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Faculdade de Direito de Lisboa – Ano Lectivo 2006/07 RELAÇÕES ECONÓMICAS INTERNACIONAIS E DIREITO DA ECONOMIA (roteiro das aulas teóricas) Regência do Prof. Doutor Luís Morais Aula nº 1, 09/10/06 Apresentação e considerações em torno do programa. Aula nº 2, 13/10/06 PARTE I – DIREITO DA ECONOMIA I- Generalidades O seu objecto suscita uma controvérsia entre a doutrina, cujo epicentro se situa na questão de saber se esta deve ser uma disciplina jurídica autónoma das restantes que versam sobre temáticas similares ou se, pelo contrário, se deve integrar nelas. Muitos autores tomam partido pela não- autonomização do objecto de estudo do Direito da Economia, preferindo tratar estas temáticas noutras áreas disciplinares, como sejam as do Direito Administrativo da Economia ou do Direito Comunitário. Mas, o Prof. Luís Morais, acredita que a autonomização é possível e figura como a solução metodológica mais adequada, essencialmente devido a dois motivos: Relações Económicas Internacionais e Direito da Economia 1

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RELAÇÕES ECONÓMICAS INTERNACIONAIS E DIREITO DA ECONOMIA (roteiro das aulas teóricas)

Regência do Prof. Doutor Luís Morais

Aula nº 1, 09/10/06

Apresentação e considerações em torno do programa.

Aula nº 2, 13/10/06

PARTE I – DIREITO DA ECONOMIA

I- Generalidades

O seu objecto suscita uma controvérsia entre a doutrina, cujo epicentro se situa na questão de saber se esta deve ser uma disciplina jurídica autónoma das restantes que versam sobre temáticas similares ou se, pelo contrário, se deve integrar nelas.

Muitos autores tomam partido pela não-autonomização do objecto de estudo do Direito da Economia, preferindo tratar estas temáticas noutras áreas disciplinares, como sejam as do Direito Administrativo da Economia ou do Direito Comunitário.

Mas, o Prof. Luís Morais, acredita que a autonomização é possível e figura como a solução metodológica mais adequada, essencialmente devido a dois motivos:

1. A especificidade do objecto de estudo do Direito da Economia – que é transversal e cobre várias matérias, sendo por isso relativamente fácil de distinguir do de outras disciplinas jurídicas;

2. A especificidade da metodologia jurídica do Dtº da Economia;

a)Especificidade do objecto de estudo do Direito da Economia:

Este objecto é de tal modo particular e específico, que as matérias estudadas pelo Dtº da Economia conseguem mesmo suplantar a tradicional distinção/divisão entre Direito Público e Direito Privado.

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Assim, situa-nos em questões e situações nas quais se verifica o domínio do Estado e das Autoridades Públicas e outras em que o Estado apenas enquadra a actividade económica mitigando os seus próprios poderes de Autoridade.

Estas últimas, verificam-se essencialmente em dois casos:

Com os «contratos económicos» celebrados com privados e baseados numa lógica de concessão de incentivos, por parte do Estado, aos privados. O Estado intervém na economia pela via da cooperação e da colaboração;

Através das «parcerias público-privadas» operações em que o Estado associa entidades privadas a grandes projectos de investimento público, como sejam a construção de infra-estruturas e a prestação de serviços à população;

Actualmente verifica-se mesmo uma tendência para a diminuição dos poderes de Autoridade do Estado, que ultrapassa as fronteiras da distinção tradicional entre Direito Público e Direito Privado (o Direito da Economia estuda a intervenção do Estado na economia, tanto quando o faz com poderes de autoridade e soberania, como quando age numa situação de paridade ou quase paridade com os particulares).

Assim sendo, observada esta especificidade, constituem áreas do objecto de estudo do Direito da Economia, as seguintes:

1. Direito Interno da Economia;2. Direito Económico Comunitário – actualmente com uma importância

crescente;3. Direito Internacional Económico – em que está presente uma regulação

de base pública da relação monetária internacional e, sobretudo, das relações comerciais internacionais;

Mesmo o Direito Interno da Economia é, em larga medida, uma emanação do Direito Económico Comunitário, ou seja, o Direito Interno da Economia resulta, em grande parte, da transposição de directivas comunitárias para a Ordem Jurídica Interna/Estadual.

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Outra particularidade importante, situa-se ao nível das Fontes do Direito da Economia, onde, ao contrário do que acontece com outros ramos do Direito, os regulamentos têm um papel preponderante (o regualmento é muito concreto e de pormenor, assim como o Dtº da Economia, daí ser uam fonte tão importante).

Nesse elenco de fontes, devemos considerar:

Fontes Internas:

o Constituição (em especial a Constituição Económica);

o Outros actos normativos, com especial ênfase em certos instrumentos de natureza infra-legal, como sejam os, já citados, regulamentos;

Fontes Externas:

o Tratados Internacionais;

o Convenções em forma simplificada;

b) Especificidade da Metodologia Jurídica do Direito da Economia:

A propósito das especificidades da metodologia jurídica do Direito da Economia, cumpre salientar as seguintes:

Ao nível da interpretação e da hermenêutica jurídica – a concretização da estatuição das normas impõe o recurso à análise económica, a conceitos e juízos económicos que têm de ser transpostos do universo da Economia para o do Direito (fenómeno de interdisciplinaridade), por exº ao nível do Direito da Concurrência;

Há um menor grau de formalismo jurídico do Direito da Economia, comparativamente a outros ramos do Direito. Tal situação, é levada ao ponto de, em certas situações/categorias do Direito da Economia, os conceitos próprios da economia serem mais importantes que os do Direito. Também se verifica, no domínio do Direito da Economia, a alteração de categorias jurídicas fundamentais de outros Ramos do Direito (Dtº das Obrigações, Dtº Comercial, Dtº Administrativo…) o que leva ao aparecimento de novas categorias jurídicas

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(categorias jurídicas específicas do Direito da Economia), onde se misturam elementos jurídicos e económicos;

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II- A Constituição Económica

1. Constituição Económica: aspectos introdutórios

O conceito de «Constituição Económica» remete-nos para a distinção entre «Constituição em sentido Formal» e «Constituição em Sentido Material». Nesse sentido, cumpre salientar-se que, a Constituição Económica, apreende-se no domínio da Constituição em sentido material formulada no pós 25 de Abril, sendo que, os seus elementos fundamentais:

regulam a estrutura de propriedade e os meios de produção; definem formas típicas de relacionamento entre o Estado e os

diversos sectores de propriedade dos meios de produção;

Aula nº 3, 16/10/06

Não foi leccionada a aula de dia 16.

Aula nº 3, 20/10/06

2. Considerações Genéricas sobre a História da Constituição Económica Portuguesa

Quanto à sua evolução histórica, grosso modo, o Prof. Luís Morais aponta quatro grandes períodos:

1. PRIMEIRO PERÍODO: Liberalismo (englobando a Monarquia Constitucional e a Primeira República) período histórico consideravelmente duradouro, no decorrer do qual se verificaram diversas mutações político-sociais. Daí que se afirme que, apesar de, durante esta fase, ter havido descontinuidade/rupturas políticas, houve continuidade económica – porque os princípios fundamentais que presidiam à Constituição Económica, eram basicamente os mesmos, independentemente das alterações político-constitucionais.

Constituições que vigoraram:

a. Monarquia Constitucional:i. Constituição de 1822;

ii. Carta Constitucional de 1826;iii. Constituição de 1838;

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b. Primeira República:i. Constituição de 1911;

2. SEGUNDO PERÍODO: «Estado Novo» aparecimento duma nova Constituição Económica (a Constituição Económica do «Estado Novo»). Período do Corporativismo.

Constituições que vigoraram:

a. Constituição de 1933;

3. TERCEIRO PERÍODO: Do 25 de Abril à Revisão Constitucional de 1982 fase marcada pela transição política da Ditadura para a Democracia e pelo carácter compromissório da CRP de 76.

Constituições que vigoraram:

a. Pré-Constituição Económica (compreendida no programa do MFA), que não é uma Constituição mas aproxima-se disso. Designação atribuída por alguns autores como o Prof. Sousa Franco;

b. Constituição de 1976 (versão original);c. Constituição de 1976 (com a revisão constitucional de 1982);

4. QUARTO PERÍODO : Nova Constituição Económica período marcado por uma ruptura na constituição económica promovida por dois acontecimentos:

a. A assinatura Tratado de Adesão à Comunidade Europeia (foi assinado em Junho de 1985 e começou a vigorar a partir de Janeiro de 1986);

b. A revisão Constitucional de 1989 (adaptação da Constituição ao lema da economia de mercado imposto pela adesão à CEE);

A análise da Constituição Económica é feita com recurso a três instrumentos:

A Constituição Económica em sentido formal; A Constituição Económica em sentido material; A Constituição Económica em sentido real;

* Constituição Económica em sentido formal diz respeito aos princípios e normas jurídicas contemplados no texto constitucional com o

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objectivo de definir um quadro geral da actividade económica, bem como, os princípios e normas jurídicas que produzem um efeito ordenador na OJ económica – como é o caso das normas respeitantes à repartição de poderes entre órgãos de soberania (art. 80 e ss’s, art. 165/1 j), art. 198/1 b) da CRP);

* Constituição Económica em sentido material compreende o conjunto de princípios e normas jurídicas que são fundamentais na definição de uma OJ económica. Contempla, pois, um núcleo essencial de princípios e normas jurídicas que regem o sistema económico, quer constem ou não do texto constitucional. – por exemplo, a ordem jurídica económica compreende o princípio da liberdade de mercado, que não tem de estar necessariamente no texto Constitucional.

* Constituição Económica em sentido real além do conjunto de princípios e normas jurídicas fundamentais da OJ económica, compreende a forma como se procede à sua interpretação e aplicação por parte dos Tribunais, da Administração Pública e da sociedade em geral. Forma como se interpretam as normas e que pode variar ao longo dos tempos.

3. A Ordem Económica Anterior ao Constitucionalismo

Antes de 1822 temos uma Ordem económica típica das sociedades de Antigo Regime, marcada por uma profunda heterogeneidade:

Por um lado disposições de origem medieval:

o na regulação do trabalho – indole corporativa;o na propriedadade da terra – com reminiscências feudais -);

Por outro, outras mais modernas ligadas à empresa dos Descobrimentos e do Comércio Internacional.

É difícil apurar-se com rigor uma Constituição económica em sentido material.

A ruptura dar-se-ia com a Constituição de 1822 (possibilitada pela revolução Liberal de 1820) e opera-se, tanto no plano político, como no económico:

Plano Político – por influência da Revolução Francesa:

1. Consagração do princípio da Separação de Poderes;

2. Afirmação do princípio da representatividade;

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3. Afirmação do princípio da soberania nacional (“A soberania reside em a Nação”);

Plano Económico – afirmação de duas instituições que permitem analisar todo o Constitucionalismo económico apresentando-se como os pilares do Sistema Capitalista e da Ordem Liberal:

1. Defesa da Propriedade Privada – engloba quatro componentes:

a. O direito de adquirir ou direito de acesso à propriedade;

b. O direito de usar e fruír dos bens de que se é proprietário;

c. O direito de transmitir a propriedade, por vida ou por morte;

d. O direito de não ser privado da propriedade;

2. Defesa da Liberdade Económica – traduz-se na possibilidade de exercer livremente uma actividade económica privada e tem as seguintes componentes:

a. Liberdade de criação de empresas;b. Liberdade de escolher a actividade económica a

desenvolver;c. Liberdade de organização;d. Liberdade de contratar;

4. Análise do Constitucionalismo Económico Português

A- PRIMEIRO PERÍODO: Liberalismo

1. Constituição de 1822 – apresenta as seguintes características:

a. Concepção da propriedade como um direito sagrado e inviolável – ainda assim, admitia-se o instituto da expropriação, desde que fosse atribuída uma indemnização prévia (o direito ao valor da propriedade em substituição do próprio direito de propriedade justifica-se pelo facto de se viver uma época conturbada, marcada pelo surto de industrialização e de construção de estradas, pontes,

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caminhos-de-ferro, etc, o que levava à necessidade de se fazerem expropriações de terrenos (para permitir a construção dessas infraestruturas básicas e possibilitar a metropolização do país);

b. A liberdade económica não tem uma consagração expressa; decorre apenas de um enunciado geral de liberdade;

2. Carta Constitucional de 1826:

a. Plano político – recuo em relação à Constituição de 1822. Instituições mais conservadoras e recrudescimento do poder do rei (detinha o poder moderador e tinha alguma margem de intervenção nos demais poderes constituídos). A Carta, outorgada por D. Pedro IV, e não feita por uma assembleia eleita pelo povo, é mesmo considerada a Constituição mais monárquica da Europa naquele período;

b. Plano Económico – avanço significativo em relação ao texto Constitucional de 1822;

i. No que toca à defesa da propriedade privada: é garantido o direito de propriedade privada em toda a sua plenitude, admitindo como única excepção as expropriações por utilidade pública;

ii. No que concerne à defesa da liberdade económica: garante-se de forma expressa a defesa da liberdade económica nas suas múltiplas formas:

a. liberdade de trabalho;b. liberdade de indústria e comércio;c. liberdade de de circulação de pessoas e bens;

Também se contempla, aquilo que mais tarde ser viria a designar por “Direitos Sociais”:

a. instrução primária gratuita a todos os cidadãos; b. garantia de socorros públicos;

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3. Constituição de 1838:

a. Plano Político – texto compromissório entre a Constituição de 1822 e a Carta Constitucional de 1826;

b. Plano Económico – apresenta as seguintes características:

i. Garante o direito de propriedade – admite a possibilidade de a indemnização ser posterior à expropriação que deverá ser feita por utilidade pública;

ii. Reafirma o princípio da liberdade económica;

4. Constituição de 1911:

a. Plano Político – ruptura com os anteriores textos Constitucionais. Consagra o Regime Republicano em substituição da Monarquia Constitucional;

b. Plano Económico – representa a continuidade do modelo liberal:

i. Continua a garantir o direito de propriedade, salvo as limitações estabelecidas por lei;

ii. Continua a garantir o direito a todo o género de actividade económica: indústria, comércio… salvo as restrições estabelecidas pela lei;

Em termos de Direitos Sociais consagra o Ensino Primário elementar obrigatório e gratuito;

B- SEGUNDO PERÍODO: Estado Novo

1. Constituição de 1933 – representa uma ruptura com a ordem pré-estabelecida, tanto no plano político, como no económico:

a. Plano Político – alicerçou-se nos chamados corpos/entes intermédios (a família, as mesericórdias..., por influência da doutrina social da Igreja). Estado Corporativo e Autoritário;

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b. Plano Económico – verificam-se alterações significativas em relação às anteriores Leis Fundamentais, designadamente:

i. Contempla expressamente o papel central do Estado na promoção da ordem económica;

ii. Concebe o Estado como entidade tutelar – posição dirigista e intervencionista do Estado no plano interno (condicionando as escolhas dos privados e intervindo directamente na economia) e proteccionismo no plano externo (defendendo a produção nacional);

iii. Quanto à propriedade privada: deixa de ser afirmada como um valor absoluto e passa a desempenhar uma função social (influência da doutrina social da Igreja);

iv. Liberdade económica garantida, mas também desempenhando uma função social;

Visto que a Constituição Económica em Sentido Formal pode permanecer imutável, mas a Constituição Económica em Sentido Real está em constante mutação, acompanhando a evolução e a aplicação e interpretação que a Sociedade lhe dá a par com a sua própria evolução, podemos, dentro do período que é abarcado pela Constituição de 1933, distinguir três Constituições Económicas em Sentido Real, ou três momentos essenciais na vigência da referida Constituição:

I. Dos Anos 30 ao começo dos anos 40 :

Afirmação do Regime. No Plano económico, acentua-se o seu carácter dirigista, autoritário e nacionalista, nomeadamente através da Lei do Condicionamento Industrial;

II. Do final da segunda Guerra Mundial até ao final dos anos 50:

Liberalização e esforço de desenvolvimento industrial promovido pelo Estado;

III. Anos 60 e 70:

1957 – assinatura do Tratado de Roma fundando a Comunidade Europeia;

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1960 – Convenção de Estocolmo, constituíndo a EFTA (European Free Trade Association) sobre os auspícios do Reino Unido e tendo Portugal também como membro fundador;

Por influência destes acontecimentos, a economia apresentar-se-á mais liberal e internacionalizada.

C- TERCEIRO PERÍODO: Do 25 de Abril à Revisão Constitucional de 1982

1. Pré-Constituição

Derrube do Estado Novo. É dado a conhecer o programa do MFA contemplando orientações económicas de natureza conjuntural:

a. Preocupação com a defesa das classes trabalhadoras e em especial dos mais desfavorecidos;

b. Visa a melhoria da qualidade de vida dos portugueses;

c. Defesa de uma estratégia anti-monopolista;

Em 11 de Março de 1975, em virtude de um golpe, regista-se uma evolução no sentido socializante da economia portuguesa, acompanhada de um surto de nacionalizações e ocupações de empresas e propriedades agrícolas;

São os tempos dos governos provisórios controlados pelo Partido Comunista e presididos por Vasco Gonçalves, os quais vão produzindo legislação em que se afirmam direitos sociais e laborais e se restringem os direitos de propriedade, prevendo-se medidas de punição dos delitos anti-económicos.

Está em vigor a «Pré-Constituição Económica» - constituída por um corpo de princípios, normas e instituições que se foram definindo e estabilizando na fase revolucionária e que acabaram por encontrar consagração na Constituição de 1976.

2. Constituição de 1976

É um texto compromissório: compromisso entre o princípio democrático e o princípio socialista, a legitimidade democrática e a legitimidade revolucionária.

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Contempla os “planos” – instrumentos fundamentais na organização económica, que espelham a prentenção de construír uma economia planificada. Na prática nunca funcionou;

Previam-se estruturas de propriedade dos meios de produção:

Propriedade social; Propriedade pública; Propriedade privada;

Contemplava-se o princípio da irreversibilidade das nacionalizações;

Aula nº 4, 23/10/06

A doutrina tem debatido se a Constituição de 76 traduz a prevalência do princípio socialista ou do princípio democrático, havendo autores que se inclinam em ambos os sentidos (sobre a prevalência do princípio socialista, conhecem-se essencialmente as posições de alguns académicos de Coimbra, como sejam os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira).

Para o Prof. Luís Morais, o que está em causa é um modelo compromissório, uma tentativa de conciliação dos dois princípios na ordem jurídica económica.

Teríamos, por isso, um modelo suficientemente aberto para possibilitar grandes transformações (como as que ocorreram na Constituição económica com as revisões constitucionais, sobretudo com a revisão de 1989), mas, ainda assim, com a predominância do princípio democrático, abrindo caminho a modificações e a uma prática constitucional que se orientou no sentido da consagração da economia de mercado e se afastou dos princípios socialistas de organização económica.

3. Constituição de 1976 (revisão de 1982)

É uma revisão importante do ponto de vista político, mas não tão importante do ponto de vista económico. Neste aspecto, as alterações são limitadas, e, no plano programático, cingem-se ao seguinte:

Supressão do conjunto das referências ao socialismo, presentes na versão original da CRP de 76 (referências a uma economia socialista, e, em certos aspectos, a uma direcção central da mesma);

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Eliminação das disposições constitucionais (art. 82/2 da versão original da CRP) que admitiam a expropriação de latifundiários e grandes proprietários sem indemnização tal princípio representa uma concepção adversa à grande concentração da propriedade;

D - QUARTO PERÍODO : Nova Constituição Económica

1. Revisão Constitucional de 1989

Representa uma grande alteração da Constituição Económica.

Foi viabilizada por um acordo entre os dois partidos nucleares do Regime (PS e PSD) a partir do estabelecimento, entre ambos, de um conjunto de compromissos fundamentais, em relações aos quais não tinha havido consenso em 1982. Trata-se de um patamar mínimo de consenso/de entendimento, necessário para viabilizar a revisão constitucional.

Tais compromissos, vieram a traduzir-se nas seguintes alterações da Lei Fundamental:

I. Abolição do princípio da irreversibilidade das nacionalizações (contido no art. 85 da versão original da CRP);

Entre 1974 e 1975 tinham ocorrido várias nacionalizações que ficavam garantidas para o futuro, se continuassem a ser protegidas pela Constituição. Este princípio pretendia assegurar uma posição favorável ao sector público em comparação com o privado, posição essa que apontava para uma forte intervenção do Estado na actividade empresarial em detrimento do sector privado.

A sua eliminação abre caminho a um processo de desnacionalizações e reprivatizações, o qual alterou a posição do Estado na actividade económica.

Porém, a eliminação desta norma fez-se apenas mediante a definição de um conjunto de princípios que deveriam estar na base das futuras desnacionalizações e garantir o interesse público. Estabeleceu-se que o processo de desnacionalização teria de se fazer com base numa Lei-quadro das privatizações, aprovada por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, estabelecendo-se também, como princípios jurídicos a concretizar por essa lei, os seguintes: (v. art. 293 CRP)

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As reprivarizações deveriam decorrer com recurso a concurso público, a subscrição pública ou a operação pública de venda no mercado de capitais isto com o objectivo de se assegurar a abertura a todos os interessados;

As receitas obtidas com a reprivatização deveriam ser afectadas apenas para amortização da dívida pública ou investimento no sector produtivo visava impedir que o processo fosse desenvolvido ao sabor de preocupações conjunturais e que as receitas pudessem ser utilizadas para financiar as despesas correntes do Estado;

Deveria proceder-se à avaliação prévia dos meios de produção e de outros bens a reprivatizar, por intermédio de mais de uma entidade independente aqui procurava-se impedir a venda destes meios de produção a preços demasiado baixos, o que seria naturalmente lesivo para o interesse público;

Os trabalhadores das empresas objecto de reprivatização, adquiriram o direito à subscrição preferencial de uma percentagem do respectivo capital social e manteriam no processo de reprivatização das respectivas empresas, todos os direitos e obrigações de que fossem titulares;

II. Reforço do papel da iniciativa privada e da propriedade privada na economia nacional, decorrente da eliminação da norma que permitia actos anulativos da propriedade privada sem atribuição de indemnização (eliminação do art. 89 da versão original da CRP, que permitia a expropriação de bens abandonados sem atribuição de qualquer indemnização);

III. Eliminação da generalidade das referências à Reforma Agrária, que havia sido desenvolvida, essencialmente a partir de 11 de Março de 1975;

IV. Alteração da norma que tutela e salvaguarda a liberdade de iniciativa privada desaparece a cláusula, contida no texto constitucional original, que concebe a iniciativa privada como um instrumento do progresso colectivo (subordina a iniciativa privada ao interesse colectivo);

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Embora a generalidade dos autores não dedique especial atenção a este ponto, o Prof. Luís Morais considera que ele é uma grande garantia da iniciativa económica privada.

A doutrina diverge quanto ao teor da alteração da Constituição económica promovida pela RC de 1989: alguns autores afirmam que, mesmo após 1989, houve continuidade na Constituição económica; o Prof. Paz Ferreira afirma que se assistiu a uma alteração significativa, enquanto que o Prof. Luís Morais fala mesmo em ruptura ou transição constitucional ao nível do capítulo da organização económica.

Registou-se a eliminação de uma série de elementos conotados como socialistas, tendo esta ruptura sido confirmada/continuada pelas revisões constitucionais seguintes, designadamente pela RC 1997: fim da imposição constitucional de existirem actividades vedadas à iniciativa privada,1 sendo que, na versão original da CRP de 1976, impunha-se que o legislador ordinário elencasse quais os sectores da actividade económica que ficariam interditos à iniciativa privada. isso seria feito com a Lei nº 46/77, que aponta vários sectores nessa situação, como sejam a Banca, os seguros…;

Outros dos aspectos com especial impacto em várias revisões constitucionais e sobretudo na constituição económica, teve a ver com a adesão de Portugal à CEE em 1986.

III - Integração Europeia. A questão da hipotética Constituição Económica Europeia

1. O Processo de Integração Europeia

Quando Portugal deu o primeiro passo para participar na Comunidade, o processo de integração Europeia levava já alguns anos de História:

1. Em 1950, assinou-se o Tratado de Paris que criou a CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço) tratou-se de um processo de integração económica que podemos caracterizar como “vertical”, uma vez que ficou circunscrito a dois sectores fundamentais. O grande objectivo deste tratado, era permtir a gestão em comum de sectores energéticos vitais para o arranque das economias, como eram o do carvão e do aço;

1 Passou a ser uma mera faculdade colocada à disposição do legislador ordinário,

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2. Em 1957, assinou-se o Tratado de Roma que constituíu a CEE (Comunidade Económica Europeia) aqui já podemos falar com alguma propriedade no primeiro processo importante de integração económica “horizontal”, registado a nível internacional. O Tratado abrange a generalidade dos sectores da economia (e já não meramente dois sectores energéticos) estabelecendo um conjunto de objectivos visando o desenvolvimento harmonioso dos Estados integrantes da comunidade, a estabilização das suas economias, a melhoria do nível de vida das respectivas populações e ainda o estreitamento das relações entre os diversos Estados. Para prosseguir tais objectivos de longo prazo, apontam-se dois objectivos mediatos (ambos presentes no art. 2 do Tratado):

a. Criação de um Mercado Comum;

b. Aproximação Progressiva das políticas Económicas dos Estados-membros e afirmação da liberdade de circulação de pessoas, bens, capitais e serviços;

Aula nº 5, 27/10/06

Implicações Jurídico-Económicas que decorrem dos objectivos Mediatos definidos pelo Tratado de Roma:

i. Criação de novas estruturas económicas, através da evolução dos mercados nacionais para um mercado comunitário;

ii. Limitação da Intervenção dos Estados na actividade económica, a qual foi aceite pelos mesmos sem grandes obstáculos;

iii. Utilização, pelas novas instituições comunitárias (supranacionais), de actos jurídicos com carácter vinculativo para os Estados-Membros, que se sobrepõem à actuação dos mesmos. Esta actividade jurídica das instituições comunitárias pretenderá ainda atingir, não só os Estados, como também directamente os seus cidadãos. Dirige-se também à esfera jurídica dos particulares e vem atribuir-lhes novos direitos;

Tal processo seria coroado pela actuação de Tribunais Supranacionais, com destaque para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, com competência para zelar pela correcta aplicação dos actos de Direito Comunitário (tanto originário, como derivado);

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O processo de Integração Europeia obdece a uma lógica funcionalista (é feito de pequenos passos) e tem como eixo inicial/central, o objectivo da criação do “Mercado Comum”.

Para tornar possível tal objectivo, registaram-se progressivas expansões das competências da Comunidade Europeia em matérias económicas (sendo a progressividade a justificar o epíteto de “funcionalista” atribuído a este percurso), sendo que, a evolução no sentido do aprofundamento da integração fez-se ao sabor de duas linhas-base de evolução:

1. A primeira, resulta directamente das alterações feitas ao Tratado Institutivo da CEE (Tratado de Roma de 1957):

a. A primeira alteração ao Tratado de Roma, aconteceu em 1987, com o chamado Acto Único Europeu. Este, veio introduzir um prazo específico para a realização das transformações conducentes à efectivação do Mercado Único Europeu (Mercado Comum), o qual deveria estar concluído em 31/12/1992.

O objectivo da criação do mercado, como referido, já se encontrava consagrado no Tratado. Por isso, o que o Acto Único Europeu veio fazer, foi apenas calendarizá-lo, criar uma dinâmica conducente à sua rápida concretização, prevendo, para o cumprimento de tal objectivo:

i. Alterações nos processos decisórios da Comunidade Europeia: as instituições passam a poder decidir em muitas matérias fundamentais para a relização do Mercado Único, por maioria qualificada, e não já apenas por unanimidade, como inicialmente se previa. Eliminando-se a necessidade da formação de consensos, acelerou-se também o processo de decisão;

b. Mais importante do que o Acto Único, foi, para o Prof. Luís Morais (que o qualifica como um segundo acto fundador da CE), a assinatura do Tratado de Mastricht (1992), que veio provocar várias alterações no Tratado de Roma, designadamente:

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i. Reformulou a Comunidade Europeia, introduzindo dois novos domínios de actuação na sua agenda de prioridades (dois novos pilares de integração comunitária, a juntar àquele que havia sido definido em 57 pelo Tratado de Roma). Foram eles: a política externa e de segurança comum (i) e a política de cooperação no domínio da Justiça e dos Assuntos Internos (ii).

