(aula 6) Texto 2 - Wada e Oliveira_ Litígios consumo_visão dos juízes

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    !"#$% 'Litgios de consumo no

    setor de energia eltrica

    a viso dos juzes

    FICHA TCNICACoordenao da pesquisa

    Ricardo Morishita Wada

    Coordenao da pesquisa de stakeholdersFabiana Luci de Oliveira

    RevisoCarolina Alves Vestena

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    Introduo

    No segundo semestre de 2013 foi realizada pesquisa qualitativa com magistrados,considerados atores relevantes para o projeto de P&D, pois sua jurisdio situa-se na

    rea geogrfica de prestao de servio da Light, dentre as regies com maior ndice

    de processos judiciais envolvendo a concessionria. Tambm foi realizado um Grupo

    de discusso com magistrados no Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro.

    Em resumo, o objetivo da pesquisa qualitativa consiste em mapear a viso dos

    magistrados para identificar: (i) sua percepo sobre as causas das demandas; (ii)

    o perfil das demandas; (iii) a avaliao que fazem sobre a atuao da Light (com-

    parando com a Ampla e outros fornecedores de servio de massa); (iv) se h algum

    padro decisrio no Judicirio e qual ; e (v) quais so as perspectivas de soluo

    para o fenmeno.Aps as entrevistas, os dados coletados foram analisados, seguindo quatro ei-

    xos. Realizada a anlise das entrevistas e do Grupo de discusso, foi possvel chegar

    s seguintes concluses.

    1) Caractersticas das aes judiciais do setor segundo os magistrados

    As principais causas para o alto nvel de judicializao de demandas de

    consumo contra a concessionria Light relacionam-se com: (i) o procedi-

    mento de averiguao e cobrana de fraudes TOI; (ii) a caracterstica agi-

    gantada do setor; e (iii) o problema de prestao dos servios de energia

    e de informao para os consumidores.

    Os entrevistados no so unnimes quanto a possveis solues para o

    problema.

    O perfil dos demandantes variado, mas h tipos de casos especficos,

    como as fraudes de consumo de energia, em que os demandantes so de

    origem hipossuficiente.

    Os entrevistados no indicaram a questo do aliciamento de clientela

    como relevante para a judicializao do setor, e, caso isso ocorra, res-

    ponsabilidade nica da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) resolver

    a questo.

    Os principais erros da concessionria (Light): instalao dos servios

    (medidores) e generalizao do tratamento dos conflitos. Os principais

    acertos: postura pr-mediao.

    Os juzes entrevistados reconhecem a caracterstica coletiva do problema

    das demandas de consumo no setor eltrico; contudo, no inferem o alto

    nvel de judicializao a uma escolha estratgica da concessionria, que

    optaria por prestar o servio de forma no satisfatria, pois o valor das

    indenizaes judiciais seria inferior ao dos investimentos.

    2) A situao do setor de regulao de energia eltrica segundo os magistrados

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    Apesar das controvrsias que envolvem o setor, os juzes entrevistados

    no apontaram problemas estruturais do diploma legal que sejam entra-

    ves resoluo dos litgios ou estimuladores de novas demandas. Os juzes entrevistados no mencionaram de forma relevante a atuao

    das agncias reguladoras como um problema no setor, como fora trazido

    pelos juzes e desembargadores no Grupo de discusso.

    3) Percepo sobre o padro de atuao do Judicirio

    Para os magistrados, os entendimentos do Poder Judicirio (PJ) esto

    em permanente transformao. Alguns pontos at agora pacficos po-

    dem ser objeto de futuras discusses e mudanas, seja pelas motivaes

    estritamente legais da interpretao, seja pelas influncias causadas pelo

    aumento da demanda dos usurios.

    A no admisso da unilateralidade do TOI ainda pacfica, mas h um co-

    meo de discusso sobre o tema entre os juzes. O ponto mais divergente

    no entendimento a concesso e/ou quantificao do dano moral.

    Juzes afirmam no haver um entendimento pr-consumidor, a priori,

    desfavorvel concessionria. Contudo, reconhecem que a legislao do

    direito do consumidor tutela os hipossuficientes nas relaes de consu-

    mo.

    Juzes acreditam na eficcia de mutires e conciliao, mas essas prti-cas somente tero sucesso se forem acompanhadas de uma mentalidade

    cooperativa por parte das empresas.

    Juzes acreditam que as aes coletivas so uma soluo interessante

    para a resoluo de problemas coletivos, como as demandas de consu-

    mo.

    4) Avaliao da atuao e imagem das concessionrias segundo os magistrados

    Para os juzes no seria possvel indicar uma empresa exemplar no trata-

    mento de conflitos de consumo, mas sim, empresas com boas prticas.

    Em relao Light, os juzes foram bastante divergentes: para alguns

    uma das empresas exemplares e, para outros, est entre as piores em-

    presas atuando nos processos judiciais. Contudo, possuem uma imagem

    pessoal bastante positiva da concessionria.

    Este captulo fornece uma anlise das entrevistas realizadas com magistrados

    do Rio de Janeiro sobre o programa de preveno, tratamento e reduo de litgios

    de consumo no setor eltrico. Essa etapa da pesquisa traz o levantamento das

    percepes de um dos grupos estratgicos do setor, os magistrados, selecionadosentre osstakeholders relevantes para o estudo de caso.

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    Originalmente, o projeto previa a realizao desurvey(pesquisa quantitativa

    de opinio) para identificar a imagem do setor de energia eltrica e da concessio-

    nria entre os agentes relevantes. Contudo, para dar mais profundidade anlise,a metodologia foi alterada para a realizao de entrevistas qualitativas, o que pro-

    porciona a identificao dos principais drivers de reputao e elementos de risco

    reputacional a partir de fatores reconhecveis e gerenciveis entre os atores com

    poder de interferncia no processo de regulao do setor.

    Em resumo, o objetivo da pesquisa qualitativa consiste em mapear a viso dos

    magistrados acerca dos litgios de consumo no setor eltrico, buscando identificar:

    sua percepo sobre as causas das demandas;

    o perfil das demandas;

    a avaliao que fazem sobre a atuao da Light (comparando com a Ampla

    e outros fornecedores de servio de massa);

    se h algum padro decisrio do Judicirio e qual ;

    quais so as perspectivas de soluo para o fenmeno.

    Foram realizadas duas frentes de pesquisa. A primeira consistiu em um Gru-

    po de discusso realizado no Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro (TJ/

    RJ), no primeiro semestre de 2012. Nessa oportunidade, foram discutidos temas

    relativos judicializao de processos envolvendo o setor de energia e os direitos

    do consumidor. Os desembargadores e juzes participantes apontaram diferentesaspectos do problema, o que demonstra o carter sistmico da questo. Foram

    sistematizados aspectos da fala dos magistrados que so ilustrativos dos temas

    que vm sendo trabalhados em outras etapas do projeto de P&D e que tambm

    serviram como base para entrevistas individuais.

    A segunda frente da pesquisa qualitativa foi a realizao de entrevistas com

    juzes que atuam em comarcas localizadas na rea geogrfica de atendimento da

    Light, entre os dias 8 de outubro e 27 de novembro de 2012. Foram selecionadas

    as comarcas com grande incidncia de processos envolvendo a concessionria de

    energia Light. As regies foram identificadas pela concentrao de processos ju-

    diciais constantes no relatrio de georreferenciamento (resultado anterior deste

    projeto de P&D). Assim, foi possvel selecionar para entrevistas magistrados dos

    Juizados Especiais e varas cveis das comarcas de Santa Cruz, Campo Grande, Ban-

    gu, Belford Roxo e Nova Iguau, e tambm juzes e desembargadores da comarca

    do Rio de Janeiro.

    A equipe responsvel por esta etapa da pesquisa formulou um roteiro para

    guiar as entrevistas e estabelecer os pontos centrais de coleta de informaes, con-

    forme os objetivos listados. Para possibilitar uma anlise mais objetiva das entre-

    vistas, aps a coleta e sistematizao dos dados, as questes foram agrupadas em

    eixos temticos. No item seguinte, sero apresentados os eixos temticos com suasrespectivas anlises. Tambm sero inseridos dados obtidos junto ao Grupo de dis-

    cusso realizado no TJ/RJ a fim de comparar e enriquecer a anlise.

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    Anlise das entrevistas

    As 17 perguntas do roteiro foram agrupadas em quatro grandes eixos que resumemos temas tratados durante as entrevistas conforme os objetivos da pesquisa qualita-

    tiva. Os eixos so: 1) caractersticas das aes judiciais do setor segundo os magistra-

    dos; 2) a situao do setor de regulao de energia eltrica segundo os magistrados;

    3) percepo sobre o padro de atuao do Judicirio; 4) avaliao da atuao e

    imagem das concessionrias segundo os magistrados. A seguir, esto listados os ei-

    xos propostos e as perguntas neles agrupadas.

