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PORT 221 –OLD PORTUGUESE Profa. Monica Rector 1. Objetivos A study of Portuguese historical phonology and morphology with readings from medieval verse and prose. 2. Organização do curso O curso compõe-se de aulas expositivas, com discussão por parte dos alunos. Far-se-á uma seleção de textos e os mesmos serão apresentados em forma de seminário. 3. Nota A nota final será a média de: (1) trabalho final (50%), (2) seminário (30%), (3) participação nas discussões (20%). 4. Programa O esquema proposto é uma tentativa de sistematização, podendo ser alterado segundo o andamento das aulas ou o interesse específico dos alunos. PORTUGUÊS: HISTÓRIA E TRANSFORMAÇÃO DA LÍNGUA I. HISTÓRIA 1. Conceitos introdutórios: língua e linguagem; variedades linguísticas; etimologia, filologia, lingüística, semiótica 2. Uso e utilidade de estudos de português arcaico 3. Classificação das línguas 4. Língua latina: fontes de conhecimento e fases do latim 5. Línguas românicas, nacionais e os falares romanços 6. Formação histórica da língua portuguesa e fases da língua portuguesa 7. Galaico-português: textos e documentos 8. Português europeu, do Brasil, da África e Ásia 9. Lexicologia: fontes do léxico II. TRANSFORMAÇÃO 10.Latim falado e escrito ;Latim clássico e vulgar 11.Fonética histórica

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PORT 221 –OLD PORTUGUESEProfa. Monica Rector

1. Objetivos A study of Portuguese historical phonology and morphology with readings from medieval verse and prose.

2. Organização do cursoO curso compõe-se de aulas expositivas, com discussão por parte dos alunos. Far-se-á uma seleção de textos e os mesmos serão apresentados em forma de seminário.

3. NotaA nota final será a média de: (1) trabalho final (50%), (2) seminário (30%), (3) participação nas discussões (20%).

4. ProgramaO esquema proposto é uma tentativa de sistematização, podendo ser alterado segundo o andamento das aulas ou o interesse específico dos alunos.

PORTUGUÊS: HISTÓRIA E TRANSFORMAÇÃO DA LÍNGUA

I. HISTÓRIA1. Conceitos introdutórios: língua e linguagem; variedades linguísticas; etimologia, filologia, lingüística,

semiótica2. Uso e utilidade de estudos de português arcaico3. Classificação das línguas4. Língua latina: fontes de conhecimento e fases do latim5. Línguas românicas, nacionais e os falares romanços6. Formação histórica da língua portuguesa e fases da língua portuguesa7. Galaico-português: textos e documentos8. Português europeu, do Brasil, da África e Ásia9. Lexicologia: fontes do léxico

II. TRANSFORMAÇÃO10. Latim falado e escrito ;Latim clássico e vulgar11. Fonética histórica12. Acento e ortografia13. Metaplasmos14. Fonologia: vocalismo e consonantismo15. Morfologia16. Sintaxe

III. TEXTOS17. Análise da Carta de Pero Vaz de Caminha18. Análise de Artes de Gramática de José de Anchieta e de outros textos a critério dos alunos.

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19. Analise de textos de Crestomatia arcaicaicipação em aula - 30%Exercícios - 30%Prova (take-home exam)- 40%

As aulas são teórico-práticas; o aluno terá exercícios para fazer em casa e apresentar em aula; a prova final consiste na análise de um texto em poesia e outro em prosa em português arcaico, que será escolhido previamente pelo aluno.

CALENDÁRIO

5. BibliografiaAntologia de textos medievais. Sel., intr. e notas de José Pereira Tavares. Lisboa: Sá da Costa, 1957.Anchieta, Pe. José de. Artes de gramática da língua mais usada na Costa do Brasil. Apres. Carlos

Drumond, aditamentos Pe. Armando Cardoso. São Paulo: Loyola, 1990Ballón Aguirre, Enrique. “Una encrucijada entre filologia, linguística y semiótica: el corpus.” Dispositio

12, 30-32: 45-64Boléo, Manual da Paiva. Introdução ao estudo da filologia portuguesa. Lisboa: Edição da Revista de

Portugal, 1946Câmara Jr., Joaquim Mattoso. The Portuguese Language. Trans. Anthony J. Naro. Chicago: U Chicago P,

1972Cardoso, Zélia de Almeida. Iniciação ao latim. São Paulo: Ática, 1989Carvalho, Amorim de. Teoria geral da versificação. Lisboa: Império, 1987 - PC 5281.C37, Poesia

medieval trovadoresca e palacianaCarvalho, Dolores G. e Nascimento, Manoel. Gramática histórica. 13a. ed. São Paulo: Ática, 1981Cortesão, Jaime. A Carta de Pêro Vaz de Caminha. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1994Coutinho, Ismael de Lima. Gramática histórica. 4a. ed. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1958 - PC 5061.C63Crestomatia arcaica. Sel., pref. e notas de Rodrigues Lapa.Lisboa: Sá da Costa, 1976Cunha, Antonio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. 2a.ed. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 1997.Cunha, Celso. Estudos de poética trovadoresca. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura/INL,

1961--- .Estudos de versificação portuguesa (séculos XIII a XVI). Paris: Calouste Gulbenkian, 1982--- .Significância e movência na poesia trovadoresca. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985Faria, Ernesto. Fonética histórica do latim. 3a. ed. Rio de Janeiro: Academica, 1957.Fonseca, Fernando V. Peixoto da. Noções de história da língua portuguesa. Lisboa: Livraria Clássica

Editora, 1959--- .O português entre as línguas do mundo. Coimbra, 1985 - PC 5045.F63Hauiy, Amini Boainain. História da língua portuguesa, I. Séculos XII, XIII e XIV. São Paulo: Ática,

1989Harris, Martin e Vincent, Nigel. The Romance Languages. London: Croom Helm, 1988. PC 43.R66Huber, Joseph. Gramática do português antigo. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1986 - PC 5360.H817Ilari, Rodolfo. Linguística românica. São Paulo: Ática, 1992Iordan, Iorgu e Manoliu, Maria. Manual de linguística románica (I e II). Madrid: Gredos, 1972, El latim

vulgar, La diferenciación del latin, Fonética y fonologia (acento, vocalismo, consonantismo),

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Morfosintaxis (sustantivo, artículo, adjetivo, numeral, pronombre, verbo, adverbio, preposición, conjunción), Formación de palabras, El léxico

Jensen, Fred. A Comparative Study of Romance. New York: Peter Lang, 1999.Lapa, M. Rodrigues. Lições de literatura portuguesa. Época medieval. 8a.ed. Coimbra Editora: Limitada,

1973--- .Miscelânea de língua e literatura portuguesa medieval. Coimbra: Acta Universitatis Conimbrigensis,

1982Lellis, Raul Moreira. Português no colégio. São Paulo: Companhia Editora Nacional, s/d.Lírica galego-portuguesa. Ed. Américo A. Lindeza Diogo. Braga: Angelus Novus, 1998Lloyd, Paul M. From Latin to Spanish. Philadelphia: American Philosophical Society 173, 1987 -

QII.P612 v.173Macambira, Jose Rebouças. Estrutura musical do verso e da prosa. São Paulo: Pioneira, 1983Monteiro, José Lemos. Fundamentos da estilística. Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto, 1987, O

desvio estilísticoNunes, José Joaquim. Compêndio de gramática histórica portuguesa. Lisboa: Livraria Classica Editora,

1919---. Crestomatia arcaica. 8a.ed. Lisboa: Livraria Clássica, 1981Paiva, Dulce de Faria. História da língua portuguesa. Século XV e meados do século XVI. São Paulo:

Ática, 1988Palhano, Herbert. A expressão léxico-gramatical do “Leal Conselheiro.” 2a.ed. Lisboa: Revista de

Portugal, 1940Piel, Joseph Maria. Estudos de linguística histórica galego-portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa

da Moeda, 1989 - PC 5043.P54, Origens e estruturação histórica do léxico português, A arte de usar e criar palavras derivadas em Guimarães Rosa

Rodrigues, Linda M.A. “On Originality, Courtly Love, and the Portuguese Cantigas.” Luso-Brazilian Review 27 (1990): 94-107

Said Ali, M. Gramática histórica da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1964

Silva, Rosa Virginia Mattos e. O português arcaico, fonologia. São Paulo: Contexto, 1991---.Tradição gramatical e gramática tradicional.São Paulo: Contexto, 1989Silva Neto, Serafim da. História da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Presenca/INL, 1988---. Manual de filologia românica. 4a.ed. Rio de Janeiro: Presença, 1988Silveira, Sousa da. Lições de português. Rio de Janeiro: Presença, 1983, História da língua portuguesa,

Léxico, Latim clássico, Latim bárbaro, Fonética, Vocalismo e consonantismo, Arcaismos léxicosTarallo, Fernando. Tempos linguísticos, itinerário histórico da língua portuguesa. São Paulo: Ática, 1990Teyssier, Paul. História da língua portuguesa. 3a.ed. Lisboa: Sá da Costa, 1987Vasconcellos, J. Leite de. Lições de filologia portuguesa. 2a.ed. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1926 - PC

5043.L4, Introdução, gramática histórica, morfologia, partículas, formação de palavras, sintaxe, estilística e métrica, semântica, léxico, onomatologia

Vasconcelos, Carolina Michaelis de. Lições de filologia portuguesa. Lisboa, 1959--- .Romances Velhos de Portugal. 2a. ed. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1934Vazquez Cuesta, Pilar e Mendes da Luz, Maria Albertina. Gramática portuguesa. Madrid: Gredos, 1961,

El portugués, lengua románica peninsular, Periodos de evolución, Fuentes del léxico portugués, Elementos de fonética histórica, Ortografia

Villar, Mauro. Dicionário contrastivo luso-brasileiro. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989 - PC 5358.V55

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Vocabulário da carta de Pero Vaz de Caminha. Prep. Sílvio Batista Pereira. Ministério da Educação e Cultura/INL, 1964

Williams, Edwin B. Do latim ao português. Rio de Janeiro: Ministério de Educação e Cultura/INL, 1961--- .From Latin to Portuguese. Philadephia: U of Pennsylvania P, 1938 - PC 5076.W5

www.linguaportuguesa.ufrn.br

www.instituto-camoes.pt/cvc/tempolingua

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1. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS: LÍNGUA E LINGUAGEMCrestomatia – instrução útil 1. Língua/ Linguagem: qualquer forma de comunicação verbal – linguístico: oral e escrito vocal - paralinguístico não-verbal - visual, gustativo, tátil, olfativo; espaço (proxêmica), tempo (cronêmica), movimento (cinésica) não-vocal - palavra escrita

Língua/ Language: sistema social, como sistema apresenta os níveis fonético-fonológico, morfossintático, léxico-semântico

2. Língua/DialetoFalar, linguajargiria, jargãocalãocaracterísticas geográficas e sócio-culturais, sócio-profissionais (grupais), marginal

3.Saussure: língua x falaHjelmslev: esquema/norma/uso (glossemática)Coseriu: sistema/norma/usolíngua: código, sistemafala: mensagem, processoidioleto

Códigos não-verbaisa. Ex. Moda: língua - vestuário, oposição de peças, regras fala - parte individualAlimentação: língua - regras de exclusão (tabu) oposição (doce-salgado) associação simultânea ou sucessiva familiar - variáveis familiares menu - entre língua e fala

Barthes, Roland. Elementos de semiologiaMattoso Câmara Jr., Joaquim. Dicionário de filologia e gramática

VARIEDADES LINGUÍSTICASsintópico - dialeto /diatópico - geografia, espaçosinstrático - nível da língua/ diastrático - camada socialsinfásico - estilo/ diafásico - circunstância, estilosincrônico/diacrônico

Língua - uso, registro – usuárioNíveis: língua culta, semiculta, incultaModalidades: formal e informal

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Oral - oratório, formal, coloquial tenso, coloquial distenso, familiarEscrita -literário, formal, semiformal, informal, pessoal

ETIMOLOGIA - estudo da origem das palavrasEric Partridge, “Adventuring among words”

Sister - indo-europeu *suesor (*:reconstrução hipotética)germ. swester, alem. Schwester, t - extensãosues - lat. suus (seu próprio)sweoster - ingl.arc.2 palavras: - or, var. de -er: lat.sororgerm. ter - grego -ter ou lat. -tor (agente, aquele que faz), mas indo-eur. aquele que é ou está sendo, ex. comer - aquele que está vindosister - aquele que é de um, que pertence a cada membro da família1 origem se só fonética, 2 si se levar em conta a semântica

ETIMOLOGIA, FILOLOGIA, LINGUÍSTICA, SEMIÓTICA

Signo: Saussure: conceito + imagem acústica arbitrariedade, linearidade, tempoHjelmslev: forma - expressão – fonologia, conteúdo - morfossintaxe substância – expressão – fonética, conteúdo - semânticaLinguística: signo, SaussureSemiótica: signo, PeircesemiologiaSemiótica: qualquer signo: verbal, visual, olfativo, auditivo, gustativoLinguística: signo verbal (Barthes inversão)Semântica: significado do signo

FILOLOGIA - estudo da língua através de documentos escritosEnrique Ballon Aguirre, “Una encrucijada entre filologia, linguística y semiótica: el corpus”Linguística = linguística científicaFilologia = linguística tradicional / olhar divergenteLinguística: língua oral, viva/sincronia - conhecimento da língua em si mesma: fimFilologia: língua escrita/ diacronia - conhecimento da literatura e da história: língua como meio

Interdisciplinariedade/olhar convergente

Corpus: finito, mas limitado /olhar perspicaz

Corpus paradigmático e sintagmático/ olhar investigador: palavra - textoDefinição de corpus

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Enrique Ballon Aguirre, UNA ENCRUCIJADA ENTRE FILOLOGIA, LINGUÍSTICA Y SEMIÓTICA: EL CORPUS. Dispositio 13, 30-32:45-64

LA MIRADA DIVERGENTELing. – últimos 50 anos - hoje ling. do discurso (texto) preocupações não distantes da fil. Mas houve uma independização da ling. Com Saussurre ela forma parte da psicologia social e da semiologia, apesar dos pontos de contato. Saussure atribui à filologia um propósito muito vasto, ela aborda questões ling., sobretudo compara textos de épocas diferentes, para determinar a língua particular de cada autor, para decifrar e explicar inscrições redatadas numa língua arcaica ou obscura. Mas a crítica fil. falha num ponto: se atém demasiado à língua escrita e se esquece da viva. Hjelmslev coloca de um lado a fil. e a ling. tradicional e de outra a ling. científica. A 1a. vê no estudos dos textos um MEIO de chegar ao conhecimento literário e histórico, seu interesse principal é a HISTÓRIA E A COMPARAÇÃO GENÉTICA DAS LÍNGUAS. Ao contrário, a ling. cient. é o conhecimento da natureza da língua em si mesma, não como meio. Mas ambas tratam da linguagem.

LA MIRADA CONVERGENTEInterdisciplinaridade, que é o verdadeiro mito contemporâneo das ciencias sociais e das humanidades. A poética e a análise de textos oferecem esta interdis. Conhecimentos parciais se comunicam, se interdisciplinam, portanto, não há mais análise somente fil. Isto leva a um reordenamento das disciplinas a serem estudadas academicamente (Barthes, p.48)

LA MIRADA PERSPICAZO corpus, a ling. o estuda para descrever e analisar línguas particulares. De aí provém as gramáticas, dicionários, etc. O corpus é finito, mas não limitado.Dimensões do corpus:a) universo que reune a massa de enunciados representativos do fenômeno a estudar - homogeneidadeb) exaustividade, o estudo de todos os enunciados característicos pertencentes ao corpusc)seleção, segundo o princípio de pertinência; e depois estabelecer subcorpus/ad) mostruário ou amostragem, que consiste num procedimento de fazer analizáveis, reduzindo o corpus.O estudo fil. estuda o texto nas seguintes etapas:a) data dos documentosb) análise material dos manuscritosc) autenticidade dos textos e identificação dos autoresd) estudo da escritura e seu deciframentoe) comparação das variantes e classificação das interpolações (substituição, supressão, agregação)f) edição crítica dos textosQuanto a critérios de autenticidade, a fil. tem a ver com a ling. histórica e comparada atual, são estudos diacrônicos da língua e análise das interpretações sucessivas do texto no transcurso do tempo. A fil. e a ling. do discurso tem como tarefa DESCREVER = decompor o texto, seja oral registrado ou transcrito, escrito, oral e escrito através de um corpus de amostragem, mostrando um estado da língua.Se a preocupação do enfoque fil. for só o de demostrar a autenticidade do texto, seu alcance e limitado. Atualmente há a tendência para uma convergência para a ling. (Gleason, p.52).

LA MIRADA PANORÂMICA

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A semiotica é um projeto científico: semiologia sassureana, ling. glossemática, ling. estruturais onde todo signo tem valor e obtém-o a partir das estruturas que intervém no conjunto dos signos que formam o sistema. Há a filologia do conto, que vem da fil. antropológica de Propp, Dumezil, Lévi-Strauss e da fil. indo-européia de Benveniste e Jakobson. Segundo Greimas, o homem se apodera das significações do mundo e descarta a intervenção do referente, observa as produções do sentido e sua apreensão. Primeiro a semiótica reconhece os signos (categorização e classificação), especifica sua interação, depois verifica como o homem intepreta o sentido dos signos a nível da língua. A manifestação não é outra coisa do que o registro dos discursos linguísticos num corpus.

LA MIRADA ESCRUTADORAA sofisticação do corpus semiótico é consequência das falhas da cientificidade fil. e ling., o centro de tudo é o texto. Tout le texte, rien que le texte et rien hors du texte (Greimas). Conhecer um texto depende em última instância da comparação de um texto com outro, das variantes e versões do mesmo texto.Para tanto, o corpus tem os seguintes princípios:a) procedimento, descrição, construção;procedimentos indutivos para dar conta fiel do texto descrito e dedutivo para manter a coerência do modelo em construção e alcançar a “generalidade” coextensiva b) modelo, geração e textualizaçãoOs modelos precisam de homogeneidade e coerência interna. Quanto aos conceitos operatórios usados na análise, deles depende que o modelo presente de maneira apropriada o conhecimento obtido.Dito isto, passamos à textualização do corpus: representação semântica do discurso de acordo com o projeto de pesquisa posto em prática. Os elementos de significação uma vez abstraídos do plano isotopo, constituem a manifestação da transformação do corpus em texto, o que obriga a limitar o corpus em função do plano de significação escolhido e sua extensão, temos a extração dos elementos pertinentes e a eliminação dos não-pertinentes.c) homogeneidade, representatividade, exaustividadePara normalizar a descrição do texto há 2 prototipos:a) o corpus paradigmático, corpus de origem coletivo e que reune o conjunto das variantes de um relato oral;b) o corpus sintagmático, formado pelo conjunto de textos de um escritor ou os de uma sociedade num período histórico determinado. Ex. Machado de Assis, jornalista, romancista, contistaMachado de Assis entre romantismo e realismo.Portanto, a vocação da semiótica é contribuir para a metodologia das ciencias sociais. CORPUS É COMPREENDIDO COMO UMA SUCESSÃO DESCONTíNUA DE ELEMENTOS DE SIGNIFICAÇÃO QUE PODEM SER SUBMETIDOS A UMA PERIODIZAÇÃO, QUE É A SEGMENTAÇÃO DO DISCURSO EM SEQUÊNCIAS.(Greimas). A ciência se constrói a partir da definição do seu objeto e de seus métodos, e não de material acumulado por acaso.Filologia para Marouzeau é o estudo dos textos que procedem do estudo do homem, das idéias, dos costumes, da história, da arte, da civilização.

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2. USO E UTILIDADE DE ESTUDOS DE PORTUGUÊS ARCAICO

Proto-línguaQuadro em Fernando Tarallo. Tempos linguísticos, cap. 2, p. 36, “Reconstruindo formas”

Rosa Virgínia Mattos e Silva, O português arcaico. “Por que estudar hoje o português arcaico”, p. 11-14- explicar mecanismos cognitivos e psicológicos que estão na base de qualquer língua histórica- explicar a norma, os padrões de uso prestigiado, estabelecidos pelos gramáticos- como o português, língua de escola, era usado antes deste período?- ver a variação da grafia

“Definindo o português arcaico”, p.15-17Português arcaico: sec. 13 a 15 (sec. 13 aparece a língua documentada pela escrita)Antes: período pré-literário, dividido em pré-histórico (documentação remanescente do latim) e proto-histórico, a partir do s. 9, já com traços do latim bárbaro (latim notarial ou tabeliônico).

Documentos do português arcaico:Testamento de Afonso II (1214)Notícia do Torto (1214-16)Cancioneiro medieval português (s. 13): Ajuda (fim do s. 13), Biblioteca Nacional de Lisboa e o da Vaticana (s. 14). Cantiga da Ribeirinha (1196)

Fim do período arcaico:Livro impresso, expansão portuguesa, normativização gramatical (Fernão de Oliveira, 1536, João de Barros, 1540).

Subdividindo o português arcaico:Quadro: Mattos, p. 19

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FilologiaCarolina Michaelis de Vasconcelos, Lição I: “Noções etimológicas e semasiológicas”

Filólogo: historiar, retroceder até chegar às origens, aos elementos primários. Estes elementos são as raízes, quase sempre monossilábicas.Filólogo, filologia, filológico, filologar - origem grega e termos compostos.Raiz: fil-: amar; -logia: verbo, discurso, fala, linguagem, raciocínioUnidos pela vogal de ligação o, segundo o sistema grego.Temos ainda filosofia, filantropia, filadelfia (amor dos irmãos ou humanitarismo), modernamente filatelia.Filo figura em compostos como Teófilo, bibliófilo, lusófilo.Oposto de filo é miso = odiar, misântropo: o que odeia o próximo.Opostos aos filólogos temos os misólogos - adversos a sabedoria, palavra pouco usada.

Logos significa doutrina, ciência, conhecimento, erudição, estudo científico.Logia (sujeito) pode ser precedido de outro substantivo, teologia - ciência de Deus, morfologia - ciência das formas, mitologia, glotologia - ciência da linguagem, arqueologia - do velho.Filologia tem composição diversa, raiz verbal + substantivo que lhe serve de complemento, não é ciência do amor, mas amor à ciência, processo que dá origem aos compostos portugueses: beija-flor, salva-vidas; logia é objeto do amor, portanto, amor da ciência, culto da erudição ou da sabedoria em geral, sobretudo da ciência da linguagem, do verbo. Filosofia é o amor ou culto da sapiência, da virtude intelectual. Filosofia vem antes, pois foram os filósofos que iniciaram a filologia, Pitágoras (s.6 a.C. criou a palavra filosofia).Filologia era a culto da ciência em que a palavra aparecia, arte de definir e discursar; culto da gramática, dialética, retórica, lógica, belas letras.Filologia era o culto da língua, literatura e cultura helênica.Na Idade Média, a filologia continuou como parte integrante da filosofia; a faculdade de filosofia versava sobre as Artes. A oposição era:quadrívio matemático: geometria, aritmética, astronomia, músicatrívio filológico: gramática, retórica, dialética. Até os fins do s.18 não há outra filologia senão a clássica. A partir de então Schlegel estuda os clássicos da Índia e Franz Bopp descobre a associação do sânscrito com línguas européias, começa a filologia indo-germânica. Grimm lança os fundamentos da filologia germânica e Diez da românica.Filologia tem outro significado: em Roma cultiva-se excessivamente o verbo, os amigos do falar eram os filólogos, mas passa a sentido pejorativo: vício de falar, verbomania ou verborréia.

HISTÓRIA

Sócrates e Platão filologaram; todos os eruditos de Atenas, Alexandria e Roma se chamavam filólogos: conhecedores de muitas e diversas noções científicas.

GRÉCIA500 anos antes de Cristo. Aristóteles sistematizou as ciências. Quem ensinava a língua e a literatura pátria eram os gramáticos e os pedagogos. Começam com comentários de vocabulário, métricos e etimológicos e passam à crítica de textos, à hermenêutica, explicação de idéias, fatos e alusões a coisas reais. Coisas

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reais = realia, em alemão Realien = Sachen. Destacam-se Erastótenes, chamado Philologos, Zenódoto, e Aristarco.Na Idade Média há retrocesso, de greco-latina dá-se ênfase à latina. A interpretação de textos é alegórica, tudo está relacionado com as doutrinas da igreja cristã. Os gregos refugiados na Itália reintroduzem a tradição greco-latina, nos s. XV e XVI com o nome de Humanidades, que designava na época de Cícero, a cultura harmônica - intelectual, afetiva e moral - do homem, cultura superior que só se conseguia pelo estudo dos poetas e filósofos helênicos. Passam a fazer-se edições críticas e comentadas, traduções e imitações de gêneros poéticos gregos.Portugal teve ótimos latinistas. Biblioteca Latino-Portuguesa, destinada a vulgarizar por meio de traduções. A partir de 1500 conhecem-se inclusive damas da corte eruditas: Joana Vaz, Luísa Sigea, Infanta D. Maria, Hortênsia de Castro.Falar e escrever latim com elegância ciceroniana era a ambição principal. Estuda-se gramática, retórica, métrica, arqueologia, história antiga. No s. 18 o estudo da arte antiga passa a constituir ciência.No s. 19 criam-se novas ciências auxiliares: folclore (literaturas orais, populares, tradições, lendas, costumes, crenças e superstições); etnografia e etnologia (etno = raça, povo; manifestações materiais da atividade popular). Aos filólogos clássicos ou antigos juntam-se os das línguas e literaturas modernas (Neu-Philologen) e os indo-germanistas, orientalistas, etc. A partir de 1837, os alemães já tem 10 seções diversas: filologia clássica, romanística, germanística, filologia inglesa, indo-germanística, orientalista, arqueologia, história e epigrafia (paleografia=estudo das inscrições), pedagogia, matemática e ciências naturais.

Ismael da Lima Coutinho, GRAMÁTICA HISTÓRICAGramática histórica - ciência que estuda os fatos de uma língua, no seu desenvolvimento sucessivo, desde a origem até a época atual; transformaçõesUsa o método comparativo:OUSAR*dhers – indo-europeuLat. clas. audere, mas não justifica a origemProvençal - ausarital. osareesp. osarfranc. oserSupõe-se que seja verbo da 1a. conjugação. E o s? No lat. há o verbo ausare. Forma hipotética. Glotologia - ciência que estuda a origem e o desenvolvimento da linguagem: aspecto fisiológico e psicológicoFilologia - ciência que estuda a literatura de um povo ou de uma época e a língua que lhe serviu de instrumento. A filologia ocupa-se da parte artística da língua, a glotologia da parte fisica. Segundo os alemães abrange: glotologia, métrica, história da literaturaÍndia - interpreta os Vedas (antigos poemas bramânicos, hindus)Gregos - sec. 2 a.C., estudos sobre Homero e poetas líricos, Aristarco é o grande nome.

História da filologia portuguesa, segundo Leite de Vasconcelos tem 4 períodos:1. 4 primeiros séculos da monarquia lusitana (a partir do sec.12)2. princípio do sec. 16 até 1779, quando se funda em Lisboa a Academia Real das Ciências3.1779 a 1868, Adolfo Coelho inaugura em Portugal os métodos científicos

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4. a partir de 1868

Manuel de Paiva Boléo, INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA FILOLOGIA PORTUGUESA

1. EXPLICAÇÃO DE TEXTOS ARCAICOSConhecer vocalismo e consonantismo da língua, assim como problemas fonéticos e psicologicos (assimilação, aglutinação, etimologia popular)Ver origem certa: port. arc. mentre, esp. mientras vem de dum + interim (pron. dume) - domentre -dementre -mentreNoções de história da língua e tendências dominantesManipulação de textos:1) gramáticas históricas2) textos comentados3) antologias4) textos arcaicos5) regras a observar na publicação de edições críticasNos textos em língua portuguesa, comparar arcaicos, com os dos sec. 16-19: belancia e mais antigo do que melancia.Estudar evolução semântica do vocábulo.Na evolução fonética, a dificuldade está em estabelecer a sucessão dos fenômenos e a sua cronologia:macu(l)a -macua -magoamacula -magula -magoao que é anterior: a síncope do l ou a sonorização do c:ex. peçonha -potioneavem do lat. vulgar, a clássica é potioneevolução semantica: 1. bebida, 2.bebida medicinal, 3.bebida envenenadaem portu. temos:potione - poção: bebida, medicamentopotionea - peçonha: 1.veneno segregado por animal, 2. metafórico: maldadeevolução fonética: potionea -potsyonya - poçonya -poçonha -peçonha

Ex. iermana -germanaAdj. associado a frater e soror: frater germanus, soror germana. fratre: port.frade, fr. frère, prov.fraire (port. frei)germanu: port. irmão, esp. hermano (port. mano)soror germana: port. sor, fr. soeur, port. irmã, esp. hermana (port.mana)Evolução semântica: port. frade e frei, soror e sor especializaram o sentido: monge, monjaMano mantem n, usado como forma de tratamento de parentescoEvolução fonética: germanu (pron. ghermanu) - germanu (pron.jermanu) - yermanu - ermao - irmão Passagem da velar sonora g a palatal fricativa sonora j,etc.

