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Júlio Medeiros
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HOMICÍDIO
1. INTRODUÇÃO
O homicídio reúne uma mistura de sentimentos – ódio, rancor, inveja,
paixão, etc. – que o torna um crime especial, diferente dos demais. Normalmente, quando
não estamos diante de criminosos profissionais (psicopatas), o homicida é autor de um
único crime, do qual, normalmente, se arrepende. Sabe-se que, na humanidade, o primeiro
homicídio foi cometido por Caim contra seu irmão Abel por um sentimento de inveja.
2. CONCEITO
O homicídio, do latim hominis excidium, é o crime por excelência. Nas
palavras de Nélson HUNGRIA (Comentários ao Código Penal, p.25), “é a mais chocante
violação do senso moral médio da humanidade civilizada”.
3. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA
De acordo com Rogério GRECO (Curso de Direito Penal, p.156), é crime
comum tanto no que diz respeito ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo; simples, de
forma livre (como regra, pois existem modalidades qualificadas que indicam os meios e
modos para a prática do delito, como ocorre nas hipóteses dos incisos III e IV), podendo
ser cometido dolosa ou culposamente, comissiva ou omissivamente (nos casos de omissão
imprópria, quando o agente usufruir status de garantidor), de dano; material; instantâneo
de efeitos permanente; não transeunte; monossubjetivo; plurissubsistente; podendo
figurar, também a hipótese de crime de ímpeto (como no caso da violenta emoção, logo
em seguida à injusta provocação da vítima).
4. SUJEITO PASSIVO
Pode ser qualquer ser humano. Após o nascimento toda e qualquer pessoa
que tenha vida pode ser vítima do crime de homicídio.
Dependendo de certas características do sujeito passivo, haverá
deslocamento do crime de homicídio para outros previstos em leis especiais. Assim, quem
mata dolosamente o Presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos
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Deputados ou o Presidente do Supremo Tribunal Federal, em síntese, a Lei de Segurança
Nacional (Lei nº 7.170/83), em seu art.29, especializou o homicídio no que diz respeito ao
seu sujeito passivo. Entretanto, deve-se levar em conta a motivação e os objetivos do
agente e a lesão real ou potencial aos seguintes bens jurídicos: a integridade territorial e a
soberania nacional; o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de
Direito; a pessoa dos Chefes dos Poderes da União.
Por sua vez, comete o crime de genocídio, previsto no art. 1º, da Lei n.
2.889/56, quem mata, com intenção de destruir, no todo em parte, grupo nacional, étnico,
racial ou religioso. Não é julgado pelo Tribunal do Júri.
5. A OBJETIVIDADE JURÍDICA DO HOMICÍDIO
A proteção do ser humano se inicia com a nidação (fixação do embrião na
parede do útero), e não com a fecundação. Caso contrário, a própria “pílula do dia
seguinte” seria abortiva.
De acordo com Rogério GRECO (Direito Penal, v.2, p.161), “a proteção da
vida, por intermédio do art.121 do Código Penal, começa a partir do início do parto,
encerrando-se com a morte do agente. Isso quer dizer que, uma vez iniciado o trabalho de
parto, com a dilatação do colo do útero ou com o rompimento da membrana amniótica,
sendo o parto normal, ou a partir das incisões das camadas abdominais, no parto cesariana,
até a morte do ser humano, que ocorre com a morte encefálica, nos termos do art.3º, da
Lei nº 9.4.34/97, mesmo que haja vida intrauterina, poderá ocorrer o delito em estudo”.
Para Cézar Roberto BITENCOURT (Tratado de direito penal, v.2, p.31), “a
vida começa com o início do parto, com o rompimento do saco amniótico; é suficiente a
vida, sendo indiferente a capacidade de viver. Antes do início do parto, o crime será de
aborto. Assim, a simples destruição da vida biológica do feto, no início do parto, já
constitui o crime de homicídio”.
Observe-se que a destruição da vida intrauterina em regra configura o delito
de aborto (art.124 do CP). De outro lado, a morte dada ao feto durante o parto perfaz, a
princípio, o delito de homicídio. Se o sujeito ativo for a mãe, durante ou logo após o parto,
sob a influência do estado puerperal, configura-se o delito de infanticídio (art.123 do CP).
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Neste sentido, Rogério GRECO (Direito Penal, p.162) é incisivo:
“acreditamos não haver necessidade de vida extrauterina para que se possa falar em
homicídio. O início do parto encerra, na verdade, a possibilidade de prática do delito de
aborto e dá início ao raciocínio dos crimes de homicídio e infanticídio”. A prova da vida
é indispensável à caracterização do homicídio.
Ademais, é indiferente a idade, o sexo, a raça, o grau de vitalidade da
vítima: a morte violenta do recém-nascido inviável ou a supressão do minuto de vida que
reste ao moribundo é homicídio. Uma vida, diz IMPALLOMENI, não deixa de ser uma
vida só porque esteja próxima a extinguir-se.
Deste modo, pessoas em coma ou mesmo aquelas condenadas à morte
podem ser sujeito passivo de homicídio caso assassinadas antes da execução oficial pelo
Estado. Lembre-se de que a Constituição Federal só prevê pena de morte em caso de
determinados crimes militares em tempo de guerra (art. 5º, XLVII, a).
6. CONSUMAÇÃO
Adotou-se o diagnóstico de morte encefálica como momento da cessação
da vida, nos termos do art.3º da Lei 9.434/97 (Lei de Transplantes), que regula a retirada
post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante.
Apesar da possibilidade de o resultado morte ocorrer até mesmo dias, ou
meses após a prática da conduta levada a efeito pelo agente, para fins de aplicação da lei
penal, considera-se praticado o crime, nos termos do art. 4º do Código Penal, no momento
da ação ou da omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.
É interessante notar, todavia, que em se tratando de homicídio tentado, para
efeitos de competência, a jurisprudência considera o local da atividade, em contraponto ao
estabelecido pelo Código de Processo Penal (local do delito).
A consumação, aliás, a fase derradeira do iter criminis mostra-se importante
na teoria e na prática por dois motivos:
Em regra, conforme o art. 111, I do CP, marca o início de contagem do
prazo da prescrição da pretensão punitiva, sendo que o código, neste ponto, adotou a
teoria do resultado;
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A consumação marca o foro competente, nos termos do art. 69, I do CPP.
Cuidado! No caso de homicídio doloso, onde a ação foi praticada em uma
cidade e o resultado ocorreu em outro município, a jurisprudência pacífica determina que o
agente seja julgado no local da conduta, para efeitos de melhor colheita de provas.
7. MEIOS DE EXECUÇÃO
Delito de forma livre, o homicídio pode ser praticado mediante diversos
meios, que podem ser subdivididos em: a) diretos (disparo de arma de fogo, golpe de faca,
esganadura); b) indiretos (utilização de inimputáveis; ataque de animal açulado pelo
dono); c) materiais (mecânicos, químicos, patológicos); d) morais (susto, medo, emoção
violenta).
Segundo Régis PRADO (Comentários ao Código Penal, p.416), é possível,
neste último caso, a superveniência da morte através do susto, da emoção violenta, do
medo ou de outros meios psíquicos ou morais, em sendo o sujeito passivo, por exemplo,
portador de distúrbio cardíaco.
8. MODALIDADES COMISSIVA E OMISSIVA
Haverá homicídio da modalidade omissiva quando o agente deixar de fazer
aquilo a que estava obrigado em virtude da sua posição de garante (crime omisso
impróprio), conforme preconizado pelo art.13, § 2º, alíneas a, b e c do CP.
Não se confunde com o crime de omissão de socorro qualificado pela morte,
no qual inexiste o dever jurídico de impedir o resultado.
9. ELEMENTO SUBJETIVO
É o dolo direto, podendo ser ele de primeiro ou segundo grau (dolo de
consequências necessárias), ou indireto, podendo ser eventual ou alternativo.
O elemento subjetivo serve também para diferenciar a tentativa de
homicídio do crime de lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º, do CP). Com efeito,
na tentativa o agente quer matar e não consegue, enquanto na lesão seguida de morte
ocorre exatamente o oposto, ou seja, o agente quer apenas lesionar, mas, culposamente,
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acaba provocando a morte. Neste ponto, há notória aplicação da teoria finalista da ação,
de Hans WELZEL.
10. ESPÉCIES
Doloso simples (art.121, caput); privilegiado (art.121, § 1º - causa especial
de diminuição da pena); qualificado (art.121, § 2º - meio, motivo ou modo); culposo
(art.121, § 3º); majorado culposo (art.121, § 4º, primeira parte, CP); majorado doloso
(art.121, § 4º, segunda parte, CP); qualificado-privilegiado (“figura híbrida”- doutrinária);
preterdoloso (art.129, § 3º - lesão corporal seguida de morte); condicionado (doloso
simples em atividade típica de grupo de extermínio – art.1º, inciso I da Lei 8.072/90).
10.1. HOMICÍDIO DOLOSO SIMPLES (art.121, caput, do CP)
“Matar alguém”. O vocábulo alguém se restringe a ser humano. O texto
legal não define quando um homicídio é considerado simples. Ao contrário, preferiu o
legislador definir expressamente apenas as hipóteses em que o crime é privilegiado (art.
121, § 1º) ou qualificado (art. 121, § 2º).
Dessa forma, é por exclusão que se conclui que um homicídio é simples,
devendo ser assim considerados os fatos em que não se mostre presente quaisquer das
hipóteses de privilégio e qualquer qualificadora.
Por exemplo, havendo discussão anterior ao acontecimento não há que se
falar na incidência da qualificadora do motivo fútil, tendo em vista que o motivo do crime
consiste nas consequências da discussão e não propriamente no motivo desta.
10.2. HOMICÍDIO SIMPLES NA ATIVIDADE DE GRUPO DE EXTERMÍNIO
É chamado pela doutrina de “homicídio condicionado”. Exemplo:
Chacinas da Candelária e de Vigário Geral, no Rio de Janeiro.
Os doutrinadores costumam salientar que, nesse caso, o homicídio constitui
crime hediondo, ainda que se apresente em sua modalidade simples. Trata-se, contudo, de
hipótese extremamente improvável, na medida em que os delitos de homicídio cometidos
por grupo de extermínio normalmente têm motivação torpe e são praticados de modo a
dificultar a defesa da vítima.
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Alias, diz Guilherme NUCCI (Código penal comentado, p.381), “a atividade
típica de grupo de extermínio sempre foi considerada pela nossa jurisprudência
amplamente majoritária um crime cometido por motivo torpe, razão pela qual se torna
impossível a ocorrência de homicídio simples, praticado por conta dessa motivação. O
sujeito que se intitula justiceiro e atua por conta própria eliminando vidas humanas
certamente age com desmedida indignidade”.
11. HOMICÍDIO PRIVILEGIADO
Existem três modalidades de homicídio privilegiado.
Na verdade, a expressão homicídio privilegiado, embora largamente
utilizada pela doutrina e pela jurisprudência, nada mais é do que uma causa especial de
redução de pena, tendo influência no terceiro momento da aplicação da pena (Sistema
trifásico, art.68 do CP).
Em síntese, para que pudesse, efetivamente, usufruir o status de
privilegiado, as penas mínima e máxima previstas no mencionado parágrafo deveriam ser
menores do que as do caput.
11.1. MOTIVO DE RELEVANTE VALOR SOCIAL OU MORAL
Relevante valor social é aquele motivo que atende aos interesses da
coletividade. A morte de um traidor da pátria ou matar ou perigoso estuprador que
aterroriza as mulheres e crianças de uma pacata cidade interiorana.
Relevante valor moral é aquele que, embora importante, é considerado
levando-se em conta os interesses do agente. Seria, por assim dizer, um motivo
egoisticamente considerado, a exemplo do pai que mata o estuprador de sua filha. Outro
exemplo é o da eutanásia, conhecida também como homicídio piedoso, médico,
compassivo, caritativo ou consensual. A eutanásia por omissão é conhecida como
ortotanásia, e ambas tipificam o crime de homicídio privilegiado.