Por conseguinte, passaram a ser três os Pilares da Comunidade Europeia e da Integração Comunitária:

Integração Económica (o pilar original); Política Externa e de Segurança Comum; Política de Cooperação no Domínio da Justiça e dos Assuntos Internos;

O núcleo fundamental da integração reside no objectivo da integração económica, o primeiro a ser gizado, logo pelo Tratado de Roma. Ao nível dos outros dois, registam-se processos de actuação de tipo intergovernamental, apontando mais para uma progressiva partilha de competências, do que para uma transferência stricto sensu das mesmas para entidades comunitárias.

ii. Assume o objectivo da criação de uma União Económica e Monetária, assunção essa resultante de uma alteração ao art. 2º do Tratado de Roma.

Nesse sentido, alargaram-se as competências de intervenção da Comunidade (ateração ao art. 3º do Tratado de Roma), por exemplo, com a confirmação da competência comunitária nos domínios da política comercial comum, da política comum de transportes, da política de concurrência, política social comum e de outras medidas comuns no domínio da energia…;

iii. Consagra o Princípio da Subsidiariedade (art. 5º do Tratado de Mastricth) , nos termos do qual, só deve ser decidido pelas instituições comunitárias, aquilo que os patamares de poder mais próximos das popluações (os poderes Estaduais) não possam decidir de forma mais célere/eficiente. Assim sendo, o princípio é uma espécie de moeda de troca que os Estados exigiram, por abdicarem de muitas das suas

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competências e poderes clássicos, em favor da Comunidade.

Todavia, ele não põe em causa a realização da União Económica e Monetária, etapa de integração económica mais aprofundada que a construção de um Mercado Comum firmada claramente como objectivo da UE com o T. de Mastricth.

c. O Tratado de Roma foi ainda sujeito a algumas alterações posteriores ao T. de Mastricht, essencialmente devido aos Tratados de Amesterdão (1997) e de Nice (2000).

As principais alterações devem-se à nova redacção do art. 4º do Tratado de Roma – passou a definir os princípios da organização económica comunitária prevendo finalidades que os Estados deveriam observar na condução da sua política económica (é a afirmação do conceito de “política económica para fins comuns”).

O Prof. Luís Morais, ao contrário de outros sectores da doutrina, realça que o art. 4 passa a prever que as políticas económicas dos Estados devam ser conduzidas de acordo com os princípios de uma economia de mercado aberta e da livre concurrência. Neste ponto, encontra já o Professor uma linha orientadora da Constituição Económica dos Estados.

2. A segunda, da actuação dos órgãos jurisdicionais da Comunidade, os quais, faziam uma interpretação extensiva das atribuições e competências da Comunidade e das suas instituições, previstas nas normas do Tratato.

Considerações Específicas sobre a União Económica e Monetária

Trata-se, como foi dito, de uma etapa mais avançada do processo de integração económica de várias economias, que foi firmada como objectivo da UE em 1992, através do Tratado de Mastricht.

Começou pela adapatação e ajustamento recíproco das economias nacionais (aproximação dos níveis de desenvolvimento dos vários países, procurando-se chegar a uma plataforma de coesão mínima que permitisse

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suportar o funcionamento da união económica e monetária) e teve como última fase a transferência das competências monetárias dos Estados para instâncias comunitárias – mais concretamente, para o BCE, que conduz a política monetária e se encontra no topo do Sistema Europeu de Bancos Centrais. Nessa linha, tanto a fixação das taxas de juro, como a emissão de moeda, passaram a ser assuntos da sua competência própria.

Também há que fazer a necessária destrinça, entre dois conceitos que encerram significados diversos: União Económica e União Monetária.

A primeira, traduz-se num aprofundamento do processo de integração e coordenação das políticas económicas dos Estados-Membros, designadamente, das políticas orçamentais, que são articuladas entre os vários países que compõem a União, supervisionadas pelos órgãos comunitários, mas executadas a nível nacional, pelas Autoridades Estaduais.

Quanto à união monetária, o que está em causa, é uma moeda única e uma Autoridade Central de controlo monetário comum a todos os Estados, figurando no caso concreto, no topo de um Sistema Europeu de Bancos Centrais, e exercendo as funções que antes eram desempenhadas pelas Autoridades Nacionais (cunhar moeda e controlar o seu valor, fixar as taxas de juro, controlar a inflação…).

A união económica antecede a união monetária. A transição para esta etapa, fez-se em função do cumprimento de certos requisitos de integração económica (designadamente, a compatibilização dos níveis de desenvolvimento das diversas economias nacionais). Os Estados que foram convidados a participar nela, tinham de:

Ter estabilidade cambial nos anos que antecedessem a união monetária;

Respeitar certos patamares na taxa de inflação, no déficit orçamental e na dívida pública (contabilizada em percentagem do PIB) – é nesse sentido que surge o PEC (programa de estabilidade e crescimento), definindo objectivos em matéria de política orçamental e financeira.

2. A questão da Hipotética Constituição Económica Europeia

Face aos avanços do processo de integração europeia, a doutrina actual tem discutido apaixonadamente, a questão de saber se existe ou não, neste

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momento, uma Constituição Económica Europeia em sentido material, coexistindo e interagindo com as Constituições Económicas Nacionais.

A posição do Prof. Luís Morais, pode resumir-se essencialmente ao seguinte:

Inicialmente, apesar de já estar gizada em termos gerais, não existia ainda uma Constituição Económica devidamente estruturada, uma verdadeira Constituição Económica Europeia (isto, apesar de alguns autores admitirem que no ponto inicial da integração económica ela já se manifestava);

Tratava-se apenas, no entender do Prof. Luís Morais, de uma Constituição Económica embrionária, assente em princípios de liberalização da actividade Económica e libertando a intervenção do Estado na Economia (dado que, logo na sua origem, o Tratado de Roma integra princípios que promovem a concurrência). Apesar da falta da devida estruturação, não será difícil aqui reconhecer a inclinação para um modelo de organização económica liberal.

O passo decisivo para a criação de uma verdadeira Constituição económica, resultou da jurisprudência Comunitária: os Tribunais comunitários fizeram interpretação evolutiva das normas de Direito Comunitário, no sentido do aprofundamento de uma Comunidade Jurídica que suporte a integração económica. Como passos/vectores fundamentais desta Jurisprudência, temos os seguintes:

Afirmação do princípio do efeito directo do Direito Comunitário – o Direito comunitário confere direitos aos cidadãos da comunidade, que podem ser invocados por eles nas jurisdições nacionais (este princípio não estava explicitamente previsto nas normas do Tratado de Roma);

Afirmação do princípio do primado do Direito Comunitário mesmo face a normas nacionais posteriores ou com carácter constitucional;

Participação das instituições judiciárias nacionais, num sistema judiciário único – naturalmente ainda muito limitado: a eficácia das decisões do Tribunal de Justiça

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das Comunidades Europeias ainda é algo limitada, mas a sua jurisprudência é importante e tem apontado para a integração dos Estados numa Comunidade Jurídica, no topo da qual ele próprio figuraria.

Feita esta evolução, para o prof. Luís Morais, agora é possível falar-se verdadeiramente numa Constituição Económica Europeia em sentido material, que coexiste com as Constituições Económicas Nacionais e na maior parte das situações se sobrepõe a elas.

Motivos que justificam tal afirmação:

De todo o corpo jurídico referente às liberdades do mercado comunitário (inlcuindo da jurisprudência), resulta a afirmação de uma Constituição económica Comunitária;

Do princípio da economia de mercado – afirmado no art. 4º do Tratado de Roma – e do princípio da netutralidade – consagrado no art. 295, norma materialmente constitucional – decorre a ideia de que, em princípio, os Estados são livres de determinar a existência da vários sectores de propriedade dos meios de produção, inclusivamente o sector público empresarial, determinando também qual deverá ser a sua dimensão;

Existe uma transferência de competências, dos Estados para o Aparelho Comunitário, no que diz respeito à política monetária;

Aula nº 6, 30/10/06

IV - Estrutura de Propriedade dos Meios de Produção

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1. Perspectiva Geral

Quadro Sinóptico (leitura no sentido indicado pela seta )

Sectores de Produção Meios de ProduçãoSujeitos (titularidade

dos meios de produção)

Sector Público (art. 82/2 CRP)

Propriedade e gestão de…

Estado ou outras entidades públicas

Sector Privado(art. 82/3 CRP)

Propriedade ou Gestão de…

Pessoas Privadas: Singulares Colectivas

Sector Cooperativo e Social

(art. 82/4 da CRP)

a) Posse e gestão de…

b) Posse e gestão de…

c) Posse e gestão de…

d)Exploração Colectiva de…

(i) cooperativas

(ii) comunidades locais (baldios)

(iii) pessoas colectivas sem carácter lucrativo

(iv) trabalhadores em auto-gestão

A designação “sectores de propriedade dos meios de produção”, que surge em diversos pontos da Lei Fundamental de 1976, inclusivamente como limite material de revisão constitucional, é criticada por vários sectores da doutrina. Na verdade, não se pretende atender à produção da actividade económica (elencada nos três “clássicos” sectores de produção: primário, secundário e terciário), mas sim à titularidade dos meios de produção – o conceito responde às perguntas: Como é que está organizada a economia? Quem tem a propriedade e/ou gestão dos meios de produção?

Neste sentido, por meios de produção deve entender-se, o conjunto de bens e unidades de produção que facultam a obtenção de novos bens.

Por outro lado, em termos teóricos, costuma apontar-se três vias ou três modelos de organização económica, os quais estão intimamente ligados à ideologia político-económica dominante nos Estados que as adoptem:

Constituições Liberais – consagram a absolutização do valor da propriedade privada;

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Constituições colectivistas – proclamam a abolição total da propriedade privada e a sua substituição pela propriedade pública;

Constituições Intermédias – tal como a CRP de 1976, assentam no compromisso entre a propriedade e pivada e a sua defesa, por um lado, e o papel relevante do sector público, por outro;

2. Análise da Estrutura Económica Portuguesa à luz da redacção actual da CRP de 1976

Assenta num princípio bazilar – o da coexistência dos três sectores de propriedade dos meios de produção (público, privado e cooperativo), proclamado pelo art. 80 b) e protegido enquanto limite material de revisão constitucional (art. 288 f)). O art. 82/1 também assegura essa coexistência, funcionando como um típica garantia institucional:

Não garante a existência ou permanência de cada empresa em cada sector (uma empresa pode estar em certo momento no domínio do sector público e ser posteriormente privatizada sem que, deste perceito, de per si, decorra, em princípio, qualquer objecção);

Não garante nem assegura qualquer delimitação entre os sectores;

Mas garante a existência de todos e cada um dos sectores sendo que, nenhum deles pode ser eliminado ou abolido;

A definição dos sectores de propriedade dos meios de produção, foi feita lançando mão de um critério jurídico, mas a delimitação entre eles resulta de um critério misto, que apela a dois elementos distintos:

Titularidade (propriedade formal dos meios de produção); Gestão (enquanto poder de direcção de um determinada unidade

económica);

Destes critérios, decorrem as caracterizações/definições de cada um dos sectores empregues na Constituição Económica Portuguesa:

Sector Público – quando o sujeito é o Estado ou outra entidade pública, detendo a propriedade e a gestão de uma determinada unidade económica;

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Sector Privado – quando uma unidade económica é detida ou apenas gerida por privados. Nesta linha, podem existir bens de propriedade pública que se considerem integrantes do sector privado, pelo simples facto de serem geridos por pessoas privadas. Por outro lado, um bem de propriedade privada gerido por cooperativas, passa a integrar formalmente o sector cooperativo;

Sector Cooperativo e Social – tem um carácter residual juntando entidades distintas: cooperativas, baldios, pessoas colectivas sem carácter lucrativo e trabalhadores em auto-gestão;

A garantia institucional dos três sectores de propriedade dos meios de produção, implica outra garantia constitucional – a das três formas de iniciativa económica: iniciativa pública, iniciativa privada e iniciativa cooperativa.

No que concerne à primeira, será o Estado a tomar a iniciativa. Não tem qualquer limite ou sector da actividade económica que lhe esteja vedado, salvo duas excepções:

Deve respeitar os outros sectores de propriedade dos meios de produção, não os pondendo prejudicar, conforme decorre do art. 82/1 CRP;

Deve ser desenvolvido no âmbito das incumbências gerais do Estado – art. 80 d), 2ª parte;

A iniciativa privada encontra-se enquadradada – pela Constituição (art. 61/1), pela lei e pelo interesse geral – e, portanto, longe da margem absoluta de liberdade que lhe costumam conceder as Constituições Liberais. Esse enquadramento, fica a dever-se à circunstância de haverem espaços da actividade económica que lhe estão constitucionalmente vedados (art. 86/3), podendo ser também vedados ao investimento estrangeiro (art. 87, se bem que este preceito tenha de ser interpretado em face das disposições do Tratado de Roma).

Finalmente, relativamente à inciativa cooperativa, prevista no art. 61/2, aplicam-se-lhe os princípios cooperativos do Movimento Cooperativo Internacional, consagrados nos Congressos de Paris/1937, Viena/1966 e Manchester.

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3. Sector Privado

A análise do sector privado de propriedade dos meios de produção terá de partir de dois elementos fundamentais:

a. O Direito de Propriedade Privada;b. A Livre iniciativa económica Privada;

A – Direito de Propriedade Privada

Inserção

Está previsto no art. 62/1 da CRP e tendo em conta a sua localização, poderão infirmar-se as seguintes conclusões:

Não está garantido/contemplado entre os Direitos, Liberdades e Garantias;

Encontra-se consagrado entre os Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais (mais precisamente, no trecho relativo aos Direitos e Deveres Económicos – arts. 58 e ss’s);

Ainda assim, a doutrina defende que o regime jurídico do direito de propriedade deverá ser análogo ao definido para os Direitos Fundamentais (art. 17), ou seja, é um Direito Fundamental de natureza análoga àqueles a que se refere este preceito constitucional. Perfilhar esta posição significa desde logo, admitir que também lhe seja aplicado o Regime de restrição aos Direitos Fundamentais previsto no art. 18/2, restrição essa que deverá sempre ser vista à luz do princípio da proporcionalidade.

A apropriação privada dos meios de produção, contempla o mínimo de absolutismo e de exclusivismo, apesar de não estarmos diante de um Texto Constitucional de matriz Liberal, e explica-se através das suas quatro componentes fundamentais: o direito de adquirir bens, o direito de usar e fruír esses bens, a liberdade de transmissão intervivus ou mortis causa, o direito de não se ser privado da propriedade.

Garantia Constitucional da Propriedade Privada

Pode falar-se numa dupla garantia, dado que a Constituição:

Assegura o direito de apropriação individual:

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Ou garante a existência e disponibilidade da propriedade (art. 62/1);

Ou garante o valor da propriedade, em caso da nacionalização ou expropriação (art. 62/2);

Impõe limites ao legislador ordinário, o qual não pode pôr em causa o instituto da propriedade privada (art. 62);

Limites da Propriedade Privada:

Há bens que não são susceptíveis de apropriação privada – são os bens do domínio público, enunciados no art. 84 CRP;

Recai sobre os particulares um dever geral de uso, relativamente aos meios de produção de que são proprietários – o meio de produção deverá ser usado, desempenhar uma função económica, conforme decorre do que se dispõe no art. 88/1 CRP;

Limites imanentes à função social, os quais se traduzem na possibilidade de expropriação e requisição (art. 62/2 – ambas só se podem realizar com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização),

Limites decorrentes da apropriação pública dos meios de produção (art. 83 CRP) – os meios de produção podem ser apropriados pelo Estado (nacionalizações);

B – Livre Iniciativa Económica Privada

A liberdade de iniciativa económica privada encontra-se prevista no art. 61/1 da CRP. Traduz-se na possibilidade de exercer livremente uma actividade económica privada e tem duas componentes:

Liberdade de aceder a uma actividade produtiva (liberdade de entrada);

Liberdade de exercer uma actividade produtiva (liberdade de gerir, de contratar…);

Nem o direito de propriedade nem a liberdade de iniciativa económica privada são princípios da organização económica; constituem antes

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direitos, que qualquer sujeito pode invocar ou exigir que lhe sejam reconhecidos.

Limites ou Restrições:

Enquadramento Constitucional, legal e pelo interesse geral – embora a regra seja a liberdade de acesso à actividade económica, ao contrário daquilo que se passava na vigência da Constituição de 1933;

O facto de haver liberdade de acesso à actividade económica, não significa que ela não seja regulamentada. Existem diversas áreas onde os privados podem entrar, mas têm sempre de respeitar determinadas regras definidas pelo Direito de Regulação. Exemplos :

Regime de acesso à actividade industrial – prevê o licenciamento industrial com duas componentes:

Prévia autorização a conceder pela Administração Pública;

Sujeição do privado a uma ficalização administrativa; Regime de acesso à actividade comercial; Regime de constituição e funcionamento das instituições de

crédito; Regime de acesso à actividade seguradora;

Que consequências isto acarreta?

Não se limita o acesso à liberdade económica privada, mas limita-se o seu exercício concreto;

Existem sectores da actividade económica vedados à iniciativa privada (alguns autores preferem falar em “Reserva a favor do sector público”):

Até à RC de 1997, a Lei Fundamental impunha que certos sectores da actividade económica fossem vedados à iniciativa privada. A matéria era desenvolvida e regulada pela Lei nº 46/77, de 8 de Julho, a qual vedava, à iniciativa privada, concretamente, os seguintes sectores:

Actividade bancária e seguradora; Actividades económicas em áreas significativas como a energia

elétrica, o gás, a água, correios, transportes públicos…); Indústrias de Base (exº armamentos, petróleo, petroquímica,

siderurgia, cimentos, adubos…);

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Indústrias de Base fiscal (tabaco e fósforos);

Depois a promulgação desta lei, o legislador ordinário, tentou várias vezes possibilitar que certos sectores fossem devolvidos à iniciativa privada. Tal sucedeu especialmente desde o início dos anos 80, mas, todas as leis que continham tal pretenção, acabavam por esbarrar no Conselho da Revolução (órgão de composição militar destinado a zelar pela aplicação do programa do MFA e incumbido da fiscalização da constitucionalidade) o qual as declarava sistematicamente inconstitucionais.

Em 1983 (extinto que fora o Conselho da Revolução com a RC 1982, e tendo as suas competências de controlo da constitucionalidade sido trasnferidas para um Tribunal Constitucional), registou-se a primeira tentativa com sucesso de flexibilização do regime de vedação de sectores à iniciativa privada: deixaram de estar reservados ao sector público a Banca, os Seguros e as Indústrias Adubeira e Cimenteira.

Foi suscitada a inconstitucionalidade do diploma legal que plasmava tal alteração, mas o TC, através do Acórdão nº 25/85, invocando a RC 1982, vem considerar que a CRP não continha nenhum princípio de irreversibilidade a favor do sector público (ou seja, não tinha nenhum princípio que obrigasse a que, tudo o que tivesse estado reservado ao sector público, não pudesse deixar de estar). Como o Acórdão nº 186/88 o TC vem reforçar esta ideia, afirmando que cabe ao legislador ordinário uma grande margem de regulação e conformação do dispositivo constitucional que impunha a reserva de sector público, podendo sempre permitir privatizações em todos os sectores não contemplados em tal dispositivo (mesmo que já o tivessem estado).

A CRP, no seu art. 82/4, prevê critérios de delimitação dos sectores de propriedade dos meios de produção. Exige-se, como parâmetro para a integração no sector público, a propriedade e gestão de uma unidade económica por entidades públicas, enquanto que, para que a mesma se considerasse incluída no sector privado, bastaria ser gerida por pessoas singulares ou colectivas privadas (a mera transferência da gestão para privados, já é considerada como privatização).

Aula nº 7, 03/11/06

4. Sector Cooperativo ou Social

Contempla quatro subsectores:

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Sector cooperativo em sentido estrito;

Meios de produção Comunitários – possuídas e geridas por comunidades locais (organizações espontâneas da população, que têm nos baldios a sua principal expressão);

Processo de auto-gestão das unidades produtivas pelos trabalhadores;

Propriedades geridas por pessoas colectivas sem carácter lucrativo, embora não necessariamente detidas por elas – têm por objectivido a solidariedade social;

O sector encontra-se previsto no art.82/4 a) CRP e merece protecção e estímulo por parte do legislador constitucional e que é especialmente valorizado e privilegiado na Constituição Económica. Trata-se de uma forma de organização económica que não dirigida ao lucro (sendo que, até actualmente, a Constituição Económica continua a valorar mais positivamente as actividades não dirigidas ao lucro), mas que, em contrapartida, não apresenta os inconvenientes associados à intervenção pública na economia – não estão em causa as desvantagens de eficiência económica associadoas à intervenção do sector pública na economia.

É especialmente adequado para permitir a intervenção na actividade económica a grupos de pessoas que teriam mais dificuldades em fazê-lo a partir de outros sectores. A doutrina fala mesmo num modelo Constitucional de estímulo ao Sector Cooperativo.

As Cooperativas podem entroncam na vida sócio-económica, de três modos distintos:

Surgindo de forma espontânea;

Sendo obrigatórios – e aqui um dos exemplos mais impressivos que se pode encontrar, é, de certo modo, o que se passava na vigência da Constituição de 1933 com o Estado Corporativo;

Sendo objecto de fomento público – o Estado e as entidades públicas têm obrigação de apoiá-las a várias dimensões:

o No art. 85/1 da CRP, está presente o princípio geral da obrigação do Estado dever apoiar o sector cooperativo;

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o No art. 85/2 da CRP, prevê-se a atribuição de benefícios fiscais ao sector coopertativo, bem como, de condições mais favoráveis na obtenção de crédito – estão em causa benefícios fiscais de grande relevo económico, que concretizam a ideia de um Estado Fiscal Cooperativo;

o Conjugando-se a leitura do art. 86/3 com a do 85/1 da CRP, pode chegar-se à conclusão de que, a interpretação mais correcta do princípio da vedação de certos sectores da actividade económica à iniciativa privada, plasmado no primeiro preceito constitucional, não se aplica ao sector cooperativo;

Todavia, este ponto não é totalmente unânime: alguns sectores da doutrina, onde se insere o Prof. Paz Ferreira, defendem que embora se possa considerar como ponto de partida esta ideia geral, o art. 86/3 também faculta ao legislador ordinário a possibilidade de, a qualquer momento, estabelecer vedações da actividade económica ao sector cooperativo; diversamente, o Prof. Luís Morais, não parece inclinado a aceitar essa ideia, e afirma mesmo que, só em situações muito excepcionais, tal poderia acontecer.

Análise de alguns preceitos Constitucionais sobre o Sector Cooperativo:

O art. 61/2 reconhece a todos os cidadãos o direito de constituírem livremente cooperativas, desde que se respeitem os princípios cooperativos. É um preceito marcado por um maior nível de formalismo técnico-jurídico do que aquele que prevê a liberdade de iniciativa privada – esta faz-lhe grandes restrições para salvaguarda do interesse geral, o que não acontece ao nível do tratamento Constitucional do Sector Cooperativo;

O Prof. Luís Morais, assim como a maioria da doutrina, presumem que, o mero respeito pelos princípios cooperativos, implica que já esteja assegurado o interesse geral – ou seja, ao nível do sector cooperativo, a condição que se coloca para assegurar o interesse geral resume-se ao mero respeito pelos princípios cooperativos, não se registando qualquer outro tipo de limitação.

O mesmo preceito constitucional não refere, todavia, quais são os princípios cooperativos. Por isso, nesta omissão, entende-se que há uma remissão para os princípios definidos pelo Movimento Cooperativo Internacional, tal como estejam em cada

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momento consolidados (por outras palavras, em cada momento, os princípios cooperativos que constrangem o Sector Cooperativo, são os que estejam em vigor e que tenham sido definidos pelo Movimento Cooperativo Internacional, onde avulta a acção da Aliança Cooperativa Internacional, órgão internacional de representação de cooperativas). Actualmente, estes princípios são os aprovados pelo Congresso de Manchester em 1995;

O art. 61/3 fala na possibilidade de constituição de associações dentro do próprio Sector Cooperativo;

A liberdade do sector cooperativo não significa porém, que a sua actividade não tenha de estar normativamente enquadrada pelo Estado. Este enquadramento é feito:

Pelo Código Cooperativo de 1996; Pelo Estatuto Fiscal Cooperativo presente na Lei nº 85/98, de 16

de Dezembro, o qual concretiza o art. 85/2 da CRP (em matéria de benefícios fiscais a atribuir às cooperativas);

Princípios Cooperativos

O Código Cooperativo, no seu art. 36, prevê e caracteriza os princípios cooperativos fazendo uma remissão directa para os princípios do Movimento Cooperativo Internacional consagrados no Congresso de Manchester, a saber:

Princípio da Liberdade de adesão – todas as entidades podem aderir a cooperativas, o que resulta numa extensa variedade de constituição de cooperativas e impossibilidade haver qualquer tipo de descriminação;

Princípio da Democracia Interna das Cooperativas – postual que os seus órgãos sociais internos devam ser eleitos através de um processo democrático, que faculte direito de voto e a mesma expressão (eleitoral) a todos os membros constituintes da Cooperativa. Afirma-se aqui a necessidade de uma profunda diferença relativamente a outras organizações jurídicas funcionalizadas à obtenção de lucro, designadamente as sociedades comerciais, em que a participação dos sócios na vida da empresa se faz em função da participação no respectivo capital (existem diferenças na representatividade dos sócios nos órgãos sociais).

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Tal máxima, deve aplicar-se, pelo menos, nas cooperativas de 1º grau – aquelas que não resultam da união de outras cooperativas - . É a velha ideia já presente na Democracia Política: um Homem, um voto;

Princípio da participação económica dos membros da cooperativa – participação equitativa, de acordo com a respectiva capacidade económica e mediante o recebimento de uma remuneração limitada;

Autonomia e Independência da Cooperativa. Esta, deve ser assegurada em todos os casos – mesmo que se verifiquem acordos com outras entidades, designadamente entidades que visem a prossecução do lucro – e tem que ver com a necessidade de se garantirem as finalidade próprias das Cooperativas e de impedir que elas sejam “deturpadas” ou “prevertidas”;

Promoção da Educação, Formação e Informação, independentemente dos ramos da actividade económica em que a cooperativa esteja a operar;

Desenvolvimento e colaboração/interacção de cada cooperativa com outras entidades cooperativas à escala nacional e internacional;

Princípio do interesse pela comunidade. As cooperativas têm de prosseguir fins de interesse comunitário, de interesse global, e têm também de ter um envolvimento com a comunidade;

Ainda assim, poderá haver fraude à lei, isto é, utilização intencional do Estatuto cooperativo e dos benefícios que este permite, para prosseguir actividades económicas que visem o lucro e, portanto, não sejam materialmente cooperativas.

Faculdade de Associação das Cooperativas

A faculdade de livre associação das cooperativas, reconhecida pelo art. 61/3 CRP, dá origem à formação de novos tipos de cooperativas, as quais podem assumir uma das seguintes dimensões:

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Associação de várias cooperativas de primeiro grau – originando Cooperativas de segundo grau;

Associação de cooperativas de primeiro grau com outras pessoas colectivas de Direito Público – originando Cooperativas Mistas;

Associação de cooperativas com pessoas colectivas de Direito Privado – originando Cooperativas Mistas;2

Todas mantêm o estatuto cooperativo, sendo que, nas últimas duas, isso apenas acontece se o sector cooperativo for maioritário na nova entidade.

