23
Uma análise de equilíbrio geral sobre o aumento do ICMS no Rio Grande do Sul Alexandre Alves Porsse Doutor em Economia pela UFRGS e Pesquisador da FEE R. Duque de Caxias, 1691, Porto Alegre, 90010-283 Fone: (51) 3216-900, E-mail: [email protected] Área Temática: Macroeconomia, setor externo e finanças públicas Resumo O governo do Estado do Rio Grande do Sul, em 2005, promoveu o aumento das alíquotas de ICMS de uma cesta de produtos visando aumentar o volume de arrecadação para garantir o equilíbrio orçamentário do Estado. O objetivo deste trabalho é analisar os potenciais efeitos desse choque de política tributária sobre a economia gaúcha utilizando um modelo inter-regional de equilíbrio geral computável calibrado para o Rio Grande do Sul, o modelo B-MARIA-RS. Para tanto, foram simulados os impactos do choque de aumento na alíquota do ICMS da cesta de produtos para um fechamento de curto prazo e outro de longo prazo do modelo B-MARIA-RS. Os resultados apontam redução do PIB e do emprego no Rio Grande do Sul, mas com intensidade mais forte se a política for permanente (longo prazo) ao invés de transitória (curto prazo). Palavras-chave: política tributária, equilíbrio geral computável, economia gaúcha. 1. Introdução O Estado do Rio Grande do Sul apresenta um quadro de desequilíbrio fiscal estrutural que, de forma cada vez mais recorrente, compromete o alcance do equilíbrio orçamentário no atual regime tributário e de gastos. Nesse contexto, em 2005, o governo estadual buscou garantir o equilíbrio orçamentário promovendo uma política tributária de aumento do ICMS sobre uma determinada cesta de produtos com o objetivo de aumentar a arrecadação no nível necessário para cobrir as despesas. Os produtos alvo da política foram os combustíveis (gasolina, álcool e GLP), a energia elétrica e os serviços de telecomunicações. Contudo, a política foi concebida com um caráter transitório uma vez que o aumento de alíquota realizado deverá ser gradativamente reduzido até seu patamar inicial, anterior à política.

Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

  • Upload
    ngocong

  • View
    219

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

Uma análise de equilíbrio geral sobre o aumento do ICMS no Rio Grande do Sul

Alexandre Alves Porsse

Doutor em Economia pela UFRGS e Pesquisador da FEE R. Duque de Caxias, 1691, Porto Alegre, 90010-283

Fone: (51) 3216-900, E-mail: [email protected] Área Temática: Macroeconomia, setor externo e finanças públicas

Resumo

O governo do Estado do Rio Grande do Sul, em 2005, promoveu o aumento das alíquotas de ICMS de uma cesta de produtos visando aumentar o volume de arrecadação para garantir o equilíbrio orçamentário do Estado. O objetivo deste trabalho é analisar os potenciais efeitos desse choque de política tributária sobre a economia gaúcha utilizando um modelo inter-regional de equilíbrio geral computável calibrado para o Rio Grande do Sul, o modelo B-MARIA-RS. Para tanto, foram simulados os impactos do choque de aumento na alíquota do ICMS da cesta de produtos para um fechamento de curto prazo e outro de longo prazo do modelo B-MARIA-RS. Os resultados apontam redução do PIB e do emprego no Rio Grande do Sul, mas com intensidade mais forte se a política for permanente (longo prazo) ao invés de transitória (curto prazo).

Palavras-chave: política tributária, equilíbrio geral computável, economia gaúcha.

1. Introdução

O Estado do Rio Grande do Sul apresenta um quadro de desequilíbrio fiscal estrutural que,

de forma cada vez mais recorrente, compromete o alcance do equilíbrio orçamentário no

atual regime tributário e de gastos. Nesse contexto, em 2005, o governo estadual buscou

garantir o equilíbrio orçamentário promovendo uma política tributária de aumento do

ICMS sobre uma determinada cesta de produtos com o objetivo de aumentar a arrecadação

no nível necessário para cobrir as despesas. Os produtos alvo da política foram os

combustíveis (gasolina, álcool e GLP), a energia elétrica e os serviços de

telecomunicações. Contudo, a política foi concebida com um caráter transitório uma vez

que o aumento de alíquota realizado deverá ser gradativamente reduzido até seu patamar

inicial, anterior à política.

Page 2: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

2

O aumento da carga tributária estadual decorrente da política tem suscitado grande debate

sobre seus custos de bem-estar para as famílias gaúchas e para o setor produtivo em termos

de perda de competitividade. Esse debate acirrou-se particularmente diante da elevada

queda da atividade econômica do Rio Grande do Sul observada em 2005, quando a

previsão de crescimento do PIB foi de -4,8%. Vale observar que outros fatores relevantes

para o desempenho da economia gaúcha se somaram com o aumento das alíquotas de

ICMS, como a forte estiagem e a valorização cambial. De fato, o comportamento do PIB

incorpora todos esses efeitos, dentre outros choques que se manifestam ao longo do ciclo

econômico, dificultando aferir com relativa precisão a contribuição de cada fator para a

performance global da economia gaúcha.

Sob esta perspectiva, o presente trabalho propõe analisar os potenciais efeitos do choque de

política tributária utilizando um modelo inter-regional de equilíbrio geral computável

calibrado para o Rio Grande do Sul, o modelo B-MARIA-RS. Uma vantagem desse

instrumental é a possibilidade de realizar uma simulação contra-factual exclusivamente

associada à política, ou seja, considerando os efeitos de uma perturbação no sistema

econômico gaúcho causados apenas pelo aumento das alíquotas de ICMS, eliminando

qualquer viés que poderia estar presente nos resultados devido outros choques econômicos.