1) GRAMÁTICAS HISTÓRICASa) Línguas românicasW. Meyer-Lübke, Grammaire des langues romanesb)Língua portuguesaM. Said Ali, Grammatica historica da lingua portugueza

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Rodrigo de Sá Nogueira, Curso de filologia portuguesa (Noções de fonética histórica)José Joaquim Nunes, Compêndio de gramática histórica portuguesaEduardo Carlos Pereira, Grammatica historicaEdwin Williams, From Latin to Portuguese

2) TEXTOS COMENTADOSMario Barreto, Textos clássicos portuguesesAuguste Magne, Cantigas de Santa Maria de Alfonso X, o Sábio. Excerptos anotados.Auguste Magne, A demanda do Santo GraalCarolina Michaelis de Vasconcelos, Lições práticas de português arcaico. Leitura e explicação de textos dos sec. 13 e 14. J. Leite de Vasconcelos, Textos arcaicosJ. Leite de Vasconcelos, Lições de filologia

3) ANTOLOGIASAdolfo Coelho, Questões de língua portuguesaRodrigues Lapa, Crestomatia arcaicaJosé Joaquim Nunes, Crestomatia arcaicaJ. J. Nunes, Florilégio da literatura portuguesa arcaica (Florilégio = coleção de flores, antologia)José P. Tavares, Selecta de textos arcaicos

II. TÉCNICA DOS TRABALHOS DE INVESTIGAÇÃO FILOLÓGICA (sintática e semântica)Livros em alemão: G. von Gabelentz, Die SprachwissenschaftTécnica e métodoTécnica - é o conjunto dos processos de uma arte ou de uma fabricação; o técnico é aquele que, baseado nos seus conhecimentos, sabe servir-se dos meios ou instrumentos necessários para efetuar um trabalho.A técnica pressupõe um estudo teórico.Método - caminho a seguir, é o conjunto dos processos que deve empregar o espírito humano na procura e demonstração de verdades. Passos a seguir:- obtermos uma primeira orientação sumária da matéria a estudar- fixada a época, inicia-se a recolha do materialComo escolher o texto?Originais, as traduções só servem para confronto com o texto inicial, estudo da evolução da língua quando há mais de uma versão feitas em épocas diferentes.O que se deve registrar?Tudo a princípio. Cada verbete deve conter o nome do autor, o título da obra donde se recolheu a palavra, a data, a edição, a página.- saber se dada expressão ou fenômeno linguístico é antigo ou recente na língua- método estatístico:George Kingsley Zipf, The Psycho-biology of Language, an Introduction to Dynamic Philology, 1936Afranio Peixoto, Ensaios camonianos, 102 x o adj. alto nos Lusíadas, os heróis viam tudo do alto, de cimaSaid Ali, verbos ter e haver em Dificuldades da língua portuguesa, 1930, p.189-206, arcaico haver.- devemos partir das formas para a idéia, ou da idéia para os fatos?: ex. mais-que-perfeito do indicativo a partir dos empregos e sentidos, ou da idéia: como se exprime a idéia de imperatividade

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- critério onomasiológico: Jaberg e BallyPode-se proceder da idéia para a forma ou vice-versa- só daí começa o trabalho de interpretação

III. TEMAS PARA TRABALHOS DE FILOLOGIA PORTUGUESAA) FONÉTICA- o problema da ditongação do português- os ditongos au, ão, ou, eiau, causa: causa, cousa, coisaau -ó: ogadeiro (augadeiro:aguadeiro)ão: nãa, nom, num- ditongos ou, oi resultantes de au-,al-,oc-: oirives, oitono; louro, biscouto; redução do ditongo: ou - u: sube (soube), ou -ó: loreiro- elisão de vogais em português: ó rosa quando t’abrires, tb. vogal o: mund’antigo- nasalação e desnasalação em portuguêsnasalação regressiva: leone -leom -leãonasalação progressiva: mãe -matre, mim -mihidesnasalação:luna –l~ua - lua- aliteração na língua portuguesa: onde nem ave voa, ou fera dorme

b) MORFOLOGIA E SINTAXE- sintaxe do português arcaico- colocação dos pronomes átonos em português antigo- verbo ter e haver em português- ordem das palavras em português antigo, ex. construção da frase em Fernão Lopes, ex. repetição do sujeito em que o pronome desempenha o papel de antecipador: ela não conhecera pai nem mãe, a Luísa- linguagem portuguesa moderna corrente

c) HISTÓRIA DA LíNGUA PORTUGUESA- doutrina dos gramáticos latinos- bibliografia e cronologia das gramáticas portuguesas- doutrina dos gramáticos portugueses- história da ortografia portuguesa

d) EDIÇÃO DE TEXTOS ANTIGOS

e) ESTILÍSTICA- estudo de figuras retóricas- aprendizagem da construção da frase e regime de verbos, ou seja, arte de redigir (dicionários de estilo, como o de Rodrigues Lapa, Estilística da língua portuguesa; conteúdo afetivo; ciência dos estilos dos escritores. Estilo é o uso individual da língua com intenção estética.- estudo de um determinado escritor- estudo da língua poética individual- estilo de uma corrente literária- estudo comparativo das variantes de um texto poético ou em prosa- comparação das diferentes interpretações do mesmo tema, tratado por diversos poetas ou prosadores

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- estudo do estilo vivido, indireto livre ou fala reproduzida- estudo das comparações e metáforas de um poeta ou romancista- estudo do ritmo da frase numa obra literária

f) LEXICOLOGIA- glossárioCarolina Michaelis, Glossário do Cancioneiro da Ajuda- palavras estrangeiras na língua portuguesa- linguagem dos jornais: neologismos e estrangerismos- linguagem dos desportos- linguagens técnicas e profissionais (tb.gírias)

g) SEMÂNTICA: SEMASIOLOGIA E ONOMASIOLOGIASemasiologia - parte do significante para o significados, a onomasiologia parte de significado para o significantes. Ex. ingl. Coast – costa vista da praia, shore – costa vista do mar.Com os Atlas LinguísticosVerifica-se: a) estudo dos diferentes sentidos que as palavras apresentam, b) evolução do sentido predominante, c) etimologia do vocábulo, d) frases em que entra: poeta aparece no sec. 14, no Glossário de Toledo, com o sentido de mestre.- expressões para fome, embriaguez, nomes do diabo- fórmulas de tratamento em português, nas diversas épocas- estudo do vocabulário de caráter sociológico e político

h) ESTUDOS DIALETOLÓGICOS

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3. CLASSIFICAÇÃO DAS LÍNGUAS

A glotologia, ciência da linguagem, distribui as línguas em grupos ou famílias, seguindo 4 critérios:1. geográfico - por regiões onde são faladas (Europa, Ásia) e a migrações2. etnológico - por raças, mas línguas não coincidem com raças3. morfológico - estrutura dos vocábulos

a) línguas monossilábicas, isolantes ou radicaisb) línguas aglutinantes ou aglomerantesc) línguas flexivas ou orgânicas

4. critério genealógicoO indo-europeu tem parentesco com o semítico e camítico (2 subgrupos: o oriental, representado

pelo assírio, e o ocidental, com um tronco setentrional, ao qual pertencem o cananeu e o aramaico, e um tronco meridional, do qual fazem parte o árabe, o sabeu e o etiópico). Fraccionou-se nos dialetos. Estes dialetos deram origem a todas as línguas da Europa com exceção do turco, do grupo ugro-finico (finlandês, estônio, húngaro) e do basco. O itálico inclui dois grupos de línguas: osco-úmbrio e latino-falisco (falisco= Etruria).

Grupos linguísticos:

1. Banto-sudanês (África)2. Camítico-semítico (África e Ásia Menor)3. Dravídico-australiano (Ásia e ilhas da Oceania)4. Munda-polinésico (Polinésia, golfo de Bengala, Cambodja, Malaca)5. Caucásico (Cadeia do Caucaso, antiga URSS)6. Indo-europeu (parte da Ásia e quase toda a Europa). Subdivide-se nos dialetos: itálico, germânico,

báltico ou lético (ou balto-eslavo), celta, albanês, helênico ou grego, armênio e indo-irânico. O itálico divide-se em 2 grupos: osco-úmbrio e latino-falisco

7. Uralo-altaico (Europa e parte da Ásia)8. Indo-chinês (China e Indochina)9. Paleo-asiático-americano (parte da Ásia oriental e as Américas)

Principais dialetos portugueses:1. Negro-português - ilhas de Cabo Verde, S. Tomé, Ilha do Príncipe, Guiné e as costas africanas2. Indo-português - Diu, Damão, Goa, Mangalor, Cochim, Ceilão3. Malaio-português - Batavia, Tugu, Timor, Java, Malaca e Singapura4. MacauCrioulo – animal que nasce em nosso poder (frango, pato, novilho; cria nada e criada ao nosso pé: não comprada, as trutas que pescamos nos nossos viveiros e açudes). Daí passou a denominar o escravo no sec. 15, o escravo nado e criado em casa do senhor, e depois de 1500, o nascido nas colônias, não proveniente do tráfico, não comprado, nascido nos continentes para onde haviam levado seus pais africanos. Dialeto crioulo é aplicado aos dialetos românicos da Ásia, África e América.

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4. A LÍNGUA LATINA

Origens sec.7 a. C. até o sec. 5 d. C., isto é, fundação de Roma até a queda do Império Romano. Latim surge no Latium (Lácio), região central da Itália, e depois passa a língua nacional2 modalidades distintas:1. latim clássico - sermo urbanus2. latim vulgar - sermo vulgarisOposição lat. escrito x oralLat. falado: 2 modalidades: lat. familiar - conversa de pessoas educadas, lat. popular - conversa do povo.

Mas havia diversas classes na sociedade romana:1. classe média -lat. familiar2. classe baixa - latim plebeu, soldados (lat. castrense), marinheiros (lat. náutico), operários (lat. proletário), camponês (lat. rural). Portanto, latim vulgar conceitua não uma língua, mas vários falares. 3. baixo latim - dos padres da Igreja na Idade Média4. latim bárbaro - escrito pelos copistas da Idade Média. Bárbaro porque misturava vocábulos romances e provinciais.

Características fundamentais entre latim clássico e latim vulgar:1. Fonética - povo preferia paroxítonos aos proparoxótonoslat.clas. lat.vulgar port.'alacrem al'acre alegre'cathedram cath'edra cadeira'ponere po'nere por

2. Léxico - vocábulos mais populares com sufixos diminutivos (afetivos): ignis (fogo) é substituído por focu (fogo doméstico, lar)equus (cavalo) é subst. por caballu (animal de trabalho, pejorativo), tb. éguaauris subst. dim. auricula (orelha)

3. Morfologia - uso de formas analíticasa) uso pronome demonstrativo e do numeral unus com valor de determinativos (artigo definido e

indefinido)lat.clas. liber lat.v. illu libru ou unu libruport. o livro ou um livrob) forma analítica para graus dos adjetivosDulcior: magis ou plus dulcemais (port.) mas (esp.) plus (fr.)super.: dulcissimus, multu dulcec) formas analíticas na voz passiva dos verbospres.ind. amare - amatus sum

4. SintaxeUso de preposições e redução das desinências casuais.l. l.c.liber (nominat.) l.v. illu libru libri (gen.) de libri

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libro (dat.) ad librucom a eliminação dos casos, a frase passa a ter uma ordem direta mais fixa: sujeito, verbo, complemento

SÍNTESElatim.clássico lat. vulgarsintético analíticoflexivo flexão reduzida a 1 caso (acus.) ou 2 (nom., acus.)pouca prep. muita prep.ordem inversa (verbo fim da oração)/ordem natural (sucessão progressiva das pal.),uso de pal. determinantes: artigos no interior da frase, formas verbais compostas, reduções fonéticas (queda da cons.final -m), períodos menos extensos

FONTES DE CONHECIMENTO DO LATIM VULGAR

Appendix Probi (Probo, gramático do sec I d. C.), 227 palavras escritas como eram usadas pelo povo e corrigidas pelo autor. Caract. sec. III d. C.speculum non speclumoculus oclusarticulus articlusex. portu. orelha e joelhonão l.c. auris e genumas l.v. oricla e genuclu (formas diminutivas)

FASES DO LATIM1. latim pré-histórico (9 a 6 a.C.)2. latim proto-histórico3. latim arcaico (sec. 3 a. C. até o inicio do sec. I a. C.)4. latim clássico (segunda parte do sec.1 a.C.)5. latim vulgar é a lingua falada pelo povo. (sec. 3 a 1 a. C.) 6. latim bárbaro é uma mistura de formas latinas com formas romances7. latim lusitânico (a partir de 193 a. C.)8. latim pós-clássico (entre o sec. 1 e 5 d. C.)

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5. AS LÍNGUAS ROMÂNICAS, NACIONAIS E OS FALARES ROMANÇOSEvolução: latim vulgar - romanços -línguas românicasRomanço é falado em toda a Romênia (região onde se falava a língua latina vulgar). Romanço ainda é usado como sinônimo de língua românica.

Área balcano-romena:1. romeno (Romênia, tb. chamado Valáquio)2. dalmático (quase extinto) (Dalmácia, região da Iugoslávia)

Área ítalo-românica:3. italiano (Itália, Córsega, Sicília)4. sardo (Sardenha)5.rético ou ladino ou romanche (Norte P. Itálica, Áustria (Tirol), Suiça (cantão dos Grisões)

Área galo-românica:6. francês (França, Bélgica, Mônaco, Suiça, Canadá, Tunísia, Marrocos, Congo, Costa do Marfim)7. franco-provençal (Franco Condado, Lorena, Suiça Francesa)8.provençal (Provença)

Área ibero-românica:9. catalão (Catalunha, Ilhas Baleares)10. espanhol (Espanha, América do Sul) ou castelhano11. galego (Galícia)12. português (Portugal, Brasil e ex-colônias da África e Ásia)

Línguas românicas são as que evoluiram do latim vulgar. No sec. 5 d. C. há o fraccionamento da unidade linguística do Império Romano. O latim vulgar se dialetou e passou a se desenvolver diferentemente em cada região. As formações dialetais são os romanços ou romances, falas entre latim vulgar e línguas românicas atuais. Portanto, temos: latim vulgar - romances - línguas românicas, do sec. 5 ao 9.As línguas oficiais são: português, espanhol, italiano, francês, romeno. Além disso, há o rético, galego, provençal, catalão, sardo, dalmático.

Características do latim clássico:1. sintético2. flexivo3. poucas preposições4. uso da ordem inversa

Latim vulgar:1. analítico2. flexões reduzidas3. muita preposição4. ordem natural5. uso de determinantes (artigos)6. formas verbais compostas

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7. reduções fonéticas

ORIGEMOs primeiros documentos latinos datam de 842. A história do latim vulgar ou língua românica é o latim falado na Romênia Ocidental, ou seja, a pré-história das línguas românicas e dos romanços derivados começa no primeiro século da nossa era, quando havia províncias romanizadas. Isto é na época imperial de Tibério a Marco Aurélio, que é a época argêntea. Na Peninsula Ibérica, acresce ainda, de 711 em diante, o influxo dos árabes. Da invasão dos bárbaros no sec. 5 resultou a desmembração do Império Romano, a decadência de Roma e da cultura clássica, o encerramento das escolas latinas nas províncias, a formação de reinos novos e de línguas modernas. Os bárbaros eram quase todos teutônicos, povos aos quais os celtas haviam dado o nome de Vizinhos = Germanos, adotado pelos romanos. Os germânicos influenciaram sobretudo o francês. No onomástico peninsular: Afonso, Ramiro, nomes de lugares e de família.

LATIM FALADO E LATIM ESCRITOOs escritores latinos mencionam o sermo rusticus, plebeius, quotidianus. Dos escritos de Sêneca,

Cícero, Quintiliano deduz-se que a língua de todos os dias era o sermo vulgaris (Alltags-Sprache) em oposição a da escrita, Feiertags-Sprache. Ao lado do Schriftlatein houve o Sprechlatein, do alto latim e do baixo latim. O problema é que levou muito tempo para que os latinistas se familiarizassem com a ciência romanística, e deixassem de corrigir nos textos clássicos o que lhes parecia anormal. As línguas neolatinas são a fase moderna do latim tal como era falado no Império Romano, Reichslatein. Na essência o latim escrito e o falado são iguais. Substantivos básicos como deus e homo, pater e mater eram comuns ao latim literário e ao vulgar; o mesmo com relação aos adj. como bonus e malus, e tb. os verbos: amare, facere, dicere, dormire.

LATIM VULGAR E SUAS TENDÊNCIAS FONÉTICAS, MORFOLÓGICAS E SINTÁTICAS1. O sermo vulgaris, sistematizado nas línguas neo-latinas se destaca por: facilidade, comodidade e

rapidez quanto ao sistema fonético e a construção das orações e clareza e efeitos de intensidade, quanto à expressão das idéias por vocábulos.

2. O sermo vulgaris expressava analiticamente e por perífrase o que o latim clássico exprimia por sínteses gramaticais.

3. Os neologismos são formações derivadas com auxílio de prefixos e sufixos nacionais e estrangeiros, sobretudo gregos:-ia, -issa, -izare, mas tb. germânicos: -iscus, -ardus, -engus; ibéricos: -arrus, -errus, -orrus, -urrus.

4. Os derivativos reforçavam nomes curtos, dando-lhes maior sonoridade e aparência mais familiar, sobretudo os sufixos diminutivos. Auris, ovis, apis são transformados em auricula, ovicula, apicula e com pronúncia menos cuidada oricla, ovicla, apicla, resultando em orelha, ovelha, abelha.

5. Com os verbos empregavam-se os mesmos processos. Nas formações vulgares, o prefixo precede, ou mesmo vários prefixos, ex. in-com-mendare = encomendar. Em lugar do comparativo sintético longiores emprega-se o perifrástico magis longos ou plus longos.

6. Quanto aos gêneros, o neutro foi abandonado pouco a pouco. O singular em -um foi substituído pelo masculino em -us: monumentus. O plural em -a foi considerado feminino do singular, ex. fatum, pl. fata, faz o fem. sing. fata= fada/s.

LATIM VULGAR: O ACENTO

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Acento frásico. Frase curta, basta um acento: diz-me se /vens- vens é pronunciado com intensidade.A sílaba destacada por intensidade é a sílaba tônica, as demais são átonas. Quando o vocábulo é monossilábico há um acento; acentuam-se os subst., adj., adv., pronome, forma verbal. Não há acento em partículas gramaticais como prep., conj. As acentuadas chamam-se longas.

Um compasso composto de longa e breve como amo (-,) é um troqueu;Um compasso composto de breve e longa (,-) como amor é iambo;Duas longas (--) é um espondeu;Uma longa e duas breves é um dáctilo, característicos em todos poetas épicos como Homero, Vergílio.Duas breves e uma longa é o anapesto;Quatro sílabas é o coriambo (-,,-).O português é uma língua trocaica ou grave de ritmo descendente.Possui oxítonos agudos terminados nas consoantes l, r, m, s, z, x.Os proparoxítonos são na maioria vocábulos cultos, eruditos.O latim, tanto clássico como vulgar dispunha como o português, italiano, espanhol, de vocábulos oxítonos, paroxítonos e proparoxítonos.

Havia a divisão quanto à intensidade, duração ou quantidade e acento.Intensidade é o produto da força muscular empregada na expressão da coluna de ar que faz vibrar as cordas vocais: falamos alto ou baixo.Duração ou quantidade é a maior ou menor prolongação do tempo do som.Em latim, a quantidade é diferente de acento. Se a penúltima era longa, tinha o acento: avena, se a penúltima era breve, não podia ter acento e a antepenúltima o recebia: rapido, macula, assim o acento pode recair em prefixos como: /implicat, /collocat. O sermo vulgaris tem a tendência de transformar os esdrúxulos em graves. Há tb. a síncope das vogais breves, atonas, postônicas: oric'la, apic'la; da jotização de i, fakyo, vinya - faço, vinha.Concluindo, muitas das alterações do latim para o neo-latim e português está na maneira de pronunciar, mas o acento tônico manteve-se inalterado desde o tempo de Plauto até os nossos dias. Isto serve como testemunho de identidade com o latim.

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6. FORMAÇÃO HISTÓRICA DA LÍNGUA PORTUGUESA E AS FASES DA LÍNGUA PORTUGUESA

ORIGEMÉ o latim levado pelos romanos a Península Ibérica. Antes da invasão romana (sec. 3 a.C.) havia iberos, celtas, fenícios, gregos, cartagineses.Iberos: povo agrícola e pacíficoVI a.C. - invasão celta: povo turbulento e guerreiroDa fusão: celtiberosFundaram colônias comerciais, através dos tempos, principalmente os fenícios, gregos e cartagineses.Os cartagineses apoderam-se de toda Península Ibérica (PI) no cerco de Sagunto (por Anibal 219 a.C., o que deu origem à 2a. guerra púnica)Romanos vieram em auxílio.

ROMANIZAÇÃO DA PIIII a.C. - romanos dominaram em 197 a.C. Dominação político-militar, mas sobretudo cultural. Linguisticamente: o latim. O latim levado foi o vulgar.V d. C. - a PI está totalmente romanizada.V d. C. os bárbaros germanos invadiram: alanos, suevos, vândalos, visigodos: guerreiros de cultura inferior aos romanos, por isso adotaram civilização e língua latina. Mas causaram a dissolução da unidade política do império: escolas foram fechadas, pois estas enfraqueciam o espírito guerreiro.

DIALETAÇÃO DO LATIM VULGARCada região desenvolveu uma língua diferente: dialetação. A causa evidente (imediata) é a invasão dos bárbaro-germânicos e a causa mediata é o substrato linguístico. Substrato é a lingua do povo vencido sobre a qual se superpõe a língua do vencedor.Substrato - povo conquistador impõe a língua, o que determina o desaparecimento gradativo da língua primitivaSubstrato céltico - braga, caminho, camisa, carro, cerveja;ibérico: barro, cana, manto, sapo, sarnaSuperstrato (W. von Wartburg) - povo imigrante e conquistador que adota língua do novo ambiente. Ex.w germano passou para as línguas latinas como gue: werra - guerraAdstrato – lingual que constitui fonte de empréstimos para outra língua falada em região vizinha; referência a línguas contíguas ou a línguas de substrato ainda existente). Ex. espanhol, francês, inglês, italiano, emprestaram a língua de Portugal vocábulos.

VIII d.C. os árabes vieram do norte da África, comandados por Tarique. Atravessaram Gilbraltar. Cultura superior, por isso impõe língua oficial, mas os peninsulares continuaram a falar o ROMANCE: latim vulgar modificado. Os que receberam a influência árabe são os moçárabes, o que quer dizer misto árabe, misto na linguagem, costumes, exceto religião, pois continuavam cristãos. Os árabes permaneceram 7 séculos, só foram expulsos no sec.15 (1492) por Fermando de Aragão e Isabel de Castela.Influência se restringe ao léxico, aos numerais (que por sua vez se originaram no sânscrito), vocábulos com prefixo al (artigo definido árabe): álgebra, álcool, alcachofra, almofada, alcatifa. Muitas lutas se travaram para expulsar os mouros. D.Afonso VI, rei de Leão e Castela, sec. XI. Sua filha D. Tareja casou-se com D. Henrique, conde de Borgonha e como dote recebe o Condado Portucalense em 1095. Filho dos 2 e de D. Afonso Henriques, que quis tornar o condado independente de Leão e Castela.

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1139, batalha de Ourique, mas só em 1143 era reconhecida a independência do condado e D.Afonso Henriques torna-se rei. Estava fundado Portugal. Nessa região falava-se o dialeto galego-português, que foi estendendo seu domínio para o sul e absorvendo os romances. Mais tarde o galego foi absorvido pelo castelhano e o português evoluiu, tornando-se a língua nacional.ex. Cantiga da RibeirinhaCantiga de GarvaiaCancioneiro medieval portugêsSupõe-se que falta uma estrofe finalMistério: a senhor branca e vermelhaDe pele branca e rosadaSerá D. Maria Paes Ribeiro?Paai Moniz é o pai da amante assumida do rei D. Sancho. É uma cantiga de amor ou de maldizer?Carolina e Lapa tem uma interpretação clássica. O poeta morre de desejo desde que viu “em saia”a filha de Paai Moniz, esta quer que ele louve sua formosura, descrevendo-a não de saia como a viu, mas adornada com um manto luxuoso (a garvaia).Linguisticamente há dois problemas:1. retraia que será garvaia.Garvaia, origem germ.: algo de grande valia, um manto digno de rei, será esse manto real com que a dama quer ser retratada (descrita, pintada, cantada, lembrada). Retraer – poderá ser tudo isso e mais pelo poeta que em mui mal dia se levantou e a viu em saia, em cós: trajes não públicos. O poeta sofre o coitado para retraer em garvaia quem ele desejava em saia ou menos2. senhor – sem flexão. Aquella, variante do dem. aquela. Mia, possessivo fem. minha. Mentre, conjunção temporal enquanto. Des, preposição que ainda não se associava a de: desde3. Morfologia – moiro, 1a.p.pres.ind. de morrer. Queredes – quereis, síncope do d. Aver – com valor

possessivo, dp. ter.

A estrutura das cantigasA poesia estava ligada à vocalidade, isto é, a música e a voz. As designações cantiga, cantar, cancioneiro remetem a um suporte musical. Já a escrita guarda a memória (memoria verborum: memória das palavras), privilegiando o discurso, que é indestrutível. O texto escrito recupera os saberes do passado e a sua transmissão para o futuro. O manuscrito iluminado, além de memoria verborum é também memoria rerum (das coisas). Voz e letra são os intrumentos da arte e da cultura.

CANTIGA DE GUARVAIADivergência de opinião quanto aos primeiros documentos. Fernando Venâncio Peixoto da Fonseca, O português entre as línguas do mundo. Cap. 3. Os mais antigos documentos portugueses: 169-195

PAIO SOAREZ DE TAVEIRÓSMais antiga, Carolina a fixa em 1189. Costa Pimpão na História da Literatura de Portugal (1o. vol.) diz que Soares teria nascido em 1180 para poder dirigir-se à Ribeirinha.Elza Paxexo tem outra argumentação filológica ex. Por vós, Carolina do alemão durch Euch, Elza “para vós”(por amor de vós)en saia - Elza “de luto”ou “tecido grosseiro e escuro”

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Joseph Piel (vol. 3 da Revista Portuguesa de Filologia) diz que garvaia é peça do vestuário, roupa íntima, vem do irlandês GalwayPaio Soarez pertence à nobre família dos Velho, a qual pertence Gonçalo Velho, o descobridor dos Açores, 1431. (Pero Velho de Taveirós era um trovador.) Suas terras estavam na Galiza, é uma cantiga de maestria, a modo provençal, sem refrão, com versos de 8 sílabas, graves e agudos, com septenários trocaicos, femininos, com rimas breves e longas: elha, aya, aya, ei, ea.Ribeirinha é D. Maria Paez Ribeiro, amante de D. Sancho I, teve com ele 4 filhos bastardos. Depois se casou com D. João Fernandes Lima e teve mais 3 filhos, morreu em 1250. Guarvaya - sobreveste escarlate fina, posteriormente só permitido a rei e parentes seus.

Mentre- enquantome for como me vai: única é a situação em que estouca - pois que branca e vermelha: cosmética artificiosaen saia - sem manto, em trajes menoresparelha - igualretraia – retratealfaya - mimocorrea - coisa de ínfimo valornunca recebi de vós nada de valormia - uma sílaba, mao - dissílaboestrangeirismos:germanismos - branca, Monizarabismo - alfaiagalicismo - saia, lat. saaga, fr. saiegarvaia - céltico ou germano-árabe? Não há palavras eruditasarcaismosmentremoiro por morrofea, correa sem iPaai vem de Pais, arc. Paezpossessivo mia, pr. pssoal miqueredes - conserva dterminação - on de non entonsenhor - gênero invariávelvus é vos

Cantiga de GuarvaiaDuas leituras:A)O poeta declara a sua infelicidade por se lhe representar a amada, branca e rosada (ou ruiva) que entreviu despojada do manto e em intimidade de trajo (saia). Sente-se infeliz porque sabe que o seu sentimento está longe de ser corresponddido, já que nunca recebeu dela nenhum penhor amoroso, nem mesmo no valor de uma correa!

B)

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O poeta aponta para um ressentimento de que vai ressarcir-se com o sarcasmo: alude maliciosamente ao atrevimento da filha de Paio Moniz, que se exibe desguarnecida do púdico manto. Insinua o contraste entre a sua posição atual na corte e a modéstia das suas origens.

FASES DA LÍNGUA PORTUGUESALeite de Vasconcelos:1. fase pré-histórica: origens até o sec. IX ( sec. V ao IX é o romance lusitânico).2. fase proto-histórica: sec. IX ao XII. Documentos em latim bárbaro com palavras em português (língua

portuguesa era falada, não escrita).3. fase histórica: sec. XII até nossos diasDois períodos:FASE HISTÓRICA1. período do português arcaico, sec. XII a XVI. Primeiros textos literários até 1550. Cantiga da

Ribeirinha (1189). Cancioneiros: Fernão Lopes, Gomes Eanes de Zurara, Rui de Pina. Em 1290, D. Dinis torna obrigatório o uso da língua portuguesa, e funda a primeira universidade em Coimbra.

2. Período moderno, do século XVI até hoje. Sec. XVI, imitação dos modelos latinos.1572, Luís de Camões, Os Lusíadas. Gramaticalização da língua, 1536, a primeira gramática de Fernão de Oliveira “Gramática da lingoagem portugueza”; 1540, gramática de João de Barros, com o mesmo título.

O período arcaico de subdivide em:a) a fase trovadoresca, do último terço do sec. XII até 1350 ou 1385, é o período do galego-português. b) A fase da prosa histórica, de 1385 em diante. Tudo o que resta do 2o. período da lírica portuguesa

está no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, de 1450 a 1516. Dp. começa a idade clássica, com a reforma de Sá de Miranda. Há muitas diferenças entre as 2 fases do período arcaico.

Ex. contração de vogais idênticas em palavras como veer, creer, leer, riir, soo, maa, que vão ser reduzidas a ver, crer, ler, rir, só, má. A data de 1500 marca o limite entre a época medieval e a moderna, mas em Gil Vicente, Bernardim Ribeiro, Sá de Miranda, ainda perduram fenômenos arcaicos. Só depois da circumnavegação da África, do descobrimento do caminho marítimo das Índias Orientais, do descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral é a língua enriquecida por palavras novas e exóticas. Material de consulta:F. A. Coelho, Dicionário etimológico da língua portuguesaGonçalves Viana, ApostilasSanta Rosa de Viterbo, ElucidárioAlois Walde, Dicionário Etimológico latinoBréal e Bally, Dictionnaire etymologique

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7. O GALAICO-PORTUGUÊS: TEXTOS E DOCUMENTOS (1200-1350)

Já conquistada pelos romanos, a Península Ibérica é dividida em duas províncias:Hispania Citerior (região nordeste)Hispania Ulterior ( sudoeste)27 a. C. Augusto divide a HU em mais duas províncias: Lusitânia (ao norte do Rio Guadina e Bética ao sul).Ao norte do rio Douro ficava a província romana de Gallaecia (terra dos Callaeci), vem da Gallli = celtas.No sec. XI, D. Afonso VI divide Gallaecia entre dois genros, D. Raimundo e D. Henrique, depois da conquista de Toledo em 1085.No sec. XII definem-se na PI três grandes grupos linguísticos: no ocidente da PI, o galego-português; nordeste, o catalão; n restante: o castelhano.Causas do prestígio do galego: fé cristã (Santiago), túmulo de Iago.

Os textos aparecem depois do sec. XIII. Nesta época, Portugal já existia como reino independente e seu território está praticamente reconquistado. Portugal nasce no sec. XII com Afonso Hneriques. A batalha de São Mamede (1128) é considerada a data de independência. Ao separar-se de leão, se separa também da Galícia. A residência principal do rei é Guimarães no extremo norte. Seus sucessores preferem Coimbra e finalmente Afonso III, em 1255, se instala em Lisboa, que é a capital definitiva.

OS TEXTOSTextos da 1a. fase do período arcaico: pergaminho, usado em cartórios e conventos, dp. na Corte e Universidade.Vários escribas: variação de grafemasConventos: Coimbra, AlcobaçaHagiografias: vida de Santos

No sec. XII, XIII, XIV, os textos eram:1. documentos públicos (jurídicos: títulos, testamento)2. historiográficos (cronicões, livros de linhagem)3. hagiográficos, eclesiásticos (latinismos)4. obras literárias (poesia dos cancioneiros e novelas de cavalaria)

O galaico-português é a língua da primeira poesia lírica peninsular.Cancioneiro da Ajuda ( fim do sec. XIII e começo do XIV)Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa (Colocci-Brancuti) (o mais rico, fim do sec. XV e começo do XVI)Cancioneiro da Vaticana (mesma data)Os cancioneiros têm 3 tipos de poesias:1. cantigas de amigo (poemas de amor populares, postas na boca de mulheres)2. cantigas de amor (poemas mais trabalhados, onde o homem fala, influência provençal)3. cantigas de escárnio e maldizer (poemas satíricas, as vezes grosseiros)Cantigas de Santa Maria de Alfonso X, o Sábio (1221-1284), rei de Castilha e de Leão.