Aula nº 8, 06/11/06

Regime Jurídico das Cooperativas – Modelo Constitucional de Cooperativismo Estimulado

No entender do Prof. Luís Morais, temos, em Portugal, um Modelo Constitucional de Cooperativismo Estimulado. Assim sendo, o Regime Jurídico do Sector Cooperativo, caracterizar-se-á pelas seguintes linhas fundamentais:

Aplicação às cooperativas do Código das Sociedades Comerciais, como Direito subsidiário, conforme decorre do que se dispõe no art. 9º do Cód. Cooperativo. Este preceito legal destaca a importância dos princípios cooperativos na medida em que, a aplicação subsidiária do Código das Sociedades Comerciais, apenas terá lugar, nos pontos em que isso não implique contrariar os princípios cooperativos;

As entidades privadas que, embora assumindo o estatuto cooperativo e a forma cooperativa, não respeitem os princípios cooperativos e, substantivamente, desenvolvam uma actividade empresarial prosseguindo o lucro, devem ser reconduzidas ao regime das Sociedades Irregulares – um tipo de sociedades sui generis. O acórdão 321/89 do TC equaciona estes princípios de estabelecimento de linhas fundamentais de diferenciação entre as verdadeiras cooperativas e as empresas que se afirmem como tal, para obter benefícios fiscais.

O próprio Cód. Cooperativo tem várias normas de protecção/salvaguarda contra falsas cooperativas (entidades nominalmente com forma

2 Não será possível, a partir dessa associação, fazer uma outra cooperativa que esteja vinculada aos princípios cooperativos e beneficie das facilidades fiscais concedidas a este sector.

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cooperativa, mas que prosseguem outras finalidades que não as finalidades cooperativas)

o O art. 14/2 3 determina que os benefícios fiscais constitucionalmente previstos, sejam apenas para as cooperativas. O uso indevido da qualificação de cooperativa para os obter, implica responsabilidade civil;

o O art. 77 inclui entre as causas de dissolução de cooperativas, o recurso indevido à forma cooperativa, para se obterem benefícios fiscais;

o O art. 80 determina a nulidade do acto de transformação de uma cooperativa em qualquer tipo de sociedade comercial e a nulidade de todos os actos que procurem iludir esta disposição legal. A ratio legis do regime vertido neste preceito, é, na realidade, simples de descortinar: o que se pretende é salvaguardar um traço estruturante do regime cooperativo – o carácter não lucrativo das cooperativas – dado que, se não fossem nulos os actos de transformação de cooperativas em sociedades comerciais, os excedentes da cooperativa, já depois de transformada em sociedade, poderiam vir depois a ser distribuídos pelos sócios, contrariando a ideia de não apropriação individual da riqueza/não prossecução do lucro.4

Estatuto Fiscal Cooperativo (Lei nº 85/98, de 17 de Dezembro)

O Estatuto Fiscal Cooperativo, dá concretização à norma constitucional que prevê a atribuição de benefícios fiscais a cooperativas, contemplando a isenção de IRC para certas cooperativas em certos ramos da actividade económica (v. arts. 13/1 e 13/2 da Lei nº 85/98, de 17 de Dezembro – Estatuto Fiscal Cooperativo).

5. Sector Público

Aspectos Introdutórios

a) Sector Público em Portugal

3 Todos os preceitos legais citados neste ponto são do Código Cooperativo.4 Se assim não fosse, todo o processo produtivo se poderia desenrrolar através de cooperativa – para se ter acesso aos benefícios fiscais – e chegada a hora de repartição dos excedentes, a mesma seria transformada em sociedade comercial, para que essa repartição fosse possível.

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Independentemente de todas as alteraçõs da Constituição Económica – feitas no sentido de diminuir o carácter socializante da mesma – ainda hoje, nos termos do art. 80 da CRP, o Sector Público é um sector garantido, de existência necessária. A CRP já não garante uma determinada dimensão do sector público (como o fazia quando estava em vigor a norma que plasmava o princípio da irreversibilidade das Nacionalizações), mas garante a sua existência em face dos outros dois.

Por outra palavras, actualmente, a Lei Fundamental é neutra quanto à dimensão a assumir pelo sector público – deixando espaço de conformação ao legislador ordinário e aos decisores políticos que em cada momento estejam em funções, no exercício das suas convicções ideológico-programáticas -, mas não é neutra quanto à necessidade de existência de um sector público produtivo – aquele que contempla um conjunto de unidades empresariais e de outras entidades com intervenção no processo produtivo.

Porém, não será de falar da garantia de existência do Sector Público enquanto resquício da feição socialziante já assumida pela CRP de 76, mas antes como um traço que segue aquilo que é comum a muitas Constituições Modernas e em vigor no âmbito de Economias Mistas. Ou seja, a existência do sector público produtivo, com um mínimo de conteúdo útil, não é, de modo nenhum, um particularismo da CRP, é um traço comum a outros textos Constitucionais de outros países da UE, embora em todos eles se verifique também uma tendência para a redução do referido sector público, devido a múltiplas privatizações empresariais que foram ocorrendo.

b) Sector Público na realidade da UE

O art. 295 do Tratado de Roma deixa ao critério dos Estados-Membros da União Europeia, a decisão de haver ou não um sector público empresarial a funcionar no seu seio, embora a tendência se tenha manifestado no sentido da diminuição do mesmo (conforme já foi dito), ou, pelo menos, da sua reformulação. Mas esta permissão genérica de existência de sector público empresarial, com liberdade de decisão dos Estados no domínio da sua conformação, há de conjugar-se com o conteúdo do art. 86/1 do mesmo Tratado, o qual revela uma preocupação com a sujeição global das Empresas dos Estados-membros ao Direito da Concurrência, proibindo-os de ter algum tipo de relação especial com as referidas empresas que as privilegie ou subtraia a este conjunto normativo.

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Aquilo que sucede é que o Estado tem de relacionar-se com as Empresas Públicas como o faz com as Privadas – leia-se, adoptando uma atitude de neutralidade – o que limita claramente o papel das Empresas Públicas enquanto elementos de intervenção Estadual na actividade económica.

A excepção a este princípio geral está presente no art. 86/2 do Tratado (que, portando, derroga o art. 86/1), o qual se refere às empresas encarregues de serviços de interesse económica geral (essencialmente trata-se de missões de serviço público) e às empresas que constituam monopólios do Estado.

Finalmente, saliente-se que o Direito Comunitário também se preocupa com o regime das relações financeiras entre o Estado e as Empresas Públicas, o qual é definido pela Directiva nº 80/723 CEE, de tal modo que os Estados são obrigados a dar contas de todo o apoio financeiro que concedem às Empresas por si detidas – é um Regime de transparência das Relações Financeiras, que visa garantir a neutralidade do Estado (v. supra e art. 86/1) implicando, necessariamente, uma reformulação do papel das Empresas Públicas na Economia.

Sector Público Empresarial Português

Não é uma realidade especificamente criada pela CRP e resultante do processo de nacionalizações empreendido nos anos 74/75: já existia, nomeadamente fruto de Empresas Públicas resultantes de concessões de sector público, as quais criavam muitas vezes outras empresas para flexibilizar a actividade Estadual em certos sectores (como foi o caso das OGMA).

O fim do Estado Novo dá lugar a um período de formação de um importante sector público empresarial. Essencialmente após o 11 de Setembro de 1975, com a evolução socializante da economia, tem lugar um amplo conjunto de nacionalizações, que são, efectivamente, apesar de não a única, uma das mais importantes “fontes” do actual Sector Público Empresarial.A técnica jurídica seguida pelo Estado para as nacionalizações foi linear. O DL 132-A/75, de 14 de Março, sobre nacionalização das instituições de crédito é ainda um exemplo pragmático nesse domínio. Os elementos principais dessa ténica jurídica foram os seguintes:

imediata transmissão de acções para o Estado; imediata dissolução da administração da empresa e criação de

uma comissão para o efeito;

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precisão no sentido do reembolso dos accionistas;

A generalidade dos actos de Nacionalização ocorreu em 1975. Eles estão profundamente associados à ruptura revolucionária do ano anterior, e vêm depois a ser protegidos pelo texto original da CRP (princípio da irreversibilidade das nacionalizações), que ainda actualmente permite nacionalizações futuras de empresas privadas sendo essa matéria uma competência da AR (situa-se no domínio da sua reserva relativa de competência v. art. 165 CRP);

Mesmo assim, desde esse período, não se verificaram novas nacionalizações, tendo a doutrina actual discutido a questão da competência para as fazer (se essa competência é exclusiva da AR ou se também poderá ser do Governo). A maioria da doutrina entende porém que, na falta de regime genérico promanado pela AR, o Governo carece de competência para o fazer (leitura presente no Parecer nº 3/80 da Comissão Constitucional).

Composição Actual do Sector Empresarial Público Português

Essencialmente associado às nacionalizações de 1975, o sector Empresarial Público Português, conhece um processo de evolução desenvolvido em duas fases distintas:

1. Nacionalizações (1975) – embora fossem depois protegidas pela versão original da CRP de 76;

2. Organização e Institucionalização das Empresas Públicas – na maioria dos casos, os diplomas que procederam à nacionalização, não criaram logo sociedades comerciais de capital inteiramente público e foi só depois de 1976 que tal veio a acontecer. As empresas nacionalizadas deram lugar a novas pessoas colectivas de direito público.

Dentro desta grande fase, poderemos apontar as seguintes sub-fases:

a. 1ª subfase – institucionalização das Empresas Públicas, a partir das Empresas Nacionalizadas;

b. 2ª subfase – a partir de 1995: reorganização das Empresas Públicas com um novo Regime Jurídico do sector empresarial público;

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c. 3ª subfase – restruturação e reprivatização de Empresas Públicas;

Aula nº 9, 10/11/06

1- PROCESSO DE EVOLUÇÃO DO SECTOR PÚBLICO EMPRESARIAL PORTUGUÊS – 1ª FASE (as nacionalizações)

A primeira fase do processo de evolução do Sector Empresarial Público Português – o das nacionalizações – levanta dois problemas que serão objecto de análise seguidamente:

a) Clarificação do conceito técnico-jurídico de nacionalização e establecimento de uma linha de fronteira com outras categorias jurídicas similares;

b) Regime da indemnizações por Nacionalização;

A – CLARIFICAÇÃO DO CONCEITO TÉCNICO-JURÍDICO DE NACIONALIZAÇÃO …

Como sucede em muitos conceitos do direito da economia, o conceito de nacionalização, tem uma origem política muito vincada, tendo passado depois por um amplo processo de juridicização – leia-se de densificação e concretização pelo Direito.

É uma categoria jurídica cujo significado exacto não é fácil de delimitar. No entanto, devem, no entender do Prof. Luís Morais, evitar-se noções demasiado amplas de “Nacionalização” – como são propostas por alguns autores, as quais incluem mesmo, em certos casos, a presença activa do Estado em determinados sectores da Economia – as quais, em nada facilitam a exacta concretização do conteúdo essencial do conceito.

Avança-se com algumas das suas características fundamentais/elementos caracterizadores:

A Nacionalização caracteriza-se por ser uma operação que se realiza por via coactiva. Entre nós, por acto legislativo. Assim sendo, verifica-se automaticamente a transferência da

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propriedade, das mãos do privado, para o Estado (por força de lei);

A Nacionalização implica sempre, em sede de Direito Nacional – e este é um particularismo da OJ portuguesa – uma transferência da propriedade e da gestão dos bens, de entidades privadas para entidades públicas;

É um conceito de origem política. É motivada por opções gerais de política económica de um determinado Estado, não estando em causa a gestão de meros interesses públicos correntes;

Estes elementos, não são mais do que um ponto de partida para a delimitação entre a “nacionalização” e outras figuras jurídicas similares ou afins.

i. Nacionalização x Expropriação por utilidade pública

A expropriação por utilidade pública é a categoria jurídica que coloca mais dificuldades ao nível da sua distinção com o conceito de nacionalização. Ela surge definida, na nossa ordem jurídica, com alguma latitude, mais até do que noutros sistemas.

Atente-se ao seguinte quadro de diferenciação:

Nacionalização Expropriação por utilidade pública

Motivações de política económica geral;

Motivações Casuísticas, relacionadas com a gestão de interesses correntes;

Suporte Jurídico – é classificada pela generalidade da doutrina como um acto de soberania, tipicamente legislativo (porque estão em causa opções político-económicas gerais);Efectivada através de acto legislativo que produz efeitos automáticos;

Suporte Jurídico – é regulada por lei, mas pode ser efectivada através de um mero acto administrativo. Daí que se seja um processo mais complexo na sua formulação: depende de um acto legislativo, ao qual se seguem actos administrativos;

Só pode ser contestada por inconstitucionalidade (porque, por força do seu suporte jurídico, é um acto politico-legislativo),

Pode ser contestada por mera ilegalidade (pois depende de um acto administrativo);

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Acto de natueza extraordinária ou excepcional;

Providência jurídica (de algum modo) corrente da AP;

Existem no entanto alguns elementos tendentes a confundir esta diferenciação, elementos esses a propósito das suas consequências, designadamente no que respeita à indemnização a atribuir a quem se vê privado da propriedade: a doutrina debate se a “justa indemnização” com consagração constitucional deve ou não ter o mesmo regime nos dois casos.

ii. Nacionalização x Resgate de Concessões de Serviço Público

O resgate de concessões de serviço público, verifica-se tipicamente, quando um ente público retoma a si a gestão directa de um serviço público, cuja exploração havia sido concedida a entes privados, antes de findo o prazo da referida concessão. – ocorre vulgarmente por motivos de interesse público.

Implicará também uma justa indemnização a conceder às entidades privadas, para as compensar do seu envolvimento financeiro numa concessão cuja duração foi abreviada por decisão do Estado.

Envolve apenas o plano de gestão de bens – e não a sua propriedade – e é feito por um acto meramente administrativo.

iii. Nacionalização x Confisco

O confisco levante mais alguns problemas em termos da sua distinção do conceito de nacionalização. Também é um acto de soberania, político-legislativo e uma providência extraordinária, mais excepcional mesmo que a própria nacionalização. As diferenças sentir-se-ão em apenas dois domínios:

Motivos – assume uma natureza sancionatória. Visa sancionar uma entidade privada e não decorre de nenhuma decisão económica geral. É também uma categoria muito excepcional – exº o que aconteceu com a Renault em França, que depois da II Guerra Mundial foi confiscada da titularidade de privados, acusada de colaboração com as autoridades alemãs ocupantes5;

Consequências Jurídicas – diferentemente da nacionalização, devido à sua natureza sancionatória, não dá lugar a qualquer indemnização ou pelo menos a uma justa indemnização;

5 V. ocupação alemã de França durante o Nazismo e a Segunda Guerra Mundial; Governo de Vichy presidido pelo General Petain.

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iv. Nacionalização x Requisição 6

Consiste na privação, suspenção ou limitação transitória e temporária do gozo e da posse de certos bens, que resulta de uma intervenção de uma entidade Pública. Distingue-se da Nacionalização em dois pontos:

Efeitos – não se trata da privação da propriedade, mas apenas da limitação ou suspensão de certos direitos de gozo, ao nível da gestão;

Forma Jurídica – não se traduz na prática de qualquer acto de natureza político-legislativa;

Motivações das Nacionalizações

São sempe opções estruturantes de politica económica. As motivações são muito variadas: nalguns casos a nacionalização implica grande programação e sistematização das intervenções na Economia que o Estado queria fazer; noutros podem assumir modelo mais espontâneo/desorganizado.

Em Portugal foram pouco sistematizadas e programadas, visto terem decorrido num período de natureza excepcional do ponto de vista político, e terem sido concretizadas por razões meramente ideológicas e não tanto de planificação económica (planificação das intenções de intervenção económica estatal).

Em França passou-se uma situação diversa e a planificação foi uma constante: em 1981, com a vitória do Partido Socialista nas eleições Presidenciais e a subida ao poder de François Miterrand, desencadeou-se um processo de nacionalizações que obdeceu a uma lógica de programação económica. A iniciativa visava limitar o poder económico e o peso dos privados em certos sectores tido como importantes, e reforçar o do Estado. Com obeceram a uma lógica programada e não estiveram associadas a qualquer processo revolucionário, as nacionalizações francesas deste período, ao contrário do que aconteceu em Portugal, contemplaram um regime de indemnizações muito mais favorável às entidades privadas.

B – REGIME DAS INDEMNIZAÇÕES POR NACIONALIZAÇÃO

6 Contrário de privatização.

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Contrariamente ao que à primeira vista se pode pensar, a generalidade dos actos de nacionalização ocorridos em Portugal no período revolucionário, previam a atribuição de compensações aos privados, embora o enquadramento jurídico remetesse para o futuro a concretização dessa compensação. Não se previam inicialmente os critérios ou o procedimento a adoptar para a concretização destas compensações, embora, posteriormente, com a aprovação da CRP, o direito de compensação fosse consagrado em termos gerais.

Atendendo apenas aos aspectos substantivos, caracterizamos assim o Regime de Indemnizações:

Foi um Regime Dual , ou seja, desdobrou-se em duas pespectivas dinstintas que se sucederam no tempo:

O DL nº 528/76, referia a Indemnização Provisória;

A Lei nº 88/77, já num período de estabilização política e institucional, fala em Indemnização Definitiva;

O pagamento de indemnizações não se verificou em numerário, mas através da entrega, às entidades privadas esbulhadas, de títulos de dívida pública do Estado Português;

O Regime de Indemnizações foi descriminatório e menos favorável para os maiores accionistas das empresas nacionalizadas (o que reflecte uma opção ideológica avessa às grandes concentrações de capital);

O Regime da Lei nº 88/77 estabeleceu doze escalões distintos de titulares de dívida pública em função dos valores a indemnizar: juros de reembolso mais baixos e prazos de indemnização mais amplos, quanto maior fosse o valor a indemnizar.

A lei previu taxativamente o pagamento de juros reportados à data da Nacionalização;

No seu todo, este regime provocou uma acesa contestação e veio a ser objecto de fiscalização da constitucionalidade. A fiscalização foi requerida pelo Provedor de Justiça na sequência de protestos dos particulares afectados, mas o TC através do Acórdão 39/88, pronunciou-se no sentido da Constitucionalidade do Regime gizado pela lei. Assim sendo, apesar de dar provimento a algumas objecções apontadas, considerou, no essencial,

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os critérios de indemnização fixados como compatíveis com o Texto Constitucional (e nomeadamente com a ideia de “justa indemnização”).

Com este Acórdão, o TC veio acolher uma tese muito contestada por alguns sectores da doutrina, segunda a qual, a justa indemnização devida por nacionalizações, poderia ser diferente da indemnização associada a expropriações: regime menos favorável para as nacionalizações, adminitindo-se que elas não requerem necessariamente uma indemnização total para o privado.

Na prática, consagra-se a ideia de que o privado não tem de ser totalmente ressarcido pela nacionalização; os valores da indemnização têm é de ser razoáveis, não podem ser irrisórios e não respeitar uma relação mínima de proporcionalidade face ao valor dos bens nacionalizados.

Outra doutrina, defende que está tese não é admissível; não há argumentos à luz da Ordem Jurídica que permitam sustentar a indemnização apenas parcial e não total (ou, se se preferir, indemnização razoável e não integral). Logo, o que estes autores defendem, é que tem de haver uma indemnização total do privado, conforme aconteceu em França.

Aula nº 10, 13/11/06

O Prof. Luís Morais admite, atendendo às diferentes finalidades visadas pelas Nacionalizações e pelas expropriações, que os critérios para a fixação da indemnização sejam também diferenciados. No entanto, mostra-se crítico em relação à jurisprudência do TC porque esta, consagrando tal diferença, não estabelece critérios que permitam definir a indemnização a atribuír em caso de nacionalização.

Actualmente ainda há processos em apreciação no STA relativos aos montantes da indmnização atribuídos aos privados, e ao que tudo indica, é possível que nesta instância se venham a admitir critérios de indemnização mais exigentes do que os utilizados e consagrados pelo TC. Se assim acontecer – isto é, se forem fixados novos critérios de definição do valor da indmnização mais favoráveis – é bem provável que o STA determine também que seja pago aos privados já indmnizados a diferença entre aquilo que receberam e os novos montantes fixados pelo estabelcimento de um novo critério de indemnização.

O DL nº 332/91, de 4 de Setembro, veio alterar aLei nº 88/77 ajustando vários elementos do seu regime. As principais alterações foram as seguintes:

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Reduziu-se o período de tempo de que o Estado dispunha para calcular o valor a pagar em sede de indemnização, de 10 anos para apenas 5;

Na tarefa de cálculo e aplicação das indemnizações, as Comissões arbitrais – que eram criadas ad-hoc para o efeito, isto é, criadas para cada empresa que fosse nacionalizada – foram substituídas por Comissões Mistas, as quais permitiram um tratamento mais equilibrado dos interesses em causa (interesse público x interesses dos privados nacionalizados). Tais comissões eram compostas por três peritos:

Um designado pelo Governo; Outro designado pelos titulares do Direito à

indemnização; Outro escolhido por mútuo acordo entre os dois

primeiros;

Ainda assim, também a constitucionalidade deste diploma veio a ser questionada. O TC, através do Acórdão 462/95, pronunciou-se pela sua conformidade com a Lei Fundamental, vindo, no essencial, reafirmar a sua jurisprudência de 1988 (onde se consagra pela primeira vez a dicotomia indemnização por nacionalização x indemnização por expropriação).

2- PROCESSO DE EVOLUÇÃO DO SECTOR PÚBLICO EMPRESARIAL PORTUGUÊS – 2ª FASE

2.1- Primeira Sub-fase: institucionalização das Empresas Públicas, a partir das Empresas Nacionalizadas;

Num primeiro momento a Nacionalização traduziu-se única e exclusivamente na transmissão do capital das empresas dos privados para o Estado. Regista-se então a formação de um vasto conjunto de sociedades anónimas de capitais inteiramente públicos, o que significa que tais empresas, mantiveram na prática o seu estatuto jurídico tendo apenas mudado da proprietário.

A partir de 1976, definida a nova ordem político-constitucional, denota-se uma intensa actividade legislativa por parte dos poderes públicos, que se traduz na aprovação de vários diplomas legais que transformam o estatuto jurídico destas empresas. De sociedades anónimas de capitais inteiramente

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públicos, elas transformam-se essencialmente em entidades qualificadas por lei como Empresas Públicas (EP’s) tendo um Estatuto especial de Direito Público e abandonando a forma de Sociedades Comerciais de Direito Privado.

Na sequência deste movimento legislativo, aprovou-se um Diploma-Quadro que veio codificar tal regime de qualificação das empresas nacionalizadas em EP’s: trata-se do DL 260/76, 8 de Abril aprovou uma disciplina normativa geral do sector empresarial do Estado e manteve-se em vigor vários anos, embora com algumas revisões. De entre estas, o Prof. Luís Morais destaca a que foi erigida pelo DL 29/84, 20 Janeiro permitindo uma flexibilização do Regime definido para o Sector Empresarial do Estado. Porém, a grande reforma desta disciplina jurídica viria a acontecer apenas com a aprovação do DL 558/99.

Regime do Sector Empresarial do Estado introduzido pelo DL 260/76

Trata-se de um regime que vem consagrar uma figura típica de organização do funcionamento das entidades empresariais do Estado: a EP, que é objecto, no articulado deste diploma, de uma definição bastante restritiva e com uma escassa relevância jurídica própria.

As EP’s entendiam-se (conforme resulta do preâmbulo) como instrumentos de transição da economia nacional para o socialismo.

Como aspectos fundamentais deste regime devemos reter os seguintes:

I. Cararacterização das unidades empresariais do Estado como Pessoas Colectivas de Direito Público com um Estatuto Especial de Direito Público e uma estrutura orgânica formada por um Conselho de Administração + Conselho de Fiscalização:

Apesar de toda a sua motivação ideológica, o DL 260/76 veio a estabelecer um regime de definição das EP’s, que comportava efectivamente elementos de Direito Público e elementos de Direito Privado.

Via de regra, os Estatutos das EP’s eram de Direito Público, mas admitia-se a aplicação do Direito Privado como Direito Subsidiário (art. 3/1) para regular tudo o que neles não viesse expressamente previsto, com uma ressalva para o regime do art. 3/2 – este preceito fazia referência a um Regime de Direito Público especialmente reforçado para certas categorias de Empresas Públicas, que estariam sujeitas a normas complementares de

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Direito Público. Tratava-se das funções de serviço público, mais concretamente, de empresas que desenvolvessem a sua actividade no âmbito da defesa nacional (i) ou numa situação de monopólio (ii). Este regime de Direito Público mais desenvolvido/mais reforçado constava directamente dos seus Estatutos e impossibilitava o preenchimento de lacunas de regulação com recurso a normas de Direito Privado.

No que diz respeito ao Estatuto de Direito Público aplicado à generalidade das Empresas Públicas (e, portanto, não ao regime especial de certas categorias de empresas), avultam como seus principais elementos de especialidade os seguintes:

a. Existência de um exigente regime de controlo governamental da gestão da empresa;

b. Não sujeição, via de regra, das Empresas Públicas, ao regime geral de falência aplicado às Empresas Privadas;

A – CONTROLO GOVERNAMENTAL DA GESTÃO DA EMPRESA

Trata-se de um regime de tutela governamental em relação ao funcionamento e ao exercício da actividade das Empresas Públicas, existente no âmbito de uma disciplina jurídica com fortes influências do Direito Administrativo, embora com especificidades resultantes da tentativa de compatibilizar poderes de controlo característicos do Direito Público e do Direito Administrativo com a possibilidade de aplicação de critérios e princípios de gestão empresarial.

Esta tutela, inscreve-se na ideia de exercício de poderes de controlo específica do Direito Público e concretiza-se nos seguintes poderes do governo em relação às Empresas Públicas:

Poder de nomear e exonerar os seus gestores;

Poder-dever de controlar o seu funcionamento, não apenas para verificar o respeito pela legalidade (tutela inspectiva da legalidade), mas também para verificar o respeito pelos objectivos das políticas que estas empresas devem desenvolver e que foram definidos pelo Estado através do Governo;

Poder de aferir a conformidade da sua gestão com os melhores critérios de gestão financeira definidos directamente pelo próprio Governo. Este poder teria 2 dimensões (arts. 12 e 13):

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Tutela Técnica ou Sectorial – tutela exercida pelo Ministro competente em função do sector de actividade em que a empresa se inseria. Visava analisar e avaliar continuamente a adequação da sua actividade às grandes orientações/objectivos que o Governo definiu para este ramo da actividade económica;

Tutela Económico-fincanceira – do ponto de vista subjectivo, é exercida tipicamente pelo Ministro das Finanças. O que estava em causa era assegurar que as EP’s cumprissem parâmetros sãos de gestão financeira, não originando desequilíbrios financeiros nem encargos para o Estado. Numa palavra: procurava-se evitar déficits não justificados7 na gestão das EP’s.

A ideia fundamental – transposta depois para o regime do DL 558/99 – era aliar uma certa margem de liberdade, cometida aos gestores na gestão corrente das empresas, com a necessidade de adequação dessa mesma gestão aos objectivos politicamente definidos para o sector de actividade em que se inseriam. Procurava-se um equilíbrio que na maior parte dos casos não foi verdadeiramente conseguido – a EP afirmava-se então, maioritariamente, como um instrumento da política económica do Governo em funções num dado momento (exº foram utilizadas muitas vezes para assegurar postos de trabalho em períodos de desemprego elevado ou para forçar um crescimento económico que, pelo normal funcionamento da economia, nunca teria acontecido), com sacrifício dos princípios de gestão empresarial que permitiriam não se obter resultados deficitários.

Ambos os tipos de tutela, poderiam revistir duas modalidades:

Tutela Correctiva à priori – fazer submeter certos actos de gestão da empresa a uma autorização prévia por parte da tutela governamental;

Tutela Correctiva à posteriori – fazer depender a eficácia de certos actos de gestão da empresa já praticados, da aprovação da tutela governamental.

7 Uma EP poderia ter resultados de gestão deficitários, desde que devidamente justificados com o interesse público.

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Havia assim um rigoroso espartilho que limitava a margem de manobra do gestor.

O regime de tutela das Entidades Públicas Empresariais (EPE’S) é decalcado desta tutela correctiva, embora com uma grande simplificação dos poderes de intervenção plasmados nos arts. 12 e 13 do DL 260/76.

II. Regime especial de participação dos trabalhadores na gestão das EP’s:

O art. 6 do DL 260/76 remete para o Estatuto de cada empresa a definição da forma como os trabalhadores poderiam participar na sua gestão. Mas termos genéricos, prescreve logo que a nomeação de membros do Conselho de Administração da Empresa, por parte do governo, necessitava de um parecer da Comissão de Trabalhadores da unidade empresarial em causa.