Outra vantagem importante diz respeito à estrutura teórica do modelo, a qual permite

avaliar o impacto da política sobre os preços relativos da economia e sua propagação sobre

o comportamento dos agentes econômicos, determinando um novo equilíbrio contra-

factual associado à política tributária.

A simulação dos efeitos do choque tributário de aumento do ICMS será implementada para

dois fechamentos distintos na estrutura teórica do modelo B-MARIA-RS. Em uma

simulação, considerando a hipótese de que a política será transitória, supõe-se que o

fechamento de curto prazo é mais apropriado na medida em que não admite mobilidade

intersetorial e inter-regional dos fatores produtivos, ou seja, assume-se que os agentes não

mudarão significativamente suas decisões alocativas porque o choque será eliminado em

poucos anos. Na outra simulação, a título de comparação, considera-se um fechamento de

longo prazo, no qual capital e trabalho podem se movimentar intersetorialmente e inter-

regionalmente, possibilitando avaliar o diferencial de impacto caso a política assuma um

Page 3: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

3

caráter permanente. Alerta-se que o ano-base do modelo B-MARIA-RS é 1998, de modo

que os efeitos são condicionados para a estrutura econômica vigente naquele período.

O presente trabalho organiza-se em três seções, além da introdução e da conclusão. A

seção 2 faz uma breve apresentação do modelo B-MARIA-RS. A seção 3 descreve a

estratégia de calibragem dos choques correspondentes ao aumento das alíquotas de ICMS.

E, na seção 4, os resultados são reportados e analisados.

2. O modelo B-MARIA-RS

B-MARIA-RS (Brazilian Mutisectoral and Regional/Interegional Analysis

Rio Grande

do Sul) é um modelo inter-regional de equilíbrio geral computável (EGC) desenvolvido

para analisar os efeitos de políticas econômicas sobre a economia gaúcha. Sua estrutura

teórica é similar à do modelo B-MARIA (Haddad, 1999) que se insere na tradição

australiana de modelagem em equilíbrio geral.1 Uma descrição mais ampla do modelo

pode ser encontrada em Porsse (2005).

O modelo B-MARIA-RS divide a economia brasileira em duas regiões, Rio Grande do Sul

e Restante do Brasil, e identifica um único mercado externo (Resto do Mundo). Os dados

utilizados para calibragem referem-se a 1998, sendo especificados 25 setores produtivos

em cada região. Os setores produtivos utilizam dois fatores primários locais (capital e

trabalho). A demanda final é composta pelo consumo das famílias, investimento,

exportações, consumo dos governos regionais e do governo federal. Os governos regionais

são fontes de demanda e gasto exclusivamente locais, englobando as esferas estadual e

municipal da administração pública em cada região. O modelo completo possui 60.323

equações e 1.475 variáveis exógenas.

A estrutura central do modelo é composta por blocos de equações que determinam relações

de oferta e demanda, derivadas de hipóteses de otimização, e condições de equilíbrio de

mercado. Além disso, vários agregados regionais e nacionais são definidos nesse bloco,

1 Nessa tradição, os modelos utilizam a abordagem de Johansen, onde a estrutura matemática é representada por um conjunto de equações linearizadas e as soluções são obtidas na forma de taxas de crescimento. Para a

Page 4: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

4

como nível de emprego agregado, saldo comercial e índices de preços. Os fluxos

monetários que alimentam a estrutura de equações do modelo são representados através de

uma matriz de absorção (Figura 1). A seguir, os principais aspectos teóricos do modelo são

apresentados.

2.1. Tecnologia de produção

A Figura 2 ilustra a tecnologia de produção adotada no modelo B-MARIA-RS, uma

especificação usual em modelos regionais. Esta especificação define três níveis de

otimização no processo produtivo das firmas. As linhas tracejadas indicam as formas

funcionais especificadas em cada estágio. No primeiro nível é adotada a hipótese de

combinação em proporção fixa no uso dos insumos intermediários e fatores primários,

através de uma especificação de Leontief. No segundo nível há possibilidade de

substituição entre o insumo composto de origem doméstica e importada, de um lado, e

entre trabalho e capital, de outro. Uma função de elasticidade de substituição constante,

CES, é utilizada na combinação dos insumos e fatores primários2. No terceiro nível um

agregado do conjunto dos insumos intermediários, domésticos e importados, é formado

pela combinação de insumos de diferentes origens. Novamente, uma função CES é

utilizada na combinação de bens de origens distintas.

A utilização de funções CES na tecnologia de produção implica na adoção da chamada

hipótese de Armington (Armington, 1969) na diferenciação de produtos. Por essa hipótese

bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens

agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens agropecuários do Restante do Brasil na

sua utilização no processo produtivo (terceiro nível da Figura 2). Este tratamento permite

economia brasileira, utilizam essa abordagem os modelos PAPA (Guilhoto, 1995), EFES (Haddad e Domingues, 2001) e sua extensão, EFES-IT (Haddad et al., 2002) 2 Os valores das elasticidades de substituição da função de produção são reportados no Anexo.

Page 5: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

5

que o modelo exiba padrões de comércio intra-setoriais não-especializados, uma

importante regularidade empírica encontrada na literatura.3

3 Sobre diferenciação de produtos no comércio internacional e modelos EGC, ver De Melo e Robinson (1989). O comportamento de diversas classes de funções CES é analisado em Perroni e Rutherford (1995).