NOVELAS DE CAVALARIA

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A demanda do Santo GraalHistória de MerlimJosé de Arimatéia

DOCUMENTOS OFICIAIS E PRIVADOSNo fim do sec. XIII aparecem documentos escritos totalmente em latim vulgar como testamentos e foros (regulamentos de uma localidade). Um dos mais antigos é o de Afonso II, 1214. A língua é mais espontânea e diversificada do que a dos Cancioneiros. Lindley Cintra analisa os foros de Castelo Rodrigo. No fim do período aparecem obras em prosa literária como Livros de Linhagens de D. Pedro (1354) e a Crónica geral da Espanha (1344).Citamos ainda Portugaliae Monumenta Historica de Alexandre Herculano e os Nobiliários, árvores genealógicas, para evitar casal em pecado, entre parentes até o sétimo grau.

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8. PORTUGUÊS EUROPEU, DO BRASIL, DA ÁFRICA E ÁSIAVer texto e www.linguaportuguesa.ufrn.brEm português no mundo, ver CPLP.

9. LEXICOLOGIA

Lexicon é o conjunto de palavras, das formas e modismos de um autor, originariamente grego, Homero e Platão. Modernamente é o conjunto das palavras de uma língua, colecionadas e ordenadas alfabeticamente. É sinônimo de vocabulário e dicionário.

Lexicon deriva de lexis, modo de dizer, vocábulo; raiz lego.Lexicologia é a ciência que se ocupa dos vocábulos que constituem uma língua, das suas origens

ou fontes. O estudo do léxico compreende fonética, morfologia, sintaxe.Para conhecer o léxico português temos que levar em conta que provém do latim e que tem feições maternas com as outras línguas românicas. Tb. temos que considerar que as línguas românicas não derivam do lat. clássico, mas são uma continuação do sermo vulgaris, rusticus, quotidianus, do latim falado despreocupadamente por militares, funcionários, colonos agrícolas, negociantes, dentro dos vários países conquistados.A conquista da Lusitânia pelos romanos começada em 193 a.C. e consumada no ano 25 a.C., conduziu ao desaparecimento completo das línguas então faladas na península (com exceção da tribu euscara ou vascongada). Em outras palavras, desapareceram as línguas ibéricas, fenícias, ligúricas, gregas, célticas, púnicas. A evolução do latim para o neo-latim começou e continuou durante o império de suevos e visigodos, de menor cultura. O domínio dos árabes tampouco atrapalhou, mas retardou. Em Portugal não há documento romanço antes de 1192. Durante os primeiros séculos da reconquista (8 a 13) é que se consolidaram as três linguas-neolatinas da península: galego, português, espanhol.O galego era nome comum de todos os cristãos reconquistadores, tanto verdadeiros galegos, como os no sentido restrito da palavra portucalenses, asturianos, leoneses e castelhanos. Galitzenland - país dos galegos - era toda a Hispania cristã. A Hispania pagã ou maometana era Morland (= país de mouros).O nome Portu Cale está documentado no século V. Porto é nome topográfico e Cale se fundiram no sec. 7, k reduziu-se a sonora g: Portugale. De Cale provém Gaia por Calia, plural de Cale. Portugal deu portugalense que deu portuguees e por contração das duas vogais idênticas português. Portugalenses sempre aparecem juntos com galizianos, sobretudo por causa del Cid, conquistador de Coimbra, Toledo e Valença. No (Cantar de Mio Cid v.2978, Portugal é chamado de essa tierra jensor -do lat.gentior, gentil.Com a Galizia, abandonada à própria sorte, o idioma decai sensivelmente. Houve uma efervescência lírica de 1350 a 1450 em que Portugal não tem parte, documentado no Cancioneiro de Colocci Brancuti.

FONTES DO LÉXICO PORTUGUÊS

Vozes latinas e não-latinas, e termos que não entraram prontos na língua mas foram formados, com sufixos e prefixos de variadas origens. Por fim, criações novas onomatopaicas.Diversas camadas:- a primitiva, de proveniência celtíbera, no tempo do Império, transmitidas direta e oralmente, são termos comuns a toda a família neo-latina.Os elementos não-latinos podem ser agrupados em: elementos de origem indo-germânica e elementos de origem não-germânica: semítica, mongólica, etiópica, americana, oceânica.5 tipos de vocábulos não-latinos:

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1. Elementos estranhos que tinham sido escolhidos pelos próprios romanos e foram por eles passados ao português, de diversas procedências: falados na península como fenício, grego, célticos, púnico; orientais: egípcios, pérsicos e hebraicos;2. Línguas faladas pelos conquistadores da península: germanos e árabes (sec. 5 a 12);3. Línguas faladas na Europa durante a Idade Média, de 1200 a 1500 com povos que estavam em relação direta com Portugal: espanhol, provençal, francês, italiano, deste último sobretudo o genovês e pisano;4. Elementos exóticos provenientes das conquistas e descobrimentos na África, Ásia, América e Polinésia;5. Introdução moderna, países europeus ou não, através de relações comerciais e literárias (jornalísticas).Ex. Frei veio de freire da Provença;Monge veio da Provença, sendo grego de origem (monachos);Avaria veio dos marinheiros genoveses, mas a raiz é árabe;Yacht veio do inglês que vem da Holanda, que no fundo é alemão: Jagd;Chefe veio da França, mas veio do latim caput, que tb. deu cabo;Sorvete veio do francês sorbet, que veio do turco sorbetto, cuja raiz sorb veio de xurb, derivado do árabe xarab, beber. Xarab deu xarope, que deu o francês sirop, alemão Syrup; garapa

a) Elementos ibéricos:Nomes próprios, tanto topográficos, de rios, montes, lugares, como de pessoas e divindades.Arrugia deu arroyo = ribeiro, e é nome de família;Páramo é planície rude, campo solitário;Veiga é planície fertil, várzea;Sarna, doença frequente entre os iberos, mas desconhecida dos romanos.Há uns 50 termos, de introdução recente em Portugal: gorro/a, boinaSufixos produtivos:-arra /e/o/u-ez dos patronímicos Rodriguez, Menendez, Lopez, mas há outras interpretações.

b) Elementos célticos2 camadas, uma anterior às conquistas, veio do norte da Itália, desde o sec. IV; a segunda provém da conquista da Gália por César.A primeira deu: saia, Braga, bragas (calças compridas, ceroulas), carpinteiro, cavalo, beijo/arDa segunda vem mina, duna, roca, carro, caminho, cerveja.

c) Fenícios, cartagineses e lígures (norte da PI):Lígures não deixaram vestígios.Os fenícios trasmitiram o alfabeto.Dos cartagineses veio mappa (toalha), matta (esteira), ingl. mat.

d) Elementos gregos:Ciências, artes, filosofiaNa Península Ibérica a influência direta grega é do sec.VII a.C.Filosofia, filologia, teatro, historia, museu, academia, liceu, escola, etc.Tb. termos vulgares como pedra, cara, golpe, espada.

e) Elementos orientais:Hebraicos como amén, Messias, satanás, sábado, Páscoa (o Pacha dos Hebreus).

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f) Elementos germânicos:Entraram pelo latim vulgar e dp. do sec.6 por contato direto com os invasores, dp. via França. Uns 300 termos.Dos germanos provém nomes de guerra: tregua, guarda, espora, estribo, elmo, bandeira.Dos visigodos veio agasalho, luva.

g) Elementos árabes. São os mais notáveis entre os não-latinos. Subsistem no onomástico topográfico, geografia e agricultura, guerra e administração, comércio e indústria, arquitetura e música. Em geral são substantivos.Geografia, nomes com Guad ou Od, que significa rio: Guadiana, Guadalquivir, OdivelasPalavras começadas por al: Algarve, Alcântara (= ponte), Almada (=mina), Albufeira (= lago), Algezira (= ilha).Na agricultura introduziram o sistema de irrigação: açude, ceifa e os produtos vegetais: alcachofra, alface, espinafre, beringela, arroz, algodão, azeite; almofada.Animais: javali, zebraInstituições: alcaide, almoxarifeComércio: alfândega, armazém, alqueireVivendas: aldeia, alcova, chafarizMatemática: álgebra, algarismos, cifra, zero, e os números.

h) Elementos exóticos

i) Elementos de introdução moderna, sec.19 e 20.

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Estrutura do léxico português

Joseph-Maria Piel

1. O léxico de uma língua de civilização como a língua portuguesa é um organismo vivo, extremamente complexo na sua composição, pois resulta de um trabalho multissecular de elaboração e de selecção, cujos princípios se situam bastante para além da época em que o português se manifesta como instrumento literário nos primeiros documentos escritos (cerca de 1200). Como sucede com o léxico das demais línguas de cultura, nunca será possível reconstituir todas as fases por ele percorridas e destrinçar a contribuição das muitas gerações que nele colaboraram até se constituir o magno edifício que hoje se nos depara nos grandes dicionários modernos. Este longo e laborioso passado explica a falta de homogeneidade, em perspectiva histórica, que caracteriza a sua estrutura. Com efeito, o conjunto vocabular do português nunca se manteve estacionário, antes evoluiu constantemente num ritmo ora mais, ora menos acelerado, evolução que não chegou ainda ao seu termo e que representa o esforço comum de homens procedentes de ambientes geográficos e sociais muito diversos. Entre as formas faladas-populares e as cultas-literárias observa-se uma permuta continua e fertilizadora, em ambos os sentidos. Ao caudal vocabular do primitivo património afluiu, em ondas sucessivas, uma infinidade de elementos estrangeiros, europeus e extra-europeus, entrando em linha de conta praticamente todas as línguas com que os portugueses, no decorrer da sua história, estiveram, directa ou indirectamente, em contacto.

2. Concebida em moldes modernos, a disciplina que se ocupa da origem das palavras, ou seja a etimologia, já não se contenta com identificar a forma actual de um vocábulo com a sua forma primitiva subjacente, mas esforça-se por reconstituir a sua história externa (fonética) e interna (semântica) através dos séculos. É verdade que este ideal se revela tanto mais difícil de alcançar quanto é certo que a origem de um número ainda demasiado avultado de elementos continua duvidosa ou mesmo totalmente enigmática.

3. Desde que, há pouco mais de um século, os eruditos obtiveram a última certeza de que as hoje chamadas línguas românicas se entroncam no latim falado nos últimos períodos do Império Romano, também o léxico português foi revelando progressivamente as suas fontes primordiais. Costuma chamar-se, com um termo pouco apropriado, «vulgar» a este latim despretensioso, coloquial, que existiu desde sempre ao lado do latim escrito, o qual usa um vocabulário literário mais apurado e conservador em relação às formas vivas, progressivas, da língua. Por outro lado, sabemos que, não obstante a sua relativa homogeneidade, resultante da homogeneidade da própria civilização romana, o léxico «popular» não deixava de apresentar certas particularidades geograficamente condicionadas e circunscritas. Resulta daí que o léxico português, no que respeita ao seu pecúlio mais vetusto, vem a ser o prolongamento do léxico corrente hispano-latino, mais concretamente do tipo próprio do noroeste da Península, que podemos qualificar de «galaico-lusitano». De certo modo a história do vocabulário português começa, pois, com a romanização das regiões que foram o berço do Idioma. O momento crucial, a partir do qual vai adquirindo paulatinamente o seu perfil individual perante as outras línguas românicas, incluindo as hispânicas, é o da ruína do Império (séc. V), resultante da acção militar e política de povos invasores germânicos, no nosso caso dos Suevos e Visigodos, os quais se estabeleceram no seu solo. Uma vez destruída a unidade geográfica e cultural do Império, as províncias adquirem uma autonomia

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administrativa e política própria, a qual acelera a desintegração linguística. Deste modo desenvolvem-se e consolidam-se progressivamente diferenças regionais, já anteriormente existentes em estado latente.

4. Dois séculos mais tarde, a conquista e ocupação efectiva da maior parte da Península por populações muçulmanas, de língua árabe, vem modificar radicalmente o curso da evolução linguística, apagando lenta, mas quase completamente, nas partes meridionais e centrais da Península, as formas românicas regionais elaboradas na época da monarquia visigótica (sécs. VI e VII). Ignora-se ainda se estes falares «moçárabes», que porventura puderam resistir até à reconquista do Centro e do Sul de Portugal, tiveram alguma interferência de vulto na constituição do vocabulário da futura língua comum portuguesa. Mesmo que admitamos esta hipótese, não parece que a acção respectiva fosse considerável.

5. Elementos pré-latinos Sabido é que o latim triunfou das línguas autóctones graças ao seu prestígio como instrumento de uma civilização e de uma concepção política superiores. Obra de poucas gerações, a assimilação linguística foi certamente mais lenta nas regiões periféricas do N. O. da Península, de acesso mais difícil e daí mais tardiamente colonizadas que as outras. Embora os idiomas pré-latinos, falados nesses territórios, se extinguissem obscuramente, não deixaram, porém, antes de sucumbir, de comunicar ao latim provincial, de feição «galaica», um conjunto não desprezável de termos especiais, correspondentes muitas vezes a noções concretas, para as quais faltava, ou parecia faltar, na língua dos dominadores uma expressão equivalente. Referem-se estes elementos, entre outras categorias, a conceitos topográficos: barranco, lapa, pala ‘caverna’, morro, mouta, várzea, veiga; a espécies vegetais espontâneas: tojo, carrasco, chaparro, mato; a noções do ambiente rústico: seara, broa, bezerro, bruxa, etc. Alguns dos termos desta classe aparecem, aliás, expressamente qualificados como termos indígenas em autores da latinidade tardia: cabana, cama, sarna (Santo Isidoro), ou em inscrições romanas: arroio < ARRUGIUM, páramo < PARAMUS. A repartição geográfica dos referidos pré-romanismos é bastante desigual. Enquanto uns abrangem vastíssimas zonas da Península, prolongando-se a sua área mesmo muito além dos Pirenéus, há outros que se apresentam arrincoados em certas zonas galaico-portuguesas. O fundo linguístico de onde procedem não é menos variado. Ao lado de elementos celtas e de idiomas anónimos, pertencentes à mesma família indo-europeia, identificaram-se outros, tão pouco homogéneos, que têm as suas raízes em línguas aparentadas, possivelmente, com o basco ou com um substrato «mediterrâneo». Todas estas vozes, sobreviventes de um grande naufrágio, testemunham migrações e infiltrações, em tempos pré-históricos, de povos e raças, de que mal reza a história.

6. Fundo latino O latim, que, tendo atingido uma feição relativamente homogénea e nivelada, se tornou a língua comum das províncias romanas, assimilara, ainda anteriormente à sua expansão fora da Itália, numerosos elementos, estranhos: «mediterrâneos», etruscos e, principalmente, gregos. Mais tarde admitiu também alguns termos gerais e técnicos, próprios de povos submetidos ao domínio romano: celtas, «ibéricos», germânicos e outros. Quer isto dizer que, na altura em que o latim se fragmentou, dando origem aos dialectos românicos, o seu léxico era constituído por um conjunto de palavras em que o elemento genuinamente itálico-latino só representava uma parte, embora a mais importante.

7. Como sucede com todas as línguas de civilização, o vocabulário do latim apresentava, segundo já se observou, dois aspectos, sociologicamente condicionados: um, conservador-literário; outro progressivo-popular. Foi este último que, depois da ruína da civilização antiga, se tornou decisivo na elaboração do léxico românico, ao passo que muitos termos «nobres», de tradição escolar-literária (como OS, ORIS, que cedeu o lugar a BUCCA, e ENSIS, substituído pelo grecismo SPATHA), se obliteraram para sempre. Uma terceira categoria de palavras pode qualificar-se de neutra, por abranger termos peculiares tanto da

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língua escrita como da falada: MATER, PANIS, BONUS, AUDIRE, etc. Devido a razões óbvias, o vocabulário «coloquial» latino, principalmente o de feição rústico-popular, é menos bem conhecido que o dos escritores e poetas. Em muitos casos são mesmo unicamente os idiomas românicos a testemunharem, indirectamente, a existência de uma palavra latina, pertencente àquela categoria vulgar, como acontece com sossegar, que pressupõe um vulgarismo: *SESS-ICARE.

8. O triunfo do cristianismo não só abriu a porta a neologismos e novos grecismos, como ECCLESIA 'assembleia dos fiéis', port. igreja (Cf. FILIUS ECCLESIAE > port. freguês), mas impregnou também termos tradicionais latinos com significações novas (FÉRIA(E), port. -feira, nos nomes dos dias da semana). Por outro lado, estava definitivamente condenada a terminologia dos cultos pagãos refugiando-se uma ou outra expressão respectiva no vocabulário rústico e dialectal (cf. o dial. jã 'fada' < DIANA).

9. Em confronto com os demais léxicos românicos, o do português apresenta, como era de esperar, um flagrante paralelismo com o do castelhano, o que não exclui divergências importantes. Vozes peculiares aos dois idiomas, como pássaro / pájaro < PASSER (propriamente 'pardal'), medo / miedo < METUS, comer < COMEDERE, etc., mais ou menos correspondentes, na sua significação, ao fr. oiseau, it. ucello < AVICELLUS, fr. peur < pavore, it. paura < *PAVURA, fr. manger, it. mangiare < *MANDUCARE, deixam entrever um fundo hispânico comum. Este pode ser de carácter conservador, como nos exemplos apontados, ou inovador, como em irmão / hermano < (FRATER) GERMANUS, em relação ao fr. frère < FRATER, cabeça / cabeza < *CAPITIA, em confronto com o fr. chef < CAPUT, Coração / corazón < *COR-ATIO, -ONE, em relação ao fr. coeur < COR.

10. No entanto, não raro, e amiúde solidariamente com o galego-asturiano, o léxico português apresenta uma individualidade inconfundível, mesmo em comparação com o castelhano. A atitude conservadora dos falares periféricos respectivos reflecte-se em formas como colmo < CULMUS, adro < ATRIUM, gume < ACUMEN e outras. Estes traços individuais podem ascender ainda ao período romano, ou resultar de inovações regionais. De modo geral, os falares do N. O. da Península, em Portugal sobretudo os do Minho com as zonas limítrofes, revelam, no âmbito rústico, uma riqueza e especialização lexical e semântica surpreendentes, facto que nos permite inferir que a romanização das referidas regiões, embora mais tardia, não foi menos eficaz e profunda que no resto da Península. Ao lado de muitos arcaísmos puderam identificar-se não poucos neologismos populares da época romana, como em branha 'pastos de verão' < VERANEA, encedoiro < *INCITORIUM. Por via de regra trata-se, na verdade, de formas regionais pouco conhecidas ou mesmo ignoradas da língua comum, o que não impede que ofereçam um real interesse para a história da cultura rústica do latim.

11. Elemento germânico Dos termos que o latim foi buscar a vários dialectos germânicos, só poucos foram transmitidos às línguas românicas, como CARPA 'carpa' e COFEA 'coifa'. A estes vieram juntar-se mais tarde, na época da dominação dos visigodos, alguns outros germanismos, oriundos do idioma deste povo, do ramo oriental. Os exemplos mais seguros de visigotismos do português são: aleive, bando, espeto, espora, espia, escanção, luva, roca, ufano, arrear, ou seja, vocábulos referentes essencialmente a actividades militares, conceitos jurídicos e objectos caseiros, assim como dois nomes de aves (manifestamente de agouro): mejengra 'chapim' e laverca 'cotovia'. Além destas palavras, directamente perfilhadas, existem ainda germanismos «de segunda mão», ou seja, galicismos de origem frâncica, que, na época do feudalismo, invadiram o léxico peninsular: bastir, elmo, estala, guerra, guardar, guarnecer, jardim, rico, sala, trégua, venda 'fita', etc. Há casos em que é difícil, se não impossível, decidir se

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estamos em presença de um visigotismo ou de um elemento frâncico, trazido simultaneamente com outros galicismos.

12. Aluvião lexical árabe Entre os elementos que, nas épocas obscuras em que se foi constituindo o idioma, vieram avolumar o património vocabular latino, não há nenhuns que, quantitativa e qualitativamente, se possam comparar com aqueles, cuja aceitação se deve ao convívio e relações culturais das populações hispânicas com as muçulmanas. O «superstrato» árabe revela-se, com efeito, incomparavelmente mais avultado que o visigodo, pois abrange praticamente todos os sectores da vida material. Contam-se por várias centenas os vocábulos árabes, comuns, regionais ou antigos, que o português, antes ainda de merecer este nome, fez seus, adaptando na medida do possível os sons da língua semita ao sistema fonológico próprio. Por muito importante que seja, esta contribuição limita-se, na verdade, quase exclusivamente, a substantivos, sendo virtualmente inexistentes expressões respeitantes a qualidades morais e outras noções abstractas. De um ponto de vista formal, convém lembrar que a grande maioria dos arabismos assimilados apresenta a aglutinação do artigo semita al, cuja função gramatical não teria sido sentida quando os vocábulos em causa foram adoptados e adaptados, evidentemente por via oral, pela gente de fala hispânica. Daí o artigo pleonástico: o alguidar, a alface, etc.

13. No que toca à significação dos arabismos do português, são as seguintes as categorias semânticas, em que se integram principalmente: 1.º) designações de cargos e dignidades: alcaide, alferes, almoxarife, 2.º) termos castrenses: arraial, arrebate, alcácer, alcáçova, atalaia; 3.º) de administração: aldeia, arrabalde, alfoz; alfândega, alvará, almoeda; 4.º) de plantas cultivadas e silvestres: arroz, algodão, alcachofra, cenoira, laranja, açúcar, alfarroba, alecrim, açucena, alfazema; 5.º) de profissões e indústrias: alfaiate, alveitar, almocreve, alvanel, algoz, azenha, atafona, adobe, 6.º) de unidades de medida: almude, arrátel, alqueire, arroba; 7.º) de animais: atum, alcatraz, alforreca, alacrau, javali, 8.º) de particularidades topográficas: albufeira, alverca, algar, lezíria, recife, 9.º) de artigos de luxo e instrumentos de música: almofada, alcatifa, marfim, alfinete, adufe, rabeca, anafil, alaúde, 10.º) de produtos agrícolas e industriais: azeite, álcool, alcatrão; 11.º) da vida pastoril: zagal, alfeire, rês, tabefe, almece, 12.º) de arquitectura: aljube, chafariz, açoteia, alvenaria; 13.º) das ciências exactas: algarismo, álgebra, cifra, auge, etc.

14. São extremamente raros os adjectivos: azul, zarco, forro. Quanto a outras categorias nocionais, podem apontar-se: um verbo, afagar, um pronome indefinido, fulano; uma preposição, até e uma interjeição, oxalá. Nalguns casos, o arabismo apresenta-se com um matiz semântico superior ao de um termo vernáculo sinónimo: alcatifa e aljôfar, em relação a tapete e pérola, respectivamente. Noutros casos observa-se uma depreciação do sentido primário, como sucede com o próprio nome dos árabes: alarve, e o da sua fala: algaravia. O número de arabismos foi antigamente consideravelmente maior do que hoje, e muitos dos que figuram nos dicionários actuais têm um cunho pronunciadamente literário-histórico, regional ou profissional. Por arabismos devem entender-se também vocábulos originariamente não árabes (orientais, berberes, etc.), incorporados no léxico dos muçulmanos peninsulares.

15. Latim medieval, humanista e científico-erudito Uma vez constituído, ainda em tempos proto-históricos e com base numa massa lexical oralmente seleccionada – à qual se poderia chamar a «armação» do vocabulário português, de índole preponderantemente material-concreto – o latim, que na sua forma medieval continua a ser escrito e mesmo falado nos meios mais ou menos instruídos, vem trazer-lhe novas achegas. Língua não só da liturgia, mas também das escolas conventuais e das

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chancelarias, a sua acção vai crescendo com o incremento da cultura geral. Formas vindas daqueles ambientes aumentam o caudal das vozes alatinadas já anteriormente integradas no léxico comum. Os latinismos mais antigos mostram em geral uma adaptação maior, em relação aos posteriores, à fonética do romance, sendo costume qualificá-los de termos «semicultos». Trata-se de palavras como virgem, anjo, diabo, cabido, regra, reino, etc., cuja feição se aproxima bastante da dos elementos genuínos, quer dizer, dos que nunca deixaram de fazer parte do vocabulário patrimonial de base.

16. Ao lado destes latinismos antigos e fortemente assimilados, existe uma infinidade de outros, recebidos na época do humanismo e renascimento, que foram o maior veículo da propagação de elementos eruditos. Nesta classe de latinismos, a sua adaptação, superficial, limita-se em geral à terminação, p. ex., em angélico, o que permite reconhecer facilmente o seu carácter adventício. Desde então, a acção do latim, a que se vem juntar a do grego, nunca mais deixou de fazer sentir-se até aos nossos dias, sendo porventura a língua portuguesa entre as românicas a que maior rendimento tirou e continua a tirar deste inesgotável manancial que são as línguas clássicas. É também surpreendente a facilidade com que certos latinismos, pertencentes, a princípio, a determinados meios intelectuais e eruditos, conseguiram propagar-se não só na língua comum, como até na pronunciadamente popular, onde se usam hoje em pé de igualdade com os elementos lexicais do fundo primitivo, avoengo.

17. Elementos franceses e provençais As influências lexicais do francês, avultadíssimas e constantes, acompanham, como os latinismos, toda a história do português, desde os primeiros contactos dinásticos, culturais e literários (séc. XII) até à época moderna. À acção da Ordem de Cluny e dos colonos «francos» devem-se, p. ex., granja e rua, como monge e freire; aos romances de cavalaria e às instituições feudais de além-Pirinéus, torneio, arauto, duque, dama, palafrém, vergel, batalha, jaula, proeza, ligeiro, cobarde, coragem, linhagem, vilanagem, mensagem, viagem, etc.; à lírica dos provençais: trovar, trovador, refrão, segrel, jogral. Em épocas sucessivas, a moda francesa reflecte-se em termos de indumentária: boné, chapéu, colete, blusa, paletó; assim como de culinária: croquete, filete, fricassé, puré e restaurante. Não faltam termos de música: charamela, fabordão (cf. forrobodó) e oboé. Existem outros sectores, em que certos galicismos se aninharam definitivamente, como no das comunicações: comboio, trem, cais, bilhete, etc. Se certos vocábulos franceses, que a língua acolhera, foram eliminados com o tempo (reproche, afares), outros, principalmente no campo das noções técnicas (automóvel, maquinaria, etc.), encontram-se tão solidamente estabelecidos no uso geral que dificilmente os puristas conseguiriam extirpá-los. Diga-se ainda que boa parte dos componentes eruditos do vocabulário (latinismos e grecismos) foram adoptados primeiro pelo francês, chegando só através deste canal ao português.

18. Elementos exóticos Os descobrimentos e a expansão dos Portugueses, ao revelar-lhes mundos novos com povos, civilizações e idiomas até então ignorados, haviam fatalmente de repercutir-se no vocabulário. São, com efeito, bastantes as vozes exóticas que, a partir do séc. XVI, se vão infiltrando no léxico português, seja por via literária (cronistas), seja por via oral (convivência com povos indígenas; comércio), aumentando assim consideravelmente o caudal de termos orientais recebidos anteriormente por intermédio do árabe. Alguns foram totalmente assimilados, outros não perderam o seu ar e feição estranhos, outros, finalmente, não passam hoje de curiosidades enterradas nos dicionários. Não se podem enumerar aqui todos os idiomas de África, Ásia e América que, em períodos e através de caminhos diversos, forneceram termos especiais ao léxico português. A Índia contribuiu, p. ex., com bengala, andor, pagode, chita, xaile; a China com chá e chávena; o Japão com biombo e leque; a África com batuque e soba, ananás e inhame; o Brasil com mandioca e tapioca; as Antilhas com batata, cacau e tabaco.

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19. Elementos italianos, espanhóis e outros. A contribuição do italiano manifesta-se principalmente nas terminologias artísticas. Em termos de música: piano, contralto, ópera; de arquitectura: balcão, fachada; de pintura: aguarela, pitoresco; de literatura: soneto, burlesco; de conceitos militares: brigada, infantaria, escopeta; de comércio: banco, fiasco; de indumentária: calção. Trata-se, de um modo geral, de termos de civilização que, na época do Renascimento, em que a Itália desempenhou o papel cultural-histórico que se sabe, se propagaram a quase todas as línguas românicas e outras europeias. Nem todos os italianismos do português foram importados directamente, tendo às vezes servido de intermediários o espanhol ou o francês.

20. Além dos italianismos, é considerável, embora em grau menor, o volume das contribuições do espanhol, que essencialmente datam da época do predomínio político e literário da Espanha. Alguns dos termos em causa situam-se no ambiente cortesão: cavalheiro, lhano, airoso; outros referem-se a noções militares: cabecilha, caudilho, guerrilha, outros à terminologia taurina: ganadaria, bandarilha, muleta; outros a costumes e vestuário tipicamente espanhóis: tertúlia, chiste, boina, mantilha, abstraindo de muitos outros vocábulos, pertencentes a campos semânticos diversos, como faina, trecho, tijolo, moçoila, hediondo, moreno e o próprio étnico castelhano, que usurpou o lugar do ant. castelão. Diga-se ainda que existem não poucos castelhanismos perfeitamente integrados na fonética do português, e daí difíceis de identificar.

21. O que o português deve a outras línguas europeias (germanismos, nordismos, eslavismos, etc.) pouco pesa na balança dos empréstimos, podendo ser desprezado na presente apreciação, forçosamente sumária, dos elementos estrangeiros do léxico português. No entanto, mereceriam ser postas em relevo algumas palavras de origem inglesa, como bife, clube, lanche, pudim, etc., com outras, de origem neerlandesa, p. ex., amarrar, bombordo, bacalhau, etc.

(Joseph-Maria Piel, Origens e estruturação histórica do léxico português, Estudos de Linguística Histórica Galego-Portuguesa, Lisboa, INCM, 1989, pp. 9-16)

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10. LATIM FALADO E ESCRITO; LATIM VULGAR E CLÁSSICO

EDWIN WILLIAMS, Do latim ao portuguêsLatim clássico - língua uniforme e estabilizadora da culturalatim vulgar - cada vez mais diversificadaLiteratura vem das seguintes fontes:a) elementos popularesb) latim clássicoc) elementos do povos com os quais os romanos entraram em contatod) línguas românicas

VogaisLatim clássico Latim vulgara, e a- ae, é (aberto)e- e i, ê (fechado)i- io, ó (aberto)o- e u, ô (fechado)u- uSó 3 ditongos passaram ao português: ae, oe, auFenômenos:- síncope em latim vulgar: a vogal de penúltima sílaba de proparoxítonos e a vogal de sílaba intertônica geralmente sincopam em latim vulgar - u representava a consoante w e a vogal u em latim clássico, w ocorre como segundo elemento de um ditongo.- morfologicamente as 5 declinações do latim clássico se reduziram a 3, os substantivos de 4a. mudam para 2a. e os da 5a.mudam para a 3a.- o gênero neutro desapareceu- nos adj. o neutro singular se mantém para exprimir a qualidade denotada pelo adj.- na sintaxe, a flexão foi substituída pela perífrase- uso maior de preposições, de verbos auxiliares e outras formas perifrásticas- comparativos perifrásticos formados com magis e plus

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11. FONÉTICA HISTÓRICA

Fonética – fonemas da línguaFonética histórica – evolução dos fonemas no tempo e espaçoFonema – som, letra – representação gráficaFonemas: vogais, semivogais, consoantesVogais – fonemas nos quais a corrente de ar é expirada pelos pulmões fazendo vibrar as cordas vocais, ganha a cavidade buscal e escoa livremente.Semivogais – i, u, quando formam sílaba com uma vogal. Consoantes – fonemas produzidos pela corrente de ar expirado dos pulmões, fazendo vibrar ou não as cordas vocais e interceptado na cavidade bucal por um obstáculo.