    Quadro 5.1

    Perguntas do roteiro de entrevista agrupadas

    1) Caractersticas das aes judiciais

    do setor segundo os magistrados

    a. O volume de demandas judiciais contra as concessionriasde energia no Rio de Janeiro elevado? Se sim, quais seriamas principais razes para explicar essa demanda?

    b. Quais as demandas de consumo mais recorrentes noJudicirio tratando do setor eltrico?

    c. H um perfil especfico de litigantes ou o consumidor emgeral?

    d. possvel estabelecer elementos que diferenciam asdemandas contra as duas concessionrias de energiaeltrica (Ampla Light) ou so demandas parecidas?Ou seja, a Light apresenta alguma especificidade emsua atuao que causaria demandas judiciais ligadas aoconsumo de energia?

    e. Enunciado decretando a unilateralidade do TOI para fins de

    recuperao de energia. Qual a sua percepo acerca desseinstrumento?

    f. Percepo sobre demanda estimulada (escritriosespecializados que aliciam clientes percebe isso na suaregio de atuao?)

    2) A situao do setor de regulao

    de energia eltrica segundo os

    magistrados

    a. Como veem o aspecto da regulao do setor existiriamlacunas ou problemas de legislao que ajudariam a explicaras demandas judiciais de consumo no setor eltrico?

    3) Percepo sobre o padro de

    atuao do Judicirio

    a. Existe um padro de entendimento do Judicirio emdemandas de consumo de energia? Se sim, qual tem sido?

    b. Qual seria a explicao para o Judicirio decidirdesfavoravelmente concessionria?

    c. Quais os limites do Judicirio na defesa do consumidor?

    d. H alternativas ao Judicirio? (resoluo alternativa deconflitos, por exemplo).

    e. Qual opinio sobre a utilizao de aes coletivas?

    4) Avaliao da atuao e imagem

    das concessionrias segundo os

    magistrados

    a. Como percebem a atuao das concessionrias nosprocessos? Erros e acertos da Light (e quando possvel,comparar aos da Ampla)

    b. Qual seria uma empresa exemplar no tratamento deconflitos de consumo?

    c. Qual seria uma empresa ruim no tratamento de conflitos deconsumo?

    e. Qual imagem pessoal que tem da Light?f. Qual imagem pessoal que tem da Ampla?

    Formados os eixos de interpretao, apresentamos as anlises qualitativasdas respostas dos juzes e desembargadores entrevistados. No conjunto de ques-

    tes, h perguntas que tratam da concessionria Ampla, tambm prestadora de

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    servios de energia no Rio de Janeiro. A opo por incluir a Ampla no roteiro de

    entrevistas deve-se a duas questes metodolgicas: primeiro, a possibilidade de

    comparao entre as duas principais concessionrias do estado, a fim de formar umquadro geral do setor e, segundo, a avaliao de causas especficas concession-

    ria Light (objeto do estudo de caso) que se destacam justamente pela comparao

    com a Ampla e que podem indicar motivadores da alta judicializao. Seguem as

    anlises dividas pelos eixos formados.

    Caractersticas das aes judiciais do setor segundo osmagistrados

    O primeiro bloco de questes trata da caracterizao das aes judiciais envolven-

    do o setor eltrico segundo a percepo dos magistrados. As perguntas procuram

    identificar os tipos de demandas, as causas, o perfil dos demandantes e o impacto

    de questes especficas levantadas em outras etapas da pesquisa, como o procedi-

    mento administrativo de averiguao de fraudes (TOI) e o problema do aliciamento

    de clientela por escritrios de advocacia. As questes do TOI e do aliciamento de

    clientela foram agrupadas no primeiro eixo, pois muitos juzes, ao serem perguntados

    sobre os tipos de demandas que caracterizavam o setor, imediatamente menciona-

    ram esses temas, o que comprova sua importncia para a caracterizao do perfil.

    Alm disso, este bloco de questes traz temas tratados no projeto de P&D, na

    etapa em que foram sistematizadas informaes dos processos judiciais (relatrio

    de georreferenciamento, com as bases da concessionria e do Tribunal de Justia

    do Estado do Rio de Janeiro TJ/RJ). possvel investigar, nesse caso, se a per-

    cepo dos magistrados se equipara quela que os dados dos processos oferecem

    para estudo, ou seja, se h um ajuste de percepo sobre o volume e as caracte-

    rsticas da demanda por parte dos juzes que corresponda, de fato, realidade do

    conflito judicial demonstrada pelos dados dos processos.

    Segundo os magistrados entrevistados, alta a judicializao no setor de

    energia eltrica, contudo no h unanimidade ao apontar as causas para o fen-

    meno. Um dos juzes mencionou que a alta demanda contra o setor acompanha

    o aumento da procura pelo Poder Judicirio (PJ), que todas as grandes empresas

    prestadoras de servio vm recebendo. Trata-se do fruto da ampliao do acesso

    Justia com os Juizados Especiais e a consolidao do Cdigo de Defesa do Con-sumidor (CDC). No entanto, essa causa no explica especificamente o aumento de

    litigiosidade no setor eltrico.

    De forma unnime, o fator especfico mais mencionado pelos entrevistados

    a utilizao do TOI como instrumento de investigao e cobrana de fraudes.

    Esse tema ainda bastante controverso no entendimento de magistrados e con-

    sumidores. Os entrevistados apontam para o problema administrativo e jurdico da

    eficincia do TOI para as cobranas judiciais, o que, em sua percepo, gera grande

    nmero de demandas judiciais, uma vez que os consumidores recorrem Justia

    para discutir a validade desse instrumento em razo de sua unilateralidade. Na opi-

    nio de pelo menos trs entre os juzes entrevistados, a prpria concessionria aca-ba por deixar-se vulnervel a processos judiciais ao no lavrar termo de ocorrncia

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    policial, procedimento que seria adequado para o controle da fraude. Se houvesse

    uma correta persecuo criminal, restaria indiscutvel a origem ilegal do consumo,

    e os processos judiciais sobre o tema diminuiriam.O Juiz 2, homem, considera que, quando as fraudes ocorrem,

    [...] a grande responsabilidade da Light que ela no faz o pro-

    cedimento correto. Ao constatar a fraude, a empresa tinha de

    chamar a polcia, que o rgo encarregado. Isso crime. Mas

    a Light resolve o problema dela apenas. Eles fazem a fraude,

    lavra o termo de ocorrncia para o TOI e lana a cobrana, a

    dvida que ela acha que deve cobrar e passa a cobrar, ento o

    consumidor contesta esse TOI. Quer dizer, aquilo unilateral-

    mente lavrado, que os funcionrios da prpria Light lavraram,e comeam a discusso. Se a Light tomasse a providncia que

    a lei determina, ou seja, chamasse a polcia para a constatao

    do crime, isso desapareceria.

    O TOI aparece ainda nas falas dos outros entrevistados, somado a outras cau-

    sas que se repetem nas relaes de consumo entre usurios e concessionria:

    O mais comum aqui ainda TOI [...] e o que se reclama aqui

    de cobrana acima da mdia [...] a questo que as pessoas

    entram para que troque a titularidade e problemas com religa-mento da energia: religar a luz aumentou muito no ltimo ano

    e as pessoas pedindo danos morais porque ficaram sem luz por

    pelo menos 24 horas, um ou dois dias (Juiz 6, mulher).

    [...] as demandas que mais encheram as nossas varas foi a

    questo do TOI. Chuvas e prazo de religamento tambm so

    comuns (Juiz 7, mulher).

    TOI, a conta que de repente sobe do nada e a mudana do

    consumidor (Juiz 8, mulher).

    Noventa por cento ou mais das aes contra essas concessio-

    nrias so correspondentes aos TOI [...] Fora disso, o que exis-

    te so eletrodomsticos queimados [...], eventualmente leitura

    equivocada dos medidores, mas muito pouco (Juiz 9, homem).

    Eu acho que so muitas regras aplicadas, o TOI, o corte indevi-

    do [...] aes de pessoas que fizeram suas casas muitas vezes

    aqui na regio, em lugares que no so legalizados e a entra

    com um pedido dizendo que fez uma solicitao na Light parainstalar a luz e no foi atendida (Juiz 3, homem).

