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Universidade de Brasília Instituto de Psicologia Departamento de Psicologia Clínica Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura Autópsia psicológica: compreendendo casos de suicídio e o impacto da perda Tatiane Gouveia de Miranda Orientador: Prof. Dr. Marcelo Tavares Brasília /DF 2014

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Universidade de Brasília

Instituto de Psicologia

Departamento de Psicologia Clínica

Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura

Autópsia psicológica:

compreendendo casos de suicídio e o

impacto da perda

Tatiane Gouveia de Miranda

Orientador: Prof. Dr. Marcelo Tavares

Brasília /DF

2014

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Universidade de Brasília

Instituto de Psicologia

Departamento de Psicologia Clínica

Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura

Autópsia psicológica: compreendendo casos de

suicídio e o impacto da perda

Tatiane Gouveia de Miranda

Dissertação apresentada como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre

em Psicologia Clínica pelo Programa de

Psicologia Clínica e Cultura do Instituto de

Psicologia da Universidade de Brasília.

Professor Orientador: Dr. Marcelo

Tavares

Brasília /DF

2014

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Nome: Miranda, Tatiane Gouveia.

Título: Autópsia psicológica: compreendendo casos de suicídio e o impacto da perda

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Psicologia Clínica e Cultura do Instituto de Psicologia

da Universidade de Brasília para obtenção do título de

Mestre em Psicologia Clínica.

Aprovada em 02 de junho de 2014.

Banca examinadora:

____________________________________________

Marcelo Tavares

PPGPsiCC/IP/UnB

_____________________________________________

Célia Maria Ferreira da Silva Teixeira

UFG

_____________________________________________

Maurício Neubern

PPGPPsiCC/IP/UnB

_____________________________________________

Gláucia Diniz

PPGPsiCC/IP/UnB

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A um ausente

Tenho razão de sentir saudade,

tenho razão de te acusar.

Houve um pacto implícito que rompeste

e sem te despedires foste embora.

Detonaste o pacto.

Detonaste a vida geral, a comum aquiescência

de viver e explorar os rumos de obscuridade

sem prazo sem consulta sem provocação

até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.

Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.

Que poderias ter feito de mais grave

do que o ato sem continuação, o ato em si,

o ato que não ousamos nem sabemos ousar

porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,

de nossa convivência em falas camaradas,

simples apertar de mãos, nem isso, voz

modulando sílabas conhecidas e banais

que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.

Sim, acuso-te porque fizeste

o não previsto nas leis da amizade e da natureza

nem nos deixaste sequer o direito de indagar

porque o fizeste, porque te foste?

Carlos Drummond de Andrade

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AGRADECIMENTOS

Envolvida em sentimento de gratidão pela minha existência e pela

contribuição de cada um que já passou por minha vida, seja no sorriso tímido de um

desconhecido, seja na presença contínua e ininterrupta de meus amados familiares e

amigos: minha eterna e concreta gratidão.

A você que foi consciência quando precisei de bom senso: Meu mentor espiritual .

A você que foi alicerce de edificação: Ilva Gouveia.

A você que foi ar quando me sufoquei: Evandro Miranda.

A você que foi grito quando precisei de som: Thaíse Regina.

A você que foi vida quando eu renasci: Sophia Miranda.

A você que foi letra quando precisei de música: Lilian Cristina.

A você que foi esperança quando precisei de fé: Leia Bell.

A você que foi dia quando a luz acabou: Cláudia Alves.

A você que foi ouvido quando precisei dizer o errado: Karine Borges.

A vocês que mesmo distantes estiveram sempre presentes: Guilherme Nunes, Rui

de Moraes e Hugo César.

A você que foi cuidado quando precisei de ajuda: Jô.

A você que foi alegria enquanto a música tocava: Carla Machado.

A você que foi luta quando precisei crescer: Marcelo Tavares.

A você que eu ainda conhecerei, pois é sempre esperança de um porvir feliz .

A vocês que são vários nomes e que perfumam a minha vida.

A vocês que se desnudaram para me contar o que de mais íntimo guardavam: Os

entrevistados dessa pesquisa.

À razão da minha vida e da vontade de colaborar para um mundo melhor: Deus.

Dizer Gratidão é o mínimo, embora não o suficiente.

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Sumário

RESUMO7

ABSTRACT ..................................................................................................................... 8

Suicídio e suas vítimas: uma breve introdução ................................................................ 9

Capítulo 1: Autópsia psicológica .................................................................................... 12

1.1. HISTÓRICO E DEFINIÇÃO .............................................................................. 12

1.2. FATORES DE RISCO NO SUICÍDIO CONSUMADO .................................... 15

1.3. QUESTÕES METODOLÓGICAS ...................................................................... 23

1.4. REVISÃO DE ENTREVISTAS DE AUTÓPSIA PSICOLÓGICA ................... 31

1.5. IMPACTO DAS ENTREVISTAS DE AUTÓPSIA PSICOLÓGICA NOS

ENTREVISTADOS E ENTREVISTADORES .......................................................... 42

Capítulo 2: Sobreviventes de suicídio ............................................................................ 48

2.1. CONCEITO: QUEM SÃO OS SOBREVIVENTES DE SUICÍDIO .................. 48

2.2. O LUTO ............................................................................................................... 50

2.3. REAÇÕES DOS SOBREVIVENTES DE SUICÍDIO AO EVENTO ................ 56

2.4. INTERVENÇÃO APÓS O SUICÍDIO ............................................................... 61

2.5. REFLEXÕES ....................................................................................................... 64

Capítulo 3- Método ......................................................................................................... 66

3.1. PROBLEMA ........................................................................................................ 66

3.2. OBJETIVO .......................................................................................................... 66

3.2.1. Objetivo geral ................................................................................................... 66

3.2.2. Objetivos específicos ........................................................................................ 67

3.3. PARTICIPANTE ................................................................................................. 67

3.4. INSTRUMENTO ................................................................................................. 67

3.4.1. A entrevista como método: um diálogo entre a entrevista ................................ 67

clínica e a prática jurídica ........................................................................................... 68

3.4.2. Relação comunicativa da entrevista: influência de fatores de .......................... 70

contexto e da relação entrevistador-entrevistado ........................................................ 70

3.4.3. A construção de uma entrevista semiestruturada para autópsia........................ 72

psicológica .................................................................................................................. 72

3.5. Procedimentos para coleta de dados .................................................................... 76

3.6. Método de Análise de dados ............................................................................... 77

Capítulo 4- Resultados e Discussão ............................................................................... 81

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CASO AVI ..................................................................................................................... 82

CARACTERÍSTICAS DA VÍTIMA E GRAU DE INTIMIDADE ENTRE VÍTIMA

E ENTREVISTADA ................................................................................................... 83

FATORES CLÍNICOS DA VÍTIMA ......................................................................... 85

PRECIPITADORES E ESTRESSORES .................................................................... 88

COMPORTAMENTOS SUICIDAS .......................................................................... 91

MÉTODO DO SUICÍDIO: LETALIDADE, PLANEJAMENTO E

INTENCIONALIDADE ............................................................................................. 92

IMPACTO DA MORTE NOS SOBREVIVENTES DE SUICÍDIO ......................... 95

REAÇÕES DOS ENTREVISTADOS EM RELAÇÃO À ENTREVISTA E OUTROS

COMENTÁRIOS ...................................................................................................... 105

TEMPO DECORRIDO ENTRE O SUICÍDIO E A REALIZAÇÃO DA

ENTREVISTA .......................................................................................................... 106

CASO BEN .................................................................................................................. 107

CARACTERÍSTICAS DA VÍTIMA E GRAU DE INTIMIDADE ENTRE VÍTIMA

E ENTREVISTADO ................................................................................................. 108

FATORES CLÍNICOS DA VÍTIMA ....................................................................... 112

PRECIPITADORES E ESTRESSORES .................................................................. 117

COMPORTAMENTOS SUICIDAS ........................................................................ 120

MÉTODO DO SUICÍDIO: LETALIDADE, PLANEJAMENTO E

INTENCIONALIDADE ........................................................................................... 122

IMPACTO DA MORTE NOS SOBREVIVENTES DE SUICÍDIO ....................... 124

REAÇÕES DOS ENTREVISTADOS EM RELAÇÃO À ENTREVISTA E OUTROS

COMENTÁRIOS .................................................................................................. 12929

Capítulo 5- Conclusão e Reflexões Finais .................................................................... 131

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 139

ANEXOS.......................................................................................................................147

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RESUMO

O presente trabalho teve como objetivo realizar entrevistas de autópsia

psicológica com os sobreviventes de suicídio a fim de avaliar retrospectivamente fatores

clínicos, precipitadores, estressores e motivações que pudessem ter contribuído para que

o suicídio se consumasse, além de considerar os impactos do suicídio e da entrevista

sobre os entrevistados. Averiguou-se que poucos são os instrumentos disponíveis para

realizar autópsias psicológicas, o que também, influência na disponibilidade de

conhecimento sobre o perfil do suicida. Para conclusão dessa pesquisa, foi desenvolvida

uma entrevista semiestruturada para facilitar a comunicação com os sobreviventes de

suicídio, inspirada em estratégias e procedimentos desse tipo de avaliação psicológica,

bem como de fatores de risco já obtidos na literatura. Foram realizadas quatro

entrevistas com familiares, sendo dois voluntários de cada vítima. Os casos formam

analisados pelo método clínico-qualitativo, verificando-se singularidades e divergências

em cada caso. Pôde-se avaliar o impacto do suicídio nos sobreviventes, por exemplo, a

presença de sentimento de culpa, de ressentimento, da necessidade de entenderem o

porquê do suicídio, e de complicação e prolongamento na vivência do luto por anos.

Palavras chaves: autópsia psicológica, suicídio, impacto da perda.

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ABSTRACT

The present study aimed to perform a psychological autopsy interviews with suicide`s

survivors to retrospectively evaluate clinical factors, stressors and precipitants,

motivations that might have contributed to suicide, in addition to considering the impact

of suicide and interview on respondents. It was found that there are few tools available

to perform psychological autopsies, which also influence the availability of knowledge

on the profile of suicide. To complete this research, one semi-structured interview was

developed to facilitate communication with the suicide`s survivors, inspired in a review

of strategies and procedures of this type of psychological assessment as well as risk

factors already obtained in the literature. Four interviews were conducted with family

members, two volunteers from each victim. The cases form analyzed by clinical-

qualitative method, checking for singularities and differences in each case. It was

possible to assess the impact of suicide on survivors, for example, the presence of guilt,

resentment, the need to understand why the suicide and complication and prolongation

of survival in mourning for years.

Key words: psychological autopsy, suicide, impact of loss.

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Suicídio e suas vítimas: uma breve introdução

A person’s death is not only an ending: it is

also a beginning – for the survivors.

(Edwin Shneidman)

O suicídio envolve uma morte traumática que perturba e traz consequências severas

aos familiares, amigos, colegas ou mesmo profissionais que lidaram com essa perda.

Embora, o suicídio seja um ato que acompanha a história da humanidade é um

fenômeno que necessita de maior atenção para que medidas efetivas possam reverter o

crescente número de suicídios no mundo.

O trabalho com a temática do suicídio requer um preparo intenso para não reforçar o

preconceito, o estigma e os tabus que perpassam séculos e que continuam presentes em

nossa sociedade. O suicídio, segundo Ariès (1982, como citado em Souza, 2005), não

combina com uma boa morte, ferindo a coerência e o sentido da vida. A morte, processo

natural e inequívoco de todo ser humano, perde a sua naturalidade com sujeitos que

rompem com a sua imprevisibilidade e, mais do que aceitá-la, apontam o caminho

inverso, o de provocar a própria morte.

O termo suicídio é de difícil definição por suscitar discussões teóricas sobre ser um

ato consciente, voluntário e intencional. Inúmeros suicídios ocorrem com pessoas que

apresentavam à época alguma perturbação do pensamento, como em casos de

esquizofrenia, no período agudo da doença, em que a pessoa tinha uma crença delirante,

como acreditar que poderia voar, colocando em debate se havia consciência,

intencionalidade e voluntariedade do ato. A ambivalência, ou seja, o conflito

psicológico para decidir entre a vida e a morte, aumenta os questionamentos sobre qual

o melhor conceito sobre suicídio (Cassorla, 2004). Contudo, sem o intuito de delongar

sobre as vicissitudes de cada conceituação, denomina-se aqui o suicídio como a morte

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causada por comportamento danoso autoinfligido com a intencionalidade de morrer

como resultado desse comportamento (Crosby, 2007, como citado em Wenzel, Brown

& Beck, 2010; Shneidman, 1973).

Segundo dados da OMS (2000), a cada ano aproximadamente um milhão de

pessoas se suicidam no mundo, o que poderia representar uma morte a cada 40

segundos. No Brasil, os dados estatísticos totalizaram 9206 mortes por suicídio no ano

de 2008 (WHO, 2008). Entretanto, deve-se ressaltar que a subnotificação é um

problema presente e que afeta bastante a qualidade das informações que embasam esses

números. Assim, a realidade ultrapassa essa estatística.

Outra questão alarmante são as consequências dessa morte para as pessoas que

ficaram. Compreender o impacto da perda e o processo de luto de quem perdeu algum

ente por suicídio é um grande desafio com elevada profundidade e complexidade. A

literatura é enfática ao pontuar que essa população constitui um grave problema de

saúde pública (Dyregrov, 2011; WHO, 2000). Para Shneidman (1973, como citado em

Dyregrov, 2011) o maior problema de saúde pública não reside na prevenção do

suicídio nem do manejo das tentativas de suicídio, mas no alívio do estresse daqueles

que têm suas vidas modificadas pelo suicídio, que contabilizam milhões de pessoas no

mundo.

O fenômeno do suicídio é bastante complexo, envolvendo variados aspectos. A

pessoa que consumou o suicídio é descrita como vítima. Entretanto, ela é a única

vítima? Os que ficam transformam-se em vítimas dessa morte e podem ter nessa

experiência fonte de muito sofrimento, além de aumentar o risco de comportamentos

suicidas e o desenvolvimento de patologias.

A literatura estrangeira tem provido muitos estudos nesta área, contudo, no

Brasil, há uma escassez de produção acadêmica. Evidencia-se a insuficiência de

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embasamento científico, o que insurge na necessidade de que interessados possam

consubstanciar esse tema para a realidade brasileira, observando tanto as especificidades

de cada ser humano ao utilizar o suicídio como recurso, como o legado do suicídio nos

que ficam.

As estratégias para abordar o suicídio são múltiplas, como abordagens

epidemiológicas, psiquiátricas e psicossociais. A autópsia psicológica é uma avaliação

retrospectiva, que tem sido utilizada para a compreensão do suicida e que pode buscar

entender o impacto da perda para as pessoas que perderam alguém por suicídio

(Cavalcante et al., 2012; Clark & Horton-Deustch, 1994). Entretanto, essa é uma

avaliação ainda incipiente, no Brasil, que necessita de estudos que reflitam os méritos,

problemas e limitações desse método, auxiliando no seu desenvolvimento.

Este trabalho se dividiu em três partes: a primeira referente à fundamentação

teórica sobre autópsia psicológica, capítulo 1, e sobre os sobreviventes de suicídio,

capítulo 2. No capítulo 3, foi realizada a descrição do método, explanando sobre o

processo de construção da entrevista semiestruturada para casos de suicídio, que

contemplou a investigação sobre o suicida e sobre o impacto do suicídio para os

sobreviventes. O capítulo 4 apresenta os resultados e a discussão dos casos. Por último,

o capítulo 5, contendo a conclusão e reflexões finais.

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Capítulo 1: Autópsia psicológica

1.1. HISTÓRICO E DEFINIÇÃO

No contexto do suicídio consumado, uma ferramenta bastante útil para ajudar na

compreensão desse fenômeno é a avaliação retrospectiva da personalidade, mais

conhecida como autópsia psicológica. Nessa situação, ela auxilia na obtenção de

informações sobre o suicídio e, dependendo da sua estrutura, pode aprimorar o

conhecimento sobre a vivência dos sobreviventes do suicídio.

Essa avaliação psicológica cunhada, na década de 1960, pelo autor Edwin

Shneidman, como autópsia psicológica, tem mostrado sua eficácia em diversos

contextos: na clínica, na avaliação forense e no contexto de pesquisa sobre o suicídio

(Isometsä, 2001; Murthy, Lakshman & Gupta, 2010; Shneidman, 1994). Entende-se a

avaliação psicológica como um conjunto de procedimentos que utilizam conhecimentos

teóricos para descrever o funcionamento de indivíduos ou de grupos, além de avaliar ou

fazer predições sobre comportamentos em determinadas situações. Diversos

instrumentos e técnicas podem ser utilizados, como: testes psicológicos, entrevistas e

observação (Cunha, 2009; Hutz, 2009).

A autópsia psicológica, que é um tipo de avaliação psicológica, envolve dois

procedimentos principais: 1) entrevistas com informantes, pessoas que possam fornecer

dados relevantes, que conheciam a vítima, como esposa ou marido, parentes, amigos,

namorados, empregados, profissionais que acompanharam o falecido como psicólogo,

psiquiatra, clínico geral, entre outros; e 2) coleta e análise de documentos relevantes,

como prontuários, registros clínicos, diários pessoais, nota de suicídio, se houver (Clark

& Horton-Deutsch, 1992; Hawtona et al., 1998; Hourani, Jones, Kennedy & Hirsch,

1999; Isometsä, 2001; Shneidman, 1992, 2004).

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A autópsia psicológica pode ser definida como um tipo de avaliação psicológica

realizada retrospectivamente através de uma investigação imparcial, que objetiva

compreender os aspectos psicológicos de uma determinada morte. Busca-se

compreender o que havia na mente do indivíduo. Ela visa reconstruir a vida psicológica

de um indivíduo, analisando o seu estilo de vida, a personalidade, a saúde mental, os

pensamentos, os sentimentos e os comportamentos precedentes a morte, a fim de

alcançar um maior entendimento sobre as circunstâncias que contribuíram para o fato.

Além disso, a autópsia psicológica pode auxiliar no esclarecimento do modo da morte,

que pode ser natural, acidental, por suicídio ou homicídio (Clark & Horton-Deustch,

1992; Gavin e Rogers, 2006; Isometsä, 2001; Jacobs e Klein-Benheim, 1995;

Shneidman, 1992, 1994, 2004).

A entrevista realizada para a autópsia psicológica difere quanto à forma e

conteúdo, dependendo de seu objetivo. Ela implica em um estudo minucioso, sendo

necessárias várias categorias de investigação que abarquem a complexidade do

fenômeno. No campo psicológico e social, essas categorias incluem fatores

demográficos, transtornos de personalidade, estilo de vida, história de comportamento

contexto, suporte social, disponibilidade de instrumentos e, não obstante, grau de

ambivalência, clareza da função cognitiva, quantidade de organização ou obsessão,

estado de agitação, além da dor psíquica (Clark & Horton-Deustch, 1994; Jacobs &

Klein-Benheim, 1995; Shneidman, 1992, 1994, 2005; Snider, Hane & Berman, 2006).

O desenvolvimento da autópsia psicológica, segundo Shneidman (2004), ocorreu

no Centro de Prevenção de Suicídio em Los Angeles (LASPC), na década de 1960.

Neste local, os médicos legistas que não conseguiam ter precisão quanto ao modo da

morte começaram a recorrer a psicólogos, para que a intenção de autoextermínio fosse

averiguada, uma vez que esta é a condição intrínseca do suicídio. Assim, faltava a

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investigação no domínio psicológico para saber se a intenção se caracterizava ou não.

A autópsia psicológica aparece nesse contexto com o objetivo primordial de esclarecer o

modo de morte em casos duvidosos ou incertos (Clark & Horton-Deutsch, 1994;

Shneidman, 1994).

Nessa perspectiva, a avaliação da intencionalidade é um ponto chave.

Intencionalidade pode ser definida como “a intensidade do desejo do indivíduo em

acabar com a sua vida” (Cassorla, 2004, p. 22). Litman (1989) coloca que “a intenção é

ter em mente algo a ser realizado” (p. 638), ter um objetivo, um propósito, um plano. O

objetivo primário do suicídio não seria morrer, mas sim solucionar problemas que estão

causando muita dor e muita angústia. A morte está sendo instrumentalmente utilizada

pelo indivíduo para resolver os seus problemas de vida. Assim, a intenção suicida se

caracteriza quando se demonstra que a vítima quando realizou a ação autodestrutiva

tinha um entendimento de sua natureza física e das consequências do ato (Litman,

1989).

Concomitante com o desenvolvimento e maior popularização dessa avaliação no

LASPC, a autópsia psicológica se estendia a diversos países e culturas. Em outros

países esse exame retrospectivo se estabeleceu em casos em que não havia dúvida de

que a morte era por suicídio. O objetivo desse procedimento em casos de suicídio já

confirmados é buscar entender o “pôr que” do suicídio. Segundo Litman (1996 apud

Hourani et al., 1999), pode-se identificar quais indivíduos ou grupos são mais

vulneráveis, “mas não é possível predizer qual indivíduo irá cometer suicídio ou

quando” (p.3). Com isso, a autópsia aparece como pedra angular para melhorar o

conhecimento sobre o suicídio, sendo considerado o principal instrumento de pesquisa

utilizado para compreender os suicídios consumados, promovendo informações

detalhadas, que não poderiam ser acessadas por outros métodos. Portanto, esse método

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ajuda a entender e prevenir futuros suicídios (Appleby, Cooper, Amos & Faragher,

1999; Clark & Horton-Deustch, 1994; Cooper, 1999; Cooper, Appleby & Amos, 2002;

Isometsä, 2001; Shneidman, 2004).

1.2. FATORES DE RISCO NO SUICÍDIO CONSUMADO

Diversas pesquisas utilizando o método de autópsia psicológica em casos de

suicídio têm sido realizadas. A utilização desse método tem sido considerada uma das

principais abordagens para estudar fatores de risco para o suicídio (Cavanagh, Carson,

Sharpe & Lawrie, 2003; Isometsä, 2001; Hjelmeland, Dieserud, Dyregros , Knizek &

Leenars, 2011; Hawton et al., 1998).

Fator de risco pode ser definido como a relação entre alguma característica ou

atributo do indivíduo, grupo ou ambiente, que aumenta a probabilidade de desenvolver

uma consequência adversa e mensurável, que precede o resultado. Alguns fatores de

risco podem ser obtidos através de estudos epidemiológicos, em que se mapeiam a

idade, sexo, religião, entre outros. Contudo, esses fatores apresentam características que

não modificam e, portanto, com limitações para intervenção. Por outro lado, sinais de

alerta como abuso de álcool ou outras substâncias, depressão, eventos estressores, como

divórcio, desemprego, podem representar riscos modificáveis com intervenção (DeJong,

Overholser & Stockmeier, 2010; Meleiro, Teng & Wang, 2004).

Segundo dados da OMS (2000), estudos revelam que 80 a 100% das pessoas que

consumaram o suicídio possuíam alguma perturbação psiquiátrica no momento do

suicídio. A presença de algum transtorno mental é o fator de risco mais fortemente

associado ao suicídio seja de adultos ou de adolescentes. A porcentagem de transtorno

mental nos suicídios varia bastante entre as pesquisas. Entretanto, a maioria dos estudos

corrobora que cerca de 90% das pessoas que se suicidam tinham um transtorno mental.

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Vale ressaltar que esses dados têm maior prevalência na Europa e na América do Norte

(Bertolote & Fleischmann, 2004; Botega, Rapeli & Freitas, 2004; Cavanagh et al., 2003;

Chavan et al., 2008; DeJong et al., 2010; Kurihara et al., 2009; Judd, Jackson, Komiti,

Bell & Fraser, 2012; Marttunen, Aro & Lönnqvist, 1993; Parkar et al., 2009; Uribe et

al., 2013; Zhang & Zhou, 2009).

Nos países asiáticos, as taxas são mais baixas para a presença de transtorno

mental no momento do suicídio. Estudos realizados na China e na Índia têm, em geral,

atribuído uma associação de 50%, com uma pesquisa de Zhang e Zhou (2009)

destoando e encontrando 68.2%. De qualquer forma, revela-se abaixo dos 90%

comumente associado no mundo Ocidental. Segundo Zhang et al. (2011) na China os

fatores sociais influenciam o risco de suicídio, independente de transtornos mentais. Um

dos argumentos plausíveis para essa diferença é de que os chineses são impulsivos e

responsivos a alguns eventos de vida sociais. Observa-se, assim, uma menor ênfase nos

fatores ligados a distúrbios mentais. A análise inclui aspectos psicossociais, uma vez

que esses poderiam afetar tanto as pessoas com transtorno como sem transtorno mental

(OMS, 2013; Parkar, Nagaserkar & Weiss, 2009; Zhang, Wieczorek, Conwell & Tu,

2011; Yang et al., 2005; Zhang & Zhou, 2009).