VOGAISa) quanto à cavidade bucal ou nasal:orais: a, e, i, o, u; nasais: ã, ~e, ~i, õ, ~ub) o ponto de articulação: média: a, anterior: e, i, posterior: o, u (triângulo de Hellwag)c) timbre: aberta: á, é, ó, fechada: ê, ô,reduzida: a (vida), e (vale), o (fino)d) intensidade: tônica (sapé, sólido, sofá, peru, saci), átona: sofri, casa, vale, ônibus3 encontros vocálicos: ditongo, tritongo, hiatoDitongo: vogal + semivogal ou vice-versa na mesma sílaba: pai, rei, heróiTritongo: semivogal + vogal + semivogal formando uma só sílada: iguais, saguãoHiato: duas vogais pronunciadas em 2 emissões de voz: saúde, vôo

CONSOANTES(ver Celso Cunha)Surdas sonorasP bT dC (quê) g (guê)F vC z

ACENTO TÔNICOMaior inflexão da voz na pronuncia de determinada sílaba. Do latim ao português persiste a sílaba tônica como normal geral.Latim clássico: o acento tônico dependia da quantidade das sílabasNão havia oxítonos.Dissílabos eram paroxítonos.Polissílabos: acento na penúltima sílaba se fosse longa: am-aturAntepenúltima se breve: leg,imus Latim vulgar: perde-se a noção de quantidade, adota-se o acento de intensidade.Longas e breve passam a átona e tônicas.Há 2 constantes na passagem do lat. clássic ao vulgar:1. proparoxítonas em que última sílaba era formada de oclusiva + r, o acento tônico sofria diástole

(alongamento da vogal breve): cáthedram – cathédra – cadeira2. tb. diástole quando havia hiato com i tônico: paríetem – parede, mulíerem - mulher

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O PORTUGUÊSA diferenciação do latim vulgar, dando origem as línguas românicas deu-se por causa:

- isolamento geográfico dos grupos entre si- desenvolvimento de unidades políticas separadas- variação cultural e circunstâncias educacacionais- período de romanização- diferenças dialetais- substratos linguísticos originais- superestratos linguísticos subsequentesA causa mais importante de diferenciação foi o incremento do acento de intensidade.As invasões germânicas estimularam a intensificação do acento dinâmico com a síncope de diversas vogais.

PORTUGUÊS ARCAICO E MODERNOOs mais antigos documentos em português aparecem no fim do século XII e marcam o começo

histórico do português arcaico. Durante quatro séculos a língua sofreu muitas modificações. No fim do século XVI quase todas as características distintivas do português arcaico já haviam desaparecido, e a língua é praticamente a de hoje. Vocábulos eruditos ou semi-eruditos já existiam como vocábulos populares: ex. artigo e artelho.

Às vezes, o vocábulo popular era modificado ou substituído pelo latino de que proviera. Port.arc. seenço foi substituído por silêncio, vesso por verso, ão por ano, romão por romano.

INFLUÊNCIA ESPANHOLANo século XV, poetas espanhóis como o Marquês de Santillana dão origem a uma poesia

significativa, vê-se a influência pois muitos portugueses escrevem em espanhol (Gil Vicente, Sá de Miranda, Camões).

INFLUÊNCIA FRANCESAInfiltração de maneira e costumes, e a introdução de moedas e produtos comerciais nos século X e

XI.

DIALETOSNo noroeste - interamnense, subdialetos das províncias do Douro e Minho,

nordeste - o transmontano, no centro - o beirão, no sul - o meridional com os subdialetos estremenho, alentejano, algarvio. O principal dialeto é o galego, alguns classificam o galego e o português como co-dialetos.

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12. ACENTO E ORTOGRAFIAA historia da ortografia se divide em 3 períodos:a) período fonético, que coincide com o português arcaico;b) período etimológico, que vai do Renascimento ao século XX; c) período reformado, que começa com a adoção na nova ortografia, em 1916.

a) FONÉTICO - como muitos sons não existiam no latim, as grafias foram adaptadas e surgiram muitos erros:uso de qu por c: cinquo por cincoconfusão de g e gu: alguo por algoconfusão de g, gia, j: agia por hajaconfusão de i, y e j: aya por hajaconfusão de u e v: auer e haveruso de x por is: rex por reisconfusão de m,n,til: año por anno

Uso do H - usado para marcar o hiato entre 2 vogais diferentes: poher por poer (arc.);foi omitido em grafias de palavras que o tinham em latim clássico: ouve por houve

lh data de 1269 e nh de 1273p ortográfico intruso entre m e n para conservar o som de ambas consoantes nasais: dampnovogais duplas se desenvolveram pela queda de uma consoante intervocálica: cree de credittodas as consoantes duplas do latim clássico podem ser encontradas no português arcaico: rr, ss, ff intervocálico: deffender, ff inicial; ffe por fe e depois de consoante conffirmar por confirmarll finais e ll antes de consoante: mortall por mortal, malldade por maldade

b) ETIMOLÓGICOAs grafias foram divulgadas com desatenção.

c) REFORMADOOficialmente em 1916 e adotada no Brasil em 1931 pelo Acordo Ortográfico Luso-Brasileiro.

Buescu, Maria Leonor Carvalhão. Gramáticos portugueses do século XVI. Lisboa: Betrand, Instituto de Cultura Portuguesa, 1978

1536 - Fernão de Oliveira, Gramática da língua portuguesa. Lisboa1539-40 - João de Barros, Gramática da língua portuguesa, seguida de diálogo em louvor da nossa

linguagem. 1.ed., Lisboa: Luís Rodrigues, 15401596-1606 - Duarte Nunes de Lião, Origem da língua portuguesa. Lisboa: Pedro Craesbeck, 1606--- Orthografia da língua portuguesa. Lisboa: João de Barreira, 15761574 - Pedro Magalhães de Gandavo, Diálogo em defensão da língua portuguesa. Lisboa1576 - Gandavo, Tratado da província do Brasil e história da Terra de Santa Cruz.

Em meados do século XVI, por diversos acontecimentos históricos, o galego-português cede lugar à língua portuguesa. O poeta Sá de Miranda, já conhecido pelas composições poéticas do

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Cancioneiro geral, ao voltar da Itália em 1526, começa a difundir os ideais humanísticos e incentiva as gramáticas.

Os gramáticos do Renascimento são os gramáticos da língua vulgar. A gramática clássica, como sistema de pensamento, vem do grego, e a gramática dos romanos é voltada para o pragmatismo, no plano dos estudos.

A língua latina literaria sobrevive graças à Igreja Católica, que ensina a gramática e a retórica. Os mosteiros são os centros culturais. Em 527, o Concílio de Toledo decide constituir internatos de clérigos, e o 4o. Concílio em 633 torna-se mais exigente com Isidoro de Sevilha.

Durante a Idade Média, a gramática faz parte do TRIIVIUM (gramática, dialética, retórica) e o QUADRIVIUM era música, aritmética, geometria e astronomia. A gramática tinha dois graus: (1) aprendiam a ler na CARTULA, espécie de cartilha com regras, de escrita, e (2) a sintaxe, as partes da oração, conhecida como ARS MINOR de Donato e finalmente o GATON (DISTICHA CATONIS), de autor desconhecido, trata-se de um manual de sentenças e máximas, que serviam de vocabulário de leitura e de ensinamentos morais. Dante é considerado o pioneiro com DE VULGARI ELOQUENTIA.

A gramática, como ciência de observação da linguagem, deixa de ser latina e passa a incidir sobre as realidades das línguas vernaculares. Em 1492, publica-se A GRAMÁTICA CASTELHANA de Antonio de Nebrija. A ortografia começa a ser regulamentada. Isto é feito por João de Barros que compara nós (os românicos) com eles (os latinos). As CARTINHAS para aprender a ler se multiplicam e também visam o ensino da língua portuguesa aos estrangeiros.

JUSTIFICATIVA HISTÓRICA DA ORTOGRAFIA PORTUGUESA

3 períodos:1. FONÉTICOhonrra, ezame; variação: bem, ben, b~e; homem, omem, ome

2.PSEUDO-FONÉTICOOrtografia Nacional de Gonçalves Viana.esculptura, athma.

3.SIMPLIFICADOOrtografia Nacional até os nossos dias.a) proscrição de símbolo gregos: th, ph, ch (k), rh, yb) redução das consoantes dobradas, menos rr e ssc) regularização da acentuação gráfica:1911, governo português obrigou a reforma ortográfica1931, acordo das Academias de Letras do Brasil e de Ciências de Lisboa1943, novo acordo, publicação do Pequeno vocabulário ortográfico da lingua portuguesa

SISTEMA SIMPLIFICADO1. H: hoje, haverch, lh, nhsuper-homem

2. CHResultante de pl, cl, fl: pluvia – chuva, masculu- masclu - macho, afflare – achar

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3. X corresponde a:a) coxu – coxo, laxare – deixarb) passione – paixão, miscere – mexer

4. DISTINÇÃO entre s e za) mensa – mesa, rosa – rosab) princesa, poetisac) Z quando provém da evolução do ti, ci, e ce latinos: ratione – razão, vicinu – vizinho, acetu – azedod) beleza, pobreza, robustez, altiveze) organizar, e derivados: organização

5.EMPREGO DO SSS surdo medial:a) ossu – ossob) ipse – esse, persona – pessoa

6.EMPREGO DO ÇEvolução de ce, ci, te, ti latinos seguidos de vogal: lancea – lança, minacia – ameaça, preti – preço

7.DISTINÇÃO DO G E J:a) gelu – geloc) j provém de:1. iactu – jeito2. basiu – beijo, hodie – hoje, radiare – rajar

QUESTÕES GRAMATICAIS

Os gramáticos quinhentistas são precursores da gramática histórica. Todos concordam que as línguas modernas nasceram do latim corrompido pelas invasões germânicas. Mas o conceito de evolução confunde-se com o de corrupção.

Um dos pontos controversos são as partes do discurso: geralmente 8: nome, pronome, numeral, verbo, advérbio, preposição, conjunção, interjeição. Nebrija admite 10, não distinguindo interjeição do advérbio e acrescentando gerúndio e nome participial infinito.

João de Barros admite 10, seguindo Nebrija, acrescentando o artigo (não existente em latim), e distinguindo no nome, o substantivo e o adjetivo.

PROBLEMA ORTOGRÁFICOGrave inconveniente.A melhor grafia é aquela que mais se aproxima da pronúncia. Os ortografistas dividiam-se entre a tradição ou o costume ortográfico, etimologia revalorizada pelo culto ao clássico e as realidades fonéticas da língua.

Duarte Nunes de Lião - ORTOGRAFIA, reduzida a arte (noções teóricas) e perceptos (normas práticas).Buscavam a normalização ortográfica. Fernão de Oliveira, João de Barros e Magalhães Gandavo distinguem a aberto e a fechado, grande e pequeno (aberto e fechado), usando o acento agudo e o

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circunflexo para marcar a abertura e o fechamento de o e a, usando a vírgula invertida sotoposta para e aberto.

João de Barros adota a supressão do qu e de k. A obra de Barros é renascentista, a de Nunes de Lião moderna, no sentido barroco que relaciona formas portuguesas com étimos latinos. Gandavo visa objetivos estritamente didáticos.

DEFESA E APOLOGIA DA LÍNGUAJoão de Barros introduz:- a existência do artigo- o desaparecimento da declinação- formação perifrástica dos graus de comparação- redução das conjugações a 3- diferenças entre a forma e o valor dos tempos verbais em relação ao latim- formação perifrástica de alguns tempos verbais- formação perifrástica da voz passiva- desaparecimento da noção de quantidade na sílaba- existência de aumentativos

Duarte Nunes se preocupa com a origem do primeiro alfabeto na Península Ibérica, segundo ele, antes da adoção das letras latinas, ter-se-ia usado os alfabetos fenício e grego.

Entre os primeiros escritos destacam-se as Cronicas e os Nobiliários, bem como os romances ou novelas de cavalaria, muito próximos à língua falada. Nesta linha, surgiu a Historiografia, cujo criador é Fernão Lopes, encarregado de escrever pelo rei D. Duarte. As crônicas são atribuídas aos reis de Portugal: crônica de D. Pedro, de D. Fernando, de D. João. Seu sucessor foi Gomes Eanes de Zurara que continuou a crônica de D. João I.

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13. METAPLASMOS

1. SINALEFAElisão da vogal átona final da palavra diante de vogal inicial da palavra seguinte:Pau d’água, minh’alma, outrora

2. ECTILIPSESupressão do m final da palavra diante de vogal da palavra seguinte:Coa, “…e, perdida a branca e viva cor, co’a doce vida”(Camões)

3. AFÉRESETá, Zé, cê, té

4. APÓCOPE OU ENSURDECIMENTOBobage, qué, pô

5. PRÓTESE OU AGLUTINAÇÃOArrecear, arrenegar, alagoa

6. EPÊNTESE OU SUARABÁCTIHipinotismo, peneu, iguinorante, opitar, obiter

7. DITONGAÇÃOSaudar, mais (por mas), ruim, arruinar

8. PALATALIZAÇÃOAntonho, demonho

9. DESPALATALIZAÇÃOMuié, coié, oreia

10. ASSIMILAÇÃOTamén

11. DISSIMILAÇÃOPírula, estrambótico, breganha

12. HIPÉRTESEMetereologia, areoporto, largatixa

13. METÁTESEPreto (por perto), preguntar, parteleira

14. ROTACISMOFarta (por falta), armoço, arface

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15. LAMBDACISMOFlera (por freira)

16. DISSIMILAÇÃO ELIMINADORADibre (por dribre, corrupção de drible)

17. HAPLOLOGIAEntretimento, paralepípedo

18. DESDOBRAMENTOSintaxe (pronunciado sintacse por sintasse), máximo

METAPLASMOS NA LINGUAGEM ATUAL1.Pau d’água, minh’alma, outrora2.Coa, “…e, perdida a branca e viva cor, co’a doce vida”(Camões)3.Tá, Zé, cê, té4.Bobage, qué, pô5.Arrecear, arrenegar, alagoa6.Hipinotismo, peneu, iguinorante, opitar, obiter7.Saudar, mais (por mas), ruim, arruinar8.Antonho, demonho9.Muié, coié, oreia10.Tamén11.Pírula, estrambótico, breganha12.Metereologia, areoporto, largatixa13.Preto (por perto), preguntar, parteleira14.Farta (por falta), armoço, arface15.Flera (por freira)16.Dibre (por dribre, corrupção de drible)17.

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Entretimento, paralepípedo18.Sintaxe (pronunciado sintacse por sintasse), máximo

FORMAS DIVERGENTES

Duas ou mais palavras originárias de um mesmo étimo latino.MACULA: malha, mancha, mangra, mágoa, máculaLEGALE: legal, lealPLAGA: chaga, praia, praga, plagaSOLITARIU: solteiro, solitário

CAUSAS DAS FORMAS DIVERGENTES:1. CORRENTE POPULARPlumbu: chumbo, prumoArticulu: artelho, artigoCorona: coronha, coroa

2. CORRENTE ERUDITADuplo (erudito) – dobro (popular)Pleno – cheioSolitário – solteiro

3. CORRENTE ESTRANGEIRAPlano: porão, chão (popular), plano (erudito), lhano (espanhol), piano (italiano)Capu: cabo, chefe (fr.)Capellu: cabelo, chapéu (fr.)Hospitale: hospital, hotel (fr.)

FORMAS CONVERGENTES:Palavras iguais na forma, provenientes de duas ou mais palavras latinas:Sanu: são (sadio)Sunt: são (verbo ser)Sanctu: são (sagrado)

Vadunt: vão (verbo ir)Vanu: vão (inútil)

Filo, fido: fioCapulu, capu: caboLibru, libero, livroRivu, rideo: rioComedo, quomodo: como

Formas convergentes são homônimos em português.

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Séc.XIV

Comentário de Álvaro Ferdinando Sousa da Silveira (1921). Lições de Português. Rio de Janeiro: Edição Revista de Língua Portuguesa. pp.101-3

(Nota: O til é desenvolvido como n.)

LIVRO DE ESOPO (extracto)

Texto

Conta-se que no tempo do inverno una serpente mui fremosa (1) jazia a riba (2) duna auga (3) corrente e jazia tanto (4) fria con o regelado, que non sabia de si parte. (5) E unu vilão, (6) passando per (7) o dito ribeiro, vio a dita serpente muito fremosa con muitas diversas colores (8) e ouve doo (9) dela, por que a via assi (10) morta de frio, e tomou-a e meteu-a no seo (11). E levou-a a sua casa e mandou fazer (12) mui grande fogo e tirou a serpente do seo (11) e pose-a (13) acerca dele e aqueentava-(14)a o milhor (15) que ele podia, e, quando a serpente foi (16) bem queente (14), vio-se poderosa e levantou-se em pee (17) contra o vilão, deitando contra ele peçonha (18) pela boca (19), e queria-o morder. E o vilão, veendo (20) esto (21), fez quanto pôde, ataa (22) que a lançou fóra de casa con gran trabalho.

En aquesta (23) estoria (24) o doutor nus (25) ensina que non devemos ajudar os maos omenes (26) quando os veemos (20) en algunus perigoos (27), por que, se algunu ben lhe fazemos, sempre deles averemos maos merecimentos, como fez esta coobra (28), que deu mao galardon aaquel (29) que a livrou do perigoo da morte.

Comentário

(1) fremoso = fermoso, do lat. formosu, tendo havido dissimilação de o-o em e-o, a qual é mui comum: relógio < (ho)rologiu, pesponto < posponto; em inscrições há seróribus por sororibus (dat.-abl. pl. do lat. soror, sororis) (v. Carnoy, Le Latin d'Espagne d'après les Inscriptions, p. 100).

(2) riba < lat. ripa. Significa margem; a riba = à margem, ao lado, ao pé

(3) auga < lat. aqua; auga = água. O a tónico atraíu a semivogal u, como também costuma atraír a semivogal i: contrairo (Lus. VIII 41) por contrário, capitaina (Lus. II 22) por capitânea, primeiro < primariu, etc.

(4) tanto: forma plena; a contracta tão é que hoje se empregaria aqui.

(5) non sabia de si parte = não dava acordo de si.

(6) vilão < villanu; sign. habitante de vila, camponês.

(7) per, preposição = por.

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(8) colores = cores. A conservação do -l- intervocálico mostra que a palavra é um latinismo, ou, talvez, castelhanismo.

(9) doo = dó (pena, compaixão). Ouve (= houve) doo = teve pena. A correspondência entre o substantivo cantus e o verbo cantare, saltus e saltare, etc., fez surgir, de outros verbos, novos substantivos, a que, por esse motivo, se deu a denominação de post-verbais: um deles é dolus (v. Grandgent, Vulgar Latin, p. 13), tirado do verbo dolere, do qual veio o port. doer. A evolução de dolus é regular: dolu > doo > dó.

(10) assi = assim.

(11) seo (=seio); do lat. sinu: sendo breve o i, pronunciava o povo senu, cuja evolução é normal: sinu > seno > seo > seio. O radical sin- inalterado aparece em sinuoso, sinuosidade, e, transformado pelas leis fonéticas, vemo-lo em enseada (en-se-ada); sabe-se que em port. antigo seo ou seio significa também golfo, curva litoral: Logo os dálmatas vivem; e no seio Onde Antenor já muros levantou, A soberba Veneza está no meio Das águas - que tão baxa começou! (Lus. III 14).

(12) fazer, forma activa, mas significação passiva: ser feito; cfr. o seguinte passo dos Lusíadas (X 115): "O corpo morto manda ser trazido", equivalente a "manda trazer o corpo morto". Pode também considerar-se activo com sujeito indeterminado.

(13) pose (= pôs, v. pôr); pose-a = pô-la. Acerca da conjugação de um verbo com o pronome lo enclítico, v. Sousa da Silveira, Trechos Selectos, p. 59 ss.

(14) aqueentava = aquentava; observa-se aqui o hiato ee resultante de queda de consoante intervocálica. O lat. calere = estar quente; o radical cal- vê-se em calor, cálido, caldeira, rescaldo, escaldar. O particípio presente de calere é calens, calentis, cujo acusativo calente(m) evolve assim: calente > caente > queente > quente (queda do -l- intervocálico, assimilação de uma vogal a outra, crase ou fusão das duas vogais em uma só). De calente se fez adcalentare, donde acaentar > aqueentar > aquentar.

(15) milhor, forma antiga = melhor. É comum nos Lusíadas (IX 58 e passim).

(16) foi (= ficou).

(17) pee (< pede) = pé; levantou-se em pee = levantou-se, ergueu-se, aprumou-se; contrapõe-se à ideia acima expressa por jazia e sem saber de si parte: há pouco era uma coisa inerte, dócil, inteiramente sem vontade; agora já se levanta, já mostra a sua intenção perversa.

(18) peçonha = veneno. Em latim há o verbo potare (= beber), cujo radical pot- se mostra no adj. port. potável (água potável, isto é, boa para beber). O subst. lat. potio, potionis = acção de beber, bebida, beberagem medicinal, bebida com veneno; potione > poção (= beberagem medicinal). O nosso vocábulo peçonha deve provir de *potionea, com a dissimilação muito frequente, como já vimos, de o-o em e-o.

(19) boca < lat. bucca.

(20) veendo = vendo. Note-se o hiato ee, resultante da queda do -d- intervocálico: lat. videre > veer > ver.

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(21) esto = isto.

(22) ataa = até.

(23) aquesta = esta.

(24) estoria = história.

(25) nus = nos.

(26) omenes = homens; forma normal tirada do plural homines (hómenes).

(27) Do lat. periculu > perígoo > perigo.

(28) coobra = cobra; do lat. colubra.

(29) aaquel = àquele.

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FONOLOGIA:VOCALISMO E CONSONANTISMO

Introdução à fonética histórica

As chamadas leis fonéticas, proclamadas pelos linguistas da escola Neo-Gramática do século XIX, são mudanças regulares que se observam na evolução de todas as línguas, motivadas pela configuração fonética das palavras. Não sendo, como se julgava inicialmente, maciças e inobserváveis, acabam, aos poucos, por afectar a quase totalidade do léxico de cada língua em determinada secção de tempo. São eventos históricos, sujeitos às mesmas contingências regionais, políticas, culturais e sociais dos outros eventos que atingem a vida de uma comunidade, o que significa que têm uma actuação limitada a um passo da história daquela  mesma comunidade. Na evolução do latim falado no início do Império para o falado na România Ocidental (Norte de Itália, Gália, Récia e Hispânia) e desse para o romance galego-português, verificaram-se consideráveis mudanças regulares, determinadas pelo contexto fonético e que são, resumidamente, estas:Símbolos1. A mudança ocorrida entre duas formas separadas pelo tempo indica-se inscrevendo entre elas o parêntese angular >.2. As formas latinas, para imediato reconhecimento, escrevem-se em caracteres maiúsculos.3. Quando uma vogal acentuada latina é longa, a sua notação vem seguida do sinal : e, quando é breve, não é assinalada.4. Recorre-se aos parênteses rectos para incluir, no seu interior, uma letra, ou letras que interessa considerar pelo seu valor fonético. Se estiver em causa o seu valor fonológico, ou seja, a entidade abstracta a que correspondem no sistema de uma língua, já se recorre às barras oblíquas.5. O hífen no final de uma forma latina indica que naquela posição esteve uma desinência (normalmente -m para os substantivos e adjectivos, -t para as formas verbais) que caiu muito cedo em latim vulgar e da qual não guardam memória as línguas românicas.Exemplificação: AMA:RE>amarPIRA->peraÀ esquerda dos parênteses angulares estão as formas latinas e à sua direita as formas portuguesas resultantes. No primeiro caso, a palavra latina tem [a] longo na sílaba tónica e, no segundo, um [i] breve. Estas vogais, na mente dos falantes são, respectivamente, /a:/ e /i/, ao passo que nas suas bocas são [a:] e [i].

Assimilação

Por assimilação, entende-se a modificação de um som por influência do som vizinho que com ele passa a partilhar traços articulatórios (i.e. torna-o foneticamente parecido ou igual a ele). Esta é uma mudança sintagmática, assim chamada por ocorrer entre elementos de uma cadeia sintagmática (sons articulados sucessivamente na pronúncia das palavras). A assimilação de um som pode verificar-se por influência do som anterior (será uma assimilação progressiva), do som seguinte (uma assimilação regressiva), por influência simultânea dos sons anterior e seguinte (assimilação dupla) e por influência de um som não contíguo (assimilação à distância). Os contextos fonéticos (i.e. palavras concretas onde ocorrem as mudanças fonéticas) mais propícios à assimilação são os nasais, os anteriores e os intervocálicos.

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Contextos nasais: - Uma vogal vizinha de [m] e [n], sons que são consoantes nasais, tem tendência para deixar de ser vogal oral e passar a ser vogal nasal. Isto ocorre universalmente na história das línguas e, no caso do português, verificou-se na passagem do latim hispânico para o romance galego-português (séculos VI-VII), talvez por influência das línguas celtas que na Península se chegaram a falar. As vogais que antecediam o [n] passaram a ser vogais nasais (ex: PONTE->p[o~]te, LU:NA->l[u~]a, NON>n[o~]), pelo que se diz que foram nasalisadas por assimilação regressiva. Na época nossa contemporânea, observam-se nasalizações, já de sentido progressivo, sempre que os falantes pronunciam, na primeira sílaba da forma muito, um ditongo nasal e, na primeira sílaba de mesa, uma vogal nasal (esta última nasalização progressiva apenas ocorre dialectalmente, mas a primeira é geral em português europeu, brasileiro e africano, pelo que deve ser bastante antiga, mas não anterior ao século XVI, já que Camões rimava muito com fruito).

Contextos anteriores ou palatais: - Outras assimilações podem dar-se junto de vogal anterior, tradicionalmente chamada palatal [i] ou [e], ou junto de semivogal anterior, ou palatal, [j]. Estas mudanças chamam-se palatalizações e podem também ser regressivas ou progressivas. Em latim vulgar, a língua falada no Império Romano do Ocidente entre os séculos III a.C. e V d.C., ter-se-á iniciado, no século I da era Cristã, uma palatalização regressiva que afectou as consoantes não contínuas, [-cont], tradicionalmente chamadas oclusivas, [k] e [t], antes de som anterior. Nos contextos [ke], [ki], [kj] e [tj] as consoantes evoluíram para uma sequência com iode (a semivogal anterior) [tj] e mais tarde, só na România Ocidental, para a africada dental [ts], forma antepassada daquelas consoantes que hoje em português se escrevem <c, ç,> ou então <z> (este último num contexto especial, intervocálico, que possibilitou a evolução [ts]> [dz]). Assim, temos CENTU->[tj]ento>[ts]ento>cento, FACERE>fa[tj]ere>fa[ts]er>fa[dz]er>fazer, CISTA->[tj]esta>[ts]esta>cesta, FACIE->fa[tj]e>fa[ts]e>face. Mais antiga, foi a evolução de [tj]: FORTIA->for[ts]a>força.

Outras palatalizações regressivas, desencadeadas no latim vulgar da mesma época pela presença da semivogal anterior [j], afectaram consoantes contínuas (ou fricativas), líquidas e nasais:

CASEU->queijo, VINEA->vinha, FILIU->filho.

Mais tardias, foram as palatalizações regressivas típicas do romance galego-português, ocorridas pelo século VI, que modificaram a articulação das consoantes não contínuas, ou oclusivas, [p], [k] e [t], antes da líquida [l]; esta evoluiu para a semivogal anterior [j] e, a partir daí, palatalizou em africada [tS] a consoante precedente, a qual, a seu tempo, simplificou na consoante contínua anterior [S], sempre escrita com <ch>: PLORA:R(E)>[tS]orar>chorar, CLAMA:R(E)>[tS]amar>chamar, FLAGRA:R(E)>[tS]eirar>cheirar.

Mas este tipo de assimilação também pode ser progressivo, o que se vê igualmente no latim, mas já só na Hispânia, pelo que terá ocorrido mais adentro da era Cristã: CAPSA->ca[j]sa>caixa, COXA- ou seja ['koksa]>co[i]sa>coixa>coxa, ACUC(U)LA->agu[j]la>agulha.

Contextos intervocálicos: - Aqui já se observa a assimilação dupla. Por assimilição dupla entende-se aquele tipo de influência simultânea que as vogais exercem sobre uma consoante que ocorra entre elas na cadeia sintagmática. Este contexto, chamado intervocálico e simbolizado VCV (vogal+consoante+vogal), é extremamente debilitante para a consoante, a qual ora é fricatizada, se for uma consoante oclusiva (segundo uma terminologia mais moderna, passa de não contínua a contínua), ora é sonorizada se for

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surda (passa de não vozeada a vozeada), ora, se for já de si mais instável (uma contínua, uma líquida ou uma nasal), pode deixar totalmente de ser articulada (fenómeno que tem o nome de assimilação total). Esta é a tendência universal da mudança e, em galego-português, pelo século VII, ocorreu uma assimilação dupla que muito caracteriza esta língua medieval de origem latina (este romance). Com efeito, só em galego-português é que o [l] simples intervocálico latino deixou de ser articulado e só em galego-português (e gascão) é que o [n] simples, no mesmo contexto, deixou também de ser articulado:

PALA->paa>pá, DOLO:RE->door>dor, BONU->bõo>bom, ANELLU->ãelo>elo

(Repare-se que a assimilação dupla de [n] simples intervocálico foi precedida de uma assimilação regressiva, em que a mesma consoante nasalizou a vogal anterior; note-se também que o [l_G] de anel ainda persiste porque tem origem numa líquida latina geminada [ll])

Outras assimilações duplas, anteriores a estas, afectaram consoantes do latim vulgar a partir do início da era Cristã, mas raramente culminaram no respectivo desaparecimento porque foram travadas por factores sistemáticos, neste caso, fonológicos (ver Fonologia Histórica do Português). Entre os séculos I e V d. C., uma assimilação dupla provocou, na România Ocidental, aquilo a que tradicionalmente se chama sonorização, ou seja, vozeamento das consoantes não vozeadas intervocálicas. As vozeadas intervocálicas também foram atingidas por este processo de assimilação dupla, tendo começado por passar a consoantes contínuas, e acabando duas delas por deixarem de ser articuladas. Da mesma forma, as geminadas sofreram simplificação. O português conservou o resultado deste latim vulgar já evoluído:

APICULA->abelhaMUTU->mudoLACU->lago

FABA->fava NU:DA->nua STRI:GA->estria

CIPPU->cepo GUTTA->gotaPECCA:RE>pecar

ABBA:TE>abadeADDUCERE>aduzerarc

O facto de o mesmo tipo de assimilação ter ocorrido entre vogal e consoante líquida /r/ conduz a uma reflexão sobre o estatuto particular das consoantes líquidas que, em certos aspectos, se aproximam dos segmentos vocálicos. Exemplos: PATRE->padre, MA:TRE->madre, LACRIMA>lágrima.

Dissimilação

Por dissimilação entende-se a modificação de um som por influência de um som vizinho, articulatoriamente próximo que, com ele, e por sua influência, deixa de partilhar traços articulatórios (i.e.

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torna-se foneticamente diferente). Esta é também, tal como a assimilação; uma mudança sintagmática, que envolve elementos da mesma cadeia sintagmática (i.e. sons da mesma palavra), mas é muito menos regular, ocorrendo apenas esporadicamente, pelo que é difícil também calcular uma data precisa para a sua ocorrência.

Os sons que preferentemente sofrem dissimilação são os vocálicos, orais e nasais, e os consonânticos que constituam líquidas ou nasais.