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    Assim, evidencia-se que um dos temas de maior impacto segundo a percep-

    o dos magistrados a questo do procedimento de cobranas de consumo in-

    devido. De acordo com as resolues da ANEEL, no haveria dvidas sobre o ma-nejo do instrumento para a verificao de utilizao indevida do servio; contudo,

    questes referentes ao TOI tm sido levadas ao PJ, pois se discutem as garantias do

    consumidor durante a averiguao das fraudes.

    Os entrevistados no so unnimes quanto a possveis solues para esse

    impasse. Alguns no mencionaram qualquer posio alternativa, outros ratificaram

    a manuteno da controvrsia, e outros, como mencionado, sugeriram uma perse-

    cuo criminal adequada das situaes de fraude (enquadramento no tipo penal

    de furto de energia eltrica) a fim de fazer cumprir a legislao com clareza e dimi-

    nuir a controvrsia sobre o tema. Esses mesmos juzes, no entanto, no apontaram

    possveis problemas de celeridade e eficincia do sistema penal, que poderiam ser

    nocivas para a resoluo da questo e para o setor.

    Ainda dentre as causas de judicializao mencionadas, uma das mais presen-

    tes foi a implementao dos medidores inteligentes, que provocou uma srie de

    problemas de adaptao e de falta de confiana por parte dos usurios durante

    a adaptao ao servio. Os usurios no conheciam a nova tecnologia da empresa

    e no acreditavam nas novas marcaes de consumo. Segundo um dos entrevis-

    tados, esse procedimento aumentou o nmero de inadimplncia, pois alguns con-

    sumidores no concordavam com as indicaes do novo medidor e outros no se

    adaptaram s cobranas regulamentares, pois consumiam energia por meio dos

    gatos ou por furto de energia. Assim, processos judiciais acabaram se tornando

    habituais por parte da concessionria e dos consumidores.

    Sobre esse tema, o Juiz 1, homem, considera que a empresa poderia ter se

    preparado melhor para realizar o processo de instalao de medidores novos, pois

    muitos consumidores estavam acostumados com certo padro de consumo, ou

    mesmo utilizavam o servio sem qualquer cobrana, e tiveram valores de conta de

    energia alterados muito abruptamente. Em suas palavras: [a concessionria] Light

    se preparou melhor para lidar com os novos medidores [em comparao com a

    Ampla], mas era normal que houvesse tempo de adaptao dos consumidores, que

    viram suas cobranas aumentarem muito, muito rpido (Juiz 1, homem). Esse fatorseria uma das causas do aumento do nmero de demandas contra a concession-

    ria, pois os consumidores, alm disso, no obtiveram atendimento satisfatrio nas

    agncias e acabaram por procurar o judicirio, mesmo que a concessionria tenha

    se preparado para a transio.

    Ainda entre as causas de judicializao, os entrevistados mencionam proble-

    mas de instalao de servio. O Juiz 7, mulher, relata que, em reas de recente

    regularizao dos servios, seja na baixada como em comunidades, a Light ainda

    tem problemas na prestao do servio e tambm na manuteno dos medidores

    inteligentes. H casos em que o medidor desliga automaticamente quando detecta

    a fraude, mas esse desligamento afeta uma rua inteira ou mais de uma. Ento osmoradores demandam na Justia, pois o religamento demora muito para ocorrer,

    deixando-os sem um servio de primeira necessidade.

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    Outro fator estrutural mencionado pelos juzes foi a evoluo do setor nos l-

    timos anos, aps o processo de privatizaes. A ampliao do servio aumentou o

    nmero de consumidores a serem atendidos, que, alm de sofrerem com problemasde estrutura, tambm no se sentem satisfeitos com o atendimento de telemarke-

    tingdas concessionrias, pois no conseguem resolver seus problemas no mbito

    administrativo. Segundo o Juiz 4, homem:

    [...] houve uma evoluo muito grande com a privatizao nes-

    se meio tempo. E a, quando voc tem a privatizao, principal-

    mente dessas empresas, voc tem um avano de tecnologia,

    um avano de investimento [...] e necessidade de lucro das em-

    presas porque elas passam a trabalhar com outro parmetro

    [...] Ento voc passa a trabalhar tambm com consumidores

    ignorantes, no no sentido pejorativo, mas no sentido literal da

    palavra: aquele que no tem conhecimento de como a coisa

    funciona. [...] Mas eles no tm noo desse problema, ento

    as empresas com essa mudana de postura passaram a criar

    muitos problemas para o consumidor. [...] eles passaram a criar

    grandes bancos de telemarketing e bancos de telemarketing

    so bancos de problemas.

    O Juiz 6, mulher, tambm traz a questo da adaptao ao servio e a falta de

    informao dos consumidores como causa do alto nvel de judicializao:

    [...] porque as demandas tambm aumentaram muito; antes

    as demandas eram de um tipo especfico e mudaram as espe-

    cificidades das demandas, [...] agora mais uma adaptao

    tanto da concessionria como do consumidor a esses novos

    tempos de chip, [...] eu acho que talvez falte at mais um pouco

    de informao [...].

    Em resumo, pode-se afirmar que as principais causas do alto nvel de judiciali-zao de demandas de consumo contra a concessionria do estudo de caso, Light,

    segundo os magistrados relacionam-se com: (i) o procedimento de averiguao e

    cobrana de fraudes TOI; (ii) a caracterstica agigantada do setor; e (iii) o problema

    de prestao dos servios de energia e de informao para os consumidores. Essas

    concluses so compatveis com aquelas do Grupo de discusso realizado com os

    magistrados no TJ/RJ, pois, nessa oportunidade, tambm foram listados o TOI, o

    corte indevido e outros problemas na prestao do servio (queima de aparelhos

    por variao de tenso, apago, negativa de transferncia de titularidade) como

    causas para o alto nvel de judicializao contra a Light.

    Ainda sobre as caractersticas das demandas do setor, foi perguntado aosjuzes sobre o perfil dos demandantes. Todos afirmaram que os demandantes so

    bastante diversificados e abarcam todos os setores da sociedade. Um aspecto cen-

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    tral a ampliao do acesso Justia, tanto pelos Juizados Especiais quanto pela

    ampliao do prprio direito do consumidor, que atrai ao PJ todos aqueles que

    necessitam resolver suas demandas. Segundo o Juiz 8, mulher, hoje no tem perfil;hoje todo mundo tem acesso ao Judicirio.

    Outros juzes destacaram que, em determinados tipos de demandas, h pre-

    dominncia de pessoas de origem simples, de comunidades, como, por exem-

    plo, na questo do TOI: os do TOI, normalmente, so pessoas de baixa renda. [...]

    Pessoas de comunidades (Juiz 9, homem). Essa tambm foi a concluso apresen-

    tada no Grupo de discusso realizado com os magistrados do TJ/RJ.

    Quanto ao perfil dos demandantes, um dos entrevistados relatou a questo

    dos advogados que aliciam clientela. Esses casos ocorrem quando pessoas pro-

    curam as agncias da concessionria para a resoluo de seus problemas na pres-

    tao do servio, so mal atendidas ou no obtm sucesso e l so diretamente

    aliciadas por escritrios especializados nesse tipo de demanda. Normalmente,

    oferecida ao consumidor a possibilidade de incluso de dano moral, o que repre-

    sentaria um ganho extra pela demanda judicial. Nas palavras do Juiz 1, homem:

    Todos os perfis simples. Voc tem um contingente de agencia-

    mento, so pessoas que vo agncia para resolver seu pro-

    blema e l so atradas por agenciadores, captadores. Elas so

    levadas para o escritrio, olha, voc veio pagar, mas voc no

    vai pagar, voc vai receber. E voc tem pessoas que realmente

    ficam indignadas com o corte de energia indevido, com a conta

    paga. H pessoas que ficam indignadas com falhas na qualida-

    de do servio.

    Contudo, ao serem questionados sobre o problema do agenciamento ilegal de

    clientes por escritrios de advocacia especializados, os juzes foram praticamente

    unnimes sobre a responsabilidade da OAB como responsvel pela resoluo do

    problema, pois esse tipo de prtica punvel pelo Cdigo de tica da Ordem dos

    Advogados do Brasil. Alm disso, em sua maioria, afirmaram que esse comporta-

    mento ilegal vem diminuindo e que no uma exclusividade contra a conces-sionria de energia eltrica. O Juiz 7, mulher, afirma que esse tipo de prtica era

    geralmente vinculado a empresas que colocavam consumidores em cadastros ne-

    gativos de crdito indevidamente, o que no constitui uma particularidade da Light.