Aula nº 11, 17/11/06

Apesar da relativa flexibilização que lhe foi sendo introduzida, o regime de tutela governamental sobre as EP’s gizado pelo DL 260/76 é eminentemente juspublicista e rígido relativamente aos condicionalismos que estabelece para a actividade das empresas públicas.

Mau grado esta rigidez, o diploma manteve-se em vigor durante vários anos, independentemente das alterações registadas na Constituição Económica (portanto, teve uma vigência prolongada apesar da sua rigidez), vindo a acontecer aquilo que é típico sempre que estamos na presença de regimes rígidos: tendeu a ser progressivamente contornado ou não totalmente observado.

Essa maleabilização tornou-se especialmente intensa a partir dos anos 80 quando se começaram a aprovar sucessivos DL’s de transformação de Empresas Públicas sujeitas ao regime do DL 260/76 (empresas com estatuto de Direito Público) em sociedades de capitais públicos. O legislador inverteu assim o movimento que tinha realizado desde 76 (de sociedades de capitais públicos para Empresas Públicas; agora de Empresas Públicas para Sociedades de Capitais Públicos). Tal inversão torna-se particularmente evidente com a aprovação da Lei nº 84/88 (veio permitir a privatização de até 49% do capital de Empresas Públicas, dizendo-se na altura que chocava contra o princípio da irreversibilidade das nacionalizações plasmado na CRP antes da RC 1989) e da Lei nº 11/90

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(que, tendo sido promulgada depois da revisão Constitucional do ano anterior, vem já permitir a reprivatização integral).

No processo de reprivatização de empresas nacionalizadas, a sua transformação em sociedades comerciais de capitais públicos constitui uma 1ª fase (fase formal da reprivatização) ao qual se seguiria a transposição propriamente dita do seu capital do sector público para os sector privado (2ª fase do processo de reprivatização ou fase material).

O Governo usou a habilitação concedida por estes dois diplomas (Lei 84/88 e Lei 11/90) com grande liberdade para transformar o Estatuto Jurídico EP’s, mesmo que nem todas viessem a ser posteriormente privatizadas ou reprivatizadas. Deste modo, na segunda metade dos anos 90, restavam apenas menos de 10 Empresas Públicas sujeitas ao Regime do DL 260/76 (Empresas com capital Estatutário de Direito Público), pois que grande parte das unidades empresariais públicas, ao abrigo desta legislação, tinham sido transformadas em Sociedades Comerciais de Capitais Públicos, isentando-se assim da disciplina jurídica rígida das EP’s.

Despoletou-se assim um intenso debate doutrinário, dividindo autores da Escola de Lisboa (FDL) e da Escola de Coimbra (FDUC), cujo epicentro se situava na questão de saber que categorias de unidades empresariais eram abrangidas pela definição de “Empresa Pública” que comparecia no DL 260/76 e assim integravam o Sector Empresarial Público:

Autores da Escola de Coimbra – entendiam que apenas se deveria tomar em consideração o conceito legal estrito de Empresa Pública: para todos os efeitos, apenas se pode considerar como EP’s, as entidades que fossem subsumíveis ao conceito legal que comparecia no DL 260/76, isto é, as que tinham um regime especial de Direito Público;

Autores da Escola de Lisboa – entendiam que, a par deste conceito de EP, também se deve admitir um conceito material. Aponta-se assim para uma dualidade entre Empresas Públicas em sentido formal (Empresas Públicas de tipo Institucional – Pessoas Colectivas de Direito Público) e Empresas Públicas em sentido material (Empresas Públicas de tipo societário – correspondiam fundamentalmente às Sociedades Comerciais cujo capital fosse maioritariamente detido pelo Estado ou que tivessem a sua gestão materialmente controlada pelo Estado – ). O sector público integraria também todas as Empresas que em termos materiais ou substanciais tivessem a sua gestão controlada pelo Estado,

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independentemente de se subsumirem ou não à qualificação legal do DL 260/76;

O Prof. Luís Morais considera que era desajustado este contexto em que a maioria das Empresas controladas pelo Estado não eram consideradas EP’s (na definição restrita do DL 260/76), logo não tinham uma disciplina jurídica que as regulasse e controlasse a sua actividades, pois que não era aplicável o normativo contido no DL 260/76.

Durante os anos 90, sucederam-se assim regimes jurídicos avulsos, gizados por diversos diplomas que foram sendo promulgados, através dos quais o legislador pretendeu submeter determinadas unidades empresariais do Estado não subsumíveis ao conceito de EP a regimes especiais– exemplo disso foi a Lei nº 14/86 que alargou o âmbito da fiscalização do Tribunal Contas, vindo ditar a sujeição à sua fiscalização de todas as sociedades comerciais de capitais total ou maioritáriamente públicos (e não apenas as EP’s, como até aí acontecia). manifesta-se neste caso um entendimento mais amplo de Sector Empresarial Público (incluindo EP’s e Sociedades Comerciais controladas pelo Estado), pelo que se torna particularmente absurdo não haver um regime geral de enquadramento de todas as Empresas controladas pelo Estado (pois que a esse regime geral fugiam aquelas que não fossem subsumíveis ao conceito de EP do DL 260/76).

2.2- Segunda Sub-fase: reorganização das Empresas Públicas com um novo Regime Jurídico do sector empresarial público;

Em 1999, o legislador vem pôr termo a este desequilíbrio (consubstanciado, como foi dito, na circunstância de a maioria das formas de intervenção do Estado na actividade produtiva, não estarem sujeitas a uma disciplina geral, cobrindo o regime do DL 260/76 um pequeno número de empresas e estando as outras ao abrigo de regimes avulsos, não sistematizados entre si) – aprova-se do DL nº 558/99 contendo o novo Regime do Sector Empresarial do Estado. Começa aqui a segunda sub-fase do processo de institucionalização das Empresas Públicas, que corresponde a uma reordenação do Sector Empresarial Público.

Regime do Sector Empresarial do Estado alterado pelo DL 558/99

Revogou o DL 260/76 introduzindo um novo conceito de Empresa Pública, mais amplo que o anterior e pondo termo aos desajustes até então verificados. Trata-se de um «conceito dualista» de Empresa Pública,

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compreendendo duas realidades fundamentais – segundo o Prof. Luís Morais, uma regulada a título principal e outra a título acessório:

Empresa Pública de tipo Societário (regulada a título principal)); Entidades Públicas Empresariais –EPE’s (reguladas a título

acessório ou subsidiário);

Enuncia-se então uma categoria de Empresas Públicas que passa a incluír todas as sociedades comerciais cuja gestão seja na prática controlada pelo Estado ou por entidades públicas, o que não é mais do que acolher a posição doutrinária da Escola de Lisboa, que ainda na vigência do DL 260/76, defendia um entendimento mais amplo do Sector Empresarial Público. Este novo entendimento conceptual, é também tributário do regime da Directiva 80/723 CEE, que define como “Empresa Pública”, todas as Empresas em relação às quais o Estado detenha o controlo da respectiva gestão – está aqui em causa um conceito material de gestão; é a gestão propriamente dita, o efeito prático alcançado e não a forma através da qual ela é assegurada que se contempla.

Segue-se o entendimento da directiva comunitária, mas de uma forma muito mais ampla, uma vez que a técnica normativa do legislador português se veio a revelar mais complexa: conjuga (i) um critério material de gestão com (ii) uma tipologia taxativa presente no art. 3/1 do DL 558/99 – preceito que explicita, na totalidade, todas as situações que levariam ao controlo da gestão de uma empresa por parte do Estado – nesta enumeração taxativa, surgem situações em que o controlo da gestão é linear e outras em que é menos óbvio/mais indirecto ( exº através de acordos, no âmbito dos quais o Estado, mesmo não sendo um accionista minoritário, adquire o direito de designar e destituír os titulares dos órgãos de gestão da Empresa, exercendo assim uma influência dominante naquela).

Diz-se que o regime da Directiva Comunitária é mais restrito, porque contempla apenas os casos em que exista controlo material da gestão; o legislador português abre o leque a mais casos onde a inserção do Sector Empresarial do Estado também é possível, desde que prevista no já citado dispositivo legal do DL 558/99 (e aqui surgem os casos menos explícitos de controlo da gestão, os casos em que o Estado exerce uma influência dominante).

AS EPE’s (sobre as quais inside fundamentalmente a regulação deste diploma) só podem ser criadas por DL (art. 24 do DL 558/99) e correspondem, no essencial, à anterior categoria de EP’s regulada pelo DL 260/76. Têm um Estatuto Especial de Direito Público – ao contrário das

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EP’s, que são maioritariamente pessoas colectivas de Direito Privado – e o seu regime traduz-se numa simplificação da disciplina normativa das antigas EP’s.

O DL 258/99 e o seu regime jurídico, veio suscitar algumas dúvidas e discussões doutrinárias:

Quanto à dualidade no conceito de EP’s 8 a crítica mais intensa é feita pelo Prof. Marcelo Rebelo de Sousa. Entende que não há nenhuma razão objectiva para a manutenção de empresas públicas com um Estatuto de Direito Público, devendo o legislador, uma vez que estava a reformar o regime do Sector Empresarial do Estado, optar por eliminá-las, erradicar todas as referências a este modelo. Tendo tido ensejo de o fazer, mas não o fazendo, o Prof. Rebelo de Sousa considera que, na prática, o legislador optou por “não decidir”.

O Prof. Luís Morais discorda desta crítica e defende que é possível compatibilizar uma categoria preferencial de Empresas Públicas (que seriam as Empresas Públicas de tipo societário) com a manutenção de outras categorias a utilizar em certas situações particulares, que justifiquem um controlo mais apertado sobre essas Empresas por parte do Estado (exº as EP’s que asseguram serviços públicos, área onde parece ser mais adequado recorrer-se a uma Entidade Pública Empresarial que tem Estatuto Especial de Direito Público);

Quanto à questão de saber se está ou concretizado o dispostivo constitucional que aponta para a existência de uma base geral do Estatuto das Empresas Públicas o Prof. Luís Morais entende que não estava até à entrada em vigor do DL 558/99 mas passou a estar a partir deste momento.

Quanto à questão de a garantia constitucional da existência de um sector público produtivo implicar ou não alguns requisitos específicos para o mesmo :

O Prof. Vital Moreira – defende que a CRP garante uma forma jurídica pública de Empresa Pública;

O Prof. Paulo Otero – afirma que a Constituição económica tem preferência pela forma privada de Empresa Pública;

8 Empresas Públicas = Empresas Públicas de tipo societário + Entidades Públicas Empresariais

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O Prof. Luís Morais – defende que a CRP garante a existência do Sector Público, mas é neutra quanto à forma das empresas públicas. Não há tutela constitucional de nenhuma das formas (foma pública ou forma privada). O DL 558/99 vem precisamente concretizar este entendimento, ao permitir a existência de duas categorias de Empresas Públicas (as EP’s e as EPE’s);

Aula nº 12, 20/11/06

Conforme resulta do seu art. 2./1º, o DL 558/99 constitui a disciplina jurídica, não apenas das Empresas Públicas (EP’s + EPE’s), mas também das Empresas Participadas, isto é, das Empresas em cujo capital o Estado detém participações (opção pela regulação global das EP’s e das Empresas Privadas). Esta circunstância, reflecte o alargamento progressivo das formas de intervenção do Estado na economia, conforme se passa a explicar: o Estado foi desenvolvendo um processo de privatizações das Empresas Públicas de forma faseada ou gradual. Surgiam assim etapas intermédias no processo de privatização, consubastanciadas em situações em que uma Empresa Pública tinha sido transformada em Sociedade Comercial (portanto, pessoa colectiva de Direito Privado) mas ainda não era totalmente de privados pois o Estado ainda detinha participações no seu capital. O regime do DL 558/99 pretente submeter à disciplina jurídica do Sector Empresarial do Estado, também as Empresas que se encontrassem nesta situação e, por isso, reflecte um novo entendimento da intervenção do Estado na economia (um entendimento em que o Estado admite privatizar, mas antes de o fazer totalmente quer impôr certos limites – através da aplicação de um regime normativo geral – normativos às empresas em que ainda participa).

O Prof. Luís Morais, considera que a intenção do legislador do DL 558/99 em submeter à disciplina jurídica do Sector Empresarial Público as Empresas Participadas (= considerar que as Empresas Participadas também fazem parte do Sector Público) foi conseguida através do recurso a uma má técnica jurídica. A esse propósito, apresenta as seguintes considerações:

Sente-se alguma indefinição relativamente às consequências substanciais da inclusão das Empresas Participadas no Sector Empresarial do Estado. Uma vez que elas não estão globalmente sujeitas ao regime do controlo da sua gestão por parte do Estado –

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o qual constitui a pedra de toque do DL 558/999 – impõe-se questionar: qual a relevância e as consequências que efectivamente acarretam essa inclusão?

R: - o legislador não foi claro, mas pode entender-se que essas consequências se reportam directamente ao regime dos gestores públicos (gestores nomeados pelo Estado e que representam especificamente os seus interesses nessas empresas) que também se aplicaria ao gestores que representem os interesses do Estado nestas empresas.

A forma como essas empresas são definidas é no mínimo pouco precisa/infeliz. Fala-se (art. 2/2) em empresas participadas como “organizações empresariais que tenham uma participação permanente do Estado ou de quaisquer outras entidades públicas estaduais, de carácter administrativo ou empresarial, por forma directa ou indirecta, desde que o conjunto das participações públicas não origine qualquer das situações previstas no nº 1 do art. 3”.10 Mais adiante, no art. 2/3 esclarece-se que se consideram participações permanentes:

As que não tenham objectivos estritamente financeiros, nem intenção de influenciar a orientação ou a gestão da empresa por parte das entidades participantes;

Aquelas cuja titularidade, pelo Estado, não tenha uma duração superior11 a um ano;

Para o Prof. Luís Morais, esta é uma definição bastante vaga.

No art. 2º/4, o legislador ter-se-á apercebido da vaga definição do número anterior, e determina que se devem presumir como participações permanentes, todas aquelas que correspondam a mais de 10% do capital da Empresa (com excepção daquelas que sejam detidas por empresas do sector financeiro). Trata-se de uma correcção à excessiva indeterminação de que padecia o conceito de participação no preceito anterior, mas uma correcção que, no entender do Prof. Luís Morais, se materializa numa presunção excessiva, uma presunção que vai longe demais;9 Veio substituír o regime de tutela do Estado (poder geral de controlo da gestão) gizado pelo diploma anterior – DL 260/76.10 Essas situações são: a) detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto; b) direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização.11 Neste ponto há mesmo um erro material. Pela aferição da ratio legis, chegamos à conclusão de que, o que o legislador queria dizer era “inferior” e não “superior”. Logo, o preceito deve ser objecto de interpretação correctiva.

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Regime das Entidades Públicas Empresariais (EPE’s)

As EPE’s são resultado da evolução da antiga figura das EP’s do DL 260/76 e também uma variante/um tipo de Empresas Municipais ou Regionais (por referência às Regiões Administrativas) para efeitos da Lei 58/98;

O legislador continuou a sujeitar as EPE’s a tutela económico-financeira (art. 29); a inovação, relativamente ao regime do DL 260/76, está no aligeiramento dos poderes de tutela do Estado (tutela à priori e tutela à posteriori), previstos agora apenas para os seguintes casos:

Aprovação dos planos estratégico e de actividades; Aprovação de orçamentos e contras, bem como, de

dotações para capital, subsídios e indemnizações compensatórias;

Homologação de preços ou tarifas a praticar12 por empresas que explorem serviços de interesse económico geral ou exerçam a respectiva actividade em regime de exclusivo;

Demais casos e poderes previstos no estatuto de cada empresa;

A tutela é exercida pelo Ministro das Finanças e pelo Ministro responsável pelo sector de actividade de cada empresa (art. 29/1)

Revestem a forma de EPE, essencialmente, as empresas que prestam serviços de interesse económico geral –aplicam-se-lhes as regras dos arts. 23 e ss’s, pensadas para Empresas que se afastam do modelo da EP de tipo societário; no art. 30 prevê-se a sua possível sujeição, em situações excepcionais devidamente justificadas, a um regime especial de gestão;

Continuam a não estar sujeitas ao regime comum de liquidação e falência aplicável aos privados (art. 34);

Empresas Públicas detentoras de Poderes Especiais de Autoridade (art. 14)

12 A não ser que a sua definição compita a outras entidades independentes (art. 29/2 b), 2ª parte)

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Conforme resulta do art. 14, as Empresas Públicas podem ser investidas do exercício de poderes de Autoridade que tipicamente são detidos pelo Estado. O legislador tipifica, nestes termos, em que circunstâncias (art. 14/1):

No âmbito de expropriações por utilidade pública;

No que concerne à utilização, protecção e gestão de infra-estruturas afectas ao serviço público;

No âmbito de licenciamentos e concessões da ocupação ou do exercício de qualquer activodade nos terrenos, edificações e outras infra-estruturas que lhes estejam afectas;

Art. 14/2 Os poderes especiais: (i) são atribuídos por diploma legal – em situações excepcionais e na medida do estritamente necessário para a prossecução do interesse público – ou (ii) constam do contrato de concessão.

Empresas encarregues da gestão de serviços de interesse económico geral (art. 19 e sss’s)

Trata-se de uma categoria específica de empresas, às quais foram cometidas tarefas de gestão de serviços de interesse económico geral –será necessário assegurar a universalidade de acesso (=têm de ser acessíveis a todos os cidadãos, com qlq poder económico) e a continuidade destes serviços, independentemente do lucro que a entidade que os presta possa obter.

Como se admite que, em face da universalidade e da continuidade do serviço prestado, o objectivo da obtenção de lucro possa ser relegado para segundo plano, é possível a não sujeição destas empresas, a certos aspectos do regime da concorrência.

Os princípios orientadores das empresas encarregues de serviços de interesse económico geral, estão plasmados no art. 20. O art. 21 traduz uma opção preferencial do legislador pela contratualização dos serviços de interesse económico geral com as empresas públicas cuja prestação seja cometida – daqui se extrai a seguinte ideia fundamental: as relações entre essas empresas e o Estado devem ser, preferencialmente, reguladas por contrato a celebrar entre as duas partes.

Aula nº 13, 24/11/06

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Ponto Intercalar: Perspectiva Histórica da Intervenção do Estado na Economia e Organização do Estado/Sector Público

Estado Mínimo Estado Social de Direito

Estado Regulador(desde a RC 89)

* Estado Liberal do século XIX

* Estado Empresário – produtor e ou distribuidor de bens e serviços;

* Estado detentor de Empresas Públicas

* Estado que não se preocupa com a produção e distribuição de bens e serviços, mas antes com a regulação da actividade de quem os produz ou distribui: as empresas;

* Reprivatização das Empresas Públicas a assunção de um papel regulador da ordem económica;

Estado Empresário (resenha histórica da evolução deste período em Portugal)

Na vigência da Constituição de 1933 (Estado Novo), não havia um vasto património empresarial público. A actuação do Estado fazia-se, por isso, sobretudo através de duas figuras:

Concessão da exploração de bens e serviços a entidades privadas (apenas da exploração);

Fornecimento de bens e prestação de serviços através do aparelho do Estado. Os Serviços Públicos que os disponibilizavam eram dotados de personalidade jurídica, passando a ser sujeitos de Direito (sujeitos personalizados);

Estavamos em presença de um «Estado Corporativo», que controlava a sociedade: desconfia do Liberalismo e do Individualismo; tem aversão ao socialismo. Porém, ainda neste período, faz-se sentir uma evolução – mais marcada nos anos 60 – em que se assiste à autonomização financeira, administrativa e patrimonial destes Serviços personalizados, que se

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transformaram em Empresas Públicas: assistimos à criação de várias Empresas Públicas.

Já na fase final da Ditadura, o Estado começa a manifestar preocupações com os grandes projectos nacionais (como a Siderurgia Nacional) entregues a Empresas Privadas em cujo capital social vai participar (para as tornar mais seguras, mais sólidas e competitivas; para reforçá-las).

Com o 25 de Abril de 1974, e sobretudo após o 11 de Março do ano seguinte – quando se regista uma evolução no sentido socializante da nossa economia – assiste-se a um intenso movimento de Nacionalizações que atinje a Banca, os Seguros e outras Empresas de Sectores Estruturantes. Por conseguinte, houve uma expansão do património empresarial público. É neste momento que, com rigor, se pode falar num «Estado Empresário».

Tornava-se premente organizar este património Empresarial público, o que foi feito da seguinte forma:

As empresas nacionalizadas foram consideradas Empresas Públicas – DL 260/76(traz um conceito de Empresa Pública que corresponde ao de PC Pública, com capital Estatutário e natureza empresarial, criada pelo Estado visando a rumo ao socialismo (propriedade colectiva dos meios de produção). Fora deste conceito ficavam certas empresas como as sociedades de capitais públicos que não eram totalmente detidas pelo Estado;

Cria-se uma holding (sociedade que controla outras sociedades) – o IPE – que deveria controlar as participações do Estado em empresas, que estavam dispersas – lógica de racionalidade económica de gestão. Assiste-se depois a uma grande evolução do IPE, que dará lugar à PARPUBLICA.

A partir de 1988 inicia-se uma nova fase. Começa a produzir-se legislação para disciplinar financeiramente as empresas públicas. O Estado passa a preocupar-se com as reprivatizações, isto é, com a devolução ao sector privado de empresas que tinham sido nacionalizadas. Neste sentido, transformam-se as EP’s em sociedades anónimas (de capital estatutário passam a ter um capital societário), sendo isto o ponto de partida para a sua reprivatização que operava, entre outros processos, com a venda do capital a privados. Assim, o DL 260/76, que disciplinava as EP’s detidas totalmente pelo Estado, passa a ter um âmbito de aplicação cada vez mais restrito.

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Ao nível do Direito económico comunitário, vingava outra concepção de empresa pública: a de organização empresarial que sofria, quer directa, quer indirectamente, influências do Estado na sua gestão. Em face desta tendência, surge a necessidade de se reformular o regime jurídico do sector empresarial do Estado, e é assim que é aprovado o DL 558/99, ampliando o conceito de empresa pública que passa a poder ser apenas aquela em cuja gestão “o Estado exercer uma influência dominante”.

Organização do Sector Público

O Estado pode estar organizado de duas formas diversas:

Sector Público Administrativo;

Sector Público Empresarial, englobando:

o Sector Empresarial do Estado – regulado pelo DL 558/99, compreende:

Empresas Participadas – arts. 2/1 2ª parte e os números 2,3 e 4;

Empresas Públicas – têm, à luz do DL 558/99, uma dupla natureza:

Entidades Públicas Empresariais (EPE’s) – arts. 23 e seg’s;

Empresas Públicas sob a forma societária (EP’s) – art. 3/1;

o Sector Empresarial Autárquico e Regional – regulado pela Lei nº 58/98, de 18 Agosto; contempla as Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais.

* Empresas Participadas – trata-se de organizações empresariais que não sejam empresas públicas (por exclusão de partes) e que tenham uma participação permanente do Estado ou de quaisquer outras entidades públicas Estaduais de carácter administrativo ou empresarial, quer directa, quer indirectamente. Exceptuam-se as participações financeiras;

* Entidades Públicas Empresariais – pessoas colectivas de Direito Público com organização empresarial. São criadas, reguladas na sua forma de organização, transformadas, fundidas ou extintas por DL. O seu capital

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reveste a forma de capital estatutário (art. 26), têm autonomia administrativa, financeira e patrimonial e estão sujeitas a tutela económico-financeira (art. 29).

* Empresas Públicas sob a forma societária – pessoas colectivas de Direito Privado, nas quais o Estado exerce uma influência dominante. Têm de cumprir com dois critérios:

Critério Formal (quanto à forma) – são criadas de acordo com a lei comercial (art. 3);

Critério Substancial/Funcional – o Estado tem de exercer nas Empresas uma influência dominante:

ou porque detem a maioria do capital social; ou porque pode nomear e destituír a maioria dos

administradores ou dos titulares de órgãos de fiscalização (art. 3/1 a) e b));

O Estado não tem qualquer tutela, apenas controla a empresa através do exercício da função accionista (enquanto accionista com determinados privilégios de que os outros não dispõem – art. 10). Devem, todavia, cumprir as orientações estratégicas definidas em Conselho de Ministros encontrando-se submetidas a um rigoroso controlo financeiro, exercido, ora pelo Tribunal de Contas, ora pela Inspecção Geral de Finanças (art. 11).

O Estado tem direitos especiais de informação (sobre a gestão da empresa) que acrescem aos de qualquer outro accionista. A esses direitos corresponde um dever especial de informação da empresa (art. 13).

Finalmente, há que referir que estas empresas se encontram submetidas às regras gerais do Direito Privado e da Concurrência (arts. 7 e 8) para que actuem na vida empresarial como quaisquer outras.

A doutrina defende que o DL 558/99 contempla 4 modalidades de Empresas Públicas, a saber:

Entidades Públicas Empresariais (arts. 23 e ss’s);

Empresas encarregues da gestão de serviços de interesse económico geral (arts. 19 e ss’s) na sua actividade devem

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assegurar a universalidade e a continuidade dos serviços prestados, promover a coesão económica e social e bem assim, a protecção económica dos consumidores. Entende-se que estão a prestar uma actividade a bem dos consumidores, e que, por isso, não podem cobrar o preço de mercado; em compensação, o Estado apoia-as e concede-lhes indemnizações compensatórias (art. 21), por isso, celebra com elas contratos;

Empresas Públicas que exercem poderes de Autoridade (art. 14);

Empresas Públicas que não são encarregues da gestão de serviços de interesse económico geral nem exercem poderes de Autoridade correspondem à modalidade residual;

Com este diploma, visou-se proceder a uma alteração ao regime jurídico do sector empresarial do Estado.

Organização da Gestão

Prevêem-se três níveis de organização da gestão das empresas, nomeadamente:

1. Orientações estratégicas definidas para todo o sector empresarial do Estado (nível mais amplo);

2. Orientações globais – destinam-se apenas a um determinado sector de actividade (nível intermédio);

3. Orientações específicas – fixadas caso a caso, empresa a empresa;

Este diploma visa também reforçar os mecanismos de controlo financeiro e os deveres específicos de informação das EP’s perante o Estado. Tem ainda o fito de gizar uma distinção entre Administradores Executivos e Administradores não Executivos, reformulando o regime remuneratório dos gestores públicos.

Aula nº 14, 27/11/06

(cont.) 2.3- Terceira Sub-fase: privatização de Empresas Públicas

Tratou-se fundamentalmente de um surto de reprivatizações resultantes do anterior processo de nacionalização. Só foram possíveis a partir da RC 89 que fixou uma nova versão da Lei Fundamental, da qual resultou a

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necessidade de se editar uma Lei-quadro de reprivatizações (art. 293 CRP), acolhendo o conjunto dos princípios fundamentais que a Constituição revista integrou.

Considerações Introdutórias

Os conceitos de «privatização» e de «nacionalização» têm ambos uma origem eminentemente política e económica, tendo sido depois juridicizados, embora nem sempre devidamente densificados juridicamente. Importará pois, na óptica do Prof. Luís Morais, concretizá-los minimamente, para suprir certas imprecisões que existem no domínio do Direito da Economia.

Centremo-nos no conceito de «privatização». Há autores que admitem utilizá-lo em sentido muito lato, sentido esse que contemplaria a mera liberalização da economia ou antes uma menor intervenção do Estado na mesma. O Prof. Luís Morais considera tais sentidos como impróprios e alerta para a necessidade de nos fixarmos num conceito técnico-jurídico tão preciso quanto possível.

No seu ensino, o professor procede então às seguintes distinções:

Privatização em sentido formal; Privatização em sentido económico-financeiro; Privatização material/ Privatização em sentido material;

* Privatização em sentido Formal – alteração do estatuto jurídico de entidades empresariais, deixando de ser um Estatuto de Direito Público para passar a ser de Direito Privado;

* Privatização em sentido económico-financeiro – corresponde ao conjunto das várias actuações financeiras que permitam, a qualquer título, a intervenção de entidades privadas no capital de empresas públicas. Na maioria das vezes, concretiza-se na possibilidade de uma participação minoritária de privados, não permitindo qualquer controlo da gestão por parte dos mesmos. Traduz-se maioritariamente em privatizações parciais: quando o Estado abre o capital de EP’s sem transferir para entidades privadas o controlo da gestão das mesmas.