Dentre os transtornos mentais que mais prevalecem no suicídio são os

transtornos de humor, seguidos por abuso ou dependência de álcool, esquizofrenia, além

de transtornos de personalidade, notadamente, borderline. Nos transtornos de humor, a

depressão representa a maioria dos casos, seguida dos transtornos bipolares, com

predomínio dos suicídios na fase depressiva (Cavanagh et al., 2003; Meleiro & Teng,

2004). Clark e Fawcett (1992) em sua pesquisa apontaram que 40 a 50% das pessoas

apresentaram um quadro de depressão grave, 20% apresentavam dependência de álcool

e 10% esquizofrenia no momento da ação letal. De maneira geral, as taxas de depressão

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vão de 30 a 70%, de alcoolismo de 15 a 27% e esquizofrenia de 2 a 12% (Hawton et al.,

1998). Além disso, é reiterado o quadro de co-morbidade, especialmente, da depressão

com abuso de álcool (Cavanagh et al., 2003; DeJong et al., 2010; OMS, 2000).

A interação do álcool com o suicídio é recorrente na literatura. O abuso de álcool

ou o seu consumo está presente em um significativo número de suicídios. A intoxicação

por álcool aparece em cerca de 50% dos suicídios, inclusive no Brasil. Pode-se destacar

que a função do álcool pode ser diferente para cada suicídio. Assim, o uso do álcool

pode facilitar com que o indivíduo consiga lidar com uma aflição psicológica ou pode

ser usado para aliviar a angústia que normalmente acompanha o comportamento suicida.

Dessa maneira, a pessoa pode colocar o álcool no planejamento e realização do suicídio

para “ganhar coragem”, entorpecer medo ou para anestesiar a dor da morte. Além disso,

o álcool pode ser usado em conjunto com outras substâncias para aumentar o efeito

delas, garantindo, assim, uma maior letalidade (DeJong et al.; 2010; Kizza, Hjelmeland,

Kinyanda & Knizek, 2012; Meleiro & Teng, 2004).

Pessoas com esquizofrenia, também, têm o risco aumentado de suicídio em

relação à população geral. Os suicídios podem ocorrer ao longo de todo o curso da

esquizofrenia, com prevalência da fase ativa da doença e de sintomas de depressão,

imediatamente antes do suicídio. O risco é aumentado durante um período pós-psicótico

pela possível perda de apoio, diminuição da supervisão, não-adesão ao tratamento, entre

outras explicações. Tentativas de suicídio anteriores são comuns, além de um método

violento ser utilizado com frequência (Botega et al., 2004; Heilä et al., 1997; Meleiro &

Teng, 2004).

Na China, os estudos têm demonstrado uma porcentagem menor da presença de

transtorno mental, atribuindo uma taxa de 50% no suicídio, com uma pesquisa de Zhang

e Zhou (2009) destoando e encontrando 68.2%. De qualquer forma, revela-se abaixo

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dos 90% comumente associado no mundo Ocidental. Segundo Zhang et al. (2011) na

China os fatores sociais influenciam o risco de suicídio, independente de transtornos

mentais. Um dos argumentos plausíveis para essa diferença é de que os chineses são

impulsivos e responsivos a alguns eventos de vida sociais. Observa-se, assim, uma

menor ênfase nos fatores ligados a distúrbios mentais para analisar aspectos

psicossociais, uma vez que esses poderiam afetar tanto as pessoas com transtorno como

sem transtorno mental (Zhang, Wieczorek, Conwell & Tu, 2011; Zhang & Zhou, 2009).

Outra pesquisa de autópsia psicológica realizada na China comparou dois

grupos: um de suicídios sem transtorno mental e o outro com transtorno mental. Os

resultados demonstraram uma diferença significativa entre esses grupos. Os fatores

demográficos e sociais distintos, foram: os suicídios sem diagnósticos psiquiátricos

eram de pessoas mais jovens, tinham maior grau de escolaridade, maior renda, eram

mais propensos a se matar usando pesticidas e outros venenos, eram menos propensos a

ter um histórico de tentativas anteriores de suicídio, tiveram menos eventos de vida a

longo prazo e mais eventos de vida recente, no período de um mês antes da morte. Os

eventos de vida associados com a amostra com diagnóstico psiquiátrico eram de brigas

com membros da família, diminuição da renda, e doença física. Os eventos de vida mais

comum para os suicídios sem transtornos mentais foram de brigas com membros da

família, seguido de perda de prestígio e críticas ou punição de professor, superior ou

pais (Yang et al., 2005; Zhang & Zhou, 2009).

É sabido que uma alta taxa de pessoas que se suicidam apresentava algum

transtorno mental à época da morte. Entretanto, cerca de 5% das pessoas que possuem

algum transtorno mental se suicidam (Botega et al., 2004; Zhang & Zhou, 2009). Dados

da OMS (2000) estimam que o risco de suicídio seja de 6-15% em pessoas com

depressão, de 7-15% com alcoolismo e de 4-10% com esquizofrenia. Isso remete a

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questão de que o diagnóstico de algum tipo de transtorno mental não pode ser ligado

como a causa do suicídio, é preciso considerar que apesar da ênfase dada para esse

fator, os fatores psicossociais são essenciais, iniciando ou acelerando o caminho do

suicídio (Botega et al., 2004; Judd et al., 2012).

Apesar da presença de transtorno mental ser um dos pontos mais assegurados

nas pesquisas de autópsia psicológica ao longo dos anos, uma nova gama de estudos

tem averiguado se o perfil suicida continua o mesmo e se há bases científicas e

metodológicas válidas para assegurar os resultados das autópsias psicológicas,

especialmente, no que tange as questões da presença de transtornos mentais. Quanto às

mudanças percebeu-se uma diferença no perfil de gênero, uma vez que os resultados

quanto ao uso de métodos violentos foram comparáveis. Ademais, observou-se uma

queda na taxa de pessoas com transtorno mental, menos de 50% dos suicídios em países

da Europa (Hjelmeland et al., 2012; Judd et al., 2012). Entretanto, vale ressaltar que

esses resultados ainda são escassos, necessitando que mais estudos sejam realizados,

corroborando ou não com essas alterações no perfil do suicídio.

Outros fatores de risco associados ao suicídio são: estar desempregado, divórcio,

tentativas de suicídio anteriores, problemas em relacionamentos interpessoais,

isolamento, dificuldades financeiras, pendências judiciais, acesso a métodos que podem

provocar o suicídio, histórico familiar de suicídio. Dificuldades financeiras e estresse no

trabalho associados com depressão tem um risco elevado de suicídio. Além de variáveis

psicológicas, como impulsividade e desesperança (DeJong et al., 2010; Judd et al.,

2012; Meleiro & Teng, 2004; Owens, Booth, Briscoe, Lawrence & Lloyd, 2003; Parkar

et al., 2009; Wenzel, Brown & Beck, 2010).

A existência de tentativa(s) de suicídio anterior é considerada um fator de risco

para o suicídio. Nota-se que há um risco elevado em relação à população em geral.

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Entretanto, quando se comparam pessoas com tentativas de suicídio com pessoas que

consumaram o suicídio, a presença de tentativas anteriores se mostra um dado com uma

sensibilidade limitada, pois tentativas anteriores de suicídio são menos comuns no

histórico de quem consumou o suicídio, principalmente, para os homens. Os resultados

convergem que de 58 a 62% das pessoas que consumaram o suicídio não apresentaram

tentativas de suicídio anteriores, ou seja, apenas um-terço dos suicídios haviam feito

uma tentativa anterior. Dois-terços comunicaram a intenção suicida semanas antes da

morte, usualmente para pessoas diferentes, desses 40% comunicaram de forma clara e

específica a sua intenção de suicidar. Além disso, apesar de 90% ter recebido algum tipo

de atenção médica no período de um ano antes da morte, em 50% dos casos nunca

tiveram contato com profissional da saúde mental (Clark & Horton-Deutsch, 1994;

DeJong et al., 2010; Uribe et al., 2013).

O fácil acesso a métodos que podem provocar o suicídio é outro fator de risco.

Segundo dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da

Saúde/DATASUS, no período de 1996 a 2002, a taxa de óbitos por suicídio tendo como

método o enforcamento/estrangulamento foi de 34,1%, ficando atrás apenas da arma de

fogo que representou 43,8% das mortes em homens. Já nas mulheres o método mais

utilizado foi de enforcamento/estrangulamento (41%), seguido de pesticidas e produtos

químicos (19%). Um estudo feito por Santos, Lovisi, Legay e Abelha (2009) buscou

mapear aspectos epidemiológicos do suicídio no Brasil, no período de 1980 a 2006.

Dentre os achados o local mais comum do suicídio foi a própria casa (51%) e, dentre as

mortes ocorridas em casa, 64,5% foram causadas por enforcamento e 17,8% por armas

de fogo. Quanto aos métodos utilizados para o suicídio, o enforcamento foi

predominante (47,2%), seguido de armas de fogo (18,7%), outros métodos (14,4%) e

envenenamento (14,3%).

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Histórico familiar de suicídio, também, eleva o risco associado ao suicídio.

Estudos comparativos de gêmeos, filhos adotivos, estudo de casos familiares, estudo de

genética são estratégias que têm sido utilizadas para compreender como o histórico

familiar de suicídio aumenta o risco de suicídio naquela família. Alguns estudos

indicam que a associação de suicídio ao longo de gerações na mesma família é

explicada pelos fatores hereditários. Outros estudos pontuam que o risco não ocorre

pelo fator hereditário, mas por uma aprendizagem, uma vez que alguém da família

utilizou esse tipo de recurso ((Borczyskowski, Lindblad, Vinnerljung, Reintjes & Hjern,

2011; Meleiro & Teng, 2004; Turecki, 1999).

A consequência do fator genético ainda não é conclusiva. Pesquisas pontuam

que esse componente não seria específico do suicídio, afetando, por exemplo, traços

impulsivos, característica encontrada no suicídio. Ou ainda, poderia estar ligado a

fatores genéticos que predispõem a transtornos mentais e que esses se associam com o

suicídio, embora, tenha sido encontrado que o histórico de suicídio predispõe ao

suicídio, independente de transtorno mental (Borczyskowski, Lindblad, Vinnerljung,

Reintjes & Hjern, 2011; Hjelmeland et al., 2012; Meleiro & Teng, 2004; Turecki,

1999).

A impulsividade é outro fator que tem sido associado ao suicídio. A

impulsividade pode ser denominada como uma inaptidão de inibir respostas, uma

inabilidade de planejar o futuro ou um traço de personalidade (Wenzel et al., 2010).

Contudo, essa característica é difícil de mensurar, pois envolve várias questões. Por

exemplo, o fato de um indivíduo ser impulsivo, não quer dizer que a ação que levou ao

suicídio foi um ato impulsivo, podendo ter havido um alto grau de planejamento. De

qualquer forma, estudos precisam explorar melhor essa característica (Clark & Horton-

Deustch, 1994; Wenzel et al., 2010).

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A desesperança, cognições relacionadas ao suicídio, impulsividade aumentada,

déficits na resolução de problemas e perfeccionismo são variáveis psicológicas que

podem estar presentes no contexto do suicídio. Desesperança pode ser entendida como

uma cognição, “uma crença de que o futuro é sombrio, que seus problemas nunca se

resolverão” (Wenzel et al., 2010, p.56). Essa característica, principalmente, quando

persiste por longo tempo se apresenta como um preditor de risco de suicídio. Além

disso, autores pontuam que quanto mais forte for o grau de desesperança, menor é a

necessidade de que adversidades apareçam (Wenzel et al., 2010).

O desespero faz parte de um grupo de afetos que Shneidman (1993) cunhou

como psychache: um sofrimento, uma angústia, uma infelicidade severa, uma dor

intolerável que se apodera de toda a mente da pessoa. Quando a união dessa dor

intolerável, com estresse e com uma perturbação ou agitação chegam a um nível

máximo, o indivíduo pode pensar, ameaçar, tentar ou consumar o suicídio, mas não

antes que fatores protetivos, também, entrem em cena (Shneidman, 2005). Assim, além

dos fatores de risco, o suporte social, padrões de respostas de enfrentamento, ter razões

para viver entram nesse processo ambivalente. Maris (1981 citado em Shneidman,

2004) propõe, ainda, que existe uma carreira suicida, ou seja, decisões suicidas

desenvolvidas ao longo do tempo e contra certos cenários psicológicos, genéticos ou

biológicos, que nunca são explicados completamente por fatores situacionais agudos

(Clark & Horton-Deutsch, 1994).

Variados são os fatores de risco para o suicídio que advém de autópsias

psicológicas. Esses fatores devem ser contextualizados e não vistos de forma isolada,

revelando apenas dados estatísticos. Insurge a necessidade de um maior conhecimento

das circunstâncias de vida e demais fatores que auxiliem ao aprimoramento da avaliação

de risco de suicídio. Ainda que os dados estatísticos constituam um instrumento útil

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com sinais premonitórios, indícios que podem levar a ocorrência de suicídio, não

querem dizer nada específico sobre determinado caso. De acordo com Shneidman

(1994) “estatísticas são feitas de casos individuais, um caso individual não é controlado

pelas estatísticas” (p.75). A análise de fatores de risco é umas das perspectivas para se

abranger a complexidade do suicídio, mas, distante de ser a única.

1.3. QUESTÕES METODOLÓGICAS

A utilidade dessa avaliação pode ser percebida em qualquer âmbito em que se

inscreva, contudo muitos questionamentos se fazem em relação à metodologia utilizada

para a sua execução. Nos últimos 20 anos, alguns estudos têm sido desenvolvidos com o

intuito de debater e propor soluções para questões metodológicas que mais ocorrem

nessa avaliação (Cavanagh et al., 2003; Conner et al., 2012; Cooper, 1999; Hawton et

al., 1998; Isometsä, 2001; Jacobs & Klein-Behheim, 1999; Murthy, Lakshman & Gupta,

2010).

Os problemas metodológicos mais retratados na autópsia psicológica são: o

desenvolvimento projeto de pesquisa, a identificação das pessoas e da quantidade

necessária de informantes para cada caso, fontes de informação, questões particulares

referentes aos parentes ou outros informantes, escolha e recrutamento de grupos de

controle, dificuldade de realização das entrevistas, problemas para os entrevistadores, a

seleção de medidas adequadas para obter informações e garantir conclusões válidas e

razoavelmente confiáveis de diversas fontes de informação (Botello, Noguchi,

Sathyavagiswaran, Weinberger, & Gross, 2013; Hawton et al., 1998).

Seleção de medidas de avaliação de transtorno mental

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Selecionar medidas que garantam uma confiabilidade das informações referentes

à presença de transtorno mental no momento do suicídio é uma das questões

metodológicas que merecem atenção. É imprescindível que detalhes de como essas

informações são obtidas sejam verificados. Algumas autópsias psicológicas utilizam a

Entrevista Clínica Estruturada para o DSM em suas várias versões (SCID) e o Mini

International Neuropsychiatric Interview (M.I.N.I), a Schedule for Affective Disorders

and schizophrenia (SADS), formulado para uso de crianças e adolescentes de 9 a 16

anos, para averiguar a presença de transtorno mental. Uma das primeiras limitações que

se pode constatar é que essas entrevistas foram criadas para serem feitas diretamente

com o paciente, nenhum desses instrumentos foi adaptado e validado para ser realizado

com terceiros. Dessa forma, muitas perguntas podem ser difíceis, quando não

impossíveis de serem respondidas por outras pessoas (Clark & Horton-Deutsch, 1994;

Conner et al., 2012; Hjelmeland, 2012; Pouliot & DeLeo, 2006).

Ainda que entrevistas com terceiros possam prejudicar o diagnóstico, elas já têm

a sua validade e confiabilidade confirmadas, necessitando de adaptações. Por outro lado,

o que se observa é que a maioria das autópsias psicológicas não faz uso desses

instrumentos padronizados. Elas utilizam instrumentos que ainda são desconhecidos ou

pouca atenção tem sido dada a eles na literatura, além do desconhecimento de

informações psicométricas. Não obstante, existe uma carência de comparação entre os

resultados dos estudos, mesmo daqueles realizados com instrumentos padronizados

como a SCID. Isso se deve a falta de equivalência nas medidas, com diferença nas

versões e edições dos instrumentos, o que gera variações nas questões (Pouliot &

DeLeo, 2006).

Além disso, Kelly e Mann (1996, citado em Pouliot & DeLeo, 2006)

encontraram uma baixa concordância entre relatos da própria pessoa e dos informantes

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para transtornos de personalidade. Vale acrescentar, que esse estudo apesar de não ter

sido realizado com pacientes suicidas, mostrou o grau de concordância para o

diagnóstico de transtorno de personalidade a partir da comparação entre informantes e o

relato da própria pessoa. Alguns pesquisadores têm revelado não atribuir transtorno de

personalidade nas autópsias psicológicas pela dificuldade de realizar essa avaliação após

a morte (Hjelmeland et al., 2012). Dreessen et al. (1998, citado por Pouliot & DeLeo,

2006) asseguram que o grau de concordância diagnóstica entre os pacientes e os

informantes aumenta de acordo com o aumento da intensidade e intimidade da relação

entre eles.

O próprio processo de luto, fatores cognitivos, como memória, disponibilidade

emocional do sobrevivente de suicídio, idade, gênero, grau de proximidade com a

vítima interferem nas informações. O relato do informante, também, pode ser

susceptível de ser moldado pela necessidade de justificar o suicídio, pela atitude do

entrevistado em relação ao suicídio ou pelo o que ele pensa sobre transtorno mental. Em

casos de abuso, em que o abusador é o informante, pode ser conveniente que ele atribua

algum transtorno mental como causa do suicídio. Assim, pode haver uma

supervalorização dos transtornos mentais (Hjelmeland, 2012; Pouliot & DeLeo, 2006).

Tempo entre o suicídio e a entrevista

O tempo transcorrido desde a morte é outro fator que pode influenciar nas

informações obtidas. O sobrevivente de suicídio se estiver com sintomas depressivos,

característicos do luto, ou algum transtorno afetivo pode avaliar de maneira mais

pessimista ou ainda pode, consciente ou inconscientemente, valorizar o morto, não

revelando características que pudessem macular de alguma forma a imagem da vítima

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(Conner et al., 2012; Hawton et al., 1998; Hjelmeland et al., 2012; Jacobs & Klein-

Benheim, 1995).

De modo geral, as pesquisas têm apontado que no mínimo três meses devem ter

transcorrido da morte para a realização da entrevista, mas alguns autores já pontuam que

a partir do segundo mês seria apropriado, pois teria passado a fase mais crítica do luto.

Além do tempo mínimo, muitos autores pontuam que o tempo máximo seria de um ano.

Assim, propõe-se que as entrevistas sejam realizadas no período de três meses a um ano

da morte para que a parte mais traumática do luto tenha passado, mas dentro do tempo

em que eles estejam dispostos a falar, além de evitar a deterioração da memória (Conner

et al., 2012; Hawton et al., 1998; Hjelmeland et al., 2012; Jacobs & Klein-Benheim,

1995; Zhang et al., 2002).

Além do tempo para a realização da entrevista, outro fator que pode influenciar

na recordação dos informantes é as circunstâncias envolvidas na descoberta do suicídio.

Os informantes que descobriram o corpo ou ainda o viram na cena do suicídio têm uma

maior propensão a ter uma experiência traumática diferente daqueles que não viram ou

não acharam o corpo. Um fenômeno que pode acontecer com os informantes que viram

o corpo é a hipermnésia, que se refere à ampliação da memória decorrente de uma

experiência traumática ao longo do tempo (Pouliot & DeLeo, 2006).

Contato inicial com o informante

Outra variável refere-se ao primeiro contato com os informantes. Apesar de não

haver um consenso sobre qual a maneira mais adequada para iniciar o contato com os

entrevistados alguns pontos podem ser considerados. Alguns pesquisadores, após

aprovações preliminares necessárias, entram em contato com instituições, como

delegacias, enviando cartas a possíveis informantes, que explicam o motivo da

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entrevista e que o entrevistador entrará em contato, por telefone ou pessoalmente, para

saber do interesse em participar da pesquisa (Cooper, 1999; Hawton et al., 1998; Zhang

et al., 2002).

Outras pesquisas propõem um contato inicial direto por telefone ou com visita

domiciliar. Apesar de não ser unânime qual procedimento seria o mais conveniente, a

visita domiciliar aparece com baixa taxa de recusa. Contudo, questões éticas devem ser

ponderadas, uma vez que a visita acontece sem que a pessoa saiba do que se trata. De

maneira geral, a abordagem mais comum para o contato inicial é enviar uma carta,

seguida de telefonema, uma semana após (Cooper, 1999; Hawton et al., 1998; Isometsä,

2001; Zhang et al., 2002).

No contato telefônico ou na visita domiciliar, mesmo que uma carta tenha sido

encaminhada, é útil que o entrevistador tenha um protocolo com amplas explicações

sobre o projeto. Também, é importante ter estratégias para evitar que o informante não

se sinta culpado, caso se recuse a participar da pesquisa (Cooper, 1999; Zhang et al.,

2009). Afora isso, o contato deve ser visto como um momento de respeito e que

propicie um ambiente confortável tanto na recusa quanto no aceite da participação. A

discussão em torno de possibilidades éticas do contato inicial é propícia para que uma

baixa taxa de recusa seja obtida sem que os entrevistados sintam que seus direitos foram

infringidos (Cooper, 1999).

Escolha e número dos informantes

A escolha dos informantes, também, pode afetar na qualidade das informações.

De modo geral, é dada uma maior preferência a pais e companheiros. Entretanto, o fato

de serem pais ou parentes próximos não significa que haja uma relação de confiança ou

de intimidade. Como é o caso de alguns jovens, em que características de abuso de

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álcool ou outras substâncias podem ser melhor informadas por amigos do que pelos

pais. Nesse sentido, poucos estudos discutem, ou ao menos, mencionam essas

características da relação nas pesquisas (Clark & Horton-Deutsch, 1992; Hawton et al.,

1998).

Além disso, o número de entrevistados para cada caso de suicídio é outro fator

importante. A maior parte das autópsias psicológicas realizadas utilizou um ou dois

informantes para cada caso. Aumentar o número de informantes, buscando aqueles com

maior grau de intimidade pode ajudar a aumentar as chances de alcançar um

conhecimento mais legítimo. Caso haja informações contraditórias entre dois

entrevistados, uma ferramenta útil é entrevistar uma terceira pessoa, ou ainda, retornar

às duas pessoas e verificar sobre os pontos que se mostraram contraditórios. Entretanto,

a informação das entrevistas de autópsia psicológica vai estar sempre limitada ao que o

informante observou (Hawton et al., 1998; Hjelmeland et al., 2012; Jacobs & Klein-

Benheim, 1995).

Local e duração da entrevista e quantidade de informantes por sessão

A entrevista, geralmente, ocorre na casa dos entrevistados, pois evita que o

entrevistado tenha que se locomover, muitas vezes interpondo dificuldades de acesso,

indisponibilidade de tempo para locomover até outro local, entre outras intempéries. Na

casa, deve se escolher o local que seja o mais reservado possível. Quando mais de uma

pessoa será entrevistada na casa, deve ser pedido que as entrevistas aconteçam

individualmente, para que cada ponto de vista dos entrevistados possa ser inteiramente

considerado, levando a um quadro mais completo da situação. Se por ventura, os

entrevistados insistirem em realizar a entrevista juntos, apesar de qualquer explicação,

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isso deve ser respeitado e a entrevista deve ser realizada concomitante (Conner et al.,

2012).

Normalmente, a duração da entrevista varia de duas a quatro horas. É essencial

que os entrevistados sejam avisados desse tempo para que possam se programar. Além

de que um intervalo seja realizado caso o tempo da entrevista seja demorado (Cooper,

1998; Hawton et al., 1998; Isometsä, 2001; Zhang et al., 2002).

Habilidade e treino do entrevistador

Nas entrevistas de autópsia psicológica, observa-se a falta de um padrão que

regula o protocolo e método de aplicação. Isso acaba por deixar a entrevista variar de

acordo com a habilidade, treino e sensibilidade do entrevistador (Hawton et al., 1998;

Murthy et al., 2010; Snider, Hane & Berman, 2006; Werlang, 2000).

A capacitação dos entrevistadores influenciará na qualidade dos dados obtidos. É

concordante que pessoas menos treinadas afetam negativamente a qualidade dos dados

obtidos (Conner et al., 2012; Hjelmeland et al., 2012; Zhang et al., 2002). Ademais, é

aconselhável que os entrevistadores tenham experiência clínica, pois pode ser

necessário lidar com alguma situação de crise no momento da entrevista. Da mesma

maneira, em pesquisas que se fará uso de instrumentos clínicos para diagnóstico, essa

habilidade clínica pode ser uma ferramenta útil ou mesmo imprescindível para uma

maior confiabilidade das informações (Conner et al., 2012).

O treinamento dos entrevistadores é pouco relatado nas pesquisas. Zhang et al.