A licença para a eutanásia deve ser repelida, principalmente, em nome do
direito. Em se tratando de homicídio privilegiado, “a emoção, quando atinge o seu auge,
reduz quase totalmente a vis electiva em face dos motivos e a possibilidade do self-
control”, explica Nélson HUNGRIA (Comentários ao Código Penal, p.135).
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11.2. SOB O DOMÍNIO DE VIOLENTA EMOÇAO, LOGO EM SEGUIDA À INJUSTA
PROVOCAÇÃO DA VÍTIMA
a) Expressão “sob o domínio” não se confunde com a expressão “sob a
influência” (art.65, inciso III, alínea c do CP). Esta é uma das diferenças entre o privilégio
da violenta emoção e a atenuante genérica homônima (mesmo nome).
b) Expressão “violenta emoção”. Conforme HUNGRIA (Comentários ao
Código Penal, p.150), a emoção “é um estado de ânimo ou de consciência caracterizado
por uma viva excitação do sentimento”. No texto do § 1º do art.121, onde está escrito
“emoção”, pode ler-se “cólera” ou “ira”, pois esta é a emoção específica que em nós se
produz quando sofremos ou assistimos a uma injustiça. Emoção estênica ou reacionária,
por excelência, “a ira, se não é contida a tempo, pode conduzir aos maiores desatinos”,
diz o aludido penalista.
Crimes passionais são criticados por inúmeros autores, tais como Rogério
GRECO (Direito Penal, p.176) e Roberto LYRA (Como julgar, como defender, como
acusar, p.99). Nos julgamentos realizados pelo Júri, embora não devam ser admitidos os
chamados crimes passionais, como os jurados, em geral, se colocam no lugar daquele que
praticou a infração penal, absolvem muitas vezes, o agente de fatos que, de acordo com a
lei penal, ensejariam condenações.
Em síntese, o passionalismo que vai até o assassínio muito pouco tem a ver
com o amor. “Quando não seja a expressão de um desequilíbrio psíquico, é um chocante
espetáculo de perversidade”, diz HUNGRIA (p.153).
c) Expressão “logo após” denota relação de imediatidade, de proximidade
com a provocação injusta a que foi submetido o agente.
Quando alguém mata em razão de ter flagrado cônjuge ou companheiro em
ato de adultério, é possível o reconhecimento do privilégio, pois é inegável que a situação
do flagrante provoca violenta emoção e que o adultério é considerado ato de injusta
provocação. Não se trata aqui de morte baseada em mero ciúme, e sim de violenta emoção
decorrente do flagrante de adultério.
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No passado alguns homens que cometeram crimes em tal situação foram
absolvidos por legítima defesa da honra. Os Tribunais, todavia, há muitos anos, rechaçam
tal possibilidade de absolvição, alegando que existe completa desproporção entre o
homicídio e o ato de adultério, o que inviabiliza a absolvição por legítima defesa. O
privilégio, porém, tem sido plenamente aceito em tais casos.
d) Finalmente, merece destaque, também, a locução “injusta provocação”.
Prima facie, devemos distinguir o que vem a ser injusta provocação, que permite a redução
da pena, da chamada injusta agressão, que conduzirá ao completo afastamento da infração
penal, em virtude da existência de uma causa de justificação, vale dizer, a legítima defesa.
11.3. A REDUÇÃO DA PENA É OBRIGATÓRIA?
O posicionamento mais acertado é o de que a redução é imperativa. Esse
entendimento, aliás, é consentâneo ao teor da Súmula 162 do STF, que diz: “É absoluta a
nulidade do julgamento, pelo júri, quando os quesitos da defesa não precedem aos das
circunstâncias agravantes” (grifamos). Assim, por mera interpretação, os quesitos da
defesa são obrigatórios, portanto, a aplicação da redução especial de pena deve ser levada
ao conhecimento dos jurados e, caso aceita, deverá ser aplicada pelo Juiz Presidente do
Júri.
12. HOMICÍDIO QUALIFICADO (art.121, § 2º, incisos I a V do CP)
A ratio essendi do homicídio está na motivação, razão pela qual, ainda
assim, o delito será qualificado. A motivação, expressão das qualificadoras subjetivas, está
prevista nos incisos I, II e V.
12.1. MEDIANTE PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA, OU POR OUTRO
MOTIVO TORPE (inciso I);
Motivo torpe é aquele vil, repugnante, asqueroso, ignóbil, que causa
repulsa à sociedade. Note-se que a lei penal vale-se, nesse caso, da interpretação
analógica, admitida em Direito Penal (o que é vedado é o emprego da analogia in malam
partem), pois estabelece dois exemplos iniciais da torpeza e, em seguida, generaliza,
afirmando “ou outro motivo torpe”, para deixar ao encargo do intérprete a inclusão de
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circunstâncias não expressamente previstas, mas consideradas igualmente ignóbeis,
ressalta Guilherme NUCCI (Código Penal comentado, 2010, p.610).
O homicídio, como regra, classifica-se como crime de concurso eventual,
pois, normalmente, pode ser cometido por uma só pessoa ou por duas em concurso. A
figura qualificada em análise, todavia, constitui exceção, na medida em que pressupõe o
envolvimento mínimo de duas pessoas, sendo, por isso, classificada como crime de
concurso necessário.
A pessoa que contrata é chamada de mandante e a pessoa contratada de
executora. É comum, nesse sentido, a existência de mais de um mandante e, ainda mais
comum, a de vários executores. Também há possibilidade de existirem intermediários —
pessoas que, a pedido do mandante, entram em contato com o executor e o contratam para
matar a vítima — e que também respondem pelo crime. Por isso, é também conhecido
como homicídio mercenário ou “crime de mando”. O executor neste crime é chamado de
sicário, conforme diz Rogério SANCHES.
Tema controverso: deverá o mandante responder, também, pelo homicídio
qualificado pelo simples fato de ter prometido vantagem para que alguém o praticasse?
Entendemos que não. Isto porque todas as qualificadoras devem ser consideradas como
circunstâncias. Aquele que recebe a paga ou aceita a promessa de recebimento da
vantagem para que pratique o homicídio, o faz por um motivo torpe. Exemplo: caso Ceci
Cunha. Por outro lado, pode ocorrer, inclusive, que o mandante possua um motivo de
relevante valor moral, que não se confundirá com aquele que motivou o executor a cometer
o homicídio.
De se ver, aliás, que se o executor recebe o dinheiro adiantado e desaparece
com os valores, sequer procurando a vítima para iniciar o crime de homicídio, temos a
hipótese do art. 31 do Código Penal (casos de impunibilidade) em que nenhum dos
envolvidos será punido.
Esse dispositivo diz que o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio,
salvo disposição expressa em sentido contrário, não são puníveis, se o crime não chega,
pelo menos, a ser tentado. Assim, ainda que o homicídio não tenha sido tentado por
razões que estão fora do controle do mandante, ele não será punido.
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Em suma, esta figura analisada sem enquadra no conceito de crime de
concurso necessário, pois tem como requisito o envolvimento mínimo de duas pessoas, o
mandante e o executor. Essa qualificadora é aplicada mesmo se um dos agentes não for
identificado.
Questão polêmica: caso os dois tenham sido identificados, a qualificadora
deve ser aplicada a ambos? Como o delito pressupõe o envolvimento de ambos, segundo o
STF, em regra a qualificadora se aplica para os dois. Exceção ocorre quando os jurados
reconhecem o privilégio somente para o mandante e automaticamente a qualificadora
estará afastada, de modo que o crime será qualificado para o executor e privilegiado para
o mandante.
12.2. MOTIVO FÚTIL (inciso II)
O motivo é fútil quando notavelmente desproporcionado ou inadequado, do
ponto de vista do homo medius e em relação ao crime de que se trata. Se o motivo torpe
revela um grau particular de perversidade, o motivo fútil traduz o egoísmo intolerante,
prepotente, mesquinho, que vai até a insensibilidade moral, explica HUNGRIA (p.164). A
futilidade pode ser imediata ou mediata (indireta), apenas a primeira hipótese
qualifica o crime.
Crime sem motivo. Para DAMÁSIO (Direito penal, p.67), “o motivo fútil
não se confunde com a ausência de motivo. Assim, se o sujeito pratica o fato sem razão
alguma, não incide a qualificadora, nada impedindo que responda por outra, como é o caso
do motivo torpe”.
Diverso é o entendimento de Fernando CAPEZ, para quem: “matar alguém
sem nenhum motivo é ainda pior que matar por mesquinharia, estando, portanto, incluído
no conceito de fútil” (Curso de direito penal, p.48). No mesmo sentido, assinala Rogério
GRECO (Curso de direito penal, p.187): “O que não podemos confundir é o fato de não
sabermos o motivo e, sem mais, qualificar o homicídio com o crime de morte sabidamente
sem motivo, ou seja, matar por matar, que dificilmente ocorre. Pelo fato de não
sabermos o motivo do homicídio não podemos reputá-lo como qualificado; ao
contrário, aquele que mata alguém sem qualquer motivo, um minus, ainda, com relação ao
homicídio fútil, deve merecer a qualificadora” (grifamos).
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Já para Cézar Roberto BITENCOURT, trata-se a hipótese de homicídio
simples, tendo-se em vista a proibição de analogia in malam partem.
Em conclusão, motivo fútil é aquele onde há um abismo entre a motivação e
o comportamento extremo levado a efeito pelo agente; mesquinho; banal; flagrantemente
desproporcional ao resultado produzido, que merece ser verificado sempre no caso
concreto. Não se confunde, ainda, com motivo injusto.
12.2.1. DISCUSSÃO ENTRE AS PARTES ANTES DO CRIME
Não se tem reconhecido a qualificadora do motivo fútil quando a razão do
crime é uma forte discussão entre as partes, ainda que o entrevero tenha surgido por
motivo de somenos importância. Esta é a chamada futilidade indireta ou mediata.
Nesse sentido, entende o TJ/MG (RESE nº 1.0394.08.087413-1/001, rel.
Des. Agostinho Gomes de Azevedo):
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - PRONÚNCIA - HOMICÍDIO
QUALIFICADO PELO MOTIVO FÚTIL - IRRESIGNAÇÃO
DEFENSIVA - QUALIFICADORA - MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA -
FUTILIDADE INDIRETA - QUERELA ANTERIOR ENTRE A VÍTIMA
E O ACUSADO - DECOTE DA QUALIFICADORA QUE SE IMPÕE -
RECURSO PROVIDO. A futilidade indireta ou mediata não autoriza o
reconhecimento da qualificadora prevista no inciso II, do §2º, do art.
121, do Código Penal Brasileiro. Se manifestamente improcedente, a
qualificadora do motivo fútil deve ser alijada da pronúncia.
Sobre o tema, aliás, discorre Guilherme de Souza NUCCI: “(...) Ressalta, no
entanto, CUSTÓDIO DA SILVEIRA que a 'futilidade do motivo deve prender-se
imediatamente à conduta homicida em si mesma: quem mata no auge de uma altercação
oriunda de motivo fútil, já não o faz somente por este motivo mediato de que se originou
aquela' (Direito Penal - Crimes contra a pessoa, p. 61). (...) Em suma: há futilidade direta
ou imediata, que serve para qualificar o homicídio, bem como futilidade indireta ou
mediata, que não faz nascer o aumento da pena. (...)'' (in Código Penal Comentado, 10ª
edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 610/611).
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12.2.2. O MOTIVO DO HOMICÍDIO PODE SER CONCOMITANTEMENTE FÚTIL E
TORPE?
A resposta é negativa. Com efeito, embora seja compreensível certa
dificuldade em se estabelecer qual delas deve ser reconhecida no caso concreto, uma vez
que o motivo pequeno certamente guarda algo de imoral (torpe), é efetivamente necessário
que se escolha uma das figuras que melhor se enquadre no caso concreto. É completamente
inadmissível a denúncia alternativa, viola a garantia da ampla defesa.