    Afirma: Esse tipo de demanda caiu. [...] No, na realidade no eram em relao

    Light. Na realidade, eram contra qualquer empresa e eram todas negativaes (sic)

    indevidas, [...] a Light no era uma das maiores empresas acionadas em relao a

    essa questo das fraudes.

    Conclui-se que, diante da percepo dos juzes entrevistados, a questo da

    demanda estimulada no um ponto relevante na problemtica da judicializao.

    Por um lado, os juzes inferem essa responsabilidade diretamente OAB, por outro,no identificam um volume de demanda especfica direcionada ao setor de energia

    eltrica advindo desse tipo de prtica.

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    Por fim, ao caracterizar o tipo de demandas do setor, perguntou-se aos juzes

    onde as empresas de energia eltrica tm mais acertado ou errado na conduo

    dos litgios judiciais. Como mencionado anteriormente, pretendia-se obter um pa-norama do setor, alm de levantar as especificidades dos casos referentes Light.

    A comparao proposta no foi possvel, pois todos os juzes entrevistados atuam

    em reas de competncia de atendimento da Light, e aqueles que j julgaram casos

    que envolviam a Ampla em outras jurisdies, consideraram que no poderiam dar

    informaes sobre os casos, pois j havia passado muito tempo ou porque as de-

    mandas eram em nmero muito pequeno.

    Ainda assim, apenas a ttulo de meno, um dos juzes afirmou que o processo

    de implementao dos medidores inteligentes da Ampla teve mais problemas que o

    da Light, o que gerou desconfiana na metodologia de medio da concessionria

    entre os prprios juzes:

    Ampla no acertou em nada, essa a verdade, porque ela quis

    impor o modelo dela e no se deu bem, no conseguiu conven-

    cer ningum. Noventa por cento dos juzes no confiavam no

    medidor de chip, ou seja, ela atrapalhou o processo em relao

    a todas as empresas e boa parte deles mandou que ela manti-

    vesse o relgio em paralelo com o chip para testar a confiabi-

    lidade do sistema, ou seja, ela teve de reinstalar o relgio me-

    didor para tentar demonstrar que aquilo no roubava energia

    (Juiz 1, homem).

    Quando questionados sobre os erros e acertos da Light no processo de pla-

    nejamento e na conduo das demandas judiciais, os juzes tiveram falas muitos

    semelhantes. Em sua maioria, criticaram o controle de fraudes atravs do TOI e os

    casos em que os advogados da concessionria compareciam s audincias sem

    estar preparados para a realizao de acordos. Especificamente quanto ao TOI, um

    problema levantado foi a generalizao adotada pela concessionria ao lidar com

    o problema, pois igualou clientes que tinham medidores com problemas ou recm

    -instalados em processo de adaptao, com aqueles que realmente fraudavam o

    consumo de energia. Isso demonstrou, segundo os magistrados, que sua atuaono foi estratgica para cuidar dos casos especficos e proteger os bons consumi-

    dores que precisavam de mais informao, pois eles acabaram sendo prejudicados

    por uma litigncia de massa que visava exclusivamente controlar as fraudes.

    Quando perguntados sobre os acertos, os juzes reconheceram que, mesmo

    com as falhas apontadas, a Light tem se destacado nos processos conciliatrios,

    na disposio para a realizao dos acordos e na qualidade das defesas. Juzes das

    comarcas fora da capital mencionaram que conhecem os advogados da Light, que

    sempre atuam nos processos da regio e que os acompanham com bastante cuida-

    do. Desse conjunto de respostas, percebe-se que alguns juzes esperam uma atitu-

    de mediadora por parte da concessionria, pois consideram que seu papel prestarinformaes e dar bom atendimento aos clientes, separando os usurios que even-

    tualmente tm problemas daqueles que realizam fraudes deliberadamente.

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    Ainda sobre esse ponto, procurou-se identificar nas falas dos magistrados se

    havia a percepo de que, para as concessionrias, os processos judiciais no apre-

    sentam uma desvantagem econmica considervel que as levasse a modificar suasprticas para evit-los. No Grupo de discusso com os magistrados, foi afirmado

    que na cultura brasileira ainda economicamente mais vantajoso ser demandado

    judicialmente a implantar procedimentos para uma efetiva prestao do servio

    pblico. Somente um dos juzes entrevistados afirmou que pode ser mais barato

    pagar uma indenizao aqui do que manter uma estrutura (Juiz 1, homem).

    Os juzes entrevistados reconhecem a caracterstica coletiva do problema das

    demandas de consumo no setor eltrico, contudo no parecem inferir o alto nvel

    de judicializao a uma escolha estratgica da concessionria, que optaria por pres-

    tar o servio de forma no satisfatria, pois o valor das indenizaes judiciais seria

    inferior ao dos investimentos.

    A situao do setor de regulao de energia eltricasegundo os magistrados

    No eixo 2, optou-se por dar destaque pergunta sobre o setor de regulao e as

    normas existentes para sua parametrizao. Aspectos da legislao administrativa e

    do direito do consumidor aparecem em toda a entrevista, uma vez que so centrais

    para a compreenso do processo de judicializao. Tratou-se, no eixo anterior, do

    uso e controle do TOI e da legislao responsvel pelo controle dos advogados que

    estimulam demanda. Contudo, alm disso, foi perguntado nas entrevistas se os juzes

    identificavam lacunas ou problemas na legislao que poderiam explicar as deman-

    das judiciais de consumo no setor eltrico.

    Os juzes no apresentaram um padro nas respostas. Alguns afirmaram no

    terem refletido sobre a questo, outros afirmaram que poderia haver lacunas, mas

    que no poderiam indicar claramente. Outros afirmaram que a legislao, em geral,

    no apresenta lacunas quanto regulamentao do setor de energia eltrica.

    No entanto, quando perguntados especificamente sobre problemas e casos

    vinculados ao setor, acabaram por apontar problemas referentes principalmente

    ao cumprimento das normas. Assim, seria possvel destacar que, para os juzes, o

    problema da efetividade da legislao parece ser mais grave do que seus conte-

    dos, tanto no que diz respeito ao comportamento dos consumidores, quanto ao

    da concessionria, pois ambos mantm prticas incorretas que acabam por gerar

    demandas judiciais.

    Uma das questes mencionadas a dificuldade que muitos consumidores

    encontram quando pretendem realizar mudana de titularidade, por exemplo, ao

    comprar ou alugar um novo imvel. Conforme a legislao do setor, os usurios tm

    o direito de ter a titularidade da conta de energia eltrica em seu CPF quando to-

    mam posse de um imvel. Contudo, a concessionria, de praxe, s aceita a mudana

    de titularidade quando os dbitos vinculados ao endereo do imvel so quitados.

    Muitos usurios discordam desse procedimento e se encaminham Justia pararequerer a mudana da titularidade. Essa questo um exemplo dado pelos juzes

    de um problema simples, que poderia ser resolvido por uma mudana de ao es-

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    tratgica da concessionria, uma vez que adota um procedimento que fere o direito

    do consumidor, mesmo que seu objetivo seja obrigar o antigo devedor a quitar o

    dbito. Ocorre que o novo consumidor, terceiro na relao, no tem obrigao dequitar dbitos que no foram fruto do seu consumo e acaba por sair prejudicado

    por uma norma administrativa da concessionria.

    Outro ponto mencionado foi o procedimento para a notificao de falta de

    pagamento que, segundo a atual normatizao da ANEEL, pode ser realizada na

    prpria conta. Nesses casos, pode ocorrer que o consumidor no perceba que uma

    conta no tenha sido paga, pois coloca o servio em dbito automtico, assim, s

    toma conhecimento do dbito quando recebe a informao da negativao de cr-

    dito ou a intimao judicial. Esse tambm seria um caso de judicializao contrria

    concessionria.

    Em resumo, apesar das controvrsias que envolvem o setor de regulao deenergia eltrica, os juzes entrevistados no consideraram esse um ponto relevante

    do problema, uma vez que no apontaram ou no souberam apontar problemas

    estruturais do diploma legal que sejam entraves resoluo dos litgios ou estimu-

    ladores de novas demandas.

    Interessante destacar que, nessa questo, os juzes entrevistados no mencio-

    naram o funcionamento das agncias reguladoras, nem para avaliar positivamente

    sua atuao, tampouco para criticar possveis problemas. No Grupo de discusso

    com os magistrados realizado antes das entrevistas qualitativas, foi destacada a

    ineficincia da regulao das concessionrias por parte das agncias, consideran-

    do, inclusive, eventual ingerncia poltica, como fatores prejudiciais para a confor-mao das concessionrias como atuantes em prol dos interesses da sociedade.

    possvel que os magistrados tenham restringido suas respostas s questes estritas

    do diploma legal e no tenham pensado em avaliar as agncias. Por outro lado, o

    papel das agncias reguladoras no setor no foi mencionado de forma relevante

    durante as entrevistas qualitativas.