Dissimilação entre vogais:

LOCUSTA->lagostaROTUNDA->redonda

VENTA:NA->ventãa>venta            CAMPA:NA->campãa>campa

Dissimilação entre consoantes:

MEMORA:RE>nembrar>lembrarANIMA->almaLOCA:LE->logar>lugar

Metátese

Tal como a dissimilação, a metátese, que é a transposição de sons dentro de uma mesma cadeia sintagmática, é irregular, de difícil datação e muito frequentemente envolve consoantes líquidas, aquelas que menos estabilidade têm. Também pode envolver semivogais postónicas que, por metátese, passam a ocorrer junto da vogal tónica. O padrão silábico parece aqui funcionar como um rastilho para este tipo de mudança.

Metátese de semivogais: O latim vulgar sofreu em época bastante recuada, uma vez que a generalidade das línguas românicas a testemunha, a metátese de semivogal anterior nos sufixos -A:RIU>airo, -A:RIA>aira. Em português, as formas herdeiras desses sufixos revelam ainda uma assimilação para -eiro, -eira, que deverá ter ocorrido em latim hispânico, já que em castelhano as formas paralelas são -ero, -era.

DIA:RIA->jeiraPRIMA:RIU->primeiro

Metátese de consoantes: Como se disse, são sobretudo as consoantes líquidas [l] e [r] que sofrem o processo da metátese. É uma tendência universal que pode testemunhar-se pelo destino de uma forma latina ARBORE-, a qual em português não deu origem a metátese (árvore), mas em italiano e castelhano provocou duas diferentes soluções de metátese envolvendo as mesmas consoantes, respectivamente, alberoit e árbolcast. Para exemplificar metáteses com líquidas portuguesas, podem observar-se as formas FLO:RE->frolmedieval ou TENEBRAS>teevras>trevas

Epêntese

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Este é um fenómeno contrário ao da assimilação total, uma vez que consiste na adição de sons no interior da cadeia sintagmática. Tutelado pela estrutura da sílaba, que tende frequentemente para o padrão universal CV (consoante+vogal), o fenómeno da epêntese consonântica reestruturou notoriamente as sílabas do português medieval que continham o hiato (encontro de duas vogais) -i~o, -i~a e que, a partir dos séculos XIV-XV, passaram a terminar em -inho, -inha, com epêntese da consoante nasal [J]:

VI:NU->vi~o>vinhoGALLI:NA->gali~a>galinha

Quando diz respeito à inserção de vogais, a epêntese tem o nome mais particular de anaptixe, e observa-se frequentemente no português do Brasil, que reestruturou sílabas com grupos consonânticos, sílabas CCV, em sucessões de sílabas obedecendo ao padrão universal CVCV:

opção>opiçãoritmo>ritimopneu>pineu~peneu

Bibliografia

Gramáticas históricas

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Fonologia histórica

Introdução

Tal como nas leis fonéticas, mas agora independentemente do contexto fonético, pode haver regularidade na evolução dos sistemas fonológicos das línguas, mas, também neste caso, desde que se considere apenas uma secção de tempo na história de uma comunidade precisa. Considerando o latim vulgar da România Ocidental, todo o seu vocalismo acentuado e parte do seu consonantismo sofreram mutações ao evoluírem para os romances ocidentais. Da mesma forma, mas séculos mais tarde, o português medieval viu o seu vocalismo átono final reduzir-se no caminho para o português clássico, e o vocalismo átono pretónico deste último teve uma ulterior evolução, já a meio da época Moderna.

Símbolos

1. A mudança ocorrida entre duas formas separadas pelo tempo indica-se inscrevendo entre elas o parêntese angular >.

2. As formas latinas, para imediato reconhecimento, escrevem-se em caracteres maiúsculos.

3. Quando uma vogal acentuada latina é longa, a sua notação vem seguida do sinal : e, quando é breve, não é assinalada.

4. Recorre-se aos parênteses rectos para incluir, no seu interior, uma letra, ou letras que interessa considerar pelo seu valor fonético. Se estiver em causa o seu valor fonológico, ou seja, a entidade abstracta a que correspondem no sistema de uma língua, já se recorre às barras oblíquas

5. O hífen no final de uma forma latina indica que naquela posição esteve uma desinência (normalmente -m para os substantivos e adjectivos, -t para as formas verbais) que caiu muito cedo em latim vulgar e da qual não guardam memória as línguas românicas.

Exemplificação: AMA:RE>amarPIRA->pera

À esquerda dos parênteses angulares estão as formas latinas e à sua direita as formas portuguesas resultantes. No primeiro caso, a palavra latina tem [a] longo na sílaba tónica e, no segundo, um [i] breve. Estas vogais, na mente dos falantes são, respectivamente, /a:/ e /i/, ao passo que nas suas bocas são [a:] e [i].

 

Evolução do vocalismo tónico latino

A partir do início da era Cristã, nas múltiplas situações de bilinguismo a que a expansão do Império Romano obrigava, o contacto linguístico forçou o sistema fonológico do latim vulgar a evoluir. Ao nível do vocalismo acentuado, deu-se uma notável redução das oposições fonológicas, deixando o sistema de conter dez diferentes segmentos vocálicos para passar a conter apenas sete. O rastilho para

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esta mudança consistiu numa modificação acústica que atingiu o acento das palavras: este deixou de se traduzir num aumento da frequência da vibração das cordas vocais (acento melódico, de altura ou tonal) para passar a resultar do aumento da intensidade dessa vibração (acento de intensidade). Ou seja, as vogais acentuadas deixaram de ser mais altas (de uma altura acústica, entenda-se) do que as átonas, e passaram a ser mais intensas. Esta mudança acústica veio provocar a alteração de todo o sistema vocálico tónico, desaparecendo a oposição fonológica entre vogais longas e breves, até aí possível, mas logo tornada impossível por o acento de intensidade alongar necessariamente a quantidade das vogais nele envolvidas. (i.e. apenas podia cair em vogais longas).

Como resultado, a quantidade vocálica foi substituída pelo timbre enquanto traço pertinente na distinção de segmentos vocálicos: à excepção do que se passou com /a/ longo e /a/ breve, vogais que se fundiram num único /a/, as antigas vogais longas tenderam para manter o seu timbre e as antigas vogais breves para sofrer abertura tímbrica. Falando em termos de altura articulatória, as antigas vogais breves sofreram, à excepção do /a/, abaixamento de um grau, tornando-se mais baixas do que eram anteriormente, enquanto que as antigas vogais longas mantiveram a respectiva altura. O português manteve, no caso das vogais tónicas, o mesmo sistema fonológico.

Vogais longas tónicas Vogais breves tónicas

DI:CO>digo, com /i/ acentuado        PIRA->pera, com /e/ acentuado

NU:DU->nu, com /u/ acentuado       LUTU->lodo, com /o/ acentuado

ACE:TU->azedo, com /e/ acentuado     PETRA->pedra, com /E/ acentuado

FORMO:SU->formoso, com /o/ acentuado ROTA->roda, com /O/ acentuado

MA:TRE->madre, com /a/ acentuado    CADO>caio, com /a/ acentuado

Fundiram-se em resultados únicos os antigos /u/ breve e /o/ longo, os antigos /i/ breve e /e/ longo, os antigos /a/ breve e /a/ longo. Desaparecem, assim, três oposições fonológicas, pelo que o sistema latino antigo de dez vogais acentuadas é rendido por um de sete.

Não se tratando de mudança condicionada pelo contexto (ela ocorre em todas as formas da língua latina em que estas vogais ocupem a posição acentuada), presenciamos aqui uma mudança fonológica e já não fonética, livre de restrições associativas com sons vizinhos (restrições sintagmáticas), mas sujeita a restrições opositivas com sons alternativos (restrições paradigmáticas).

Evolução das consoantes latinas oclusivas intervocálicas

Ao nível da fonética histórica do latim vulgar, observa-se que, por assimilação dupla, as consoantes oclusivas (não contínuas) intervocálicas do latim vulgar sofreram lenição (i.e. enfraquecimento), passando as geminadas a simples, as não vozeadas a vozeadas e as vozeadas a contínuas, podendo estas, depois, chegar a desaparecer, num processo que decorreu entre os séculos I e V da era Cristã (ver Fonética Histórica do Português - Contextos intervocálicos). O ímpeto assimilatório que desencadeou esta evolução latina, se não fora travado, acabaria num resultado único, que seria a

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assimilação total. Mas foi refreado por restrições do sistema (restrições paradigmáticas) que impediram as vogais de fazer desaparecer totalmente algumas consoantes que entre elas se encontravam (recorde-se que o contexto para este tipo de assimilação é o intervocálico). Assim, observaram-se diferentes graus de assimilação possíveis, mantendo-se quase intacta a sequência inicial de oposições fonológicas:

APICULA->abelhaMUTU->mudo  LACU->lago

FABA->fava NU:DA->nua STRI:GA->estria

CIPPU->cepo GUTTA->gota  PECCA:RE>pecar

ABBA:TE>abadeADDUCERE>aduzerarc

Evolução do vocalismo átono do português europeu

O português europeu distingue-se das variantes brasileira e africanas desta língua por apresentar em estado avançado uma redução do vocalismo átono, quer final (i.e. em final de palavra), quer pretónico (i.e., em posição átona anterior à ocorrência da vogal tónica). Esta redução chegou às variantes não europeias no que às átonas finais diz respeito, e o português do Brasil, por exemplo, na maioria dos seus dialectos, revela a elevação /e/>/i/, /o/>/u/, dizendo os brasileiros pont[i] para "ponte" e coc[u] para

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"coco". Já não elevam contudo, o /a/ final para /6/, tal como não o fazem os falantes africanos de português. Esta elevação em posição final terá sido muito recuada na história para ter chegado a conhecer uma difusão tão extensa. Mais recente, por menos difundida, foi a elevação das átonas pretónicas, que só parcialmente é conhecida das variantes africanas e que é desconhecida no Brasil. Em posição pretónica, o português europeu tem as seguintes elevações:

/e/ > /@/

/o / > /u/

/a/ > /6/

Posição acentuadaPosição pretónica

pele, com [E] tónicopelar, com [@] pretónico

sebo, com [e] tónico   seboso, com [@] pretónico

posso, com [O] tónicopossível, com [u] pretónico

roxo, com [o] tónicoarroxeado, com [u] pretónico

casa, com [a] tónicocasario, com [6] pretónico

Este é um fenómeno do qual só há testemunhos directos a partir do século XVII, altura em que os textos escritos por mãos pouco alfabetizadas muito hesitam na colocação do grafema <e>, por exemplo, usando-o até no interior de grupos consonânticos, o que prova que o "e mudo" já figurava no sistema vocálico átono. Exemplo: <teres> para <três>.

Instituto Camões, 2001

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15. MORFOLOGIA HISTÓRICA

Esquema:Quanto aos nomes1) os casos2) as declinações3) os gêneros

Quanto aos verbos1) as conjugações2) tempos que assumiram novas funções3) criações românicas

1. QUANTO AOS NOMES1. Os casosO Latim é uma língua sintática, isto é, exprime as funções sintáticas das palavras por meio de flexões, ao passo que já o Latim Vulgar e as línguas neolatinas são analíticas, isto é, exprimem as funções sintáticas das palavras por elementos prepositivos: artigos e preposições.

E o caso, por exemplo, de:

Latim Clássico Latim Vulgar Português

Liber Petri Libru de Petru Livro de Pedro

Assim é que no latim literário existem tantas flexões ou desinências, quantas são as funções sintáticas que uma palavra pode receber na proposição.

Explicando melhor: tomemos, por exemplo, a palavra Pedro exercendo as funções de:

Português Lat. Clássico

1. Sujeito Pedro Petrus2. Compl. restritivo de Pedro Petri3. Objeto indireto a Pedro Petro4. Objeto direto Pedro Petrum5. Vocativo ó Pedro Petre6. Adj. adverbial com Pedro cum Petro

A essas desinências correspondentes às diversas funções lógicas dá-se o nome de casos. Há então, no Latim Clássico, os seguintes casos:

a) Nominativo - caso do sujeito (discipulus);b) Genitivo - caso do complemento restritivo (discipuli); c) Dativo - caso do objetivo indireto (discipulo);d) Acusativo - caso do objetivo direto (discipulum);e) Vocativo - caso do vocativo (discipule); f) Ablativo - caso dos adjuntos adverbiais (discipulo).

Ora, as línguas de origem popular procuram - para maior facilidade - reduzir essas flexões casuais, substituindo-as pelo uso de artigos e preposições.

Redução dos casos - O caso lexicogênico

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O resultado dessas reduções foi que apenas dois casos restaram no Latim Vulgar: o nominativo e o acusativo, ou seja, um caso reto e um caso oblíquo. Aliás, mais rigorosamente podemos dizer que o único caso que restou foi o acusativo, do qual procede a maioria absoluta das palavras portuguesas. É por esta razão que o acusativo é chamado o caso lexicogênico dos vocábulos do idioma. As palavras, por exemplo, “verdade” ou “ourives”, não podem provir senão dos respectivos acusativos «veritate» e «aurifice».

Várias foram as causas da redução dos casos latinos. Dois fatores muito contribuíram para a confusão entre os diversos casos: em primeiro lugar, a apócope do m característico do acusativoe depois, a perda da distinção quantitativa das vogais.

Exemplo: Tomando a palavra discipulo, o seu nominativo era no Latim Clássico discipulus e o acusativo discipulum. Ora, uma vez que o Latim Vulgar eliminou as desinências casuais, a palavra se reduziu a discipulu tanto para o nominativo como para o acusativo, e daí a indistinção dos casos. Além disso, se tomarmos a palavra marinheiro temos, no Latim Clássico, nauta com o a final breve no nominativo, no vocativo e no acusativo, mas nos demais casos o a é longo. Perdida, porém, a distinção das quantidades das vogais, resultou no Latim Vulgar mais uma tendência para a confusão ou uniformidade dos casos.

Todavia, segundo Menéndez Pidal «não são estas razões fonéticas, senão outras psicológicas e sintáticas, as que mais contribuíram para a perda da declinação latina. Em geral, a declinação das línguas indo-européias se conserva menos que a conjugação, porque a substantividade invariável do substantivo não exige a distinção de formas como o verbo que indica ação, progresso, mudança. As relações indicadas pelas desinências casuais são, via de regra, mais vagas que as expressas pelas desinencias verbais e necessitam concretizar-se por meio de uma preposição». (Vide Manual de Gramática Histórica Española, Pág. 205).

Vestígios dos casos em português. Como dissemos, o acusativo é o caso lexicogênico das palavras portuguesas. Entretanto, temos vestígios de outros casos, como:

1. Do Nominativo - os nomes próprios como: Deus, Cícero, César, Nero, Júpiter, etc. As palavras eruditas como: sóror, serpe, câncer, ladro, virgo etc. Os pronomes pessoais do caso reto:

eu, tu, ele, nós, vós. Os demonstrativos: este, esse, aquele.

2. Do Genitivo - as palavras compostas: terremoto (terrae + motu); aqueduto (aquae + duto); agricultor (agri + cultura); jurisprudência (juris + prudentia); uxorícida (uxoris + cida).

Além disso, o genitivo em ici deu origem a alguns patronímicos portugueses. É o caso de Fernandici > Fernandez > Fernandes (filho de Fernando); Soarici > Soarez > Soares (filho deSoeiro).

3. Do Dativo - crucifixo (cruci + fixu); mim (mihi); ti (tibi); si (sibi); lhe (illi).

4. Do Ablativo - agora (hac + hora); fidedigno (fide + dignu); talvez (tali + vice).

2. As declinações

Os substantivos latinos estão classificados em cinco categorias chamadas declinações, cujas características práticas são as desinências do genitivo singular, como seguem:

Genitivo sing. Exemplos:

nauta-ae (1a. declinação)

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servus-i (2a. declinação)civitas-is (3a. declinação)manus-us (4a. declinação)dies-ei (5a. declinação)

Redução das declinações - Entretanto, no latim popular essas declinações reduziram-se a três com perda da quarta e da quinta. A quarta declinação confundiu-se com a segunda, e a quinta incorporou-se parte a terceira e parte a primeira.

Estas confusões têm seus germens nas declinações heteróclitas do próprio latim literário. Segundo Quintiliano já era dúbia a flexão da palavra domus (segunda e quarta declinação).

Segundo Varrão, os nomes de árvores como pinus, cipressus, laurus, podiam seguir estas duas declinações.

Já em Plauto, Terêncio e Catão encontram-se os genitivos senati, fructi, gemiti, tumulti. Assim também havia dubiedade de usos já no latim literário entre os nomes da quinta e os da primeira declinação: materies-ei / materia-ae; luxuries-ei; luxuria-ae.

Por isso as palavras dia e raiva não podem ter provindo de dies e rabies e sim das formas vulgares dia e rabia.

Segundo Grandgent os nomes da quinta declinação não terminados em ies passaram para a terceira declinação.

Quanto as outras declinações, normalmente se conservaram. Fazem exceções certos neutros imparisssílabos da terceira que passaram para a segunda declinação: os, ossis > ossum > osso; vas, vasis > vasum > vaso; caput, capitis > capu > cabo.

Note-se que a palavra cabeça vem de um seu derivado capitia (confere espanhol, cabeza).

3. O gênero dos substantivos. Desaparecimento do neutro.

No primitivo indo-europeu o gênero gramatical dos substantivos fundamentava-se no sexo real e por isso os seres inanimádos eram do gênero neutro (neuter = nem um nem outro) .

Tal distinção, porém, tornou-se, funcionalmente falando, uma superfluidade. Daí que já o grego e o latim, embora tivessem conservado o gênero neutro, não eram rigorosos no seu uso; vamos encontrar nessas línguas seres inanimados que podiam ser masculinos ou femininos.

Na passagem para as línguas neolatinas, o gênero neutro foi desaparecendo progressivamente e hoje pode-se dizer que, nas línguas românicas, deixou de existir como categoria gramatical.

Causas do desaparecimento do gênero neutro - As causas do desaparecimento do gênero neutro foram - como na redução dos casos - fonéticas (analogia das formas) e psicológicas (desnecessidade da oposição entre o gênero animado e o inanimado) .

1. Na primeira declinação não havia nenhum nome neutro; ao contrário, eram quase todos femininos, de tal forma que a terminação a passou a ser característica dos nomes femininos.

2. Quanto a segunda declinação deu-se o contrário: a maioria dos nomes eram masculinos e neutros; assim sendo a final o (acusativo singular sem m, passando u para o) caracterizou o gênero masculino. Ora, os substantivos neutros tendo as desinências identificadas com as dos masculinos, passaram para esse gênero.Exemplos: pratum > pratu > prado; exemplum > exemplu > exemplo; templum :> templu > templo; vinum > vinu > vinho; ovum > ovu > ovo; aurum > auro > ouro; etc.

Note-se porém que, sendo o acusativo neutro plural terminado em a, ocorreram confusões

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com o gênero feminino.

E o que se verifica com as palavras usadas com o valor de pluralidade ou de coleção (caso do sufixo menta). Exemplos:

ova (plural de ovum) > ova (f.) folia (plural de folium) > folha (f.) gesta (plural de gestum) > gesta (f.) interanea (plural de interaneum) > entranha (f.) ligna (plural de lignum) > lenha (f.) amora (plural de amorum) > amora (f.)vestimenta (plural de vestimentum) > vestimenta (f.) ferramenta (plural de ferramentum) > ferramenta (f.)

3. Quanto à terceira declinação, vimos que alguns nomes neutros, como os, ossis / vas vasis, passaram para a segunda declinação assumindo o gênero masculino.

Outros terminados em e, como mare, rete, praesepe, ovile etc., já em latim alternavam o neutro com a forma do masculino ou feminino, passando para o português com estes gêneros.

Os neutros terminados em us, como corpus, tempus, pectus, deram em português nomes em -os: corpos, tempos, peitos; só posteriormente adotaram, por analogia, as formas do singular: corpo, tempo, peito.

Como regra geral, porém, os neutros da terceira declinação incorporaram-se também aos masculinos. Resumindo: os neutros, no latim vulgar, tomaram dois caminhos: no singular passaram a

masculinos e, no plural, passaram a femininos.

Vestigios do gênero neutro em Português - Como dissemos, o gênero neutro não existe em português, como categoria gramatical. Entretanto, deixou vestígios nos seguintes casos:

1. Nas formas de pronomes demonstrativos - isto (esta coisa); isso (essa coisa); aquilo (aquela coisa); o (igual a isto ou aquilo) em frases como estas: Disse tudo o que sabia (isto é, aquilo que sabia); Espero que sejas feliz quanto o desejo (isto é, quanto desejo isto, a saber, que sejas feliz). 2. Nas formas de pronomes indefinidos - tudo (toda coisa); nada (nenhuma coisa); algo (alguma coisa). 3. Nas formas de adjetivo substantivado - o útil (a coisa útil); o agradável (a coisa agradável); o belo (a coisa bela). 4. Nos casos de infinitivos substantivados - aprecio o cantar do pássaro; Fumar não é bom. Quando o sujeito é indeterminado em frases como estas: Limonada é bom; É proibido entrada.

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Morfologia histórica

Introdução

Do ponto de vista morfossintáctico, o latim era, ao contrário das línguas românicas, uma língua sintética, na qual as diferentes categorias semânticas e sintácticas se exprimiam preferencialmente pela flexão, nominal e verbal. As informações de género, número, pessoa, tempo, modo, aspecto, as categorias de sujeito, objecto, complemento eram traduzidas pelas terminações das formas verbais e dos nomes, adjectivos e pronomes. Em virtude de evoluções fonéticas que afectaram consoantes finais como o /-m/ e o /-t/, e em virtude de evoluções fonológicas que modificaram a pertinência da quantidade vocálica enquanto traço distintivo, toda a arquitectura sintética da morfossintaxe latina deu lugar a aspectos analíticos que afloram sobretudo ao nível da ordem de palavras e no enriquecimento de classes gramaticais como a das preposições. No português, manteve-se contudo maioritariamente sintética (flexional, portanto) a morfologia verbal, bem como o subsistema dos pronomes pessoais, o qual pode ser considerado bastante arcaizante.

Um outro factor de mudança, que veio actuar nas categorias nominais e verbais portuguesas entre a Idade Média a época actual, foi a analogia. A analogia é um tipo de mudança universal (comum a todas as línguas do mundo) que não tem motivação fonética nem fonológica, tem sim uma motivação gramatical. A linguística neo-gramática do século XIX classificava a analogia enquanto mudança "psicológica", oposta à mudança fonética, que seria já "mecânica". Esta era caracterizada pela sua regularidade, se bem que tivesse como resultado criar paradigmas (grupos de formas flexionadas da mesma palavra) irregulares; aquela via-se como imprevisível e irregular, mas o seu resultado tendia a criar paradigmas já regulares. Hoje a analogia é descrita em termos mais gramaticais, e faz-se decorrer a sua inevitabilidade daquela característica de todas as línguas do mundo que é a sua forte estruturação interna. Fruto da analogia, muitos substantivos, adjectivos, pronomes e verbos portugueses são hoje mais equilibrados na sua estrutura flexional do que o foram no passado, sendo também, por isso mesmo, mais simples de aprender.

Da gramática sintética latina à analítica românica. O caso do desaparecimento das declinações

Edwin Williams, na sua gramática Do latim ao português, menciona o caos da rica flexão latina no seu caminho para as línguas românicas (referindo o caso particular do português) numa formulação breve mas explícita:

Paradigmas nominais (substantivos, adjectivos eomes flexionados em caso, género e número)

Pouco restou das declinações do latim clássico em latim vulgar. A quarta e a quinta declinações, o gênero neutro e todos os casos, excepto o nominativo e o acusativo, desapareceram. Com o desaparecimento do nominativo em português, a distinção casual terminou. Apenas a flexão de número permaneceu. A forma oriunda do acusativo latino passou a exercer a função de sujeito, de objeto de um verbo e de objeto de uma preposição. (Williams, 1975: p. 123)

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Quanto ao género, as formas nominais portuguesas podem ser femininas ou masculinas. Assim era também em latim vulgar, mas essa língua evoluíra de uma outra que tinha também o género neutro. As formas neutras dos substantivos e adjectivos latinos foram absorvidas quer pelas masculinas quer pelas femininas, e o português não tem hoje expressão gramatical para a categoria semântica neutra. Quanto ao caso, as formas nominais latinas também caminharam de um estado de flexão casual, para o seu quase total desaparecimento em português. O factor original desta mudança morfológica foi, como está dito acima, de natureza fonética e fonológica. As terminações de muitos casos e de diferentes géneros tornaram-se idênticas pela queda de consoantes finais (apócope) e a prosódia nivelou, pelo deparecimento do acento melódico (ver Fonologia Histórica do Português - Evolução do Vocalismo Tónico Latino), os radicais de muitas formas anteriormente distintas em termos de quantidade vocálica.

Os casos nominativo, genitivo, dativo, acusativo e ablativo eram categorias a que pertenciam formas com distintas funções na frase, e essa função sintáctica aflorava numa terminação (desinência de caso) específica:

Nominativo: caso da função sintáctica de sujeito

Genitivo: caso possessivo e de outras relações entre formas nominais

Dativo: caso do complemento indirecto

Acusativo: caso do complemento directo

Ablativo: sem função específica, sendo sobretudo o caso do objecto de uma preposição (herdeiro da fusão de três casos indo-europeus, o instrumental, o locativo e o ablativo, inicialmente um caso de separação). As terminações da primeira, segunda e terceira conjugações latinas destoam, em variedade, dos seus sucedâneos portugueses:

1ª declinação latina Singular PluralNominativo -a -ae Genitivo -ae -a:rum Dativo -ae -i:s Acusativo -a-m -a:s Ablativo -a -i:s

A esta declinação pertenciam nomes quase todos eles femininos (excepções : NAUTA "navegante", AGRICOLA "lavrador", ambos nomes masculinos). Para ela convergiram os nomes neutros plurais da segunda declinação (ex: ARMA>arma, UO:TA>boda, LIGNA>lenha, FOLIA>folha), dela desapareceram todos os casos, excepto o acusativo (que perdeu, no singular, o seu -m final) e, ao tempo do português medieval, tínhamos o seguinte estado herdado das terminações da primeira declinação latina:

português singular

português plural

-a -as

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Da segunda declinação, restam em português algumas formas singulares com o -s final característico do nominativo latino. Mas são casos isolados, quase todos eles de nomes próprios (Deus, Jesus, Carlos, Domingos, Mateus). De resto, esta declinação, com a qual se fundiu a quarta, também se reduziu ao acusativo plural e singular (sem -m final e com abaixamento de -u para -o):

2ª declinação latina Singular PluralNominativo -us (masc) / -um (neut) -i: (masc) / -a (neut) Genitivo -i: -o:rum Dativo -o: -i:s Acusativo -u-m -o:s (masc) / -a (neut) Ablativo -o: -i:s

português singular

português plural

-o -os

Estas terminações das formas nominais portuguesas, oriundas da primeira e segunda declinações latinas, distribuíram-se num sistema em que as herdeiras da primeira declinação caracterizam substantivos, adjectivos e pronomes portugueses femininos, descendendo da segunda declinação as formas portuguesas masculinas. Quanto ao vocabulário português que descende da terceira declinação latina (que tinha nomes de tema em consoante e de tema em -i, e com os quais se fundiram os da quinta declinação), aí tanto encontramos formas nominais femininas como masculinas:

3ª Declinação Singular PluralNominativo -s (tema em consoante)

-is (tema em -i) / -e (neut)

-e:s (tema em consoante)

-ia (tema em -I) / -a (neut) Genitivo -is -um Dativo -i: -ibus Acusativo -e-m -e:s (tema em consoante)

-ia (tema em -i) / -a (neut) Ablativo -e / -i: -ibus

português singular

português plural

-l / -r / -z / -e -es

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Com ascendência nesta declinação, em português temos ponte, que é feminino, árvore, também feminino, mas leite já é masculino, assim como mar. Passando para outras línguas românicas, assistimos à flutuação, quanto ao género, das formas cognatas (i. e. com a mesma origem remota): em francês temos os masculinos le pont, le lait, l'arbre e o feminino la mer. Em castelhano há el puente, el mar (mas Mar Bella, como arcaísmo), el árbol e, já como feminino, la leche.

A mudança por analogia. O caso dos particípios portugueses em -udo

Um aspecto exemplar da morfologia verbal portuguesa demonstra o poder da analogia na regularização de paradigmas.

As três conjugações portuguesas, de tema em a (1ª), em e (2ª) e em i (3ª), provêm de quatro latinas. A 2ª e a 3ª latinas fundiram-se: por exemplo, RESPONDE:RE e VENDERE eram, em latim, de conjugações diferentes, da 2ª e da 3ª, respectivamente, mas em português têm descendentes da mesma conjugação (responder e vender, da 2ª conjugação). Isto sucedeu em todas as línguas românicas faladas na Península Ibérica, pelo que o fenómeno de fusão terá sido bem antigo, não fazendo parte, propriamente, da história do português. As formas do particípo passado dos verbos de tema em e, com aquela genealogia dupla, tinham, no português da Idade Média, a vogal /u/ em posição acentuada, ou seja, tinham terminação em -udo (exs: teúdo, perdudo, conhoçudo, creçudo usavam-se em vez de tido, perdido, conhecido e crescido). A variação entre -udo e -ido só começou a aparecer em textos de finais do século XIV, mas foi tão radical que não há hoje qualquer verbo da 2ª conjugação que tenha nas suas formas do particípio passado vestígios daquela terminação arcaica. A causa desta mudança foi a analogia com os particípios da 3ª conjugação, de tema em i, que realmente têm, com justificação etimológica, os particípios passados em -ido < -ITUM. E o fenómeno não é certamente alheio ao da passagem de verbos da 2ª para a 3ª conjugação ao longo da história do português:

Verbos da 2ª conjugação na Idade Média

Resultado da passagem para a 3ª conjugação

caer cair cinger cingir

confonder confundir correger corrigir enquerer inquirir esparger aspergir

finger fingir tinger tingir traer trair

***

Os sintagmas verbais, fortemente estruturados, são, com efeito, o campo preferencial destas nivelações analógicas. Continuam e continuarão activas as nivelações, o que se vê, por exemplo, na tendência indomável que têm as formas portuguesas do perfeito de todas as conjugações, na segunda pessoa do singular, para incluir um -s final, marca geralmente presente nos paradigmas verbais

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portugueses na expressão desse significado gramatical de pessoa e número: tu tocaste>tu tocastes, tu vendeste>tu vendestes, tu fugiste>tu fugistes.

Cosmos.Instituto Camões, 2001

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19. SINTAXE HISTÓRICA

II. QUANTO AOS VERBOS

1. Redução das conjugações Existem no latim literário quatro conjugações, cujas características práticas são as terminações dos

infinitivos, como seguem:1ª -are 2ª -ere3ª -ere4ª -ire

Note-se que a diferença entre os infinitivos da segunda e os da terceira é apenas a quantidade das vogais e . Ora, perdida a oposição quantitativa, os verbos da segunda e os da terceira entraram a confundir-se, ou melhor, desapareceu a terceira conjugação.

Os verbos em -are, -ere, -ire deram respectivamente em português -ar, -er, -ir. A primeira conjugação é a mais resistente uma vez que além de não perder verbos, recebeu-os da segunda e da terceira.