(2002) pontuam que foi realizado um treinamento com os seis entrevistadores que

faziam parte da equipe, sendo psiquiatras, psicólogos e epidemiologistas. Eles foram

treinados, especialmente para a utilização da SCID. Os estagiários observaram

entrevistas reais e simuladas para aprimorar as habilidades dos entrevistadores. Outra

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pesquisa comparou a validade e confiabilidade de diagnósticos entre entrevistadores

leigos, que foram treinados e entrevistadores com experiência clínica (psicólogos e

psiquiatras). O resultado apontou que a confiabilidade entre os entrevistadores com

experiência clínica superou os profissionais leigos. Entrevistadores leigos, ainda que

treinados, reportaram mais sintomas do que os clínicos (Pouliot & DeLeo, 2006). Com

isso, observa-se que o treinamento de profissionais, juntamente, com uma experiência

clínica fornece uma maior confiabilidade e validade das informações obtidas.

Considerações metodológicas

As questões metodológicas revisitadas fazem parte de dilemas encontrados nas

pesquisas que tinham como método a autópsia psicológica ou analisavam autópsias

psicológicas em casos de suicídio. Contudo, o objetivo da autópsia psicológica, como

explanado anteriormente, pode ser tanto para avaliar o modo da morte, quanto para

realizar pesquisas na busca de maiores informações sobre o suicídio. Quando a autópsia

vem como demanda da justiça para avaliar o modo da morte, poucos recursos têm o

perito em relação a determinadas questões, uma vez que quesitos devem ser

respondidos, pareceres apresentados em um tempo delimitado.

Dessa forma, questões como assegurar um tempo entre a morte e a entrevista,

como fazer o primeiro contato não são colocadas diante da demanda judicial. Além de

que, esse já é um ambiente em que as testemunhas podem ser indiciadas, sem

necessidade de autorização. Abrindo um cenário com outras especificidades, como estar

atento para simulações, a resistência em responder, ter interesse de que certas

informações sejam omitidas ou modificadas, a não confidencialidade do processo de

autópsia psicológica, entre outros (Botello et al., 2013; Rovinski, 2009).

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De qualquer forma, uma maior padronização de entrevista que reveja alguns dos

problemas metodológicos, pode imprimir uma maior confiabilidade dessas avaliações.

A discussão das questões metodológicas sobre a autópsia psicológica almeja melhorar a

sua realização da autópsia psicológica, sem, no entanto, desmerecer o seu legado.

Afinal, é uma proposta de avaliação retrospectiva, que se limita diante da

impossibilidade de ter o contato com a própria pessoa que cometeu suicídio.

1.4. REVISÃO DE ENTREVISTAS DE AUTÓPSIA PSICOLÓGICA

No intuito de analisar entrevistas, comparando métodos e protocolos, observou-

se que poucos estudos se debruçaram na tentativa de padronizar esse método. Na

revisão sobre autópsia psicológica, observa-se que a maioria dos artigos recai sobre

resultados de autópsias psicológicas com grupo controle, apontando fatores de risco e,

mais escassas as pesquisas sobre protocolos e métodos padronizados de autópsia

psicológica (Cavanagh et al., 2003; Murthy et al., 2010; Pouliot & DeLeo, 2006; Snider,

Hane & Berman, 2006).

Hjelmeland et al. (2012) propõem que não é uma maior padronização que se faz

necessária, mas uma sistematização mais ajustada das informações, colocando por

exemplo, a relação da vítima com o informante e não apenas o grau de parentesco.

Além de sugerir que as abordagens sejam mais qualitativas, entendendo o suicídio para

além dos transtornos mentais. Indicam que as entrevistas sejam qualitativas, com um

número relativamente elevado de informantes em torno de cada suicídio e que sejam

sistematicamente analisadas, possibilitando uma visão ampla do porquê determinada

pessoa se matou naquele momento particular de sua vida. Portanto, compreender-se-á o

que o suicídio representou para aquela pessoa, em seu contexto particular, contribuindo

para práticas de prevenção em suicídio.

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No contexto de pesquisa e clínica esse direcionamento menos padronizado, mas

sistematizado apresenta vantagens. Embora, especialmente no contexto forense, a falta

de padronização, que gera a validade e confiabilidade fica comprometida (Snider et al.,

2006). O maior rigor metodológico pode ser incluído em pesquisas aumentando a força

das informações.

Os artigos encontrados, em geral, apontavam resultados de autópsia psicológica,

como fatores de risco. Já a quantidade de artigos publicados referentes à metodologia da

autópsia psicológica ainda é escassa, concentrando em roteiros que apontam o que deve

ser verificado nas autópsias psicológicas (Clark & Horton-Deustch, 1992; Conner et al.,

2012; Cooper, 1999; Hawton et al., 1998; Snider et al., 2006).

Snider et al. (2006) com o objetivo de responder a essa lacuna e gerar maior

admissibilidade da autópsia psicológica como prova pericial, recomendaram um

protocolo padronizado, que deveria conter áreas de investigação. Essas áreas vão desde

buscar relatórios médicos e policiais até saber sobre hobbies e grau de religiosidade,

conforme mostra o Quadro 1.

Quadro 1. Áreas de investigação propostas por Snider, Hane e Berman (2006)

ÁREAS DE INVESTIGAÇÃO EXEMPLOS

1-Documentação Recomendada Relatórios médicos

Relatórios policiais

2-Local da Morte

Relacionamento do falecido com o local

Evidência de planejamento ou ensaio

3- Dados Demográficos

Idade, gênero

Estado civil

4- Sintomas Recentes / Comportamentos

Apareceu deprimido, triste, choroso ou

melancólico

5- Precipitantes à morte

Morte recente de alguém significativo

Algum evento percebido como traumático

6-História Psiquiátrica

Comportamentos suicidas anteriores

Ter visto um psicólogo, psiquiatra

7-Saúde Física

Recente visita a um médico

Experiência com dor crônica

8- Abuso de Substâncias

História de abuso de álcool ou outras

substâncias

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9- História Familiar

Algum irmão ou pais que tenha morrido por

morte não-natural

10-História de Arma de Fogo

Adquiriu recentemente arma de fogo

Armazenava arma de fogo

11- Suporte Social

Relativo sucesso nas relações pessoais ou

de trabalho

12-Reatividade Emocional

Comportamentos impulsivos

Histórico de violência contra outros

13- Estilo de Vida

Perfeccionismo

Padrões de resposta típicos

14- Acesso à serviços de saúde

Comportamento de buscar ajuda

Sem acesso a um cuidador

15- Outras áreas de investigação

Hobbies

Grau de religiosidade

O estudo de Snider et al. (2006) é mais atual, tendo embasado na resposta de

vários profissionais que trabalham com autópsia psicológica. No entanto, o que se

percebe é que muitos desses parâmetros recaem sobre o que Shneidman já propunha há

décadas. Ele propôs 16 temas que as autópsias psicológicas deveriam seguir, conforme

mostra o Quadro 2.

Quadro 2. Áreas de investigação da autópsia psicológica para Shneidman (1981)

1- 1- Identificação da vítima

2- Detalhes da morte

3- Breve esboço da história da vítima

4- História das mortes que aconteceram na família

5- Descrição da personalidade e do estilo de vida da vítima

6- Padrões típicos de reação ao estresse, a emoções incômodas e períodos de

desequilíbrio

7- Estressores, tensões ou antecipação de problemas recentemente

8- Papel do álcool n estilo de vida e no método do suicídio

9- Natureza dos relacionamentos interpessoais

10- Fantasias, sonhos, pensamentos em relação à morte, acidentes ou

suicídio

11- Mudança nos hábitos ou rotinas antes da morte

12- Informações relativas a aspectos vitais da vítima

13- Avaliação da intenção

14- Avaliação da letalidade

15- Reações dos informantes à morte da vítima

16- Comentários ou particularidades do caso

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De acordo com a revisão da literatura, várias áreas de análise são possíveis.

Sendo elas: detalhes da morte, circunstâncias da morte, acesso ao método,

premeditação, letalidade; avaliação da intencionalidade; antecedentes familiares,

incluindo história de transtornos mentais e comportamento suicida; infância e

adolescência; educação; relacionamentos com pais, amigos e família; suporte social;

rede social e isolamento; problemas judiciais; habitação; ocupação e emprego; saúde

física; histórico psiquiátrico do falecido; exposição a comportamento suicida;

compromisso religioso; eventos de vida e estressores de vida crônicos; fontes de

estresse; padrões típicos de respostas da vítima frente a estresse, distúrbios emocionais

ou períodos de desequilíbrio; reações dos familiares diante do suicídio; presença de

carta de despedida; comunicação da ideação suicida ou planejamento; tentativas

anteriores de suicídio (Cavanagh et al., 2003; Clark & Horton-Deustch, 1992; Cooper,

1999; Jacbos & Klein-Benheim, 1995; Hawton et al., 1998; Murhty et al., 2010;

Shneidman, 1994, 1993).

Na avaliação da intencionalidade os indícios mais importantes são: preparações

especiais para a morte; expressões de despedida ou o desejo de morrer; expressão de

desespero; grande dor ou sofrimento físico ou emocional; precauções para evitar

resgate; tentativas anteriores de suicídio ou ameaças; eventos estressantes recentes ou

perdas, depressão grave ou distúrbio mental (Litman, 1989). Os indicativos da

intencionalidade se subscrevem na união de diversos fatores que dão sinais da intenção

de morrer, uma vez que a autópsia psicológica se caracteriza pela difícil tarefa de saber

depois da morte o que estava na mente do indivíduo antes de morrer.

Quanto à forma da entrevista, sugere-se que sejam entrevistas semi-estruturadas,

começando com perguntas abertas, antes de passar para as fechadas. O entrevistador,

também, deve ser flexível e adaptar as necessidades psicológicas do informante.

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Quando o entrevistado antecipa assuntos que iriam ser abordados, cabe ao entrevistador

aprofundar as informações desse tópico e depois voltar para onde havia parado (Conner

et al., 2012; Hawton et al., 1998). Kizza et al. (2012) propuseram começar com uma

pergunta ampla: para que o informante descrevesse as circunstâncias que cercaram o

suicídio. Após a resposta, explorar os temas que não foram bem cobertos pela narrativa

do informante e que fazem parte dos 16 itens propostos por Shneidman, de acordo com

o Quadro 2.

Como protocolo, os entrevistadores devem inicialmente se apresentar, dando um

breve histórico de sua história profissional, agradecendo pela colaboração, descrevendo

brevemente os objetivos da entrevista, além de explicações sobre a confidencialidade e

anonimato das informações e dos dados de identificação. No final, devem responder a

dúvidas ou questões que os informantes tenham e agradecer pela participação (Conner

et al., 2012; Hawton et al., 1998; Werlang, 2000).

Os modelos de entrevistas encontradas na íntegra foram apenas quatro. Dessas,

duas eram para casos de suicídio confirmado e as outras para investigar o modo da

morte. Nesse sentindo, teve-se como foco as quatro entrevistas apresentadas na íntegra

pelos autores.

As entrevistas mapeadas foram: às entrevistas realizadas por Shneidman (2004),

a Entrevista Semi-estruturada para Autópsias Psicológicas (ESAP) proposta por

Werlang (2000), o Roteiro de Entrevista Semiestruturada para Autopsias Psicológicas e

Psicossociais (RESAPP) de Cavalcante et al. (2012), o Modelo de Autópsia Psicológica

Integrado (MAPI) criado por García Pérez (1990). As entrevistas de Shneidman (2004)

se diferenciam das outras por não serem padronizadas, mas, devido ao alto valor das

entrevistas mostradas na íntegra no livro Autopsy of a Suicidal Mind, também, foram

escolhidas.

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Entrevista Semi-Estruturada para Autópsias Psicológicas (ESAP)

Werlang (2000) propõe um modelo de entrevista para a realização de uma

autópsia psicológica, a Entrevista Semi-estruturada para Autópsia Psicológica (ESAP).

Ela se divide em quatro módulos: precipitadores ou estressores (O quê?), motivação

(Por quê?), letalidade (O quê?) e intencionalidade (Como?). A entrevista inicia com

perguntas abertas, seguida de perguntas fechadas e em eco (Werlang, 2000, 2009).

O primeiro módulo é de avaliação dos precipitadores e/ou estressores. Começa

com a pergunta aberta: “O que aconteceu antes da morte e que pode ter relação com o

fato? Com ele mesmo? Na família? Nas relações com os outros? Na escola ou no

trabalho? Em questão de dinheiro ou outras? ”. Essa questão segue com dois itens para

especificação dos precipitadores, com respostas dicotômicas de sim e não. Ainda no

primeiro módulo há mais duas questões fechadas com opção de sim ou não como

resposta, que avaliam a reação do falecido aos acontecimentos e se houve mudança no

comportamento. O segundo módulo avalia a motivação, começando com a pergunta

aberta “Por que será que o suicídio ocorreu ou quais as razões que tinha para querer

morrer? ”, prossegue com 32 itens com alternativas de sim ou não (Werlang, 2000).

O terceiro módulo averigua a letalidade, iniciando com a pergunta “de que a

pessoa morreu? ”. Continuando com três questões de múltipla escolha, sobre o método

utilizado, se ele estava ao alcance e se era fácil de obter. Além de duas perguntas para

especificar a probabilidade que o método produzisse a morte e com qual rapidez. O

quarto módulo inicia com a pergunta: “Como chegou a ocorrer o fato? ”, com mais 25

itens de alternativas dicotômicas (sim ou não), sobre evidências de intenção ou desejo

de morrer e sobre planejamento para a morte. Além dos módulos de avaliação, a

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entrevista possui uma árvore decisória para alcançar a decisão final quanto à

probabilidade da ocorrência do suicídio (Werlang, 2000).

Além disso, ela propõe que a entrevista seja realizada em três partes: abertura,

intermediária e final. Na abertura, o entrevistador deve estabelecer uma relação de

confiança com o entrevistado, para que seja possível uma comunicação a mais

espontânea possível. Seguindo para a fase intermediária, em que o entrevistador usa a

entrevista. E, por fim, a fase final, na qual o entrevistador prepara o informante para o

fechamento da atividade, confirmando a relação de confiança. Além disso, na fase final

há a decisão final sobre a probabilidade de ocorrência do suicídio, seguindo os passos

do esquema decisório.

Esse instrumento permite objetividade e validade. Foi averiguado um grau

significativo de concordância entre os avaliadores para a avaliação dos módulos

investigados. É um importante instrumento que busca preencher a lacuna de um modelo

de entrevista para a realização da autópsia psicológica, propondo além da utilização do

instrumento para a entrevista, que o manejo dos resultados obtidos.

Modelo de Autópsia Psicológica Integrado (MAPI)

O Modelo de Autópsia Psicológica Integrado (MAPI) foi criado por Teresita

Garcia Peréz, no Instituto de Medicina Legal de Cuba, em 1990. Essa entrevista tem

como objetivo investigar o modo da morte, apontando graus probabilísticos de que a

morte tenha sido por suicídio, homicídio ou acidente. Assim, vários itens se referem a

um possível homicídio, como a relação com o autor de sua morte. Trata-se de um

método completamente estruturado e sistematizado, composto por 63 categorias. As

perguntas são fechadas na tentativa de diminuir ao máximo os desvios e a subjetividade

dos entrevistadores, uma vez que os entrevistadores devem conduzir a entrevista da

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mesma maneira. Esse modelo foi testado de 1990 a 1994 com vítimas de suicídio e

homicídio e é um modelo cientificamente testado e validado. Esse modelo foi adaptado

para a população brasileira pela autora Santos, M.F. (Texto adquirido em curso de

Autópsia Psicológica em Campinas, 2007).

O MAPI inclui: dados sóciodemográficos; histórico médico pessoal e familiar

(toxicológicos); estado mental (percepção sensorial, consciência, memória, orientação);

relacionamento consigo, com os outros, com as coisas e, se for o caso, com o autor de

sua morte; afetividade; conduta; comida; sexo; sono; atividade; linguagem; presença de

psicopatologia; conflitos na área pessoal, familiar, econômico ou judicial; traços de

personalidade; aspectos psicológicos; interesses; sinais de aviso de que o suicídio iria

acontecer até dois anos antes; informações sobre a morte, como: lugar, tempo,

instrumento utilizado, motivações, ações, sentimentos; ingestão de álcool ou outras

substâncias; perdas recentes; se a vítima portava alguma arma no momento da morte;

possíveis motivações para a morte (Castillo, 2010, Garcia Pérez, 1999).

Segundo o protocolo, a entrevista deve ser realizada com pelo menos três

informantes. Caso haja informações discordantes, o entrevistador deverá fazer uso de

outras fontes de informação que julgar necessário, como relatórios médicos. De

preferência a entrevista é realizada na casa do informante, devendo ser escolhido um

espaço privativo, para que a confidencialidade dos dados seja garantida. A entrevista é

realizada individualmente. Além disso, dois pontos são considerados: 1) que haja uma

relação de bastante intimidade entre o informante e a vítima para que as informações

colhidas tenham qualidade e, 2) que pessoas suspeitas de envolvimento com a morte da

vítima não sejam entrevistadas, pois o risco de viés é muito alto (Castillo, 2010; Garcia

Pérez, 1999).

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Essa entrevista pelo caráter investigativo não apresenta perguntas sobre o

sobrevivente de suicídio, nem a reação deles ao suicídio. Apesar desse ser um tema

sugerido por Shneidman (1981), para os casos, também, duvidosos realizados no

LAPSC. Além disso, nota-se que o conteúdo da entrevista visa mapear diversas áreas de

investigação e a estrutura busca diminuir vieses que poderiam limitar a validade no

contexto forense. É outro instrumento de grande utilidade, principalmente, no que se

refere a casos em que o modo da morte seja duvidoso. Entretanto, é necessário que

pesquisas futuras validem esse instrumento para a população brasileira.

Roteiro de Entrevista Semiestruturada para Autopsias Psicológicas e Psicossociais

(RESAPP)

O Roteiro de Entrevista Semiestruturada para Autopsias Psicológicas e

Psicossociais foi desenvolvido por Cavalcante et al. (2012). Esse instrumento compõe

um dos procedimentos adotados para a compreensão psicológica e psicossocial de

suicídios com idosos, considerados maiores de 60 anos, no Brasil. Fazem parte do

procedimento: a ficha de identificação; o genograma; o roteiro de entrevista semi-

estruturada para autopsias psicológicas e psicossociais; roteiro de organização de

estudos de caso; e roteiro de organização de dados socioantropológicos (Cavalcante et

al., 2012, Cavalcante & Minayo, 2012).

Como protocolo, no contato inicial o entrevistador deve esclarecer sobre a

pesquisa e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, além de criar empatia e

garantir o sigilo da identidade. Segue com o preenchimento da ficha de identificação, na

qual busca entre outros dados o grau de parentesco e grau de afinidade, a família de

procriação, a família de origem. Prosseguindo com a montagem do genograma familiar

(Cavalcante et al., 2012).

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Após o contato inicial passa-se para a realização do RESAPP. Esse roteiro

possui 44 perguntas simples e compostas que abarcam a caracterização social, o retrato

e modo de vida da vítima, a avaliação da atmosfera do ato de suicídio, o estado mental

que antecedeu o suicídio e a imagem da família (Cavalcante et al., 2012, Cavalcante &

Minayo, 2012). Observa-se que devido à amostra ser de idosos, perguntas específicas

para essa população fazem parte do roteiro, como se o falecido era aposentado e fazia

alguma outra atividade, se havia um cuidador dedicado ao idoso, se ele tinha plano de

saúde, além do termo idoso ser utilizado em diversas perguntas. Assim, é essencial

algumas adaptações para outra faixa etária, ou mesmo, para que todas as faixas etárias

possam ser contempladas, como o uso mais genérico do termo pessoa.

Algumas estratégias foram usadas para a realização dessa pesquisa, entre elas:

um seminário de capacitação da equipe e um seminário para discussão dos resultados.

Apesar da capacitação dos pesquisadores seniores ter sido a mesma, a capacitação que

foi oferecida para as equipes de cada região não teve um único padrão. Em relação ao

RESAPP, várias modificações ocorreram como o acréscimo do grau de afinidade entre

o informante e a vítima. Os resultados dessa pesquisa apontam tanto para a

compreensão das circunstâncias do suicídio, do impacto do suicídio para a família,

como para dificuldades na aplicação do método, confiabilidade e consistência do

roteiro.

O RESAPP se mostrou um instrumento útil, que propõe compreender os fatores

psicológicos e psicossociais do suicídio de idosos e o seu impacto na família. Além de

ser um instrumento que atenta para a realidade brasileira. Porém, ressalta-se a

necessidade de ser adaptado e validado a outras populações que não idosos.

Entrevistas realizadas por Shneidman no livro Autopsy of a Suicidal Mind (2004)

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Outras entrevistas importantes foram realizadas por Shneidman (2004). Apesar

de Shneidman não ter padronizado nenhuma entrevista para realizar autópsia

psicológica, ele sintetiza um roteiro, com quatro perguntas que deveriam nortear as

entrevistas. Esses direcionamentos são: que tipo de pessoa a vítima era; o entendimento

que o entrevistado tem do porquê a vítima teria se matado; quais as ideias do

entrevistado sobre o suicídio em geral; e, se o entrevistado acreditava que algo poderia

ser feito para prevenir a morte. As entrevistas abertas foram transcritas nesse livro, que

possibilitou um amplo entendimento de como realizá-las, buscando tanto o

conhecimento sobre a vítima como sobre a história de vida do próprio entrevistado.

Shneidman realizou nove entrevistas sobre o Arthur, a vítima de suicídio

estudada, os entrevistados foram: a mãe, pai, irmã, irmão, melhor amigo, ex-esposa, ex-

namorada, psicoterapeuta e psiquiatra. Essas entrevistas, juntamente com a nota de

suicídio deixada por Arthur, foram transcritas e analisadas por Shneidman e por vários

profissionais, apresentando o entendimento de cada um deles sobre o que aconteceu,

porque aconteceu, e se poderia ou não ter sido evitado.

Shneidman aprofundou em diversos aspectos da vida da vítima e do

entrevistado. Em determinados momentos explicações sobre o suicídio foram dadas aos

informantes. De maneira geral, as entrevistas pediam para falar como Arthur era e a

partir de cada narrativa havia novos direcionamentos. Assim, aspectos tanto da infância,

adolescência, vida adulta de Arthur foram abordados. A história de vida de cada

informante, também, foi averiguada, por exemplo, com a ex-mulher de Arthur, abarcou

sua experiência com a família tendo passado pelo holocausto, ou a história de vida da

ex-namorada, com uma mãe depressiva.

Percebe-se que havia um alto grau de intimidade dos informantes com Arthur,

em que diversas informações foram corroboradas, como tentativas de suicídio

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anteriores, comunicação da ideação suicida, como ele estava no dia anterior, como ele

era. Porém, na pergunta de que se algo poderia ter sido feito para evitar a morte,

percebe-se uma dissensão maior. Isso de certa forma pode ser esperado pelo alto grau de

subjetividade que advêm dessa pergunta hipotética. A quantidade de informantes,

também, é algo digno de nota, uma vez que as informações puderam ser bem obtidas,

podendo se montar um retrato o mais fiel possível de Arthur.

As entrevistas são guiadas exemplarmente pelo entrevistador. Percebe-se que as

entrevistas abertas buscam de forma bastante espontânea os diversos temas relacionados

ao suicídio e aos sobreviventes de suicídio. Isso remete tanto a necessidade de

experiência clínica para conduzir entrevistas como, também, alerta para que a realização

da autópsia psicológica de forma tão aberta deve ser cautelosamente levantada, afinal o

entrevistador é um expert na área há mais de 50 anos. Uma estrutura tão solta para um

entrevistador menos experiente, provavelmente, não será tão satisfatória.

1.5. IMPACTO DAS ENTREVISTAS DE AUTÓPSIA PSICOLÓGICA NOS

ENTREVISTADOS E ENTREVISTADORES

A entrevista realizada para autópsia psicológica desempenha um papel essencial

para o conhecimento científico sobre o suicídio, tanto com informações sobre a pessoa

que consumou suicídio como sobre a vivência do entrevistado diante do suicídio.

Porém, é fundamental considerar que os entrevistados são sobreviventes de suicídio e,

portanto, podem estar vivenciando reações profundas pela perda.

Toda entrevista pode gerar algum dano seja moral, psíquico, intelectual, cultural

ou em qualquer outra dimensão do ser humano. A situação de interação entre o

entrevistador e o entrevistado pode ser estressante para o participante, independente do

assunto abordado (Creswell, 2010; Rosa & Arnoldi, 2008). Por outro lado, a entrevista

pode constituir uma experiência vital para o entrevistado que pode estar falando pela

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primeira vez o mais sinceramente possível com alguém que o compreende, de forma

que a entrevista funcione, em alguma medida, de forma terapêutica (Bleger, 1974).

Neste contexto, analisar e compreender as reações dos entrevistados à entrevista

é um passo importante para prevenir ou minimizar futuros efeitos negativos dela.

Conhecer os impactos da entrevista se tornou imperativo diante de inúmeros

questionamentos da utilidade ou mesmo maleficência da entrevista.

Wong et al. (2010) propuseram um instrumento para mensurar as reações dos

entrevistados, o Psychological Autopsy Contact and Interview Reactions Measure. Esse

instrumento avalia reações referentes ao contato inicial e as reações dos informantes por

terem sido entrevistados pelo método de autópsia psicológica. A entrevista é composta

por 11 perguntas fechadas, sendo três para mensurar o contato inicial e as outras

questões pertinentes à autópsia psicológica.

