma norma indicativa ou

indireta do DIPRI, aludindo sempre a questões relativas a fatos ou a elementos de fatores

sociais. Ex: casamento, celebração de contrato, venda de uma casa, capacidade da pessoa,

sucessão, regulação de bens, testamento, etc.

Já o elemento de conexão é a parte da norma que torna possível haver um direito

aplicável ao caso. Ex: nacionalidade da pessoa, domicílio, residência, local em que a coisa se

situa/de sua situação (lex rei sitae), local da prática do ato ilícito (lex loci delicti commissi),

etc.

Caso a norma não contemple as 2 partes supra ela será direta e não indicativa.

Conhecendo a norma indicativa ou indireta do DIPRI (com suas 2 partes – objeto e elemento

de conexão), o juiz nacional já estará apto a saber qual o direito aplicável em um caso sub

judice. Não será ele (o juiz), mas a própria norma indicativa (mediante o seu elemento de

conexão), que indicará o direito aplicável ao caso concreto (nacional ou estrangeiro).

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É somente o elemento de conexão que interessará o juiz em um primeiro momento. Após

entender o elemento de conexão, cumpre a investigação do objeto de conexão,

qualificando-o (teoria da qualificação). Ex: a capacidade no Brasil difere do conceito de

capacidade na França. O mesmo ocorre com a maioridade, contratos, testamento (não se pode

testar de próprio punho na França – testamento hológrafo –, pois lá o testamento é uma

questão formal. Já na Holanda testamento é questão material, podendo haver testamento

hológrafo), etc.

LICC:

Análise considerando o elemento de conexão e o objeto de conexão.

“Art. 7o A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras [a lei do domicílio é a

qualificadora das regras] sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os

direitos de família [4 objetos de conexão]”. Exemplo de norma bilateral ou bifronte.

“Art. 7º, § 4o O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os

nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal”. Exemplo de

norma bilateral ou bifronte.

OBS : quanto ao elemento de conexão, não é possível a sua eleição pelas partes (eleição de

domicílio, por ex), pois a LICC é norma de ordem pública. Essa conduta enseja fraude à

lei.

“Art. 8o Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do

país em que estiverem situados [lex rei sitae]”. Exemplo de norma bilateral ou bifronte.

“Art. 8º, § 1o Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens

moveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares”. Exemplo de norma

bilateral ou bifronte.

“Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”.

Exemplo de norma bilateral ou bifronte. Ex: determinado contrato for firmado em língua

portuguesa em Beirute. O objeto de conexão vai ser qualificado de acordo com a lei libanesa, pois é

lá onde se constituiu a obrigação.

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Qualificação:

A qualificação representa o procedimento pelo qual o juiz, no caso concreto, procede à

análise da natureza jurídica do objeto de conexão da norma indicativa ou indireta do DIPRI.

A qualificação jamais atinge um elemento de conexão da norma indicativa, mas tão

somente atinge o seu objeto de conexão (ex: bens, divórcio, capacidade, etc.).

Qualificar é descobrir a natureza jurídica do objeto (contrato, testamento, etc.) de

acordo com a lei onde está situado.

A qualificação é realizada mediante o estudo do direito local estrangeiro, trazido aos autos

pelas partes (ex: tradução juramentada de livro de doutrina estrangeira).

Tendo o objeto de conexão conteúdo vago ou aberto, podem ocorrer dúvidas quanto à

determinar qual a exata subsunção da norma (nacional/lex fori ou lei do foro – ou

estrangeira).

Na doutrina, 3 teorias buscaram resolver esse problema, a saber:

1. qualificação pela lex fori. É a que prevalece. A natureza jurídica do instituto pode ser

modificada no âmbito da própria lex fori.

2. qualificação pela lex causae.

3. qualificação pelos princípios e conceitos jurídicos universais (filho, pai, mãe – há certa

convenção universal sobre o sentido de cada termo).

Exceções à qualificação pela lex fori :

A regra é que a lei brasileira manda qualificar segundo a lex fori.

As exceções, que ordena a qualificação segundo a lex causae constam dos arts. 8º, caput

e 9º, caput, LICC (versam sobre bens e obrigações):

“Art. 8o Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país

em que estiverem situados” – lex rei sitae.

“Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”.

Teoria geral dos elementos de conexão:

Tem por finalidade auxiliar o juiz na determinação do direito aplicável – lex fori ou lex

causae.

Muitos desses elementos de conexão são conhecidos do direito interno. Outros não.

Alguns exemplos de elementos comuns de conexão:

1. o Brasil adota, em regra, o elemento de conexão “domicílio” para a regência do

estatuto pessoal da pessoa física (art. 7º, LICC). Exceção: capacidade (tema que faz

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parte do estatuto pessoal) de uma pessoa se comprometer por LC, NP ou cheque. Neste

caso, o elemento de conexão é a nacionalidade.

2. “residência habitual”. Enquanto o domicílio é o centro vital de atividades de uma pessoa,

a residência habitual é o local onde a pessoa normalmente habita.

Além da residência habitual considera-se a residência simples de uma pessoa, ou seja, o local

onde for encontrada (comum no caso de alimentos).

A LICC não adota a residência habitual em suas regras indicativas.

OBS : art. 7º, parágrafo 8º é regra direta e explicativa (e não indicativa), verdadeira regra de

interpretação autêntica ou legislativa, que não contempla 2 partes – “Quando a pessoa não tiver

domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência [residência habitual] ou naquele em

que se encontre [residência simples]”.