Assim: torrre > torrare > torrarfidre > fidare > fiarprosternre > prostrare > prostrar

A segunda conjugação recebeu a maior parte dos verbos da terceira: Assim: ponre >ponre> poer (arc.) > pôrdicre > dicre > dizerfacre > facre > fazerscribre > scribre > escreverlegre > legre > lercapre > capre > caber

Note-se que os compostos de ducre e de sequi deram em português verbos em ir: conduzir, produzir, reduzir, seduzir, perseguir, prosseguir, etc.

Portanto, a quarta conjugação latina deu a terceira em português. Note-se ainda que houve mudança de conjugação dentro da própria língua portuguesa. Ex.: cadre > cadre > caer (arc.) > caircorrigre > corrigre > correger (arc.) > corrigir

Verbos Anômalos O verbo esse transformou-se em essere (confere italiano essere; francês être). O português “ser” não

vem de essere e sim de sedere que, originariamente, significava estar sentadoO verbo posse deu potere, donde em português poder. Os compostos de ferre passaram em geral para a quarta conjugação latina, dando, em português,

verbos em ir. Exs.:conferre > conferire > conferirdifferre > differire > diferirafferre > afferire > aferirpraeferre > praferire > preferirreferre > referire > referirMas os verbos sufferre e offerre deram também sufferre e offerescre, donde o português

sofrer e oferecer.

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2. Tempos que se perderam ou assumiram novas funções

Quadro comparativo da conjugação latina com a correspondente portuguesa.

I - Modo Indicativo

Presente Pret. Imperf. Futuro Imp.amo > eu amo amabam > amava amabo > (amarei)

Pret. Perf. Pret. + que Perf. Futuro Perf.amavi > eu amei amaram > eu amara amaro > (terei amado)

II - Modo SubjuntivoPresente Pret. Imperf. Pret. Perf.amem > eu ame amarem > (amasse) amarim > (tenha amado)

Pret. + que Perf. Pret. Futuroamassem > (tivesse amado)Ø > (eu amar)

III - Modo Imperativo

Presente Futuro ama > ama tu amato > Ø

Formas Nominais

1. Infinitivo

Latim PortuguêsPresenteimpessoal amare >amarpessoal Ø > (amar eu)

Perfeitoimpessoal amasse > (ter amado)pessoal Ø > (ter eu amado)

Futuroimpessoal amaturum esse >(haver de amar) pessoal Ø >(haver eu de amar)

2. Particípio

Presente:amans>(amante, amando) Passado:amatus>amado Futuro: amaturus>Ø Supino: amatum > Ø Gerúndio: g. amandi > Ø d. amando > Ø ac. amandum > Ø abl. amando> amandoGerandivo: amandus-a-um > ØConcluímos portanto que:

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A - Nos tempos do infectum:

1. O futuro imperfeito perdeu a forma correspondente, sendo que a forma amarei é uma criação românica.

2. O pretérito imperfeito do subjuntivo perdeu a forma correspondente, sendo que a nossa forma amasse é derivada do pretérito mais que perfeito latino (amassem > amasse); é, portanto, um tempo que assumiu nova função.

Ainda em Vieira temos exemplo do uso do pretérito imperfeito com valor de mais queperfeito: «não houve diligências que não fizésseis» (= que não tivésseis feito).

3. O futuro do subjuntivo não existe em latim. Por isso a nossa forma “quando eu amar” é também uma nova função assumida.

Esta forma é resultante de uma confusão entre o futuro perfeito e o pretérito perfeito do subjuntivo, formas, aliás, quase idênticas no latim.

4. O imperativo futuro desapareceu em português, pois usamos para ele o futuro do presente. Ex.: Amarás o Senhor teu Deus!

5. O infinitivo pessoal não existe em latim, sendo, portanto, outra criação românica, ou melhor, idiotismo do português.

6. O particípio presente assumiu nova função, porquanto, se até em Camões encontramos exemplos de particípio presente:

«Atenta a ilha Barém, que o fundo ornado / Tem das suas perlas ricas e imitantes /A cor da aurora»

A partir do século XVI, tal emprego é considerado latinismo. Hoje, o particípio presente se reduz a mero adjetivo: água corrente, resposta urgente; ou a

substantivo como: estudante. crente; ou até a preposições: durante, mediante, etc. Também o particípio futuro perdeu sua forma correspondente no português; deixou apenas

alguns vestígios como em nasciturno ou nas formas em «ouro»: vindouro, imorredouro, etc.

7. O gerúndio conservou-se apenas no ablativo, assim mesmo, muitas vezes, com valor de adjetivo por confusão com o particípio presente. Ex.: Vejo crianças colhendo ( = que colhem) flores.

8. O gerundivo também deixou apenas vestígios em formas como estas: vitando, memorando, colendo, venerando, execrando etc.

9. O supino que é, em latim, um tempo primitivo em relação aos seus derivados (particípio presente, particípio futuro ativo e infinito futuro ativo e passivo) não deixou vestígios emportuguês.

B - Nos tempos do perfeito:

Perderam as formas correspondentes em português, assumindo formas compostas: a. O futuro perfeito; c. O pretérito mais que perfeito do subjuntivo; b. O pretérito perfeito do subjuntivod. O infinitivo perfeito.

3. Criações Românicas

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1. Futuro do presente e do pretérito

A forma de futuro do presente não corresponde a do Latim (compare: amabo, amarei). É que ao lado da forma normal de futuro (ex. amabo) existiam as locuções verbais formadas

do verbo auxiliar habere mais o infinitivo. Ex.:

«De republica nihil habeo ad te scribere». (Cicero ad Att.) Em Seneca «quid habui facere» (o que eu tive intenção de fazer) .

Nas línguas românicas predominam essas locuções verbais, notando-se que na fase final dolatim vulgar o verbo auxiliar é posposto ao infinitivo, cantare habeo, daí em português cantarei.

Futuro do Presente = Infinitivo + Presente de Haberecantare + habeo > cantar + eo > cantareicantare + habes > cantar + as > cantaráscantare + habet > cantar + at > cantarácantare + habemus > cantar + emus> cantaremoscantare + habetis > cantar + etis>cantaréiscantare + habent > cantar + ant> cantarão

Analogamente é formado o futuro do pretérito. Do mesmo modo que se dizia «habeo dicere», tenho a intenção de dizer, assim também se podia expressar «habebam dicere», tinha a intenção de dizer, donde em português: cantare habebam > cantaria.

Futuro do Pretérito = Infinitivo + Imperfeito de habere

cantare + habebam>cantar + abeam>cantar + ea> cantariacantare + habebas>cantar + abeas>cantar + eas> cantariascantare + habebat>cantar + abeat>cantar + eat > cantariacantare + habebamus>cantar + abeamus>cantar + eamus> cantaríamoscantare + habebatis>cantar + abeatis>cantar + eatis > cantaríeiscantare + habebant>cantar + abeant>cantar + eant > cantariam

2. Tempos Compostos

O latim literário não possuía forma própria para o perfeito presente; para exprimir uma ação passada cujos efeitos perduram no presente introduziu-se no latim corrente um circunlóquio formado do verbo habere mais o participio passado do verbo principal. Ex.: Em Cícero lemos:

«in ea provincia pecunias magnas collocatas habent»(tem colocadas nessa província grandes somas de dinheiro) onde a idéia é de presente.

Mas, nem sempre se podia distinguir o perfeito presente do perfeito histórico. Assim no século VI Gregório Turonense escreve: «episcopum invitatum habes» cuja tradução deve ser: convidas-te (e não tens convidado) o bispo.

O uso generalizou-se notando-se que na Península Ibérica predominou o uso do auxiliar tenere por habere donde resultou que no português, os tempos compostos são regularmente formados com o auxiliar ter mais o particípio.

3. O Infinitivo Pessoal ou Flexionado

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O infinitivo flexionado é um idiotismo do português, no sentido de que ele não se encontra em nenhuma das outras modernas línguas literárias neolatinas.

Três são as teorias explicativas de seu aparecimento: A primeira teoria (de Meyer-Lubke) atribui origem analógica ao infinitivo flexionado. Assim como

no futuro do subjuntivo se diz amar, amares, amar, etc. A segunda teoria (de Leite de Vasconcelos) também é analógica. A construção de frases como: «ter

eu saúde é bom»; «ter ele saúde é bom», teria estendido a «teres tu saúde é bom»; «termos nós saúde é bom», etc. Essa nova modalidade de infinitivo teria sido ajudada pela flexão do futuro do subjuntivo nos verbos fracos.

A terceira teoria (conta com o maior número de filólogos) sustenta que o nosso infinitivo flexionado deriva-se diretamente do pretérito impérfeito do subjuntivo latino

Aliás, do ponto de vista fonético nenhuma dificuldade haveria nessa passagem. Comparem-se:

Pretérito Imp. Subj. Infinitivo Pessoalamarem > amaramares > amaresamaret > amaramaremus > amarmosazmaretis > amardesamarent > amarem

4. Voz Passiva Análitica

Finalmente, constitui uma outra apreciável criação românica a voz passiva analítica dos verbos na semântica do infectum.

Explicando: Pertencem à semântica do infectum todos os tempos que trazem idéia não concluída ou perfeita (presente - imperfeito - futuro imperfeito)

No latim literário estes tempos tinham forma sintética na voz passiva, as quais foram substituídas por formas analíticas no latim vulgar. Exemplos: Latim Literárío Latim VulgarPortuguês Pres. Indic amor Amatus sumsou amato Pres. Subj. amer Amatus sim Pret. Imp. Ind. amabar Amatus eram Pret. Imp. Subj. amarer Amatus essem Futuro Imperf. amabor Amatus ero

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Sintaxe histórica (Estruturalista)

Estudos tradicionais em sintaxe histórica do português

Em geral, os trabalhos tradicionais sobre sintaxe histórica do português são textos didácticos que se encontram no último capítulo das gramáticas históricas. Faltando, nas épocas em que foram escritos, teorias suficientemente explicativas dos fenómenos envolvidos na estrutura da frase, são textos em que pouco mais se encontra do que a enumeração das unidades lexicais que desde a Idade Média (ou mesmo desde a língua latina) foram perdendo ou ganhando propriedades sintácticas. São trabalhos incontornáveis no avanço do conhecimento em sintaxe histórica, dada a compilação de fenómenos arcaicos que apresentam, mas o seu discurso, de pura descrição individual das propriedades sintácticas das palavras, tem agora de ser complexificado à luz dos novos conceitos que nos veio oferecer a teoria generativa.

Uma lista dos principais textos sobre sintaxe histórica, quer tradicional, quer estruturalista, inclui obrigatoriamente os elaborados por Augusto Epiphanio da Silva Dias, Manuel Said Ali, Joseph Huber e Rosa Virgínia Mattos e Silva.

Bibliografia

DIAS, A. Epiphanio da Silva, 1918, Syntaxe Historica Portugueza. Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1970 (5ª ed.).

ALI, Manuel Said, 1921-23, Gramática Histórica da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Edições Melhoramentos, 1971 (7ª edição).

HUBER, Joseph, 1933, Altportugiesisches Elementarbuch. Trad. port. de Maria Manuela Gouveia Delille: Gramática do Portugês Antigo. Lisboa, Gulbenkian, 1986.

SILVA, Rosa Virgínia Mattos e, 1989, Estruturas Trecentistas. Para uma Gramática do Portugês Arcaico. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda.

SILVA, Rosa Virgínia Mattos e, 1994, O Português Arcaico: Morfologia e Sintaxe. São Paulo - Baía, Contexto - Editora da Universidade Federal da Bahia.

Querendo destacar as mudanças sintácticas em que este grupo de autores insistiu, não se pode ignorar o tema das concordâncias (sobretudo em número) entre sujeito e predicado e o da evolução funcional dos verbos ser, estar, ter, haver e ir. No mais, e nos três primeiros autores, sobretudo, o que se encontra é a apresentação dos conceitos centrais da sintaxe (sujeito, predicado, complementos, adjuntos, concordância, regência, valência, ordem de palavras) ilustrados com frases retiradas não do português contemporâneo, mas de textos escritos em épocas passadas.

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Sintaxe estruturalista do português arcaico O trabalho de Rosa Virgínia Mattos e Silva

Rosa Virgínia Mattos e Silva, nas suas Estruturas trecentistas, e depois em O Português arcaico: morfologia e sintaxe, apresenta uma morfo-sintaxe e uma sintaxe estruturalistas do português do século XIV (mas com aplicação ao período que vai dos séculos XIII a XV) contrastadas, sempre que necessário, com as da língua latina e da portuguesa contemporânea. Uma súmula do seu segundo livro (no que diz respeito ao tema da sintaxe -"Sequências verbais" e "A frase", pp. 61-132) dá-nos uma ideia de como se distinguiam as frases portuguesas medievais das actuais. Utiliza-se aqui uma terminologia devedora quer do léxico da gramática tradicional quer, sobretudo, do do estruturalismo. Os exemplos são quase todos eles da fonte que a autora utiliza preferencialmente: a mais antiga versão portuguesa dos quatro livros dos Diálogos de São Gregório, um manuscrito do século XIV, de proveniência desconhecida, mas seguramente copiado em ambiente monacal na região norte de Portugal. Sempre que a fonte dos exemplos utilizados não é citada, estão em causa trechos desses mesmos Diálogos de São Gregório.

I - TEMAS “À ESPERA DE AUTOR”

Ao longo do seu texto, Rosa Virgínia Mattos e Silva vai apontando os temas de sintaxe medieval do português cujo estudo mais aprofundado lhe parece necessário (que se encontram “à espera de autor”, como diz). São os seguintes:

1. As formas tónicas do pronome pessoal (ele, ela, eles, elas) aparecem esporadicamente em posição de objecto directo. Mattoso Câmara Jr. julgou ver nessas estruturas um recurso enfático mas “nenhuma pesquisa sistemática sobre o tópico no período arcaico investigou esta questão” (Silva, 1994: 103). Veja-se o exemplo deste fenómeno que a autora encontra nos Diálogos de São Gregório: e o ermitan, pois vio ele e seus companheiros e falou com eles muitas cousas, perguntou-os.

2. As orações completivas (aquelas que desempenham a mesma função que um SN pode cumprir, i. e. sujeito, complemento, predicativo) no português arcaico parecem ilustrar arbitrariedade no uso da preposição. Uma completiva com o verbo no infinitivo e uma completiva introduzida por que parecem admitir facultativamente o recurso a uma preposição, mas não há certezas sobre o fenómeno. Ex: e pera se saber guardar do contrário que he falar mal e desaposto, a par de gram trabalho nos he de decer.

3. Ainda nas orações completivas do português arcaico, falta “uma pesquisa acurada” sobre a selecção, por parte do verbo regente (da oração subordinante, portanto), de uma subordinada com verbo em tempo finito, em tempo inifinitivo pessoal e infinitivo impessoal (id., ibid.:111).

4. A ordem dos constituintes na frase é o outro tema da sintaxe do português arcaico que Rosa Virgínia Mattos e Silva julga insuficientemente contemplado por parte da investigação. Alinha, entretanto, sete conclusões que se lhe afiguram relativamente seguras:

a) Predomina a marcação do sujeito no verbo.

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b) A ordem Sujeito Verbo Objecto (SVO) predomina sempre que o sujeito é um SN ou uma forma pronominal; nestes casos, mesmo que o sujeito seja posposto ao verbo, a contiguidade continua a existir.

c) Os factores que favorecem a posposição do sujeito são, ora um verbo intransitivo, ora um complemento circunstancial a iniciar a frase.

d) Há ênfase estilística na colocação do complemento em início de frase (taaes custumes aviam eles).

e) É rara a posposição do verbo para depois do sujeito e do complemento, a não ser que o complemento seja realizado pela forma relativa que, seguida do sujeito (vertudes que os homens en este mundo fezeron).

f) A inversão entre o sujeito e o verbo é favorecida pela presença de um pronome interrogativo no início da frase interrogativa.

5. Por último, as construções perifrásticas, estruturadas à custa de verbos auxiliares (no texto de Rosa Virgínia recebem o nome de sequências verbais), estão apenas vagamente descritas quando está em causa o contexto medieval português: "Se na análise sincrônica do português de hoje a questão do auxiliar está longe de ser consensual, mais longe de ser resolvida estará no tratamento do período arcaico do português, sobretudo por ter sido pouco explorado, por isso insuficientemente conhecido" (id. ibid.:62). As sequências verbais duvidosas são as do quadro inserido mais abaixo e a principal questão que envolvem é a de os verbos da esquerda de cada sequência (ser, haver, ter, jazer, estar, andar, ir) serem já verbos auxiliares, pertencendo, portanto, à mesma oração dos particípios, gerúndios e infinitivos que precedem, ou não. Neste segundo caso, seriam ainda verbos semanticamente plenos, e não meros suportes gramaticais das marcas de tempo, modo, aspecto, pessoa e número:

ser, haver/ter + particípio passado Verbos intransitivos arcaicos como nascer, morrer, falecer, passar, chegar, ir, correr combinavam o seu particípio passado com ser para expressão do aspecto perfectivo (o meu filho he morto, aquele meu amigo era passado deste mundo). É consensual que estas sejam construções com auxiliar, mas a questão põe-se quanto ao desaparecimento de ser e à sua substituição por haver e ter nessa função a partir do século XV. Parece que o fenómeno se foi instalando à medida que estes dois últimos verbos, quando combinados com particípios de verbos transitivos, deixaram de exprimir posse. Com efeito, eles eram ainda plenos semanticamente enquanto os particípios que precediam concordavam com o complemento directo; até ao século XVI eram possíveis construções como os serviços que avian feitos a seu padre, non ousaram d'entrar na camara por a defesa que el-rei tinha posta. A partir do momento (inícios do século XV) em que começou a haver variação entre concordância e não concordância do particípio do verbo transitivo com o seu complemento, haver e ter foram-se gramaticalizando enquanto suportes de flexão e puderam vir a substituir ser nas estruturas compostas com verbo intransitivo. Mas, conclui Rosa Virgínia, "a questão dos tempos compostos[…] precisa de que se

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analisem mais dados do período arcaico para que possam ser considerados ou reconsiderados aspectos desse problema ainda não resolvidos" (id., ibid.:65).

ser, jazer, estar, andar, ir + gerúndio O momento em que estas construções com gerúndio passaram a ser compostas é difícil de decidir. O sentido etimológico de cada um daqueles verbos mantém-se abertamente em algumas frases arcaicas, mas há casos em que parece estar-se já perante uma combinação de auxiliar com gerúndio:

SEDE:RE ("estar sentado") > seer > ser

aqueles que hi siiam comendo, achou monges que siiam lendo (não se pode decidir se o sentido era "estavam sentados a ler/a comer" ou apenas "estam a comer/a ler").

JACE:RE ("estar deitado") > jazer

ele jazia tremendo e ferindo a terra ("estava deitado a tremer" ou simplesmente "estava a tremer"?).

STARE ("estar de pé") > estar

estando a hu~a fe~e~stra rogando Nosso Senhor ("rogando de pé" ou "estando a rogar"?).

AMBITA:RE ("deslocar-se com os pés") > andar

andava per muitas cidades e per muitas vilas e per muitos castelos e pelas ruas e pelas casas dos home~s dizendo muitas santas paravoas ("dizia deambulando" ou "andava a dizer"?).

I:RE ("deslocar-se numa direcção determinada") > ir

mais Roma ir-s'a destroindo pouco e pouco (a interpretação de ir como auxiliar, exprimindo aspecto durativo, é aqui a única possível).

II - PREDICADO

Quanto ao Predicado, a autora adopta uma classificação sintáctico-semântica, distinguindo os predicados existenciais dos atributivos, transitivos e intransitivos (id., ibid.:72-86)

Predicados existenciais

O verbo seer deixou de ser usado no período arcaico em favor de haver (na cidade d’Aconha foi hu~u~ bispo de gram santidade / Non avia padres santos). O verbo existir só a partir do século XVI

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passou a desempenhar função existencial. O verbo ter veio a ganhar mais tarde, mas só no português do Brasil, essa mesma função.

Predicados atributivos

Nos equativos, semelhar desapareceu do léxico. Nos descritivos e locativos, estar e andar são os que mantêm, ainda hoje, o seu emprego medieval; jazer tornou-se arcaizante e seer passou a ser usado só para atributos permanentes e não transitórios, como acontecia na Idade Média. Sobre os verbos seer e estar, convém transcrever a motivação histórica para o contraste entre os dois verbos, tal como a expõe Rosa Virgínia Mattos e Silva:

“Na sua história pregressa, estar tem como étimo stare ‘estar de pé’. Nessa acepção está documentado no português até fins do século XIV, enquanto ser tem uma história complexa de convergência dos verbos latinos sede:re, ‘estar sentado’ - nessa acepção ainda em uso, pelo menos até fins do século XIV – e esse ‘ser’. Esse fato permite inferir que o traço [+transitório] é o próprio, desde a sua origem, a estar, enquanto em ser confluem o [+transitório] de sede:re e o [+permanente] de esse. Não é sem razão histórica, portanto, que, definida a oposição ser/estar no português, foi estar o verbo escolhido para expressar a transitoriedade” (id., ibid.:77).

Quanto aos atributivos possessivos, haver tornou-se arcaizante, mas a sua variação com ter já não era livre na Idade Média, porque dependia do tipo de posse. A razão, mais uma vez, remontava à língua latina:

“A história semântica pregressa dessas formas sugere o curso dessa mudança: no latim o verbo básico para a expressão de posse é habe:re e, segundo Gaffiot […], a sua acepção primeira é ‘ter em sua posse’, ‘guardar’ e, subseqüentemente, considera, entre os ‘usos figurados – ‘ter na mão’, ‘obter’; enquanto ter […] tem como acepção básica ‘ter algo na mão’, ‘obter’. Já havia no latim, portanto, a intersecção semântica entre habe:re/tene:re na referência a algo concreto, ‘ter na mão’. Na história documentada do português, como esboçamos, os seus continuadores já aparecem em variação desde momento recuado na expressão desse tipo de posse, aqui designado por “bens materiais adquiríveis”. isto é, a posse alienável. Daí se difunde ter para os outros contextos, enquanto (h)aver se especializa como verbo existencial, descartando o etimológico ser. No correr da história, como já vimos, com (h)aver existencial entrará ter em concorrência, já até predominando em variantes faladas do português [refere-se ao Brasil], tendendo, mais uma vez, a descartar haver: no período arcaico, das possessivas e, no atual, das existenciais (id., ibid.:79).

Predicados intransitivos

Os verdadeiros intransitivos do português arcaico (aqueles em que o sujeito é a origem mas não o agente do processo expresso pelo verbo) distinguem-se dos actuais apenas por integrarem itens cuja fonética se tornou arcaizante (como berregar ou asseviar). Os intransitivos neutros, ou ergativos, em que o sujeito não é nem origem nem agente (é antes tema do verbo), podiam e podem ocorrer com o pronome se com valor puramente expletivo, continuando a função da voz média latina que se expressava nos verbos depoentes (veeron a hu~u~ logar / veo-se pera casa).

Predicados transitivos

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A selecção de complementos preposicionados e não preposicionados é o principal ponto de afastamento entre os verbos transitivos medievais e os seus descendentes nossos contemporâneos. Na Idade Média havia variação entre gostar e gostar de, creer, creer a e creer em, entre duvidar e duvidar de. Verbos que seleccionavam preposição deixaram de o fazer passado o português arcaico, e vice-versa, para além de ter podido mudar a forma prepositiva seleccionada (confiar de foi, por exemplo, substituído por confiar em).

Dentro do próprio português arcaico podia variar, em relação a verbos como rogar e perguntar, a regência de pronome pessoal em função de complemento directo. No texto da Demanda do Santo Graal, há exemplos dessa variação (apresentados inicialmente por Manuel Said Ali): perguntaron-no que demandava / perguntou-lhe que faria; rogaron-no que lhe dissesse / rogou-lhe que lhe perdoasse.

III - SUJEITO

O que individualiza o sujeito da oração arcaica em relação ao português de fases posteriores é um conjunto de três fenómenos:

-a expressão do sujeito indeterminado que, para além das estratégias actuais, incluía mais uma, mediante recurso à forma pronominal homen

ex: de cincoenta anos adeante vai ja homen folgando e assessegando e quedando das tentações;

-a inexistência de se impessoal com verbos intransitivos (usava-se homen, precisamente); o se impessoal apenas ocorria com verbos transitivos, funcionando como partícula apassivante

ex: todalas cousas que son e foron e an de seer, assi aquelas que se farán come aquelas que se nunca farán pero se poderian fazer.

- a variação na concordância entre o sujeito e o verbo, obedecendo a factores que podiam ser sintácticos ou semânticos:

Factores semânticos

Um sujeito composto, interpretável como uma unidade, podia ocorrer com o verbo no singular (sua mãcibia e sua fremosura o tornava en pouco siso e en vaydade – exemplo do século XV, em Vidas de santos de um manuscrito alcobacense, editadas por Ivo Castro et alii). Paralelamente, um sujeito colectivo podia concordar com o plural do verbo (muita gente que primeiramente oraran os idolos).

Factores sintácticos

Um sujeito distante do núcleo do predicado, bem como um sujeito posposto ao verbo, são exemplos de como a ordem de palavras da frase arcaica podia perturbar a concordância entre sujeito e verbo (em na

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boca daquella besta eran grandes chamas de fogo que sayam pela garganta della e queimava as almas / e aos brados veo o bispo e todos aquelles).

IV - COMPLEMENTOS E ADJUNTOS PREPOSICIONAIS

Sobre a função das preposições na sintaxe latina e na das línguas românicas em geral, Rosa Virgínia Mattos e Silva escreve o seguinte parágrafo:

“De partículas acessórias para a expressão de ajuntos adverbiais que já estavam marcados pela seleção do caso morfológico ablativo ou acusativo, as preposições vão ser utilizadas, introduzindo um SN – já perdida […] a morfologia flexional nominal para a expressão dos casos ou funções sintáticas – para marcar, com exceção do SU e do OD, todas as outras funções sintáticas: complementos verbais e nominais, também os adjuntos adverbiais e adnominais. Tornam-se, portanto, as preposições elementos básicos na estrutura sintática da frase do português, como de todas as línguas românicas. São a utilização da PREP, como demarcador de função sintática, e também a ordem dos constituintes no interior da frase, mais rígida que no latim, os recursos sintáticos que funcionarão nessas línguas em lugar da morfologia casual que era suficiente para a indicação da função sintática na frase latina” (id., ibid.:90-91).

As preposições que introduziam complementos de verbos transitivos no português arcaico eram as seguintes: de, a, en, per, con e pera (oriundas das latinas de, ad, in, per, cum e per+ad). As que introduziam adjuntos adnominais e adverbiais também são identificadas por Rosa Virgínia: de, para os adjuntos adnominais, exprimindo posse e proveniência e, por isso mesmo, frequentíssima em qualquer fase do português, mesmo na arcaica; para os adjuntos adverbiais, a autora segue a sua classificação semântica:

Origem Direcção Percurso

de

nasceu do li~agen mais fram e mais livre e mais rico que avia

a

veo a Roma

per

foi prelado per muitos anos

des

aqueste des sa mancebia ouve coraçon de velho

pera

enviaron-no pera Roma

por

Constancio foi grande d’aa de fora polos miragres que feze

ata, ate~e~, ate~e~s

falando ata a manhã

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Associação / Exclusão Situação Adequação

con

dava pan con sa mão

en

aquel que en religion vivia

segundo

era mui fremoso segundo a fremosura do mundo

sen

passou sen embargo

ante (exemplo de situações anterior e posterior)

e ante seis dias que morresse

fora, foras

isto seya outrossi das forras, fora ende que casen hu podere~ (Foro Real, séc. XIV)

dentro en (exemplo de situações interior e exterior)

era dentro na cidade

 

tirado

mandou que se fossen, tirado ende hu~u~ meni~ho pequeno

sobre (exemplo de situações superior e inferior)

a candea que sê sobelo candeeiro

salvo

hi non avia outras cousas, salvo aquelas que veemos

antre (exemplo de situação intermediária)

o meni~ho foi juiz alvitro antre ambos

V - PRONOMINAIS

Na terminologia estruturalista, que Rosa Virgínia Mattos e Silva adopta, englobam-se na designação «pronominais» quer os pronomes, quer os advérbios. Dividem-se em pronominais pessoais (os pronomes pessoais, tónicos e átonos) e pronominais adverbiais (os advérbios de lugar, tempo e modo).

Sobre os pronomes pessoais do português arcaico, a autora refere sobretudo o seu alomorfismo e as aglutinações em que as formas átonas se podiam combinar. Algumas variantes converteram-se em arcaísmos, como el para ele, mi para me, lhi para lhe, mh'o para mo, ch'o e xo para to e lhillo para lho.

Nos pronominais adverbiais, sujeitos a uma classificação semântica que os divide em locativos, temporais e modais, interessa sobretudo registar os que a autora identifica como arcaísmos:

LocativosDeíticos e anafóricos

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Arcaísmo forma sobrevivente

  Acá

e dá acá todalas cousas deste homen que tomasti

  Acó

ei ti mando eno nome de Jesu Cristo que guardes esta entrada e non leixes acó entrar homen que do mundo seja

 

Alá

e pera saberes que ti digo verdade, afirmando que foi no ceo, sabe que me deron alá don pera poder falar todolos

lenguage~e~s

 

Aló

veer a cidade de Jherusalém celestial nos seus cidadãos que conosco viven e fazen ja obras daqueles que aló som

 

Aquende aquém

Alende além

  alhur, algur

 

algures

  nenhur, nenlhur

- Hu comestes?

- Nenlhur, padre

nenhures

 

hy, hi, I

e algu~u~s as veen por seu proveito, ca melhoran i sa vida

  en, ende

non queiras tomar trabalho en ir a Roma hu el he, ca muito cansarias e gram nojo receberias ende

disso, nisso

 

Interrogativos Arcaísmo forma sobrevivente

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  hu, u

e preguntô-os hu era o abade

onde

Temporais arcaísmo forma sobrevivente

  ora

esto, Pedro, que ti eu ora quero contar

agora

 

Modais arcaísmo forma sobrevivente

  outrossi

enton o abade deitou-se aos pees do monge Libertino e o monge Libertino outrossi deitou-se ante os pees de seu

abade

na mesma maneira

er, ar

e assi non acharon nengu~u~ que podessen fazer bispo, nen er ficou gente nenhu~a na cidade de que fosse bispo

na mesma maneira

VI - CONEXÃO DE FRASES

As estruturas que Rosa Virgínia Mattos e Silva aborda sob este título são, sobretudo, as da subordinação e da coordenação.

Subordinação - Em primeiro lugar, trata a autora das subordinadas que na terminologia estruturalista se chamam completivas (aquelas em que a oração subordinada pode ser sujeito, complemento ou nome predicativo, ou seja, em que tem as mesmas funções sintáticas que um SN pode desempenhar).