Page 6: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

6

Figura 1 Estrutura da Matriz de Absorção do modelo B-MARIA-RS

Matriz de Absorção

1 2 3 4 5 6

Produtores Investidores Famílias Exportações

Governo Estadual Governo Federal

Tamanho

25 25 25 25 1 1 1 1 1 1 1

Tamanho

Origem RS RB RS RB RS RB RS RB RS RB

25 RS

25 RB Fluxos

Básicos 25 IM

BAS1 BAS2 BAS3 BAS4 BAS5 BAS6

25 RS

25 RB Margem de

comércio 25 IM

MC1 MC2 MC3 MC4 MC5 MC6

25 RS

25 RB Margem de

transporte 25 IM

MT1 MT2 MT3 MT4 MT5 MT6

25 RS

25 RB ICMS

25 IM

ICMS1 ICMS2 ICMS3 ICMS4 ICMS5 ICMS6

25 RS

25 RB Outros

impostos 25 IM

OI1 OI2 OI3 OI4 OI5 OI6

25 RS

25 RB Imposto de

importação 25 IM

II1 II2 II3 II4 II5 II6

Trabalho 2 LABR

Capital 1 CPTL RS = Rio Grande do Sul

Outros

Custos 1 OCTS RB = Restante do Brasil

Page 7: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

7

Figura 2 Estrutura Agrupada da Tecnologia de Produção Regional

Produção

Leontief

InsumosIntermediários

InsumosPrimários

CES CES

OrigemDoméstica

OrigemImportada

Trabalho Outros CustosCapital

CES

Rio Grandedo Sul

Restante doBrasil

2.2. Demanda das famílias

Em cada região existe um conjunto de famílias representativas, que consome bens

domésticos (locais ou da outra região) e bens importados. A especificação da demanda das

famílias, em cada região, é baseada num sistema combinado de preferências CES/Sistema

Linear de Gastos (LES). As equações de demanda são derivadas a partir de um problema

de maximização de utilidade, cuja solução segue passos hierarquizados, semelhantes aos

da Figura 2. No nível inicial existe substituição entre as diferentes fontes de oferta para os

bens domésticos e importados. No nível superior subseqüente ocorre substituição entre o

composto de bens domésticos e importados. A utilidade derivada do consumo do composto

de bens domésticos e importados é maximizada segundo uma função de utilidade Stone-

Geary. Essa especificação dá origem ao sistema linear de gastos (LES), no qual a

participação do gasto acima do nível de subsistência, para cada bem, representa uma

proporção constante do gasto total de subsistência de cada família regional.4

4 Sobre os parâmetros necessários para calibragem dessa especificação, ver Dixon et al. (1982). A especificação LES é não-homotética, de forma que expansão no gasto (renda) das famílias gera alterações na participação dos bens no gasto total, ceteris paribus. Os parâmetros de participação marginal no orçamento do consumo das famílias derivadas da especificação LES são reportados no Anexo.

Page 8: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

8

2.3. Demanda por bens de investimento

Os investidores são outra categoria de uso da demanda final, responsáveis pela criação de

capital em cada setor regional. Eles escolhem os insumos utilizados no processo de criação

de capital através de um mecanismo de minimização de custos sujeito a uma estrutura de

tecnologia aninhada.

Esta tecnologia é similar à de produção, com algumas adaptações. Como na tecnologia de

produção, o bem de capital é produzido por insumos domésticos e importados. No terceiro

nível um agregado do conjunto dos insumos intermediários, domésticos e importados, é

formado pela combinação de insumos de diferentes origens. Uma função CES é utilizada

na combinação de bens de origens distintas. Diferentemente da tecnologia de produção,

fatores primários não são utilizados diretamente como insumo para formação de capital,

mas indiretamente através dos insumos na produção dos setores, especialmente no setor de

construção civil. O nível de investimento regional em bens de capital, por setor, é

determinado pelo bloco de acumulação de capital.

2.4. Demanda por exportações e do governo

Todos os bens são definidos com curvas de demanda negativamente inclinadas nos

próprios preços no mercado mundial. Um vetor de elasticidades define a resposta da

demanda externa a alterações no preço F.O.B. das exportações regionais5.

A demanda do governo por bens públicos parte da identificação do consumo de bens

públicos por parte dos governos regionais e do governo federal, obtidos da matriz de

insumo-produto. Entretanto, atividades produtivas exercidas pelo setor público não podem

ser separadas daquelas exercidas pelo setor privado. Dessa forma, a atividade

empreendedora do governo é determinada pela mesma lógica de minimização de custos

empregada pelo setor privado. Esta hipótese pode ser considerada, a priori, mais

apropriada para a economia brasileira, na medida em que o processo de privatização dos

anos 90 diminuiu significativamente a participação do governo no setor produtivo

(Haddad, 1999). O consumo do bem público é especificado por uma proporção constante:

Page 9: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

9

1) do consumo regional privado, no caso dos governos regionais, e 2) do consumo privado

nacional, no caso do governo federal.

2.5. Acumulação de capital e investimento

Neste bloco estão definidas as relações entre estoque de capital e investimento. Existem

duas configurações do modelo para exercícios de estática comparativa que permitem seu

uso em simulações de curto prazo e longo prazo. A utilização do modelo em estática

comparativa implica que não existe relação fixa entre capital e investimento, essa relação é

escolhida de acordo com os requisitos específicos da simulação. Por exemplo, em

simulações típicas de estática comparativa de longo prazo assume-se que o crescimento do

investimento e do capital são iguais (ver Peter et al.,1996).

Algumas qualificações são importantes quanto à especificação da formação de capital e

investimento no modelo. Como discutido em Dixon et al. (1982), este tipo de modelagem

se preocupa primordialmente com a forma como os gastos de investimento são alocados

setorialmente e regionalmente, e não na determinação no investimento privado agregado

em construções, máquinas e equipamentos. Além disso, a concepção temporal de

investimento empregada não tem correspondência com um calendário exato; esta seria uma

característica necessária se o modelo tivesse o objetivo de explicar o caminho de expansão

do investimento ao longo do tempo. Destarte, a preocupação principal na modelagem do

investimento é captar os efeitos dos choques (e.g. aumento da alíquota de ICMS) na

alocação do gasto de investimento corrente entre os setores e regiões.