3. lex rei sitae: determina ser aplicável a lei onde está situado os bens. Regra seguida pelo

direito brasileiro no que tange os bens imóveis (art. 8º, LICC).

4. lex loci delicti commissi: delicti significa ilícito civil.

Homologação de sentença estrangeira:

Art. 483, CPC:

“Art. 483.  A sentença proferida por tribunal estrangeiro [não fala em tribunal internacional] não terá

eficácia no Brasil senão depois de homologada pelo Supremo Tribunal Federal [hoje é o Superior

Tribunal de Justiça].

Parágrafo único. A homologação obedecerá ao que dispuser o Regimento Interno do Supremo

Tribunal Federal”.

O direito brasileiro adotou a teoria a delibação (delibatio). Em outras palavras, o juiz

brasileiro não cria uma eficácia para a sentença estrangeira (ele não “preliba”), mas sim

“importa” a eficácia da sentença no estrangeiro. É também chamada de “teoria de

importação da eficácia”.

No Brasil, sentença é o ato do juiz que põe fim ao processo (Liebman), ou que aplica os arts.

267 e 269, CPC (art. 162, parágrafo 1º, CPC). Mas, na homologação tanto o conceito de

sentença como o de tribunal deve ser aquele obtido mediante a qualificação do objeto de

conexão. Ex: sentença de divórcio no Japão não é proferida por autoridade judiciária. Caso o

Brasil não adotasse a regra de delibação, jamais um divórcio japonês seria homologado no

Brasil.

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Esse art. 483, CPC é o único dispositivo do CPC que não adota seus próprios conceitos.

Lembrar que na homologação de sentença estrangeira o Brasil adota o “sistema da

contenciosidade limitada”. Ver decisões do Min. Celso de Mello (STF).

Conceito de ordem pública:

Não há um conceito atual de ordem pública. Ele vem sendo construído com base nos direitos

humanos, e na maior ênfase conferida ao indivíduo. Atualmente, a ordem pública dá maior

ênfase ao indivíduo do que ao Estado, diferentemente de outrora, em que a ênfase era no

Estado. Há maior tendência a se enaltecer cláusulas gerais como a boa-fé objetiva e

princípios como a vedação do enriquecimento ilícito (no que tange à cobrança de dívidas de

jogo, contraídas em países onde o jogo é legal).

Ex: STF não quis homologar sentença estrangeira que conferiu prêmio de jogo a brasileiro

que ganhou em cassino em Las Vegas. Mas, o Brasil possui jogos legalizados, não havendo

sentido em se negar o prêmio ao brasileiro que ganhou em jogo permitido nos EUA. Lembrar

que a delibação deve se valer dos conceitos de moralidade do jogo advindo do Estado em que

proferida a sentença estrangeira (EUA).

A vasta e secular jurisprudência do STF sobre homologação de sentenças estrangeiras e cartas

rogatórias ainda deverá guiar o STJ por algum tempo, mas é provável que esta Corte, em virtude de

suas posições mais progressistas, venha a tratar diversamente alguns temas. Referimo-nos,

especialmente, aos contornos da afronta à ordem pública, que impede a homologação de um julgado

estrangeiro ou a concessão de exequatur a uma carta rogatória. Em matéria de dívida de jogo

contraída no exterior, por exemplo, o STJ parece ser mais liberal que o STF – cujas decisões

sistematicamente acatam o argumento da ordem pública para impedir a citação, por rogatória, de

devedor domiciliado no Brasil. Nesse sentido, recentemente, a 4ª Turma do STJ rejeitou recurso

interposto contra decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, favorável a cassino estrangeiro

que cobrava a dívida de um conhecido político brasileiro. A Turma afastou a ilicitude da dívida de

jogo, com base na lei (estrangeira) aplicável à obrigação (art. 9º da Lei de Introdução ao Código Civil)

e nos princípios da boa-fé objetiva e da vedação do enriquecimento sem causa (cf. REsp 307.104).

Espera-se, assim, que a jogatina de brasileiros em cassinos estrangeiros não continue a terminar em

calote, referendado pela nossa Suprema Corte (cf. CR 10.416 Agr – Estados Unidos).

STJ, AgRg na CR 3198/USAGRAVO REGIMENTAL NA CARTA ROGATÓRIA2008/0069036-9

Relator(a)Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS (1096)

Órgão JulgadorCE - CORTE ESPECIAL

Data do Julgamento

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30/06/2008Data da Publicação/Fonte

DJe 11/09/2008 Ementa

CARTA ROGATÓRIA - CITAÇÃO - AÇÃO DE COBRANÇA DE DÍVIDA DE JOGO CONTRAÍDA NO EXTERIOR - EXEQUATUR - POSSIBILIDADE.- Não ofende a soberania do Brasil ou a ordem pública conceder exequatur para citar alguém a se defender contra cobrança de dívida de jogo contraída e exigida em Estado estrangeiro, onde tais pretensões são lícitas.

ESTATUTO DA CONFERÊNCIA DA HAIA DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Decreto nº 7.156, de 9 de abril de 2010 - Promulga o texto do Estatuto Emendado da

Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, assinado em 30 de junho de 2005 .

Publicado no DOU de 12/4/2010, Seção 1, p. 5.