    Percepo sobre o padro de atuao do Judicirio

    No eixo 3, os juzes foram questionados sobre a atuao do PJ em relao ao setor de

    regulao de energia, ou seja, buscou-se uma avaliao que refletisse a prpria siste-

    mtica jurdica da qual fazem parte como atores com poder de deciso nos conflitos

    das relaes de consumo.

    A primeira questo neste eixo procurava identificar a existncia de um padro

    decisrio do Judicirio fluminense percebido entre os magistrados entrevistados.

    Nesse ponto, os juzes afirmaram haver questes ainda controversas, mas tambm

    que h pontos pacficos ou com pouca variao de entendimento. Segundo os en-

    trevistados, a maioria dos juzes no admite a unilateralidade do TOI nos processos

    de cobrana. Contudo, atualmente, quando verificam a existncia do TOI, alguns

    juzes vm deferindo a realizao de percias a pedido da concessionria com o

    objetivo de comprovar a ocorrncia de fraudes. Nesses casos, possvel a decisoa favor da concessionria, quando se verifica a utilizao anormal do servio. Alm

    disso, alguns dos juzes entrevistados afirmam que avaliam o padro de consumo

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    do usurio antes de tomarem sua deciso, pois, ainda que no admitam a unilate-

    ralidade do TOI, h casos de consumidores que nunca pagaram contas de energia

    eltrica e que demandam na Justia. Nessas situaes, no seria possvel uma re-cuperao da relao de consumo, pois no haveria boa-f do usurio (conforme

    Juiz 7, mulher).

    Outra questo bastante controversa a concesso de dano moral aos con-

    sumidores. Alguns juzes ainda admitem a concesso do dano moral nos casos de

    cobranas indevidas, quando a responsabilidade do consumidor no comprovada

    ou, ainda, quando o TOI utilizado como instrumento de prova. Outros afirmaram

    que vm diminuindo os valores do dano moral, ou mesmo avaliando o padro de

    consumo do usurio e a repetio de aes judiciais de um mesmo litigante antes

    de tomar uma deciso. Esses comportamentos atuais dos juzes chamam ateno

    para uma tendncia de diminuio de decises contrrias concessionria na con-

    cesso do dano moral e quantificao dos valores, quando deferidos.

    Vale citar alguns trechos de entrevistas que demonstram as mudanas pelas

    quais vm passando os padres de deciso do setor e de concesso de dano moral:

    H um ncleo de questes controversas, a diferena vai estar

    no posicionamento de cada um em relao apenao por

    dano moral. Agora, os juzes de um bloco no admitem que

    essa multa por fraude seja imposta unilateralmente sem um

    aporte de responsabilidade dos consumidores, isso uniforme.Os juzes no admitem que seja cortada a luz sem que haja

    um aviso prvio, isso tambm no h discusso. Os juzes no

    admitem que seja apontada uma inadimplncia com menos de

    quatro, cinco dias da data de vencimento que tambm um

    absurdo. Os juzes no admitem que seja, por exemplo, includo

    o nome do consumidor no Serasa, que uma coisa para banco

    sobre uma eventual fatura que teve vencimento 10 dias atrs

    (Juiz 1, homem).

    No dano moral eu s vou quando tem algum dano, quando

    passa um tempo razovel assim, quando perdeu alguma coisa

    aquisitiva, uma coisa que embolsa [...] a fica sem luz um pe-

    rodo pequeno no paga dano moral, isso um entendimento

    novo at do tribunal [...] hoje est ficando mais pacfico, de

    perodo pequeno s uma oscilao, trovo, no paga o dano

    moral (Juiz 8, mulher).

    No terceiro trecho, destaca-se que um dos magistrados entrevistados ques-

    tiona tambm o prprio entendimento sobre o TOI, indicando que, no futuro, essaquesto pode ter sua jurisprudncia alterada:

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    Em relao ao TOI, por exemplo, a coisa tem variado. Inicial-

    mente, o TOI foi uma perplexidade que chegou ao tribunal.

    Aquilo era uma coisa meio desconhecida, embora autorizadopela ANEEL, o TOI no se destinava a fazer esse tipo de coisa

    [...] lanar dbitos, cobranas. Ento se rejeitou. Depois, com o

    aumento de demandas, um grupo grande de magistrados co-

    meou a aceitar o TOI como prova. Ainda hoje eu estava lendo

    uma prova de um colega meu de cmara, que ainda vai ser

    julgada, que ele mandou para mim o que ele vai fazer, em que

    ele j est aceitando o TOI, j est mudando. [...] O consumi-

    dor est do lado na hora da fiscalizao, ele assina o TOI. Ele

    assinou porque sabe que havia irregularidade e certamente o

    funcionrio da Light falou, se no assinar, eu vou chamar a

    polcia. A ele assina, depois impugna. Isso tudo est provo-

    cando uma reao no Judicirio. Isso um movimento (Juiz 2,

    homem).

    Observados os dados mencionados, percebe-se que, para os magistrados, os

    entendimentos do PJ esto em permanente movimento. Alguns pontos at agora

    pacficos podem ser objeto de futuras discusses e mudanas, seja pelas moti-

    vaes estritamente legais da interpretao, seja pelas influncias causadas pelo

    aumento da demanda dos usurios.Os juzes tambm apresentaram suas percepes sobre questes referentes

    administrao das concessionrias no trato com os consumidores, que poderiam

    ser relevantes para a diminuio de demandas judiciais. Mencionaram a necessida-

    de de atendimentos prvios de maior qualidade, incluindo os servios de telemar-

    keting e agncias. Segundo os magistrados, esse tipo de prtica da concessionria

    poderia aumentar o entendimento do prprio consumidor sobre seus comporta-

    mentos como usurio e ajudaria a resolver questes simples que desnecessaria-

    mente so levadas Justia.

    Os juzes tambm foram questionados sobre quais causas os levariam a de-

    cidir contrariamente concessionria. Nesse aspecto, houve divergncia ao afir-

    mar ou negar que haja pr-julgamento contrrio concessionria ou uma atitude

    pr-consumidor. Segundo um grupo de entrevistados, hoje em dia, so utilizadas

    percias sempre que solicitadas e, quando a concessionria comprova cumprir as

    exigncias da prestao do servio, no h excesso de proteo ao consumidor:

    Com a percia [...] eles conseguem mostrar que esto trabalhando corretamente.

    Ento no h mais aquele preconceito, aquele pr-julgamento de que eles agem

    errado. De minha parte, pelo menos, no h no (Juiz 9, homem). O Juiz 3, homem,

    declara: [...] eu posso dizer que no houve essa diferena assim to favorvel aos

    consumidores, mas quando voc exclui TOI [...] tem mais condenaes que estoligadas a irregularidades como sim, demoram a religar a luz.

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    Por outro lado, um grupo de juzes afirmou que h algumas atitudes pr-con-

    sumidor que levam a decises desfavorveis contra a concessionria. Contudo, es-

    ses casos no so necessariamente voluntrios, mas sim vinculados prpria legis-lao do consumidor que procura tutelar seus direitos. Alm disso, h casos em que

    a concessionria apresenta problemas na prestao do servio ou no controle de

    fraudes, e, nessas situaes, o pedido do usurio acaba sendo inquestionvel. Os

    trechos a seguir ilustram essa segunda tendncia.

    Eu no sei [...] vai muito do perfil de cada juiz. [...] Eu acho que

    a maioria dos juzes que esto no conselho recursal e nos juiza-

    dos tem essa tendncia pr-consumidor, se que pode se qua-

    lificar algum juiz assim ou assado, eu no sei (Juiz 5, homem).

    [...] quando voc aplica o cdigo do consumidor, a situao

    dos fornecedores fica muito complicada. No porque eu seja

    pr-consumidor, mas porque a lei coloca essa situao, ento

    tem uma srie de questes que realmente para a empresa a

    defesa fica muito difcil [...] Voc no pode chamar o caraque

    aplica o cdigo do consumidor de pr-consumidor, ele est

    s aplicando o cdigo do consumidor, s um ponto de vista

    (Juiz 4, homem).