Em relação ao contato, o instrumento busca averiguar como o entrevistado se

sentiu por ter sido contatado, se ele ficou satisfeito com a explicação sobre o estudo e se

o tempo decorrido entre a entrevista e a morte foi satisfatório. Quanto à entrevista, as

perguntas apontavam se o entrevistado achou a entrevista perturbadora, como eles se

sentiram falando do suicídio em detalhes, como eles se sentiram depois da entrevista, se

a entrevista auxiliou a falar sobre a morte, se ele estava mais disponível para conversar

sobre o suicídio com outras pessoas, se ele melhorou o entendimento sobre o assunto e

se ele tinha se arrependido de ter participado da pesquisa (Wong et al., 2010).

A utilização desse instrumento e de várias pesquisas para avaliar os efeitos das

entrevistas para os entrevistados demonstraram efeitos positivos e negativos, variando

de acordo com a pesquisa. Entretanto, um dado semelhante a todas pesquisas

encontradas é que os efeitos positivos se sobressaem em porcentagem e número em

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relação aos efeitos negativos (Cooper, 1999; Hawton et al., 1998; Wong et al., 2010;

Henry & Greenfield, 2009; Zhang, 2002).

As reações positivas reiteradamente encontradas nos estudos foram de que a

entrevista ocasionou insights, houve vários feedbacks de alívio, alguns participantes

relataram ter falado sobre a vítima de suicídio de uma forma que não tinham conseguido

e estavam se sentindo melhores. Falar sobre o suicídio sem a estigmatização pode gerar

um alívio no participante, que em outros contextos sociais pode se sentir discriminado e

estereotipado (Asgard & Carlsson-Berström, 1991; Cooper, 1999; Hawton et al., 1998;

Henry & Greenfield, 2009; Moura, 2006; Wong, Chan et al., 2010).

A autópsia psicológica ao buscar reconstruir os eventos, verificando os

principais fatores que faziam parte das circunstâncias de vida do falecido, ajudou vários

entrevistados a desenvolver uma visão mais global e mais realista sobre os fatores

estressores que levaram ao suicídio. Assim, com frequência os sobreviventes

reconsideraram sentimentos de culpa e diminuíram seu senso de responsabilidade sobre

a morte. Outro ponto é o propósito altruísta da participação na entrevista, ou seja, os

entrevistados relataram bem-estar por sentirem que estavam contribuindo com

informações que pudessem ser utilizadas para prevenção de futuros suicídios (Henry &

Greenfield, 2009; Hawton et al., 1998; Wong et al., 2010).

A entrevista promove um espaço de encontro em que é possível falar da perda, o

que pode gerar certo alívio no isolamento do sobrevivente, característica essa recorrente

no luto por suicídio. O fator cultural pode pesar na dificuldade de se falar sobre a morte.

Na China, por exemplo, a morte é um tema tabu, pois acreditam que falar sobre a morte

aumenta a probabilidade de que ela ocorra ou até mesmo de que espíritos malignos

sejam enviados para assombrar as pessoas, dificultando que os enlutados falem sobre

ela. Assim, a entrevista corrobora como apoio para que a fala seja expressa em ambiente

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favorável, sem críticas e julgamentos. Além disso, resultados de pesquisas apontam que

muitos entrevistados após passarem pela entrevista se sentiram motivados para buscar

ajuda profissional (Wong et al., 2010).

Ademais, com menor porcentagem observou-se que em alguns casos o maior

entendimento sobre reações de luto ajudou a prevenir respostas de enfrentamento mal

adaptativas dadas pelo entrevistado. Em outros casos, observou-se que com algumas

horas de entrevista sentimentos de paralisia, devido a não aceitação da morte como real,

foram diminuindo (Henry & Greenfield, 2009).

Os efeitos negativos encontrados foram: ter sentindo que a entrevista foi

angustiante ou estressante; alguns relataram sentimentos de depressão; insights

dolorosos; decepção por não prosseguirem com tratamento terapêutico com o

entrevistador; outros relataram que a autópsia psicológica focou apenas nos aspectos

negativos do morto e não em seus pontos emocionais fortes (Cooper, 1999; Henry &

Greenfield, 2009; Wong et al., 2010; Zhang et al., 2002).

Segundo Henry e Greenfield (2009), ainda não é possível saber se os efeitos

negativos em relação à entrevista foram reações diretas da autópsia psicológica ou se

refletiram vulnerabilidades preexistentes. Os entrevistados que relataram efeitos

negativos, talvez, fossem os que desde o início precisavam de uma ajuda profissional.

Cabe ressaltar que na situação de entrevista com pessoas que possam estar

vivenciando situações de luto, de crise é possível que mecanismos de defesa frágeis se

rompam. Assim, vulnerabilidades podem emergir diante da entrevista imediatamente ou

não. Com a identificação de vulnerabilidades, como risco de suicídio, ocorrência de

sentimentos prejudiciais ou intoleráveis, é necessário que medidas cabíveis sejam

tomadas, como encaminhamento para profissionais de saúde mental.

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Durante a entrevista sentimentos de culpa, tristeza, raiva, desesperança e

desespero podem ser despertados no entrevistado. Por exemplo, ao perguntar se o

falecido obteve algum tipo de tratamento o sobrevivente pode sentir-se culpado por

achar que deveria ter providenciado algum tipo de ajuda. Assim, a entrevista pode ter

que oscilar entre dar suporte emocional para o entrevistado e continuar com as áreas de

investigação (Henry & Greenfield, 2009).

Outro aspecto pouco estudado se refere ao impacto dessa entrevista para o

entrevistador. A autópsia psicológica também pode gerar reações prejudiciais no

entrevistador, podendo comprometer tanto a saúde mental dele como afetar a coleta de

informações da entrevista. Apesar de poder ser um desafio para qualquer entrevistador

conter afetos durante essa entrevista, para alguns deles isso pode se tornar

particularmente difícil. Assim, o entrevistador pode através da exposição reiterada das

histórias dos sobreviventes de suicídio responder de forma semelhante aos sintomas do

Transtorno de Estresse Pós-Traumático, mas nesse contexto é denominado vicarious

traumatization (traumatização vicária- tradução livre) (Henry & Greenfield, 2009).

Com esse fenômeno muitos temas podem ser abordados superficialmente,

aspectos significantes podem ser desconsiderados ou indevidamente transcritos, se o

conteúdo emocional do suicídio for intolerável, o entrevistador pode tirar o foco do

suicídio e passar para as reações do sobrevivente ou acelerar as etapas da entrevista,

entre outras ações. Deste modo, supervisões regulares são necessárias (Hawton et al.,

1998; Henry & Greenfield, 2009).

As autópsias psicológicas se diferem em estratégias e métodos, como pôde ser

observado ao longo desse capítulo. Assim, as análises dos efeitos nos entrevistados e

entrevistadores foram realizadas com diferentes tipos de entrevistas. Isso gera uma

limitação nos achados, uma vez que possíveis danos podem ser gerados ou remediados

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de acordo com a forma e conteúdo da entrevista, ou ainda como resultado dos

procedimentos adotados antes e depois da entrevista.

A entrevista, dessa forma, deve ser pensada em seus vários aspectos, envolvendo

questões multivariadas, desde como iniciar o contato com o entrevistado até a

necessidade de supervisões dos entrevistadores. Refletir sobre os diversos impactos de

autópsias psicológicas pode melhorar as estratégias e procedimentos para sua

realização.

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Capítulo 2: Sobreviventes de suicídio

2.1. CONCEITO: QUEM SÃO OS SOBREVIVENTES DE SUICÍDIO

Sobrevivente de suicídio é um termo utilizado para nomear familiares,

companheiros, colegas, amigos de alguém que morreu por suicídio. Segundo

Andriessen (2009), refere-se à “pessoa que perdeu alguém significativo ou um ente

amado pelo suicídio, e cuja vida é modificada pela perda” (p. 43). Entretanto, muitas

discussões se fazem no intuito de indicar o melhor termo para designar às pessoas que

perderam alguém por suicídio.

Na América do Sul e do Norte, o termo sobrevivente de suicídio é utilizado

como sinônimo de enlutado por suicídio. Os termos survivors of suicide e suicide

survivors significam algo que continua a viver ou a existir apesar, especialmente, de

perigo ou sofrimento (Andriessen, 2005).

Segundo alguns autores o termo sobrevivente de suicídio pode ser confundido

com a pessoa que realizou uma tentativa de suicídio, mas que sobreviveu (Clark, 2001;

McIntosh, 2003). Seager (2004) é enfático ao pontuar que esse termo não é apropriado

pelo seu caráter dúbio e que um termo alternativo seria a palavra relict. Essa palavra

originalmente se referia à viúva de um homem morto, mas passou a ser utilizada,

posteriormente, para usos específicos da biologia e geologia, significando algo que

sobreviveu a um período anterior, em uma forma primitiva. Segundo esse autor, relict

pode ser traduzido como deixados para trás, deixado pela morte, sobrevivendo,

justificando, assim, o uso desse termo e não de sobrevivente de suicídio. Outro termo é

survivor-victim, que foi utilizado no passado por Shneidman, mas que, atualmente, não

é muito difundido (Andriessen, 2005, Shneidman, 1973).

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Apesar dessas discussões, o termo sobrevivente de suicídio é o mais utilizado,

não provocando nenhum tipo de confusão no campo já consolidado da suicidologia.

Portanto, optar-se-á pelo termo sobrevivente de suicídio para designar as pessoas que

perderam alguém por suicídio.

Outro ponto que se mostra sem consenso e que interfere em dados estatísticos e

formas de intervenção é a delimitação de quem seriam os sobreviventes. Seriam

familiares, amigos, vizinhos? Tradicionalmente, esse termo foi empregado para os

familiares mais próximos, contudo o que se tem observado é que ele tem expandido

para vizinhos, colegas de trabalho, colegas de escola, amigos, namorados ou pessoas

que de alguma forma foram afetadas pelo suicídio de alguém (Andriessen, 2005;

Dyregov, 2011). Entretanto, alguns autores afirmam que ter perdido um membro da

família ou ser exposto a um suicídio não seriam suficientes para ser um sobrevivente. É

preciso averiguar o grau do relacionamento com o falecido, tendo que ir além do grau

de parentesco (Chapman, 2007 e McIntosh, 2003 citado em Andriessen, 2009).

Nesse sentindo ampliar o termo, também, para profissionais que lidaram com a

perda de um paciente para o suicídio mostra-se eficaz para identificar pessoas afetadas

pela perda. Diversos estudos comprovam que o suicídio de um cliente é descrito pelos

profissionais de saúde mental como estressante, tendo ameaçado a carreira de muitos

profissionais. Além de reações de choque, descrença, profunda tristeza, culpa, medo de

serem processados, além de muitos deles descreverem que o suicídio de um paciente foi

o mais perturbador de suas carreiras. Nos EUA, dados estatísticos referem que 22% dos

psicólogos atuantes e 51% dos psiquiatras relatam ter em algum momento da carreira

perdido um paciente para o suicídio, sendo que um terço desses suicídios aconteceu

enquanto eram estagiários (Ellis & Patel, 2011; Hendin, Lipschitz, Maltsberger, Haas &

Wynecoop, 2000).

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Apesar de inconcludente a identificação e classificação dos sobreviventes de

suicídio, ao longo das últimas décadas, têm-se falado em uma estimativa de cinco a dez

sobreviventes por suicídio (OMS, 2008). Contudo, considerando um leque maior de

pessoas como vizinhos, profissionais da saúde que lidaram com a perda do paciente,

colegas, amigos e outros, alguns autores sugerem que esse número seja de 10 a 15

sobreviventes para cada suicídio (Dyregov et al., 2011). Estatísticas menos

convencionais chegaram a apontar que cada suicídio afetava cerca de 28 diferentes tipos

de relação com a vítima (Bland, 1994 citado em Cândido, 2011).

Dessa forma, nota-se a necessidade de que estudos epidemiológicos que

mapeiam essa população sejam realizados a fim de melhorar a eficácia no campo de

intervenção após o suicídio. Entendendo-se que os sobreviventes são uma parcela

significativa da população e que muitos deles necessitam de uma intervenção

profissional para auxiliar no enfrentamento de graves consequências psicológicas,

sociais ou mesmo econômica (Andriessen, 2009; Dyregov et al., 2011; OMS, 2008).

2.2. O LUTO

Luto é o processo de elaboração da perda de alguém com quem existia um

vínculo. No suicídio, o luto pode ser complexo e traumático, sendo considerado como

um luto sem outro igual (Jordan, 2001). Diversos estudos pontuam que o processo de

luto dos sobreviventes de suicídio é considerado diferente de lutos por outros tipos de

morte, além desse luto abranger pessoas que mais precisam de suporte e que menos o

obtém (Bailley, Dunham e Kral, 1999; Ellenbogen e Gratton, 2001; Harvard Women’s

Health Watch, 2009; Kovács, 2007; Jordan, 2001; Mitchell, 2004; OMS, 2000).

O luto é um processo universal, individualizado e multidimensional, com

fatores: emocionais, sociais, cognitivos, comportamentais, somáticos e espirituais

interagindo (Bailley, Dunham & Kral, 1999). Além disso, é necessário compreender que

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a dor ou o estresse nesse processo não é o ponto final, mas pode durar um longo

período. Na passagem pelo sofrimento os sobreviventes podem passar por várias fases,

desde compreender, aceitar, entender o que é o suicídio, expressar os seus sentimentos,

compreender a sua vivência particular, trabalhar sentimento de culpa e perdoar a

decisão do suicídio. Além disso, pode envolver reações emocionais, mudança em

relação às pessoas, distúrbios físicos, flashbacks, memórias, sonhos e possível

reconciliação final com o falecido por aceitar a decisão da vítima (Andriessen et al.,

2007; Kovács, 2007; Silva, 2009).

A reação a essa perda pode ser considerada como um processo normal do luto ou

pode apresentar alguns fatores complicadores que conduzem a certos tipos de luto,

como: o luto adiado, o crônico, o inibido e o luto complicado. Esse último é relatado em

muitas pesquisas como sendo um problema comumente associado a enlutados por

suicídio (Andriessen et al., 2007; Kovács, 2007; Silva, 2009).

O luto complicado implica em uma relação entre o tempo desde o evento e

algum comprometimento, que resulte em fracasso, distorção em atividades ou etapas do

processo de luto, ou ainda pela descrença, dormência, desprendimento, irritabilidade

excessiva e raiva. Esse tipo de luto está fortemente associado com comportamento

suicida, morbidade física, além da presença de algum transtorno mental (Cerel, Jordan

& Duberstein, 2008; Fiegelman & Feigelman, 2008; Groot, Meer & Burger, 2009). Para

uma decisão diagnóstica do luto complicado, alguns critérios são requeridos: (1) que o

luto seja pela morte de alguém; (2) que as reações envolvam um conjunto angustiante e

intrusivo de sintomas de saudade, anseio e pesquisa sobre a morte; (3) os enlutados

devem ter pelo menos quatro sintomas persistentes de trauma, como evitar lembranças

do falecido, sentimentos de inutilidade, dificuldade em imaginar a vida sem o falecido,

dormência, desapego, sentir atordoado ou chocado, sentir que a vida está vazia ou sem

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sentido, sentir que uma parte de si morreu, descrença, raiva excessiva ou amargura

relacionado com a morte e identificação de sintomas ou comportamentos nocivos

(Mitchell, Kim, Priderson & Mortimer-Stephens, 2004).

Algumas características anteriores ou posteriores a morte podem predispor ao

luto complicado ou mesmo influenciar na elaboração da perda. Assim, além do modo da

morte outras variáveis podem influenciar nesse processo. Algumas delas são: se a morte

foi inesperada, se aconteceu depois de um longo tempo de doença, se foi de um filho, se

havia como prever, fatores de personalidade, números de lutos pelo qual a pessoa

passou anteriormente, tempo decorrido desde o fato, proximidade do relacionamento,

nível de envolvimento emocional com a pessoa, grau de parentesco (Mitchell et al.,

2004; Rando, 1998 citado por Silva, 2009).

Mitchell et al. (2004) pontuam sua análise na reação do luto dos sobreviventes

de suicídio de acordo com a relação com a vítima. Os resultados sugerem que as

relações de parentesco mais prejudicadas são de pais, filhos e cônjuges, corroborando

que relações próximas predispõem a reações de luto complicado.

As reações do luto podem resultar da “interação entre as circunstâncias do

evento, a qualidade de relacionamento com a vítima e vulnerabilidades ou resiliência do

sobrevivente” (Sakinofsky, 2007, p. 131). Nesse sentido, Silva (2009) considera o luto

como um processo relacional, que gera um desequilíbrio na família e, por conseguinte,

uma necessidade de ajustamento da dinâmica familiar e individual.

Outra variável que influencia o luto é a cultura, uma vez que “a expressão do

luto está fortemente vinculada aos costumes de uma sociedade e mais particularmente

do grupo familiar” (Kovács, 2008 apud Silva, 2009, p. 55). As reações do luto são

moldadas pela cultura, uma vez que através dela se expressa o sistema de valores,

expectativas e normas para as relações (Cvinar, 2005; Dyregov et al., 2011). Portanto,

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como o indivíduo vai reagir, também, é afetado pelo significado do suicídio, além das

percepções dos outros sobre a ajuda que os sobreviventes necessitam.

Na cultura brasileira, de maneira geral, o suicídio é valorado como pecaminoso,

egoísta, fraco, vergonhoso, além de outros estigmas sociais e religiosos que tornam o

processo de luto mais doloroso. Essa concepção do suicídio gera dificuldade em se falar

sobre a morte, o sigilo aparece como forma de encobrir o modo da morte. Esse sigilo é

denominado como “conspiração do silêncio”, que se for mantido muito tempo pode

resultar em uma reação de luto patológico e até mesmo em uma doença grave devido à

carga emocional que é guardada (Cain & Fast, 1966 citado em Clark, 1986).

A família pode carregar uma culpa, pois passa “a se ver desacreditada e

estabelece estratégias para se proteger, dentre as quais o sigilo a respeito do morto é a

mais usual” (Souza & Rasia, 2005, p.121). A morte por suicídio aparece, também, como

mais difícil de ser aceita, com vários relatos de familiares que tinham dúvida se

realmente havia acontecido o suicídio. Para aceitar o evento a família pode munir-se de

explicações médicas, religiosas para tentar compreender o que fez com que essa morte

pudesse acontecer, retirando a responsabilidade do morto. Há uma fixação no momento

da morte, na qual a família fica retornando ao acontecimento para tentar justificar o

suicídio (Gradus et al., 2009; Souza & Rasia, 2005).

Clark (1986) propõe a existência de montanhas, que se referem às fases

emocionais do enlutado por suicídio. De acordo com o mapa do luto por suicídio,

proposto pelo autor, o sobrevivente passaria por uma linha contínua entre a irrealidade,

a fase de sobrevivência e a de cura. Na fase de irrealidade ficam sentimentos de choque,

negação e horror do modo da morte. Na fase de sobrevivência estaria fantasia, culpa,

vergonha, raiva, remorso, rejeição, isolamento, autoestima baixa, sentimento de situação

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inacabada e perguntando-se o pôr que do suicídio. A próxima fase seria a de cura ligada

a sentimentos de amor próprio, novos interesses, relacionamentos e responsabilidades.

Souza e Rasia (2005) ressaltam que a morte de um membro da família provoca

alterações em sua configuração, deixando valências, valores abertos. Além disso, o

desejo de querer voltar ao estado anterior à morte faz com que a família fique sem uma

definição, ou seja, a configuração, a identidade familiar é abalada. A família passa a se

achar anormal, o que, juntamente, com o sofrimento individual provoca o isolamento da

família (Souza e Rasia, 2005).

Entre os achados de Souza e Rasia (2005) criou-se um modelo de como as

famílias reagem ao suicídio de um membro. Esse modelo é chamado de Modelo de

Reação Familiar ao Suicídio – NID, sendo composto por três etapas: 1) a negação - não-

saber; 2) a insegurança – inconsistência; 3) a dúvida - desamparo.

A fase da Negação/ Não-Saber é caracterizada antes do suicídio se consumar, ou

mesmo antes de tentativas de suicídio, em que a família tem uma dificuldade em

associar a intenção da vítima com uma morte auto-infligida, ou seja, em alguns casos a

vítima traz indícios em falas ou comportamentos sem que a família consiga entender

que se trata de um risco eminente de tentativa ou suicídio. Há casos em que já decorreu

tentativa(s) de suicídio e a família considera que não havia como saber que o falecido se

suicidaria, havendo um processo de negação.

A fase de Insegurança/Inconsistência engloba duas circunstâncias: uma em que a

família passa a reconhecer que o risco de suicídio existe, mas se sente insegura por não

saber como lidar com esse assunto, e outra, quando o paciente pode começar a ter

ganhos secundários com a tentativa, podendo ter uma certa intenção manipulativa. Essa

fase pode se prolongar por várias tentativas. Vale acrescentar que alguns autores

propõem que as tentativas têm um papel de tentar alterar a configuração familiar,

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tentando comunicar algo a esta, por isso o caráter manipulativo. O suicídio

propriamente dito de outro modo busca resolver o problema da única maneira que

considera possível (Cassorla, 2004, Souza & Rasia, 2005).

Diversas pesquisas salientam que além de diferenças epidemiológicas entre as

tentativas de suicídio do suicídio consumado, na maioria das tentativas de suicídio a

motivação principal não é morrer, mas manipular o ambiente para que esse se

transforme. Contudo, a intenção manipulativa deve ser investigada de uma forma

científica, como uma demanda psicológica do paciente, ou por vezes, do profissional

que acredita que esteja havendo manipulação quando não há. É imprescindível tirar as

implicações moralistas que possam advir com essa situação (Botega & Werlang, 2004;

Cassorla, 2004; Goldim, Raymundo, Francesconi & Machado, 2004).

A mudança para a terceira fase, normalmente, ocorre com o suicídio

consumado. O desamparo faz alusão ao sentimento “de que mais nada vale à pena,

principalmente quando são bem próximos” (Souza & Rasia, p.123). A dúvida aparece

em relação aos motivos que levaram a vítima a consumar o ato. Essa etapa pode

perdurar por muito tempo, principalmente, quando não há algum tipo de intervenção

junto a esses familiares, que ficam reexaminando o fato e concentrando alta carga de

energia nesses pensamentos. De fato, poucas pessoas buscam ou acham algum

tratamento que permita elaborar essa experiência, o que poderia atenuar a fase de

desamparo e dúvida presentes.

Nesse sentido, pode-se observar que o luto por suicídio traz implicações sérias

que podem afetar a saúde física e mental dos enlutados. Assim, reitera-se a necessidade

do suporte a fim de prevenir o desencadeamento de transtornos, a presença de luto

complicado e até mesmo como forma de prevenir futuros suicídios.

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A gravidade do impacto causado pela perda deve ser considerada, estudada e

abordada. Dessa forma, o suporte ao enlutado pode ser oferecido em sua diversidade e

complexidade. Percebe-se que muitas reações são distintas quando o modo da morte é o

suicídio, levando a diferenciação desse luto pelos demais. Cabe, assim, aprofundar um

pouco na literatura desse tema, assunto abordado no próximo tópico.

2.3. REAÇÕES DOS SOBREVIVENTES DE SUICÍDIO AO EVENTO

Diversas pesquisas empíricas foram e continuam sendo realizadas no intuito de

aprofundar o entendimento dos efeitos que o suicídio tem nas experiências de luto dos

sobreviventes de suicídio. Várias são as especificidades salientadas nas pesquisas que

compararam lutos devido ao modo da morte.

Entre as peculiaridades existentes podem-se destacar os questionamentos e

emoções que não existem nem outros tipos de lutos, perguntando se houve falhas, se

teve culpa, por que não percebeu os sinais. O aumento nas dificuldades do luto por

suicídio pode gerar um risco maior para se desenvolver depressão, Transtorno de

Estresse Pós-Traumático, além de pensamentos suicidas (Bailley et al., 1999; Feigelman

B. & Feigelman W., 2008; Feigelman et al., 2009; Lindqvist, Johansson & Karlsson,

2008).

Andriessen (2009) aponta alguns estudos feitos com adolescentes que tiveram

alguma morbidade após a exposição ao suicídio. A palavra morbidade vem do latim

morbus, que significa tanto doença física, enfermidade, como doença do “espírito”.

Ainda pode ser conceituada como a relação entre sãos e doentes ou a relação entre o

número de casos de moléstia e o número de habitantes em dado lugar e momento

(Dicionário Michaelis, 2011).

Ponte et al. (2003, citado por Andriessen, 2007) constataram que adolescentes

expostos a esse fenômeno tinham um histórico de depressão na família e que estavam

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mais propensos a sentir-se responsáveis pelo suicídio, além da propensão a desenvolver

depressão até um mês após o fato 28 vezes maior que pares de adolescentes que não

estavam em luto. Outro estudo registrado por Andriessen (2009) foi de Cleiren e

Diekstra (1995) que observou um desajustamento em 18% a 34% dos sobreviventes até

quatro anos após a perda, além de sequelas psiquiátricas, como depressão em 2% dos

sobreviventes até um ano após o suicídio.

