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Cidadania, direitos e desigualdades (aula 4) Direitos e deveres para governantes e governados: abordagens modernas I Professor Adalberto Azevedo São Bernardo do Campo, 23/01/2013

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Cidadania, direitos e desigualdades (aula 4)Direitos e deveres para governantes e governados:

abordagens modernas I

Professor Adalberto AzevedoSão Bernardo do Campo, 23/01/2013

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Plano de aula

1. O Estado-nação: final da aula anterior

2. O contrato de Hobbes

3. Patriotic Act: Leitura em sala e debate

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O Estado-Nação: evolução

1. Absoluto (XVI-XIX): patrimonialista, associação entre mercantilistas e aristocratas

2. Liberal (XIX): Estado burguês, direitos civis, liberdade (limitada),burocracia “racional”, mas direitos políticos limitados

3. Democrático liberal (1ª metade do séc. XX): movimentos sociais (trabalhadores, feminismo), socialismo, sufrágio universal, organização burocrática

4. Social-democrata (2ª metade do séc. XX): pós Guerras (fim das esperanças na “modernidade libertadora”). Autoritarismo justificado pela segurança individual perde força, ampliação do Estado, estado de bem-estar social, maior participação da sociedade civil (comunicação, partidos políticos)

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O Estado-Nação

A evolução do Estado-nação

Final do século XX: “volta” ao Estado democrático liberal?

Redução de direitos de trabalhadores grupos vulneráveis?

Exemplo: o sistema de saúde nos Estados Unidos (país resistente à social-democracia)

Documentário SickO (Michael Moore, 2007)(http://vimeo.com/27262137)

Desregulação financeira e a crise de 2007: aumento da relevância do Estado interventor?

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O Estado-Nação

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O Estado-Nação: a abordagem contratualista Jusnaturalismo: relação Estado-cidadão baseada em concepções sobre a natureza humana, desdobrando-se em teorias racionais (ciência política “moderna”, científica)

Cientistas políticos “malditos”: Maquiavel e Hobbes (pragmatismo)

Contratualistas (séc. XVI-XVIII): Estado e sociedade se relacionam via contrato (rompe-se com a concepção clássica do homem como animal político- contrato como “regra do jogo”)

Direito “natural” de todos é atacar a quem possa atáca-lo: insegurança

Para evitar o conflito, abre-se mão do uso privado da força: razoável para o burguês individualista e racional

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O contrato de Hobbes

Hobbes racionaliza valores de igualdade e liberdade, analisando-as à maneira das ciências naturais: raciocínio dedutivo a partir de uma teoria da natureza humana, concluindo que as noções clássicas de liberdade e igualdade eram prejudiciais “E creio que em verdade posso afirmar que jamais uma coisa foi paga tão caro como estas partes ocidentais pagaram o aprendizado das línguas grega e latina.”

Liberdade: limita-se ao que o homem é capaz de fazer sem impedimentos externos (analogia com ciências físicas)

Impedimento: o Estado defensor do bem comum

Referência à Guerra Civil inglesa (1641)

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O contrato de Hobbes

Político para Hobbes (detentor do poder estatal): Deve conhecer a natureza do gênero humano (Leviatã, 1651)

Conhecendo essa natureza, pode formular leis, que não vêm da observação, mas da razão (como a geometria)

Direito natural implica liberdade de escolha (exercer ou não o direito); a lei implica em uma determinação clara do que pode ou não ser feito pelos súditos

Para isso é necessário o Estado monopolista da violência: “ E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar qualquer segurança a ninguém.”

A defesa do Leviatã justificava-se pela busca da pacificação do estado

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O contrato de Hobbes

Contexto: Guerra civil inglesa (1641-1649).

Estado absolutista com parlamento originado da Magna Carta (1215), dissolvido em 1629 por Carlos I.

República: de 1649 (quando se dissolve novamente o parlamento) a 1660 (restauração da monarquia)

Aristocracia/igreja anglicana vs Parlamento/burguesia/igreja puritana/povo (esquecido...)

Crescimento do poderio naval inglês

Filme: Cromwell, o Chanceler de Ferro (Ken Hughes, 1970)

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O contrato de Hobbes

Solução hobbesiana: renúncia coletiva aos direitos naturais em sua plenitude (para garantir paz e segurança), “ [...] com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo.”

Estado absoluto consentido por todos e representativo em sua origem: momento do contrato

“Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum.”