* Privatização material/Privatização em sentido material – pode dizer-se que corresponde à privatização em sentido próprio, ao conceito concreto de privatização, isto é, a todas as situações em que o Estado

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assegura a transferência, para entidades privadas, de participações em Empresas Públicas ou do direito de geri-las, em termos tais que lhes permita o controlo da referida gestão. Concretiza-se na passagem de uma Empresa do sector privado para o sector público; em última análise, pode corresponder a uma privatização total (transferência da totalidade do capital social da empresa para privados).

Regime da Lei nº 11/90 – Lei-quadro das Privatizações

Trata-se de uma lei de valor reforçado, cujo conteúdo, portanto, não pode ser contrariado por nenhuma lei ordinária, sob pena de vício de ilegalidade.

Foi aprovada mediante acordo dos dois maiores partidos do espectro político, por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções e dando corpo ao conjunto de compromissos plasmados no comando constitucional que prescrevia a sua edição (art. 296 CRP, agora 293).

1. O seu objecto é definido no art. 1, com alguma infelicidade na perspectiva do Prof. Luís Morais.

Destina-se a regular a reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção nacionalizados. Quer dizer, estão em causa actos que implicam uma reversão jurídica dos actos de nacionalização praticados nos anos 70.

Em rigor, o objecto em causa não é a empresa nem o direito de exploração da mesma, antes a reprivatização de todo e qualquer activo (meio de produção) nacionalizado depois de 1974, mesmo que a empresa a que se reporta tivesse sido liquidada. Ainda assim, apesar desta precisão, é de recordar que a privatização insidiu essencialmente sobre empresas em concreto e não sobre os seus activos.

2. Define os processos jurídicos e a metodologia jurídica utilizada para a reprivatização.

a. Quantos aos processos, eles foram os seguintes:

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Transmissão da titularidade do capital, das empresas ou dos activos – ou cessão onerosa a privados (art. 1);

Transmissão a privados do direito de exploração de empresas públicas, ou de outro tipo de activos (arts. 6 e 26);

b. Quanto à metodologia e ao enquadramento formal dos processos de reprivatização:

A discilplina jurídica destes actos tem sede nesta lei (art. 4), a qual, exige uma intervenção legislativa do governo, que se deve verificar casuísticamente, a propósito de cada reprivatização a efectuar.

A operação desdobra-se em dois passos:

1º passo – transformação das EP’s em sociedades comerciais de capitais públicos (privatização em sentido formal);

2º passo – transferência do capital para privados (privatização em sentido material).

Os processos ou instrumentos jurídicos maioritariamente13 utilizados para a reprivatização, encontram-se previstos no art. 6/1:

Alienação de acções correspondentes ao capital da empresa;

Realização de aumentos de capital social das EP’s transformadas em sociedades comerciais, aumentos esses suportados por privados (que passariam a ser detentores da parcela do capital da empresa que lhe “acrescentaram”) e não pelo Estado ou por quaisquer entes públicos;

O art. 6/2 estabelece três métodos jurídicos de utilização geral (soluções-regra) aos quais se deve recorrer em todas as situações não excepcionais e na sequência da utilização dos processos descritos anteriomente. São eles:

Concurso público;

Oferta pública em bolsa de valores;

13 Dir-se-ia que em + de 95% dos casos!

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Subscrição pública;

Os Métodos Excepcionais (que afastam os do ponto anterior), a utilizar quando o interesse nacional ou a estratégia definida para o sector onde se encontra a empresa o exigirem, ou quando a situação económica da empresa o recomende, encontram-se previstos no art. 6/3 e são os seguintes:

Venda directa (ajuste directo) a privados;

Concurso aberto a candidatos especialmente qualificados – trata-se de um concurso limitado, por contraposição ao concurso público;

Nas situação que justifiquem a sua aplicação, este preceito derroga a regra geral contida no art. 6/2.

O legislador admite ainda outro processo, que na prática nunca foi utilizado: a emissão de obrigações de reprivatização pelas sociedades a reprivatizar (art. 9). Trata-de de obrigações conversíveis em acções ou que envolvam o direito à subscrição de acções (a empresa emite obrigações compradas por particulares, essas obrigações vencem juros que são depois pagos ao obrigacionista, podendo este converter a obrigação em capital da empresa ou adquirir acções da empresa mediante a entrega de obrigações). É um instrumento que consigna a alienação do capital com recurso a obrigações.

3. Prevê os objectivos visados com as reprivatizações, ao contrário do que tem sucedido noutros países.

Esses objectivos resultam do que se dispõe no art. 3. São ambiciosos do ponto de vista das intenções do legislador, mas acabam por revelar-se conflituantes e contraditórios entre si:

Objectivos estritamente financeiros – passam pela maximização da receita pública;

Objectivos sócio-económicos – dirigidos à dispersão do capital e à participação de pequenos subscritores ou de trabalhadores dessas empresas. Nesse âmbito, o Estado vem conceder certas facilidades que chocam com à prossecução do objectivo anterior;

Objectivo de desenvolvimento do mercado de capitais nacional;

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4. Dos arts. 4, 11, 13 e 14, que devem ser interpretados sistematicamente, resultam várias orientações, a saber:

A transformação das Empresas Públicas em Sociedades Comerciais de capitais públicos dá-se por via de Decreto-Lei;

Por via de Decreto-Lei, o governo deve, para cada operação de reprivatização, determinar o processo e o método a utilizar, bem como regular também as condições especiais a atribuir a certos adquirentes (pequenos subscritores, trabalhadores das empresas ou emigrantes);

Por resolução do Conselho de Ministros podem regular-se as condições mais concretas em que se desenvolverá cada processo de reprivatização, atendendo às orientações gerais constantes do DL. Tal facilidade visa dar uma maior margem de conformação ao Governo e explica-se pelo seguinte: um DL pode ser vetado pelo PR forçando reformulações no seu conteúdo para se obter a promulgação, uma resolução do Conselho de Ministros já não, pois que não carece de promulgação;

A doutrina divide-se quanto à questão de saber o que deve ser regulado por DL e o poderá ser feito por resolução do conselho de Ministros. A tendência actual vai é no sentido de a maioria dos aspectos serem regulados por resolução. Indicustivelmente, a disciplina básica do processo deve ser feita por DL, mas é muito difícil delimitar o que é constitui e o que é que não constitui disciplina básica.

Aula nº 15, 04/12/06

5. Contem regras para certas categorias especiais de adquirentes do capital.

Traduzem uma concretização do comando constitucional introduzido com a RC 89: a lei de valor reforçado a aprovar teria de conceder um tratamento preferencial aos trabalhadores das empresas e privatizar. O legislador foi mais longe e, para além desta categoria específica de adquirentes

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(trabalhadores), considerou mais duas, num total de três resultantes do disposto nos termos dos arts. 10, 11 e 12 da Lei 11/90:

Trabalhadores das empresas a reprivatizar (arts. 10/1 e 12); Pequenos subscritores (arts. 10/1 e 11); Emigrantes – cuja participação no processo de reprivatização é

entendida como desejável (arts. 10/2 e 11);

Por interpretação sistemática, apercebemo-nos da existência de uma graduação no tratamento favorável destas três categorias de investidores: mais favorável para os trabalhadores, logo de seguida para os pequenos subscritores e só por fim para os emigrantes.

Relativamente aos trabalhadores das empresas a privatizar, estão previstos dois atributos especiais:

Obrigatoriedade de reserva, a seu favor, de uma parcela do capital da empresa a privatizar, independentemente da modalidade escolhida para a privatização – o mesmo não sucede:

o com os pequenos subscritores, a favor de quem, a reserva deixa de ser obrigatória se a privatização se fizer com recurso a métodos excepcionais (ajuste directo e concurso limitado);

o com os emigrantes, a favor de quem, a reserva é meramente facultativa (art. 10/2), sendo fixada casuísticamente para cada operação de reprivatização em concreto;

Precisão, também obrigatória, das condições especiais de aquisição a favor dos trabalhadores, tendo também como contrapartida, a existência de um período durante o qual os mesmos, tendo adquirido acções ao abrigo destas condições especiais, não podem dispôr livremente delas;

Existem também condições especiais comuns às três categorias de investidores (para os trabalhadores elas são sempre obrigatórias; para os pequenos subscritores e os emigrantes, só são obrigatórias se, nos termos das disposições anteriores, lhes estiver reservado alguma parte do capital da empresa a reprivatizar), a saber:

Descontos; Pagamento em prestações;

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É significativo o alcançe da reserva a favor dos trabalhadores: não diz repeito apenas a trabalhadores que no momento da reprivatização estejam em exercício de funções na empresa, mas a todos os trabalhadores que hajam mantido um vínculo laboral durante mais de três anos com a empresa pública em questão ou com as empresas privadas cuja nacionalização a originou (art. 12/1). Só não inclui os trabalhadores que não tenham permanecido na empresa por pelo menos 3 anos, que tenham sido despedidos em consequência de processo disciplinar ou que tenham passado a trabalhar noutras empresas com o mesmo objecto social, por o contrato de trabalho ter cessado por proposta dos trabalhadores interessados (art. 12/4).

A Lei-quadro que temos vindo a analisar, enquadra as reprivatizações, mas não define ao pormenor a forma como elas se haviam de realizar. A duração do período de indisponibilidade do capital adquirido por trabalhadores ao abrigo das condições especiais de aquisição e outros apectos do mesmo género, são remetidos para uma regulação casuística, a fazer por DL do governo relativamente a cada operação de reprivatização considerada.

Também é de destacar que o legislador não previu que as reprivatizações fossem feitas faseadamente14; esta foi uma prática posterior, que acabou por se impôr à lei, exigindo um exercício de interpretação da mesma mais complexo, por forma a aplicá-la a cada uma das fases do processo que vieram a ter lugar na prática. Um exemplo concreto desse esforço interpretativo diz respeito à questão de saber se deve haver uma reserva de capital a favor dos trabalhadores em todas as fases da reprivatização ou se numa seria suficiente, questão essa que tem dividido a doutrina. – o Prof. Luís Morais entende que numa seria suficiente pois acredita que o legislador se quer referir a uma parte do capital da empresa globalmente considerado.

6. Revela uma preocupação com a salvaguarda dos interesses patrimoniais públicos.

O art. 5 consagra uma garantia imposta pela RC 89 e diz respeito à necessidade de se salvaguardarem os interesses patrimoniais/financeiros públicos em qualquer operação de reprivatização. Essa garantia, traduz-se na obrigatoriedade de avaliação prévia das empresas a reprivatizar por pelo menos duas entidades independentes do Estado, seleccionadas por concusro público, as quais terão de elaborar um relatório relativo à sua actividade.

14 Isto é, foram-se privatizando apenas algumas partes do capital da empresa de cada vez.

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O concurso público visa delimitar as entidades qualificadas para o efeito, sendo que, posteriormente, o governo poderá escolher duas de entre as consideradas habilitadas. Aqui registam-se influências simultâneas, quer do Direito Francês, quer do britânico.

Há ainda uma Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações (art. 20/1) definida como um “órgão que tem por missão apoiar tecnicamente a Governo na prosssecução dos objectivos estabelecidos (…) e dos princípios de transparência, rigor e isenção dos processos de reprivatização”. Deverá acompanhar todas as fases do processo de reprivatização (art. 20/2) mas não está previsto que tenha de se pronunciar sobre os relatórios de avaliação da empresa nem que, uma eventual opinião que emita, seja taxativa.

Os membros da Comissão – concretizadora da ideia de controlo das reprivatizações, que emana do espírito da lei – estão sujeitos a incompatibilidades e limitações:

Não podem deter funções de administradores nas empresas públicas a privatizar (art. 21);

Não podem adquirir acções das empresas públicas a privatizar (art. 22 b));

Eles são nomeados por despacho do Primeiro-Ministro (art. 20/5), escolhidos de acordo com critérios de competência e atendendo à sua experiência em matérias de indole económica, jurídica e financeira, para garantir a pluridisciplinaridade da Comissão (art. 20/3). Enquanto estiverem em funções, e mesmo após os respetivos mandatos, estão vinculados ao dever de sigilo quanto a factos e informações relativos às empresas, a que tenham acesso no âmbito do exercício desta actividade fiscalizadora.

7. Contempla um conjunto de restrições . O objectivo visado pelo legislador, é que o Estado detenha uma supervisão sobre todo o processo de reprivatização. Nesse sentido, fixaram-se dois tipos de limitações que serão seguidamente desenvolvidas:

Limitações à aquisição de capital das empresas a reprivatizar por investidores estrangeiros;

Limitações à quantidade de capital que cada investidor pode adquirir, por forma a assegurar a dispersão do mesmo;

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O art. 13/3 foi a única norma até agora alterada – revogado pela Lei nº 102/2003, 15 Novembro. Originariamente, concedia uma faculdade ao governo para, caso a caso, limitar a parcela de capital da empresa a reprivatizar que podia ser adquirida por investidores estrangeiros, visando defender o interesse público nacional e impedir que o controlo da empresa passasse para estrangeiros. A Comissão Europeia veio a considerar que esta disposição constituía uma obstáculo à livre circulação de capitais dentro do espaço da União; o Acórdão 07/03 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias considerou-a incompatível com o Direito Comunitário –isto, apesar de não estar em causa nenhuma norma de aplicação geral a todos os casos, mas apenas uma mera faculdade da qual o governo poderia dispôr ou não. Por outro lado, é de salientar que este regime não visava apenas atingir os investidores de países da Comunidade, mas antes todos os estrangeiros.

Diante das pressões da Comissão Europeia, Portugal começou por tentar uma solução de compromisso: não alterar a Lei 11/90 mas comprometer-se em não utilizar a faculdade do art. 13/3. Ainda assim, veio a aceitar-se tal disposição como ilícita, sendo revogada pelo citado diploma legal de 2003, o que representa um exemplo claro do primado do Direito Comunitário sobre a ordem jurídica nacional.

Do art. 13/2 decorre que, sempre a reprivatização se efectuar por um dos três modos gerais (concurso público…), o DL que a regular deve fixar um limite quantitativo máximo da porção de capital da empresa que pode ser aquirido por cada entidade privada. O objectivo desta disposição é grantir a dispersão do capital (ou antes, evitar a sua concentração, num espírito ainda revelador de alguns resquícios da guinada socializante da Constituição Económica – aversão às grandes concentrações de capital). A entidade privada que ultrapassar estes limites estará sujeita, consoante for determinado, à venda coerciva das acções que excedam o patamar admitido, à perda do direito de voto conferido por essas acções ou ainda à nulidade do negócio.

8. Estabelece o destino das receitas obtidas com a operação de reprivatização.

Conforme resulta do disposto no art. 16, as receitas das reprivatizações devem ir para finalidades estrururais de desenvolvimento económico e não podem servir para pagar despesas correntes (condição original em termos de Direito Comparado). O governo terá pois de antender a quatro afectações obrigatórias que o art. 16 impõe, para concretização do comando

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constitucional que regula esta matéria (art. 293 CRP), mas é livre de escolher a parcela de receitas a afectar a cada uma destas finalidades. São elas:

Amortização da dívida pública; Amortização da dívida do sector empresarial do Estado; Serviço da dívida resultante de nacionalizações (cobrir essa

dívida); Novas aplicações de capital no sector produtivo;

A prática encaminhou-se no sentido de ser através de resolução do Conselho de Ministros que se estabelece a quantia a afectar para cada uma destas finalidades. As finalidades mais atendíveis (visto que não é preciso canalizar-se receitas para todas, basta para algumas) têm sido a amortização da dívida pública e o investimento no sector produtivo, com destaque para a primeira delas.

A alínea d) deste preceito (correspondente à quarta finalidade) usa uma expressão que não é totalmene clara (« aplicações de capital no sector produtivo»). Verifica-se aqui a recepção de um conceito económico, que foi posteriormente juridicizado.

Na definição a dar pela economia política, tal expressão corresponde à criação ou formação de bens de capital (conceito de investimento económico em sentido restrito). Tem-se discutido muito, sobretudo ao nível do Tribunal de Contas, se a aplicação da alínea d) corresponde apenas à ideia de investimento do domínio da economia política, ou, pelo contrário, se também abrange outras categorias de situações.

Aula nº 16, 11/12/06

Objectivos das reprivatizações. Os vários sentidos da expressão «reprivatização»

* Privatização latu sensu – passagem da esfera de Direito público para a esfera do Direito privado.* Privatização em sentido restrito – tem a ver apenas com a transferência da titularidade de um ente público para um privado, nomeadamente através de acções;

* Reprivatização – passagem, para privados, de bens que antes já tinham sido de um ente privado. Só se tornou possível com a RC 89; antes vigorava o princípio da irreversibilidade das nacionalizações, substituído

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pelo princípio da admissibilidade das nacionalizações. Foi introduzida uma norma constitucional transitória que consta do art. 293: prevê a existência de uma Lei-quadro das privatizações e preconiza certos objectivos a alcançar, nomeadamente:

Objectivos de Natureza Económica (art. 3 a), b) e d)) – pretendia-se a modernização do tecido económico-empresarial, sua restruturação e competitividade.

Objectivos de Natureza Política (art. 3 c)) – pretende-se promover a redução do peso do Estado na economia. É o lema «menos Estado, melhor Estado» em voga desde finais dos anos 80 e sobretudo nos anos 90;

Objectivos de Natureza Financeira (art. 3 g) e art. 16) – dentro desta categoria podem elencar-se os seguintes objectivos:

o Promoção da redução do peso da dívida pública na economia;o Promoção do investimento no sector produtivo (resulta do

art. 16 d) que contempla a possibilidade de as receitas das reprivatizações serem aplicadas no sector produtivo);

O conceito de «reprivatização» pode ser objecto de algumas classificações, como sejam as seguintes:

Reprivatizações Directas – aquelas que são conduzidas directamente pelo Estado através da alienação do capital de Empresas Públicas (empresas essas que tinham sido previamente convertidas em sociedades anónimas de capitais inteiramente públicos). Trata-se de um processo conduzido pela Direcção-Geral do Tesouro sendo as receitas transferidas para o fundo de regularização da dívida pública;

Reprivatizações Indirectas – aquelas que obdecem a outro esquema: as participações do Estado em Empresas que não detinha na totalidade, em sede de reprivatização, eram transferidas para a PARTEST15 – holding do Estado – sob a forma de carteiras de acções que esta depois se encarregava de alienar. A PARTEST ficava com o produto da venda das acções que era aplicado no funcionamento da própria PARTEST – considerava-se que se estava efectuando uma nova aplicação do

15 Em 2000 passa a designar-se PARPUBLICA.

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capital no sector produtivo e assim cumprindo o disposto no art. 16 d). Porém, o Tribunal de Contas insurgiu-se contra esta metodologia, considerando que ela incumpria a Lei 11/90; tratava-se então de uma metodologia incorrecta que preconizava um desvio das receitas obtidas para finalidades diversas das consagradas no art. 16 desse diploma.

Direitos Especiais do Estado no processo de Reprivatização

Muitas das empresas reprivatizadas, eram consideradas vitais para a economia portuguesa. Daí que o Estado queira, mau grado a privatização, assegurar direitos especiais relativamente a elas, através de várias figuras:

Possibilidade de nomear um administrador da empresa, independentemente de deter ou não capital da mesma (art. 15/1) – este administrador terá a função de confirmar ou não certas deliberações, de acordo com um juízo fundado na prossecução dos interesses do Estado. – A figura envolve dois requisitos:

Requisito Substancial – só pode ser aplicada em situações excepcionais, invocando-se razões de interesse nacional e para garantia do interesse público;

Requisito Formal – a possibilidade da sua aplicação tem de estar prevista no diploma que aprovar o estatuto da empresa a reprivatizar (art. 15/2);

Golden Shares (acções privilegiadas art. 15/3) – acções ou uma só acção privilegiada(s), detida(s) pelo Estado, que lhe confira(m) o direito de veto quanto às seguintes matérias:

Alterações do Pacto Social da Empresa; Outras deliberações relativas a certas matérias

tipificadas nos estatutos da empresa;

Qualquer golden share, terá sempre 2 elementos:

Quanto ao detentor – é o Estado; Quanto aos poderes conferidos – o Estado pode exercer poderes

que normalmente só os accionistas com elevada participação no capital social da Empresa poderiam;

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Faculdade de Direito de Lisboa – Ano Lectivo 2006/07

Têm sido uma forma do Estado proteger as Empresas Nacionais, sobretudo de entes estrangeiros. Naturalmente que, neste ponto, surgem os já citados problemas com o Direito Comunitário.

Reprivatização de Empresas Públicas Regionais:

Trata-se do conjunto de empresas que, antes de serem nacionalizadas, estavam já essencialmente instaladas nas Regiões Autónomas, vindo depois a integrar o Sector Público Regional.

O procedimento a seguir para a sua reprivatização é definido pelo art. 17, sendo de salientar os seguintes aspectos:

Depende de iniciativa e parecer do governo regional da RA onde se encontrem instaladas;

Será necessária uma prévia transformação da empresa em Sociedade Anónima, acto que reveste a forma de DL;

Os processos a utilizar para a reprivatização serão um de dois:Alienação das acções representativas do capital social ou;Aumento do capital social da empresa suportado por

privados;Prevêem-se quatro modalidades para a realização da reprivatização:

Concurso público;Oferta pública na Bolsa de Valores;Subscrição Pública;

Em casos excepcionais pode admitir-se:O concurso aberto apenas a candidatos especialmente

qualificados;A venda directa/ajuste directo;

Grosso modo, o regime é semelhante aos das EP’s de âmbito nacional. Porém, contém algumas especificidades que importa analisar:

Destino das receitas obtidas – apenas dois (art. 17/3):Amortização da dívida pública regional;Novas aplicações de capital no sector produtivo;

Durante cada processo de reprivatização em causa, a Comissão de Acompanhamento de Reprivatizações integrará sempre um representante respectiva Região Autónoma, proposto pelo governo regional e nomeado por despacho do primeiro-ministro (arts. 17/2 e 20);

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Conforme resulta do disposto nos termos dos arts. 1 e 26, também pode ser privatizado o direito de exploração das empresas16, preferencialmente mediante concurso público.

Disciplina Normativa das Privatizações em sentido restrito e das Reprivatizações

Recordando-se a distinção há pouco gizada entre reprivatizações e privatizações em sentido restrito, há que esclarecer que ambas têm disciplinas normativas distintas:

Às reprivatizações – aplica-se a Lei 11/90, 5 Abril (Lei-quadro das reprivatizações);

Às privatizações stricto sensu – aplica-se a Lei nº 71/88, 24 Maio e o DL nº 328/88, 27 Setembro;

Em certos casos, a doutrina admite a aplicação analógica da Lei 11/90 para privatizações em sentido restrito.

O primeiro destes diplomas – aprovado ainda antes da RC 89 – visou permitir a alienação do capital de Empresas Públicas que não tivessem resultado de nacionalizações (pois o contrário, implicaria incumprir o princípio constitucional da irreversibilidade das nacionalizações). Costuma designar-se por Lei de alienação das participações do Estado e constitui o regime jurídico disciplinador da alienação das participações sociais detidas pelo Estado e pelos demais entes públicos. Estas participações, não poderão ser alienadas se houver um despacho do Ministério da tutela que não o permita.

* Participações Sociais - participações representativas do capital social de sociedades comerciais (exº acções).

* Entes Públicos – compreende o Estado, os Fundos Autónomos, os Institutos Públicos, os Institutos de Segurança Social e as Empresas Públicas.

A alienação das participações sociais do Estado, poderá operar através de três procedimentos:

Concurso público; Transacção na Bolsa de Valores;

16 Tanto de empresas de âmbito regional como de empresas de âmbito nacional.

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Venda directa a particular;

O regime geral aponta para a utilização do concurso público.

Aula nº 16, 15/12/06

Evolução do Processo das Reprivatizações em Portugal

Vimos anteriormente que, embora da Lei 11/90 não resultasse qualquer comando nesse sentido, o processo de reprivatizações em Portugal, desenvolveu-se faseadamente, ao longo de um certo tempo. Ora, relativamente a esse lastro temporal, é possível apontar-mos duas fases:

1ª Fase – de 1990 até 1995, período posterior à aprovação da Lei 11/90;

2ª Fase – desde 1996 até à actualidade;

A distinção e a confrontação entre estas fases será feita no quadro apresentado seguidamente, através de três características, a saber:

(1) Os métodos e as modalidades utilizadas para a reprivatização;

(2) Os sectores maioritariamente cobertos pelas reprivatizações;

(3) A orientação seguida em termos de existir ou não discriminação a participação de investidores estrangeiros;

Primeira Fase (1990-1995)

Segunda Fase (desde 1996)

(1) Métodos e modalidades utilizadas

Essencialmente concurso público. – Motivos:

* falta de dimensão do mercado de capitais;

* dificuldade de captar investidores que permitam operações de rep. em larga escala, no mercado de capitais;

Operações públicas de venda no mercado de capitais.

(2) Sectores Essencialmente o sector financeiro.

Vários sectores industriais da economia, com menor

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maioritariamente cobertos pela reprivatização

intensidade no ritmo da reprivatização que a utilizada no sector financeiro.

(3) Participação ou não de investidores entrangeiros

Utilização sistemática, através de DL, da faculdade de limitar a participação de entidades estrangeiras nas operações de reprivatização.

Não encontramos um único caso de imposição de limitações a investidores estrangeiros. Motivo? – os problemas gerados no âmbito do Direito Comunitário.

Portugal conseguiu privatizar quase a totalidade do sector financeiro em cerca de 5 anos, conservando um único grupo empresarial público que perdura até à actualidade (a CCG). Só em 1983 é que se alterou a lei de delimitação de sectores, permitindo a entrada de privados no sector financeiro. Com o sector industrial o ritmo de reprivatização foi mais lento e o processo menos intenso; nesse sector, permanecem ainda no domínio público infra-estruturas dos sectores dos transportes (exº aeroportos), correios, rede eléctrica, etc.

Regista-se apenas a presença meramente residual de Empresas Públicas em certos sectores económicos, em consonância com o que acontece na generalidade dos Estados-Membros da UE. Tanto as privatizações como as reprivatizações, permitiram alterar a estrutura de nossa economia e do próprio Direito Económico: a intervenção pública directa na economia é residual tendo-se registado uma mutação estrutural no sentido de uma intervenção indirecta do Estado na actividade económica, designadamente através de normas de Direito da Concurrência e de normas de Regulação Sectorial.

Problemas associados às reprivatizações

Podem apontar-se os seguintes:

Grande complexidade jurídica das operações realizadas para assegurar a dispersão do capital pelos vários investidores (evitar a concentração): investidores institucionais, investidores profissionais e pequenos investidores. Um dos processos utilizados para o efeito designa-se por «book building» e envolve duas fases: primeiro o Estado celebra contratos de venda directa de activos com sindicatos bancários e conjuntos de instituições financeiras que com ele assumem o compromisso de venderem as acções das empresas em causa a várias categorias de investidores;

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depois essa venda é feita, sendo sujeita a confirmação por parte do Estado (para se assegurar que cumpriu o contratualizado) – intermediação financeira a sua utilização resulta de uma notória evolução interpretativa da Lei 11/90;

Enquadramento da reprivatização de empresas que resultem de processos de reorganização do sector empresarial público;

Problemas na interacção entre:

O direito especial das privatizações (exº normas que limitam a participação de investidores estrangeiros) e o direito económico da concorrência;

Normas gerais de direito comercial e de direito dos valores mobiliários;

Problemas com o regime das acções privilegiadas – incompatibilidade das normas que atribuem, neste âmbito, poderes especiais aos Estados, com o Direito Comunitário, com as duas liberdades garantidas (dentro do espaço da UE) pelo Tratado de Roma:

Liberdade de estabelecimento; Liberdade de circulação de capitais;

Há uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias que afirma a incompatibilidade deste regime de poderes especiais dos Estados com o núcleo das duas liberdades essenciais supra-citadas. Nesse sentido, são exemplos paradigmáticos os Acórdãos C 483/99(A. Comissão França), C 503/99 (A. Comissão Bélgica), C 463/00 (A. Comissão Espanha), C 289/2006 (A. Comissão Holanda), C 282/04 e C 283/04. destes acórdãos resultam decisões que condenam Estados-membros da UE pela criação de golden shares. A excepção foi o Acórdão Comissão Bélgica onde o Tribunal admitiu a compatibilidade de uma regime de direitos especiais atribuídos ao Estado com o Direito económico comunitário (ponto 36 e ss’s, ponto 95). O que estava em causa era a possibilidade de o Estado se opôr a actos de transmissão de activos depois destes terem sido realizados, isto é, um regime de oposição ex post a certos actos de administração.