Outros dados revelam que os sobreviventes de suicídio estão mais propensos a

desenvolver sintomas de Estresse Pós-Traumático, uma vez que ficam reexaminando o

fato, evitam estímulos associados ao evento, além de manifestarem entorpecimento da

responsividade geral e apresentar sintomas de excitabilidade aumentada (Gradus et al.,

2010; Mitchell, Kim, Prigerson & Mortimer-Stephens, 2004). De acordo com o DSM-

IV-TR (2002), um aumento da excitabilidade refere-se a dificuldade em conciliar ou

manter o sono, irritabilidade ou surtos de raiva, hipervigilância, dificuldade em

concentrar-se ou resposta de sobressalto exagerada. É válido lembrar que os

sobreviventes de suicídio constituem um grupo de risco para suicídio (Bailley et al.,

1999; Feigelman B. & Feigelman, W., 2008).

Bailley et al. (1999) realizaram uma pesquisa empírica e sistemática com uma

amostra de 350 alunos de psicologia da Universidade Canadense. Os participantes

formaram quatro grupos de enlutados, divididos de acordo com o modo de morte do

falecido, havendo enlutados em decorrência de acidentes, suicídio, causas naturais,

esses foram subdivididos em função da morte natural ter sido prevista ou imprevista.

Os resultados desse estudo sustentam o pensamento de que há reações diferentes

no luto por suicídio. O índice mais significativo apareceu nas subescalas do

Questionário de Experiência de Luto (GEQ), trazendo uma maior pontuação para os

sobreviventes nas variáveis ligadas a sentimento de rejeição, abandono pelo falecido,

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sentimentos de responsabilidade pela morte, sentimentos mais frequentes de tristeza

geral, estigmatização, vergonha e constrangimento. Além desses resultados, constataram

que os alunos enlutados por suicídio achavam que a morte era um absurdo, um

desperdício de vida; ficavam ruminando sobre as motivações que levaram o falecido a

não viver mais; que deveriam ter prevenido a morte do familiar; alguns negavam que a

vítima tinha morrido por suicídio, alegando que a morte tinha sido por outro motivo

(Feigelman, Gorman & Jordan, 2009).

Apesar das singularidades encontradas no grupo de luto por suicídio, percebe-se

que o grupo apresentou muita variação, não representando um todo homogêneo. Nesta

perspectiva, sugerem que pesquisas examinem outras variáveis que não apenas o modo

de morte e que influenciam o processo de luto, como fatores de personalidade, números

de lutos pelo qual a pessoa passou, entre outros. Dessa forma, reitera-se que não só o

modo da morte influencia nas reações do luto.

A escolha pelo suicídio deixa um legado mais intenso de sentimentos de raiva,

culpa e perda entre os que ficam (Fremouw, Perczel & Ellis, 1990; Lindqvist, Johansson

& Karlsson, 2008). Ocorrem, também, sentimentos de vergonha e estigma. Cvinar

(2005) investiga o estigma que acompanha os sobreviventes de suicídio. Ela relata

estudos encontrados que corroboram com a ideia de que uma das diferenças no luto por

suicídio de outros modos de morte é a estigmatização. O estigma acrescenta um estresse

único ao processo de luto dessas pessoas. Entende-se estigma como o preconceito, a

vergonha, o medo, a desconfiança, os estereótipos ou mesmo constrangimento de um

indivíduo ou grupo (Relatório de Surgeon General, 1999 citado por Cvinar, 2005).

Na história sobre o suicídio, na Idade Média, observa-se que a família do suicida

era punida e muitas vezes condenada ao ostracismo. A partir do século XVIII começa a

modificar, havendo uma redução da punição para os familiares. Passa-se, então, a

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encobrir o suicídio, utilizando nomenclaturas mais amenas como demência ou mesmo

acidente. Entretanto, só no século XIX que o confisco de propriedades e bens dos

familiares e o isolamento a que eram submetidos passam a ser evitados. Porém, com

uma visão predominantemente médica de hereditariedade, que de outro modo gera

estigmas sobre a família. No século XX, houve nova mudança, o suicídio começa a ser

visto como um fenômeno mais complexo, que abarca questões psicológicas, sociais e

orgânicas (Cerel, Jordan & Duberstein, 2008; Werlang & Asnis, 2004).

Mesmo com essas alterações, o estigma continua a ser vivenciado e repassado

pela sociedade através da internalização de valores, costumes, atitudes pejorativas em

relação ao suicídio. Ressalta-se que a estigmatização muitas vezes é sutil, podendo

aparecer em ações visíveis ou em omissões de ações, quando, por exemplo, os enlutados

têm expectativas de serem reconfortados e não o são, sentindo-se ofendidos e

abandonados. Além disso, mesmo quando os sobreviventes não são evitados por outras

pessoas, eles podem acreditar que serão julgados, criticados e acabar diminuindo a sua

rede social, processo esse conhecido como autoestigmatização (Dunn & Morrish-

Vidners, 1987-88; Dunne et. al., 1987; McIntosh, 1992 citado por Cvinar, 2005; Cerel et

al., 2008; Cvinar, 2005; Feigelman, Gorman & Jordan, 2009).

Como visto a vergonha e a culpa são reiteradamente encontradas como

especificidades de reações emocionais dos sobreviventes de suicídio. Dessa forma, faz-

se necessário aprofundar nesses dois aspectos. A vergonha e a culpa são “reações

negativas do self ao processo de aculturação” (Yontef, 1998, p. 367). Entende-se self

como uma estrutura processual que busca mostrar o funcionamento da pessoa, sendo

uma função de contatar a pessoa. Além disso, o self não é uma entidade fixa, mas sim

um processo característico do modo da pessoa reagir e se expressar (S. Ginger, 1995;

Ribeiro, 2006).

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A vergonha refere-se a um sentimento de insuficiência, enquanto a culpa remete

a ter magoado alguém, feito algo ruim ou mesmo transgredido um código moral. A

vergonha é o oposto do orgulho, ela alude à natureza básica, rotula o self inteiro como

inferior, caracterizando-o com algum defeito que não o torna apto a ser amado ou

respeitado, uma vez que adota um critério anormal do que é necessário para se perceber

como competente. Esse autor ainda coloca que qualquer forma de amor que não seja

retribuída traz vergonha. Assim, os sobreviventes podem se sentir abandonados pelo

morto, sentir que o amor que eles tinham pela vítima não foi retribuído. Segundo

Masterson (s.d) citado por Yontef (1998) “a vergonha é a experiência mais

predominante com o abandono” (p. 363). O sobrevivente pode entender que ele deveria

ter feito mais, que ele deveria ter compreendido os sinais que a vítima dava, que ele

poderia ter feito algo que não deixasse com que ela morresse, acreditando que tudo que

tenha feito foi insuficiente.

A culpa está ligada a uma necessidade de punição e, consequente, reparação

(Gabbard, 1998). A culpa pode ser autêntica ou neurótica. Nos sobreviventes podemos

perceber uma culpa neurótica, como se ele fosse o responsável pela morte do falecido.

Assim, é possível trabalhar no alívio dessa culpa, explorando os introjetos que estão

sendo percebidos como transgredidos (Yontef, 1998).

Além das reações abordadas, alguns sobreviventes de suicídio podem ter a

sensação de alívio, depois da passagem por um período de sofrimento, seja pela situação

criada por inúmeras ameaças e tentativas anteriores do suicida, deixando a família em

constante estado de tensão ou mesmo pelo falecido ter passado por uma doença com

muito sofrimento ou incapacitante. Entretanto, essa sensação de alívio pode ser

momentânea, gerando, posteriormente, o sentimento de culpa (Cassorla, 1992; Moura,

Almeida, Rodrigues & Nogueira, 2011).

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O conhecimento da experiência e vivência de pessoas enlutadas é uma condição

essencial para que profissionais da saúde forneçam um tratamento eficaz e preventivo,

levantando e entendendo as questões próprias do luto por suicídio. Portanto, oferecer

um suporte efetivo nas demandas solicitadas pelos sobreviventes de suicídio.

2.4. INTERVENÇÃO APÓS O SUICÍDIO

Diante das considerações feitas sobre os sobreviventes de suicídio, percebe-se a

necessidade de que suporte seja oferecido. Entretanto, o que se revela é uma escassez de

ajuda a essa população, que, por vezes, com apenas os recursos internos disponíveis

pode levar a estagnação ou mesmo a ruptura diante da crise (Souza & Rasia, 2005;

Tavares, 2004). Além disso, alguns autores pontuam que os sobreviventes não são

somente um grupo que se encontra em crise, mas um grupo que busca por ajuda e por

ajudar (Andriessen et al., 2007; Dyregrov et al., 2011).

Em 1968, Shneidman cunhou o termo posvenção que seria uma combinação de

prevenção com intervenção, para designar as atividades desenvolvidas com o

sobrevivente de suicídio, a fim de facilitar a recuperação após o suicídio, bem como

evitar efeitos adversos, como o comportamento suicida. Assim, a intervenção após o

suicídio visa amenizar as sequelas psicológicas decorrentes da perda por suicídio. Essa

intervenção por ser realizada com sobreviventes de suicídio, também, funciona como

prevenção de futuros suicídios, do desenvolvimento de transtornos mentais, do luto

complicado. Ou ainda, pode colaborar para reduzir o trauma na vida das pessoas

enlutadas, a fim de que elas tenham uma vida mais produtiva e menos estressante que

não conseguiriam sem uma intervenção (Andriessen, 2006, 2009; Campbell, Cataldie,

McIntosh & Millet, 2004; Cerel et al., 2008; Dyregrov et al., 2009; Fremouw et al.,

1990).

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Vários autores têm descrito formas de realizar a intervenção, apresentando

semelhanças e diferenças de acordo como o objetivo. Alguns tipos de intervenção

focam em princípios de atuação, como: apoio, aprendizado, aconselhamento e educação.

O apoio e aprendizado visam profissionais que perderam algum paciente, obtendo apoio

de colegas profissionais, além de ser necessário um aprendizado com essa morte,

revendo atitudes e escolhas de ações tomadas com o paciente, sem gerar culpa pelas

decisões tomadas (Barrero, 2006; Kurtcher & Checil, 2007).

Os familiares ou outras pessoas próximas podem receber apoio e

aconselhamento para evitarem a instalação de sentimento de culpa, raiva,

responsabilização pelo ato suicida, possíveis pensamentos suicidas, nível de perturbação

emocional e recursos existentes sejam analisados e desenvolvidos atividades para lidar

com essas reações. Medidas como retirar fotos do falecido em locais que a família se

reúne por um tempo, permitir que as crianças continuem com suas rotinas podem

auxiliar. A educação envolveria divulgar a informação de maneira que pudessem ser

identificadas doenças mentais, ou mesmo falar sobre o estigma social envolto no

suicídio (Barrero, 2006; Fremouw et al., 1990; Kutcher & Chehil, 2007).

Outras características do trabalho em intervenção após o suicídio são

contempladas por Wenz citado por Fremouw et al. (1990). Entre elas: estimular que o

paciente fale sobre seus sentimentos, medos, ansiedades, solidão, oferecer suporte

espiritual, ajudar que o enlutado entenda o processo e o tempo que leva para aceitar o

choque e o trauma do evento. Além de oferecer grupos de apoio, o monitoramento de

condições psicológicas e médicas são estratégias fundamentais (Fremouw et. al, 1990).

B. Feigelman e W. Feigelman (2008) fizeram a análise de um grupo de suporte

aos sobreviventes através da teoria dinâmica de autoajuda de Schulman (2006). Essa

teoria sugere dez princípios que atuam em necessidades psicossociais dos membros do

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grupo. Sendo eles: O fenômeno “todos em um mesmo barco”; Discutindo uma área

tabu; Apoio mútuo; Solução de problemas individuais, Compartilhando dados; O

processo dialético; Demanda mútua; Ensaio; Perspectiva universal; O fenômeno de “o

número faz a força” (p. 291). Essas características foram encontradas no grupo

observado e que segundo os autores promoveram uma maior recuperação no processo

de luto de seus membros, uma vez que eram menos marginalizados, ajudavam outros

membros com suas experiências, descobrindo semelhanças e criando um ambiente

terapêutico favorável para atravessar o isolamento e vislumbrar esperança (Feigelman,

B e Feigelman, W, 2008).

As ajudas disponíveis para sobreviventes de suicídio incluem “suporte,

aconselhamento e diversas psicoterapias. O suporte pode ser oferecido ao grupo, ao

casal, a família ou individual” (Andriessen et al., 2007, p. 212). Além desses, pode ser

oferecido suporte por e-mail, salas de chat, ou mesmo programas psicoeducativos na

internet, além de linha telefônica nacional para os sobreviventes (Andriessen et al.,

2007; Adriessen, 2009).

Apesar da variedade de formas de intervenção, a literatura mostra que esses

grupos de apoio são escassos na maioria dos países, e que só uma minoria dos

sobreviventes consegue ter acesso. E essa realidade não é diferente no Brasil

(Andriessen et. al., 2007; Andriessen, 2009, 2003; Jordan, 2001).

No Brasil, através do Relatório do Levantamento de Instituições de Atendimento

ao Comportamento Suicida no Brasil, desenvolvido pelo Projeto Conviver, em julho de

2006, foram encontradas 18 instituições ligadas ao tema do suicídio. Dessas

instituições, 14 estão nas regiões Sul e Sudeste, três no Nordeste e uma no Centro-

Oeste, em Brasília. Entretanto, esse levantamento se refere às instituições ligadas ao

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tema suicídio, restringindo mais as que oferecem algum tipo de intervenção para os

sobreviventes de suicídio.

Essa escassez é um fator preocupante, uma vez que essa população continua em

sua maioria desassistida. Além disso, convive com a dor profunda da perda por suicídio

e, muitas vezes, encontra um ambiente refrátario à obtenção de suporte.

2.5. REFLEXÕES

Com base nessa revisão de literatura, pôde-se constatar que milhões de pessoas

se tornam sobreviventes de suicídio por ano no mundo. E que esse é um problema de

saúde pública grave, mas que pouco se tem feito nessa área.

Percebe-se que o luto por suicídio é diferente de lutos por outro modo de morte,

abrangendo questões singulares como o estigma, vergonha, constrangimento, além de

ficarem remoendo sobre o que teria levado a vítima a se suicidar. Não obstante,

também, foi constatado que as consequências do suicídio podem gerar um número

maior de lutos complicados, bem como predispor ao desenvolvimento de Depressão e

Transtorno de Estresse Pós-Traumático.

Alguns estudos têm sido desenvolvidos no que tange as especificações do luto

por suicídio, mas são, ainda, escassos. Além de que muitos apresentam algumas falhas

ou incompletudes metodológicas que podem invalidar suas conclusões.

Quanto à intervenção com os sobreviventes de suicídio, os estudos

internacionais se concentraram em sua magnitude em casos particulares de grupos de

suporte, ou mesmo no mapeamento de tipos de intervenção. O que provocou uma

deficiência em determinar se as intervenções, sejam elas quais forem, reduzem,

realmente, a intensidade do sofrimento, a duração ou mesmo diminuem a ocorrência de

lutos complicados. Ainda assim, buscou-se tratar desses grupos para que ideias de

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funcionamento possam ser analisados e aprofundados em futuros estudos, e com isso

haja uma promoção e desenvolvimento de projetos, atuações e intervenções no Brasil.

No Brasil, a escassez de grupos de apoio a sobreviventes aponta uma lacuna

preocupante de programas de intervenção. É essencial que haja produção de referenciais

e propostas que entendam melhor as questões sócio-culturais pertinentes ao país.

A falta de divulgação de informações na sociedade sobre suicídio, de formação

de grupos de apoio, de capacitação de profissionais, de programas socioeducativos, de

produção de pesquisas sobre os sobreviventes de suicídio corrobora com uma realidade

de descaso e negligência apresentados em vários países em frente a essa população. Não

se pode esquecer que os sobreviventes de suicídio fazem parte de uma população de

risco para o suicídio e para o desenvolvimento de transtornos mentais, ou mesmo uma

população com grande sofrimento emocional.

Faz-se imprescindível que essa temática seja mais bem elaborada e abordada,

pois, não somente, o suicídio é uma questão de saúde pública, que envolve, também, as

pessoas que são deixadas pela vítima de suicídio. Elas carecem de apoio, atenção,

respeito e intervenção eficiente.

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Capítulo 3- Método

Nos capítulos anteriores, foi realizada uma revisão bibliográfica sobre os

sobreviventes de suicídios e sobre autópsias psicológicas, contemplando tanto os

resultados dessas avaliações, quanto uma revisão de instrumentos para realizar a

autópsia psicológica. Este capítulo apresenta o problema, os objetivos e o método

utilizado.

3.1. PROBLEMA

O suicídio afeta cerca de um milhão de pessoas por ano e essa taxa tem

aumentado. A OMS (2004) coloca que em 2020 já serão 1,5 milhões de pessoas que

suicidarão por ano e que de cinco a dez pessoas são afetadas significativamente por essa

morte. Milhões de pessoas se tornam sobreviventes de suicídio por ano, o que nos leva à

seguinte questão: Qual o impacto do suicídio na vida dessas pessoas?

Na literatura brasileira, poucas pesquisas são realizadas sobre o suicídio

consumado, tanto tendo como objeto de pesquisa o suicídio, quanto à vivência do luto

por suicídio. Em cada suicídio uma indagação comum é o porquê de alguém se matar.

Dessa forma, essa pesquisa pretendeu compreender, por meio dos relatos dos

entrevistados, o impacto da perda, o processo de luto por suicídio e analisar os fatores

que poderiam ter contribuído para os casos de suicídio.

3.2. OBJETIVO

3.2.1. Objetivo geral

O presente trabalho teve como objetivo geral analisar o relato dos sobreviventes

de suicídio, compreendendo os impactos do luto por suicídio e como eles percebiam os

fatores psicossociais que pudessem ter contribuído para que o suicídio se consumasse.

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3.2.2. Objetivos específicos

No intuito de atingir o objetivo geral, alguns objetivos específicos foram

indispensáveis:

1. Elaborar uma entrevista semiestruturada que facilitasse a comunicação

com os sobreviventes de suicídio, inspirada nos modelos de autópsia

psicológica;

2. Verificar a relevância da entrevista semiestruturada para a compreensão

da experiência de luto e do impacto da perda nos casos de suicídio e as

reações dos entrevistados em relação à entrevista.

3.3. PARTICIPANTES

A pesquisa foi realizada com quatro participantes (três mulheres e um homem).

Os participantes eram familiares da vítima de suicídio, sendo duas filhas da primeira

vítima e o pai e a mãe da segunda vítima. Os casos foram selecionados a partir dos

seguintes critérios:

Critérios de inclusão:

1- Ser um sobrevivente de suicídio em condições de fornecer informações

relevantes sobre a vítima;

2- Ter acessibilidade a pelo menos dois informantes de cada caso;

3- Ter no mínimo três meses da data do suicídio no momento da realização da

entrevista (não houve limite de tempo para data máxima do suicídio);

4- Ter idade superior a 18 anos no momento da entrevista;

5- Concordar com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os informantes que não atenderam a qualquer um dos critérios de inclusão foram

excluídos da pesquisa.

3.4. INSTRUMENTO

3.4.1. A entrevista como método: um diálogo entre a entrevista

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clínica e a prática jurídica

A entrevista pode variar de acordo com seu aspecto formal, podendo ser

estruturada, semiestruturada e de livre estruturação. As entrevistas estruturadas são

compostas por perguntas fechadas com opções previamente determinadas ou abertas

quando associadas a um esquema classificatório, privilegiando a objetividade. De

maneira geral, ela não atenta para as necessidades do entrevistado, pois, o objetivo

dessas entrevistas, normalmente, exige pouco rapport ou flexibilidade (Cunha, 2009;

Tavares, 2009a).

Ao longo dos anos, a entrevista clínica tem sido pautada em entrevistas de livre

estruturação. Apesar de metas e objetivos, esse tipo de entrevista não tem uma estrutura

explícita, o que proporciona bastante flexibilidade para o entrevistador. Na entrevista

semiestruturada, o entrevistador sabe como o tipo de informação que precisa deverá ser

obtido, estruturando a sequência, em que condições, quando e como considerar a

informação obtida. Há um padrão a ser seguido, o que contribui para uma maior

confiabilidade e fidedignidade das informações obtidas. Embora, permita aprofundar

pontos que emerjam e que se concatenem com o objetivo. Ademais, a padronização da

entrevista não significa que ela seja destinada a uma aplicação mecânica (Tavares,

2009b).

Com o objetivo de compreender a vivência do sobrevivente de suicídio,

formulou-se uma entrevista semiestruturada que pudesse ser utilizada como instrumento

para facilitar a comunicação. O desenvolvimento desse instrumento foi inspirado em

uma necessidade de reflexão acerca do espaço entre os ideais da psicologia clínica,

juntamente, com o ideal da entrevista semiestruturada e da prática jurídica, polarizando

esta reflexão em suas maneiras diferentes de tratar a relação com o enlutado e o suicida.

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A informação trazida no contexto de autópsia psicológica é mediada pelo

sobrevivente de suicídio. Consequentemente, ele deve ser visto como portador de uma

experiência em uma relação significativa ou ainda como um informante provedor de

dados acerca de um terceiro. Acessar a experiência desse informante é importante para a

compreensão dessa relação significativa que imputa no discurso, além da objetividade

do fato e das características do suicida, a subjetividade dada pela percepção e vivência

do informante. Não obstante, a experiência desses sobreviventes pode mapear algum

tipo de sofrimento psíquico, que necessite de maior atenção da área de saúde mental.

A autópsia psicológica é uma ferramenta imprescindível para a compreensão do

suicídio. No contexto em que o modo da morte por suicídio é inequívoco, ela é um

método de investigação que tem como principal objetivo ajudar a entender o porquê do

suicídio, através de entrevistas com pessoas relevantes para a tarefa (Shneidman, 2004).

No contexto forense, quando existe a dúvida quanto ao modo de morte, o valor

atribuído a esse tipo de avaliação retrospectiva é limitado pela falta de procedimentos

validados de acordo com a ciência positivista.

No diálogo entre a perspectiva clínica e a prática jurídica percebe-se a

dissonância entre os métodos de investigação. Na prática jurídica, o instrumento

utilizado tem a notoriedade do processo, uma vez que a capacidade de medição do

instrumento é responsável pela veracidade do resultado, ou seja, o instrumento é o

responsável por medir o fato em questão. Fato concebido como aquilo que é real, um

acontecimento que existe. O meio jurídico busca pela verdade do fato, a comprovação

do conhecimento, garantindo a objetividade da ciência. Essa objetividade é conseguida

através da comprovação científica dos instrumentos utilizados pela psicologia para que

esses consubstanciem os inquéritos como provas periciais.

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No contexto clínico, o que se pretende alcançar é o fenômeno, aquilo que se

revela, o que é percebido. A realidade, então, deixa de ser uma realidade objetiva,

baseada em fatos e, é entendida como uma realidade subjetiva, pautada em percepções,

vivências, medos, fantasias, além de aspectos da intersubjetividade do clínico com o

paciente.

O conhecimento obtido pela psicologia clínica para adentrar o meio jurídico

necessita utilizar instrumentos consubstanciados de rigor metodológico e científico. A

entrevista semiestruturada aparece nessa reflexão como um modelo de avaliação que

apresenta maior rigor metodológico à obtenção das informações referentes à autopsia

psicológica. Ela proporciona uma padronização que aumenta a confiabilidade da

pesquisa, garantindo a possibilidade de comparação de uma entrevista com outra, além

de manter a flexibilidade de escuta requerida pelo contexto clínico.

Além disso, a entrevista semiestruturada permite que o entrevistador repense a

sua postura a partir da fala do entrevistado, sem deixar de atingir o propósito da

interação. Nessa perspectiva, a entrevista semiestruturada como método é bastante útil

por salvaguardar a necessidade de responder a critérios preestabelecidos e manter a

flexibilidade que requer o manejo com a experiência única de cada sobrevivente de

suicídio.

3.4.2. Relação comunicativa da entrevista: influência de fatores de

contexto e da relação entrevistador-entrevistado

O contexto social e cultural produz diversas especificidades na relação

comunicativa. Assim, o entrevistador deve visualizar o contexto em que a comunicação

estabelecida na entrevista está inserida. Este processo comunicativo não depende,

exclusivamente, de fatores internos do entrevistador, do entrevistado ou do tema em

questão. A sociedade, a comunidade e a cultura podem afetar possíveis reações dos

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entrevistados, além de apontar para o que e como será dito ou não dito (Rosa e Arnoldi,

2006). Por exemplo, no Japão, onde o suicídio é compreendido como uma demanda ou

expectativa social, de limpar a “honra”, pode-se antecipar que este discurso emerja de

algum modo em um número significativo de entrevistas e o entrevistador deverá estar

preparado para lidar com este tema de algum modo (Cvinar, 2005; Dyregrov et al.,

2011). Portanto, a experiência na entrevista mediada por este contexto sociocultural

deve fazer parte de uma reflexão anterior ao início da entrevista (Parkar, Nagarsekar &

Weiss, 2012; Rosa & Arnoldi, 2006).