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O contrato de Hobbes

11 de setembro e o Patriotic Act nos EUA: Leviatã contemporâneo? (08:30p5, 0 e 07:23p6)

Por isso o Estado hobbesiano tem súditos, não cidadãos

O soberano não faz parte do contrato: é eleito por um pacto “ [...] celebrado apenas entre cada um e cada um [...]”

Explicação racional do absolutismo (não é uma apologia)

O poder do Estado representante da sociedade é, assim, ilimitado. Se limitado por indivíduos, volta-se ao estado de guerra de todos contra todos

Estado de “sítio”: suspensão de direitos, centralização no Executivo, em função de agressões externas, ameaça à constituição ou calamidade (natural ou não)

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O contrato de Hobbes

O Leviatã não se baseia no terror (estado de natureza) mas no temor à autoridade legítima (subordinando inclusive a igreja)

Mas a força do Leviatã depende dos súditos: garantia contra agressões de outros Estados (tributos)

Propriedade: uso e ab-uso garantidos pelo Estado

Contudo, não se pode negar ao soberano o uso da propriedade e a regulação da vida econômica: princípio da desapropriação

Isso será contestado por Locke e pela própria revolução gloriosa (1688): da era dos deveres (súdito) à era dos direitos (cidadão)

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A herança de Hobbes

Homem como criador racional do Estado (compreensível e sob o domínio humano, como os objetos das ciências naturais)

Poder deixa de ser legitimado por privilégios hereditários (desigualdades impostas por Deus), como pregava a doutrina do direito divino de pensadores como Robert Filmer (1588-1653), defensor da dinastia Stuart em o Patriarca (herdeiros de Adão!!)

Só o consentimento no momento do pacto é legítimo (interesse individual, autopreservação como valor fundamental)

Ideologia “Estatista” (nem aristocrática nem burguesa ): poder é consentido, e a competição limitada pelo Estado e suas leis

Ideologia (proto) burocrática de Hobbes: concebeu um “conselho” (gestores) para o soberano (uma outra leitura possível de Hobbes)

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Textos para discussão: o Patriotic ActSão Paulo, domingo, 24 de julho de 2005 Prorrogação do Patriot Act acirra debate nos EUA LUCIANA COELHO DA REDAÇÃO A discussão sobre o direito do governo de delimitar as liberdades civis de seus cidadãos em nome da segurança da nação se acirrou nos EUA nesta semana com a aprovação, pela Câmara, da extensão do Patriot Act. Trata-se de um passo largo para tornar permanente medidas que dão ao governo o direito de, entre outras coisas, deter "testemunhas materiais" por prazo indeterminado e sem mandado e de conduzir buscas em casas e estabelecimentos comerciais sem informar o proprietário.A legislação, criada logo após o 11 de Setembro com o objetivo de fortalecer a segurança do país contra o terrorismo, tinha caráter provisório e expiraria no fim deste ano. Com a chancela da Câmara à sua extensão, os grupos de defesa das liberdades civis que protestam contra a legislação depositam suas últimas esperanças no Senado para atenuar os poderes extras conferidos ao governo em nome da guerra ao terror."Essa legislação, problemática desde o início, falha em proteger nossas liberdades mais fundamentais", declarou em comunicado à imprensa, após a aprovação pela Câmara, Lisa Graves, conselheira sênior da Aclu (União Americana pelas Liberdades Civis) para estratégia legislativa. Desde o ano passado, o grupo patrocina uma intensa campanha de mídia defendendo a reforma da legislação antiterror.Os defensores do Patriot Act, por sua vez, afirmam que ele reduziu as barreiras burocráticas e permitiu acelerar a velocidade de investigações envolvendo suspeitos de terrorismo.Mas a Aclu, citando exemplos, acusa o governo de abusar dos poderes adquiridos para bisbilhotar a vida de cidadãos sem ter provas de que existe envolvimento com terrorismo.O grupo também criticou a liderança da Câmara por acelerar o processo de votação na última quinta -foi apenas um dia de debate, embora este tenha se estendido por nove horas. "Se tivessem a chance de votar emendas que protegeriam nossa liberdade civil e de evitar que esses poderes intrusivos se tornem permanentes, legisladores mais equilibrados teriam se pronunciado a favor da liberdade", disse Graves.As propostas de emenda que restringiam em alguma medida os poderes extras dados ao Executivo foram derrubadas, e das 16 provisões examinadas, apenas duas não foram aprovadas em caráter permanente: a que dá ao governo acesso a registros de bibliotecas e transações comerciais e a que permite o monitoramento de e-mails e outras formas de comunicação via internet. Ambas foram prorrogadas por dez anos.