    Por isso ela [a concessionria] no faz o trabalho como tem

    que ser feito. Se ela fizesse tudo dentro da lei... Veja bem, na

    poca em que a resoluo da ANEEL exigia notificao prvia,

    no na prpria conta, mas separada, a Light e a Ampla iam

    ao local e cortavam sem justificar. A o consumidor vinha, eu

    tenho vrios dados nesse sentido, e pedia a religao. Ento a

    gente mandava religar e quem que tem que provar que fez a

    notificao a concessionria, porque o consumidor no pode

    provar que no foi notificado, prova negativa, voc no pode

    fazer. Ento tem que provar que fez a notificao e no provarque no tinha feito (Juiz 2, homem).

    Nesse aspecto, no se pode avaliar o perfil decisrio do PJ, segundo os juzes

    entrevistados. Contudo, os dados mencionados permitem inferir que, justamente

    pelas controvrsias de entendimentos, constitui-se o Judicirio uma arena aberta

    para debates e atuao de consumidores e concessionrias em prol de seus inte-

    resses. No entanto, no se pode deixar de considerar a prpria caracterstica da

    legislao do consumidor, que permanece como uma garantia para os usurios do

    servio de energia eltrica.

    A pergunta seguinte versou sobre os limites identificados pelos magistradospara a atuao do Judicirio na defesa do consumidor. A resposta imediata, dada

    por um dos entrevistados, concentrou-se, em carter mais abstrato, nos limites da

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    legalidade: [...] nossos limites esto na lei [...] o perfeito a gente atingir a Justi-

    a, mas a gente tem que passar pela legalidade e s vezes a legislao nos impe

    alguns limites (Juiz 6, mulher). Outro entrevistado, tratando mais especificamentedo setor de regulao de energia e da questo das fraudes, afirmou que o resultado

    da percia determinante para a atuao do juiz, que deve ficar vinculado prova:

    [...] quando a Light faz a percia ela nos d os instrumentos para poder julgar de

    forma justa (Juiz 7, mulher).

    Outros juzes demonstraram que os limites do PJ esto em ser um rgo que

    atua somente por demanda ou que no pode determinar a capacidade tcnica do

    agente que executa suas decises, ficando, em muitos casos, de mos atadas

    (Juiz 3, homem). Tambm faz parte de sua percepo, que os juzes, ao decidirem

    individualmente, no conseguem resolver no varejo, um problema que aparece no

    atacado (Juiz 9, homem).

    Apesar do quadro tecido, que traz os limites da atuao do PJ, os magistra-

    dos entrevistados foram bastante abertos s formas de resoluo alternativas e

    conciliatrias de conflitos. A maioria dos juzes entrevistados acredita na eficcia

    de mutires, conciliao e aes coletivas como forma de resoluo de conflitos

    das relaes de consumo. Contudo, muitos foram taxativos ao afirmar que essa

    possibilidade s se tornaria factvel e vivel, se as empresas enviassem prepostos

    com disposio e poder de realizar acordos e advogados preparados para negociar.

    Alguns chegam a indicar os mutires como a soluo para o congestionamento do

    PJ, demonstrando sua preocupao com os ndices de processos no resolvidos.

    O problema do congestionamento do PJ foi um dos pontos destacados no

    Grupo de discusso realizado com os magistrados no incio da pesquisa. Essa ques-

    to um dos entraves atuais para a administrao da Justia, pois considera-se

    que o Judicirio brasileiro apresenta uma capacidade limitada de processamen-

    to uma porta grande de entrada, com uma porta estreita de sada (Grupo de

    discusso). H necessidade de formular tcnicas de preveno que diminuam as

    demandas judiciais e de formas de tratamento que deem solues coletivas a pro-

    blemas sistmicos. A seguir, trechos de entrevistas que refletem a preocupao de

    juzes com a questo.

    Para mim, a soluo a estruturao do Judicirio para aten-

    der demanda que ele tem. Esses mutires de conciliao eu

    acho que so extremamente positivos, porque eu acho que as

    empresas se esforam mais para conhecer o problema e trazer

    a soluo [...] Ampliao do atendimento pessoal por parte da

    empresa e melhoria na qualidade desse atendimento. Aumento

    do atendimento pessoal [...] e [...] atendimento prvio facilita-

    ria. (Juiz 4, homem).

    [...] eu acho que ns temos que fazer mutires, ns temos quemelhorar os ndices, por qu? Porque a gente no pode deixar

    essa taxa de congestionamento, acho que antes disso a gente

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    tem que sentar para conversar, acho que mediaes o cami-

    nho, pr-consensual [...] (Juiz 6, mulher).

    Por outro lado, um dos juzes entrevistados indica uma tendncia de dimi-

    nuio de acordos realizados pela concessionria Light, o que terminaria com a

    viabilidade da realizao de mutires para essa empresa. Contudo, isso no o faria

    desistir da prpria prtica, mas reforar a necessidade de um comportamento pr-

    conciliatrio por parte da empresa para possibilitar a difuso dos acordos.

    Essas alternativas, hoje, no so mais viveis. A gente comeou

    a fazer conciliao em mutiro nos processos da Light; faze-

    mos 80%, baixamos para 70, 60, 50 e deixamos de fazer. Para

    ns, menos de 50% no vale pena [...] Ento a tendncia dos

    juzes covardes e preguiosos condenar pouco para no atrair

    demanda. E a empresa se beneficia disso tanto que deixou de

    fazer acordo, que comea a ser mais barato (Juiz 1, homem).

    Importante notar que outros juzes, quando questionados sobre quais prticas

    eram mais positivas por parte da concessionria Light, indicaram que era justamen-

    te sua predisposio conciliao. No se pode deixar de fazer a ressalva de que as

    percepes entre os juzes entrevistados so bastante divergentes em muitos dos

    pontos investigados.

    Por fim, ainda sobre as formas de resoluo alternativas litigncia individual,

    quando questionados sobre a utilizao das aes coletivas, os juzes entrevistados

    tambm foram bastante receptivos a essa prtica. Apontaram a importncia da

    construo de formas de resoluo coletiva para problemas coletivos e indicaram

    experincias exitosas em outras reas. Contudo, foram bastante claros ao ressal-

    tar que necessrio pensar em modelos seguros e eficazes de aes coletivas e

    tambm de instrumentos para a atuao do Ministrio Pblico, que anda inicia seu

    caminho nesse procedimento. Um dos juzes mencionou:

    No Rio Grande do Sul, eles tm uma experincia que em partevitoriosa por impedir que consumidores individualmente acio-

    nem a empresa que j alvo de uma ao coletiva e tentar, na

    medida do possvel, que essa sentena seja mandamental. Por

    exemplo, no caso da questo tarifria com a Light seria uma

    sentena que mandasse a Light devolver para os prprios con-

    sumidores, para evitar que sejam habilitados os consumidores

    no final da ao pblica, porque eles tm que entrar com a

    ao de cumprimento (Juiz 1, homem).

    possvel observar que h relevante abertura por parte dos magistrados construo de alternativas para os problemas coletivos e sistmicos do setor. Dentre

    as prticas j conhecidas, conciliao, mutires e aes coletivas, as mais realizadas

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    ainda so as conciliaes. No entanto, todos os entrevistados mostraram-se abertos

    utilizao de aes coletivas, desde que haja mecanismos eficientes para isso.

    Avaliao da atuao e imagem das concessionriassegundo os magistrados

    No ltimo eixo de anlise procurou-se identificar a percepo dos juzes entrevista-

    dos sobre qual seria um modelo exemplar ou problemtico de empresa no tratamen-

    to dos conflitos de consumo. Tambm foram feitas perguntas sobre a imagem das

    concessionrias Light e Ampla, a fim de avaliar caractersticas e valores reputacionais

    das empresas junto aosstakeholders.

    Os juzes indicaram em suas falas que no seria possvel dizer qual seria uma

    empresa exemplar no tratamento de conflitos de consumo, mas sim, empresas em

    boa fase, com boas prticas. Especificamente em relao Light, os juzes foram

    bastante divergentes, para alguns uma das empresas exemplares e, para outros,

    est entre as piores empresas atuando nos processos judiciais.

    As empresas de telefonia foram unanimidade entre aquelas com o pior com-

    portamento no tratamento de relaes de consumo. Algumas empresas como o

    Banco Ita, Sky, Lder Magazine, UOL e Unimed foram mencionadas como empre-

    sas em boa fase na conduo dos processos durante a realizao de acordos. Um

    dos juzes mencionou que as empresas que esto procedendo bem, a gente no v

    aqui. A ttulo de exemplo, o Juiz 1, homem, afirma:

    Existem momentos de empresas [...]. A fase hoje boa para os

    bancos e para as empresas de TV a cabo e concessionria de

    telefonia, porque elas ficaram muito tempo na nossa lista de

    top 30 de maiores litigantes e comearam a reagir para tentar

    reduzir o volume de demanda. Tentvamos acordo, no tinha

    proposta de acordo, condenao. A elas viram que poderia

    sair mais caro e comearam a mudar. O [banco] Santander

    um exemplo. Comeou o primeiro mutiro, fez 18% de acordo,

    hoje em dia faz 95% (Juiz 1, homem).