Como o motivo fútil é especial em relação ao torpe, o critério a ser
estabelecido é muito simples: se a característica marcante quanto à motivação for a
desproporção entre o crime e o motivo, é a futilidade que deve ser reconhecida.
Se, entretanto, não se mostrar presente tal aspecto, aplica-se o motivo torpe.
Por isso, quando uma pessoa mata por preconceito racial, para receber herança, para
satisfazer a lascívia, para cometer canibalismo, não há pequenez, mas completa
imoralidade na motivação, constituindo motivo torpe.
12.3. MEIOS: COM EMPREGO DE VENENO, FOGO, EXPLOSIVO, ASFIXIA,
TORTURA OU OUTRO MEIO INSIDIOSO OU CRUEL, OU DE QUE POSSA
RESULTAR PERIGO COMUM (inciso III);
Veneno é a substância química ou biológica que, introduzida no organismo,
pode causar a morte. Divide-se em gasoso (como o óxido de carbono, os gases de guerra),
voláteis (álcool, clorofórmio, benzina), mineral (mercúrio, chumbo, arsênio, cáusticos) e
orgânico fixo (barbitúricos, alcalóides).
O homicídio qualificado pelo emprego de veneno é também conhecido
como venefício e sua configuração pressupõe que seja introduzido no organismo da vítima
de forma dissimulada (meio insidioso), sem que a vítima perceba, como, por exemplo,
misturando-o na sua bebida ou refeição, colocando-o no interior de cápsula de remédio
ordinariamente ingerido por ela etc. São comuns em nosso país casos em que se misturam
fortes raticidas ao café que a vítima irá tomar ou ao doce que ela irá comer etc.
Interessante notar que se o veneno for inoculado no organismo da vítima
com emprego de violência, configura-se a qualificadora do meio cruel (é o que ocorre
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quando o agente prende a vítima em recinto repleto de cobras altamente venenosas que
picam a vítima por várias vezes, causando sua morte).
Por sua vez, há entendimento no sentido de que se a vítima souber e
consentir em que lhe ministrem veneno, não se aplica nenhuma das qualificadoras. A
constatação de que a causa da morte foi o veneno depende de prova pericial feita nas
vísceras ou no sangue da vítima.
Fogo é o resultado da combustão de produtos inflamáveis, da qual decorrem
calor e luz. Trata-se, em geral, de meio cruel. Exemplo: queimar a vítima até a morte.
Todavia, conforme explica Cléber MASSON (Direito penal esquematizado – parte
especial, Método, 2012, p.34), se do seu emprego um número indeterminado de pessoas
puder ser exposto a perigo de dano, o crime será qualificado pelo meio de que possa
resultar perigo comum. Exemplo: matar uma pessoa mediante o incêndio de seu imóvel,
situado ao lado de diversas outras moradias.
Explosivo é o produto com capacidade de destruir objetos em geral,
mediante detonação e estrondo. Caracteriza, normalmente, meio de que possa resultar
perigo comum. Exemplo: explodir o automóvel da vítima que trafegava em movimentada
via pública. “Nada impede, porém, a configuração do meio cruel”, diz Cléber
MASSON, citando o seguinte exemplo: amarrar a vítima em uma árvore e prender uma
bomba ao seu corpo, de forma a matá-la com a força da explosão.
Nesses dois meios de execução – fogo e explosivo -, pode acontecer de
serem destruídas, inutilizadas ou deterioradas coisas alheias. No conflito aparente de
normas penais, entretanto, o crime de dano qualificado pelo emprego de substância
inflamável ou explosiva será afastado, por tratar-se de hipótese de subsidiariedade
expressa.
De fato, o art.163, parágrafo único, inciso II, do Código Penal é peremptório
ao determinar a ocorrência do dano qualificado somente “se o fato não constitui crime
mais grave”. E, evidentemente, o homicídio qualificado pelo emprego de fogo ou
explosivo é delito mais grave.
Asfixia é a supressão da função respiratória, com origem mecânica ou
tóxica. A asfixia mecânica pode ocorrer pelos seguintes meios:
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a) estrangulamento: constrição do pescoço da vítima por meio de
instrumento conduzido pela força, do agente ou de outra fonte qualquer,
desde que não seja o próprio peso do ofendido (exemplos: utilização de
corda ou arame apertado pelo homicida). Se for utilizado o peso da vítima,
será caso de enforcamento;
b) esganadura: aperto do pescoço da vítima provocado diretamente pelo
agressor, que se vale do seu próprio corpo (exemplos: mãos, antebraços);
c) sufocação: emprego de objetos que vedam o ingresso de ar pelo nariz ou
pela boca da vítima (exemplo: colocação de um saco plástico na garganta
do ofendido);
d) enforcamento: constrição do pescoço da vítima provocada pelo seu
próprio peso, em razão de estar envolvido por uma corda ou outro aparato
de natureza similar (exemplo: forca);
e) afogamento: inspiração excessiva de líquidos, não se exigindo a imersão
da vítima (exemplos: afundar alguém em uma piscina ou fazê-la ingerir
água até a morte). Um sinal em Medicina Legal que constata esse tipo de
morte é o “cogumelo de espuma” na boca da vítima;
f) soterramento: submersão em meio sólido (exemplo: enterrar uma pessoa
com vida); e
g) imprensamento: impedimento da função respiratória pela colocação de
peso sobre o diafragma da vítima, de modo que, em decorrência desse peso
ou da exaustão por ele provocada, ela não mais seja capaz de efetuar o
movimento respiratório. Esse meio é também conhecido como “sufocação
indireta”, como explica o promotor Cléber MASSON (Direito penal
esquematizado – parte especial, 2012, p.35).
Por sua vez, a asfixia tóxica pode verificar-se pelas seguintes formas:
a) uso de gás asfixiante ou inalação. Exemplo: prender a vítima em um
ambiente fechado e abrir a torneira do gás de cozinha; e
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b) confinamento: colocação da vítima em recinto fechado em que não há
renovação do oxigênio por ela consumido. E, atenção, se a vítima for
colocada em um caixão e enterrada viva, a causa da morte será a asfixia
tóxica por confinamento, e não a asfixia mecânica por soterramento.
Conclusão: a asfixia pode constituir meio cruel (exemplos: afogamento ou
soterramento, entre outros) ou insidioso (exemplo: uso de gás tóxico, inalado pela vítima
sem nota-lo).
A tortura, que pode ser física ou moral (art.1º da Lei 9.455/97), é o meio
cruel por excelência. O meio cruel, em singelas palavras, é aquele que causa um
sofrimento desnecessário à vítima. Vale lembrar que a tortura com resultado morte (art.1º,
§ 3º da Lei 9.455/97) é crime essencialmente preterdoloso, cuja competência é do juízo
singular.
Meio insidioso é o que consiste no uso de estratagema, de perfídia, de uma
fraude para cometer um crime sem que a vítima o perceba. Exemplo: retirar o óleo de
direção do automóvel para provocar um acidente fatal contra seu proprietário.
Meio cruel é o que proporciona à vítima um intenso e desnecessário
sofrimento físico ou mental, quando a morte poderia ser provocada de forma menos
dolorosa. Esse meio contrasta com o mais elementar sentimento de piedade. Por exemplo:
matar alguém lentamente com inúmeros golpes de faca, com produção inicial dos
ferimentos em região não letal do seu corpo.
A reiteração de golpes isoladamente considerada não configura a
qualificadora do meio cruel. Depende da produção de intenso e desnecessário sofrimento à
vítima.
De acordo com Cléber MASSON, não incide a qualificadora quando o meio
cruel é empregado após a morte da vítima, pois a crueldade que caracteriza a qualificadora
é somente aquela utilizada para matar. O uso de meio cruel após a morte caracteriza, em
regra, o crime de homicídio (simples ou com outra qualificadora, que não a do meio cruel),
em concurso com o crime de destruição, total ou parcial, de cadáver (art.211, do CP).
Júlio Medeiros
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Meio de que possa resultar perigo comum é aquele que expõe não
somente a vítima, mas também um número indeterminado de pessoas a uma situação de
probabilidade de dano. Exemplos: diversos tiros certeiros contra a vítima quando se
encontrava em movimentada via pública.
12.4. MODOS: À TRAIÇÃO, DE EMBOSCADA, OU MEDIANTE DISSIMULAÇÃO
OU OUTRO RECURSO QUE DIFICULTE OU TORNE IMPOSSÍVEL A DEFESA DO
OFENDIDO (inciso IV);
A traição pode ser física (ataque súbito e sorrateiro, de inopino, p.ex., tiros
pelas costas) ou moral (quebra da confiança entre agente e vítima, p.ex., convidar
conhecido para consumir droga visando, após, feri-lo com mais facilidade).
Emboscada é sinônimo de tocaia; o sujeito passivo não percebe o ataque do
ofensor, que se encontra escondido. Pressupõe premeditação. O homicídio por ela
qualificado é também conhecido como homicidium ex-insidiis, como diz Cléber MASSON.
Dissimulação é a atuação disfarçada, hipócrita, que oculta a real intenção
do agente. Pode ser moral (quando o agente dá falsas mostras de amizade ou simpatia para
captar a atenção da vítima e, por exemplo, leva-la a um local ermo e mata-la) ou material
(utilização de disfarce ou algum aparato, tal como uma farda policial ou se fazer passar
como “entregador de cartas”).
Traição moral não se confunde com dissimulação moral; na primeira,
pressupõe-se uma relação de amizade preexistente entre os sujeitos, que foi quebrada;
na dissimulação, o agente, desde o começo, já pretendia ganhar a confiança do ofendido
para cometer o delito.
A traição, por exemplo, foi utilizada por Guilherme de Pádua no caso
Daniela Pérez. Neste inciso ocorre nítida interpretação analógica, após fórmulas
casuísticas seguem regras gerais.
Há diferença, para fins de identificação da traição, entre o golpe efetuado
nas costas da vítima, e aquele praticado “pelas costas”. Pelas costas configura-se a
traição, quando o agente ataca a vítima por trás, sem que ela pudesse percebê-lo. Golpe
nas costas identifica a região do corpo onde o golpe foi produzido. Muitas vezes, o golpe é
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aplicado nas costas, mas não se configura traição. Exemplos: vítima subjugada que aplica
um punhal nas costas; troca de tiros em perseguição.
Muitos penalistas criticam a expressão “recurso que dificulte a defesa do
ofendido”, uma vez que o Ministério Público quase sempre se utiliza dessa qualificadora.
Em síntese, a utilização de arma de fogo com certeza “dificulta” a defesa da vítima,
portanto, referido inciso deve ser interpretado cum grano salis, seriam exemplo: matar a
vítima quando se encontra em estado de embriaguez, com manifesta superioridade
numérica de agentes (linchamentos).
12.5. FINS: PARA ASSEGURAR A EXECUÇÃO, A OCULTAÇÃO, A IMPUNIDADE
OU A VANTAGEM DE OUTRO CRIME (inciso V);
De acordo com Rogério GRECO (Direito Penal, p.194), diz-se teleológica a
conexão quando se leva em consideração o fim em virtude do qual é praticado o homicídio.
No caso da qualificadora do inciso V, será considerada teleológica a conexão quando o
homicídio é cometido com o fim de assegurar a execução de outro crime. Por exemplo,
matar o vigilante da agência bancária no dia anterior à prática do crime de roubo. Ressalte-
se que, neste caso, o homicídio é cometido para que se assegure a execução de um crime
futuro.
Por sua vez, consequencial é a conexão em que o homicídio é cometido
com a finalidade de assegurar a ocultação ou a vantagem de outro crime. Ao contrário da
situação anterior, aqui o delito de homicídio é praticado com vistas a ocultar, assegurar a
impunidade ou a vantagem de um crime já cometido.