A relação do entrevistador com o entrevistado é outra variável que pode afetar a

qualidade das informações. A entrevista promove um ambiente específico assim como a

interação clínica. Esse ambiente pode gerar uma sensação de exposição no entrevistado,

sentindo-se violado pela ausência de confiança ou intimidade (Raymundo, 2000).

O rapport, estabelecimento de uma relação de confiança e harmonia, pode

constituir um rompimento na sensação de exposição e possibilitar que a fala do

informante seja mais espontânea, por haver um maior espaço de intercomunicação e,

portanto de reciprocidade. Logo, o rapport é essencial para obter informações que

aprofundam na vivência de aspectos íntimos ou mesmo de dor, pois estabelece uma

relação positiva que motiva o entrevistado a revelar dados importantes, que sem ele

poderiam ser omitidos (Conner et al., 2012; Hawton et al., 1998; Morrison, 2010;

Werlang, 2000).

Além disso, constituir o rapport é um cuidado ético imprescindível quando se

abordará temas difíceis como o suicídio, que podem suscitar sensações desagradáveis,

ou mesmo ansiogênicas. Portanto, estabelecer uma relação de empatia e de confiança é

uma condição sine qua non para abordar um tema dessa natureza. A apresentação da

pesquisadora, o tema estudado, o interesse da pesquisa e a justificativa da escolha do

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entrevistado devem ser realizadas estabelecendo uma relação positiva, que o

entrevistador diminua a sua insegurança e possa se sentir acolhido.

3.4.3. A construção de uma entrevista semiestruturada para autópsia

psicológica

A elaboração da entrevista semiestruturada foi inspirada nos quatro modelos de

entrevista encontrados na revisão sistemática, sendo elas: a Entrevista Semi-estruturada

para Autópsias Psicológicas (ESAP) proposta por Werlang (2000), o Roteiro de

Entrevista Semiestruturada para Autopsias Psicológicas e Psicossociais (RESAPP) de

Cavalcante et al. (2012), o Modelo de Autópsia Psicológica Integrado (MAPI) criado

por García Pérez (1990) e as entrevistas realizadas por Shneidman e descritas no livro

Autopsy of a suicidal Mind (2004).

Além desses modelos de autópsia psicológica, o desenvolvimento da entrevista

pautou-se em critérios reconhecidos e confirmados pela fundamentação empírica e

teórica advinda, principalmente, de resultados de autópsias psicológicas e outros

estudos que buscaram explorar e analisar a temática do suicídio consumado. Ademais,

foi utilizado o referencial empírico e teórico sobre os sobreviventes de suicídio, como

especificidades desse luto, sentimentos e reações diante do suicídio.

A sistematização da fundamentação teórica respaldou a divisão da entrevista em

onze tópicos. São eles: (1) Identificação da entrevista e da vítima; (2) Perfil

sociodemográfico sobre o informante; (3) Características da vítima e grau de

relacionamento do informante com a vítima; (4) Reação do informante diante do

suicídio da vítima; (5) Fatores Clínicos; (6) Precipitadores e/ou estressor; (7) Motivação

para o suicídio; (8) Comportamentos suicidas; (9) Letalidade do método; (10)

Intencionalidade e planejamento; (11) Reações do entrevistado em relação à entrevista.

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Os tópicos foram divididos na sequência descrita acima para uma melhor

disposição do tema abordado na entrevista. Ou seja, o foco foi facilitar o processo na

relação com o entrevistado.

A entrevista semiestruturada contou com 53 perguntas, entre elas perguntas

abertas, fechadas, de múltipla escolha e uma escala numérica em relação ao grau de

intimidade com o falecido, uma vez que pretendeu apreciar de maneira mais uniforme

essa relação. A preferência por perguntas abertas, a ordem dos tópicos e o rol de

perguntas que compôs cada um dos tópicos pretenderam possibilitar um espaço

receptivo, aproximando de maneira gradual o evento que poderia ser traumático e

ansiogênico.

Cada tópico da entrevista sistematiza aspectos específicos do suicídio.

Raramente, categorias de reações dos informantes são contempladas em entrevistas de

autópsia psicológica. Entretanto, esses tópicos têm implicações fundamentais para

propostas de prevenção, intervenção e, sem embargo, para fomentar políticas públicas

que alcancem essa população. A inclusão da categoria Reação do informante diante do

suicídio da vítima (Tópico 4) almeja compreender o impacto do suicídio para o

informante e para os familiares ou para pessoas que eles perceberam que foram afetadas

pela morte. Essa categoria é uma das principais diferenças dessa entrevista das

analisadas anteriormente. Esse espaço de escuta incentiva a fala espontânea do

sobrevivente trazendo informações essenciais para adentrar nas especificidades do luto

por suicídio, potencializando, assim, o aprofundamento da vivência do informante.

Além dessa seção, o impacto da entrevista, também, foi alvo de investigação no

tópico Reações do entrevistado em relação à entrevista (Tópico 11). Essa categoria

inicia com uma pergunta aberta de que se há algo que o entrevistador não tenha

perguntado e que ele gostaria de falar, ou outro comentário que gostaria de fazer. Essas

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perguntas embasadas pela prática clínica revelaram uma amplitude inesgotável de

conhecimento inovador que pôde ser trazido pela experiência única do informante.

A entrevista começa com a Identificação da entrevista e da vítima (Tópico 1)

contando com informações sobre horário e local da entrevista, bem como informações

essenciais sobre o morto, como nome, data de nascimento e data da morte. Depois,

segue com o Perfil sociodemográfico sobre o informante (Tópico 2). Esse tópico coleta

de modo sucinto e breve dados pessoais do entrevistado, como idade, escolaridade,

profissão, estado civil, religião para que se possa situar os sujeitos dentro da estrutura

social e brevemente sua trajetória de vida.

Segue-se com a categoria Características da vítima e grau de relacionamento do

informante com a vítima (Tópico 3). Essa categoria abarcou questões que envolveram a

relação do informante com a vítima, como o grau de intimidade entre ambos. Dirigindo

perguntas sobre como eram as conversas íntimas, se essas existiam, entre outras. Além

disso, inicia-se com uma pergunta ampla sobre como era a vítima.

No que tange o perfil psicológico da vítima, os resultados das autópsias

psicológicas demonstraram a necessidade de se avaliar fatores de risco para o suicídio,

sendo o transtorno mental o risco mais associado. Diante da relevância em averiguar a

presença de transtorno mental, a entrevista abarcou a categoria Fatores Clínicos (Tópico

5). Nessa seção, a avaliação do humor, comportamento, acompanhamento psiquiátrico

e/ou psicológico, uso de medicação, entre outros critérios foram propostos, buscando

algum indicativo de hipótese diagnóstica. Privilegiaram-se perguntas abertas, de como

estava o humor, se houve alguma mudança comportamental, para que não fosse

incentivada uma fala repetida. Caso a resposta apresente alguma ambiguidade, fuga ou

não fosse respondida de forma satisfatória, subdivisões foram criadas para essas

perguntas, com questões fechadas do tipo sim/não para que o critério fosse respondido.

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As questões diretivas tiveram como foco mapear indicativos da presença dos transtornos

mais comumente presentes no suicídio, sendo: depressão, esquizofrenia e abuso de

álcool.

Essa entrevista não busca aprofundar de forma exaustiva a confirmação de um

diagnóstico. Ela apenas prevê critérios que possam ser indicativos que mereçam ser

aprofundados de acordo com a resposta. Assim, caso seja necessário é válido que outros

instrumentos, como a SCID (Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-IV), possam

ser utilizados para responder e dar maior evidência científica a dúvida diagnóstica. No

entanto, este tópico nos permite entrar em contato com uma história clínica quando ela é

clara e conhecida.

A próxima categoria é Avaliação de precipitadores e/ou estressores (Tópico 6),

fundamental na compreensão do suicídio. Essa categoria está inclusa na maioria das

entrevistas analisadas. Os precipitadores e/ou estressores são eventos ou circunstâncias

que tenham relação com a morte, desencadeando o último gatilho para o suicídio.

Foram feitas perguntas referentes a acontecimentos anteriores à morte que poderiam ter

contribuído para que o suicídio acontecesse.

O próximo tópico é Motivação para o suicídio (Tópico 7), que avalia as razões

psicológicas para morrer, arraigadas na conduta, no pensamento, no estilo de vida. A

motivação refere-se ao “por quê? ” do suicídio (Werlang, 1994). Entretanto, perguntas

de por que levam a um processo de racionalizção por parte do entrevistado. Dessa

forma, buscou-se considerar outras ponderações, que fornecessem evidências dos

motivos que contribuíram para a morte, como o que o informante achava no jeito dele

ser que poderia ter contribuído para o suicídio ou o que o informante achava que

precisaria ter mudado na vida da vítima para que ele não tivesse se suicidado.

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Após a avaliação da motivação, entra-se na categoria Comportamentos Suicidas

(Tópico 8). Nesse tópico, há questões como, se a vítima já tinha feito comentários

pessimistas no sentindo de querer sumir, estar cansado de viver, se havia comentando

que queria ou iria se suicidar, além de mapear a presença de tentativas de suicídio

anteriores.

A categoria Letalidade do método (Tópico 9) será atribuída de acordo com a

escolha do método. Assim, perguntou-se como a vítima morreu e onde aconteceu. No

tópico Intencionalidade e planejamento (Tópico 10), verifica-se uma das categorias

essenciais para determinar o modo da morte. Para fins de categorização, esse tópico foi

separado da letalidade do método, apesar desses fatores se interligarem. O planejamento

e a escolha do método são indícios se houve a intenção e, como tal, havia o

entendimento de que a ação poderia provocar a morte. Portanto, abarcaram-se questões

de acessibilidade ao método, quem havia o encontrado, se alguém presenciou a cena, se

ele havia pedido ajuda, entre outras.

A entrevista termina com o Tópico 11 já mencionado. Sugere-se que ao final da

entrevista, o entrevistador agradeça novamente pela colaboração e se disponibilize para

esclarecer dúvidas ou informações que ocorram num momento posterior à realização da

entrevista.

3.5. Procedimentos para coleta de dados

Para que a pesquisa fosse realizada o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética

em Pesquisa do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília - CEP/IH. A

autorização para a pesquisa, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assim

como outros documentos e informações relativos a questões éticas encontram-se no

Anexo B e C. Os sujeitos que participaram da pesquisa foram contatados por terceiros,

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após a divulgação da pesquisa e consentiram em participar de forma voluntária. Através

de contato telefônico, previamente autorizado pelos sujeitos, a pesquisadora agendou

hora e data para a realização da entrevista.

A entrevista foi conduzida pela pesquisadora, que foi autorizada a gravar em

áudio as entrevistas (vide o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, Anexo B).

Foram realizadas quatro entrevistas, com dois informantes para cada vítima de suicídio.

A necessidade de que houvesse pelo menos dois informantes para cada caso de suicídio,

foi uma proposta sugerida por diversas pesquisas, para melhorar a legitimidade das

informações, uma vez que a concordância das informações entre diferentes informantes

pode dar maior validade aos relatos.

No primeiro caso, ambas as entrevistas foram realizadas nas casas das

entrevistadas no município de Goiânia. No segundo caso, ambas as entrevistas foram

conduzidas no consultório da entrevistadora no município de Brasília. As entrevistas

tiveram duração média de 1h30minutos. Todas as gravações das entrevistas foram

transcritas para posterior análise dos dados.

3.6. Método de Análise de dados

Com o objetivo de compreender fatores psicossociais que levaram a vítima ao

suicídio e os impactos do suicídio aos sobreviventes, foi realizada uma pesquisa

qualitativa, do tipo estudo de casos múltiplos. O estudo de caso refere-se a uma

investigação empírica que analisa um fenômeno em sua profundidade no contexto de

vida real, principalmente, quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão

evidentes. Ele permite que situações que estejam ocorrendo ou que já aconteceram

possam ser pesquisadas. Ademais, pode se vislumbrar o que há na situação que seja

essencial e característico e gerar reflexões com valor heurístico para a compreensão

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global de certo fenômeno. A opção por casos múltiplos em relação a um único caso se

deu pelos benefícios analíticos, além da possibilidade de replicação direta e síntese de

dados cruzados, fortalecendo os achados (Yin, 2009).

Para a análise de dados, foi utilizado o método clínico-qualitativo que é

“concebido como um meio científico de conhecer e

interpretar as significações – de naturezas psicológicas e

psicossociais – que os indivíduos (...) dão aos fenômenos do

campo saúde-doença. Ocorre sob o paradigma fenomenológico,

dentro da área de Ciências do Homem, com valorização de

angústias e ansiedades existenciais das pessoas envolvidas no

estudo num quadro interdisciplinar de referenciais teóricos com

destaque às concepções psicanalíticas básicas” (Turato, 2003, p.

241).

Segundo Turato (2003), uma visão holística de elementos de variados

referenciais teóricos permite uma discussão ampla e satisfatória em qualquer pesquisa

científica. O ecletismo, que advém da união de diversos sistemas de conhecimento,

pode superficialmente parecer uma configuração confusa, entretanto, o olhar atento

desvela um contexto em que seja possível considerar os melhores elementos de cada

referencial para abordar o assunto em questão. Portanto, o rompimento com ideologias

sectaristas pode proporcionar um conhecimento mais aprofundado do suicídio, visto que

se trata de um fenômeno complexo, que abarca diferentes dinâmicas psíquicas e

comportamentais. No intuito de aprofundar a compreensão sobre o suicídio, lançou-se

na investigação de diversos referenciais teóricos sobre a temática do suicídio, que

contribuíssem para o entendimento dos casos analisados.

O método clínico-qualitativo unido a ciência fenomenológica permite que se

trabalhe com um método que busque compreender, dar sentido e deduzir significados ao

fenômeno. Husserl (2008) começa seu livro indagando “como pode o conhecimento

estar certo da sua consonância com as coisas que existem em si, de as atingir? ”(p.19).

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Essa reflexão inicial declara um pensamento que provoca uma ruptura na forma de

buscar e se chegar ao conhecimento. A fenomenologia se apresenta como um método de

crítica ao conhecimento e como “uma doutrina universal das essências, em que se

integra a ciência da essência do conhecimento” (p.20). Ela ao mesmo tempo em que

designa um método, designa, também, uma atitude intelectual filosófica.

Portanto, esse método inclui o processo de buscar o fenômeno em sua essência,

além da aparência, deixando num primeiro momento, as teorias em suspenso, para que o

fenômeno que esteja encoberto seja revelado. Entende-se fenômeno como “qualquer

coisa que se faça presente, seja ele ruído, um perfume, uma lembrança, qualidade ou

atributo que ao ser experimentado, passa a ser descrita por aquele que a vivenciou”

(Bressan & Scatena, 2002, citado por Silva & Costa, 2010, p.122). Ou ainda, como

“tudo aquilo de que a consciência toma conhecimento de uma maneira intencional pode

ser chamado de fenômeno e se torna uma significação para a consciência” (Ribeiro,

1985, p. 51).

O método clínico-qualitativo aparece como o refinamento dos métodos

qualitativos das ciências humanas, uma vez que pretende unir métodos clínicos com

teorias epistemológicas. Almeja interpretar os sentidos e as significações apresentados

pelos indivíduos nos variados fenômenos pertinentes ao campo do binômio saúde-

doença (Turato, 2003).

O tratamento e a apresentação dos dados dessa pesquisa compreenderam as fases

do método clínico-qualitativo: (1) preparação inicial do material, com a transcrição das

entrevistas gravadas, (2) pré-análise, realizando leituras flutuantes, (3) categorização e

subcategorização, organizando em temas os assuntos abordados de acordo com a

relevância ou mesmo repetição, (4) validação externa, com supervisão do orientador da

investigação, e (5) apresentação dos resultados, descrevendo e fazendo citações

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ilustrativas das falas, para que o material fosse discutido e interpretado à luz de

referenciais teóricos e empíricos sobre o suicídio.

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Capítulo 4- Resultados e Discussão

O presente capítulo apresenta os resultados e a discussão sobre os dois casos

escolhidos. Primeiramente, optou-se pela exposição detalhada das falas que embasaram

a criação de áreas temáticas. Assim, cada caso foi detalhadamente esboçado para a

compreensão das vítimas e dos aspectos relacionados aos sobreviventes de suicídio.

Posteriormente, buscou-se averiguar a confirmação ou não de subsídios obtidos através

da fundamentação teórica e outros trabalhos empíricos. E, por fim, inferências clínicas

foram realizadas, visando a aprofundar o conhecimento sobre cada vítima e sobre os

entrevistados.

Os nomes foram substituídos pelos papéis de cada pessoa, como mãe, pai, tia,

irmã. Os nomes das vítimas foram preservados para que o anonimato deles e das

famílias fossem respeitados. Com o intuito de não denegrir a imagem da vítima e nem

retirar o aspecto essencial de humanidade, optamos por substituir os nomes ao invés de

colocar apenas a inicial. Optou-se pelos nomes de origem hebraica, Avi e Ben, que

significam pai e filho, respectivamente, nos casos 1 e 2, por se tratarem do pai e do filho

dos entrevistados em cada caso.

Com o intuito de preservar a identidade dos participantes, os nomes dos

entrevistados foram substituídos pelos papéis de cada pessoa em relação à vítima. No

primeiro caso, nos referimos às entrevistadas como Filha 1 e Filha 2, devido a ordem

das entrevistas realizadas. No segundo caso, os entrevistados são o pai e a mãe da

vítima.

Iniciou-se com a análise do Caso Avi e, posteriormente, do Caso Ben. As áreas

temáticas foram separadas de forma a facilitar o entendimento do leitor, atentando-se

para uma narrativa sequencial dos fatos, começando com breve resumo do caso,

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adentrando-se nas características da vítima, fatores clínicos, precipitadores/estressores,

comportamentos suicidas, método, letalidade e intencionalidade, seguindo com o

impacto do suicídio para os entrevistados e, por fim, as reações deles à entrevista. Dessa

forma, a análise dos dados não segue a mesma estrutura da entrevista. A Motivação

(Tópico 6) foi analisada em conjunto com outras áreas temáticas, pois, as informações

sobre ela foram contempladas, concomitantemente, em outras áreas temáticas.

CASO AVI

Avi morreu em 1984, aos 64 anos, em uma cidade do interior de Goiás. Ele era

casado, tinha dez filhos vivos, a maioria deles já adultos. Herdeiro de uma família rica,

foi o único a falir. Na época da morte, estava trabalhando na fazenda de um familiar.

Morava com a esposa e as duas filhas mais novas na cidade.

Avi enforcou-se na árvore na calçada de sua casa. Foi durante a madrugada de

um domingo para segunda. Ele ameaçou durante anos se suicidar, entretanto, não

constatou-se nenhuma tentativa anterior que tenha se efetivado. Durante anos, Avi teve

problemas relacionados ao álcool, com consumo abusivo de bebidas alcoólicas,

alternando entre períodos em que bebia todos os dias, tornando-se mais agressivo, e

outros períodos em que não fazia uso de álcool.

As entrevistadas no dia do suicídio de Avi estavam com 21 anos, Filha 1, e 33

anos, Filha 2. Já na realização das entrevistas, elas estavam com 50 e 62 anos,

respectivamente. Cumpre-se registrar que se passaram 28 anos da morte de Avi quando

as entrevistas foram realizadas. O tempo que decorreu da morte à realização das

entrevistas será considerado, posteriormente, na discussão do caso.

A filha 1 tem 50 anos, é casada, espírita, tem três filhos. Atualmente, mora em

Goiânia. Tem o ensino superior incompleto e trabalha como dona de casa. A filha 2 tem

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62 anos, é casada, espírita, aposentada e possui duas filhas. Também, mora em Goiânia.

Ela morou com o pai até, aproximadamente, 3 anos antes do suicídio. No momento do

suicídio, ela morava em outra cidade. Tem ensino superior completo.

Exposto essas informações iniciais. Passaremos as áreas temáticas encontradas a

partir das entrevistas.

CARACTERÍSTICAS DA VÍTIMA E GRAU DE INTIMIDADE ENTRE VÍTIMA E

ENTREVISTADA

Avi é descrito como um homem muito trabalhador, honesto, comunicativo,

sociável, carinhoso, mas, também, é descrito como autoritário. Como evidencia-se nas

seguintes falas:

“Era muito trabalhador, honesto. Amava muito a família. Dedicado, uma

pessoa de bem com a vida. Social, gostava de fazer visita” (Filha 2).

“Ele era muito trabalhador, muito, assim, dinâmico” (Filha 1).

“Ele era muito autoritário, né? Quando criança, a gente morria de medo dele”

(Filha 2).

“Meu pai era uma pessoa muito boa, muito carinhoso, um excelente pai,

preocupado” (Filha 1).

“Era muito comunicativo, muito alegre” (Filha 1).

“Era o pai que... provedor, né? Fazia tudo, gostava de passear. Levava a gente

para fazer visitas para os parentes” (Filha 2).

“Quando criança, a gente morria de medo dele, mas isso é normal. Os pais têm

muita autoridade perante os filhos [...] A gente não era assim, não se abria muito com

ele” (Filha 2).

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As características comuns atribuídas ao pai são de que ele era muito trabalhador,

sendo o provedor da família e, também, muito comunicativo e sociável. Contudo,

enquanto, a filha 1, o caracteriza como carinhoso, um excelente pai, sempre alegre, a

filha 2, o qualifica como autoritário e que os filhos tinham medo dele.

Percebe-se que os discursos apresentam semelhanças e divergências. O fato de

uma filha perceber o pai como sendo carinhoso e a outra como alvo de temor retratam

tanto a subjetividade de cada uma, quanto as possíveis diferenças da relação de Avi com

cada uma delas.

Os discursos das entrevistadas acontecem em um contexto de intersubjetividade,

ou seja, uma relação entre experiências de pessoas. Como afirma Merleau-Ponty (nd,

citado em Martini, 2006), “engano-me sobre o outrem, pois o vejo de meu ponto de

vista, mas eu o entendo quando protesta e enfim tenho a ideia de outrem como de um

centro de perspectivas” (p.453). Assim, é essencial compreender qual o lugar que cada

filha ocupa na dinâmica com o pai e como esse lugar interfere na sua perspectiva sobre

ele.

A filha 1tinha 16 anos, na época da morte, ela relata ter uma forte ligação com o

pai, pontuando ter maior afinidade com ele do que com a mãe. A relação desse pai

poderia ser mais amorosa com essa filha. O seu discurso revela a idealização desse pai

como um herói, o seu modelo de identificação. Os fatos relatados por ela, como o pai ter

sido infiel à mãe várias vezes, ter ido à falência, fazer uso abusivo do álcool não

perturba a imagem de um pai excelente, preocupado com a família, provedor e

carinhoso. Além disso, o fato dela ter deixado a faculdade para ajudá-lo, pode denotar

que ela realiza esse ato de sacrifício pela identificação com o pai, assim, ela volta por

amor a ele. Diante disso, pode-se inferir que a visão idealizada não permita que esse

objeto de amor seja depreciado.

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Além disso, a idealização pode ocorrer no processo de luto como forma de

rebelião contra o processo de morte, havendo uma tentativa de lidar com o desamparo

pela idealização defensiva ou protetora da vítima (Kovács, 1992). É perceptível que não

há uma integração dos aspectos desagradáveis, o lado bom do pai abarca a percepção

que ela confere a imagem dele.

Já a filha 2, com 33 anos na época, revela ter uma relação mais conflitiva com

esse pai. Um dos conflitos era em relação ao seu namoro, não havendo aprovação do

pai, que manifestava de forma muitas vezes agressiva o descontentamento. Além disso,

a Filha 2 relata que o comportamento do pai de beber, de ser infiel a mãe, além de

contrair dívidas fizeram com que ela se revoltasse com o pai, tendo vontade de se

afastar dele. Essa entrevistada aparece com a visão de um pai mais autoritário e que

tinha medo dele. A relação com o pai pode ter sido de maior exigência, por ser mais

velha que a outra filha. Havia a cobrança de que os filhos mais velhos ajudassem com

os filhos menores. Ademais, a reprovação do pai diante de escolhas feita pela

entrevistada pode estabelecer uma relação baseada em autoridade, expressa com mais

hostilidade. Assim, a sua visão também, mapeia uma forma de Avi ser no mundo.

FATORES CLÍNICOS DA VÍTIMA

Afetividade e comportamento

No contexto da entrevista, buscou-se realizar uma avaliação clínica que

revelasse características sobre a afetividade, humor, pensamento, comportamento e

outras características de Avi. Ademais, algumas perguntas que pudessem verificar

hipóteses diagnósticas foram feitas. Seguem-se alguns relatos.

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“Meu pai se retraiu, porque ele era muito comunicativo, muito alegre, né?

Agitava sempre os filhos... E eu me lembro que, ultimamente, ele ficava mais em casa,

mais quieto” (Filha 1).