    Entre os problemas especficos da atuao da Light, os juzes informaram que,

    muitas vezes, os advogados no conhecem o processo em questo, ou no vm

    preparados para fazer acordos. Mencionam que, se as empresas tivessem uma pol-

    tica de acordos mais preparada e um melhor atendimento ao consumidor, o nmero

    de processos judiciais diminuiria muito.

    Por outro lado, destacaram que a Light tem acertado na criao de canais de

    contato com os consumidores. Alm disso, em alguns juizados, os juzes afirmaram

    que os advogados da empresa so bastante solcitos e propositivos na realizao de

    acordos, o que facilita muito o tratamento das demandas e sua resoluo mais clere.

    Por fim, os entrevistados foram questionados sobre a imagem pessoal que

    tinham das duas concessionrias fluminenses relacionadas na pesquisa Light e

    Ampla. A maioria dos juzes no respondeu a essa questo sobre a Ampla, por no

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    utilizar ou conhecer o servio, mas dentre juzes respondentes, as afirmaes foram

    bastante taxativas sobre os problemas do servio prestado.

    Eu acho bem complicado [...] o preo que se paga para a Am-

    pla mais caro do que o preo da Light [...] tem muita queda,

    tem bastante irregularidade no fornecimento. [...] E nem sem-

    pre volta to rapidamente, ento a minha perspectiva como

    consumidor no das melhores (Juiz 9, homem).

    Quanto Light, a maioria dos respondentes indicou uma melhora da imagem

    como uma empresa que vem procurando identificar problemas de gesto e aten-

    dimento ao consumidor buscando sua resoluo. Outro aspecto bastante mencio-

    nado foi o grande nmero de usurios da Light, uma vez que ela detm o monop-lio da prestao de energia em uma grande regio, seria aceitvel que ela tivesse

    alguns problemas, pois est em processo de melhoria. As falas dos magistrados

    ilustram essas concluses:

    Muito ruim no comeo, a minha impresso, [...] passou para

    uma melhoria na medida em que eles procuraram sair do ma-

    rasmo [...] eu acho que hoje ela uma empresa que busca

    melhorar, que busca melhorar de forma consciente, buscan-

    do primeiro saber onde que esto os seus gargalos, por que

    existem tantas aes e a partir da, atacando esses problemas, uma forma bem eficiente de melhorar o seu perfil (Juiz 9,

    homem).

    [...] mesmo com todos os seus problemas, a Light funciona [...]

    eu sou consumidora da Light h anos, nunca tive problema;

    quando eu tive, ela resolveu at rpido [...] [a empresa] deveria

    talvez inovar mais a questo do consumidor, o que ela no est

    sabendo fazer, no est sabendo acompanhar isso no consumi-

    dor, esse o perfil que a gente tem [...] a Light ainda no pegou

    esse perfil (Juiz 8, mulher).

    [...] mudana de viso de atendimento de prestao de servio,

    eu acho que isso faz uma diferena. No s na infraestrutura,

    eles comearam a tentar entender o atendimento. Eu acho que

    o caminho (Juiz 6, mulher).

    [...] eu nunca tive problemas com a Light, apesar de achar que

    realmente ainda tem muito a melhorar no atendimento [...]

    acho que ela muito mais julgada pelos nmeros de demandas

    do que pelo efetivo, que a prestao de servio. No acho [aempresa] das piores, mas como lida com uma imensido de

    pessoas, a tendncia de ocorrerem problemas muito grande

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    e em virtude disso, se no preparar muita gente, vai ter pro-

    blema. Ento como ela no tem condies de preparar muita

    gente, eu acho que a repercusso essa [...] (Juiz 5, mulher).

    Observando as falas dos magistrados, pode-se concluir que, mesmo com o

    alto nvel de judicializao de demandas de consumo contra a concessionria, no

    h uma predisposio contrria ao embasamento em valores reputacionais ou ima-

    gem construda socialmente em sua experincia como consumidores. Sua percep-

    o indica uma viso positiva, pois mesmo que indiquem falhas na prestao dos

    servios e problemas nas lides judiciais, no consideram esses limites como deter-

    minantes,a priori, para uma avaliao negativa da concessionria.

    ConclusoA pesquisa qualitativa aprofundada com atores estratgicos para o setor pesquisado

    os conflitos judiciais envolvendo consumidores e concessionria de energia eltri-

    ca, Light foi realizada com o objetivo de levantar as percepes dos agentes sobre

    diferentes matizes da questo. Conhecer a percepo dos atores fundamental para

    o tratamento dos litgios, pois permite compreender como os magistrados, grupo

    fundamental na sistemtica do conflito, percebem o problema e suas caractersticas

    estruturais. O diagnstico guia sua atuao individual e coletiva no processamento

    das demandas e organizao ativa no Judicirio.

    As concluses dessa pesquisa, por seu carter qualitativo, no apresentam

    caractersticas generalizantes que podem ser inferidas para toda a populao dejuzes. Contudo, por outro lado, permitem observar estrategicamente discursos me-

    todologicamente selecionados, que oferecem um panorama sobre como o fenme-

    no percebido no interior da magistratura. Os dados obtidos permitem observar

    os possveis desnveis entre a percepo individual dos juzes e os dados obtidos

    em outras dimenses da pesquisa, que trazem, por exemplo, as caractersticas dos

    processos e a opinio dos consumidores.

    Em resumo, possvel descrever as percepes dos juzes entrevistados para

    mapear sua viso sobre as causas das demandas judiciais envolvendo a concessio-

    nria, o perfil das demandas, a atuao da Light, o padro decisrio do Judicirio

    para a questo e as perspectivas de soluo para o fenmeno. Feita a anlise dasentrevistas e dos dados do Grupo de discusso, possvel indicar concluses para

    futuras pesquisas e para a realizao de medidas administrativas em resposta

    percepo dos magistrados.

    Seguem as concluses, conforme os eixos de anlise.

    1) Caractersticas das aes judiciais do setor segundo os magistrados

    As principais causas para o alto nvel de judicializao de demandas de

    consumo contra a concessionria Light relacionam-se a: (i) procedimento

    de averiguao e cobrana de fraudes TOI; (ii) caracterstica agigantada dosetor; e (iii) problema de prestao dos servios de energia e de informa-

    o para os consumidores.

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    Os entrevistados no so unnimes quanto a possveis solues para o pro-

    blema.

    O perfil dos demandantes variado, mas h tipos de casos especficos,como as fraudes de consumo de energia, em que os demandantes so de

    origem hipossuficiente.

    Os entrevistados no indicaram a questo do aliciamento de clientela como

    relevante para a judicializao do setor, e, caso isso ocorra, responsabili-

    dade nica da OAB resolver a questo.

    Os principais erros da concessionria (Light): instalao dos servios (me-

    didores) e generalizao do tratamento dos conflitos. Os principais acertos:

    postura pr-mediao.

    Os juzes entrevistados reconhecem a caracterstica coletiva do problema

    das demandas de consumo no setor eltrico, no entanto, no inferem oalto nvel de judicializao a uma escolha estratgica da concessionria,

    que optaria por prestar o servio de forma no satisfatria, pois o valor das

    indenizaes judiciais seria inferior ao dos investimentos.

    2) A situao do setor de regulao de energia eltrica segundo os magistrados

    Apesar das controvrsias que envolvem o setor, os juzes entrevistados no

    apontaram problemas estruturais do diploma legal que sejam entraves

    resoluo dos litgios ou estimuladores de novas demandas.

    Os juzes entrevistados no mencionaram de forma relevante a atuao dasagncias reguladoras como um problema no setor, como fora relatado pe-

    los juzes e desembargadores no Grupo de discusso.

    3) Percepo sobre o padro de atuao do Judicirio

    Para os magistrados, os entendimentos do PJ esto em permanente trans-

    formao. Alguns pontos at agora pacficos podem ser objeto de futuras

    discusses e mudanas, seja pelas motivaes estritamente legais da inter-

    pretao, seja pelas influncias causadas pelo aumento da demanda dos

    usurios. A no admisso da unilateralidade do TOI ainda pacfica, mas h um co-

    meo de discusso sobre o tema entre os juzes. O ponto mais divergente

    no entendimento a concesso e/ou quantificao do dano moral.