Consagra-se então uma tese, no âmbito da qual, é possível, invocando interesses públicos importantes, derrogar as regras que prescrevem as duas

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liberdades essencias citadas. Quer dizer, pode obter-se uma excepção a essas liberdades, atendendo a dois critérios:

Critério da Adequação – a excepção é possível se as medidas nacionais restritivas das liberdades plasmadas no Tratado de Roma forem adequadas à protecção do interesse público em causa e não chocarem com ele. Todavia, primeiro haverá que ver se estamos diante de um interesse público relevante;

Critério da Proporcionalidade – só são aceites medidas restritivas derrogatórias das regras que plasmam as 2liberdades em causa, se não houver outra alternativa melhor (se não houverem alternativas menos penosas ou limitativas). Está em causa um juízo de proporcionalidade;

O regime belga não contempla uma intervenção directa do Estado na gestão das empresas, apenas a possibilidade de exercício de um direito de oposição à posteriori em relação a certos actos de gestão de empresas já privatizadas, e ainda assim, só se estiverem em causa activos estratégicos e os actos praticados tenham sido actos de diposição (portanto, não meramente actos de administração). Para sermos mais concretos, este regime permitia ao Estado Belga opôr-se a actos de gestão já praticados, sempre que estivessem em causa a salvaguarda da segurança no aprovisionamento energético da Bélgica, em termos gerais.

Daqui, podem extraír-se algumas conclusões:

Não é completamente impossível a compatibilização de acções especiais com o Direito Comunitário. Mas é estranho o caminho seguido para essa compatibilização e haverá sempre uma avaliação muito restritiva – por parte das instâncias judiciais comunitárias – dos critérios que a permitam;

É previsível que o Tribunal de Justiça determine que apenas certas categorias de actos muitos específicos possam ser praticados pelos Estados limitando as liberdades fundamentais plasmadas no Tratado de Roma (não podemos Estados deter direitos especiais com grande generalidade );

É preciso que os Estados provem devidamente que essa restrição das liberdades asseguradas pelo Tratado, é a melhor maneira de prosseguir o interesse público;

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Nesta linha, é de afirmar que a maioria das acções privilegiadas em Portugal são, actualmente, certamente incompatíveis com o Direito Comunitário. Sobre a própria existência de acções privilegiadas e de direitos especiais em relação a empresas já privatizadas deve recordar-se que o Estado não pode pretender, simultaneamente, privatizar e conservar direitos especiais sobre as empresas. Tal é contraditório e desconforme às regras do Direito Comunitário. Além disso, nada obriga os Estados a privatizarem.

Aula nº 18, 08/01/07

V – DIREITO DA CONCORRÊNCIA E REGULAÇÃOJURÍDICA DA ECONOMIA

1. Generalidades

A regulação jurídica da economia constitui uma forma de intervenção normal e indirecta do Estado na economia, intervenção essa que condiciona logo a actividade económica e a sua forma de exercício, dispensando o Estado de participar na actividade produtiva. Visa salvaguardar essa posição do Estado (posição de não intervenção) salvaguardando também determinandos interesses públicos fundamentais.

Apesar de esta ser uma questão muito controvertida, o Prof. Luís Morais aponta duas grandes áreas essenciais de regulação jurídica da Economia, a saber:

Intervenção Reguladora que visa a defesa dos valores de Mercado:

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Abertura dos mercados e defesa da concorrência.

Pretende-se, em primeiro lugar, abrir à concorrência mercados que estavam tradicionalmente fechados em que que existiam anteriormente monopólios públicos – o que sucedia nas telecomunicações, no sector energético, no sector dos transportes…

Trata-se de um processo de liberalização e abertura à concorrência de determinados sectores e ramos da actividade económica que se fez com base nas disposições do Tratado de Roma, designadamente do 3º parágrafo do art. 86 do mesmo. O Tratado constituí assim a base jurídica de um conjunto de directivas comunitárias, aprovadas sobretudo a partir dos anos 80, que procederam à liberalização gradual de vários sectores da actividade económico dos Estados-Membros da União. Estas directivas, para além de determinarem o desmantelamento de monopólios públicos, aprovaram formas de intervenção reguladora que visam garantir dois tipos de objectivos fundamentais:

Abertura dos mercados à concorrência (num momento inicial) com a eliminação do direitos exlcusivos de operadores públicos…

Assegurar duradouramente a existência de condições estruturais para a permanência de operadores privados no mercado assente no duplo objectivo de, primeiro permitir a abertura dos mercados a entes privados e depois assegurar que eles lá possam operar (para que resistam operando naqueles mercados);

Por outras palavras, aquilo que sucede é que os poderes públicos intervêm na economia, através do Direito (e não da figura do Estado-produtor) a dois títulos e e em momentos diferentes:

Intervenção à priori ou ex ante (pelo Direito da Regulação) – traduz-se na adopção de instrumentos jurídicos de regulação económica que definem, à partida, condições de acesso às actividades económicas e condições de exercício das mesmas. O regulador vai gizar o quadro normativo de actuação no mercado, que os diversos operadores devem respeitar (exº fixação do

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nível máximo de preços que os operadores podem praticar);

Intervenção à posteriori ou ex post (pelo Direito da Concorrência) – intervenção para salvaguardar a abertura dos mercados já efectuada. Pressupõe a verificação prévia de certos comportamentos concorrenciais das empresas: o legislador só intervém se se verificarem determinados comportamentos das empresas e se esses comportamentos provocarem efeitos nocivos no mercado (puserem em causa a concorrência);

Intervenção Reguladora que visa a compatibilização dos valores de Mercado com outro tipo de interesses públicos que com eles possam ser conflituantes:

Trata-se de uma intervenção menos significativa/menos importante que a anterior e que visa essencialmente a tutela de interesses públicos específicos – como a pluralismo dos meios de comunicação social, a defesa das poupanças dos cidadãos e os instrumentos financeiros para a sua aplicação… - em articulação com os valores de mercado, colocando alguns problemas de articulação com o Direito da Concorrência.

É uma intervenção reguladora transitória: justifica-se apenas até que estejam criadas as condições para o funcionamento concorrencial dos mercados em causa; nesse momento, a intervenção reguladora deve cessar dando lugar à aplicação exclusiva de normas de direito da concorrência.

2. História do Direito da Concorrência

O Direito da Concorrência tem uma origem histórica muito clara e facilmente delimitável. Nasceu nos EUA com a adopção do Sherman Act de 1890 (acto fundador do moderno Direito da Concorrência) em reacção à excessiva concentração industrial que resulta do processo de industrialização da economia americana, encetado ainda na segunda metade do século XIX. 17

17 Processo de industrialização norte-americano, facilitado pela circunstância de se tratar de um país recentemente formado. Desenvolvimento também dos meios de transporte (sobretudo dos caminhos-de-ferro, que vão “desbravando” o território americano) acompanhado dos constantes apelos à emigração das populações europeias. Era necessária mão-de-obra para sustentar o arranque industrial e por isso faz-se apelo ao “american dream”. No início do séc. XX a América era já uma das mais importantes potenciais

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Rapidamente se expandiu ao longo do século XX num processo em que a jurisprudência, sobretudo a do Supremo Tribunal Americano, terá uma importância capital. O Direito da Concorrência norte-americano, nomeadamente o trabalho jurisprudencial que resulta do mesmo, veio a influenciar decisamente as normas sobre concorrência aplicadas na Europa com a criação da CEE pelo Tratado de Roma – onde vem previsto um enquadramento jurídico básico no qual estas constam originariamente.

Em Portugal, a introdução de uma disciplina jurídica sobre concorrência acontece em 1983 – com o DL 422/83, o qual constitui um acto fundador do Direito da Concorrência em Portugal. Antecedeu a adesão à Comunidade Europeia tendo sido o seu conteúdo totalmente decalcado do Direito Comunitário da Concorrência então em vigor. O Direito Português da Concorrência sofre, assim, uma influência decisiva do Direito Comunitário, tanto na sua origem – com o DL 422/83 – como ao longo de todas as reformas e modificações que conheceu, designadamente com o DL 371/93, o DL 10/2003 (cria uma Autoridade Nacional da Concorrência, Autoridade Independente que beneficia de autonomia em relação ao Estado) e a Lei 18/2003 (vem gizar um novo regime de Direito substantivo da Concorrência, alterando o regime geral de defesa da concorrência existente em Portugal até então).

A doutrina tem definido dois grandes modelos teóricos do Sistema de Defesa da Concorrência. São eles:

Modelo da “Concorrência-Fim” – em que os valores da concorrência representam valores atendíveis em si mesmos/ per se e que devem ser prosseguidos em termos absolutos. É influenciado pela Escola de Pensamento “Ordo-Liberal” Alemão. O Direito de … deve assegurar a liberdade de actuação no mercado das Empresas e o Direito da Concorrência deve impedir qualquer procedimento que o ameaçe. Trata-se de um sistema de tutela do bom funcionamento do mercado, combatendo qualquer ataque ao conjunto dos valores essenciais que o permitem. Considera-se que toda e qualquer limitação à concorrência introduz deficiências no bom funcionamento dos mercados portanto tutela-se a concorrência. Direito à liberdade de actuação económica. Não tolera entendimentos entre empresas que condicionem a liberdade de actuação.

industriais e comerciais do mundo, vindo a destronar a Grã-Bretanha da posição liderante, imediatamente após a I Guerra Mundial.

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A defesa da concorrência é tida como um valor absoluto, que não consente, em princípio, a ponderação com outro tipo de valores jurídicos. A liberdade de actuação económica de todos os agentes é um valor que necessariamente se sobrepõe a todos os outros.

Sistema de Dano Efectivo ou Modelo de “Concorrência-Meio” – a concorrência não é vista como um valor em si mesma. O funcionamento livre e a abertura dos mercados são meros instrumentos para que eles possam funcionar com eficiência económica. Assim sendo, só deve ser reprimidos dos comportamentos que produzam efeitos capazes de distorçer o funcionamento do mercado fazendo perder eficiência global no mesmo.

Os valores da concorrência podem e devem ser ponderados com outros valores económicos relevantes. A aplicação de normas de concorrência pressupõe essa ponderação.

Aula nº 19, 15/01/07

Tratam-se aqui, essencialmente, de desenvolvimentos puramente teóricos. Os sistemas concretos de defesa da concorrência acabam por não consagrar de uma forma pura, nem um, nem outro; são antes sistemas mistos que aliam elementos e características destas duas construções dogmáticas.

2.1 – Direito Norte-Americano, Direito Comunitário e Direito Nacional da Concorrência

O Direito Norte-americano da concorrência, o primeiro a surgir, começou por estar associado ao modelo teórico da concorrência-fim. No entanto, viria a conhecer uma significativa evolução, sobretudo devido ao contributo da jurisrprudência – e em especial da jursisprudência do Supremo Tribunal de Justiça americano – a qual levou ao aparecimento de uma “rule of reason” (regra de razão) que mitigou a regra geral que proibía comportamentos das empresas que fossem restritivos da concorrência (exº comportamentos de colaboração ou acordos entre empresas): só deveriam ser consideradas práticas proibidas, aquelas que, à luz de um critério de razoabilidade gerassem efeitos económicos sensíveis sobre o funcionamente do mercado. Como não é qualquer comportamento que consegue produzir esses efeitos, nem todos os comportamentes restritivos da concorrência são proibidos.

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Com esta “rule of reason”, na prática, o sistema norte-americano de defesa da concorrência, que começou por ser enformado pelo modelo teórico da concorrência-fim, evoluíu para o modelo de concorrência-meio.

Diversamente, o Direito Comunitário da Concorrência – criado com o Tratado de Roma – é,na sua origem, próximo do modelo da Concorrência-meio (os valores de mercado podem ponderar-se em articulação com outros valores económicos relevantes, como sejam a protecção do emprego) evoluíndo depois no sentido de conferir mais peso aos valores da defesa da concorrência considerados em termos absolutos. Tal evolução, aproxima-o do modelo teórico da concorrência-fim.

Destas duas evoluções resulta uma convergência entre ambos, gerando sistemas híbridos que não se reconhecem ou não se podem reconduzir, em termos puros, nem a um, nem a outro modelo teórico.

Tendo surgido com o Tratado constitutivo da comunidade, o Direito Comunitário da Concorrência visa prosseguir um conjunto de objectivos fundamentais que são também os do Direito Português da Concorrência (uma vez que o segundo foi, como se sabe, inspirado e influenciado pelo primeiro). Contudo, da sua aplicação, ressaltam, conforme destaca o Prof. Luís Morais, dois tipos de dificuldades:

Porque integra normas fundadas em princípios gerais – isto é, o seu enunciado normativo é extremamente genérico – a concretização dos seus fins normativos depende, em grande parte, da ponderação dos princípios jurídicos fundamentais que o compreendem;

O seu programa teleológico tem um importante carácter evolutivo: evoluíu de forma acentuada sendo que, é hoje substancialmente diferente do que era em 1975 quando foi assinado do Tratado de Roma;

Anotadas estas dificuldades, atente-se então aos Escopos Normativos Subjacentes ao Direito Comunitário da Concorrência:

Salvaguarda/tultela do livre funcionamento dos mercados, sem condicionamento das opções das empresas e dos consumidores, em função da produção de efeitos de eficiência económica. – visa-se salvaguardar níveis elevados de eficiência económica associados ao livre funcionamento do mercado. É o objectivo

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preponderante e sofre claras influências do Direito da Concorrência Norte-americano;

Relativamente à Eficiência Ecónomica é necessário sublinhar-se que, tal conceito, do domínio da Economia Política, tomado em sentido amplo, engloba um conjunto de sentidos que importa descortinar. Assim sendo, a Eficiência Económica Global compreende:

o Eficiência Produtiva – aumenta aumentando-se a quantidade e qualidade dos bens e serviços produzidos reduzindo os custos de produção. Dado que todo o processo produtivo geral um determinado grau de ineficiência económica (ineficiência entendida enquanto um certo grau de desperdício de factores de produção) aumentar a eficiência produtiva passará por reduzir este grau de ineficiência residual;

o Eficiência de Afectação – aumenta na medida em que o preço cobrado aos consumidores pelos bens ou serviços prestados se aproxime do custo marginal da produção desses bens ou da prestação desses serviços;

o Eficiência Dinâmica – aumenta na medida em que a inovação permita o aparecimento de novos tipos de bens ou serviços ou a melhoria da qualidade daqueles que já existem;

Discutia-se se o que estave em causa era a eficiência produtiva, a eficiência de afectação e a eficiência dinâmica ou se apenas a eficiência de afectação ou atribuição era importante.

Promover a integração dos mercados nacionais e a sua confluência num Mercado Único Comunitário (“Mercado Unificado”) eliminando-se barreiras estaduais às liberdades económicas de concorrência. Entende-se também que, eliminadas essas barreiras, a liberdade económica de concorrência não pode ser contrariada por acordos entre empresas;

Contudo, registou-se uma evolução no sentido da alteração do peso relativo de cada um destes objectivos, a qual, esquematicamente, pode ser configurada do seguinte modo:

Numa primeira fase (até aproximadamente aos anos 60 e 70), o objectivo mais importante era o que passava pela promoção da integração dos mercados nacionais e a criação do mercado único;

À medida que se foi avançando no processo de integraçãos dos mercados, sobretudo a partir dos anos 90 quando se concluíu o programa do mercado único (concretizando-se esse mesmo

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mercado), tal objectivo perde peso em termos de aplicação das normas de defesa da concorrência e afirma-se com muito mais nitidez o primeiro. Esta evolução não deixa de ter implicações: atender a um ou a outro objectivos fundamentais, nem sempre gera o mesmo resultado em termos de aplicação de normas de Direito da Concorrência. I. e, uma mesma norma, aplicada em função de ou de outro escopo, conduz frequentemente a resultados distintos;

O Direito Nacional da Concorrência prossegue fundamentalmente o primeiro dos objectivos enunciados – um objectivo de eficiência económica essencialmente na perspectiva da ponderação dos interesses dos consumidores.

Estrutura Normativa Básica do Direito Nacional da Concorrência e do Direito Nacional da Concorrência (perspectiva analítico-comparativa)

No Direito Comunitário podem encontrar-se dois tipos fundamentais de normas de Direito da Concorrência, em função dos destinatários. A saber:

Normas de Concorrência aplicadas às empresas; Normas de Concorrência aplicadas aos Estados;

Embora o Direito Nacional intregre ambos os tipos, predomina o primeiro: as normas relativas ao Estado não têm sido praticamente aplicadas, o que constitui uma das poucas especificidades/diferenças do ordenamento jurídico português da concorrência em face do Comunitário. A explicação para tal circunstância parece simples: visando as normas aplicáveis aos Estados impedir que estes favoreçam empresas nacionais ao arrepio da regra geral da concorrência entre os agentes económicos comunitários, é natural que os poderes públicos, tendo na sua mão a criação e execução da lei, optem por dar menos relevância a regimes normativos que limitem de forma mais significativa a sua liberdade de actuação/de escolha.

Debruçar-nos-emos pois, de seguida, sobre as normas de Direito da Concorrência aplicadas às Empresas.

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3- Normas de Concorrência aplicáveis às Empresas

Impõe-se um ponto prévio. Antes de qualquer abordagem desenvolvida, será necessário definir o conceito de “empresa” na óptica do Direito da Concorrência, delimitando-o de outros conceitos operacionais doutras áreas do ordenamento jurídico.

Trata-se de um conceito específico e muito particular em face da generalidade dos outros próprios da Economia e de certos ramos do direito privado. Ele foi construído a partir de dois elementos fundamentais, que podem ser detectados na definição de “empresa” que comparece no art. 2 da Lei 18/2003, a saber:

Caracterização da empresa como toda e qualquer entidade que desenvolve no mercado uma actividade produtiva em sentido lato e que conforme a sua actuação a partir de critérios de economicidade – a empresa não tem de estar necessariamente funcionalizada à obtenção do lucro. O que terá é que haver um determinado nível de organização dos factores produtivos, dirigido à produção de resultados económicos, independentemente de qualquer elemento de personalidade jurídica (assim sendo, por exemplo, um estabelecimento industrial que se subsuma a estes requisitos, mesmo não tendo personalidade jurídica, pode ser considerado uma empresa, para efeitos de Direito da Concorrência);

Necessidade de unidade de direcção económica, enquanto capacidade de auto-determinação do seu comportamento no mercado; autonomia decisória e independência relativamente a orientações de outrem – nesta linha, não serão empresas as entidades jurídicas subordinadas a outras entidades que dirigiam a sua actuação no mercado;

Por outras palavras, a caracterização do conceito de “empresa” em Direito da Concorrência, faz-se partir de dois vectores fundamentais e cumulativos:

Tem de ser uma unidade funcional, independentemente do estatuto jurídico que assuma. Tem de ser uma entidade com um nível mínimo de organização dos factores de produtivos funcionalizada à produção e à obtenção de resultados económicos;

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Tem de ter autonomia decisória. Só é empresa, para efeitos de Direito da Concorrência, a entidade com aptidão para determinar o seu próprio comportamento no mercado;

As Autoridades da Concorrência e os Tribunais Comunitários já têm admitido, a título excepcional, que uma filial (entidade dominada por uma empresa-mãe) possa constituír uma empresa para efeitos de Direito da Concorrência; para isso é preciso que, ainda que formalmente seja dominada por outra empresa, na prática, desenvolva um comportamento comercial autónomo ou independente das orientações comerciais e de gestão da empresa-mãe.

Ainda na linha das inclusões “excepcionais” no conceito de empresa do Direito da Concorrência, há que salientar alguma jurisprudência importante do Tribunal de Justiça, designadamente o Acórdão C 41/90 – nele se vem a considerar como empresa, um instituto público que tinha como função a colocação de trabalhadores no mercado de trabalho.

Caracterização da Estrutura Normativa Básica do Direito Comunitário da Concorrência e do Direito Nacional da Concorrência:

Atendendo simultaneamente ao Direito Comunitário e ao Direito Nacional da Concorrência, podemos descortinar três tipos fundamentais de normas de Direito da Concorrêncoa aplicáveis às Empresas:

Normas de Comportamento ou Normas aplicáveis a comportamentos empresariais;

Normas de tipo misto ou normas mistas;

Normas de tipo estrutural;

A – NORMAS DE COMPORTAMENTO

Correspondem, no Direito Comunitário originário (Tratado Constitutivo da União Europeia), ao art. 81, e na lei portuguesa (Lei mº 18/2003) aos arts. 4 e 5. A sua previsão tem por objecto o conceito de empresa do Direito da Concorrência.

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São as normas que regulam os processos de cooperação entre empresas, aplicando-se quando duas ou mais empresas distintas estabelecem entendimentos entre si, através de processos jurídicos e económicos, vindo assim a limitar a margem de liberdade de actuação do mercado ou de outras empresas.

Aplicam-se a processos de cooperação entre empresas.

B – NORMAS MISTAS OU NORMAS DE TIPO MISTO

São, na sua essência, também normas de comportamento, mas não de todo e qualquer comportamento. Só se aplicam aos comportamentos de empresas que detenham uma posição dominante em determinado mercado (são normas de tipo misto porque partem igualmente do “comportamento”, mas qualificado com um elemento estrutural que é a detenção de uma posição dominante).

Têm em vista, na sua hipótese jurídica (previsão), também comportamentos de empresas. Divergem das primeiras porque conjugam a previsão de um comportamento comercial das empresas com um elemento jurídico-económico que tem que ver com a estrutura do mercado: não se aplicam a toda e qualquer empresa nem a todo e qualquer comportamento de empresa; só se aplicam aos comportamentos de empresas que tenham um significativo poder de mercado (mais concretamente, aplicam-se, na maioria dos casos, a empresas que detentoras de uma posição dominante).

Têm uma qualificação suplementar em função da detenção de uma elevado poder de mercado por parte de algumas empresas em especial.

Encontram-se no art. 82 do Tratado e ao art. 6 da Lei Portuguesa – regime do abuso de posição dominante.

C – NORMAS DE TIPO ESTRUTURAL

Não têm por objecto comportamentos, antes se aplicam directamente a operações económicas que se traduzam em alerações da estrutura dos mercados (alterações do número de entidades que operam em certo mercado – exº se uma empresa A se funde com a empresa B, passando a haver apenas uma única unidade empresarial no mercado onde ambas operavam sozinhas).

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Normas que não têm por objecto os comportamentos comerciais das empresas, mas alterações da estrutura (nº, tipo e qualidade das empresas que estão num determinado mercado) de um mercado, resultantes de determinadas opções económicas. Qualquer operação económica que possa pôr em causa a estrutura do mercado, é sujeita do escrutínio destas normas.

São normas de controlo de operações de concentração de empresas, concentrações essas correspondentes a dois tipos de operações:

Fusão entre duas empresas distintas;

Alteração da estrutura de controlo de uma empresa/transferência do controlo que é exercido sobre determinada empresa – uma empresa que antes era independente na definição das linhas de força da sua actuação no mercado, passa a ser controlada por outra ou perde essa independência;

Trata-se de uma noção que é tributária do conceito empresarial próprio do Direito da Concorrência (qualquer posição jurídico-económica que corresponda ao exercício de uma influência predominante sobre a gestão de uma determinada empresa). Aqui, a operação de concentração é vista como um acto que envolve a alteração da estrutura de controlo de uma empresa;

Aula nº 20, 19/01/07

Ao contrário das outras, que são de aplicação ex post, as normas de tipo estrutural são normas de controle preventivo. Visam o controlo preventivo de operações de concentração de empresas de impacto mais significativo. Assim sendo, as operações económicas mais importantes de concentração de empresas não podem ser feitas sem notificação e avaliação pévia por uma Autoridade da Concorrência, que procederá à aplicação deste conjunto normativo básico.

Coloca-se então uma questão: como proceder à delimitação dessas operações de concentração mais importantes? Como distingui-las das outras, definindo quais são e quais não são importantes para efeito de aplicação das normas de Direito da Concorrência de tipo estrutural? A resposta passa pela aplicação de dois critérios quantitativos que têm vindo a ser aplicados:

A quota de mercado das empresas que participam na operação de concentração;

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O volume de negócios das mesmas;

As normas de tipo estrutural não vinham previstas na versão original do Tratado constititutivo da Comunidade Europeia. Só no quadro do Direito comunitário derivado surgiria um regulamento neste âmbito – o Regualmento nº 4064/89 CEE, visto e reformado pelo Regulamento 139/2004, o qual constitui o regime ainda em vigor. Na ordem jurdídica nacional, elas podem ser encontradas no art. 8 e ss’s da Lei 18/2003.

Articulação da aplicação do Direito Comunitário daConcorrência com o Direito Nacional da Concorrência

Para efeito desta articulação, é necessário ter presente a distinção entre os três tipos de regras que constituem a estrutura normativa básica do Direito da Concorrência. Assim sendo:

As normas de comportamento e as normas mistas admitem uma competência cumulativa das Autoridades Nacionais e dos Tribunais Nacionais da Concorrência para a aplicação quer do Direito Nacional quer do Direito Comunitário da Concorrência.

Releva então a questão de saber qual é o ordenamento jurídico aplicável a cada caso concreto (Direito Comunitário ou Direito Nacional da Concorrência?). O critério utilizado para proceder a esta delimitação de competências é o do efeito de afectação do comércio entre os Estados Membros – o Direito Comunitário, maxime as normas de comportamento, aplica-se a todo e qualquer comportamento de empresas que afecte o comércio intra-comunitário. Pode entender-se que este critério compreende todo e qualquer efeito real ou potencial dos comportamentos de empresas sobre as trocas comerciais entre os Estados-membros da UE; qualquer situação que restinja a concorrência de forma sensível tendendo a prejudicar as relações comerciais já existentes ou mesmo a funcionar como obstáculo a relações entre Estados que possam vir a desenvolver-se. Não é necessário, portanto, que existam previamente relações comerciais entre todos os Estados; a simples possibilidade de se verem inibidas possíveis relações futuras despoleta a aplicação das normas da concorrência – tal tem sido o entendimento do Tribunal de Justiça.

A Comissão Europeia procurou concretizar esta orientação da jurisprudência adoptando uma Comunicação Interpretativa (C 181/81) que esclarece o significado da expressão «afectação do comércio entre os

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Estados Membros», base da aplicação do Direito Comunitário da Concorrência, recorrendo a precedentes jurisprudenciais.

Assim sendo, em todas as situações concretas em que comportamentos comerciais de empresas impliquem efeitos económicos significativos, que afectem as relações comerciais entre os Estados-Membros, há lugar à aplicação do Direito Comunitário da Concorrência e à intervenção da Autoridade Central em termos de Concorrência – a Comissão Europeia, que intervem escurtinando os comportamentos das empresas envolvidas.As Autoridades Nacionais da Concorrência poderão intervir simultaneamente aplicando, quer o seu direito nacional, quer o direito comunitário da concorrência.

No entanto, desde 2003, em face de um princípio de descentralização, a Comissão tem remetido para as Autoridades Nacionais dos Estados-Membros a aplicação do Direito Comunitário (nas situações em que, à luz do critério explanado, é ele o ordenamento aplicável) reservando para si apenas os casos mais importantes que possam constituír precedente normativo ou dar lugar a uma solução inovadora.

Com as normas estruturais (ou de tipo estrutural) as competências de instâncias nacionais e instâncias comunitárias distinguem-se. São competências que se excluem reciprocamente de tal sorte que, para o controle de certas operações de concentração é competente a Comissão Europeia enquanto que para outras serão competentes as Autoridades Nacionais da Concorrência;

O critério da delimitação da competência da Comissão Europeia em face das Autoridades Nacionais é puramente quantitativo – o Direito Comunitário aplica-se apenas às operações de concentração com dimensão comunitária. Nestes casos, é a Comissão Europeia competente para actuar com exclusividade; em todos os outros, a Comissão não intervem e a competência para actuar cabe às Autoridades Nacionais da Concorrência.