“Mais (triste) do que o normal” (Filha 1).

“Nervoso eu não diria, mas calado, pensativo e triste” (Filha 1).

“Não sei, eu acho que ele estava deprimido” (Filha 1).

“Ele bebia, né? A mudança que tinha era quando ele bebia [...] Ficava meio

agressivo” (Filha 2).

“Não, nessa época (do suicídio) ela já tinha parado (de beber)” (Filha 2).

“Ele passou muitos anos sem beber, mas bem antes, que aí ele voltou a beber.

Nessa época (do suicídio), eu não lembro dele ter parado mais não” (Filha 2).

A afetividade pode ser definida como a reposta emocional da pessoa, incluindo a

quantidade e variedade de comportamentos expressivos, como expressão facial. Refere-

se, portanto, a tipos de sentimentos, como ansiedade e medo. A afetividade determina a

atitude geral do sujeito, fazendo-o perceber os fatos de maneira agradável ou não,

estabelecendo o tônus da relação do sujeito com o mundo, com a vida. O afeto pode ou

não ser congruente com o humor (Ballone, 2004; B. Sadock & V. Sadock, 2010). O

humor refere-se à emoção abrangente e constante que colore a percepção que se tem do

mundo (DSM-IV-TR, 2008; B. Sadock & V. Sadock, 2010).

Os relatos indicam que Avi era uma pessoa alegre, comunicativa, sociável,

fazendo com frequência visitas a familiares. Entretanto, nos meses anteriores à morte foi

percebido que ele estava com o humor depressivo, desesperançado e culpado. A filha 1

observa que ele estava mais triste, mais calado, mais pensativo, que já não saia tanto,

ficava mais em casa. Verifica-se que ele comentou com ela que se pudesse voltar ao

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passado, agiria diferente, valorizaria mais a família e teria mais cuidado com o lado

financeiro. Também, comentou com ela que estava cansado de tantos problemas.

Alguns critérios diagnósticos para Transtorno de Humor Depressivo estavam

presentes em Avi na época do suicídio. Observa-se que houve uma alteração perceptível

do humor de Avi, que sempre fora alegre e nos últimos meses se encontrava deprimido,

também, houve perda do interesse em atividades sociais, havendo um retraimento

social. Avi estava mais desesperançado, não sabendo como iria garantir o sustento da

família. O sentimento de culpa aparece em alguns comentários dele com a sua filha e

esposa, como o relato de que a mãe diz à entrevistada que o pai pediu perdão pelas

traições.

A presença de outros critérios diagnósticos, como alterações de peso, sono e

comportamento psicomotor não foram identificados, pois as entrevistadas não se

lembraram desses sinais e sintomas. Apesar de não se confirmar o diagnóstico de

transtorno de humor, é perceptível como o humor estava alterado e comprometeu

aspectos da vida de Avi.

As entrevistadas relataram que não houve nenhum contato de Avi com

profissional de saúde, o que fez com que Avi tivesse que lidar com o seu sofrimento

intolerável sem esse suporte. Foi referido pelas entrevistadas que Avi precisava de ajuda

profissional em relação ao uso de álcool, porém, foi relatado que não havia profissionais

que pudessem oferecer esse tipo de intervenção.

“Naquela época, também, psiquiatra não era uma coisa muito normal. Era

mais para gente... doido mesmo, né?” (Filha 1).

“Isso (acompanhamento psiquiátrico) na época nem existia, né?” (Filha 2).

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“Não, porque a gente só não gostava que ele bebesse e ele não ia parar. Mas,

na época, a gente não... Não tinha tratamento... pelo menos no nosso meio, né? Para

auxiliar... parar... eliminar os vícios... dependia só dele” (Filha 2).

Apesar de ter sido relatado que não havia nenhum tipo de serviço de saúde

mental naquele local, percebe-se que não houve a procura por um profissional. A

dificuldade de acesso a serviço de saúde mental público é uma realidade brasileira.

Contudo, é inegável que o tabu ainda persiste e apresenta-se como barreira para que

esses serviços sejam procurados. Afinal, uma visão difundida e que fazia parte da

crença da família é de que psicólogo e psiquiatra são para os loucos. A não procura por

profissionais pode revelar o preconceito que existe em torno do sofrimento mental e não

somente a indisponibilidade do serviço.

PRECIPITADORES E ESTRESSORES

Outro ponto essencial nesta análise se refere aos eventos precipitantes e

estressores. Esses fatores se vinculam a questões do porquê do suicídio naquele

momento, buscando possíveis motivos que levaram Avi ao suicídio. Além disso, os

estressores/precipitadores podem estar interligados a problemas que estivessem

exacerbando o humor deprimido de Avi.

“Não comentava comigo, mas [comentava] com minha mãe e eu escutava. Que

estava muito preocupado, porque se ele saísse [da fazenda], o que que ele ia fazer da

vida” (Filha 1).

“... isso eu que eu percebi nele [no pai]: uma humildade muito grande,

acompanhada de um grande sofrimento... remorso, né? Porque lembrando melhor,

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minha mãe até comentou que ele pediu perdão para ela, pelo fato de ter traído” (Filha

1).

“Porque tinha gente que falava se (a vítima) não pagasse eu vou te matar. Era

uma ameaça” (Filha 1).

“E naquele fato dele fazer dívida, acho que [o filho X] chamou muito atenção

dele. Que ele pagava uma e contraía outras... Aí parece que um dia meu irmão foi

muito... Muito severo com ele. Isso também deve ter motivado, né? Um filho chama

atenção desse jeito... Então, as coisas que realmente eu acredito que tenham levado ele

à exaustão foram essas... Esse tratamento do meu irmão e do tio” (Filha 2).

As dívidas financeiras, inclusive com ameaças de morte caso não pagasse, a

iminente perda do emprego que garantia o sustento da vítima, esposa e de algumas

filhas, a falta de apoio dos filhos e o possível arrependimento da vítima por ter traído a

esposa e por ter ido à falência foram retratados como tendo contribuído para o suicídio.

A possibilidade iminente de ter que sair da terra que trabalhava, provavelmente,

provoca em Avi um desejo de fugir desse obstáculo percebido como instransponível. De

acordo com o relato da Filha 2, Avi comenta com a esposa que não saberia o que fazer.

Percebe-se que o limite de tolerância à frustração é excedido nesse momento. Avi não

consegue se olhar no espelho, aceitar a perda da identidade de provedor econômico da

família. Se ele não pode estar nesse lugar, ele não pode encontrar alternativas, como

procurar outra forma de gerar renda. Avi coloca a solução no suicídio, pois, não teria

que assumir o fracasso diante dos outros e de si. O sentimento de humilhação pública ou

de constrangimento foi evitado com o suicídio.

Avi, que já se encontrava endividado, não visualizava outra forma de conseguir

dinheiro para continuar sendo o provedor, o que sugere um déficit na sua capacidade de

resolução de problemas. Avi percebendo sua situação como intolerável, percebe que não

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poderia mudá-la, o que provoca mais desesperança. Além disso, não conseguiu aceitar

transformar essa imagem, que constitui uma parte essencial da sua identidade. Fazia-se

necessário que Avi tolerasse essa representação de si, tornando-se mais resistente e

coerente com as múltiplas autorepresentações de self. Self refere-se ao conceito de uma

estrutura processual que busca mostrar o funcionamento da pessoa, exprime-se como

um conjunto de representações que constroem a imagem do eu. S. Ginger e A. Ginger

(1995) acrescenta que o self não é uma entidade fixa, mas sim um processo

característico do modo da pessoa reagir e se expressar.

Essa experiência de Avi coloca a visão do self de forma insatisfatória com uma

perda significativa de autocoesão. Essa faceta não pode ser internalizada e a opção pelo

suicídio aparece como solução para que a representação de provedor continue intacta,

preservando seu ideal de eu. Avi não conseguiu estar à altura da sua expectativa rígida

do self. O sentimento de ser humilhado e dolorosamente exposto quando fosse

confrontado com deficiências na sua imagem de self ou no reconhecimento de

necessidades não satisfeitas, ativou suas crenças suicidas, que operaram ao longo de sua

vida, como defesas que impedia que ele passasse a ter consciência dos sentimentos

ligados a essas experiências.

Evidencia-se que houve fatores que ativaram o sistema de crença suicida e resposta

emocional que possibilitou o suicídio de Avi. Os estressores/precipitadores são os

disparos que o levaram ao ato letal naquele momento específico. Entretanto, o histórico

clínico e de vida são intrínsecos para essa tomada de decisão. Afinal, os estressores não

conseguem explicar completamente o porquê do suicídio. Assim, seguem-se com os

relatos referentes a comportamentos suicidas anteriores.

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COMPORTAMENTOS SUICIDAS

Houve vários registros de que ele ameaçava se suicidar desde a adolescência.

Pelo relato das entrevistadas, a comunicação da intenção surgia, principalmente, como

forma de lidar com algum evento estressante, como ter que vender algo para pagar as

dívidas.

“[...] me falaram que desde a idade de adolescente, ele já falava de suicidar. E

eu me lembro que quando a gente tinha fazenda, criança, né, [...] talvez sete anos. Não

sei bem ao certo... Ele falava, vivia falando. Qualquer problema que ele tinha, de

ordem mais grave, vinha à tona, né, a ideia de suicidar” (Filha 1).

“Desde adolescente [...] Ele tinha do hábito de qualquer pressão psicológica...

Pressão maior ele falava de suicidar” (Filha 1).

Não houve nenhum relato de que ele chegou a efetivar alguma tentativa de

suicídio, embora em vários momentos ele ameaçasse se matar.

“Eu lembro (que) meu pai quando tinha problema financeiro que ele fazia

empréstimo pra lavoura [...] E, quando o negócio apertava, eu lembro... tinha veneno

que bate em lavoura... [ele] pegava aqueles latões... e falava que ia suicidar... Mas,

graças à Deus, eu não me recordo dele ter tentado. Tentado, assim, feito alguma

coisa... ou tentando se matar... não” (Filha 1).

“Eu sei, através da minha mãe, que uma vez ele saiu... Eu não sei se ele

comentou com ela que ia suicidar... Eu sei que ela saiu atrás, à procura dele ... Mas,

nessa vez ele não tinha feito nada, não sei se, porque ela chegou... Não me lembro bem

... Mas ele já tinha deixado, assim, que tinha essa intenção” (Filha 2).

Avi ao longo dos anos utilizou ameaças de suicídio para lidar com os problemas.

Desde a adolescência ele ameaçava se suicidar. Depois de casado, há relatos de que ele

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fazia ameaças como forma de manipulação para que a esposa concordasse em vender

patrimônios. O comportamento suicida começou com ameaças de suicídio, que

persistem durante anos. Posteriormente, Avi passou a fazer gestos, como sair de casa

com veneno, dizendo que se mataria. Apesar de não se verificar uma tentativa de

suicídio efetivada, existe a possibilidade que uma tentativa de suicídio tenha sido

interrompida pela chegada da esposa. Até que por fim, o seu comportamento culminou

no suicídio.

Esse histórico de comportamentos suicidas foi apontado por Maris (1981, citado

em Shneidman, 2004) como carreira suicida, ou seja, a decisão sobre suicídio foi

tornando-se mais séria e se desenvolvendo até consumar o suicídio. Avi aprendeu a lidar

com suas frustrações e dificuldades recorrendo à ameaça de suicídio, o que pode fazer

com que o pensamento de morte fosse levado mais a sério em cada situação pelo

suicida. As ameaças evoluíram para planos e ações, por fim, o suicídio se consumou.

MÉTODO DO SUICÍDIO: LETALIDADE, PLANEJAMENTO E INTENCIONALIDADE

No dia anterior à sua morte, Avi se comportou de maneira diferente da usual, o

que foi relatado como se ele estivesse se despedindo de todos. Entretanto, ele não

explicitou a sua intenção de suicidar. O comportamento preparatório de Avi na véspera

revela seu desejo e à intenção de se matar.

“Na noite anterior, eu me lembro que ele chamou… chamou a gente para

conversar, né? E, assim, tentou passar palavras de otimismo para todos nós. Estava eu,

minha mãe, (irmã) e ele pedindo para gente ser unido… para que a gente pudesse ter fé

em Deus. E, eu nunca esqueci isso, porque é muito estranho, né? Uma mensagem dessa

na noite anterior [...] ele nos abraçou, coisa que não era muito frequente” (Filha 1).

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“É como se ele estivesse pressentindo a morte e se despedindo, propriamente

falando, né? [...] ele conversando, ele tentando nos encorajar. É, a mensagem foi isso”

(Filha 1).

“Ah... Não sei... Com certeza ele tinha já essa intenção... Já alimentava isso nas

horas difíceis” (Filha 2).

Durante a madrugada de domingo para segunda, Avi se enforcou na árvore

situada na calçada de sua casa. Quem o encontrou foi a esposa. Houve o relato de que

um vizinho o viu no momento em que ele se enforcou, mas só contou depois o que

havia visto.

“Ele enforcou-se. Foi... Todo mundo dormindo, minha mãe, minha irmã e dois

sobrinhos que moravam lá. Parece que foi de madrugada... Ele... Tinha uma árvore na

porta de casa, ele amarrou uma corda ... no pescoço e se jogou... Até um vizinho na

frente ...viu... Mas, fica com medo de... entrar em contato... Acho que só viu e não fez

nada” (Filha 2).

“Um vizinho viu a hora que ele pulou, mas ele ficou com medo... E ele não teve

coragem de avisar ninguém, só comentou depois. Parece que ele viu, quando você pula,

né, parece que fica mexendo... Ele viu” (Filha 1).

“Aí, por volta das cinco da manhã, aproximadamente, amanhecendo o dia, que

eu lembro que minha mãe chegou no quarto, né? .... Eu percebi que ela estava um

pouco transtornada, mas eu acordei assustada, né? Corre, vai lá e chama seu irmão...

Já fui correndo e quando eu sai na porta da rua, que eu olho pro lado esquerdo, que é

da árvore, meu pai estava na árvore balançando, o vento vindo, né?” (Filha 1).

Avi ameaçou se suicidar por várias vezes, mas nessas ameaças dizia que se

envenenaria ou se afogaria. A escolha do método que culminou em sua morte foi

diferente dos métodos que falava em suas ameaças. A sua esposa já havia tentado se

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matar por duas vezes, uma tomando o mesmo veneno que Avi ameaçava tomar e outra

com overdose de medicação. Avi já tinha o conhecimento de que a tentativa de suicídio

da esposa por envenenamento fracassara, pois ela fora encontrada a tempo de ser

socorrida. Avi opta por um método mais letal, o que corrobora com o pensamento de

que Avi tinha a intenção de consumar o suicídio.

Durante a madrugada, Avi se enforca na calçada da casa. Apesar de esperar por um

horário em que todos na casa estivessem dormindo e, provavelmente, a rua estivesse

vazia, a calçada não apresenta impedimento para que uma pessoa pudesse ver, pois um

terceiro poderia aparecer a qualquer momento. Pode-se levantar como hipótese a

expressão da ambivalência, uma vez que o ato de não impossibilitar a chegada de outra

pessoa, poderia representar a última tentativa de ser salvo.

A escolha do enforcamento revela um dos métodos mais utilizados no Brasil e com

alto poder letal. Igualmente, o local mais escolhido, no Brasil, é a própria casa, o que

nos remete a influência de fatores culturais no processo de escolha do método.

Entretanto, optar pela calçada da casa insinua uma forma singular no psiquismo de Avi.

O sentindo dessa escolha pode remeter a expressão da raiva de Avi a familiares, a

agressão a um ambiente frustrante. Escolher deixar o corpo enforcado visível a todos

que por ali passassem, sugere que exista o desejo de vingar-se da família, expondo o

suicídio. Sua morte não poderia passar despercebida e a família deveria se explicar.

Cassorla (2004) pontua que o suicida não busca a morte, mas substitutos

fantasiados, sendo um desses a vingança, por ser um ato altamente agressivo aos

sobreviventes de suicídio. Nessa fantasia, Avi acreditaria que pessoas próximas

deveriam sentir-se culpadas ou com remorso por não terem suprido as suas

necessidades.

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Diante do exposto, o possível sentimento de humilhação pública de perder o local

de trabalho que advinha de um conflito familiar, foi repassado à família que agora

deveria esclarecer aos outros e a si por que ele tomou essa decisão. Afinal, o estigma

ainda continua em nossa sociedade e a família passa a ser o alvo. Shneidman (2004)

pontua que o suicida coloca o seu esqueleto psicológico no armário do sobrevivente. É

como se o sofrimento intolerável que estava em Avi fosse agora pendurado na família.

Aspectos narcisistas de ser destrutivo em relação aos seus possíveis algozes foram

observados. A raiva narcisista por não ter suas necessidades gratificadas. A vergonha,

como processo de autoavaliação, na qual Avi se sente inadequado relacionado a um

desejo secreto de exibir-se de forma grandiosa. Portanto, a possível fantasia de vingança

se revela como um manejo inadequado da raiva que se transformou em ato suicida. Não

houve a separação da fantasia suicida com o ato suicida.

O ato suicida de Avi representa expressões de raiva, de ódio, de culpa, vergonha,

sofrimento e desesperança que se unem a um ambiente percebido como refratário às

suas necessidades psíquicas. Avi visa gratificar suas necessidades emocionais em última

instância com a fantasia de que a morte colocará fim aos conflitos que lhe causaram

tanto sofrimento ao longo da vida. Esse trágico final marca o início de um processo

doloroso para a família, que agora passa a ser sobrevivente do suicídio. A experiência

de ser um sobrevivente é outro tema que foi verificado nas entrevistas e que será

abordado a seguir.

IMPACTO DA MORTE NOS SOBREVIVENTES DE SUICÍDIO

Sentimentos de raiva, revolta, remorso, culpa e ressentimento nas entrevistadas

O suicídio é um legado que a família, amigos, colegas de trabalho, profissionais

e diversas pessoas terão que lidar. O significado que cada um irá atribuir a essa morte

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fará parte de um intercâmbio entre fatores culturais e pessoais. O suicídio em nossa

sociedade é valorado como pecaminoso, egoísta, vergonhoso, entre outros atributos.

Esses estigmas associados ao suicídio podem servir como prescrições de como a morte

deverá ser enfrentada pelos sobreviventes. Muitos sentimentos foram verificados nos

entrevistados, como o sentimento de revolta e desespero.

“Ah... meio que de desespero ... Muito brutal o ato... E, ao mesmo tempo, a

gente analisava a fraqueza dele ... de ter cometido uma violência tão grande daquela”

(Filha 2).

“Para mim eu senti muita revolta, porque meu pai, ele fez isso por conta de

problemas financeiro ... e para mim, especificamente, foi muito difícil. Eu fiquei com

muita revolta a princípio, depois, fui compreendendo” (Filha 1).

O processo de luto é influenciado pelo relacionamento do sobrevivente com o

morto (Kovács, 1992). Percebe-se que a relação da filha 2 com Avi é uma relação

carregada de hostilidade, mágoa pelo pai ser infiel à mãe, pelo alcoolismo, por ter

ficado endividado e não apoiar o seu casamento. Esses sentimentos são mais difíceis de

serem elaborados, causando mais sofrimento e sentimento de culpa, acreditando que de

alguma forma ela poderia ter evitado o suicídio. A culpa dessa filha aparece por ela

sentir que o magoou de alguma forma, o desejo de ficar longe dele, faz com que ela

sinta que não o tratou da melhor forma, transgredindo a norma de amar o pai.

Independente de como ela se sentia em relação ao comportamento dele, ela considera

que deveria ter lhe ajudado. A culpa pode estar encobrindo os sentimentos que ela ainda

tem de ressentimento e raiva pelo suicídio.

“Ele não era fiel à minha mãe, e aí eu revoltei com aquilo... Deixando, às vezes,

de ajudá-lo também. Dar força pra ele... estar mais presente... Parece que a minha

vontade era de estar mais longe” (Filha 2).

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“Com certeza se a gente tivesse compreendido mais as atitudes, as fraquezas

dele.... teria apoiado melhor e ... quem sabe ... pudesse ser evitado” (Filha 2).

Já a filha 1 coloca que seu primeiro sentimento foi de raiva e revolta. Ela tinha

uma relação próxima com seu pai e de bastante afinidade. Pouco tempo antes da morte,

ela volta a morar com os pais para ajudá-los, o que revela o seu sacrifício por Avi. O

sentimento de revolta aparece diante desse pai que a abandona, mesmo depois de seu

sacrifício. Sua percepção de que fez tudo por ele e ao invés dele retribuir seu amor, a

deixa desamparada. A raiva também pode refletir o desejo irracional de destruir o

obstáculo da morte.

“[...] eu fiquei revoltada e não com remorso, porque eu sempre tentei ajudar os

meus pais. Eu lembro que eu estudava quando meu pai quebrou. Eu estava em (outra

cidade), deixei a escola e vim” (Filha 1).

A revolta dessa filha se liga a idealização que é uma forma de rebelião contra a

morte do pai. A dinâmica psíquica dessa filha demonstra a sua necessidade de ser

amada por Avi, por quem tanto fez e amou. Tanto a revolta quanto a idealização

expressam o medo dela de destruir o pai, pois ela se decepcionaria. Ela bloqueia seus

impulsos destrutivos em relação a ele. Destruir significa demolir “um todo em

fragmentos, para assimilá-los como partes num novo todo” (Perls, Hefferline &

Goodman, 1997, p.148). A destruição de Avi denota sair da idealização do pai,

aceitando que o conflito emerja, sendo permeado de muito sofrimento e ansiedade.

Contudo, é um processo necessário para que haja a aceitação do suicídio sem que o

sentimento de culpa perdure ou que esse caráter destrutivo volte para ela como sintoma.

É preciso destruir o pai em fragmentos para que o suicídio seja assimilado e, então,

aceito.

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Diferença do luto por suicídio do luto por morte natural

Outro ponto que se verifica é a diferença do luto pelo suicídio. A filha 2 revela

que a morte, posterior, da mãe foi diferente da do pai, por ter decorrido de uma morte

natural.

“Desespero. É difícil de aceitar ... Quando é uma morte natural, igual a

mamãe, né? Mamãe já foi natural... A gente sentiu a falta, a perda... Quando Deus leva,

é mais tranquilo, eu acho ... embora a gente sofra, sinta muito” (Filha 2).

O luto por suicídio tende a ser mais complicado que o luto por morte natural. A

mãe morreu anos após a morte do pai. A morte da mãe também foi uma morte

inesperada, mas decorreu de uma doença. A relação com a mãe foi caracterizada como

melhor do que com o pai. Percebe-se que a diferença marcante foi quanto ao modo da

morte. O fato de o pai ter suicidado dificultou o processo de luto, que continua com

gestalts inacabadas.

Por quê?

O suicídio marca uma multiplicidade de pensamentos e sentimentos singulares,

como a aceitação da decisão da vítima de se matar. Em vários relatos a dificuldade em

entender o porquê do suicídio foi averiguado. Esse processo abre uma lacuna no

pensamento, pois apenas hipóteses poderão ser levantadas, o que, geralmente, faz com

que os sobreviventes fiquem reexaminando os fatos. Mesmo quando cartas são

deixadas, explicando os motivos do suicídio, elas quase sempre não irão responder as

dúvidas e anseios dos que ficaram.

“A gente fica achando estranho, né? Uma pessoa tirar a própria vida...Tem

tanta saída que a gente vê, mas que ele não enxerga na época, né?” (Filha 2).

““Por que que a pessoa faz isso? No seu ponto de vista como profissional?”

(Filha 1).

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“E, por que que nesse caso, especificamente do meu pai, como é que a gente

não percebeu isso? Eu tive que... acontecer pra acreditar ... São mudanças, que não

são mudanças drásticas ... eu não percebi” (Filha 1).

“Como que eu não percebi? ... (Como) a pessoa consegue mascarar isso?”

(Filha 1).

Percebe-se que apesar de terem se passado 28 anos da morte, ambas

entrevistadas continuam se perguntando o porquê do suicídio, tentando compreender o

que aconteceu. Além de acharem que deveriam ter feito mais, que deveriam ter

entendido os sinais que Avi deu. O desespero e o choque passaram, mas outros

sentimentos ligados a elaboração do luto, ainda hoje, são vivenciados. É válido ressaltar

que nenhuma das entrevistadas buscou terapia para lidar com a morte do pai. Além

disso, observa-se que há uma expectativa de que a entrevistadora abone a sensação das

entrevistadas de não se sentirem culpadas.

Essas reações e sentimentos por não serem elaborados e participarem da

dinâmica das entrevistadas de modo velado poderão influenciar pensamentos ou

comportamentos semelhantes. Assim, percebe-se a necessidade de elaboração do luto de

forma saudável. O transcorrer do tempo pode ter ajudado na elaboração do impacto da

perda, mas outros sentimentos podem ter passado despercebidos, mas marcam a forma

de lidar com essa experiência e com experiências análogas. O risco de suicídio e o

desenvolvimento de patologias podem aparecer diante de estressores.