O que constitui contraste entre o português arcaico e o contemporâneo resume-se, neste tema, à variação (fraca) entre que integrante e ca (ca começa a desaparecer logo no século XV) e à existência de

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conectores, ou conjunções, com valor temporal (hu) e de qualidade (quegendo/quejando), que também se perderam: 

ca integrante hu integrante quegendo integrante di-lhe ca eu bevo a poçonha non sabemos hu nós

somosouvi e aprende quegendo foi dentro en sa alma

Quanto às subordinadas relativas, que desempenham a função de um adjunto adnominal oracional e são introduzidas por um pronome relativo (aquele que recupera anaforicamente um antecedente), também aqui há formas que se tornaram arcaizantes: outra vez ca, hu e ainda cujo, que na Idade Média, além de determinante, podia ser núcleo de um SN:

hu relativo cujo relativo (em função substantiva) levaron-no per aquel logar hu ardia a cidade

e o nobre Venancio cuja era a vila

Também o emprego de qual relativo se modificou: por um lado, podia dispensar o determinante, se bem que o par o qual também pudesse ocorrer (tan gram prazer qual non poderia recudir de nen hu~a cousa temporal); por outro lado, podia surgir num emprego enfaticamente anafórico e demonstrativo, seguido do mesmo nominal que já o antecedia (e vio a ssombra da carne que levava na boca, a qual sombra parecia a elle que era duas - exemplo do século XV, do Livro de Esopo).

Quanto à ordem de palavras, nestas subordinadas ela podia deixar de ser directa pela extrapolação do relativo, assim separado do seu antecedente pela introdução de um ou mais constituintes (e por esso diss'el que aqueles juizos de Deus pronunciou el que sairan ja da sa boca).

Depois das subordinadas completivas e das relativas, considera Rosa Virgínia as subordinadas circunstanciais, cuja função sintáctica é de adjunto adverbial oracional: são, semanticamente falando, as subordinadas temporais, causais, finais, modais, consecutivas, condicionais e concessivas. Os conectores que as introduziam no período arcaico puderam, mais uma vez, cair em desuso. Vejam-se os temporais desaparecidos (alguns apenas por mudança fonética): des que, des quando, d'hu, ante que, mentre, ementre, dementre, dementres, domentre, sol que, toste que, depós, depós que, empós que, ata que . Dos conectores finais, desapareceu por tal que (enviou 6 fraires ao reino de Marrocos por tal que pregassen a santa (Huber, 1986:491); dos modais, en guisa que e en tal que (caeu con el e logo lhi quebrou a perna en guisa que o osso se partiu; quis dar a seu filho molher mani~ha en tal que fosse acabada a promissa que Nosso Senhor prometera). A forma guisa também integra um conector arcaizante, de valor consecutivo, en tal guisa que. Do elenco dos restantes conectores exclusivos do português arcaico (ora fonética, ora lexicalmente), considerem-se ainda:

 

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conectores condicionais

arcaicos

conectores concessivos

arcaicos

conectores finais arcaicos (em construção infinitiva)

conectores causais arcaicos (em construção infinitiva)

si

e ssi este for morto sen semmel, o maior filio agia o reino (séc. XIII, Testamento de Afonso II)

macar

eu cuido que me non possades valer ja, macar vus queirades (Huber, 1986:501)

pera

non dizes tu esto senon pera non fazeres o que te homen roga

per

ca todas aquelas vezes que nós per muito cuidar saimos fora de nós caemos en tan grandes cuidados

pero

e tanto creceu a agua derredor da eigreja e pero as portas da eigreja estavan abertas e a agua corresse derredor, non entrou dentro na eigreja

   

Coordenação - As orações coordenadas que, ao contrário das subordinadas, não são dependentes, iniciavam-se na Idade Média por algumas conjunções coordenativas que não mais se empregaram:

Coordenação disjuntiva

coordenação opositiva

coordenação conclusiva

coordenação explicativa

vel

que romeu en Salas vel a santos seus altares hu~a oferenda desse (Cancioneiro medieval)

pero

ide e por amor de Deus dade-lhi que cómia e que beva, pero sabe Deus que morto he

ergo

e pois o Padre e o Filho e o Spiritu Santo son hu~u~ Deus e hu~a sustança. Ergo porque o filho de Deus disse que verriã eles o Espiritu Santo?

ca

padre, aqueste por que me tu rogas vejo eu que non he monje, ca o seu coraçon junto anda con os enmiigos do linhagen d'Adam

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Sintaxe histórica (generativa)

Apresentação

A estrutura das frases (sintaxe) e a sua evolução do latim para o português tem sido um dos temas menos estudados na nossa gramática histórica. Aliás, em linguística histórica geral, os estudos sobre mudança sintáctica foram, durante décadas, os que menos interesse despertaram junto dos investigadores. Este facto tem natureza epistemológica: os modelos teóricos segundo os quais se interpretaram as línguas naturais durante o século XIX e até meados do século XX (sobretudo os modelos da neogramática, da geografia linguística e do estruturalismo) construíram as suas descrições de forma indutiva, a partir de amostras de língua falada e de escrita efectivamente produzida. Daí que esses modelos tenham avançado depressa nos domínios da fonética e da fonologia, visto que as línguas têm um número finito de unidades fonéticas e fonológicas. Estas, uma vez inventariadas, são interrogadas quanto às respectivas propriedades, as quais podem passar a ser clara e completamente descritas.

O que se passa no domínio da sintaxe é um fenómeno diferente. Acontece que o conhecimento sintáctico que os falantes têm interiorizado não está inequivocamente espelhado nos enunciados por eles produzidos, quer quando falam, quer quando escrevem, problema este que resulta agravado quando se pensa em textos de épocas passadas. Após se construir uma teoria preocupada com a capacidade de os falantes criarem frases, com a sua imaginação sintáctica (o que só começou a acontecer a partir de 1957, com os trabalhos de Noam Chomsky em teoria generativa), é que foi possível abordar a sintaxe nos seus aspectos históricos. É por essa razão que aqui se vai privilegiar a perspectiva generativa na apresentação da sintaxe histórica portuguesa. A proposta de Chomsky é a de que há um conhecimento linguístico universal, inato, cuja área central é a sintaxe. Em formulação mais recente (a Teoria dos Princípios e Parâmetros), o generativismo concebe a sintaxe como incluindo princípios, comuns a todas as línguas do mundo, e parâmetros, responsáveis pelas grandes variações. Os falantes, que à nascença já dominam os abstractos princípios da sintaxe, vão aprendendo a sua língua materna à medida que compreendem quais são os valores próprios dos parâmetros dessa língua e quais são as propriedades sintácticas que caracterizam as unidades do léxico, as palavras. Esta teoria torna-se incontornável ao se tratar da sintaxe das línguas, quer sincrónica, quer diacronicamente, até porque, até hoje, não surgiu uma alternativa com uma adequação explicativa superior.

Rudimentos de sintaxe generativa

Segundo o generativismo, para se conhecer a sintaxe de uma língua é preciso formular sucessivas hipóteses sobre as operações mentais envolvidas na derivação, ou geração, das suas frases. Na base dessa derivação está um conjunto de escolhas lexicais. No final da mesma, admite-se que as estruturas frásicas, então já criadas, se bifurcam em dois tipos de expressão, ou representação, uma ao nível dos sons (Representação Fonética) e outra ao nível do significado (Forma Lógica), o que dá conta do objecto observável da teoria sintáctica que é o das frases ditas com sentido, as únicas que podem ser compreendidas.

Quando se diz ou se ouve uma frase, dizem-se ou ouvem-se sucessivas palavras. Essa sucessão de palavras é vista pela gramática generativa como o resultado superficial (chamado Sintaxe Visível) de uma articulação dinâmica entre estruturas, algumas das quais são apenas abstractas, não tendo

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correspondência no léxico das línguas. Para representar graficamente essa fabricação mental das orações e todo o conjunto de estruturas hierarquizadas que ela inclui, sujeitas a princípios e parâmetros que presidem à sua interdependência, a Gramática Generativa concebe uma árvore invertida. Os seus ramos significam vinculações entre estruturas do léxico, com sua categoria morfológica (determinantes, substantivos, adjectivos, advérbios, pronomes, verbos), e as estruturas sintácticas que vão progressivamente integrando, formando constituintes cada vez mais complexos até se chegar à Sintaxe Visível. As unidades do léxico estão na ponta de cada ramo dessa árvore e as suas propriedades sintácticas vinculam-nas aos pontos de ramificação (os nós) para onde os ramos convergem. Cada ramificação apenas pode juntar pares de ramos (diz-se que se trata de ramificação binária) e nunca pode estar isolada (como os ramos vivos, que não podem estar soltos da sua armação botânica). Chama-se projecção a cada um desses nós e as projecções (que podem ser intermédias ou máximas, conforme o seu lugar hierárquico) identificam-se por rótulos que são a abreviatura, em letras maiúsculas, da respectiva designação inglesa. Por exemplo, DP (determiner phrase) é um constituinte que tem como núcleo um determinante D e como seu complemento um nome N. Um constituinte como este homem é uma projecção do núcleo este (que em português ocorre canonicamente à esquerda - é um dos parâmetros do português, ter o núcleo à esquerda), combinado com o complemento homem. A estrutura desta projecção representa-se assim

Entre os diferentes constituintes há, como se disse, relações dinâmicas. Há a possibilidade de o constituinte que se projecta remotamente num determinado lugar hierárquico da frase se deslocar (o termo técnico é Mover) para outro lugar hierárquico. O Movimento dos constituintes obedece a princípios universais (por exemplo, tem de ter sempre um sentido ascendente) e as suas motivações serão invariavelmente morfológicas, pelo menos segundo o quadro teórico do Minimalismo, que é a versão mais recentemente difundida da Teoria dos Princípios e Parâmetros. Isto significa que todos os falantes concebem as palavras do léxico que aprenderam como indissociáveis das suas características morfológicas (dos seus Traços), traços esses que têm de se enquadrar na frase dentro de um contexto coerente, ou seja têm de ser verificados perante os de um par com o qual concordam. Aquela palavra homem é aprendida, por quem fala português, como sendo do género masculino, do número singular e da categoria N (nome) e todos esses seus traços estão presentes quando os falantes portugueses a combinam com outras palavras para formar frases: só a combinam com pares que exijam um nome como complemento, e que tenham também o singular e o masculino como suas características morfológicas. O demonstrativo este é uma das palavras portuguesas que apresenta todos esses traços.

Esta projecção DP é uma das muitas identificadas pela gramática generativa. Algumas das restantes, não todas, por se tratar por vezes de conceitos muito abstractos, são as seguintes:

AP (adjectival phrase) - com um adjectivo como núcleo, seguido do seu complemento, como na expressão cheio de esperanças (cheio é o núcleo).

PP (prepositional phrase) - com uma preposição no núcleo, ex: de

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esperanças (de é o núcleo).

NP (noun phrase) - com um nome no núcleo, ex: artista de cinema (artista é o núcleo).

VP (verb phrase) - com um verbo lexical (i.e. um verbo que não seja auxiliar) no núcleo e tendo por complemento um argumento temático (i.e.uma entidade que é concebida como sofrendo o efeito de uma acção). Como exemplo, prende o gado (prende é o núcleo e o gado é o complemento que corresponde à ideia de argumento temático ).

Entende-se bem, perante a sumária apresentação aqui feita, que será preciso dominar um vastíssimo vocabulário técnico, os conceitos de uma teoria complexa e um número aceitável de línguas diferentes para se poder entender todo o alcance da teoria generativa e da sua adequação aos problemas sintácticos das línguas. Mas mesmo sem embarcar na aprendizagem desta teoria, capta-se uma sua grande vantagem prática, que é a de os fenómenos sintácticos não serem vistos isoladamente. A teoria generativa busca explicações únicas para características frásicas diversas, tentando ascender, um dia, ao conhecimento sintáctico comum aos falantes de todas as línguas do mundo - a Gramática Universal.

A sintaxe histórica do português, feita no âmbito da teoria Generativa, vai ser aqui exemplificada por um trabalho de Ana Maria Martins, enquadrado na Teoria dos Princípios e Parâmetros (versão Minimalista): Clíticos na História do Português, vols I-II. Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1994 (dissertação de doutoramento).

A autora, para explicar um fenómeno sintáctico que teve modificações importantes na história do português entre a época medieval e a actualidade (e que é constantemente referido quando se compara o português europeu com o português do Brasil), adoptou uma metodologia comparativa observando simultaneamente o comportamento actual de diferentes línguas românicas (português, galego, espanhol, catalão, francês e italiano). O fenómeno em causa é a posição na frase dos pronomes pessoais átonos (me, te, lhe, o, a, nos, vos, lhes, os, as), também chamados pronomes clíticos ou apenas clíticos. Estes pronomes são hoje pós-verbais (ou enclíticos) em português europeu e galego, ao contrário do que se passa nas outras línguas românicas, em que são pré-verbais (ou proclíticos), desde que se pense apenas em determinadas orações. É preciso que essas orações não sejam subordinadas, não sejam coordenadas disjuntivas, nem contenham aquelas partículas que fazem com que o pronome átono se anteponha ao verbo, como é o caso da forma adverbial de negação não. Demonstrando estas posições enclíticas e proclíticas em português:

ÊNCLISE PRÓCLISE Orações simples Com advérbio de negação

Vejo-me ao espelho Não me vejo ao espelho

Orações principais Orações subordinadas

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Vou-te pedir [que sejas breve] Vou-te pedir [que me digas uma coisa]

Orações coordenadas não-disjuntivas

Orações coordenadas disjuntivas

Ouço-te em silêncio mas quero-te responder

Ouço-te em silêncio e vou-te compreendendo

Ou te ouço em silêncio, ou tu te enfureces

Só nos exemplos da coluna da esquerda há contraste entre português e galego, por um lado, e as outras línguas românicas (veja-se a demonstração feita pela autora citada):

ÊNCLISE PRÓCLISE

(por) Deste-lhe o livro?

(esp) Le diste el libro?

(gal) Décheslle o livro?

(cat) Li has donat el llibre?

  (fr) Lui as-tu donné le livre?

  (it) Gli hai dato il libro?

Para Ana Maria Martins, este fenómeno tem de ser compreendido num enquadramento mais extenso, que inclua outros contrastes entre os dois grupos de línguas românicas. Por um lado, quando em português e galego se quer responder afirmativamente a uma pergunta, dando-lhe a resposta mínima, usa-se o verbo; nas outras línguas, usa-se a forma correspondente a sim:

ÊNCLISE

(e resposta mínima afirmativa)

PRÓCLISE

(e resposta mínima afirmativa)

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(por) Deste-lhe o livro?

Dei

(esp) Le diste el libro?

(gal) Décheslle o livro?

Dei

(cat) Li has donat el llibre?

Si

(fr) Lui as-tu donné le livre?

Oui

  (it) Gli hai dato il libro?

Por outro lado, também o português (e, em certa medida, o galego) se caracterizam por poderem elidir, em certas construções, o complemento do verbo e alguns adjuntos (o nome técnico dado pelos generativistas a este fenómeno é o de construção de VP nulo). Retomando os exemplos acima utilizados, mas substituindo as respostas mínimas afirmativas por respostas alargadas, vêem-se sublinhados em espanhol, catalão, francês e italiano os complementos verbais que em português e galego se podem omitir regularmente (não têm, nestas duas línguas, uma ocorrência obrigatória):

ÊNCLISE

(e VP nulo)

PRÓCLISE

(e impedimento de VP nulo)

(por) Deste-lhe o livro?

Sim, dei

(esp) Le diste el libro?

Sí, se lo di

(gal) Décheslle o livro?

Si, dei

(cat) Li has donat el llibre?

Si, l' hi he donat

  (fr) Lui as-tu donné le

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livre?

Oui, je le lui ai donné

  (it) Gli hai dato il libro?

Sì, gliel ho dato

Surge então a hipótese de haver uma mesma característica sintáctica (o termo técnico é uma mesma propriedade gramatical), partilhada pelo português e o galego, mas não pelas outras línguas românicas, que explique a coocorrência de ênclise, resposta mínima afirmativa verbal e VP nulo. A proposta de Ana Maria Martins é a de português e galego terem a sua hierarquia de constituintes frásicos dominada por uma categoria abstracta (Sigma, ou S, em abreviatura) que se caracteriza por atrair o verbo para a sua posição sintáctica (diz-se, por isso, ter traços-V fortes), ao contrário das outras línguas românicas cujo Sigma terá traços-V fracos, não atraindo as formas verbais. Esta "atracção" consiste naquilo a que se chamou acima movimento para verificação de traços. Na resposta mínima afirmativa, o verbo português e o galego movem-se para essa posição Sigma, enquanto nas outras línguas o que para aí se move são as formas não verbais sí, si, oui e sì. Nas construções com pronome clítico, o verbo do portugês e do galego, sendo movido para Sigma, que é uma categoria dominante, portanto alta na hierarquia (o que se manifesta em posições à esquerda na sintaxe visível), passa a preceder o pronome. No fundo, nas formas deste-lhe do português e décheslle do galego, é o verbo que precede o pronome e não o pronome que lhe sucede. Nas construções com VP nulo, um constituinte formado pelo verbo e por um seu complemento não realizado (a isto se chama uma categoria vazia) move-se, no seu conjunto, para a mesma categoria Sigma, o que não acontece em espanhol, catalão, francês ou italiano.

Do ponto de vista histórico, estas propriedades gramaticais diversas apresentadas pelas línguas românicas assumem o carácter de um arcaísmo da língua portuguesa e da língua galega e uma inovação das restantes. Quer em latim, quer em espanhol medieval e clássico se podia encontrar a tal categoria Sigma com traços-V fortes que sobrevive em português e galego, como o demonstra Ana Maria Martins:

- Em latim a resposta mínima afirmativa era dada com o verbo: Fuistin liber? Fui (Foste um homem livre? Fui), lê-se em Plauto.

- Em espanhol dos séculos XII-XIII, a mesma resposta mínima afirmativa verbal pode ler-se no Cid: Veindes? …-Vengo. Em textos espanhóis do século XV, ainda se encontram exemplos como, Quiéreslo saber? -Quiero.

Ao longo da história do português, se bem que a categoria Sigma se tenha mantido sempre com traços-V fortes, houve uma evolução não linear dos pronomes átonos na sua posição em relação ao verbo. Entre o século XIII e o século XVI foi-se tornando cada vez mais frequente a ocorrência dos pronomes átonos antes do verbo (posição proclítica, portanto), resultando daí uma ordem de palavras que Ana Maria Martins interpreta como marcada enfaticamente. Aquela ordem Verbo-Pronome átono pôde, ao longo da Idade Média, ser invertida para transmitir a ideia de ênfase. Acontece, contudo, que pelo século XVI a ordem marcada se tornou tão frequente que a noção de que ela era excepcional se perdeu. No século seguinte terá sido substituída por aquela que a gramática do português oferece como ordem natural:

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primeiro o verbo, depois o pronome átono. Ou seja, não havendo a indicação de que o pronome a anteceder o verbo era uma construção enfática, por ter deixado de ser minoritária, tomou-se essa construção como sendo simples. Mas isso contrariava a gramática do português que, com o seu verbo a ocorrer em Sigma, o tinha regularmente antes do pronome átono. Daí que tenha desaparecido a construção proclítica.

Os números apresentados por Ana Maria Martins (op. cit. p. 56), encontrados em documentação notarial portuguesa dos séculos XIII a XVI, demonstram o caminho percorrido na perda da pertinência enfática da ordem pronome átono (ou clítico) seguido do verbo:

séc XIII séc XIV séc XV séc XVI Clítico-Verbo 6,7% 27% 84,4% 100% Verbo-Clítico 93,3% 63% 15,6% 0%

Atestações em documentos destas sucessivas épocas,

uns do Noroeste de Portugal (simbolizados NO)

e outros da região de Lisboa (simbolizados Lx)

Id. pp.60-76:

Século XIII

(NO, 1273) é Móór eanes obligouse a dar os filhus a outorga

(Lx, 1290) presente fuy e esta procuraçõ cõ mha mãão propria escreuy e rapeyaa e emmendeya na oytaua regra no logo que diz Achelas

(NO, 1277) e o dito Steuã díaz u octorgou

Século XIV

(NO, 1321) E doulhy comprido poder pera partir e sortes deytar e traijtos meter

(NO, 1397) E o dicto Juiz lhe Mandou per tres ou quatro vezes Ao dicto Nicollaao stevez Almuxriffj que veesse com os dictos Autores

Século XV

(NO, 1408) e façouos della doaçom Antre vjuos

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(NO, 1414) e xe lho obrigem A lhas defender e lhas Asy darem desëbargadas

Século XVI

(Lx, 1532) e prometeo e se obrigou de lhe manter esta vëda

(Lx, 1544 e desta maneira os ha ella dita senhora dona guyomar por Reçebidos em sy 

Bibliografia

CHOMSKY, Noam, 1995, The Minimalist Program. Cambridge, Mass, MIT Press.

RADFORD, Andrew, 1997, Syntactic Theory and the Structure of English. A Minimalist Approach. Cambridge, Cambridge University Press.

RAPOSO, Eduardo Paiva, 1992, Teoria da Gramática. A Faculdade da Linguagem. Lisboa, Editorial Caminho.

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17. A Carta de Pêro Vaz de Caminha

Ele a escreveu a D. Manuel I, em 1500, relatando o achamento da Terra de Vera Cruz. Escreveu

desde Porto Seguro, mas há meio século os escrivães portugueses já relatavam viagens de todos os mares

e continentes.

A Carta foi publicada pela 1a. vez em 1817 por Pe. Manuel Aires do Casal, na Corografia

Brasílica, pela Impressão Régia do Rio Janeiro.

Por que permaneceu inédita por mais de 3 séculos no Arquivo da Torre do Tombo em Lisboa?

Muita documentação desapareceu. Chegaram a nós as Cartas de Pero e de Mestre João, dirigidas a D.

Manuel desde Porto Seguro, e a Relação do Piloto Anônimo, publicada em 1507, na coleção de

Montalboddo, Paesi nuovamente ritrovati. A Relação foi conhecida no sec. 16.

Causas: reserva sobre informação geográfica, desleixo do monarca que não enviou documentos ao

Arquivo Real, e a má vontade de D. Manuel para Pedro Álvares, que não aceitou outra missão em

condições inadequadas. Cabral caiu em desgraça, e em 1514, Afonso de Albuquerque, tio da esposa de

Cabral, intercede pelo capitão. Em vão, Cabral morre em Santarém, junto à vida rural, em 1520, um ano

antes do falecimento de D. Manuel I.

Caminha faleceu em 1500 e, com a morte de Cabral e a do monarca, a Carta é esquecida por

algum tempo até cair em mãos de Pe. Aires do Casal. A Carta foi descoberta pelo historiador espanhol

Juan Bautista Muñoz, pesquisando na Torre do Tombo, em 1785. José Seara da Silva posteriormente se

incumbiu de divulgá-la no Brasil. Em 1766, tinha sido nomeado guarda-mor da Torre do Tombo. Pe.

Manuel Aires do Casal foi o primeiro a publicá-la. Resta saber como veio parar no Brasil no Arquivo da

Real Marinha do Rio de Janeiro. Supõe-se que viajou na bagagem da corte portuguesa quando esta veio

ao Brasil.

A primeira tradução (do português arcaico) portuguesa data de 1853. João Francisco de Lisboa a

publicou no seu Jornal de Timon (Maranhão). Traduzir porque estava em português antigo.

Em 1900, Capistrano de Abreu publica Descobrimento do Brasil pelos Portugueses com um

versão livre e observações sobre a Carta. Mas em 1908 publica um estudo melhor intitulado Vaz de

Caminha e sua Carta.

João Ribeiro em A Carta de Vaz Caminha, publicada em 1910, em O Fabordão, faz a primeira

análise filológica.

Dois outros estudos são importantes, o de Carolina Michaelis, A Versão em Linguagem Actual da

Carta e de C. Malheiro Dias, Semana de Vera Cruz.

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Em 1932, Artur de Magalhães Basto publica o artigo “O Porto e a Era dos Descobrimentos” com

dados biográficos sobre Caminha

Em 1934, Manuel de Sousa Pinto publica Pêro Vaz de Caminha e a Carta do “achamento”do

Brasil.

Em 1938, William Brooks Greenlee, publica The Voyage of Pedro Álvares Cabral to Brazil and

India.

Caminha, cidadão do Porto.

É provável que tenha feito outras expedições antes desta. Casou com Catarina Vaz de Caminha e

viveu na Rua Nova, ou Formosa, atual Rua do Infante D. Henrique. Teve uma filha, Isabel de Caminha,

que casou-se com Jorge de Osório e com o qual teve 3 filhos. Caminha faleceu em Calecute (Calcutá) em

1500 durante um assalto dos mouros à feitoria portuguesa. Segundo Capistrano, escrevia com exatidão,

matematicamente, pois fora mestre da balança da moeda, e estava acostumado a pequenos números e

frações minímas. (O descobrimento do Brasil, ed. da Sociedade Capistrano de Abreu, 1929, pgs. 299-

300). Usou o termo “opressão”, pois notou que a presença dos portugueses constrangia os indígenas.

Tinha a noção do respeito pela liberdade alheia. Escreve sobre vida e vivenda, objetos (gaita). Mistura

estilo erudito com o popular, dando um toque original à escrita e um equilíbrio.Quando se refere às

moças e às suas vergonhas, usa este termo como liberdade de linguagem.

A Carta é um complemento aos diários náuticos dos pilotos. Caminha foi um escrivão-escritor e

escrivão-historiador. Cabral o mandou à terra como espectador, a testemunhar, talvez a única expedição

do gênero. Sua Carta é o auto oficial do escrivão, o auto do descobrimento do Brasil, e da sua posse em

nome de Cristo, pela Coroa portuguesa.(Cortesão 50).

O descobrimento

As 13 naves de Cabral partiram a 9 de março de 1500. Possuíam o astrolábio e as tábuas da Índia

para se guiarem. Sabiam com estes instrumentos calcular a latitude, porisso crê-se que tinham

consciência de seu afastamento para o oeste. Portanto, não foram as correntes que os levaram alhures. O

Tratado de Tordesilhas entre Portugal e Castela dividia o Atlântico ao meio, o meridiano passava a 370

léguas de Cabo Verde. A Portugal cabia o espaço a oeste da linha divisória. Entre a Península e a Santa

Sé as relações não eram as mais cordiais. Supõe-se que Cabral se desviou para oeste para descobrir terra

dentro do limite do tratado de Tordesilhas. Pela Carta deduz-se que Cabral julgava ter chegado a uma

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terra totalmente nova e diferente da cultura de África e de Ásia. Isto nos revela a intencionalidade do

descobrimento de Cabral. Cabral chegou a 22 de abril e a 23 teve o primeiro contato com os indígenas.

Preparou-se para tanto, fazendo toilette: “bem vestido com um colar de ouro muito grande ao pescoço”.

Estranho que não tenham averiguado se tinham especiarias, razão de viagens à Índia. A Carta relata a

reação dos indígenas: familiaridade com papagaio, indiferença com carneiro, galinhas, entusiasmo por

rosário de contas brancas. (59). As araras impressionaram os portugueses. O Novo Mundo tinha uma rica

fauna e flora, o mesmo não pode se dizer dos minerais.

A terra e o homem novo

Porto Seguro onde chegaram ficava na Baía Cabrália, no ilhéu da Coroa Vermelha e no riacho

Mutari. Era Porto pois, segundo Capistrano (in Cortesaõ 65), tinha 1) recife, na entrada, 2) entrada muito

larga, 3) ancoragem, 4) rio de água doce, 5) ilhéu grande, 6) praia. Esta paisagem sofre modificações com

o tempo, portanto, a história da geografia e cartografia daquela época encontra-se bastante alterada

atualmente. No sec. 16 houve um pequena povoção junto à foz do Mutari. Mas o porto era muito bom e

muito seguro, segundo a Carta, por esta e outras razões conclui-se que este porto é o atual Porto Seguro, o

ilhéu de Porto Seguro. Na baía onde ancoraram desembocava um rio.

A Cruz, símbolo do cristianismo e da soberania portuguesa foi colocada junto da foz do Mutari

(69). Foi plantada no dia 1 de maio de 1500.

A Terra de Vera Cruz destaca-se:

1. pela botânica: palmito, urucu, caraz (inhame), cana. Os índios usavam uma tintura preta feita de

genipapo.

2. Pela fauna: berbigões, ameijoas, camarão e aves: papagaio, arara, japu, maitaca, tuim. A quantia de

aves justificava porque os enfeites e setas dos indígenas abundavam em plumas. Terra de papagaios,

pois eram do tamanho de um braço ou dois.

3. Pelo indígena: compara-o com o negro da Guiné, raça nova. “A feição deles é serem pardos, maneiras

de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos” com “cabelos corredios”. Chamou a

atenção de Caminha o fato de que parece que não tinham nenhuma crença.

Os três aspectos mais trabalhados são a pintura dos corpos, o adorno dos lábios e os enfeites de pena

(76). Caminha chama a atenção para a inorganização social do indígena: “a tribo…medeia entre o

sedentarismo e a vagabundagem das selvas”(76). Reconhecia que a organização deles era diversa da dos

europeus, sobretudo no que concerne à hierarquia. Impressiona-se com a “esquivança”, parecem-lhe “gente

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bestial e de pouco saber”(77). Apesar de possuirem casas de madeira, mesmo sem compartimentos, mas

com redes atadas aos esteios, os índios se surpreenderam com as ferramentas de ferro, pois só tinham

machado de pedra. Notava-se a ausência de metais. Caminha nota que não lavravam, portanto,

desconheciam a agricultura, nem criavam animais. Como não existiam animais “domésticos”, sua

alimentação também era diversa. Viviam do que a natureza lhes dava e da carne de animais caçados. Estas

carcterísticas fazem como que Caminha os considere a menos culta das raças conhecidas pelos portugueses,

e que tinham uma condição de vida inferior aos demais homens.

Imitavam os gestos dos portugueses, sobretudo nas cerimônias religiosas, o que era interpretado como

capacidade de adaptação ao novo.

A Terra de Vera Cruz era tratada como terra, mas havia dúvida se era uma ilha, pelo tamanho julgam que

era uma terra vasta até mesmo um continente. Duas coisas impressionaram os portugueses: o tamanho da

terra e a cor das aves.

Transcrição e exegese da carta

A Carta tem 7 folhas de papel, cada uma de 4 páginas, são 27 de texto e uma de endereço. Letra cursiva

processal, degeneração da cursiva cortesã. Posteriormente passou–se à escrita encadeada, isto é, de linha

inteira, sem levantar a pena, por isso, de leitura difícil. A letra de Caminha é elegante e harmoniosa porque

era escrivão. É fácil identificá-lo pela maiúscula C em duas curvas, pela v e de to. Manteve as abreviaturas

dos Nomes Sagrados: ds – Deus, Xpos – Christus, Xpaão e Xpaãa – cristão, cristã (provém de antigas

versões da Bíblia, sec. 4, tanto grego como latim). Sigla entre dois pontos .s., ma.= meia, tra-trra – terra.

Características: artigo definido ou pronome o e a, isolados ou combinados com a preposição em e de são

escritos juntos: ocapitam, nalcatifa, doque; o mesmo com as preposições a – aapregaçom, de, pera, ata, per;

pronomes indefinidos, toda, cada; pronome relativo que, advérbio de modo come – come esta e coma,

conjunção e, condicional se, conjunção que e partícula comparativa ou causal ca.

Crase

Perda do s final do primeiro elemento por aglutinação: somonos para efeito de harmonia.

A aglutinação com artigo e preposição deu origem a palavras como ameaça, amora.

A Carta constitui um bom exemplo de ortografia fonética, que perdurou até o sec. 16.

Em lugar de dois pontos aparece uma diagonal, que também serve para vírgula e que aparece junto com

ponto às vezes.

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“A Descoberta do Outro na Carta de Pêro Vaz de Caminha”, José Augusto Seabra, Camões 8: 63-71.