Nas duas situações que considerámos, lança-se mão de critérios disintintos e com níveis de segurança diferenciados: no segundo trata-se de um critério quantitativo – o regulamento comunitário refere-se a determinados valores de volume de negócios entre as Empresas envolvidas na operação e a distribuição dos mesmos pelos Estados-Membros (pretende apurar-se se as empresas envolvidas têm ou não carácter transnacional, para assim se

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ver se a operação de concentração que encetaram tem ou não uma dimensão comunitária) –. Trabalha-se com valores numéricos o que implica uma margem de segurança e determinação muito mais elevada que no primeiro caso (afectação do comércio entre os Estados) em que o critério proposto é meramente qualitativo.

Aula nº 21, 22/01/07

A aula não foi leccionada porque a Faculdade encontrava-se encerrada em vitude do falecimento do Prof. Ruy de Albuquerque.

Aula nº 22, 26/01/07

* Operações de Concentração com Dimensão Comunitária está em causa um critério quantitivo relacionado com o volume de negócios das empresas envolvidas na operação e sua distribuição por dois ou mais Estados-Membros da UE. Não releva apenas o volume de negócios per se, mas também o carácter transnacional da operação de concentração, aferido em função da distribuição do seu volume de transacções por dois ou mais Estados e à luz de valores quantitativos previamente definidos.O Regulamento 139/2004 prevê, no entanto, mecanismos jurídicos excepcionais de reenvio de determinadas operações com as características mencionadas, em circunstâncias muito específicas: reenvio de operações de concentração com dimensão comunitária, que seriam da competência da Comissão Europeia, para as Autoridades Nacionais e reenvio de operações sem dimensão comunitária, que deveriam ficar ao nível das instâncias estaduais, para a Comissão.

Trata-se-á sempre de casos muito excepcionais e objectivamente delimitáveis em face dos critérios vertidos no regulamento.

Âmbito de aplicação do Direito da Concorrência da UE e dos seus Estados-Membros

Esclarecidos os critérios de articulação entre os Direitos Nacionais e o Direito Comunitário da Concorrência, importa agora definir o âmbito material de aplicação de ambos, i. é, encontrar os tipos de actuações de empresas que concretamente levam à aplicação das normas de defesa da concorrência, quer europeias, quer estaduais. Teoricamente dois critérios poderiam ser utilizados para esta definição:

Critério da Territorialidade – o Direito comunitário da Concorrência (e bem assim os Direitos de Estados-Membros da

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UE) aplicar-se-ia a empresas sediadas ou com secursais estabelecidas em território da Comunidade;

Consideração de elementos mais externos que ficam aquém do critério da territorialidade;

O critério que é especialmente considerado – portanto, adoptado na maioria dos casos – é a doutrina dos efeitos ou doutrina da localização dos efeitos restritivos da Concorrência, o que constitui uma originalidade do Direito Comunitário da Concorrência. Assim, o que releva para circunscrever o âmbito de aplicação do Direito da Concorrência Comunitário, não é um critério de territorialidade – que exigiria a presença física das Empresas no território da União – mas sim que os efeitos das práticas empresariais restritivas da Concorrência se projectem/façam sentir no território da Comunidade. As empresas poderão então estar sediadas fora do território da União e não ter nenhum elemento territorial de conexão com ele.

Esta doutrina foi consagrada por um Acórdão de 27/09/88, proferido na sequência de vários processos – Processos C89/85, C125/85 e C129/85 – em que o Tribunal de Justiça se confrontou com um conjunto de práticas concertadas de empresas norte-americanas e canadianas de pasta de papel, no que diz respeito à venda de papel e pasta de papel para a União Europeia. Nenhuma delas tinha qualquer elemento físico de conexão com o território da Comunidade: não se encontravam sediadas em nenhum dos Estados-Membros; apenas realizavam exportações para vários deles. Neste caso, o TJCE admitiu que se deveria aplicar o art. 81 (à época art. 85) do Tratado da Comunidade Europeia porque a concertação restritiva da concorrência desenvolvida por estas empresas produzia efeitos ao nível das suas exportações para o mercado comunitário afectando tanto consumidores como outras empresas.

Regime da Cooperação entre Empresas(art. 81 do Tratado e arts. 4 e 8 da Lei 18/2003)

É definido por normas de comportamento. Normas que disciplinam comportamentos comerciais com diferentes contornos, que traduzem formas diversificadas de cooperação ou coligação entre empresas. Trata-se de empresas que combinam entre si comportamentos comerciais a adoptar reciprocamente, os quais irão restingir a sua própria liberdade de actuação no mercado, a liberdade de actuação de outras empresas e a liberdade de escolha dos consumidores.

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As coligações abrangem, grosso modo, três elementos essenciais em que a liberdade de escolha das empresas e dos consumidores poder ser restringida:

Preço de bens e serviços transaccionados no mercado; Qualidade; Quantidade;

Quanto às modalidades jurídicas fundamentais destas coligações, cooperações entre empresas ou comportamentos coligados, elas são também três, a saber:

a) Acordos entre empresas restritivos da Concorrência;b) Decisões de associações de empresas restritivas da Concorrência;c) Práticas concertadas de empresas restritivas da Concorrência;

A – ACORDOS ENTRE EMPRESAS

Todo e qualquer entendimento entre duas ou mais empresas distintas, que assuma características de relativa estabilidade. Não é necessário que seja um convénio juridicamente vinculativo; poderá ser um mero «acordo de cavalheiros». Para o Prof. Luís Morais trata-se de uma categoria de comportamento anti-concorrencial, que se reveste de relativa estabilidade e durabilidade e tem um conteúdo inequívoco ou o mínimo de formalização jurídica, ainda que muito deficiente.

B – DECISÕES DE ASSOCIAÇÕES DE EMPRESAS

Actuações restritivas da concorrência que têm por base determinados actos de instituições que representam empresas que operam em determinados sectores – associações representativas de empresas.

Distinguem-se dos meros acordos entre empresas porque o que está em causa é uma vontade colectiva, formada ao nível dos órgãos estatutários representativos de várias empresas, e não um concurso ou complexo de vontades individuais. Enquanto que nos acordos entre empresas são precisas várias entidades (pelo menos duas) que confluam na vontade de celebrar o convénio, aqui há apenas uma, representativa de todas as outras que a compõem, a promanar indicações/emitir decisões das quais resultam efeitos perturbadores do normal funcionamento do mercado.

Para haver uma prática proibida pelo Direito da Concorrência, não será preciso que as decisões destes organismos sejam juridicamente vinculativas

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para as empresas que integram a associação; basta serem meras orientações ou indicações promanadas, por exemplo pelo Conselho Directivo da entidade em causa, para as empresas que a compõem.

Exº indicações de associações de produtores sobre o preço de um determinado bem ou de uma Ordem Profissional sobre o valor a cobrar pela prestação de determinado serviço.

C – PRÁTICAS CONCERTADAS

Aproximam-se dos acordos entre empresas, na medida em que, aqui também está em causa um concurso de vontades individuais que traduz uma convergência de comportamentos comerciais entre empresas, limitando a sua própria liberdade de escolha e a liberdade de escolha dos consumidores.

Distingue-os a não existência das características de estabilidade e durabilidade que caracterizam os acordos entre empresas e o facto de também não terem o mesmo carácter inequívoco. Por isso são mais difíceis de detectar e de provar.

Mau grado tais dificuldades, existem alguns indícios os elementos indicativos cumulativos que nos permitem identificar uma prática concertada, designadamente os seguintes:

Elemento material objectivo – coincidência no tipo de comportamentos comerciais convergentes de duas ou mais empresas (exº fixação de preços convergentes para um certo bem, quando do livre funcionamento do mercado poderiam resultar preços completamente distintos). Não é um elemento suficiente para se concluír, com certezas, pela existência de uma prática concertada, porque pode corresponder a um fenómeno meramente casual ou pontual;

Elemento material subjectivo – convicção, por parte das empresas envolvidas, de que a(s) outra(s) empresa(s) vão adoptar os mesmos comportamentos comerciais – portanto, haverá aqui um entendimento comum no sentido do desenvolvimento de comportamentos comerciais convergentes, a somar ao mero desenvolvimento dos mesmos.

A concorrência depende da incerteza. As empresas concorrem entre si porque estão confrontadas com uma forte incerteza

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relativamente à reacção e aos comportamentos das outras. Se esse elemento de incerteza for destruído ou limitado, pode afirmar-se que é a própria concorrência que é posta em causa. Ora, é isso precisamente que aqui se passa. Verifica-se a eliminação do elemento de incerteza dado que uma empresa vai adoptar um determinado comportamento, não numa situação de desconhecimento, mas estritamente porque tem a convicção de que as outras a vão seguir. Há um fenómeno de interdependência ou destruição do elemento de incerteza, que somado ao anterior factor, se traduz numa espécie de acordo tácito ou implícito.

Mesmo atendendo a estes indícios, continua a ser difícil detectar e fazer a prova da existência de práticas concertadas. Se se verificarem dois outros sinais complementares o diagnóstico poderá então ser muito mais seguro. São eles:

O prolongamento no tempo desta convergência ou coincidência de comportamentos;

A circulação de informação sensível entre as empresas em causa (informação de carácter concorrencial, cujo desconhecimento permitiria a uma obter vantagens sobre a outra em cenário de concorrência e vice-versa);

Passemos à análise da Estrutura jurídica básica das normas do regime de cooperação entre empresas – art. 81do Tratado + arts. 4 e 5 da Lei 18/2003:

1. Norma geral de proibição de certos comportamentos de cooperação entre empresas – art. 81, § 1 Tratado + art. 4/1 Lei;

2. Fixação das consequências associadas, ope legis, a comportamentos que se subsumam à norma geral de proibição – a consequência é a nulidade desses entendimentos, de todo e qualquer elemento jurídico que esteja na base de coligação empresariais – art. 81, § 2 Tratado + art. 4/2 Lei;

3. Normas Especiais – permitem a isenção de comportamentos que seriam à partida proibidos, passando a ser permitidos. Permitem considerar como permitidos, em certas circunstâncias excepcionais, comportamentos que violem a norma geral de proibição, se estiverem preenchidos

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cumulativamente certos requisitos – art. 81, § 3 Tratado + art. 5 Lei;

Aula nº 23, 29/01/07

Estrutura das Normas da Concorrência(análise comparativa do art. 81 do Tratado e dos arts. 4 e 5 da Lei 18/2003)

Direito Comunitário da Concorrência

Direito Nacional da Concorrência

Norma de Proibição Geral – art. 81/1 do TCE18;

Norma de Proibição Geral – art. 4/1 da Lei 18/2003;

Enumerações Exemplificativas – art. 81/1, alíneas a) a e), TCE;

Enumerações Exemplificativas – art. 4/1, alíneas a) a g), da Lei 18/2003;

Consequência Jurídica imediata: nulidade – art. 81/2 do TCE;

Consequência Jurídica imediata: nulidade – art. 4/2 da Lei 18/2003;

Isenções – art. 81/3; Isenções – art. 5, Lei 18/2003;

Antes de entrarmos propriamente na análise detalhada desta estrutura normativa, vamos deter-nos sobre duas questões prévias absolutamente relevantes:

As teorias/modelos teóricos subjacentes aos ordenamentos da concorrência;

A influência do Direito Comunitário da Concorrência sobre o Direito Português da Concorrência;

A – Teorias subjacentes aos ordenamentos da concorrência:

Teoria da Concorrência-condição – aquela que vislumbra na concorrência um bem em si mesmo, um valor absoluto que não pode ceder perante quaisquer outros objectivos. É a teoria que se encontra subjacente na ordem jurídica norte-americana e plasmada na legislação vigente desde o Sherman Act ainda que, a aplicação dessa legislação seja na prática atenuada ou mitigada pela rule of reason (regra da ponderação, na tradução mais conforme com a versão original) introduzida pela jurisprudência. Os Tribunais americanos poderam os valores que estão em causa

18 Tratado da Comunidade Europeia.

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em cada caso concreto e não aplicam cegamente a legislação vigente sobre concorrência;

Teoria da Concorrência-meio – é aquela que se encontra subjacente ou que enforma de modo preponderante o ordenamento jurídico comunitário da concorrência, bem como o Nacional. Concebe a concorrência como um meio entre outros valores a tutelar, entre outros objectivos a alcançar. Nessa linha, por vezes os valores da concorrência poderão ceder perante outros, como sejam o emprego, a modernização do tecido empresarial, etc.;

B – Influências do Direito Comunitário da Concorrência sobre o Direito Nacional da Concorrência:

O ordenamento jurídico nacional é fortemente tributário do comunitário, quanto:

À origem – o ordenamento jurídico nacional da concorrência, nasceu em 1983 e data e uma altura em que se estava nas vésperas da adesão à Comunidade Europeia (adesão em 1985 para passar a produzir efeitos a partir de Janeiro de 1986);

À Estrutura – a estrutura do ordenamento jurídico nacional da concorrência vai beber no comunitário;

Por isso, é importante estabelecer a articulação entre ambos, para saber quando é que aplica um ou outro face a cada caso concreto.

-------------------------------------------------------------------------------------------Passemos então à análise da Estrutura das normas de concorrência, a partir dos tópicos introduzidos no quadro-síntese com que se iniciou a presente lição.

1. Pressupostos de Aplicabilidade:

Pressupostos que, estando preenchidos cumulativamente, despoletam a aplicação das normas de defesa da Concorrência.

No Direito Comunitário – art. 81/1 do Tratado, são os seguintes:

Existência ou preenchimento de uma das modalidades de coligações ou práticas colectivas: acordos entre

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empresas v decisões de associações de empresas v práticas concertadas;

Agressão à Concorrência – prática que impeça, restrinja ou falsei a concorrência no mercado comunitário;

Susceptibilidade de afectar as trocas intracomunitárias –prática cujos efeitos possam afectar as trocas intracomunitárias;

Na Lei Portuguesa – art. 4 da Lei 18/2003:

Existência de uma das modalidades de coligação ou práticas colectivas: acordos entre empresas v decisões de associações de empresas v práticas concertadas;

Os efeitos dessa prática impedirem, restringirem ou falsearem a concorrência, no todo ou em parte, no mercado nacional;

Um acordo entre empresas, per se, não é incompatível com o Direito da Concorrência e, em princípio. Para que o seja, accionando a clásula geral de proibição, é preciso que estejam concomitantemente preenchidos todos os pressupostos.

2. Enumeração exemplificativa de comportamentos que desencadeiam a aplicação das normas:

Não exclui a possibilidade de existirem outros comportamentos que, subsumindo-se aos pressupostos atrás descritos, activem a cláusula geral de proibição e a respectiva consequência jurídica. Trata-se de uma mera enumeração exemplificativa dos casos mais frequentes ou mais gravosos, elencados, tanto pelo TCE como pela Lei Portuguesa. Estes exemplos devem ser passados em revista antes de tentarmos considerar a prática proibida por referência directamente à claúsula geral de proibição.

Os exemplos citados são os seguintes (TCE + Lei 18/2003):

Fixar, de forma directa ou indirecta, do preço ou outras condições de transacção – art. 81/1 a) TCE + art. 4/1 a) e b) Lei;

O preço é uma forma de competição que se pode traduzir numa distorção da concorrência. Então, pretende prevenir-se a fixação directa ou indirecta

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de preços, os preços impostos, os preços indicativos ou aconselhados (normalmente decisões de associações de empresas), os preços mínimos e máximos, etc.

Relativamente às condições de transacção a situação mais frequente passa pela aplicação de condições comuns de pagamento para determinado tipo de fornecedores.

Limitar ou controlar a produção, a ditribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos – art. 81/1 b) TCE + 4/1 c) Lei;

Abrange as clássicas políticas de fixação de quotas de produção (exº A só produz o bem x e B o bem y); quando os produtores restringem voluntariamente a sua produção o que é uma forma de afastar outros concorrentes para além daqueles que já se encontram no mercado

Repartir os mercados e as fontes de abastecimento – art. 81/1 c) TCE + art. 4/1 d) Lei;

Trata-se de um tipo de repartição territorial (exº A fica com exclusivamente com o mercado ibérico e B com o mercado escandinavo);

Aplicar a parceiros contratuais, condições desiguais relativamente a prestações equivalentes – art. 81/1 d) TCE + art. 4/1 e) e f) Lei;

A alínea d) do art. 81 do TCE é um corolário do princípio da não discriminação: proibe a discriminação entre operadores económicos. Procura-se sancionar comportamentos que tenham como objecto ou efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência;

Utilizar cláusulas de subordinação – art. 81/1 e) TCE + art. 7/1 g) Lei;

Consiste em proibir as cláusulas que impeçam os contraentes de contratar junto de terceiros.

O art. 81 do TCE visa aplicar-se a condutas ou comportamentos. Não se procura saber se uma empresa tem ou não uma posição dominante, se tem ou não poder de mercado, etc. Atenta-se apenas no elemento comportamental: como é que os operadores económicos se comportam/actuam no mercado (restringindo ou não a concorrência)?

3. Consequência Jurídica da sua aplicação:

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No Direito Comunitário originário verificados os pressupostos plasmados no art. 81/1 TCE a consequência é a nulidade – art 81/2 TCE; no Direito Português também (art.4/2).

Trata-se de uma nulidade – desvalor que incide especificamente sobre o acto que se considera restringir a concorrência, determinando a sua não produção de efeitos – que não prejudica a aplicação de outras sanções, nomeadamente coimas, multas, entre outras. Uma vez que o acordo não produz efeitos de direito (pois é nulo), se uma das partes o violar, não pode a outra, em Tribunal, vir exigir o seu cumprimento.

4. Isenções à aplicação das normas:

É aqui que se sente, de forma mais evidente, a presença da Teoria da Concorrência-Meio. Alguns autores afirmam mesmo que este é o campo privilegiado da política comunitária da Concorrência: é quando as Autoridades da Concorrência decidem, em concreto, se aplicam ou não o art. 81/1 do TCE.

As isenções (art. 3 TCE + art. 5 Lei) aplicam-se quando, estando preenchidos os pressupostos de aplicabilidade do art. 81 do TCE ou do art. 4 da Lei 18/2003, a Comissão Europeia ou a Autoridade Nacional da Concorrência decidem, respectivamente, autorizar a prática, se forem observados alguns requisitos.

As isenções pedidas à Comissão podem ser:

o Isenção Individual – quando as empresas que celebram o acordo, mau grado estarem preenchidos os pressupostos de aplicabilidade do art. 81 (o que determinaria a invalidade do convénio), pedem uma isenção à Comissão, porque apesar de estarem a violar a condição acreditam poder prosseguir outros objectivos importantes. Está aqui presente a Teoria da Concorrência-Condição: a Comissão não vai defender a Concorrência de forma cega; aceita que ela seja posta em causa e ponderada em face de outros valores igualmente importantes. Opera por acto individual e concreto;

o Isenção por grupo ou Categoria – quando a Comissão chega à conclusão de que determinados sectores de actividade precisam de ser modernizados, aprovando um regulamento que isenta da aplicação do art. 81, todas as empresas desses

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sector (e não somente algumas que venham pedir a isenção). Opera mediante a aprovação de um regulamento;

Esta distinção encontra-se plasmada no art. 81/3 TCE.

São condições cumulativas que permitem a concessão de uma isenção em sede de Direito Comunitário (art. 81/3 TCE), as seguintes:

o Condições Positivas:

Acordos devem contribuir objectivamente para melhorar a produção ou distribuição dos produtos, desde que os consumidores também sejam beneficiados;

Devem promover o progresso técnico ou económicos, desde que os consumidores também dele beneficiem;

o Condições Negativas:

Não devem impor, às empresas em causa, quaisquer restrições que não sejam indispensáveis à consecução desses objectivos (princípio da proporcionalidade);

Não podem dar, a essas empresas, a possibilidade de eliminar totalmente a concorrência, relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa – trata-se do último resquício da Teoria da Concorrência-Condição; todo o preceito orbita em torno da Teoria da Concorrência-Meio: nenhum valor, por mais importante que seja, em face do qual a concorrência seja ponderado, justificará o seu total desaparecimento;

O mecanismo das “isenções” tem uma História já relativamente longa. Inicialmente existia um Regulamento de 1972 (Regulamento 17/72) que previa a figura dos certificados negativos emitidos quando a Comissão, consultada previamente por empresas que celebravam um acordo e tinham dúvidas quanto à sua conformidade com as regras do Direito da Concorrência, constatava que não se encontravam preenchidos os pressupostos de aplicabilidade do art. 81 do Tratado. Emitido o certificado negativo, as empresas tinham uma prova (promanada por entidade competente) de que a prática que pretendiam levar em diante não ofendia a concorrência e poderiam executá-la. Ainda assim, qualquer alteração do acordo não estava a coberto do certificado (que fora aprovado especificamente face a um determinado teor do convénio) fazendo-as

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incorrer nas sanções aplicáveis no caso de a sua prática vir a despoletar a aplicação da claúsula geral de proibição do art. 81.

A defesa da concorrência é assegurada pelas Autoridades nacionais ou Comunitária. No entanto, por vezes, as práticas potencialmente restritivas são de tal modo simples ou insignificantes que não se justifica a aplicação do Direito Comunitário. É o caso dos acordos de minimus – acordos de importância menor, que não chegam a desencadear a aplicação da claúsula de proibição. As regras da concorrência só se aplicam se se verificar uma prática que afecte de forma sensível o Mercado Comunitário.

Aula nº 24, 02/02/07

Falta

Aula nº 25, 05/02/07

Falta

Aula nº 26, 09/02/07

Regime do Abuso de Posição Dominante

1– Delimitação do Mercado Relevante

A detecção de uma «posição dominante» implica a prévia delimitação do mercado relevante, pois que as actividades das empresas e os efeitos que delas decorrem não podem ser avaliados em abstracto, têm de ser projectados em relação a mercados concretos. Assim sendo, a posição dominante de uma empresa na produção ou comercialização de certos bens ou serviços, não é um dado que se impõe de per se, antes se afirma em concreto, relativamente a certo ou certos mercados relevantes.

Por sua vez, a delimitação do «Mercado Relevante» opera a dois níveis, a saber:

a) Determinação do Mercado Relevante do Produto;b) Determinação do Mercado Relevante Geográfico;

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A – MERCADO RELEVANTE DO PRODUTO:

Caracteriza o universo comparável de bens e serviços que uma ou mais empresas comercializam, sendo nesse universo que devem ser avaliados os efeitos sobre a concorrência que resultam do comportamento dessas empresas. Os critérios utilizados, tanto pela Autoridade Nacional da Concorrência como pela jurisprudência do TJCE (v. comunicação interpretativa de 97), para a sua delimitação, são:

Substituitibilidade na perspectiva da procura – procura aferir o universo de bens e serviços que são considerados substituíveis entre si por parte dos consumidores. Trata-se de bens e serviçps quase sucedâneos.

Como é que essa substitutibilidade pode ser, em concreto, determinada? A sua determinação tem-se socorrido de vários testes, de entre os quais, o mais utilizado é o teste econométrico adopatado por influência do Direito norte-americano – testa as variações de preços de produtos, não muito significativas mas com carácter apreciável, de carácter não transitório (TESTE ‘SNIP’) e pretende analisar as reacções dos consumidores face a variações de preços de produtos que têm características comparáveis.

Opera do seguite modo: toma-se um conjunto de bens que têm características comparáveis e testa-se as reacções dos consumidores perante variações do seu preço, na ordem dos 5 a 10%, ao longo de um certo tempo. Se o aumento do preço de um bem A fizer aumentar a procura do bem B, então estes dois bens são substituíveis. A substitutibilidade de um conjunto de bens ou serviços implica que a procura se distribua por esses mesmos bens ou serviços em função das oscilações de preço que ocorram ao longo do tempo.

Substituitibilidade na perspectiva da oferta – o que se vai considerar é o comportamento dos fornecedores de bens e serviços face a um determinado posicionamento do mercado. Mede a capacidade dos produtores transferirem quase imediatamente a sua capacidade produtiva (sem necessidade de grandes alterações) da oferta de um bem para a de outro, em função de variações no preço de mercado.

Tendencialmente existirá substituitibilidade se, aplicando-se o mesmo teste SNIP, em função de variações no preço de bens e serviços, se verifiquem reajustes na produção (se em função do aumento do preço do bem A, a

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empresa x, que produzia o bem B, transfererir a sua capacidade de produção passando a produzir o bem A).

B – MERCADO RELEVANTE GEOGRÁFICO:

Do ponto de vista do alcance espacial ou geográfico, um mercado poderá ser nacional, local ou internacional. A ideia base que preside à delimitação é a de que existe um único mercado relevante quando estamos num espaço geográfico onde as condições de concorrência são suficientemente homogéneas para que se distingam das de outro espaço geográfico qualquer.

Para a determinação do mercado relevante geográfico recorre-se aos mesmos critérios de substituitibilidade na perspectiva da oferta e da procura há pouco citados, ponderando-se ainda três critérios complementares:

As preferências dos consumidores – que podem ser reveladas por estudos empíricos de mercado;

Ponderação das relações comerciais existentes, num plano geográfico, entre vários Estados – quando, relativamente a um bem, não existem trocas comerciais significativas de um Estado para outro, isso será um forte indício de que o mercado geográfico desse bem é de âmbito nacional;

Trata-se de um critério que deve ser utilizado com algumas reservas, pois os mercados não são estáticos; não devem ser analisados numa perspectiva económica estática, mas antes numa perspectiva económica dinâmica: é preciso atender (no caso português), por exº, às relações comerciais dentro da UE, podendo vir a aprofundar-se fluxos comericiais entre Estados, que a à data da análise eram ainda irrelvantes/pouco expressivos.

Ponderação dos custos de transporte – os quais podem assumir uma papel decisivo na individualização de uma área geográfica onde as condições de concorrência sejam homogénas;

Podem existir bens que sejam facilmente substituíveis, mas por terem custos de transporte elevados, só possam ser comercializados dentro de uma certa área geográfica de actuação das empresas; poderia hipoteticamente, comprar-se e vender-se para além da linha de fronteira de uma determinada área geográfica, mas, passá-la, significaria suportar

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custos de transporte sucessivamente mais elevados que, repercutindo-se no preço final, colocariam a empresa numa posição desfavorável para concorrer com as outras que operassem dentro daquela área geográfica específica (exº mercado dos cimentos).

Considerados os dois critérios (substituitibilidade na perspectiva da oferta e substituitibilidade na perspectiva da procura), tende a atribuir-se uma posição privilegiada ao segundo. É o critério dominante.

2 – Tipos e Características das práticas que podemestar em causa por parte das Empresar que abusam de

uma Posição Dominante

Relativamente aos comportamentos que constituem uma violação do regime de abuso de posição dominante, o Direito Comunitário e o Direito Nacional da Concorrência remetem para a tipologia de condutas proibidas em sede de cooperação entre empresas (art. 81/1 TCE e art. 4/1 da Lei 18/2003). Assim sendo, são absusos de posição dominante o mesmo de tipo de comportamentos que se consideram abusivos ao nível das práticas colectivas, como sejam a fixação directa ou indirecta de preços, as condições discriminatórias, a venda subordinada, entre outros.

Os abusos que concretamente podem estar em causa são Abusos de carácter exploratório (lucro exploratório) – em que se procura o lucro económico imediato – ou Abusos de carácter anti-concorrencial – em que se procura reforçar a posição dominante (aumentando as quotas de mercado) e expulsar outras empresas que ainda se encontrem a operar no mercado.

Eles manifestam-se essencialmente, através de três tipos de práticas recorrentes:

Puras Práticas de Preços – prática de preços de sinal contrário: preços exploratórios ou preços predatórios;

Práticas de tipo discriminatório – quando a empresa trata de forma diferenciada situações economicamente comparáveis, com o fito de obter benefícios para si e perturbar o normal funcionamento do mercado;

Exº uma empresa oferecer aos clientes de outra condições mais favoráveis do que as que oferece aos seus próprios clientes (maxime, preços mais baixos na venda de um bem ou na prestação de um serviço), para que estes deixem de estar ligados à empresa concorrente e se tornem também seus

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clientes (normalmente, esta prática é utilizada para clientes de empresas pequenas que ainda subsistem e visa provocar a sua saída do mercado).