É o chamado homicídio por conexão teleológica ou consequencial. E se é
cometido para assegurar a impunidade de uma contravenção penal? Não se pode ampliar a
qualificadora a fim de nela abranger outras hipóteses, sob pena de configurar analogia in
malam partem. Todavia, conforme a hipótese, o agente pode responder pelo homicídio
qualificado pelo motivo fútil ou torpe.
Não pode ser confundido com o latrocínio, em que, no final das contas,
também ocorre uma morte para se assegurar ou garantir a impunidade de um roubo.
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Finalmente, “a denominada conexão ocasional é a prática de um crime no
mesmo cenário em que se comete outro. Trata-se de simples concurso material, não
envolvendo, pois, esta qualificadora. É o que ocorre se alguém, após matar o desafeto,
resolve levar-lhe os bens”, explica NUCCI (Código Penal comentado, 2010, p.616) (grifo
nosso).
12.6. COMUNICABILIDADE DAS QUALIFICADORAS
As qualificadoras objetivas se comunicam desde que o comparsa tenha
ciência. É importante frisar que todas as qualificadoras devem ser consideradas como
circunstâncias, e não como elementares do tipo. Tal raciocínio é necessário pelo fato de
que o art.30 do Código Penal determina: “Não se comunicam as circunstâncias e as
condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”. Já as qualificadoras
subjetivas não se comunicam.
12.7. HOMICÍDIO QUALIFICADO-PRIVILEGIADO
O homicídio pode ser concomitantemente qualificado e privilegiado? Sim,
desde que as qualificadoras sejam de ordem objetiva. Trata-se, pois, de uma figura
híbrida. Neste sentido, aliás, são os escólios de Fernando CAPEZ (Curso de Direito Penal,
p.42):
“Reconhecida a figura híbrida do homicídio privilegiado-qualificado, fica
afastada a qualificação de hediondo do homicídio qualificado, pois, no
concurso entre as circunstâncias objetivas (qualificadoras que convivem
com o privilégio) e as subjetivas (privilegiadoras), estas últimas serão
preponderantes, nos termos do art.67 do CP, pois dizem respeito aos
motivos determinantes do crime” (grifamos).
O privilégio, sempre subjetivo, é circunstância preponderante,
desnaturando a hediondez do delito (é a que prevalece no STF/STJ). Assim, a
jurisprudência admite a possibilidade de ocorrência de homicídio qualificado-privilegiado,
desde que existe compatibilidade lógica entre as circunstâncias. O que não se pode acolher,
conforme ressalta Guilherme NUCCI, “é a convivência pacífica das qualificadoras
subjetivas com qualquer forma de privilégio” (Código Penal comentado, 2010, p.608).
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12.8. COMPATIBILIDADE DAS QUALIFICADORAS COM O DOLO EVENTUAL
A doutrina se divide, mas tudo o que cabe para o dolo direito, cabe para o
eventual. Ocorre que essa premissa ficou abalada com o julgamento do HC 95.136. Como
se vê, o STF entendeu incompatível o dolo eventual com a qualificadora do homicídio
consistente em praticar o fato com recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do
ofendido (art.121, § 2º, inciso IV do CP).
12.9. PREMEDITAÇÃO, CIÚME, VINGANÇA E CRIME DE ÍMPETO
Sobre a premeditação do crime, optou o legislador por não prever essa
circunstância como qualificadora do homicídio. Explica-se tal posicionamento, segundo
Régis PRADO (Comentários ao Código Penal, p.420) “pelo fato de a premeditação não
revelar, necessariamente, disposição de ânimo fria e calculista. Com efeito, pode
indicar indecisão ou relutância, sendo inclusive possível a prática premeditada de um
homicídio por motivo de relevante valor social ou moral e a execução de inopino do
mesmo delito, por motivo fútil” (grifamos).
Em síntese, a existência da premeditação em um homicídio parece ter
grande relevância para a opinião pública, pois, sempre que ocorre um homicídio de grande
repercussão, os jornalistas se apressam em verificar junto às autoridades se houve ou não
premeditação. Esse fator, entretanto, não altera a pena.
Existem algumas qualificadoras, como a emboscada e a dissimulação, que
exigem um mínimo de premeditação pelas próprias peculiaridades da figura qualificada.
De se ressaltar, contudo, que a qualificadora se deve à emboscada ou à dissimulação e não
à premeditação nelas contida.
Em contrapartida, normalmente chama-se crime de ímpeto a infração penal
em que o agente pratica a conduta nele prevista de forma impensada, explosiva,
emocionada, sem que, para tanto, tenha tempo para refletir a respeito do seu
comportamento criminoso.
Ciúmes. Nossa doutrina é unânime em assinalar que o ciúme não pode ser
interpretado como um motivo pequeno, pois, para quem o sente, trata-se de sentimento
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forte. A regra vale para ciúme entre marido e mulher, namorados, filhos em relação aos
pais e vice-versa etc.
É imensa a jurisprudência no sentido de que o ciúme não é em si um
motivo fútil ou insignificante que possa qualificar crime de homicídio. Nas palavras do
Ministro Sepúlveda Pertence, “é imensa a jurisprudência, sobretudo dos severos tribunais
de São Paulo, de que o ciúme, o monstro verde a que se referia Shakespeare, não é em si
um motivo fútil, não é um motivo insignificante que permite a qualificação”, concluiu (HC
90.744, STF).
É preciso, contudo, que essa regra não seja interpretada de forma
absoluta, pois existem situações práticas em que o agente mata a namorada apenas porque
“ela olhou para o lado”, não sendo viável excluir-se, de plano, a qualificadora em tal
hipótese em que é evidente a desproporção entre o ato e o ciúme dele gerado.
Por sua vez, o sentimento de vingança, se fosse analisado de forma isolada,
poderia passar a impressão de que necessariamente constituiria motivo torpe, por ser
imoral. É pacífico, entretanto, que a vingança não pode ser apreciada como um ato
isolado, pois, por definição, vingança é uma retribuição ligada a um fato anterior.
Desse modo, para se verificar se a vingança constitui motivo torpe, é
necessário analisar, em cada caso concreto, o que a originou (ponto de apoio). Se ela tiver
se originado de um antecedente torpe, haverá a qualificadora, caso contrário, não.
Por isso, quem mata o credor por vingança, por ter ele ingressado com ação
judicial de cobrança, responde por crime qualificado. Da mesma forma, o traficante que
mata o usuário de droga que atrasou o pagamento de uma compra, ou ainda os integrantes
de facção criminosa que matam o Juiz das Execuções Penais por ter sido rigoroso nas
decisões enquanto estavam presos.
Ao contrário, quando o pai descobre quem foi o homem que, meses atrás,
abusou sexualmente de sua filha, e, por vingança, o mata, não responde pela forma
qualificada - sendo até mesmo hipótese de privilégio conforme estudado anteriormente.
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Conclusão: premeditação, ciúme e vingança não configuram a priori motivo
fútil nem torpe, mas podem qualificar o homicídio conforme as peculiaridades do caso
concreto e a sua origem.
12.10. DESQUALIFICAÇÃO NA PRONÚNCIA
Um tema bastante interessante e fruto de inúmeras discussões é a extinção
das qualificadoras da pronúncia (decisão interlocutória que envia o acusado a Júri – rito
escalonado), o que pode ser feito perfeitamente pelo juiz sumariante, sem que seja violado
o princípio da soberania do Júri, desde que as qualificadoras sejam manifestamente
incabíveis.
13. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DO HOMICÍDIO DOLOSO
Questão importante a ser enfocada é a que diz respeito ao fato de não ser o
latrocínio julgado pelo Júri, ainda que a morte da vítima seja dolosa. Nesse sentido, a
Súmula 603 do STF: “A competência para o julgamento do homicídio é do Juiz singular,
e não do tribunal do júri”.
Em síntese, o latrocínio encontra-se no Título correspondente aos crimes
contra o patrimônio (art.157, § 3º do CP – “se da violência resulta morte”), por isso é
infenso ao rol do art. 74 do Código de Processo Penal, já que o Tribunal do Júri, de
acordo com a competência que lhe é atribuída pela Constituição Federal, julga os crimes
dolosos contra a vida.
A questão é tão interessante que a Súmula 610 do STF disciplina o
momento consumativo do crime latrocínio (delito complexo por excelência), nos seguintes
termos: “Há crime de latrocínio quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o
agente a subtração de bens da vítima”. Portanto, ela faz referência expressamente ao
“homicídio”, mas não se pode confundir e para saber qual crime está ocorrendo basta
aplicar a teoria finalista da ação, de Hans WELZEL.
Vale destacar, ainda, que o Júri tem competência para julgar os crimes
conexos ao homicídio (art.78, inciso I, Código de Processo Penal), por exemplo, a
ocultação de cadáver e a fraude processual. Por fim, o genocídio e o vulgo homicídio
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preterdoloso (art.129, § 3º do CP - lesão corporal seguida de morte) são também da
competência do juiz singular.
14. HOMICÍDIO CULPOSO
É um tipo penal aberto, que depende, pois, da interpretação do juiz para
poder ser aplicado.
Admite a tentativa na modalidade culpa imprópria.
A previsibilidade é a essência da culpa e condicionada o dever objetivo de
cuidado: “Quem não pode prever não tem a seu cargo o dever de cuidado e não pode violá-
lo”. Faz a doutrina distinção, ainda, entre a previsibilidade objetiva e a previsibilidade
subjetiva.
14.1. MODALIDADES DE CULPA
Imprudência, negligência e imperícia.
14.2. CONCORRÊNCIA DE CULPAS
Existe concorrência de culpas quando duas ou mais pessoas atuam
culposamente dando causa à morte de terceiro, hipótese em que ambos respondem
integralmente pelo delito. Assim, se o responsável pela obra em construção não forneceu
capacete para seus pedreiros e, ao mesmo tempo, um dos trabalhadores derrubou uma pilha
de tijolos do alto do edifício, por tê-la colocado perto do parapeito, há crimes de homicídio
culposo por parte de ambos. O responsável pela obra agiu com negligência e o pedreiro
que empilhou os tijolos, com imprudência.
14.3. COMPENSAÇÃO DE CULPAS
Culpas recíprocas não se compensam em Direito Penal. O instituto da
compensação é de Direito Civil, e não criminal! Assim, quando duas pessoas agem
culposamente, uma causando lesão na outra, ambas respondem por crime de lesão culposa,
ou seja, o fato de um ter causado lesão no outro não faz com que desapareça a
responsabilidade penal de ambos. Ao contrário, cada um responde por um crime de lesão
culposa.
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Em se tratando, porém, de hipótese em que duas pessoas agem
culposamente, mas uma morre e a outra sobrevive, esta responde por homicídio culposo.
Por óbvio, quando ficar constatado que a culpa foi exclusiva da vítima, o réu deverá ser
absolvido.
14.4. DIFERENÇA ENTRE CULPA CONSCIENTE E DOLO EVENTUAL
Primeiro a hipótese mais específica: quis o resultado ou assumiu o risco de
produzi-lo, depois, a análise dos requisitos do crime culposo, se não forem preenchidos,
haverá atipicidade.
Em síntese, em ambos os casos o agente prevê o resultado, mas na culpa
consciente ele espera sinceramente que este não ocorra, por isso é chamada de culpa com
previsão. Por sua vez, no dolo eventual o agente tolera a ocorrência do resultado, ele diz:
“tanto faz, se matar, matou”.
14.5. AÇÃO PENAL
O homicídio culposo é crime que se processa mediante ação penal pública
incondicionada. Submete-se ao rito sumário, como determina o art.394, § 1º, inciso II, do
Código de Processo Penal.
14.6. HOMICÍDIO CULPOSO E LEI 9.099/95
Em face da pena mínima cominada ao delito (1 ano), o homicídio culposo
comporta o benefício da suspensão condicional do processo, desde que presentes os
demais requisitos previstos no art.89 da Lei 9.099/95.