    Juzes afirmam no haver um entendimento pr-consumidor a priori, desfa-

    vorvel concessionria. Contudo, reconhecem que a legislao do direito

    do consumidor tutela os hipossuficientes nas relaes de consumo.

    Juzes acreditam na eficcia de mutires e conciliao, mas essas prticas

    somente tero sucesso se forem acompanhadas de uma mentalidade coo-

    perativa por parte das empresas.

    Juzes acreditam que as aes coletivas so uma soluo interessante paraa resoluo de problemas coletivos, como as demandas de consumo.

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    4) Avaliao da atuao e imagem das concessionrias segundo os magistrados

    Para os juzes, no seria possvel indicar uma empresa exemplar no trata-mento de conflitos de consumo, mas sim empresas com boas prticas. Em

    relao Light, os juzes foram bastante divergentes: para alguns uma das

    empresas exemplares e, para outros, est entre as piores empresas atuando

    nos processos judiciais. Contudo, tm uma imagem pessoal bastante posi-

    tiva da concessionria.

    Anexo 1: Notas do Grupo de discusso com osmagistrados no Tribunal de Justia do Estado do Rio de

    Janeiro

    1.O Poder Judicirio brasileiro apresenta uma capacidade limitada de processamento

    uma porta grande de entrada, com uma porta estreita de sada, que est direta-

    mente relacionada ao desenvolvimento dos conceitos de cidadania e acesso Justi-

    a (constitucionalizao do direito de forma abrangente). No entanto, os problemas

    devem ser resolvidos antes da necessidade de judicializao medidas de preveno

    somadas melhoria do sistema.

    2.A ineficincia da regulao das concessionrias por parte das agncias com

    eventual ingerncia poltica fator prejudicial para a conformao de tais agentes(concessionrias) como atuantes em prol dos interesses da sociedade.

    3. O mau funcionamento das concessionrias um dos aspectos de maior destaque

    (margem litigncia permisso para que o consumidor entre em juzo).

    4. Para o fiel cumprimento da lei, no basta indenizar: deve-se prevenir (mudana de

    cultura ao ex ante).

    5.Corte de energia: questo permanente e coletiva.

    6.A Light apresenta, sobretudo, um problema procedimental.

    7. Na cultura brasileira ainda economicamente mais vantajoso ser demandado judi-

    cialmente a implantar procedimentos para uma efetiva prestao do servio pblico.

    8.A maior parte das aes consumeristas gratuita ou tm custas nfimas, fato que

    dificulta a manuteno do PJ e o pagamento das custas para seu adequado funcio-

    namento.

    9. Em razo da ineficincia do PJ, opta-se, crescentemente, pelo juzo arbitral (maisceleridade e tecnicidade).

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    10. As terceirizaes do servio tambm so um ponto relevante falta de compro-

    metimento egapentre os sistemas.

    11. A elevada demanda judicial poderia ser solucionada de modo mais clere, median-

    te a melhoria do atendimento e dos procedimentos da Light (o Judicirio funciona

    como o atendimento da Light).

    12.Concentrao regional dos processos: populao de baixa renda.

    13.A demora na soluo de problemas por parte da Light deve-se especialmente a

    uma piora na poltica de conciliao da concessionria (queda no nmero de acor-

    dos).

    14. Descumprimento da Resoluo no414/10 da ANEEL (respeito ao prazo para ocorte de energia).

    15.Comparao entre a Light e a CEG: o sucesso da CEG deve-se diligncia da

    companhia, que apresenta o contrato ao consumidor, esclarece suas regras, verifica a

    viabilidade do fornecimento e realiza acordos com eficincia.

    16.Precariedade dos procedimentos conciliatrios (decises por golpe de vista).

    17.Soluo vinda do Ministrio Pblico: para os magistrados, o valor da multa em uma

    ao civil pblica seria a nica forma de sensibilizar os acionistas. Contudo, o interes-se no a quebra da concessionria, mas a mudana da cultura.

    18.Pontos problemticos (casos recorrentes no PJ em funo da prestao de servio

    indevida por parte da Light):

    Anexo 2: Roteiro da entrevista com os magistrados

    ATORES ENVOLVIDOS NO PROCESSO: MAGISTRADOS

    Explicar o objetivo da pesquisa ao entrevistado: pesquisa versa sobre o diagnstico

    das causas de aumento das demandas judiciais no setor eltrico (dados dos Juiza-

    dos e do TJ/RJ demonstram que as demandas judiciais de consumo ligadas ao setor

    eltrico vm aumentando no Rio de Janeiro). O objetivo desenvolver um programavoltado para a preveno de conflitos de consumo, a filtragem da sua litigiosidade

    potencial e a reduo do seu passivo judicial.

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    Questes gerais

    1. Em sua opinio, por que h tantas aes contra as concessionrias deenergia eltrica no Rio de Janeiro? (Explorar principais fatores que vem

    provocando esse aumento no volume de demandas, ou seja, os fatores

    geradores de conflitos.)

    Caso o entrevistado no compare o setor eltrico com outros setores de

    consumo de massa, perguntar:

    1.1 Na sua viso, h algo especfico ao setor eltrico que estimule o volu-

    me de processos comparados a outros setores de servios?

    2. Pensando no aspecto da regulao do setor eltrico (legislao e normas

    da ANEEL) existe alguma lacuna ou conflito de entendimento que pode-

    ria explicar a litigiosidade no setor eltrico no que se refere ao consumo?Se existe, quais so os pontos de conflito?

    3. Quais as demandas mais comuns no setor eltrico em termos de tema

    (objeto)? So demandas repetitivas? (Explorar, caso no aparea na fala,

    a questo de recuperao de energia a principal questo que gera

    conflitos hoje?)

    4. Qual o perfil dos litigantes?

    5. Existem diferenas entre os tipos de demandas da Light e da Ampla?

    (EXPLORAR quais so essas diferenas se houver tanto em termos de

    volume, tipo de demanda e perfil de litigante.)

    6. Como percebe a atuao da Light onde a concessionria tem erradoe onde tem acertado ao lidar com as demandas de consumo? (Explorar

    especificamente as demandas de recuperao de energia.)

    7. Como percebe a atuao da Ampla em que a concessionria tem errado

    e em que tem acertado ao lidar com as demandas de consumo?

    Questes especficas

    8. Como o Judicirio tem lidado com as demandas de consumo de energia?

    Existe um padro de entendimento?

    9. Na sua viso, quais seriam as alternativas possveis da Justia para lidarcom esse volume?

    10. Como voc v os mutires?

    11. Na sua viso, existiriam alternativas judicializao desses tipos de con-

    flitos? possvel resolver esse problema fora da Justia, sem prejudicar

    o direito ao acesso a ela? Como? Existe algum tratamento especfico ou

    solues para isso (pr-processual, conciliatria, gerencial ou dentro da

    estrutura do Jurdico interno ou externo da instituio)?

    12. Os dados indicam que as decises tm sido predominantemente contr-

    rias concessionria. Qual , na sua interpretao, a principal razo para

    o Judicirio decidir desfavoravelmente concessionria?13. Fala-se muito da existncia de alguns escritrios especializados em in-

    gressar com demandas contra a Light, que fariam aliciamento da cliente-

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    la. O cliente muitas vezes faz o gato e estimulado a litigar. Como voc

    percebe isso no seu dia a dia no Juizado? (Explorar se isso acontece e

    como lidar com essa tenso entre combate fraude de forma a preservaro acesso Justia.)

    14. O TJ/RJ editou um enunciado decretando a unilateralidade do TOI para

    fins de recuperao de energia. Qual sua percepo acerca desse ins-

    trumento, uma vez que aResoluo no414/10 da ANEEL determina ex-

    pressamente a elaborao do TOI para caracterizao da irregularidade?

    15. Na sua viso, o que seria necessrio para legitimar e validar essa inspe-

    o/fiscalizao para a recuperao de energia e o combate s fraudes?

    16. Qual seria para voc, hoje, uma empresa exemplar no tratamento de con-

    flitos de consumo? Na Justia e fora dela (na resoluo de conflitos com

    o consumidor).17. O que exemplar e o que pior no tratamento de conflitos de consumo

    em termos de segmento?

    18. Considerando o contexto atual referente s questes de consumo no

    setor eltrico, em sua opinio, quais so os limites do Judicirio na defesa

    do consumidor?

    19. Nocenrioatual, qual suaopiniosobre a utilizao de aes coletivas

    na defesa do consumidor?

    Imagem

    20. Qual sua viso pessoal sobre a Light? Qual imagem que voc tem

    dessa empresa?

    21. Qual viso que voc tem da Ampla?