São Paulo, domingo, 24 de julho de 2005 LIBERDADES EM XEQUEPara analistas, garantias individuais não deveriam ser restringidas, porém isso acaba acontecendo. Restrição civil é paradoxo de guerra ao terrorMÁRCIO SENNE DE MORAES DA REDAÇÃO Um irrefutável paradoxo do combate ao terrorismo nas sociedades livres, como as européias e a americana, é a restrição das liberdades individuais imposta aos cidadãos, de acordo com especialistas consultados pela Folha."Não é legítimo reduzir as liberdades em nome da luta contra o terrorismo, que é a arma dos fracos. Se vencerá a guerra ao terror de qualquer maneira, por que, então, a comunidade internacional deverá minar as proteções de que goza sua sociedade civil para derrotar os terroristas? Afinal, é exatamente ela que o Estado quer proteger. Isso é autodestrutivo e paradoxal", avaliou James Carafano, especialista em segurança da Fundação Heritage (EUA)."Um dos maiores objetivos da ação contra o terror é preservar as liberdades individuais das sociedades ocidentais, como o direito de ir-e-vir, a liberdade de credo, a de expressão etc. Assim, não se pode restringir as liberdades que, fundamentalmente, se tenta proteger dos ataques protagonizados pelos terroristas", acrescentou.James Ross, pesquisador da organização Human Rights Watch, salientou que não é fácil definir que medidas antiterror constituem violações às liberdades individuais. "Os limites entre o que é uma prática legal e o que é uma infração aos direitos individuais não são claros nem estáveis.""É inegável que lidar com o terror é necessário, mas garantir os direitos dos cidadãos é um princípio importante que tentamos manter nas sociedades livres. Nem todas as medidas tomadas para combater o terrorismo são essencialmente violações às liberdades civis, porém, na ânsia de fazer algo, as autoridades acabam minando direitos dos cidadãos."De fato, não faltam exemplos para ilustrar seu raciocínio. Depois do 11 de Setembro, o governo americano conseguiu que o Congresso aprovasse o Patriot Act, um abrangente pacote antiterror que, segundo entidades de defesa dos direitos civis, viola uma série de liberdades individuais."A mais grave medida de exceção estabelecida pelo Patriot Act é a que permite o monitoramento de registros de bibliotecas para saber quem empresta que tipos de livro. Trata-se de um abuso que tentamos derrubar, porém não conseguimos", explicou Ross.No Reino Unido, estuda-se atualmente a possibilidade de criar um documento de identidade oficial, o que é visto por muitos britânicos como uma grave infração a seus direitos individuais."Eis a dificuldade em estabelecer o que é uma violação. Cada país tem suas leis e seus costumes, e algo normal para uns é grave para outros. Nenhum francês verá o porte de uma carteira de identidade como uma imposição do governo, pois o país já está acostumado com isso. Os britânicos, por sua vez, ficam indignados com essa possibilidade", analisou Ross.Ele lembrou, ademais, que as autoridades enfrentam um grande desafio, pois não podem ficar imóveis diante da ameaça terrorista que pesa sobre sua população. "O preço em vidas é alto demais. Assim, os dirigentes se sentem compelidos a adotar medidas antiterror. Só que, às vezes, suas iniciativas vão de encontro aos princípios da sociedade que eles visam defender", apontou Ross.Para Carafano, também é vital que os líderes não caiam na armadilha de tomar medidas contraproducentes. "Uma ação que constitui uma séria restrição aos direitos civis é a escolha de uma etnia como suspeita. Quando se concentra num só grupo, o governo não apenas viola liberdades mas também é ineficaz. Afinal, passa 99% do tempo investigando pessoas que não são perigosas."