15. HOMICÍDIO MAJORADO (CAUSAS DE AUMENTO DE PENA – ART.121, § 4º
DO CP)
No homicídio doloso:
Vítima menor de 14 e maior de 60 anos, na data da conduta (Teoria da
Atividade) – só cabe em homicídio doloso. É também conhecido como homicídio doloso
circunstanciado.
No homicídio culposo:
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a) Inobservância de regra técnica;
A jurisprudência diverge se há ou não bis in idem, prevalecendo que NÃO!
Essa inobservância regulamentar não se confunde com a imperícia. Nesta, o sujeito não
reúne conhecimentos teóricos ou práticos para o exercício de arte, profissão ou ofício
(exemplo: médico ortopedista que mata o paciente ao efetuar uma cirurgia cardíaca),
enquanto naquela o agente é dotado das habilidades necessárias para o desempenho da
atividade, mas por desídia não as observa (exemplo: cardiologia que não segue as regras
básicas de uma cirurgia do coração). Essa é a posição de Cléber MASSON (Direito penal
esquematizado, 2012, p.49), com a qual concordamos.
Todavia, há autores que sustentam ser inaplicável essa causa de pena, em
razão de confundir-se com a imperícia. É o caso de Guilherme NUCCI (Código Penal
comentado, 2010, p.593). Alguns autores ainda denominam essa modalidade de delito de
homicídio culposo qualificado ou, ainda, homicídio culposo circunstanciado.
b) Não presta socorro (princípio da solidariedade humana);
c) Não tenta diminuir as consequências de seus atos;
d) Fuga (impede a ação da justiça)
16. PERDÃO JUDICIAL
Só cabe em crimes culposos. A lei é taxtiva nesse aspecto.
Caso do envenenamento doloso de marmitas, duas crianças mortas, filhas
gêmeas, mas não cabe o perdão judicial por expresso óbice legal, uma vez que a mãe agiu
com nítido animus necandi, mas ocorreu um erro quanto a pessoa.
Súmula 18 do STJ: “A sentença concessiva do perdão judicial é
declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”.
Conforme o art.120 do CP, não gera reincidência.
Havia discussão sobre a aplicação do perdão judicial ao Código de Trânsito
Brasileiro, mas atualmente está superada, pois há perfeita aplicabilidade.
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O instituto em tela, na prática, tem aplicação tanto em casos em que a vítima
do homicídio culposo é ente querido do agente (consequências indiretas ou morais) —
familiar próximo, cônjuge ou companheiro — como naqueles em que ele próprio fica
gravemente ferido (consequências diretas ou físicas) em decorrência do evento por ele
provocado e que causou a morte de outrem. Ex.: agente que fica gravemente queimado em
razão de fogo por ele ateado acidentalmente em uma mata e que matou outra pessoa.
É ato unilateral, isto é, não precisa ser aceito pelo réu para surtir efeitos. É
diferente do perdão do ofendido, aplicável somente à ação penal privada e dependente de
aceitação pelo responsável pela infração penal.
16.1. MOMENTO DE CONCESSÃO E REINCIDÊNCIA
Em nosso entendimento, o perdão judicial só pode ser concedido na
sentença após o juiz apreciar as provas colhidas e considerar o réu responsável pelo crime
culposo de que está sendo acusado. Com efeito, se as provas indicarem que ele não agiu
de forma culposa, a solução é a absolvição, mesmo porque não se perdoa um inocente!
Em outras palavras, após o juiz considerar o acusado responsável pela infração penal,
deixa de lhe aplicar a pena correspondente, por entender que ele já foi suficientemente
atingido pelas consequências do fato.
O art. 120 do Código Penal, aliás, preocupou-se em estabelecer que a
concessão do perdão judicial não retira a primariedade do réu, de modo que, em caso de
prática de novo crime, não será ele considerado reincidente. Ora, é óbvio que, se o perdão
pudesse ser concedido antes da sentença, não seria capaz de gerar reincidência, e, dessa
forma, seria completamente desnecessária a regra contida no aludido dispositivo.
17. CRIMES CONTRA A VIDA CONSIDERADOS HEDIONDOS
Sistema do etiquetamento. A lei simplesmente enumera dos crimes
hediondos em rol exaustivo (numerus clausus). Homicídio simples em atividade típica de
grupo de extermínio e homicídio qualificado. O genocídio também é considerado
hediondo.
São as seguintes as consequências:
a) Proibição de concessão de anistia, graça ou indulto;
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b) Regime inicial deve ser necessariamente o fechado;
c) A progressão da pena para regime mais brando só pode ocorrer após o
cumprimento de 2/5 da pena, se o condenado for primário, e 3/5, se
reincidente (para os crimes comuns, a progressão é obtida com o
cumprimento de apenas 1/6 da pena);
d) A obtenção do livramento condicional só será admitida se cumpridos
2/3 da pena e se o agente não for reincidente específico.
e) A prisão temporária (art.1º, III, a, Lei 7.960/89) terá prazo de 30
(trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e
comprovada necessidade (art.2º, § 4º, Lei 8.072/90).
18. PROVA DA MATERIALIDADE DO HOMICÍDIO
A materialidade do homicídio é demonstrada pelo exame necroscópico em
que o médico legista atesta a ocorrência da morte e de suas causas. A autópsia deve ser
feita pelo menos seis horas após o óbito (art. 162 do CPP). Se a autópsia não tiver sido
realizada antes de o corpo ser enterrado ou se surgirem dúvidas em torno da conclusão do
perito, poderá ser determinada a exumação do corpo para a sua realização ou para exames
complementares, tudo na forma dos arts. 163 e 164 do CPP.
Se não for possível o exame do corpo por ter ele desaparecido, a
materialidade do homicídio pode ser demonstrada por prova testemunhal (art. 167 do
CPP). É o que ocorre quando o corpo da vítima do homicídio é lançado ao mar e depois
não é recuperado, mas testemunhas afirmam ter visto a pessoa morta.
Assim, em se tratando de crime material, infração penal que deixa vestígios,
o homicídio, para que possa ser atribuído a alguém, exige a confecção do indispensável
exame de corpo de delito, direto ou indireto, conforme determinam os arts. 158 e 167 do
CPP. Por isso, a autoridade policial não poderá negar a realização do exame de corpo de
delito, a teor do art.184 do Código de Processo Penal.
Não se deve confundir o “corpo de delito” com o “corpo da vítima”, e
para a comprovação do primeiro basta a certeza moral sobre a ocorrência do evento
constitutivo do crime. Dois indivíduos, dentro de uma barca no rio Uruguai, foram vistos a
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lutar renhidamente, tendo sido um deles atirado pelo outro à correnteza, para não mais
aparecer. Destarte, são exemplos para estudo, os seguintes casos: Pizzaria Fornelo; Eliza
Samúdio e Irmãos Naves.
O STJ, para evitar a impunidade e com fulcro no próprio Código de
Processo Penal, já admitiu a condenação de assassino que logo após matar as vítimas
jogava seus corpos em um rio, sem que os mesmos fossem localizados para dar a
materialidade ao crime.
19. TENTATIVA DE HOMICÍDIO E PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE
A tentativa (conatus) é balizada pela teoria finalista da ação, de Hans
WELZEL. Pode ser: branca (incruenta) ou cruenta (vermelha); perfeita (crime falho)
ou imperfeita. A redução da pena, pelo art.14, § único do CP será tanto maior quanto mais
longe o caminho percorrido no iter criminis.
Não se faz necessário, para reconhecer a tentativa punível, que haja uma
ameaça concreta à incolumidade de um bem jurídico penalmente tutelado: basta que a
voluntas sceleris se exteriorize na ação, nada importando que esta seja tão inócua como
uma punhalada no vácuo, ocorrendo a chamada tentativa branca (incruenta). Todavia, é
preciso que se apresente pelo menos uma hostilidade imediata ou direta ao bem jurídico,
conforme assinala Nélson HUNGRIA.
Arma ou projétil que falha é meio relativamente ineficaz, portanto, há
tentativa de homicídio. Uma arma descarregada é meio absolutamente ineficaz para
causar um homicídio (crime impossível), porém, serve para caracterizar o roubo.
Por fim, vale notar que o art.132 do CP funciona como “soldado de
reserva”, uma vez que é regido pelo princípio da subsidiariedade expressa.
19.1. AÇÃO HOMICIDA A SER REALIZADA EM DOIS ATOS
Vale destacar que quando se trata de ação homicida a ser realizada em
dois atos seguidos (jogar gasolina e depois atear fogo), considera-se ter havido início de
execução com o primeiro ato, de modo que haverá tentativa de homicídio se o agente jogar
o combustível na vítima, mas for impedido de atirar o fósforo aceso sobre ela.
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Em suma, existe início de execução com a prática do primeiro ato idôneo e
inequívoco que pode levar à consumação. Ato idôneo é aquele apto a produzir o
resultado consumativo. Ato inequívoco é aquele indubitavelmente ligado à consumação.
19. 2. PLURALIDADE DE TENTATIVAS EM RELAÇÃO À MESMA VÍTIMA
É plenamente possível que uma pessoa responda por duas tentativas de
homicídio contra a mesma vítima, desde que os atos agressivos que visavam a sua morte
tenham sido realizados em contextos fáticos distintos. Se, entretanto, o agente, no mesmo
episódio, tenta matar a vítima com disparos de arma de fogo e, sem conseguir alvejá-la de
forma fatal, apodera-se imediatamente de uma faca e desfere golpes contra ela sem
conseguir causar a morte, responde por uma só tentativa de homicídio.
20. TENTATIVA INADEQUADA OU QUASE CRIME
Trata-se de crime impossível, por exemplo, atirar contra um cadáver
(morte encefálica já constatada – art.3º da Lei nº 9.434/97 – impropriedade absoluta do
objeto) ou tentar disparar com arma desmuniciada (ineficácia absoluta do meio).
21. TENTATIVA E DOLO EVENTUAL
A priori, não há nenhuma incompatibilidade. Todavia, há divergências.
22. HOMICÍDIO E ERRO ESSENCIAL
No reconhecimento da legítima defesa putativa, o que importa averiguar é
se o agente, em razão do erro de representação das circunstâncias, teve a “certeza”
(fundada convicção) de que agir na situação de fato a que a lei subordina a excepcional
licitude da ação, a título de legítima defesa.
Evidentemente, não é de se confundir a legítima defesa putativa com o
chamado pretexto de legítima defesa, em que o indivíduo age na plena consciência de que,
com a sua conduta violenta, não se acha em estado de legítima defesa. Portanto, a meu ver
não é admissível outro critério senão a apreciação da razoabilidade do erro.
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23. HOMICÍDIO E ERRO ACIDENTAL
Quer numa, quer noutra hipótese, só há um crime, punível a título de dolo.
A identidade da vítima não é elemento constitutivo do homicídio, pois a lei penal protege a
vida do homem in genere. Em síntese, é “matar alguém”, e não determinada pessoa.
Cuidado! Aberratio ictus com unidade complexa.
24. HOMICÍDIO E ERRO SUCESSIVO
É a hipótese de dolo geral ou aberratio causae, já estudada na parte geral.
25. HOMICÍDIO E EXCESSO NAS EXCLUDENTES DE ILICITUDE
Nos termos do art.23, parágrafo único do CP, o agente responderá pelo
excesso doloso ou culposo. O excesso nas excludentes de ilicitude (descriminante), em
síntese, pode ser: doloso, culposo ou subjetivo (exculpante) ou, ainda, qualitativo ou
quantitativo. Se ocorrer excesso doloso em alguma excludente haverá crime, que poderá
ser o homicídio.
Vejamos alguns exemplos: caso Toni; policial metralhando um carro parado
no RJ; loira em hotel com empresário - estrangulamento; caso do campeão de tiros em
Cuiabá/MT; episódio do CSI em que um lutador de boxe injetou mercúrio nas luvas;
lutador com gesso nas mãos (a violência desportiva em regra configura exercício regular
de um direito); estado de necessidade forjado (art. 24 – expressão: “que não provocou”).