2.6. Mercado de trabalho e migração regional

Neste módulo a população em cada região é definida através da interação de variáveis

demográficas, inclusive migração inter-regional, e também é estabelecida uma conexão

entre população regional e oferta de trabalho. Dada a especificação do funcionamento do

mercado de trabalho, a oferta de trabalho pode ser determinada por diferenciais inter-

regionais de salário ou por taxas de desemprego regional, conjuntamente com variáveis

demográficas, usualmente definidas exogenamente. Em resumo, tanto oferta de trabalho

5 Os valores das elasticidades da função de demanda externa são reportados no Anexo.

Page 10: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

10

como diferencias de salário podem determinar as taxas de desemprego, ou,

alternativamente, oferta de trabalho e taxas de desemprego determinam diferenciais de

salário.

2.7. Outras especificações

O módulo de finanças governamentais incorpora equações determinando o produto

regional bruto, do lado da renda e do dispêndio, para cada região, através da decomposição

e modelagem de seus componentes. Os déficits orçamentários dos governos regionais e do

governo federal estão definidos neste módulo. Este bloco define também as funções de

consumo das famílias em cada região, as quais estão desagregadas nas principais fontes de

renda e nos respectivos impostos incidentes. Outras definições no modelo incluem as

alíquotas de impostos, preços básicos e de mercado dos bens, receita com tributos,

margens, componentes do produto nacional (PIB) e regional (PRB), índices de preços

regionais e nacionais, preços de fatores, agregados de emprego e especificações das

equações de salário.

2.8. Fechamentos

O modelo B-MARIA-RS pode ser utilizado para simulações de estática comparativa de

curto e longo prazo. A distinção básica entre os dois fechamentos está relacionada ao

tratamento empregado na abordagem microeconômica do ajustamento do estoque de

capital. No ambiente de curto-prazo os estoques de capital são mantidos fixos, enquanto

que no longo prazo mudanças de política são passíveis de afetar os estoques de capitais em

cada região.6

No ambiente de curto prazo, além da hipótese de imobilidade intersetorial e inter-regional

do capital, a população regional e oferta de trabalho são fixas, os diferenciais regionais de

salário são constantes e o salário real nacional é fixo. O emprego regional é função das

hipóteses sobre taxas de salário, que indiretamente determinam as taxas de desemprego

regionais. Do lado da demanda, os gastos de investimento são exógenos

as firmas não

podem reavaliar decisões de investimento no curto prazo. O consumo das famílias segue

Page 11: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

11

sua renda disponível, e o consumo do governo, em ambos os níveis (regional e federal) é

fixo (alternativamente, o déficit do governo pode ser definido exogenamente, permitindo a

alteração dos gastos do governo). Por fim, as variáveis de choque tecnológico são

exógenas dado que o modelo não apresenta nenhuma teoria de crescimento endógeno.

No fechamento de longo prazo, capital e trabalho podem se mover intersetorialmente e

inter-regionalmente. As principais diferenças em relação ao curto prazo estão na

configuração do mercado de trabalho e do processo de acumulação de capital. No primeiro

caso, o emprego agregado é determinado pelo crescimento da população, taxas de

participação da força de trabalho, e taxa natural de desemprego. A distribuição espacial e

setorial da força de trabalho é totalmente determinada endogenamente. Trabalho é atraído

para os setores mais competitivos nas áreas geográficas mais favorecidas. Da mesma

forma, capital é orientado em direção aos setores mais atrativos. Este movimento mantém

as taxas de retorno do capital em seus níveis iniciais.

3. Estratégia de calibragem do choque de política tributária

A mudança na política tributária do ICMS presume uma elevação das alíquotas dos

combustíveis (gasolina, álcool e GLP) e da energia elétrica de 25% para 29%7, e uma

elevação da alíquota das telecomunicações de 25% para 30%. Considerando o valor

absoluto das alíquotas efetivas do ICMS por produto no período de referência, a primeira

mudança implica num aumento de 16% nas alíquotas dos combustíveis e da energia

elétrica e num aumento de 20% na alíquota das telecomunicações. Esses percentuais

serviram de parâmetro para definir os nível relativo dos choques da mudança de política

tributária sobre as alíquotas efetivas de ICMS nos setores produtores da cesta de bens

afetada pela política.

6 Sobre fechamentos em modelos EGC ver por exemplo Dixon e Parmenter (1996) e Dixon et al. (1982). 7 O óleo diesel não foi afetado pela política. No caso da energia elétrica, a mudança oficial foi de 25% para 30%, mas com redução de 12% para 7% da alíquota para as classes de consumo residencial com demanda até 50Kw. Desse modo, a mudança efetiva na alíquota de energia elétrica foi de 25% para 29% (conforme informação obtida através de um técnico da SEFAZ/RS).

Page 12: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

12

No modelo B-MARIA-RS, os produtos são classificados em setores da atividade

econômica. Os combustíveis pertencem à categoria demais produtos o refino , que estão

inseridas no setor química e petroquímica (S8), enquanto energia elétrica e

telecomunicações são classificadas, respectivamente, nos setores SIUP8 (S16) e

comunicações (S20). Assim, para as alíquotas de ICMS nos setores SIUP e comunicações

considerou-se que a política implica num choque de 16% e de 20%, respectivamente, pois

esses setores possuem uma correspondência direta com a cesta de produtos afetada pela

política. Porém, como os combustíveis gasolina, álcool e GLP constituem uma parcela dos

produtos gerados pelo setor Química e Petroquímica do modelo, foi necessário estimar o

efeito do aumento de 20% na alíquota desses produtos sobre a alíquota efetiva do setor S8.