Práticas de Venda Subordinada (tying) ou de Venda agregada (bungling) – a distinção entre as duas práticas é complexa, mas possível de se traçar:

Venda Subordinada – uma empresa com posição dominante impõe aos consumidores a aquisição ou comercialização conjunta de bens ou serviços (exº só vende um bem vendendo também o outro que, objectivamente não era necessário para a utilização do primeiro, podendo ambos ser objecto de transacções comerciais distintas, mau grado a empresa impor aos consumidores a sua aquisição conjunta) que poderiam ser objecto de transacções autónomas. Os bens ou serviços em causa, continuam autónomos, apenas há a imposição da sua venda conjunta;

Venda Agregada – trata-se também da imposição aos consumidores, por parte de uma empresa com posição dominante, da aquisição ou comercialização conjunta de bens ou serviços que poderiam ser objecto de transacções autónomas. A diferença relativamente ao tying é que, aqui, a prestação é organizada de forma tal que os consumidores não apreendem a existência de dois bens ou serviços distintos. O bem ou serviço vendido incorpora outro que não seria necessário para a sua normal utilização, mas é configurado como se fosse só um e não houvesse qualquer incorporação. Exemplo paradigmático nesta área é o da Microsoft que inluía no sistema operativo Windows o motor de busca na Internet (sem se dar ao consumidor a hipótese de optar ou não pela sua inclusão no pacote) o qual não seria de todo necessário para o normal funcionamento do produto;

Em ambos os casos, a empresa usa o poder dominante para pressionar o consumidor a adquirir o que não quer. Podendo os bens ou serviços ser comercializados separadamente, o consumidor poderia também optar por adquirir ou não ambos ou adquiri-los a empresas diferentes, possibilidade que sai assim frustrada.

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O legislador português autonomizou ainda uma modalidade de abuso de posição dominante (caso excepcional em que foi adoptada uma solução não totalmente coincidente com o Direito Comunitário da Concorrência), autonomização essa que o Prof. Luís Morais considera criticável. Trata-se da negação de acesso a infra-estruturas essenciais ou Activos Essenciais.

3 – O Acesso a Infra-Estruturas ou Activos Essenciais

O conceito de Infra-estruturas ou Activos Essenciais tem origem também no Direito Comunitário da Concorrência e releva nas situações em que existem mercados, no âmbito dos quais, o desenvolvimento de uma actividade produtiva implica ter acesso a certo tipo de activos. Entrar nesse mercado implica poder utilizar-se essas infra-estruturas essenciais, que têm a característica de serem dificilmente reproduzíveis ou duplicáveis em termos económico – são de grande dimensão e implicam investimentos elevados por parte da empresa que as criou ou construíu, sendo o retorno difícil e demorado. É por isso que não existem incentivos para se reproduzirem ou duplicarem as já existentes (exº a rede telefónica nacional, que implicou um investimento avultado por parte da, à época, única operadora de telefones de rede fixa nacional).

Como a utilização destes activos é condição essencial para se poder entrar num dado mercado, as empresas que os detêm – portanto, que investiram na sua criação –, em muitas situações, são obrigadas por lei a facultar o acesso aos concorremtes para que estes possam entrar no mercado e desenvolver aquela actividade produtiva (exº a PT que investiu na criação da rede de telecomunicações, teve em 2001 de ceder acesso às operadoras concorrentes, como sejam a NOVIS, a ONI, a TELE 2, entre outras).

A empresa detentora desse activo essencial, tende a ter uma posição dominante19 no mercado relativamente ao qual ele é condição essencial para o exercício da actividade produtiva. Porque investiu nesse activo, pode também tender a negar o acesso a possíveis concorrentes, o que, a acontecer, constitui, nos termos do art. 6/3 b) da Lei 18/2003, uma modalidade de abuso de posição dominante.

O atraso ou retardamento considerável na concessão de acesso a certas infra-estruturas essenciais, i. é, a mera dilação não economicamente justificável, pode ser equiparada a recusa de acesso e ser sancionável

19 Frequentemente até se encontram numa situação de monopólio até à entrada dos concorrentes. Recusar o acesso a essas infra-estruturas essenciais, seria uma maneira de evitar a entrada daqueles no mercado, perpetuando a sua situação priveligiada.

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enquanto tal. Também, se a empresa detentora de uma posição dominante, impuser condições economicamente desajustadas ou excessivamente onerosas ou ainda condições discriminatórias, aos concorrentes, no acesso aos activos essenciais para o desenvolvimento de certa actividade, incorre num abuso de posição dominante, punido nos termos da Lei da Concorrência.

Aula nº 27, 12/02/07

Apesar de ter consagração legal, a teoria das infra-estruturas essenciais não é pacificamente aceite por toda a doutrina. A maioria dos autores tem defendido que, só em condições muito excepcionais, se poderá exigir que uma empresa faculte a outras o acesso a activos essenciais na criação dos quais ela investiu sozinha. A doutrina que critica a tese da das infra-estruturas essenciais vai mesmo mais longe e chega a afirmar que esta obrigatoriedade de acesso (a conceder por quem já se encontra no mercado), desincentiva o investimento que outras empresas possam fazer na concepção das suas próprias infra-estruturas, dado que é sempre mais fácil requerer a utilização daquelas que já existem.

Salienta-se ainda, para concluír, que nos termos do art. 6/3 b) da Lei 18/2003, o acesso a essas infra-estruturas se fará sempre contra remuneração adequada, e só é possível (ou exigível), se a empresa que pretende entrar no mercado não conseguir, por razões factuais ou legais, operar sozinha, no mercado a montante ou a jusante como concorrente daquela que tem posição dominante. A empresa dominante estará dispensada de facultar tal acesso, se conseguir demonstrar que, “por motivos operacionais ou outros” o acesso em causa não seja possível “em condições de razoabilidade”.

Controlo de Concentrações

1- Justificação Jurídico-Económica da existência de um Sistema de Controlo Prévio de Operações de Concentração

O Direito da Concorrência preocupa-se em controlar, ex ante, porque há uma percepção de que determinadas operações, com as suas características estruturais, são de modo a potencialmente criar condições para o desenvolvimento futuro de comportamentos restritivos da concorrência, por parte dos seus intervenientes. Pelas suas características, criam condições

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estruturais favoráveis ao desemvolvimento de condições restritivas da concorrência.

As Autoridades da Concorrência intervêm à priori, para depois não terem necessidade de intervir a propósito de comportamentos restritivos da concorrência que concretamente podem resultar da operação. Intervêm cirurgicamente antes, para não terem de intervir sistematicamente depois.

Não se trata de um controlo absoluto de qualquer operação de concentração. Ele é balizado por certos critérios que indicam uma maior aptidão de determinadas transacções para produzir efeitos estruturais sobre o funcionamento do mercado.

2- Modalidades de Operações de Concentração entre Empresas

A matéria não vem prevista no Tratado da Comunidade Europeia. Contudo, por se considerar que tal constituía uma lacuna do Direito Comunitário Originário, o Conselho veio a aprovar um regulamento para discipliná-la. Actualmente está em vigor o Regulamento nº 139/2004, que corresponde, na ordem jurídica interna, ao art. 8 da Lei nº 18/2003.

São três as modalidades de concentração entre empresas:

Fusão de uma ou mais empresas anteriormente independentes – são operações que envolvem, essencialmente, empresas de tipo societário;

Transferência de controlo20 de uma empresa; quando, em virtude de uma situação jurídica ou de uma situação meramente fáctica, ocorre uma alteração da estrutura de controlo de uma determinada empresa: passagemde uma situação de controlo individual para controlo conjunto ou vice-versa;

Criação ou alteração de uma Empresa Comum (art. 8/2, Lei 18/2003) – nem todas as Empresas Comuns representam/concretizam uma concentração entre Empresas.

Haverá portanto que estabelecer uma distinção entre «Empesas Comuns com carácter de concentração» e «Empresas Comuns com carácter de cooperação». As primeiras são apenas aquelas que desempenham de uma forma duradoura todas as funções de um entidade económica autónoma, 20 Controlo = dentenção de uma influência dominante sobre a gestão de uma determinada empresa.

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que têm presença económica autónoma no mercado e que, em última análise, tenham uma relação directa com os consumidores (dado que os bens ou serviços que produzem chegam ao circuito final da cadeia da produção; chegam ao consumidor final). Diversamente, as segundas, não têm uma presença económica autónoma no mercado, aquilo que produzem não chega aos consumidores finais, limitando-se a produzir para coadjuvar a actividade produtiva das Empresas-mãe, sendo apenas o que estas produzem a chegar ao mercado. Assim, por exº, uma empresa comum que se destine à produção de componentes integrantes de automóveis produzidos por duas empresas-mãe, não têm carácter de concentração e não releva para efeitos de controle prévio das operações de concentração.

3- Critérios de delimitação de competências para controlo préviode operações de concentração entre as Autoridades Nacionais

Concorrência e a Comissão Europeia

É da competência das Autoridades Nacionais da Concorrência, o controlo prévio de todas as operações de concentração que, pelo seu teor, não devam ser reconduzidas à Comissão Europeia – as operações de concentração com Dimensão Comunitária. Como estamos na presença de normas estruturais, estas competência excluem-se mutuamente, pelo que haverá que recorrer a determinados critérios para delimitar quais o casos que reclamam uma intervenção ao nível das instâncias Comunitárias. Esses critérios comparecem no art. 1/2 do Regulamento de Concentrações (Regulamento 139/2004):

Critérios Positivos:

Critério quantitativo Absoluto o volume de negócios mundial realizado pelo conjunto das empresas envolvidas na operação tem de ser superior a 5000 milhões de euros – art. 1/2 a),

O volume de negócios comunitário (volume de negócios realizado dentro do espaço da UE) individual de pelo menos duas das empresas envolvidas terá de ser superior a 250 milhões de euros – art. 1/2 b);

No caso de nenhum dos dois requisitos anteriores ser preenchido, a operação de concentração poderá ainda assim, ser considerada de dimensão comunitária se:

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O volume de negócios total realizado à escala mundial pelo conjunto das empresas em causa for superior a 2500 milhões de euros;

Em cada um de pelo menos três Estados-Membros, o volume de negócios total realizado pelo conjunto das empresas em causa for superior a 100 milhões de euros;

Em cada um de pelo menos três Estados-Membros, considerados para efeitos do ponto anterior, o volume de negócios total realizado individualmente por pelo menos duas das empresas em causa for superior a 25 milhões de euros;

O volume de negócios total realizado individualmente na Comunidade por pelo menos duas das empresas em causa for superior a 100 milhões de euros;

As empresas em causa não realizem (cada uma delas) mais de 2/3 do seu volume de negócios total num único Estado-Membro;

Trata-se de um critério negativo complementar, que comparece no art. 1/3, e cujos requisitos têm de estar preenchidos cumulativamente.

O Regulamento comporta ainda duas disposições que permitem alguma comunicabilidade entre as Entidades encarregues do controlo prévio – Autoridades Nacionais da Concorrência e Comissão Europeia –. Trata-se dos arts. 9 e 22 que permitem a remissão da Comissão para as Autoridades Nacionais e vice-versa:

Remessa às Autoridades Competentes dos Estados--Membros (art. 9) – a Comissão pode optar entre apreciar ela própria ou remeter às Autoridades Competentes de um ou vários Estados-Membros, os casos de operações de concentração que ameaçem afectar significativamente a concorrência num mercado no interior desse(s) Estado(s) que tenha todas as características de um mercado distinto.

Diversamente, deverá remeter se um Estado-Membro a informar de que uma operação de concentração afecta a concorrência num mercado distinto do seu território, que não constitui uma parte substancial do mercado comum. A Comissão remeterá, no todo ou em parte, o caso relativo ao mercado distinto em causa, mas apenas se considerar que esse mercado distinto é afectado;

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Remessa à Comissão (art. 22) – um ou mais Estados-Membros podem solicitar à Comissão que examine uma operação de concentração que, mau grado não ter dimensão comunitária, afecte o comércio entre Estados da Comunidade e ameace afectar significativamente a concorrência no território do Estado ou Estados que apresente(m) o pedido;

Aula nº 28, 16/02/07

Em suma, são de dois tipos os critérios de repartição de competências entre a Comissão europeia e as Autoridades Nacionais da Concorrência:

Volume de negócios; Âmbito geográfico;

São critérios que apontam para uma competência exclusiva: ou a Comissão Europeia ou as Autoridades Nacionais da Concorrência dos países em questão.

Vimos também a justificação jurídico-económica ou o conjunto dos objectivos do controlo prévio de concentrações, de modo genérico. Drebuçar-nos-emos de novo sobre o tema, desta vez numa perspectiva comparativa entre as orientações que comparecem na Lei Portuguesa e no Regulamento Comunitário de Concentrações.

Lei Portuguesa (objectivo) determinação dos efeitos sobre a estrutura da concorrência, no intuito de desenvolver uma concorrência efectiva no mercado nacional – art. 12/1;

Regulamento de Concentrações (objectivo) preservação do desenvolvimento de uma concorrência efectiva no mercado comunitário, atendendo à estrutura dos mercados em causa e à concorrência real ou potencial de empresas situadas no interior ou no exterior da Comunidade – art. 2/1 a),

Trata-se de uma análise que incide sobre a estrutura dos mercados. Os efeitos que se procuram determinar são efeitos estruturais, efeitos sobre a estrutura da concorrência.

4- Critérios que presidem à apreciação de uma operação de Concentração notificada, quer à Comissão Europeia,

quer à Autoridade Nacional da Concorrência

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A – AUTORIDADE NACIONAL DA CONCORRÊNCIA – Lei 18/2003

Os critérios vêm elencados no art. 12/2 da Lei 18/2003 e são os seguintes:

Estrutura dos mercados relevantes;

Existência, ou não, de concorrência por parte de outras empresas nesses mercados (concorrência actual ou potencial) – deve atender-se à existência ou não de barreiras à entrada e à saída desses mercados;

Posição que as empresas em causa ocupam nos respectivas mercados relevantes: posições absolutas (implica ponderações económicas e financeiras) + posições relativas (posição em relação às empresas concorrentes; visa saber-se se a empresa em causa tem ou não poder de mercado),

Possibilidades de escolha dos fornecedores e utilizadores – implica atomicidade;

Acesso das diferentes empresas às fontes de abastecimento e aos mercados de escoamento – ver se existem ou não bloqueios nesse acesso e ver se da operação de concentração podem resultar bloqueios até então não existentes ou agravarem-se os que já exitiam;

Estruturas da produção existentes – sendo que, de nada servirá haver atomicidade ao nível da produção se depois houverem bloqueios nas redes de distribuição;

Controlo de infra-estruturas essenciais por parte das empresas em causa (envolvidas na operação de concentração) e acesso a essas infra-estruturas (nomeadamente, possibilidade de acesso de outras empresas concorrentes);

Infra-estruturas essenciais poderão ser, por exemplo, um porto, um armazém, mas também determinado tipo de direitos como sejam direitos de propriedade industrial (patentes) e direitos de propriedade intelectual. Se duas empresas detentoras de uma patente se concentrarem, inviabilizam a possibilidade de outras virem a entrar no mercado para produzir o bem relativamente ao qual a patente é essencial.

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Evolução do progresso técnico e económico e ponderação de uma eventual vantagem da concentração para os consumidores, que são sempre o centro das atenções do Direito da Concorrência – aqui avultam as chamadas “sinergias” resultantes da operação de concentração, ou seja, os ganhos de eficiência que dela advêm. Importará portanto saber, de que a concentração de duas ou mais empresas poderá promover a sua eficiência, beneficiando não só as próprias como os consumidores (ver se, em última análise, os consumidores também ficam a ganhar com a operação),

B – COMISSÃO EUROPEIA – DIREITO COMUNITÁRIO DA CONCORRÊNCIA, REGULAMENTO 139/2004, art. 2/1:

Os critérios são, de um modo geral, equivalentes. As preocupações jusconcorrenciais que presidem à avaliação também.

Quando a Comissão Europeia ou a Autoridade Nacional da Concorrência são confrontadas com uma notificação de concentração, sabendo-se que o seu objectivo é manter ou promover a concorrência nos mercados relevantes, terão de decidir se aprovou ou proíbem a operação em causa, atendendo aos critérios que acabaram de ser elencados. Mas de que maneira eles são tratados? Qual é o teste que, concretamente, se avaliar cada operação de concentração à luz deles?

Lei Portuguesa :

o são autorizadas as operações de concentração que não criem ou reforçem posições dominantes de que resultem entraves à Concorrência – art. 12/3;

o são proibidas as que o façam, delas resultando entraves à Concorrência – art. 12/4;

Direito Comunitário :

o devem ser declaradas compatíveis com o mercado comum as operações de concentração de que não resultem entraves significativos para a concorrência, em particular, em resultado da criação ou reforço de uma posição dominante – art. 2/2;

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o devem ser declaradas incompatíveis como o mercado comum as operações de concentração de que resultem entraves para a concorrência, no todo ou em parte substancial do mercado, em particular em resultado da criação ou reforço de uma posição dominante – art. 2/3;

Até 2004, nomeadamente, até à data da entrada em vigor do presente Regulamento das Concentrações, o teste substantivo aplicado, tanto em Portugal como nas instâncias comunitárias, era o mesmo. Desde aí, o Direito Comunitário passou a utilizar um teste diferente do da Lei Nacional, e, de certo modo, mais perfeito.

A diferença pode parecer exígua, mas deve ser sublinhada. Enquanto que no Direito Português, o que interessa é a criação ou reforço de uma posição dominante (como resultados da operação de concentração), para efeitos de Direito Comunitário esse não é o aspecto mais relevante. O teste visa saber se da operação de concentração resultam, de uma forma geral, entraves à concorrência, advenham eles da criação ou reforço de posições dominantes ou de outro factor qualquer (ainda que, na prática, elas sejam o factor determinante).

Esta alteração legislativa em sede de Direito Comunitário, pode explicar-se essencialmente por três razões:

Razões de ordem jurídica;

Razões de ordem económica;

Razões de ordem política – têm que ver essencialmente com uma tentativa de superação das críticas feitas pelos norte-americanos aos critérios de análise da Comissão Europeia em sede de controlo prévio de concentrações, e bem assim, de harmonização destes com os das Autoridades americanas, em atenção às significativas relações comerciais e económicas mantidas entre os dois blocos.

Era frequente que, até à alteração introduzida pelo Regulamento, uma mesma operação de concentração de empresas, que devesse ser aprovada pela Comissão Europeia e pelas Autoridades de outro país – essencialmente, dos EUA – fosse apreciada de modo diferente (podia ser considerada incompatível com as regras da concorrência por um avaliador e não por outro, ou vice-versa), sendo aprovada por um dos avaliadores e por outro não. Estas discrepâncias de critérios, conducentes a resultados

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finais completamente opostos, despoletavam verdadeiras “guerras comerciais” entre os dois blocos económicos (UE e EUA), conforme aconteceu no caso Boeing x MCDonell Douglas, chegando os Estados Unidos a ameçar a União Europeia com represálias comerciais.

Mais do que o prurido político-diplomático, chegou-se à conclusão de que havia uma incongruência, por parte dos dois blocos, na análise das mesmas situações de facto. Crescia a consciência de que os prismas de análise deveriam ser harmoniosos – ainda mais porque as relações comerciais entre os dois blocos eram frequentes – discutindo-se, na UE, uma eventual aproximação ao modelo norte-americano.

Isto perante críticas dos especialistas norte-americanos que consideravam que a Comisssão Europeia fazia um teste “míope”, o qual não abarcava a totalidade das varíaveis de análise relevantes, e falhava especialmente em mercados oligopolistas em que os efeitos (da concentração) para a concorrência, resultassem da eliminação da pressão concorrencial resultante de uma comportamento unilateral de empresas que exisitiam no mercado. Por outras palavras, o que estava em causa é que o teste europeu dava uma importância capital à criação de posições dominantes, enquanto ameças à concorrência, mas descurava outras situações importantes.

Assim sendo, tenderia a não autorizar uma concentração entre duas empresas que, no seu conjunto, detivessem, por exº 80% das quotas de mercado (40% + 40%), mas não levantava qualquer objecção se o total das quotas de mercado conjuntas fosse aproximadamente de 40 ou 45% (repartidos, imagine-se, entre 40% para uma e 5% para outra), pois não viam aqui nenhuma potencial posição dominante.

O modelo norte-americano ia além deste primeiro nível de análise salientando que, mesmo não se criando ou reforçando qualquer posição dominante no mercado relevante considerado, a operação de concentração deveria ser travada, por dela poderem resultar perturbações à concorrência, sempre que nos encontrassemos num oligopólio e uma das empresas envolvidas, mesmo com uma reduzia porção das quotas de mercado (pense-se nos 5% do exemplo anterior), fosse particularmente inovadora estimulando a concorrência por obrigar as outras a inovarem também a um ritmo acentuado. Se essa empresa fosse “absorvida” por outras, ainda que essa operação não se traduzisse na criação de uma posição dominante, registar-se-iam perturbações na concorrência pois os outros agentes que operavam no mercado deixavam de ter estímulos à inovação. Ora, a Comissão Europeia, no seu teste, não atentava a estas situações.

União Europeia Estados Unidos

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Em 2004, em paralelo com o exercício de modernização que foi levado a cabo nos arts. 81 e 82 do TCE, modificou-se o Regualmento das Concentrações passando a aplicar-se um teste substantivo que atenta primeiro à criação de entraves à concorrência, sendo a criação ou reforço de posições dominantes, apenas uma das maneiras pelas quais esses entraves podem ser colocados. A Comissão Europeia passou a ter base jurídica para “apanhar” estas situações de efeitos unilaterais não cordenados21 em mercados oligopolistas.

Diversamente, de uma operação de concentração, poderão resultar também efeitos coordenados. São três os critérios que nos permitem identificar estas situações:

Possibilidade de existir e de se verificar a coordenação – as características do mercado têm de permitir às empresas coordenarem-se e verificar se a coordenação está a ser cumprida pelas outras. Para isso será relevante a existência ou não de transparência no mercado;

Exº nos mercados de preços públicos –normalmente os mercados de venda ao público, por oposição aos mercados de venda ao retalhista – ou nos mercados onde haja uma significativa homogeneidade do bem ou serviço transaccionado (exº mercado da manteiga, em oposição ao mercado dos livros ou do cd’s), há transparência: é fácil às empresas verificar se as outras estão ou não a respeitar a coordenação, mantendo o preço fixado.

Existência, dentro do “cartel” ou da estrutura de coordenação, de mecanismos disuasores de comportamentos desviantes; de mecanismos que permitam punir aqueles que infrinjam as regras combinadas, que façam “batota” ao cartel. Têm de haver mecanismos credíveis de punição dos que se desviem dos comportamentos combinados (exº preços coordenados), não havendo qualquer coordenação quando os intervenientes puderem facilmente “quebrar o pacto” (por exº, baixando os preços para

21 Distinguem-se dos “efeitos coordenados” que correspondem às posições dominantes colectivas.

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ganhar quota de mercado) sem que a isso se sigam quaisquer consequências;

Exº o mercado da venda de discos é caracterizado pela existência de mecanismos claros de retaliação da quebra de coordenação. Todos os verões as empresas lançam compilações de músicas – a Summer Mix – que incluem temas produzidos por outras empresas. Para inclui-los na compilação, terão de comprar a respectiva licença aos concorrentes, pelo que, se infringirem as regras da estrutura de coordenação, no ano seguinte, estes retaliarão não a concedendo.

5- Procedimento de Controlo Prévio de Operações de Concentração

O art. 9/1 da Lei 18/2003, discrimina os critérios que determinam a obrigatoriedade de notificação prévia de uma operação de concentração à Autoridade da Concorrência. Caso estejam preechidos esses requisitos, a notificação deverá efectivar-se no prazo de 7 dias úteis após a conclusão do acordo entre as empresas envolvidas (art. 9/2). O DL nº 219/2006, que transpôs para a ordem jurídica interna uma Directiva sobre OPA’s, veio modificar a redacção originária deste preceito clarificando o momento da notificação prévia em caso de OPA’s – será até 7 dias após a data da divulgação da anúncio prévio de OPA.

O art. 9/3, determina que as operações podem ser objecto de uma avaliação prévia de concentração, expressão que, apesar de poder parecer um sinónimo, encerra um significado diverso do de «controlo prévio». Enquanto que no segundo caso, o que está em causa é todo o procedimento de acompanhamento da operação, o primeiro reporta-se apenas a uma fase eventual desse procedimento decalcada do Direito Comunitário –a fase da pré-notificação quando duas ou mais empresas que têm dúvidas quanto à compatibilidade do acordo que pretendem celebrar com as regras de Direito da Concorrência, consultam a Autoridade para esclarecê-las antes de concluírem o convénio. O objectivo é acelerar o processo, permitir que o acordo final já não levanta objecções de maior.

Em sede de Direito Nacional da Concorrência, uma operação de concentração sujeita a notificação prévia não poderá realizar-se antes de ter sido notificada nem antes de ter sido objecto de uma decisão de não oposição, expressa o tácita, por parte da Autoridade – art. 11/1. Nessa linha, serão inválidos todos os negócios jurídicos efectuados sem essa notificação, na modalidade de nulidade. O Direito Comunitário, mais concretamente o Regulamento das Concentrações, prevê que, em caso de OPA’s, as partes possam obter a suspensão do procedimento de controlo – realizando ou lançando a oferta antes de obtida a autorização – se notificarem requerendo a suspensão do processo e deixarem a OPA correr

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nos seus termos, esperando o final da operação e se comprometerem a não exercer os seus direitos de voto sobre as empresas alvo, ou só os exercerem se estiver em causa a defesa dos seus interesses dentro dessas empresas.22

Após a notificação, o procedimento (no Direito Português) engloba duas fases, saber:

1) Fase de Investigação Preliminar – em que a Autoridade tem 30 dias para procedendo a uma primeira análise dos dados em presença, chegar a uma conclusão. Feita esta análise poderá:

o Declarar a operação não notificada, considerando que não cabe no âmbito da lei – esta segue então a sua marcha; o procedimento termina por aqui;

o Chegar à conclusão de que a operação não suscita problemas e autorizá-la – o procedimento termina por aqui e a operação pode serguir a sua marcha;

o Constatar que a operação cria ou reforça uma posição dominante, passando à segunda fase;

2) Fase de Investigação Aprofundada: terá uma duração que, em conjunto com a primeira fase, não exceda os 90 dias (v. arts. 36/1 + 36/3). Aqui tratar-se-á de uma ponderação mais cuidada, para saber se se confirmam as primeiras impressões de que a operação em análise pode resultar na criação ou reforço de uma posição dominante. Feita esta análise, a Autoridade poderá:

o Concluir que a operação não suscita problemas e autorizá-la/não se opor à sua realização – decisão de não oposição;

o Concluir que suscita problemas e proibir a concentração – decisão de oposição;

Uma eventual terceira via passa por, tendo a Autoridade concluído que a operação pode trazer problemas em termos de criação ou reforço de uma posição dominante, comunicar tal facto às empresas e estas prestarem-se a

22 O objectivo é garantir que não usem os seus direitos de voto dentro da empresa para, de algum modo, condicionar o livre funcionamento da operação (condicionar uma eventual aceitação da OPA por exemplo).

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assumir compromissos que permitam à ANC aprová-la. Tratar-se-á aqui de uma aprovação sujeita a condições e obrigações:

As condições são requisitos de validade do acto administrativo que corporiza a decisão de não oposição, enquanto que

As obrigações traduzem a necessidade de praticar certos actos;

Finalmente, os compromissos e condições poderão ainda ser:

De tipo estrutural – implicam uma alteração na estrutura das empresas envolvidas (exº ter de vender activos);

De tipo comportamental – implicam a assunsão de obrigações comportamentais, sem que isso acarrete qualquer alteração em termos da estrutura das empresas (exº dar licenças a concorrentes sobre patentes, não discriminar compradores ou fornecedores, conceder acesso a certas infra-estruturas essenciais…);

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