Por fim, deve ser feita uma interpretação subjetiva de todas as
excludentes. Em suma, deverá existir o animus defendi em cada uma delas.
28. COAÇÃO IRRESISTÍVEL E OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA
Excluem a exigibilidade de conduta diversa, uma vez que o Código Penal
não foi elaborado para loucos ou heróis.
30. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ
São chamadas de “tentativas abandonadas”, “tentativas qualificadas”
pontes de ouro ou, ainda, de resipiscência (no caso do arrependimento eficaz), conforme
preleciona o promotor Rogério SANCHES. Em síntese, o agente responde pelos atos até
Júlio Medeiros
30
então praticados. Por exemplo, se causou lesões corporais graves, responderá por este
crime, e não por tentativa de homicídio. Apenas para relembrar, na tentativa propriamente
dita, o agente “quer, mas não pode”, enquanto na desistência ele “pode, mas não quer”.
31. CONCURSO DE AGENTES NO HOMICÍDIO
Requisitos: a) Liame subjetivo; b) Relevância causal de cada conduta; c)
Homogeneidade de elemento subjetivo e; d) Unidade de infração penal (consequência
da teoria monista).
Participação até admissível até o cometimento do crime
(concomitantemente). Após, poderá configurar um crime autônomo como, por exemplo,
ocultação de cadáver. A coautoria sucessiva ocorre quando o agente ingressa durante o
desenvolvimento de um fato criminoso já iniciado.
32. HOMICÍDIO PRETERDOLOSO
Terminando o estudo do art.121 em si. Passamos a analisar a última espécie
de "homicídio", chamada pela doutrina de homicídio preterdoloso, que, na verdade, é
uma lesão corporal seguida de morte (art.129, §3º do CP). Em síntese, nessa construção
doutrinária chamada homicídio preterdoloso não há animus necandi (intenção de matar),
apenas existe intenção de ferir (animus laedendi). Desse modo, ocorre DOLO na conduta
(ferir) e CULPA no resultado (morte).
Um exemplo claro é quando o agente desfere um soco na vítima, ela cai bate
a cabeça e morre por traumatismo craniano. Ou seja, o resultado (morte) foi além da
intenção do agente (apenas ferir).
Foi salientado, ademais, que o homicídio preterdoloso (lesão corporal
seguida de morte - art.129, §3º do CP) não é julgado pelo Tribunal do Júri,
simplesmente por não ser um crime doloso contra a vida, em outras palavras, não existe
intenção de matar nesse delito.
Não se esqueça, ainda, que tal delito está previsto no art.129 do CP,
portanto, dentro do tipo de lesão corporal, e não do homicídio! Apenas para não deixar
dúvidas, o art.74, §1º do CPP destaca minuciosamente todos os crimes que serão
julgados pelo Júri e, obviamente, não inclui o art.129 do CP.
Júlio Medeiros
31
Ademais, também foi explicado que para se fazer a diferença, no caso
concreto, se houve típico homicídio (art.121) ou lesão corporal seguida de morte (art.129)
tem-se de aplicar a Teoria Finalista da Ação, de Hans Welzel: pois a conduta humana é
dirigida sempre a uma finalidade, logo, deve-se perquirir a intenção do agente para se
poder concluir qual crime ocorreu. Neste ponto, foi enviado um artigo no grupo, de minha
autoria, intitulado: "Homicídio preterdoloso e a política criminal do terror", publicado pelo
IBCCRIM.
33. HOMICÍDIO VERSUS GENOCÍDIO
O genocídio protege interesses coletivos. É um crime contra a humanidade
que pode ser praticado por várias condutas alternativas (desde matar pessoas até buscar
impedir o nascimento de alguém). Se o agente, com intenção de destruir, no todo ou em
parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, matar membros do grupo, pratica o delito
do art. 1º da Lei 2.889/56 (Lei do Genocídio) e não o delito previsto no art.121 do CP
(critério da especialidade).
34. HOMICÍDIO VERSUS CRIMES PRETERINTENCIONAIS (QUALIFICADOS PELO
RESULTADO)
Como se sabe, nos crimes preterdolosos o majus delictum somente é
imputável a título de culpa. Pelos resultados que agravam ou aumentam especialmente as
penas não responde o agente quando derivados de caso fortuito. Interpretação a contrario
sensu do art.19 do Código Penal. Exemplo: lesão corporal seguida de morte em uma rua, e
em uma duna.
34.1. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELA TORTURA VERSUS CRIME DE TORTURA
QUALIFICADA PELA MORTE
Apenas para lembrar, no primeiro caso a tortura é um MEIO cruel utilizado
na prática do homicídio (art.121, §2º, IV, do CP). Não se confundindo, assim, com a
tortura prevista no art.1º, §3º da Lei 9.455/97, que é um fim em si mesmo (tortura dolosa),
mas o resultado morte ocorre de modo involuntário, isto é, de forma culposa.
Isso significa que a tortura qualificada pelo resultado morte é um delito que
possui o status de crime preterdoloso. O agente não pode, dessa forma, para que se
Júlio Medeiros
32
aplique a lei de tortura, pretender a morte da vítima, pois, caso contrário, responderá pelo
crime de homicídio tipificado pelo Código Penal.
34.2. HOMICÍDIO PRATICADO MEDIANTE OMISSÃO (ART.121 DO CP) VERSUS
CRIME DE OMISSÃO DE SOCORRO QUALIFICADO PELA MORTE (ART.135, §
ÚNICO, PARTE FINAL DO CP)
A grande questão para diferenciar tais crimes é saber quando a omissão é
penalmente relevante. Se a omissão for penalmente relevante haverá um crime omissivo
impróprio (comissivo por omissão ou omissivo impuro) e, por conseguinte, o omitente
responderá pelo resultado advindo. Caso contrário, haverá mero crime omissivo próprio
(sem dever jurídico), e o omitente responderá apenas pela sua conduta dolosa (art.135 do
CP – omissão de socorro), e eventual resultado agravador culposo (lesão grave ou morte).
Assim, de acordo com a teoria normativa (estudada ano passado) o dever
jurídico de agir está insculpido no art.13, §2º, e alíneas do Código Penal, nas quais
podemos concluir que há o status de garante.
Assim, quando o dever de agir for desobedecido, haverá homicídio na
modalidade omissiva e não mera omissão de socorro. Apenas para aprofundar nas alíneas:
a) Dever Legal (imposto por lei): pais em relação aos filhos, bombeiros,
enfim (p.ex., a mãe deixa de alimentar o filho, que morre por inanição);
b) Dever do Garantidor (derivado de contrato ou de liberalidade do
omitente): seria o caso de uma babá contratada para tomar conta de uma criança ou, como
no exemplo colocado em sala de aula, de um professor de natação que deixa o aluno
morrer afogado. Ora, o professor assumiu a chamada posição de "garante";
c) Dever por ingerência na norma (omitente cria o perigo e torna-se
obrigado a evitá-lo): quem joga um amigo em um rio, por ter criado o risco do resultado,
está obrigado a impedir seu afogamento.
Por fim, vale lembrar que o crime de omissão de socorro se descaracteriza
pelo simples fato de o omitente pedir socorro. Em outras palavras, não se exige de
ninguém que preste socorro pessoalmente ou diretamente.
Júlio Medeiros
33
34.3. DEMAIS HIPÓTESES
Outras hipóteses previstas pelo Código Penal e que podem acarretar a morte
seriam: estupro qualificado pela morte (art.213 do CP – pena de 12 a 30 anos de
reclusão); e extorsão mediante sequestro qualificada pela morte (art.159, § 3º do CP –
pena de 24 a 30 anos de reclusão). Dos crimes de perigo comum (incêndio, explosão)
também pode resultar a morte, conforme deixa expresso o art.258 do CP, ao tratar das
suas formas qualificadas.
35. HOMICÍDIO VERSUS INSTIGAÇÃO AO SUICÍDIO
O sujeito passivo do crime de induzimento a suicídio poderá ser qualquer
pessoa, desde que a vítima tenha capacidade de discernimento, de autodeterminação,
pois, caso contrário, estaremos diante do delito de homicídio. Imagine-se a instigação ao
suicídio de uma criança (menor de 12 anos) ou de um inimputável, configura-se na
hipótese claramente o homicídio.
36. HOMICÍDIO VERSUS INFANTICÍDIO
Para que se caracterize o infanticídio exige a lei penal mais do que a
existência do estado puerperal, comum em quase todas as parturientes, algumas em
menor e outras em maior grau. Em síntese, a jurisprudência até admite a presunção juris
tantum desse estado, mas obviamente cabe prova em sentido contrário.
Em suma, o que o Código Penal requer, de forma clara, é que a parturiente
atue influenciada por esse estado puerperal (critério biopsicológico). Se não houver a
influência, faltará a elementar do tipo e, por conseguinte, a parturiente deverá responder
por homicídio. Sempre lembrando que o infanticídio é, ao fim e ao cabo, um homicídio, só
que especial (princípio da especialidade).
37. TRANSMISSÃO DE HIV VERSUS TENTATIVA DE HOMICÍDIO
Transmitiu ou não transmitiu o vírus HIV? Deve-se atestar em cada caso
concreto. A transmissão efetiva caracteriza tentativa de homicídio por ofender o bem
jurídico vida. Todavia, se não transmitiu o vírus, deverá responder pelo crime do art. 131
do Código Penal (HC 98.712, STF). É a posição de Luiz Flávio GOMES.
Júlio Medeiros
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Cléber MASSON (Direito penal esquematizado, 2012, p.15) também
entende que o homicídio pode ser praticado por meio de relações sexuais ou atos
libidinosos. É o que ocorre com a Aids (síndrome da imunodeficiência adquirida), doença
fatal e incurável. Se um portador do vírus HIV, consciente da letalidade da moléstia, efetua
intencionalmente com terceira pessoa ato libidinoso que transmite a doença, matando-a,
responderá por homicídio doloso consumado. E, se a vítima não falecer, a ele deverá ser
imputado o crime de homicídio tentado. Nesse caso, não há falar no crime de perigo de
contágio venéreo (CP, art.130), uma vez que o dolo do agente dirige-se à morte da vítima.
39. HOMICÍDIO EM AUTORIA MEDIATA
Autoria mediata, esta é a denominação que se dá às hipóteses em que o
agente serve-se de pessoa sem discernimento para executar para ele o homicídio. O
executor é mero instrumento (longa manus) por atuar sem vontade própria ou sem
consciência do que está fazendo e, por isso, só o autor mediato responde pelo delito. É
o que ocorre, por exemplo, quando o sujeito induz um doente mental ou menor de idade a
matar alguém, ou quando coage outra pessoa a cometer para ele o crime (coação moral
irresistível). Insta destacar, inclusive, que há agravante específica para o caso (art. 62,
inciso III, do CP).
40. TEORIA DO RESULTADO E COMPETÊNCIA
A competência é a do local da consumação do delito. De ver-se, todavia,
que a jurisprudência acabou criando uma exceção no caso de homicídio doloso quando a
vítima é alvejada em uma cidade e levada para hospital de outro município, normalmente
grandes centros onde há melhores condições de atendimento, e acaba falecendo nesta
última localidade.
Teoricamente, o julgamento deveria se dar no local onde a vítima morreu
(esta é a regra geral do Código de Processo Penal), contudo, isso dificultaria
sobremaneira o julgamento no Plenário do Júri, já que as testemunhas do crime estão
no local onde a vítima foi alvejada e não são obrigadas a se deslocar para serem ouvidas no
dia do julgamento. Nesses casos, o julgamento é feito no local em que ocorreu a ação
delituosa, e não no lugar em que a vítima morreu.