Esse efeito foi estimado considerando os valores monetários da arrecadação efetiva de

ICMS do banco de dados da Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul,

desagregando todos os produtos do setor S8. A partir da desagregação, aplicou-se uma

variação de 16% nos montantes arrecadados para os produtos gasolina, álcool e GLP.

Como resultado desse procedimento, estimou-se que o choque nesses produtos

representam um aumento de 9,4% na alíquota efetiva de ICMS do setor Química e

Petroquímica. A Tabela 01 apresenta em detalhe os procedimentos utilizados para calibrar

os choques nas alíquotas efetivas de ICMS correspondentes aos setores responsáveis pela

produção dos bens pertencentes à cesta afetada pela política tributária do governo gaúcho.

A última coluna apresenta os choques implementados no modelo B-MARIA-RS, em

variação percentual, nos três setores afetados pela política. Constata-se ainda que esta

política implica numa elevação de 5,6% na alíquota total de ICMS do Estado do Rio

Grande do Sul, conforme os dados monetários de 1998.

Especificamente, os choques são implementados no coeficiente geral de alíquotas

tributárias do modelo B-MARIA-RS, definido como deltax(i,s,t), onde i indica o produto

gerados pelos setores (S1, ..., S25), s indica a região (Rio Grande do Sul, Restante do

Brasil ou Resto do Mundo) e t indica o vetor de impostos (ICMS ou outros impostos

indiretos). Logo, para o presente exercício de simulação, os choques implicam em

variações em deltax(i = S8, S16, S20; s = Rio Grande do Sul; t = ICMS). Os dois efeitos

diretos desse choque recaem sobre o mercado de produto e sobre as finanças públicas do

8 Serviços Industriais de Utilidade Pública (SIUP). A receita de ICMS deste setor, no banco de dados do modelo, refere-se somente à tributação da energia elétrica.

Page 13: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

13

governo regional, pois implicam numa elevação dos preços básicos dos bens

comercializados pelos seis diferentes usuários do modelo (firmas, investidores, famílias,

setor externo, governo regional e governo federal) e, também, num aumento do nível de

arrecadação de ICMS associado à elevação das alíquotas nos produtos dos setores S8, S16

e S20.

Tabela 01 Estimativa do efeito da política de aumento do ICMS sobre as alíquotas efetivas

dos setores do modelo B-MARIA-RS (ano de referência 1998)

Setores/Produtos ICMS-1998 (R$ milhões)

Índice de variação associado à mudança na política tributária

ICMS pós-mudança (R$ milhões)

Choque na alíquota

(%)

S8 - Química e petroquímica 626 685 9,4

Química 58 58

Petroquímica 568 627

Produtos petroquímicos 84 84

Demais produtos do refino

484 543

Gasolina 331 1,160 384

Álcool 8 1,160 9

GLP 28 1,160 33

Diesel 116 116

S16 - SIUP (Energia elétrica) 660 1,160 765 16,0

S20 - Comunicações 358 1,200 429 20,0

Subtotal 1.644 1.880 14,4

Total do ICMS do RS 4.186 4.422 5,6 Fonte: Elaboração própria.

A Figura 3 descreve as principais relações causais do choque de política tributária do

governo estadual gaúcho. Observe que os principais efeitos são o aumento dos preços dos

bens compostos e do custo dos fatores primários, reduzindo a competitividade das firmas

no mercado interno e externo assim como o poder aquisitivo das famílias. No curto prazo,

como não há mobilidade dos fatores produtivos, esses efeitos são transferidos para o

Restante do Brasil através do comércio inter-regional. Contudo, no longo prazo, a menor

rentabilidade dos investimentos e a menor remuneração real do trabalho no Rio Grande do

Sul gera um efeito re-localização para o Restante do Brasil, reduzindo a base tributária no

território gaúcho. Assim, o aumento na receita de ICMS inicialmente associado ao

aumento da alíquota tributária é, agora, atenuado pela redução da base tributária.

Page 14: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

14

Figura 3 Principais relações causais do choque de política tributária

Redução da renda real regional: firmas, investidores e famílias

Firmas: menos competitivas Investidores: retornos potenciais menores

Famílias: mais pobres

Menor demanda interna e demanda externa

Mobilidade intersetorial e inter-regionaldo trabalho e do capital

Aumento da receitade ICMS

Longo Prazo

Aaumento da alíquota de ICMS

Aumento dos preços dos bens compostos

Menor nível de produção das firmas

Menor demanda de fatores primários

Redução da base tributária

Redução da receita de ICMS

4. Resultados da simulação

A simulação foi implementada utilizando-se o método de Euler para corrigir os erros de

linearização e os resultados são reportados em taxas de variação percentual. Os principais

resultados macroeconômicos são reportados na Tabela 02, tanto para a simulação de curto

prazo como para a de longo prazo. Convém ressaltar que o fechamento de curto prazo é o

mais apropriado para avaliar os efeitos da política, supondo que se trata de uma política

transitória e que os agentes econômicos não re-avaliam suas decisões alocativas. O

fechamento de longo prazo foi implementado para ilustrar os efeitos caso a política assuma

um caráter permanente, situação mais apropriada para um regime de longo prazo em que

os custos de aumento na carga tributária estadual influem sobre a mobilidade do capital e

do trabalho, gerando um efeito de re-localização da base tributária em prol do Restante do

Brasil.