Folha de São Paulo, sexta-feira, 12 de maio de 2006 Patriot Act amplia o poder das agênciasDA REDAÇÃO Lançado após o 11 de Setembro, o Patriot Act é um pacote de leis antiterroristas dos EUA que prevê um conjunto de medidas excepcionais de ampliação dos poderes de agências de combate ao crime para facilitar a luta contra o terrorismo.Por autorizar procedimentos contrários às liberdades civis -como escutas telefônicas e monitoramento de e-mails extrajudiciais e a espionagem de prontuários médicos ou de fichas de consultas em bibliotecas-, tem sido amplamente criticado. Seu nome real é USA Patriot, acrônimo de Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism (unindo e fortalecendo os EUA pela provisão de apropriadas ferramentas necessárias para interceptar e obstruir o terrorismo).Em dezembro passado, o Congresso americano contrariou o desejo do presidente George W. Bush de tornar permanente o pacote de leis, aprovando apenas sua extensão.Após meses de impasse no Congresso, uma versão modificada da lei foi assinada por Bush em março deste ano. Mudanças foram feitas para garantir que os cidadãos possam contestar algumas das ações na Justiça.

Quarta-Feira, 23 de janeiro de 2013 Biologia da contestação, artigo de Marcelo LeiteMarcelo Leite é editor de Ciência da “Folha de SP”, onde foi publicado este texto ([email protected]):Depois do cientista Thomas Butler, condenado nos EUA por negligência na manipulação de microrganismos de interesse para guerra biológica, agora é a vez de um artista -Steve Kurtz- ser processado sob os rigores do Patriot Act (leis antiterrorismo aprovadas nos EUA após o 11 de Setembro). Sintomaticamente, Kurtz é ativista de um movimento de "biologia contestacional".O artista é membro de um grupo radical chamado CAE, Critical Art Ensemble (http://www.critical-art.net), e professor da Universidade Estadual de Nova York (Suny) em Buffalo. As suspeitas levantadas por promotores contra ele começaram a ser consideradas há pouco mais de uma semana por um Grande Júri Federal -um tipo de tribunal em que cidadãos norte-americanos comuns julgam não a culpa de uma pessoa, mas se as evidências reunidas contra ela são suficientes para levá-la a julgamento. Até a conclusão desta edição não havia decisão.As circunstâncias em que a investigação contra Kurtz foi iniciada são surreais (veja em http://www.caedefensefund.org). Segundo a "newsletter" científica "The Scientist" (http://www.the-scientist.com), tudo começou com uma ligação do artista para o número de emergência 911 no dia 11 de maio: Kurtz pedia ajuda para sua mulher, que havia morrido do coração durante o sono.Policiais e paramédicos que foram a sua casa notaram, no entanto, a presença de materiais que consideraram suspeitos, como placas de Petri (discos de vidro usados em laboratórios de biologia) e outros utensílios de pesquisa. Avisaram o FBI, que providenciou um mandado de busca.Durante dois dias, agentes da Força-Tarefa Conjunta de Bioterrorismo em trajes de segurança isolaram o quarteirão e vasculharam a casa do artista.Segundo o FBI de Buffalo, nenhum agente perigoso foi encontrado. Havia na casa de Kurtz amostras de bactérias, inclusive uma linhagem de Escherichia coli (um pau-para-toda-obra dos laboratórios de microbiologia).Segundo o advogado de defesa Paul Cambria, era inócua e se destinava a projetos artísticos sobre biotecnologia. Só que os investigadores decidiram dar uma olhada também nos escritos anteriores de Kurtz e de seu grupo, e aí a coisa toda se complicou.Kurtz não está dando entrevistas, mas a "The Scientist" reproduz trechos de um e-mail seu que circula na internet. "Fiquei detido por 22 horas no FBI. Eles apreenderam o corpo de minha mulher, minha casa, meu gato e meu carro. Esses itens foram liberados uma semana depois", escreveu."[Também] apreenderam computadores, equipamento científico, partes de minha biblioteca, arquivos de ensino, identidade e todo o material de pesquisa para um novo livro."Uma espiada na área do grupo CAE dedicada à biologia contestacional (http://www.critical-art.net/biotech/conbio) revela que Kurtz e seu pessoal têm idéias nada ortodoxas para combater a disseminação das biotecnologias, como uma "sabotagem biológica difusa".Os textos condenam táticas como incendiar campos de plantas transgênicas, que tornariam os militantes antipáticos e os cientistas simpáticos, e dão preferência a coisas como soltar moscas geneticamente modificadas em laboratórios que fazem pesquisa com elas, de modo a torná-la inútil (por causa da contaminação).Diante da paranóia antiterrorista que se espalha nos EUA, é o caso de perguntar se tais métodos são assim tão radicais.(Folha de SP, 27/6)