Júlio Medeiros
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Em regra a competência é da Justiça Estadual, salvo se presente alguma
circunstância capaz de provocar o deslocamento para a esfera federal, como, por exemplo,
o fato de o homicídio ter sido cometido a bordo de navio ou aeronave (art. 109, IX, da
Constituição), ou contra servidor público federal em virtude de suas funções (art. 109, IV,
da Magna Carta). Dessa forma, o assassinato de uma Deputada Federal (Ceci Cunha) ou
de um Delegado Federal em razão das investigações que preside deve ser julgado por
Tribunal do Júri organizado na Justiça Federal. Frise-se, por oportuno, que não existe
Júri nas justiças especializadas: militar, eleitoral, trabalhista.
41. HOMICÍDIO VERSUS TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA
Ações a próprio risco, o agente desenvolve um “comportamento
estereotipado e inócuo”, há criação de um risco permitido, por conseguinte, o fato será
atípico. Essa é a implicação, a atipicidade material, conforme explica Rogério GRECO.
Caso do afogamento da comissão de formatura de Medicina, da UNIC.
A teoria da imputação objetiva se contrapõe a teoria da equivalência dos
antecedentes (ou conditio sine qua non), tem como seus expoentes: Georg HEGEL, Claus
ROXIN, Günther JACKOBS e Wolfang FRISCH (dentre outros) e tem o condão de
mitigar, flexibilizar, atenuar o rigor no estabelecimento no nexo causal.
Em síntese, uma pessoa pode ser causadora de um resultado, mas você tem
de se perguntar, posteriormente, se esse mesmo resultado pode ser imputado objetivamente
a ela, só depois, então, será analisada a imputação subjetiva (dolo ou culpa).
Para tanto, a teoria pode incidir valorando tanto a conduta quando o
resultado. São requisitos para o resultado ser objetivamente imputado ao agente, de acordo
com essa teoria:
a) Elo físico entre conduta e resultado (que era o que bastava para a
Teoria da conditio sine qua non).
Dessa forma, para saber se a conduta foi causa do resultado, simplesmente
utilizava-se o método de eliminação hipotética criado pelo sueco THYRÉN. Ou seja,
suprimia-se mentalmente a conduta do agente, se o resultado do crime mesmo assim
Júlio Medeiros
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tivesse ocorrido, seria a prova de que a conduta não poderia ser considerada causa (nesse
sentido o art.13, parte final, do Código Penal);
b) Criação ou incremento de um risco proibido relevante (ou seja, se o
agente desenvolve um risco permitido, o resultado do crime não pode ser
imputado a ele).
Por exemplo, dirigir na Fernando Corrêa a 60 km por hora, respeitando as
leis de trânsito é um risco, porque por si só sentar em um automóvel representa um risco,
mas obviamente é um risco permitido. Se em virtude desse comportamento o agente
atropela um pedestre, a conclusão é que o fato é atípico, pois nos dizeres de Günther
JACKOBS, havia um "comportamento estereotipado e inócuo", por conseguinte, nem
ao menos se analisa a imputação subjetiva (dolo e culpa) do agente.
Na prática, a aplicação é muito interessante, pois o advogado pode trancar
uma ação penal utilizando-se de um Habeas Corpus, com fulcro justamente na tese da
atipicidade de conduta, que é uma das poucas hipóteses para concessão de HC para
"trancar" Inquérito Policial ou Ação Penal em andamento, conforme o STF.
c) Que o resultado esteja dentro do âmbito normal de risco provocado
pela conduta
Em outras palavras, o resultado tem de ser um desdobramento causal
normal da conduta. No exemplo de CSI investigação criminal New York, a moça desfere
um golpe na cabeça do sujeito, que sai cambaleando, é atingido por uma flecha disparada
por terceiro, senta em uma cadeira, que quebrar a perna, ele cai na piscina e, por
conseguinte, morre afogado.
Pergunta-se: é normal uma pessoa receber uma pancada na cabeça e morrer
afogada? Isto é, o afogamento era o resultado esperado, previsível, a advir da conduta?
Como a resposta é não, a moça no caso não responderia pela morte, pois ela estaria fora do
âmbito de risco provocado pela conduta. Apenas responderia pela lesão corporal;
d) O agente tem de atuar fora do sentido da proteção da norma (ou do
bem jurídico)
Júlio Medeiros
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Por exemplo, o sujeito decide se matar e aponta uma arma para cabeça.
Você invade o local e desfere um tiro na mão dele. Pela teoria tradicional, o fato seria
típico (lesão corporal), porém, lícito, porque a legítima defesa de terceiro exclui a ilicitude
da conduta.
Pela teoria da imputação objetiva esse fato seria atípico, pois quem atua no
sentido da proteção do bem jurídico não pode ser responsabilizado pelo resultado causado.
Em outras palavras, como você, agindo no sentido da proteção da vida (bem jurídico
máximo), com intenção de evitar o suicídio, poderia ser responsabilizado por lesão à
integridade corporal?
Ora, se o agente atua no sentido da proteção do bem jurídico, o fato é
atípico, ainda que sua conduta cause alguma lesão a outrem, conforme explicado. Por isso
que, em síntese, este último requisito exige que o agente atue fora do sentido da proteção
do bem jurídico.
Conclusão: Preenchidos todos esses requisitos (e outros, mas que não
vamos aprofundar agora, pois estes são os mais importantes) haverá imputação objetiva e,
por conseguinte, passará a ser analisada a imputação subjetiva (dolo e culpa) do agente.
Se faltar algum desses requisitos no caso concreto, advinha?? O fato será
atípico, por valoração da conduta ou do resultado, dentro do que se chama de tipicidade
material.
42. A IMPORTÂNCIA DA MEDICINA LEGAL E DA PERÍCIA
Constatação do choque hipovolêmico. Afogamento (cogumelo de espuma na
boca da vítima). Exumação. Instrumento perfuro-cortante. Constatação de lesões
defensivas. Espectro equimótico. Balística (direção dos tiros e percurso). Esgorjamento.
Vestígios de DNA.
43. HOMICÍDIOS EM SÉRIE
É admitida a continuidade delitiva nos crimes contra a vida, pois está
completamente superada a Súmula 605 do STF, que diz: “Não se admite continuidade
delitiva nos crimes contra a vida”. Em síntese, o art.71, parágrafo único do Código Penal
Júlio Medeiros
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se sobrepõe temporal e materialmente ao verbete sumular, de acordo com o próprio
Supremo Tribunal Federal. Aqui tem razão de ser o estudo da figura do serial killer.
44. ATUAÇÃO POLICIAL APÓS O CRIME
Exame residuográfico. Verificação de depoimentos conflitantes ou relatos
de situações sem aparente justificativa.
45. APLICAÇÃO DA PENA
Tentativa de homicídio qualificado-privilegiado. O juiz começa a pensar
com base na pena in abstrato, por último as causas de diminuição de pena conforme
art.121, § 1º do CP.
Presença de mais de uma qualificadora. É inadequada a terminologia
“triplamente qualificado” (motivo, meio e modo) para o homicídio, embora seja
largamente difundida pelos profissionais. Todavia, tratando-se de homicídio com duas ou
mais qualificadoras, poderá qualquer uma delas servir para qualificar a infração penal,
sendo que as demais serão utilizadas como circunstâncias agravantes, no segundo
momento de aplicação da pena, determinado pelo art.68 do Código Penal.
Limite temporal máximo, nos termos do art.75 do Código Penal.
46. HOMICÍDIO PRATICADO POR POLICIAL MILITAR E COMPETÊNCIA PARA
JULGAMENTO
O homicídio praticado por um militar contra outro é de competência da
Justiça Militar, porém, se a vítima for civil, o julgamento será feito pelo Júri, na Justiça
Comum. Com efeito, a Lei n. 9.299/96 alterou a redação do art. 9º do Código Penal
Militar, estabelecendo que os crimes dolosos contra a vida cometidos contra civil serão de
competência da Justiça Comum. Posteriormente, a emenda Constitucional n. 45/2004
alterou a redação do art. 125, § 4º, da Constituição, passando a conter regra idêntica.
47. CASOS FAMOSOS
Daniella Pérez. Isabella Nardoni. Suzane von Richtoffen. Eliza Samudio.
Tim Lopes. Sandra Gomide. Celso Daniel.
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48. HOMICÍDIO E COMPETÊNCIA DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Uma coisa é violência de gênero, a mulher sendo subjugada, como bem
explica Alice BIANCHINI. Outra coisa é um homicídio praticado contra uma vítima do
sexo feminino e nada mais, competência da vara comum.
49. HOMICÍDIO CONTRA MULHER GRÁVIDA
Se ocorrer um homicídio de uma mulher grávida, haverá na realidade dois
crimes em concurso formal (uma só conduta, dois resultados). Conclusão: art.121 c/c art.
125 do Código Penal, nos termos do art.70 do Código Penal.
50. HOMICÍDIO E PORTE ILEGAL DE ARMA
Em síntese, ocorre consunção (absorção) do crime de porte ilegal de arma
pelo delito de homicídio.
51. HOMICÍDIO E PROGRESSÃO CRIMINOSA
Verifica-se o instituto da progressão criminosa quando há mutação no dolo
do agente, ele inicia uma agressão exclusivamente com intenção de lesionar a vítima,
porém, durante a agressão, muda de ideia e resolve matá-la. Nesse caso, ainda que o
agente tenha resolvido cometer o homicídio somente depois de já haver provocado a lesão
na vítima, considera-se absorvido esse delito, respondendo ele apenas pelo homicídio, já
que ambos os atos agressivos ocorreram no mesmo contexto fático.
52. HOMICÍDIO E CONCURSO DE CRIMES
No genocídio, por exemplo, o agente deve responder por homicídio e
genocídio, em concurso formal. Em outros casos, haverá concurso formal, material ou
crime continuado, conforme o caso concreto. O concurso formal pode ser perfeito ou
imperfeito (desígnios autônomos).
Júlio Medeiros
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INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO E AUXÍLIO EM SUICÍDIO
1. TIPO OBJETIVO
Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao suicídio.
2. CONSUMAÇÃO
Se consuma com a morte ou a lesão grave, respondo por participação em
suicídio consumada. Se não houver morte ou lesão grave, o fato é atípico.
3. TENTATIVA.
Só é punível se resulta, pelo menos, lesão corporal de natureza grave.
4. PONDERAÇÕES
Foi explicado em que consiste o induzimento e a instigação (formas morais
de cometimento do crime) e o auxílio (forma material de cometimento do crime).
Este é um crime de ação múltipla ou de conteúdo variado, em que pode ser
aplicado o princípio da alternatividade. Em síntese, quem instiga e auxilia alguém a
suicidar-se (desde que imputável) pratica um único crime, trata-se de um tipo misto
alternativo.
Outro ponto de extrema importância é que este crime só é punido se ocorrer
a morte ou, pelo menos, lesão corporal de natureza grave (conferir: art.129, §1º, do CP),
por exemplo, "se da lesão resulta perigo de vida".
Conclusão: este é um crime que a lei apenas pune se ocorrer o resultado: a)
ou morte: b) ou lesão corporal de natureza grave.
Ora, se o agente instiga outrem a suicidar-se, e este, por sua vez, apenas faz
um pequeno corte no braço (lesão corporal leve) qual será a consequência jurídica para
ambos?
Quem tenta se suicidar em regra não pratica crime em face do princípio da
Júlio Medeiros
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alteridade (ou transcendentalidade) - apenas existe o crime quando a conduta do agente
atinge direitos de terceiros. Em relação ao agente que instigou ao suicídio, nesta hipótese,
também não responderá por nada, pois a lesão foi apenas leva, conclusão: fato atípico.
Portanto, de acordo com parte da doutrina ele deve ser incluído no rol de
crimes que não admitem a tentativa. Ou ocorre a morte ou lesão grave e o crime se
consuma; ou não ocorre nenhum dos dois e então o fato é atípico.
Outro ponto muito importante é que caracteriza o delito de homicídio
(art.121), e não instigação, o induzimento ou o auxílio a suicídio (art.122), quando as
vítimas são menores de quatorze anos, inimputáveis por doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art.26, caput, CP), visto que "não têm
condições psíquicas que permitam avalisar o suicídio como ato de sua própria autoria".