Page 15: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

15

No curto prazo, o efeito sobre o PIB é negativo tanto no Rio Grande do Sul como no

Restante do Brasil, pois os aumentos de preços também se transmitem para o restante do

país através do comércio regional e não há ajuste compensatório associado à mobilidade

dos fatores produtivos. O emprego também se reduz no Rio Grande do Sul e no Restante

do Brasil. De fato, a política tende a provocar um aumento generalizado dos preços no

sistema econômico do país como um todo no curto prazo, reduzindo a demanda agregada

interna como também a demanda externa. Contudo, os preços básicos dos bens em alguns

setores apresentam variação negativa (ver Tabela 03) devido ao efeito substituição entre

capital e trabalho na função de produção das firmas. A retração econômica libera capital e

trabalho da atividade produtiva, mas enquanto o aumento na oferta de capital favorece uma

redução de seu preço, o mesmo não ocorre para o fator trabalho devido ao aumento no seu

custo de produção (custo da cesta de consumo das famílias). Esse aspecto pode ser

constatado ainda na Tabela 01, onde o índice de preços ao consumidor mostra a maior

variação. No caso do comércio inter-regional do Rio Grande do Sul, a redução dos preços

dos bens em alguns setores domina o aumento nos demais setores, resultando em um

índice de preços das exportações inter-regionais com variação negativa.

Tabela 02 Efeitos da política de aumento do ICMS do governo do Rio Grande do Sul (%)

Rio Grande do Sul Restante do Brasil Variáveis

Curto Prazo

Longo Prazo Curto Prazo

Longo Prazo

Componentes do PIB

Consumo real das famílias -0,034

-1,481

-0,004

0,153

Investimento real agregado -

-1,047

-

0,069

Demanda do governo regional real agregada -

-

-

-

Demanda do governo federal real agregada -

-

-

-

Volume das exportações inter-regionais -0,054

-0,831

-0,006

-1,003

Volume das exportações internacionais -0,106

-4,151

-0,025

-0,066

Volume das importações inter-regionais -0,006

-1,003

-0,054

-0,831

Volume das importações internacionais -0,027

-1,099

0,004

0,139

Preços

Índice de preços ao consumidor 0,172

1,727

0,017

0,088

Índice de preços de investimento 0,023

0,967

0,018

0,057

Índice de preços do governo regional 0,081

2,583

0,025

0,170

Índice de preços do governo federal 0,081

2,583

0,025

0,170

Índice de preços de exportação inter-regional -0,083

1,901

0,018

0,015

Índice de preços de exportação internacional 0,062

2,198

0,014

0,006

Índice de preços de importação inter-regional 0,018

0,015

-0,083

1,901

Índice de preços de importação internacional -

-

-

-

Page 16: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

16

Deflator implícito do PIB (ótica da despesa) 0,093

2,659

0,024

0,035

PIB real

-0,050

-1,387

-0,003

0,095

Emprego

-0,092

-1,590

-0,007

0,106

Fonte: Elaboração própria.

Page 17: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

17

Tabela 03 Efeitos percentuais sobre o Valor Adicionado e os preços básicos dos bens

Curto Prazo Longo Prazo

Valor Adicionado Preços básicos Valor Adicionado Preços básicos Setores

RS RB RS RB RS RB RS RB

1

Agropecuária -0,007

-0,003

-0,019

-0,005

-1,497

0,058

0,974

0,034

2

Indústrias metalúrgicas -0,051

-0,008

0,047

0,012

-2,272

0,118

1,896

-0,043

3

Máquinas e tratores -0,041

-0,009

0,052

0,016

-1,556

0,046

2,285

-0,066

4

Material elétrico e eletrônico -0,022

-0,008

0,013

0,007

-2,046

0,098

1,690

-0,063

5

Material de transportes -0,021

-0,008

0,037

0,012

-1,066

0,053

2,285

-0,080

6

Madeira e mobiliário -0,021

-0,009

0,106

0,028

-0,493

-0,050

2,188

0,115

7

Papel e gráfica -0,040

-0,007

0,091

0,019

-1,400

0,096

3,010

-0,071

8

Indústria química e petroquímica -0,172

-0,005

-0,976

0,011

-2,220

0,145

0,940

-0,043

9

Calçados, couros e peles -0,045

-0,036

0,091

0,126

-1,340

-0,553

3,088

0,743

10

Benefic. de produtos vegetais, inclusive fumo -0,023

-0,006

0,028

0,013

-1,417

0,060

1,635

0,129

11

Abate de animais -0,019

-0,006

0,046

0,015

-1,091

0,019

2,050

0,114

12

Indústria de laticínios -0,008

-0,003

0,036

0,012

-0,970

0,095

1,993

0,072

13

Fabricação de óleos vegetais -0,012

-0,004

0,011

0,004

-1,569

0,064

1,181

0,097

14

Demais indústrias alimentares -0,013

-0,004

0,071

0,011

-0,679

0,033

2,326

-0,053

15

Demais indústrias -0,038

-0,007

0,030

0,010

-2,396

0,110

1,581

-0,032

16

Serviços industriais de utilidade pública -0,456

-0,005

0,382

0,016

-2,154

0,166

5,853

-0,513

17

Construção civil -0,001

0,000

0,029

0,022

-1,049

0,070

1,379

0,054

18

Comércio -0,020

-0,006

0,048

0,025

-1,642

0,105

2,186

0,122

19

Transportes -0,027

-0,008

0,046

0,023

-1,487

0,109

2,289

0,079

20

Comunicações -0,627

0,017

-2,091

0,120

-2,925

0,221

0,857

0,034

21

Instituições financeiras -0,028

-0,006

0,051

0,021

-1,896

0,191

3,324

-0,105

22

Serviços prestados às famílias e empresas -0,036

-0,007

0,060

0,021

-1,572

0,133

2,480

0,044

23

Aluguel de imóveis 0,000

0,000

-0,017

-0,003

-1,241

0,133

0,795

0,180

24

Administração pública -0,003

0,000

0,081

0,025

-0,078

0,006

2,583

0,170

25

Serviços privados não-mercantis -0,005

-0,008

0,028

0,026

-1,843

0,138

2,904

0,168

Fonte: Elaboração própria.