Descoberta do outro, dos outros, descoberta recíproca, conhecimento e reconhecimento mútuo.

Régis Debray: foi mais uma verificação dos arquivos.

Quem descobre quem? A descoberta do outro pressupõe uma descoberta de si mesmo: o encontro de uma

identidade a partir de uma alteridade. Comunicação e alienação.

A diferença entre índios e brancos é mais de ordem cultural do que fisiológica: vestuário, ornamentos

(ossos perfurando lábios, perucas de penas).

Entendimento mútuo através de gestos (66, 67)

Casas de madeira com grupos de 30 ou 40 pessoas, não permitindo que intrusos passassem a noite com

eles.

Mestiçagem: dois grumetes em fuga.

“Frei Henrique de Coimbra: primeiro missionário em Terras de Vera Cruz”, Maria Adelina Amorim, 72-

85.

Frei mais 7 confrades mendicantes, e clérigos seculares.

No processo de evangelização entra o lúdico e o sagrado.

Logo a perspectiva espiritual muda para a mercantil: o pau brasil.

Premonição na Carta, por analogia à fertilidade da terra (“por bem das águas que tem”) que tudo daria se

a quisessem aproveitar.

Fala da gestualidade dos índios, imitavam os portugueses em seus gestos e sobretudo na liturgia religiosa.

Civilização vs. Não-civilização: “para melhor os amansar”

Pré-história da terra Brasilisu. Org. Maria Cristina Tenório. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999.

O crânio de Luzia, segundo Walter Neves o crânio mostra ter havido uma população anterior à

mongólia. Supõe-se que alguns vestígios de ocupação humana no Piauí datam de 40 mil anos atrás. Há

materiais rudimentares de 12 mil anos, o que mostra antiguidade da América.

“De tal maneira a Terra é graciosa”

Lauro Fontes

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A Carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel, como admitem ilustres historiadores, não é apenas um documento histórico, mas, também, um fascinante documento literário, pela deliciosa simplicidade de estilo, forma e sutileza de observações. É um dos documentos mais importantes do descobrimento do Brasil, pela probidade do seu autor e pela preocupação que teve em descrever com precisão os aspectos, os seres e os usos da terra recém-descoberta, na convicção de que não escrevia somente para El-Rei, mas, sobretudo, para a posteridade, para o Brasil dos próximos 500 anos. Fora excessivamente minucioso em pequenos detalhes que nada, ou quase nada, interessavam ao soberano português.

Pero Vaz de Caminha, escrivão da Armada de Pedro Alvares Cabral, letrado, foi também Cavalheiro das Casas de Afonso V, D. João II e D. Emanuel. Presume-se ter morrido no massacre de Calicute, em dezembro de 1500.

A Carta de Caminha foi conservada inédita por muitos anos nos arquivos da Torre do Tombo, em Lisboa, e revelada pelo historiador espanhol Juan Bautista Muñoz e publicada pela primeira vez, em 1871, na Coreografia Brasileira. Dessa importante carta poucos brasileiros tomaram conhecimento, notadamente as camadas mais jovens, não tanto por culpa deles, mas sobretudo pela restrita divulgação. Aproveito a oportunidade das próximas comemorações dos 500 anos do descobrimento para fazer alguns comentários sobre o que nela está escrito.

Em linguagem simples, assim descreve Caminha o primeiro contato com a terra descoberta: “Neste dia (21 de abril), a horas de véspera (entre as 15 horas e o pôr do Sol), houvemos visto terra! Primeiramente dum grande monte, muito alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao Sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos: o monte alto o capitão pôs nome Monte Pascoal e à terra - Terra de Vera Cruz”. Dos habitantes da terra diz ele: “Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhe cobrisse suas vergonhas (órgãos sexuais)”.

É empolgante a primeira exaltação à beleza da mulher baiana: “As moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito prêtos, bem compridos pelos espáduas, e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de os muito bem olharmos, não tinha nenhuma vergonha. E uma daquelas moças era toda tingida; e certo era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha tão graciosa, que muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha por não terem a sua como ela”.

Referindo-se aos recursos minerais e naturais, diz Caminha: “Nela, até agora, não podemos dizer que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em sí é de bons ares. Águas são muitas; infinitas. E de tal maneira a terra é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo”. Da propalada, injusta e falsa indolência baiana, foi Caminha o primeiro precursor: “Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem outra qualquer alimária, que costumada seja ao viver dos homens. Nem come senão dêsse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e frutos, que a terra e as árvores de si lançam”. Assim Caminha encerra a sua famosa carta: “E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza (Majestade, seria o tratamento correto. Alteza é o tratamento a príncipe) como do que nesta terra ví. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, pois o desejo que tinha de tudo vos dizer, me faz pôr assim pelo miúdo”.

Lamentavelmente lhe cabe o triste labéu de implantador do Nepotismo em terras do Brasil, quando melífuo como o são agora os seus ilustres seguidores, pede a El-Rei um emprego para o seu genro: “E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de vosso

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serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servido, a ELA peço que, por me fazer graça especial, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que d’ELA receberei em muita mercê”.

Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje primeiro de Maio de 1500.

Certamente e em muito boa mercê o felizardo genro de Caminha veio a ocupar uma saudável sinecura na aprazível Vera Cruz.

A TARDE, Salvador, 23 de Janeiro de 1999

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A língua há 450 anos

Fernão de Oliveira

O primeiro gramático português foi Fernão de Oliveira; na sua Grammatica da lingoagem portuguesa, publicada em Lisboa em 1536, faz algumas observações surpreendentes de modernidade, e outras não tanto; é assim que apresenta as vogais:

Esta letra a pequeno tem figura d'ovo com um escudete diante e a ponta do escudo em baixo cambada para cima: a sua pronunciação é com a boca mais aberta que das outras vogais e toda a boca igual. A grande tem figura de dous ovos ou duas figuras d'ovo, ua pegada com a outra, com um só escudo diante: a pronunciação é com a mesma forma da boca, senão quanto traz mais espírito.

Esta letra e pequeno tem figura d'arco de besta com a polgueira de cima de todo em si dobrada, ainda que não amassada: a sua voz não abre já tanto a boca e descobre mais os dentes. A figura do e grande parece ua boca bem aberta com sua língua no meio, e tão pouco não tem outra diferença da força de e pequeno senão quanto enforma mais seu espírito.

Desta letra i vogal sua figura é ua haste pequena alevantada com um ponto pequeno redondo em cima: pronuncia-se com os dentes quasi fechados e os beiços assi abertos como no e e a língua apertada com as gengibas de baixo e o espírito lançado com mais ímpeto.

A figura desta letra o pequeno é redonda toda por inteiro como um arco de pipa e a sua pronunciação faz isso mesmo, a boca redonda dentro e os beiços encolhidos em redondo.

E a figura de o grande parece duas faces com um nariz pelo meio, ou é dous oos juntos ambos, e tem a mesma pronunciação com mais força e espírito; e todavia estas letras vogais grandes fazem algum tanto mais movimento na boca que as pequenas.

Esta letra u vogal aperta as queixadas e prega os beiços, não deixando antr'eles mais que só um canudo por onde sai um som escuro, o qual é a sua voz. A sua figura é duas hastes alevantadas dereitas, mas em baixo são atadas com ua linha que sai d'u]a delas.

A propósito de consoantes aspiradas: Mas nós somos tão grandes bugios dos latinos que tomamos suas cousas sem muito sentir delas quanto nos são necessárias, e por nossa vontade damos nossas avantagens aos latinos e gregos, que tãopouco sabem às vezes o que hão mester, como os que antre nós pouco sintem. Isto digo porque tão pouco tem os latinos vozes aspiradas como nós, e os gregos poucas mais. Porque as gentes da Europa falam todas c'os beiços, dentes e ponta da língua, com a qual, pondo-a em diversas partes da boca, formam diversas letras. E nós mais que todos com a boca mais aberta e as nossas vozes são mais fora da boca. O que não tem os hebreus e arábigos, cuja própria é aspiração, porque eles formam suas vozes dentro, quasi na fressura, donde falando lançam muito espírito.

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Sobre etimologias fantasiosas:... se, como adevinhando, dixéremos que homem se chama porque é o meio de todas as cousas ou porque está no meio do mal e do bem; e se dixéremos que mulher se chama porque é mole, e velho porque viu muito, e antigo porque foi antes d'agora, e tempo porque tempera as cousas, e lugar, quasi lubar, porque alube em si tudo, e senhor porque os senhores senhoream senhos senhorios, sem outra mestura, e ler quasi liando ver, e também escrever quasi discretamente ver, e alfaiate porque faz alfaias, e pássaro porque passa voando, e onzena porque dá onze por dez, e assi com'estas podemos também cuidar outras duzentas patranhas, as quais sempre são sobejas e muitas vezes falsas...

Sobre importação de vocábulos: ...tornemos a falar das dições alheas, as quais também com algum trato vem ter a nós, como de Guiné e da Índia, onde tratamos, e com arte, não somente quando a arte vem novamente a terra, como veo a da impressão, mas também nas artes já usadas quando de novo usam algum costume, os alfaiates em vestidos, e os sapateiros em calçado, e os armeiros em armas de novas feições, e assi os outros, porque os homens falam do que fazem e, portanto, os aldeãos não sabem as falas da corte, e os sapateiros não são entendidos na arte do marear, nem os lavradores d’Antre Douraminho entendem as novas vozes que est'ano vieram de Tunes com suas gorras.

A língua companheira do Império: O estado da fortuna pode conceder ou tirar favor aos estudos liberais, e esses estudos fazem mais durar a glória da terra em que florecem. Porque Grécia e Roma só por isto ainda vivem: porque quando, senhoreando o mundo, mandaram a todas as gentes a eles sujeitas aprender suas línguas, e em elas escreviam muitas bõas doutrinas. E não somente o que entendiam escreviam nelas, mas também trasladavam par'elas todo o bom que liam em outras. E desta feição nos obrigaram a que ainda agora trabalhemos em aprender e apurar o seu, esquecendo-nos do nosso. Não façamos assi, mas tornemos sobre nós, agora que é tempo e somos senhores, porque milhor é que ensinemos a Guiné ca que sejamos ensinados de Roma, ainda que ela agora tevera toda sua valia e preço. E não desconfiemos da nossa língua, porque os homens fazem a língua e não a língua os homens.

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18. Arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil, de José de Anchieta

OS FILMES DA HISTÓRIA LUSO-BRASILEIRA (Camões 8, 153-161)

1917 – O grito do Ipiranga, independência ou morte

1937 – O descobrimento do Brasil

1941 – A exposição do mundo português

1941 – O grande amor de D. Pedro e Bragança

1948 – Inconfidência mineira

1957 – A viagem presidencial ao Brasil (Craveiro Lopes)

1970 – Pindorama (colonização no sec. 16)

1972 – Os inconfidentes, La Congiura

1972 – Independência ou morte

1974 – História do Brasil

1988 – Il giovane Toscanini (Zeffirelli, estadia de Toscanini no Brasil)

1994 – Carlota Joaquina, princesa do Brasil (D. João VI)

1999 – Hans Staden, lá vem nossa comida pulando (viajante alemão, naufragou em Santa Catarina em

1550), escreve a memória dos Tupiniquins

Curtas metragens

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JOSÉ DE ANCHIETA

José de Anchieta nasceu a 19 de Março de 1534 em S. Cristóbal de la Laguna, nas Canárias, e faleceu a 9 de Junho de 1597 em Reritiba, actual Anchieta, no Brasil.

Em 1548, começou a frequentar, em Coimbra, o Colégio das Artes e, depois dos estudos de Humanidades e Dialéctica, entrou na Companhia de Jesus, em 1551. Dois anos depois, foi enviado para o Brasil onde foi protagonista, ao longo de quarenta e quatro anos, de um apostolado missionário, acompanhando, simultaneamente, os principais fatos da vida brasileira da segunda metade do século XVI.

Foi professor do Colégio de Piratininga, hoje São Paulo, nos seus primeiros doze anos de actividade. Ao mesmo tempo, dedicou-se ao ensino das crianças índias e aprendeu com a língua destas. Aos 21 anos, escreveu a Arte da Gramática da Língua mais Falada na Costa do Brasil, a primeira gramática do tupi, que se tornou precioso auxiliar dos missionários.

Ao acompanhar o Pe. Manuel da Nóbrega numa missão de paz junto dos índios tamoios, Anchieta ficou em cativeiro como refém. Durante esse período, escreveu o poema De Beata Virgine Dei Matre Maria.

Depois de completar os estudos na Bahia, foi superior dos jesuítas de São Vicente e de São Paulo durante dez anos, promovendo a catequese dos índios tupis e tapuias. Distinguiu-se entre os colonos portugueses como sacerdote exemplar, director espiritual e pregador. Entre os índios e os pobres, era conhecido como taumaturgo, aliando a confiança em Deus com o conhecimento das ervas medicinais e o estudo das doenças tropicais. Incentivou a criação de misericórdias.

Epistológrafo, devem-se-lhe cartas sobre a fundação e o desenvolvimento de S. Paulo e do Rio de Janeiro. Desenvolveu o teatro popular, tendo chegado até nós doze peças das quais que é autor. Dedicou-se também à difusão da canção religiosa popular, em português, espanhol e tupi. Na poesia, salientam-se o poema épico De gestis Mendi de Saa e numerosas composições líricas.

Durante dez anos, foi provincial dos jesuítas no Brasil. Nessa época, fundou muitas aldeias indígenas, principalmente em São Paulo e no Espírito Santo, e enviou os primeiros missionários ao Paraguai.

FONTE: http://www.ctt.pt/filatelia/emissoes/1997/padre_jose_anchieta.stm

JOSÉ DE ANCHIETA(S. Cristóbal de la Laguna, Canárias 1534 - Reritiba, atual Anchieta, Espírito Santo 1597)

Obras:

- Arte de Gramática da Língua mais usada na costa do Brasil, 1595;- De Beata Virgine Dei Matre Mariae, 1563;- Auto Representado na Festa de São Lourenço, 1950.

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Crônica de D. João I de Fernão Lopes

Extraído da 1a. parte da crônica de D. João I (1360?), ed. do Arquivo Histórico Português (1915), suas

crônicas originais foram perdidas, portanto, não se sabe a autenticidade do texto.

1) outros scprevem: outros narram isto de forma diferente:

escrever refere-se aos vários arquivos que estudou ,

há um p intruso

comtrairo: m antes da consoante t mostra a flutuação na grafia das nasais

2) e desta opiniom: e esta opinião nos agrada. É comum a inversão dos termos da frase.

3)Priolll: prior, superior de conventos ou dignatário de certas ordens militares, há alternancia de r e l na

época.

4)dom: de dominu(e), Senhor ou Cavalheiro, titulo dado tb. a religiosos

5) Alvoro: Alvaro: do germ. alls (todo) e wars (cuidadoso), havia alternância de a/o em algumas palavras

6) gram: apócope de grande

7) leterado: erudito, letrado, lat.litteratu

8) mui, abrev. de muito , antes de pal.iniciada por cons.

9) astrollogo: ledor dos astros, adivinho, l duplo não se justifica

10) chamavom: chamavam

11) meestre, lat.magistru, infl. do fr. maistre, especialista em alguma atividade

12) e per este comtom: e contam que o prior soube por este

13)veemcedor, lat. vincere, não se explica duplicação da vogal, nem o m.

14)NunAlvarez: Nuno e Alvarez, elisão do o final

15)mostrasse: mostra-se, os pronomes oblíquos ligavam-se diretamente ao verbo

16) assi: assim, lat.ad sic, a vogal nasalizou-se por infl. do si (sim)

17) viimdo,verbo vir, lat.venire

18) frei: prov.fraire, lat.fratre, frade no port., sec.12 freire, da próclise surge frei

19) del-Rei: de el rei: el veio de elo (lat. illu), sofre próclise

20) aderemcar: encaminhar seus feitos, tratar dos seus interesses, lat.ad-directiare

21) pedio, lat.petere, a vogal o em hiato com i tônico passou a u

22) mercee:merce, lat. mercede

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23) por seu morador: morador era o nobre que recebia a moradia do rei, recebia pensão e moradia na

corte por serviços prestados

24) da qual cousa: o relativo passava a adjetivo a fim de aclarar o antecedente do pronome.

25)outorgou de o fazer: consentiu em fazê-lo

26) se partio: partiu, os verbos como ir vinham acompanhados da particula se.

27) pera: para, lat, per ad., houve assimilação do e passando a

28) hordenou: resolveu, determinou, lat. ordenare, h é arbitrário

29) amte: antes, lat.ante, s protético aparece por infl. do adv. depois

30) irmaao: irmão, lat.germanu, que substititui fratre, g inicial sofre próclise, e o e inicial passa a i, u final

a o

31) madre: mãe, arc. mai ,Sá de Miranda rima mai com pai, por infl. da nasal inicial o a nasalizou-se

32) deu lhe juramento: fez juramento

33) que lhe descobrir: frase invertida

34) dito: citado

35) prometido: agente da passiva regido pelo particípio, é pouco frequente

36) emto: então, lat. in tunc

37) como: partícula que funciona como conjunção

38) e elle: e ele como seu aio, tutor, got. hagjia, lat. avia, avó, mulher que cuida de crianças.

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MATERIAL EXTRA

O LIRISMO GALEGO-PORTUGUÊS: AS CANTIGAS DE AMOR E DE AMIGO

Quase todo constituído de cantigas d’amor, influência estrangeira além Pirineus, e de cantigas

d’amigo, que tem sua raiz na terra. Há predomínio do elemento galego sobre o português, o que faz

supor que o foco irradiador da poesia é a região de Além-Minho. Havia uma poesia popular detestada

pela igreja, cujo agente era a mulher e que floresceu na Galiza. As mulheres desempenhavam papel

importante nas cerimônias religiosas de Santiago de Compostela, como cantora e bailadeira. Motivo: o

homem ia à guerra, no século XII, e à mulher restava a poesia, das intimidades domésticas. Daí vem a

cantiga de romaria, das peregrinações a Santiago de Compostela. Havia nela o motivo religioso e o

motivo da ausência do namorado, que tinha ido lidar com os mouros em defesa da terra: o fossado

(aquele que investe em território inimigo).

O paralelismo é a forma clássica de toda poesia bailada. A poesia popular imita a liturgia. Os

salmos são alternados, a 2 coros. O 1o. coro entoava o 1o. versículo, o 2o. um outro, findo isto, todos

cantavam a antífona (versículo cantado ou recitado antes e depois do salmo ao qual respondem 2 metades

do coro) que servia de refrão: ab, ab.

Esquema muito simples para os trovadores que lançam mão do leixa-pren, repetição dos últimos

versos da estrofe com temas rudimentares do povo. A influência é francesa, sobretudo, na apropriação

das formas. Isto é, provençal, reconhecido desde meados do século XIII. Com Sancho I (1185-1211),

filho de Afonso Henriques, um dos mais antigos trovadores, temos o auge da colonização francesa. A

missão da cultura francesa foi despertar os germes da poesia nacional. Então, como já dissemos, a

imitação portuguesa está na apropriação das formas. O temperamento nostáligco e a humildade amorosa

portuguesa está na saudade e no fatalismo das cantigas. A influência francesa serviu para acentuar estes

pontos (até p. 130 -Rodrigues Lapa, Lições).

CANTIGAS DE AMIGO

Quanto ao assunto

- albas (alvas ou serenas): cantigas de influência provençal, tema: o amanhecer

- pastorelas: cantigas, personagem central: pastora

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- barcarolas (ou marinhas): cantigas que se referem ao mar ou ao rio

- bailias (ou bailadas): cantigas em que há dança ou baile

- romaria: cantigas que se prendem à peregrinação

- tenções: cantigas em que a moça dialoga com a mãe, irmã, uma amiga e a natureza

Quanto à forma

- maestria: cantigas de amigo que não tem refrão, influência provençal

- refrão: cantigas com refrão ou estribilho

- paralelísticas: cantiga com paralelismo

CANTIGAS DE AMOR

Quanto ao assunto

- temática pouco variada: amor que provoca dor (coita), resultado: morrer de amor

Quanto à forma

- maestria: sem refrão ou estribilho, com 3 ou mais estrofes regulares

- refrão: cantiga com refrão ou estribilho

- descordo ou desacordo: intranquilidade de espírito é expressado pela variedade métrica, estrutura das

estrofes varia.

CANTIGAS SATÍRICAS

Cantigas de escárnio: sátira a alguém por meio da ironia

Cantiga de maldizer: sátira direta, com linguagem obscena

Cantiga de seguir: imitação cômica de outra cantiga

Tenção ou briga: diálogo entre 2 ou mais trovadores com obrigação à resposta iniciadas com as rimas do

verso anterior.

CANTIGA DE AMOR

Os trovadores deram o nome de cantiga de amor àquela em que o poeta se dirige a mulher amada,

falando em seu próprio nome, em oposição à cantiga de amigo, onde a mulher é quem falava, ou melhor,

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onde o trovador a fazia falar. Merecem destaque os trovadores: D. Dinis, Pero da Ponte, João Garcia de

Guilhade, Aires Nunes. É, portanto, uma confissão dolorosa, angustiante experiência passional frente à

dama inacessível. Os apelos colocam-se no plano da espiritualidade; a coita = sofrimento de amor, que

afinal ele confessa.

Seguem-se as regras de amor recebidas de Provença. Etapas: 1. Fenhedor (aspirante) - ele se consome em

suspiros, 2. Precador - o que ousa declarar-se e pedir, 3. Drut (drudo)- o namorado/ amante.

Quando tem estribilho chama-se de refrão. Quando não, é cantiga de maestria.

Em outras palavras, o trovador fala das emoções, do eu masculino. Assume o ideal do amor cortês. O

amor é a experiência de amar sem ser correspondido, ele sonha com o objeto inacessível. Quanto mais

inacessível, mais símbolo de perfeição e pureza. Amor existe no plano ideal. Estereótipo: mulher deve ser

inacessível, e corresponder a um tipo físico: mulher delicada, cabelos claros, riso sutil, gestos refinados.

Isto é diferente da mulher rural: embrutecida pelo trabalho. O trovador vive servilmente em função da

dama. Ele deve ser fiel a um código de obrigação e deveres: jamais perder a discrição, se divulgar falta ao

auto-domínio. Parece-se ao cavaleiro medieval: coragem, lealdade, generosidade. Ser obediente e casto

(nível religioso). Cortês e humilde (nível social). O cavaleiro não possui direitos, só deveres. Mantém sua

dignidade na medida que cumpre seus deveres. Os cavaleiros estão historicamente ligados aos trovadores

em Portugal. Viviam na Corte, que era o local das graças femininas. O cavaleiro ocupa o lugar da

nobreza sem ter os poderes do senhor feudal.

CANTIGA DE AMIGO

A palavra amigo significa namorado, amante, era a relação oculta. Na cantiga de amigo é a mulher quem

fala; o trovador põe na boca da donzela a paixão que sente pelo senhor, queixando-se do namorado;

falando da mãe que lhe proibe os encontros; sofrimento amoroso da mulher, que pertence à camada

popular. O drama é da mulher, mas é o trovador quem compõe a cantiga: (1) ele é o homem por quem a

jovem sofre, (2) ela é analfabeta, mesmo sendo fidalga. Em espírito dirige-se à dama aristocrática; com

os sentidos à camponesa. Conteúdo de confissão de amor não correspondido. A cantiga de amor é

idealista, a de amigo realista. Amigo pode significar namorado e amante.

A diferença entre a cantiga de amor e a cantiga de amigo não está apenas na fala do homem ou da

mulher. Existe diferença de forma e intenção. Muitas cantigas de amigo obedecem a uma forma fixa

chamada paralelismo. Os versos A', B', C' são variações dos versos A, B, C. Cada estrofe vem seguida de

refrão. Se a intenção é a de acompanhar a melodia da dança, o paralelismo recebe o nome de bailia ou

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bailada. Se o tema é alvorada, cantares de passáro, a cantiga chama-se alva ou alba. Barcarolas são as

cantigas de amigo que versam sobre assuntos referentes ao mar ou ao rio.

Em outras palavras, o trovador canta a realidade da mulher. O eu feminino exterioriza emoções, aflições,

expectativa, etc. Geralmente construídos em paralelismos:

a unidade rítmica. Não é a estrofe, mas o conjunto de estrofes ou um par de dísticos (2 estrofes de 2

versos).

Elementos típicos da cantiga de amigo: paralelismo e refrão. O que pressupõe a existência de um coro: as

estrofes organizadas aos pares, sugerem a alternância de 2 cantores ou grupos. O verso da estrofe anterior

é repetido no início da nova estrofe: técnica de improvisação dos repentistas. Isto indica que a cantiga

estava ligada ao canto e à dança. Portanto, temos 3 elementos:texto/canto/dança. Mulher é a personagem

principal que vai se encontrar com o namorado junto à fonte para lavar a roupa, portanto, há ação da

personagem. A nível de conteúdo, outra forma de cantiga de amigo é a moça discutir com a mãe, amiga,

pedir autorização para namorar. O trovador desenvolve este tipo de cantiga para mostrar a expectativa da

mulher. Estrutura formal muda: dísticos passam a estrofes de de 3, 4, ou + versos. Não há paralelismos,

mas emparelhamento (2a. estrofe da cada par só repete a idéia da anterior). O refrão deixa de existir.

Passa a chamar-se cantiga de maestria.

Idade Média

1o. Período: TROVADORISMO

Poesia trovadoresca:

Cantiga de amor

Quanto à forma: pouco varia. Enaltece a “fremosa senhor”. Amor é fatalismo que provoca dor (coita).

Resultado = morrer de amor

maestria - sem refrão, 3 ou + estrofes regulares

refrão -com estribilho

des(a)cordo - variedades métricas, diferente estrutura das estrofes

Cantiga de amigo

1. Quanto ao assunto:

albas (alva ou serena) - infl. provençal, cujo tema é o amanhecer

pastorelas - pers. central é a pastora

barcarolas - se referem ao mar ou rio

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bailias (bailadas) -há dança ou baile

romaria - se prendem à peregrinação

tenções - diálogo com mãe, irmã, amiga, natureza/ há uma intenção

prantos

2. Quanto à forma:

maestria - cantiga sem refrão (infl. provençal)

refrão - ou estribilho

paralelísticas -paralelismo

Cantigas satíricas

Cantigas de escárnio - sátira sutil, processo: ironia

Cantiga de maldizer - direta, com linguagem obscena

Cantigas de seguir - imitação cômica de outra cantiga, parodia

Tenção de briga - diálogo entre 2 ou + trovadores com obrigação de resposta. Tem de ser iniciada

com rimas do verso anterior.

Cantiga de amigo - paralelismo

Repetição da mesma idéia com alteração.

As estrofes de número par (2 versos) c/estribilho (1 verso) (n. de sílabas inferior ao anterior),

encadeamento (cavalgamento, enjambement) dos versos, 2o. verso da 1a. estrofe é o 1o. da 3a. O 2o. da

2a. é o 1o. da 4a. O 2o. da 3a. é o 1o. da 5. Ex. Ai flores

Espécie de versos (pronúncia até a última sílaba tônica)

Número de sílabas: 2 a 12 sílabas

1 monossílabo

2 dissílabo

3 trissílabo

4 tetrassílabo

5 redondilha menor

6 heroico quebrado (menor)

7 redondilha maior

8 octossílabo

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9 eneassílabo

10 decassílabo (heroico: acento na 6a. e 10a. sil.), sáfico (4a., 8a., 10a.)

11 hendecassílabo

12 alexandrino

Estrofe (número de versos)

2 versos - dístico

3 terceto

4 quadra ou quarteto

5 quintilha ou quinteto

6 sextilha ou sexteto

7 setilha

8 oitava

9 novena

10 décima

Rima: sons no final ou interior do verso

soante: identidade de sons, a partir da vogal tônica

toante: há identidade da vogal tônica

rica: classes de palavras diferentes

pobre: mesma classe de palavras

masculina: entre palavras oxítonas

feminina: entre palavras paroxítonas

monórrimos: som igual no final de cada verso

emparelhada: aabb

alternada: abab

interpolada: abba

encadeada: aba bcb cdc

interior: no interior de um verso (“Como são cheirosas as primeiras rosas”); última palavra de cada verso

com outra do mesmo verso seguinte (“Anjo sem pátria, branca fala errante / Perto ou distante que de mim

vás”)

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dobre - repetir a palavra em 2 ou mais lugares de cada estrofe ( bem, bem)

mordobre - repetição da palavras, mas nas derivações (cuidado, cuidar)

Cesura

Versos de 10 a 12 sílabas, são divididos por uma cesura em 2 hemistíquios (“Enfermos e feridos /

pretende curar”)

nos versos de 10 e 11 sílabas / cesura depois da 4a. ou 5a. sílabas

12 síl. / 6a. síl.

Metro

Unidade rítmica repetida ou combinada num verso.

Elisão - quando num verso uma palavra termina por vogal e a seguinte começa por vogal: considerar

como uma sílaba

de amor: / de a / + mor = 2 sílabas

Sinérese - transformação de hiato num ditongo

piedade: / pie/ da / de=3 sílabas

Diérese: tranformação de ditongo em hiato

saudade: / sa/ u/ da / de = 4 sílabas

Terminologia

verso = palavra

estrofe = cobra (copla)

finda = remate de idéias, grupo de versos no final separados das estrofes; podem estar ligados por

conjunção: e, que, ca, pero, se;

estrofe de 1 a 3 versos, serve de remate e sintetiza o assunto da composição

leixa-pren = retomar no início da 1a. estrofe o último verso da estrofe anterior, mas alterna as últimas

palavras

atafinda = levar o assunto sem interrupção até o fim da cantiga

palavra perduda = sem rima no corpo da estrofe

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CANTIGA DE ESCÁRNIO E CANTIGA DE MALDIZER

De caráter satírico, exprimem uma faceta realista e vulgar da vida medieval. A de escárnio é mais velada,

sutil, com palavras de duplo sentido, deixando-se transparecer a crítica e/ou a acusação a alguém; a

segunda - a de maldizer - é claramente ofensiva e mordaz. Sarcasmo e ironia estão presentes. Expressões

de baixo-calão.

É o lugar apropriada para a carnavalização: rei é rei momo, papa é folião, corpos explodem de tanto

comer, defecar ou parir; homens se vestem de mulher; partes corporais nobres são substituídas pelas

baixas. Contestar contra o rígido sistema oficial: exacerbação é o acesso às regras oficiais e de conduta e

de composição artística: Joam Soares Coelho canta a ama como senhora.

ACOMPANHAMENTO MUSICAL

Com instrumentos de sopro, corda e percussão. O próprio trovador tangia o instrumento.

OS ARTISTAS DA IDADE MÉDIA

Trovador - artista completo, compunha a letra e a melodia, cantava e instrumentava cantigas; executava-

as acompanhado de instrumento musical. Quase sempre pertencia à aristocracia ou era fidalgo decaído.

Jogral - pode ser um saltimbanco, ator mímico, de extração inferior; com o passar do tempo dividiram-

se em 2 grupos: os acrobatas e os intérpretes das cantigas. O que mais caracteriza a vida do jogral é sua

vida errante e boêmia.

Segrel - trovador profissional, cantava a troco de soldo; escudeiro que não tendo mais recursos para

ascender à cavalaria, mas possuindo a mesma educação, procurava na poesia os meios necessários para

sua subsistência.

Menestrel - músico da Corte, jogral sedentário que se incluía na categoria dos servos, adquirindo

um status superior ao do jogral.

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