Ora, o suicídio é a supressão consciente e voluntária da própria vida e, por
isso, é indispensável que a vítima tenha capacidade de discernimento para entender o ato
que pratica. Conclusão: a vítima deve ter mínima capacidade de resistência e
discernimento!
Em relação à forma qualifica quando o suicídio é praticado contra MENOR
(art.122, par. único, inciso II, do CP), é necessário que se tome extremo cuidado! A
expressão "menor" aqui, de acordo com autorizada doutrina (Fernando CAPEZ, Damásio
de JESUS, Luiz Régis PRADO entre outros) significa: "menor de 18 anos, mas com
idade superior a 14 anos".
Conclusão: Se a vítima é maior de 18 anos aplica-se o "caput" do art.122 do
CP. Se a vítima tem entre 14 e 18 anos, aplica-se a forma qualificada (art.122, parágrafo
único do CP). E, se a vítima for menor de 14 anos, o crime cometido será o de homicídio.
Apenas para se ter mais fundamento jurídico sobre a questão, já que é
extremamente específica, sobre o ponto, diz Luiz Régis Prado: "em que pese a ausência de
fixação expressa do limite etário, a menoridade a que se faz alusão abarca as vítimas
maiores de quatorze e menores de dezoito anos" (Comentários ao Código Penal. São
Paulo, RT, 2010, p.429).
Vamos finalizar este artigo estudando mais algumas questões essenciais:
Júlio Medeiros
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a) a exigência de a vítima ser pessoa determinada (a instigação por meio
de livros, espetáculos, ou indução de caráter geral, que atinjam pessoas
incertas, não tipificam o crime);
b) a coação para tentar impedir o suicídio não é crime (art.146, §3º,
inciso II, do CP), em face da indisponibilidade do direito à vida;
c) o auxílio ao suicídio deve ser sempre acessório (cooperação
secundária). Deixa de haver participação em suicídio quando o auxílio
intervém diretamente nos atos executórios, caso em que o agente
colaborador responderá por homicídio;
d) A pena será duplicada se o agente é movido por motivo egoístico (ex:
buscando receber a herança do suicida ou ocupar seu nobre cargo) ou se a
vítima é menor (prevalece na doutrina menor de 18 anos, mas com certo
grau de entendimento, não incapaz) ou diminuída capacidade de resistência.
e) A doutrina costuma chamar este crime de “participação em suicídio”;
f) O consentimento da vítima é irrelevante, em face da indisponibilidade
do bem jurídico penalmente tutelado.
INFANTICÍDIO
1. LINHAS GERAIS
É um crime próprio que somente pode ser praticado pela mãe em estado
puerperal (admite-se prova em sentido contrário desse estado) e configura-se, ademais,
como uma forma privilegiada de homicídio. Admite, todavia, coautoria e participação.
Se for descrito o crime sendo praticado: “logo após o parto”, é homicídio e
não infanticídio – deve mencionar “ sob a influência do estado puerperal”, que é
elementar do tipo.
Concurso de pessoas: Quem concorre (coautoria ou participação) com a
mãe para o infanticídio, responderá pelo mesmo crime – art. 30, CP. É o entendimento, por
exemplo, de Patrícia VANZOLINI.
Júlio Medeiros
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Sujeito passivo: Próprio filho (neonato).
Se a mãe confunde o filho com outra criança, comete erro sobre a pessoa
(error in personam) –art. 20, §3º e 73 do CP, responde como se tivesse atingido a pessoa
pretendida, portanto, responderá por infanticídio.
Se a morte do recém-nascido é decorrência da inobservância de um dever de
cuidado, incorre o agente nas penas do art.121, § 3º (homicídio culposo), visto que o
Código Penal não agasalha a figura do infanticídio culposo.
Elemento temporal – momento em que o infanticídio pode ser cometido:
Durante o parto (diferencia o infanticídio do aborto, ‘inicio do parto’ se dá
com a dilatação do colo do útero ou o rompimento do saco amniótico) ou logo após
(polêmico!). É condição médica, por isso, não há como estabelecer sua duração.
Se durante o parto, o médico necessita fazer o parto fórceps e mata a
criança, será crime de homicídio e não de aborto.
A doutrina, em sua maioria, admite concurso de agentes: participação
(quando há simples auxilio) e coautoria (quando outrem pratica, juntamente com a mãe, o
núcleo do tipo), concluindo que o estado puerperal é elementar subjetiva do tipo
comunicável nos termos do art. 30 Código Penal.
Atenção! Por qual crime responde a mãe que, sob a influência do estado
puerperal, imprudentemente mata o filho recém-nascido? 1ª corrente: Nenhum, pois o fato
é atípico, vez que é inviável, na hipótese, atestar a ausência da prudência (diligência)
normal em mulher desequilibrada psiquicamente; 2ª corrente: Tipifica homicídio culposo.
O estado puerperal será matéria decisiva para a dosagem da pena. Corrente majoritária.
1.1. INFANTICÍDIO VERSUS ABANDONO DE CRIANÇA
Se há o abandono ou a exposição da criança – ainda que sob a influência do
estado puerperal – com o fim de ocultar desonra própria pratica o delito de exposição ou
abandono de recém-nascido (art.134, CP). No entanto, se o sujeito ativo visa precisamente
a morte do recém-nascido, por meios comissivos ou omissivos – inclusive pelo abandono –
há o deito do art.123 (critério de consunção).
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ABORTO
1. CONCEITO:
É a interrupção da gravidez com a morte do produto (ovo fecundado,
embrião, feto) da concepção. Na verdade, tecnicamente, o processo chama-se abortamento,
e o produto deste processo é o aborto. Portanto, o crime em si é o abortamento.
2. PROTEÇÃO JURÍDICA DA VIDA – duas posições:
a) Da fecundação, junção do núcleo do óvulo com os espermatozoides. É a
posição majoritária;
b) Da nidação ou nidificação – fixação do óvulo na parede do útero (14º dia
a partir da concepção).
Conforme explica Cléber MASSON (Direito penal esquematizado, 2012,
p.67), há posições no sentido de que só há falar em gravidez após a nidação, isto é,
implantação do óvulo fecundado no útero. Justificam esse entendimento no fato de
algumas pílulas anticoncepcionais, e também do DIU (dispositivo intrauterino), admitidos
no Brasil, agirem depois da fecundação, com a finalidade de impedir o alojamento do ovo
no útero. Consequentemente, se a gravidez tem início com a fecundação, mulheres que se
valem desses métodos anticoncepcionais cometem o crime de aborto.
Todavia, o autor diz que esse raciocínio deve ser refutado. A medicina é
pacífica ao indicar a fecundação como o termo inicial da gravidez. E, como o Brasil
permite o uso de tais meios de controle da natalidade, as mulheres que deles se utilizam
não praticam crime nenhum, pois atuam sob o manto do exercício regular de direito,
causa de exclusão da ilicitude prevista no art.23, inciso III, in fine, do Código Penal.
3. ELEMENTO SUBJETIVO:
a) Só admite modalidade dolosa (aborto culposo ou acidental em regra é
fato atípico);
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b) O aborto culposo só é punível quando decorre de uma lesão corporal
dolosa (lesão corporal dolosa gravíssima – art. 129, §2º, inciso V)
Erro de tipo: Médico sem consultar a paciente receita um remédio abortivo.
A paciente toma o remédio e em decorrência, tem um aborto. Não responderá por crime
algum, o erro de tipo excluirá o dolo e mesmo que exista a previsão do tipo culposo, será
fato atípico.
Pune-se o aborto somente a título de dolo, consistente na consciente
vontade de interromper a gravidez (ou consentir para tanto). Nélson HUNGRIA admite
também o dolo eventual, exemplifica com o caso da mulher que, sabendo-se grávida, tenta
suicidar-se, resultando o aborto. Não se pune a modalidade culposa. Caso provocado,
culposamente, por 3º, responde este por lesão corporal culposa (art. 129, § 6.º).
Culpa consciente: Gestante de 7 meses – que quer muito ter o filho –
resolve praticar esporte radical e por conta disto tem um aborto. Não responderá por
nenhum crime, porque não tinha o dolo de abortar.
Delito putativo por erro de tipo: A pessoa pensa que está grávida e age
para provocar o aborto, mas na verdade, a gravidez não existe. Neste caso, trata-se de
crime impossível.
Ocorrendo o nascimento com vida e verificando-se a morte posterior do
recém-nascido, decorrência de nova ação ou omissão do agente o delito a se cogitar é o de
homicídio (ou infanticídio) e não mais o de aborto, vez que a conduta criminosa recaiu
sobre vida extrauterina.
Matar mulher que sabe estar grávida configura também o crime de
aborto, verificando-se, no mínimo, dolo eventual O agente responde, em concurso formal,
pelos crimes de homicídio e aborto, de acordo com Cézar Roberto BITENCOURT. Se
houver desígnios autônomos, isto é, a intenção de praticar os dois crimes (homicídio e
aborto), o concurso formal será impróprio aplicando-se cumulativamente a pena dos
dois crimes.
4. TENTATIVA
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O aborto se consuma com a morte do produto da concepção (crime material)
Logo, é possível a tentativa, pois delito plurissubsistente.
5. SUJEITO ATIVO
Pode ocorrer exceção à teoria monista (todos que se unem para obter um
mesmo resultado, responde pelo mesmo tipo penal). No caso em que a gestante consente
no aborto ela responde por um crime (art. 124 do CP – auto aborto), e o terceiro que
provoca aborto com consentimento dela responde por outro crime (art. 126 do CP).
6. ESPÉCIES DE ABORTO:
a) Auto-aborto – art. 124 do CP;
b) Aborto sem consentimento – art. 125 do CP;
c) Aborto com consentimento – art. 126 do CP.
d) Aborto qualificado pelo resultado – art.127 do CP
e) Aborto necessário ou terapêutico – art.128, I, do CP
f) Aborto sentimental ou humanitário – art.128, II, do CP
Diferença entre aborto sem consentimento – art. 125, CP e Lesão gravíssima
– art. 129, §2º, V: Está no dolo. No primeiro, existe a intenção de provocar o aborto, já o
segundo é crime preterdoloso, não há a intenção de provocar o aborto.
7. FORMAS QUALIFICADAS:
Terá pena mais grave se: resultar, lesão grave ou morte; teremos então um
crime: preterdoloso. É admissível a forma qualificada somente nos arts. 125 e 126 do CP.
8. EXCLUDENTES DE ILICITUDE (art.128 do CP)
Não se pune o aborto praticado por médico:
a) Risco para a vida da gestante – aborto terapêutico ou necessário (não é
necessário nem mesmo o consentimento da gestante).
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b) Gravidez decorrente de estupro – aborto sentimental, humanitário,
ético ou piedoso (é necessário o consentimento da gestante ou de seu representante legal).
Aborto de anencéfalo não é permitido expressamente pela legislação, mas
foi autorizado pelo STF no julgamento da ADPF 54.
No tocante ao anencéfalo, na esteira de Cléber MASSON (Direito penal
esquematizado, 2012, p.85), “é razoável concluir que, se nunca teve atividade cerebral,
nunca viveu. Não se trata, portanto, de aborto, mas sim de antecipação de parto em
razão da anencefalia ou de antecipação de parto de feto inviável”.
Na verdade, essa modalidade de aborto encontra seu fundamento de
validade na proteção da dignidade da pessoa humana. De fato, a mulher não pode ser
obrigada a manter uma gravidez que representa um sofrimento de 9 meses, se ela desejar
fazer o aborto, não pode ser impedida pelo legislador. Interpretação conforme a
Constituição do art.128 do Código Penal. Nítida razoabilidade.
9. ABORTO E LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS
Em conformidade com o art.20 da Lei de Contravenções Penais (LCP),
constitui contravenção penal a conduta de “anunciar processo, substância ou objeto
destinado a provocar aborto”.