Page 18: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

18

Cabe observar que o impacto de curto prazo sobre o PIB gaúcho (-0,050%) é bastante

inferior àquele observado no longo prazo (-1,387%). Isto sugere que a natureza transitória

da política de aumento no ICMS, embora tenha o efeito de retrair a atividade econômica,

produz efeitos muito pequenos sobre a estabilidade econômica. Por outro lado, no longo

prazo, a persistência da política pode gerar uma retração econômica substancial devido à

mobilidade dos fatores produtivos, que buscarão taxas de retorno mais favoráveis no

Restante do Brasil. Este efeito é claro ao se observar que, no longo prazo, ocorre uma

queda mais acentuada do PIB e do emprego no Rio Grande do Sul, enquanto ocorre um

aumento do PIB e do emprego no Restante do Brasil.

Em síntese, o efeito da política é uma redução da competitividade das duas regiões no

curto prazo. No longo prazo, ocorre uma redução da competitividade apenas da economia

gaúcha (notadamente no comércio internacional), de modo que os investimentos tendem a

se direcionar para o Restante do Brasil, ampliando o emprego e o consumo das famílias

nesta região. Os efeitos de expansão dos investimentos e do consumo privado no Restante

do Brasil são mais que suficientes para compensar as perdas de competitividade no

comércio regional e internacional, que ainda permanecem nesta região.

No cenário de longo prazo, a queda do PIB gaúcho e o aumento do PIB do Restante do

Brasil evidenciam um efeito de re-localização da base tributária entre as duas regiões.

Neste caso, deve-se esperar que a efetividade da política tributária, em termos de expansão

das receitas de ICMS, seja comprometida no longo prazo. Ou seja, no curto prazo, a

política possivelmente será efetiva em produzir o aumento desejado nas receitas devido à

preponderância dos efeitos de primeira ordem (mudança da alíquota tributária), mas, no

longo prazo, o incremento de receita pode ser atenuado devido aos efeitos de segunda

ordem (mobilidade da base tributária)9.

Para avaliar esta dimensão, calculou-se o efeito de expansão real no ICMS pós-mudança

tributária para os dois fechamentos de simulação, utilizando o deflator implícito do PIB

como fator de transformação calcular o valor presente no ano-base (Gráfico 01). Os

resultados mostram que a efetividade da arrecadação associada à política de aumento do

9 Para uma discussão sobre efeito de re-localização produtiva e seu impacto sobre a receita de impostos, ver Domingues e Haddad (2003).

Page 19: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

19

ICMS é comprometida em mais de 50% no longo prazo devido à re-localização produtiva

provocada pelo choque. Ressalta-se que os setores afetados pela política apresentam

significativa participação na composição da receita de ICMS (cerca de 40%), mas também

apresentam as maiores taxas de redução do Valor Adicionado no longo prazo (ver Tabela

03). Enfim, esses resultados mostram que o ganho de receita alcançado pela política no

curto prazo não se sustenta integralmente no longo prazo, de modo que o equilíbrio

orçamentário só poderia ser alcançado através de um aumento no esforço fiscal, leia-se

maior eficiência da arrecadação, ou via redução dos gastos.

Gráfico 01 Mudança real na receita de ICMS (%)

Curto Prazo (4,3%)

Longo Prazo (1,9%)

0.0

0.5

1.0

1.5

2.0

2.5

3.0

3.5

4.0

4.5

5.0

Ano-base Fechamento

Var

iaçã

o pe

rcen

tual

Fonte: Elaboração própria.

5. Considerações finais

Este trabalho buscou avaliar os impactos econômicos da política de aumento das alíquotas

de ICMS de uma cesta de produtos praticada pelo governo estadual gaúcho. Sustentou-se

que a metodologia de modelos de equilíbrio geral computável é a mais apropriada para este

fim na medida em que possibilita capturar a reação dos agentes às mudanças de preços

Page 20: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

20

relativos provocadas pelo choque de política tributária em foco. Adicionalmente, também

se sustentou que um fechamento de curto prazo seria mais apropriado para a simulação do

choque tributário uma vez que a política possui um caráter transitório, haja vista a previsão

de redução gradativa das alíquotas para seu patamar inicial. Também foi implementado um

exercício de simulação para um fechamento de longo, visando extrair informações sobre o

efeito de re-localização produtiva associado à mobilidade dos fatores caso a política

assuma um caráter permanente.

No curto prazo, os principais resultados apontam para uma elevação geral dos preços e

pequena redução no emprego e no produto, tanto no Rio Grande do Sul como no

Restante do Brasil devido à interdependência regional entre essas economias. No Rio

Grande do Sul, o aumento de preços se mostra mais intenso sobre os bens de consumo das

famílias. Porém, se a política assumir um caráter permanente, fica evidente pelos

resultados da simulação de longo prazo que deve haver um significativo efeito de re-

localização produtiva, resultado numa queda relativamente mais acentuada no emprego e

no produto do Rio Grande do Sul em detrimento do aumento do emprego e do produto no

Restante do Brasil. Ainda neste cenário, constata-se que a re-localização produtiva implica

numa redução da base tributária gaúcha, comprometendo a eficácia da política de aumento

tributário em termos do incremento de receita de ICMS.

Por fim, cabe retomar que esses resultados devem ser considerados à luz da estrutura

econômica vigente em 1998, ano-base do modelo B-MARIA-RS. Logo, os resultados

encontrados servem como um indicativo dos potenciais efeitos da política. Ademais, a

robustez dos efeitos identificados é condicionada pelos coeficientes e parâmetros de

elasticidades do modelo, sendo relevante, futuramente, avançar na análise da sensibilidade

dos resultados em face de modificações no conjunto de coeficientes e de parâmetros de

elasticidade.

Page 21: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

21

6. Referências bibliográficas

ARMINGTON, P. S. A theory of demand for products distinguished by place of production. International Monetary Fund Staff Papers, Washington, v. 16, p. 159-178, 1969.

DE MELO, J.; ROBINSON, S. Product differentiation and foreign trade in CGE models of small economies. [s. l.: s. n.], 1989. (Policy, Planning, and Research Department Working Papers, n. WPS 144).

DIXON, P. B. et al. ORANI: a multisectoral model of the Australian economy. Amsterdam: North-Holland, 1982.

DIXON, P. B.; PARMENTER, B. R. Computable general equilibrium modeling for policy analysis and forecasting. In: AMMAN, H. M.; KENDRICK, D. A.; RUST, J. (Ed) Handbook of Computational Economics. Amsterdam: Elsevier, 1996. v.1, p. 3-85.

DOMINGUES, E. P.; HADDAD, E. A. Política tributária e re-localização. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 57, n. 4, p. 849-871, 2003.

GUILHOTO, J. J. M. (1995) Um modelo computável de equilíbrio para planejamento e análise de políticas agrícolas (PAPA) na economia brasileira. Tese (Livre Docência)

Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 1995.

HADDAD, E. A. Regional inequality and structural changes: lessons from the Brazilian experience. Aldershot: Ashgate, 1999.

HADDAD, E. A.; DOMINGUES, E. P. EFES

An applied general equilibrium model for the Brazilian economy: sectoral projections, 1999-2004. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 31, n. 1, p. 89-125, 2001.

HADDAD, E. A.; DOMINGUES, E. P.; PEROBELLI, F. S. Regional Effects of Economic Integration: The Case of Brazil. Journal of Policy Modeling, Rhode, v. 24, p. 453-482, 2002.

PERRONI, C.; RUTHERFORD, T. F. A comparison of the performance of flexible functional forms for use in applied general equilibrium analysis. Computational Economics, v. 11, n. 3, p. 245-263, 1998.

PETER, M. W. et al. The theoretical structure of MONASH-MRF. Clayton: Monash University, Faculty of Business and Economics, Centre of Policy Studies, 1996. (Preliminary Working Paper, n. OP-85).

PORSSE, A. A. Competição tributária regional, externalidades fiscais e federalismo no Brasil: uma abordagem de equilíbrio geral computável. Tese (Doutorado)

Programa de Pós-Graduação em Economia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.

Page 22: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

22

Anexo Tabela A1 Parâmetros de elasticidades e coeficientes do modelo B-MARIA-RS

Participação orçamentária

marginal na função LES Setores Elasticidade de substituição:

Armington regional

Elasticidade de substituição:

Armington internacional

Elasticidade de substituição:

fatores primários RS RB

Elasticidade da demanda

internacional

S1

Agropecuária 0,229 0,229 0,500 0,043 0,059 -13,241

S2

Indústrias metalúrgicas 1,186 1,186 0,500 0,003 0,006 -1,371

S3

Máquinas e tratores 0,293 0,293 0,500 0,008 0,008 -2,263

S4

Material elétrico e eletrônico 1,349 1,349 0,500 0,022 0,031 -1,114

S5

Material de transportes 0,430 0,430 0,500 0,078 0,054 -1,096

S6

Madeira e mobiliário 0,023 0,023 0,500 0,022 0,011 -1,134

S7

Papel e gráfica 0,303 0,303 0,500 0,010 0,008 -0,999

S8

Indústria química e petroquímica 0,793 0,793 0,500 0,026 0,016 -3,887

S9

Calçados, couros e peles 0,057 0,057 0,500 0,024 0,007 -0,885

S10

Benefic. de produtos vegetais, inclusive fumo 0,874 0,874 0,500 0,028 0,016 -1,942

S11

Abate de animais 0,003 0,003 0,500 0,026 0,017 -2,116

S12

Indústria de laticínios 0,322 0,322 0,500 0,016 0,011 -2,639

S13

Fabricação de óleos vegetais 1,453 1,453 0,500 0,009 0,004 -1,323

S14

Demais indústrias alimentares 0,060 0,060 0,500 0,041 0,034 -0,504

S15

Demais indústrias 1,587 1,587 0,500 0,074 0,066 -1,719

S16

Serviços industriais de utilidade pública 0,007 0,007 0,500 0,023 0,018 -0,762

S17

Construção civil 0,001 0,001 0,500 0,000 0,000 -1,045

S18

Comércio 0,462 0,462 0,500 0,122 0,096 -1,217

S19

Transportes 0,162 0,162 0,500 0,043 0,043 -8,362

S20

Comunicações 1,002 1,002 0,500 0,024 0,017 -1,064

S21

Instituições financeiras 0,092 0,092 0,500 0,081 0,102 -2,103

S22

Serviços prestados às famílias e empresas 0,829 0,829 0,500 0,103 0,153 -1,914

S23

Aluguel de imóveis 0,058 0,058 0,500 0,165 0,199 -1,978

S24

Administração pública 0,047 0,047 0,500 0,001 0,004 -3,628

S25

Serviços privados não-mercantis 0,001 0,001 0,500 0,008 0,018 -1,045

Page 23: Aumento do ICMS - alexandre porsse · bens de diferentes origens são tratados como substitutos imperfeitos. Por exemplo, bens agropecuários gaúchos são diferenciados dos bens

This document was created with Win2PDF available at http://www.daneprairie.com.The unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use only.