Observa-se que as entrevistadas fazem uso de explicações médicas e religiosas

para tentar compreender o que aconteceu. Ao mesmo tempo, retiram a responsabilidade

do morto.

“E acredito também que pode ter sido influenciação... Do mundo invisível... dos

espíritos. Porque quando a mente está meio equilibrada, a gente perde as forças ... a

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coragem, a resistência. E através de intuição ... de influências negativas pelo

pensamento... Aí a pessoa age assim.... Sem perceber o mal que está causando a ela

própria” (Filha 2).

“A questão de ser espírita ajuda demais a gente. A religião, em sim, tem me

ajudado muito a compreender” (Filha 1).

“Deve ter enfraquecido mentalmente... E nessa hora se viu sem alternativas...

sem opção” (Filha 2).

Impacto do suicídio nos familiares

Nos familiares as entrevistadas atribuíram sentimentos de desespero, abatimento,

agonia, aflição, angústia, além de remorso. Evidencia-se que a perda é sentida pelos

sobreviventes como uma forte dor psicológica.

“Agora meus irmãos, em uns eu pude presenciar... ficaram com muito

remorso” (Filha 1).

“Ela (a mãe) ficou muito, nossa senhora, muito abatida, deprimida, né? Minha

mãe amava muito o meu pai. E é muito difícil” (Filha 1)

“Meu irmão mais velho ... ele ficou muito abalado” (Filha 1).

As reações iniciais do luto marcam semelhanças com outras mortes, como

desespero, aflição e abatimento. Todavia, percebe-se que o sentimento de culpa,

remorso e a necessidade de explicação dos motivos para que a morte ocorresse são

exacerbados no suicídio. O irmão mais velho teve uma discussão severa com o pai

pouco tempo antes do suicídio e ficou muito abalado, o que remete a sensação de ter

contribuído para o suicídio, a relação hostil imprimiu o sentimento de culpa mais

intenso.

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Configuração do silêncio

“Ela (a mãe) não chorava, ficava o silêncio. Você via que ela estava sofrendo

muito. A gente não conversava praticamente. Era visível a agonia, a aflição, a angústia

dela... sem expressar por atos, nem gestos. Ela se continha e eu acho que dentro

dessa... desse silêncio ela deve ter sofrido muito mais” (Filha 2).

O processo de luto diante de uma morte inesperada marca uma gama de

sentimentos como os relatados pelas entrevistadas. A esposa de Avi carregou um

sofrimento imenso em silêncio. Esse silêncio diante do suicídio é retórico na literatura.

Apesar ser uma forma particular de enfrentamento da dor, percebe-se que o silêncio

permeou a morte de Avi. Esse silêncio é uma reconfiguração da família que impede que

o luto seja elaborado de forma saudável, pois a carga emocional é guardada. O luto é um

processo relacional que desequilibra a família. O silêncio e o sigilo podem expressar a

culpa que a família sente, mas que os usa para se proteger. A morte de Avi silencia os

que ficaram seja pelo medo, pelo preconceito, pela culpa , pela vergonha ou mesmo pela

não aceitação do fato.

O suicídio interferiu na comunicação adequada dessa família no processo de

luto. Como revela a filha 2, a morte da mãe foi mais tranquila no sentido de que o luto

teve um espaço maior para a sua elaboração. É uma morte que recebeu o apoio dos

outros, foi uma morte que pôde ser falada, a dor pode ser vivenciada. Após as reações

iniciais pela perda da mãe, a aceitação e superação foram mais fáceis do que no

suicídio, que, perceptivelmente, continua aberto no imaginário dessa família.

Aprendendo com a experiência

Depois desse tempo, as entrevistadas relatam que tiveram alguns aprendizados

com essa experiência. Entre eles, estariam: a preocupação com a dor do outro,

estabelecer um espaço de escuta e estar atento ao outro.

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“Que a gente tem o dever de estar mais presente, de conversar mais, de

dialogar mais. Ver se alguém está com dificuldade... Mostrar que há outras saídas,

alternativas. Acho que serviu para isso, ter mais atenção” (Filha 2).

“Nunca pensei em me suicidar, nunca, pensando justamente na dor que eu

sentia. Eu não queria que meus filhos jamais viessem a passar por isso [...] Então,

assim, para mim foi uma experiência dolorida, né, que me ensinou uma lição preciosa...

valorizar a vida ... e, jamais, pensar em suicidar, independente, da situação de dor,

desespero” (Filha 1).

“Importante a gente aceitar... aceitar os acontecimentos que vêm e tentar mudar

o que é possível e seguir em frente, que nada é por acaso, né? (Filha 1).

Apesar dos discursos de superação e aprendizado, averígua-se que existe um

fundo ainda marcado de ressentimento, mágoa e risco de suicídio. A filha 2 pede a Deus

que o perdoe pelos atos ruins que cometeu. Apesar de dizer que não o julga, ela pede

absolvição a Deus por acreditar que o pai foi culpado. A filha 1 demonstra o seu

ressentimento em alguns relatos, como perguntar como alguém abandona a família.

Além disso, há indícios de que essa filha considera a possibilidade do suicídio, pois

revela que não se suicidaria, por saber o que isso causaria a seus filhos. Apesar de dizer

que nunca pensou em suicidar, percebe-se que ela nega esse pensamento perante a

entrevistadora, mas revela que a sua experiência funciona como um fator protetivo

contra o seu impulso autodestrutivo.

“Peço para Deus perdoá-lo, ser confortado onde ele estiver... Pra ele ter paz...

Não lembro mais dos fatos ruins da vida, que ele cometeu não... A minha piedade é

maior que o que aconteceu... que eu senti na época dos acontecimentos. Eu superei, eu

acho” (Filha 2).

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“Mas a experiência que eu senti, que meu pai fez eu passar...isso ... me ajudou a

superar” (Filha 1).

A fase de sobrevivência descrita por Clark (1996) pode ser observada no

comportamento das entrevistadas, que apesar de terem seguido adiante com seus

projetos de vida - que se liga a fase de cura desse autor - continuam estagnadas em

sentimentos e pensamentos que nos levam a observar como esse luto pode ser

traumático e complicado.

Transmissão transgeracional do comportamento suicida

Além dos impactos que o suicídio gerou nas entrevistadas e nos familiares, outro

fator se refere à transmissão transgeracional do comportamento suicida que permeia a

dinâmica de variados membros dessa família. Observa-se um alto alcance de

comportamentos suicidas entre os seus membros.

“O que pode ser com a nossa família especificamente? Minha mãe tentou

suicídio por duas vezes, mas não veio a óbito, porque foi socorrida a tempo” (Filha 1).

“Depois meu irmão ... sempre fala em suicidar... meu (outro irmão) ..., a (irmã)

já falou também. Então, assim, eu fico pensando o que que pode ser isso. Será que é

alguma patologia, alguma coisa assim? Eu acho que é obsessão em família, né? Os

suicidas da família. Porque, assim, você percebe em alguns filhos... Então isso que eu

queria colocar. Estranho, né? Mãe, pai, irmão” (Filha 1).

“Tem o caso do irmão que já falou (em suicidar) e agora a gente fica com

medo” (Filha 2).

Além do suicídio de Avi, houve vários relatos sobre ameaças de suicídio e

tentativas de suicídio por outros membros da família. O suicídio de Avi coloca em

evidência o poder destrutivo de seu ato e gera o medo do impulso autodestrutivo que

todos têm. Além disso, o medo de que outros familiares façam o mesmo paira as

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relações deles, como se houvesse uma sensação de destino ou ruína. A falta de

compreensão da dinâmica que envolve o comportamento suicida e o legado dele faz

com que a filhas se apóiem em explicações como a relatada pela filha1 de obsessão em

família.

São recorrentes as ameaças suicidas de alguns filhos de Avi, além do relato de

uma tentativa de suicídio abortada de um deles. Antes do suicídio de Avi, a sua esposa

teve duas tentativas de suicídio interrompidas. Afora, percebe-se que na árvore

genealógica foi referido que um neto ameaçou se suicidar.

Os mecanismos pelos quais esse fenômeno ocorre não são consensuais na

literatura. Mas é certo que nessa família, a possibilidade do suicídio se tornou presente e

como saída possível diante de problemas. A resposta da esposa de Avi pode ter unido e

munido a aprendizagem de comportamentos suicidas para os filhos, uma vez que a

primeira forma de aprendizagem é a identificação. Tanto o pai quanto a mãe

apresentaram comportamentos suicidas e representavam o fundo de segurança básica

desses filhos.

Os padrões de comportamento e funcionamento foram transmitidos através das

gerações na família, incluindo tabus, rótulos e expectativas. Alguns estudos empíricos

têm revelando que o ato suicida está intrinsecamente relacionado à dinâmica familiar,

incluindo características como rigidez de padrões interativos, apego emocional

incipiente, manejo pobre de conflitos e inefetivos padrões de comunicação (Henry,

Stephenson, Hanson & Hargett, 1994 citado por Werlang, Macedo & Krüger, 2004).

Além disso, o desconhecimento em torno desse padrão de transmissão de pautas

familiares pode induzir a construção de mitos, como se observa na fala da Filha 1

referindo-se ao evento como “obsessão em família” (sic) ou “suicidas da família” (sic).

Os mitos construídos favorecem a restrição de crenças que possam auxiliar a obtenção

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de repertórios satisfatórios para solução de crise. Com isso, há um empobrecimento de

estratégias de enfrentamento dos problemas, pois a família se percebe descreditada, não

proporcionando apoio, segurança e estabilidade familiar aos seus membros.

A fala da filha 1 de “suicidas da família” (sic) revela a importância do trabalho

de prevenção com os sobreviventes de suicídio, por haver um maior risco de que novos

suicídios ocorram. Shneidman (1968) pontua a necessidade de uma intervenção após o

suicídio, a posvenção, para facilitar a recuperação dos sobreviventes, amenizar sequelas

psicológica, prevenir comportamentos suicidas, evitar o luto complicado e prevenir o

desenvolvimento de transtornos mentais.

Quase três décadas depois, as sequelas do suicídio de Avi continuam presentes

nas entrevistadas e em outras pessoas da rede familiar. É flagrante a necessidade de que

haja posvenção com os sobreviventes, pois são pessoas que carregam consigo uma

forma de dor psicológica que passa praticamente inaudível pelos poderes políticos e de

saúde.

REAÇÕES DOS ENTREVISTADOS EM RELAÇÃO À ENTREVISTA E OUTROS

COMENTÁRIOS

A autópsia psicológica é uma ferramenta que tem o seu poder de avaliação

muitas vezes questionado. Uma das questões que se fazem é em relação ao possível

dano que ela possa causar aos entrevistados. Percebe-se que a entrevista emocionou

uma das entrevistadas em alguns momentos, mas não fez com que as entrevistadas se

sentissem mal com essa experiência. Além disso, as entrevistadas colocam a expectativa

de que a sua experiência ajude outras pessoas.

“Normal... Não senti assim ... presente no acontecimento de novo não... Passou,

parece que eu já esqueci. Não me abalou” (Filha 2).

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“Eu assim ...hoje eu tenho uma visão diferente, né? A princípio eu achava que

ia me emocionar, cheguei a me emocionar algumas vezes e me contive... Porque tudo é

experiência, né? ” (Filha 1).

“Eu espero que ajude” (Filha 1).

Há a expectativa de que a entrevistadora, como profissional que atua na área de

intervenção em crise suicida, esclareça sobre o suicídio. Além do desejo de que a

entrevistadora ajude a elaborar o sentimento de culpa que ainda persiste.

“Por que que a pessoa faz isso? No seu ponto de vista como profissional?

Deixar uma família...” (Filha 1).

“Você acha que nós poderíamos ter evitado? Nós fomos culpados também? ”

(Filha 2).

Portanto, a entrevista se mostrou útil para essas entrevistadas que puderam tirar

várias dúvidas sobre generalidades do suicídio e o sentimento de contribuição para

ajudar a prevenir outros suicídios.

TEMPO DECORRIDO ENTRE O SUICÍDIO E A REALIZAÇÃO DA ENTREVISTA

Muitos dados foram afetados pela memória das entrevistadas devido ao tempo

de 28 anos que se passaram. Um aspecto marcante nas entrevistas foi a diferença entre a

quantidade de fatos que foram lembrados pela filha 1 e a filha 2 referente aos eventos

anteriores a morte. A memória é uma “função psicológica que garante elo temporal da

vida psíquica, pois reflete o passado no presente e permite a perspectiva do futuro”

(Erné, 2000, p. 69). Alguns aspectos foram considerados, almejando refletir a diferença

das informações obtidas por cada uma em relação ao suicídio do pai. Cabe registrar que

não houve dificuldade para evocar a memória referente aos próprios sentimentos e

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vivências. A informação de como lidam com o suicídio, atualmente, é importante para a

compreensão de como o suicídio afeta a vida dos sobreviventes ao longo de décadas.

No que tange a diferença entre as informações sobre o relato dos

acontecimentos, a filha 1 lembra de vários detalhes anteriores a morte do pai. Tinha

voltado há pouco tempo a morar com os pais e estava tendo contato com o pai numa

frequência de pelo menos 4 dias na semana. Além de sua maior proximidade com o pai

do que a filha 2, que na época o via, aproximadamente, a cada seis meses, a filha 1 viu o

pai enforcado. A qualidade dos dados que a filha 1 descreve em relação ao dia anterior e

como foi quando encontrou o pai tem uma riqueza de detalhes. A cena ficou em sua

lembrança e ao ser reativada ela descreve como se no momento a presenciasse. Esse

evento é conhecido como hipermnésia, cuja característica é de haver um exagero

patológico da evocação (Erné, 2000). Eventos traumáticos podem gerar esse exagero na

evocação. O fato de ter presenciado a cena do suicídio e a proximidade da entrevistada

com a vítima são fatores que influenciaram a memória de forma decisiva.

A avaliação que se faz é que apesar do tempo decorrido da morte ter prejudicado

a lembrança de alguns fatos, outros fatores essenciais puderam ser analisados e que

contribuíram de forma fundamental e única para essa pesquisa. Embora muitas

pesquisas apontem pontos prejudiciais de autópsias psicológicas realizadas após 1 ano

do suicídio, percebe-se que outros fatores podem influenciar decisivamente a memória

do acontecimento.

CASO BEN

Ben morreu em 2013, com 26 anos. Tinha o ensino superior completo, morava

com os pais, possuía três irmãos. No período anterior ao suicídio, estava estudando para

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concurso público. Ben se enforcou em seu quarto, durante o início da manhã de

segunda.

Os entrevistados são a mãe e o pai de Ben. Eles são casados têm quatro filhos.

Ambos têm terceiro grau completo, são católicos e aposentados. Eles moram na cidade

de Brasília, Distrito Federal. O pai tem 64 anos e a mãe tem 59 anos. As entrevistas

aconteceram depois de cinco meses da morte do filho. As duas entrevistas foram

realizadas no consultório da pesquisadora separadamente. Cada entrevista durou cerca

de uma hora. Ambos estavam fazendo terapia com outros psicólogos.

Exposto essas informações iniciais, passaremos a análise do caso.

CARACTERÍSTICAS DA VÍTIMA E GRAU DE INTIMIDADE ENTRE VÍTIMA E

ENTREVISTADOS

Ben foi descrito como tendo sido uma criança muito alegre, ativa e sorridente.

Quando adulto gostava muito de brincar, sendo considerado pelos entrevistados como

hiperativo, por sua característica de sempre buscar por atividades que o entretivessem,

apresentava dificuldade em ficar sentado e para se concentrar em atividades, como

estudar. A mãe relatou que ele reclamava bastante de ter que cumprir suas

responsabilidades. Ben tinha habilidades com os relacionamentos interpessoais, era

comunicativo e extrovertido.

“Ele sempre foi uma criança bem ativa, assim hiperativa, brincalhona ...

sempre foi uma pessoa muito alegre, o tempo todo, não tinha hora nenhuma que ele não

estivesse alegre com os amigos, com a namorada, com os parentes” (Pai).

“Ele sempre foi uma criança de sorrir muito, sabe? Ele sorria muito, mas ele

chorava muito, ele reclamava muito, ele brigava mais. Ele gostava muito de festa, de

brincar ... E ele gostava muito, muito de brincar, era muito sociável com todo mundo”

(Mãe).

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“Ele estava sempre querendo brincar, sempre querendo um entretenimento,

sabe? Sempre, sempre” (Mãe).

“Era uma pessoa que gostava demais de criança, ele estava sempre junto,

brincando ... ele sempre falava que não queria crescer, que queria ser sempre criança,

ou seja, queria sempre estar naquele ambiente mais inocente” (Pai).

“Ele era um menino extremamente amoroso, cuidadoso com todo mundo, sabe?

Assim, uma paixão diferente com criança” (Mãe).

Ben apresentava características marcantes, como ser sociável. Nota-se que ele

tinha uma relação peculiar com crianças, o ambiente infantil lhe era agradável, guardava

os brinquedos que tinha desde pequeno e gostava de brincar com eles e com as crianças.

Gostava de jogar videogame com os amigos. Esse comportamento unido a outros

comportamentos característicos de Ben revela esse favoritismo pelo ambiente infantil.

De acordo com o pai, Ben chega a falar que não gostaria de crescer, por gostar

mais desse ambiente infantil. Essa característica revela um padrão encontrado por Smith

(1983) e Smith and Eyman (1988) citados em Gabbard (1998) em pessoas que fizeram

tentativas sérias de suicídio. Esses autores perceberam que existia em muitos sujeitos

pesquisados uma incapacidade de abandonar desejos infantis de cuidados associado ao

conflito pelo fato de ser francamente dependente. O desejo de não crescer, a

característica marcante de gostar muito de crianças, de passar horas brincando com

crianças em festas familiares, de gostar muito de jogar videogame, leva-nos a ponderar

que Ben pudesse ter essa incapacidade de abandonar desejos infantis de cuidados,

concomitante, com o conflito por ainda ser dependente.

“Ele tinha sede a noite, os dois [a irmã e Ben] tinham sede. Ela levantava e

bebia a água dela. Ele tinha oito, nove anos. Ele nunca levantava e bebia a água dele.

Ele sempre me chamava, enquanto eu não fosse lá, ele não tomava água. Eu falava:

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Ben a água tá aí no cantinho, tá aí no criado, pega a aguinha e toma. “Não tá escuro.

Não, eu quero que você me dê”. Enquanto, eu não levantava, ele acordava a casa toda.

Se a cobertinha dele caía, enquanto eu não levantava e cobria ele, ele não se cobria,

sabe? ” (Mãe).

Desde criança Ben demonstrava a dependência exigente e voraz em relação aos

outros. Ben exigia que a mãe acordasse a noite para cobri-lo e para lhe dar a água, o que

denota que ele projeta nos outros a responsabilidade por satisfazer todas as suas

necessidades.

“Fomos atravessar a rua e eu falei: Olha, todos os dois (Ben e a irmã) juntinhos

de mim aqui ... Quando ele solta da minha mão e atravessa ... eu peguei na mão dele e

falei: Ben, não pode fazer isso, meu filho. Olha o perigo do carro ... ele virou para

mim, começou a chorar e me deu um chute. E, falou assim: Você é uma burra” (Mãe).

Ben recusava-se obedecer a regras e ser repreendido. Na cena anterior, percebe-

se que Ben agrediu física e verbalmente a mãe, colocando nela a responsabilidade pelos

seus erros. Ele não aceita que sua mãe possa entender que atravessar a rua sozinho seja

um mau comportamento, projetando na mãe o seu erro e chama-a de burra. Esse tipo de

comportamento continua até a idade a adulta a ponto de a mãe relatar se sentir

dominada pelo filho, pois ele explodia ao não ter suas necessidades satisfeitas,

frustrando-se facilmente.

“Ele bem pequenininho ... às vezes eu sentava com ele, eu buscava ele da rua

até seis vezes em uma sentada de tarde ... para estudar. Muito inteligente e tudo, mas

não gostava daquela disciplina, daquela obrigação, daquele sistema de sentar e ter que

focar no estudo” (Mãe).

“Ele estuda e às vezes ... não concentra direito” (Pai).

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“[Ben] Era diferente, era uma pessoa hiperativa, tinha mais facilidade de

relacionamento ... Ele tinha personalidade e essas coisas, não gostava muito de estar

estudando” (Pai).

Outra característica demarcada no comportamento de Ben era que ele não se

concentrava nos estudos e era hiperativo, sempre buscava coisas novas para evitar o

tédio. Os pais relatam que academicamente Ben, ainda criança, estava se distanciando

das notas da irmã, pela dificuldade de manter sua atenção voltada para os estudos. Ao

contrário de outras atividades, como jogar videogame e brincar, em que conseguia ficar

por horas. Apesar da dificuldade e do esforço requerido para continuar e terminar os

requisitos exigidos na escola e faculdade, como escrever a monografia, isso não

impossibilitou que ele conseguisse ter êxito, tendo concluído o ensino superior.

Ben foi uma criança que apresentou dificuldade para focar em atividades que lhe

exigiam um considerável esforço de concentração. Quando o pai o descreve como tendo

personalidade, o faz no sentido de que Ben fazia o que queria fazer e não aceitava ser

contrariado. A mãe confirma essa observação do pai ao relatar que Ben fazia o queria,

ainda que ela e o pai não concordassem, pontuando que todas as necessidades dele

tinham que ser gratificadas.

Além das características de Ben, buscou-se compreender como era a relação dos

entrevistados com ele. O pai e a mãe consideraram ter pouca intimidade com o filho

para assuntos pessoais, categorizando o nível de intimidade numa escala de 1 a 10 em 3

e 7, respectivamente, segundo o roteiro da entrevista (Tópico 3).

“Era muito difícil a gente conversar assim. Nisso aí era mais fechado assim, eu

com ele e ele comigo, né? Então, a gente... Não sei às vezes conversava mais com a

mãe do que comigo” (Pai).

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“Uma coisa que a gente sempre teve dificuldade, todos nós lá em casa, tivemos

dificuldade de conversar com Ben” (Mãe).

“[A intimidade] Era fraca, sempre que a gente ia conversar com ele, ele se

recusava, ele ficava bravo, ele ficava bravo a ponto de eu me sentir dominada. Sabe

como é? ” (Mãe).

Nota-se que Ben não era de expor seus sentimentos para os pais. Nessa

perspectiva, entrevistar outras pessoas, como a irmã, amigos ou a namorada poderia se

mostrar bastante útil para tentar ampliar a compreensão de aspectos emocionais de Ben,

que não foram compartilhados com os pais. Esse dado aponta para o aspecto descrito na

revisão bibliográfica de que os pares podem trazer informações úteis que podem ser

desconhecidas pelos pais.

Para compreender outras características de Ben, passaremos ao próximo tópico

referente aos aspectos clínicos de Ben.

FATORES CLÍNICOS DA VÍTIMA

Afetividade e comportamento

Nos três meses anteriores ao suicídio, o humor de Ben foi descrito como

depressivo e irritável. Também estava mais quieto e preocupado.

“A gente via que ultimamente ele estava mais preocupado, mais triste, mas uma

coisa assim comum, para pessoas que estão estudando para concurso” (Mãe).

“Olha, em casa ele estava mais quieto ... a gente sentia que ele estava mais

preocupado, mais preocupado do que em outras épocas, mas a gente atribuía isso,

porque ele estava melhorando nos estudos dele, no resultado do concurso” (Pai).

“... o Ben tem andado triste e tal ... Eu percebi que ele estava abatido” (Mãe).

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“Eu notava ele mais triste ... Eu o percebia mais triste, tanto é que foi aonde eu

comecei a ficar inquieta e conversar com ele a respeito de procurar um tratamento”

(Mãe).

“Às vezes a gente ia conversar com ele, perguntar alguma coisa, ás vezes ele

alterava a voz” (Pai).

“Parecia que estava mais irritado” (Pai).

“Falou um dia ... que estava tendo problema, que não estava dormindo direito”

(Pai).

“Ele estava queixando que ele não estava dormindo bem que ele estava

aprendendo pouco, sabe? ” (Mãe).

“Toda vez que a gente ia conversar com [ele], [ele] explodia. Ele era

explosivo” (Mãe).

A irritabilidade aumentou nos últimos meses. Ben alterava a voz quando era

contrariado, provocando na mãe a sensação de ser dominada por ele e não saber como

fazer para conversar. Esses comportamentos sugerem que havia uma tendência a

responder aos eventos com ataques de ira.

Cumpre-se registrar que após a morte de Ben, sua mãe encontrou Ritalina em

seu armário. A Ritalina é um estimulante do sistema nervoso, que tem sido indicado

para o tratamento do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e para

depressão em idosos. Essa medicação tem sido indevidamente utilizada por estudantes,

inclusive, por pessoas que estão estudando para concurso com o objetivo de aumentar a

concentração, diminuir o cansaço e aumentar a retenção de informações. Entre os

efeitos colaterais dessa droga podemos indicar insônia e nervosismo. O uso da Ritalina,

também, pode ter contribuído para exacerbar ou originar esses sintomas em Ben.

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“Mas aí, nós achamos aquela Ritalina que ele estava tomando, certamente foi o

neurologista que passou para ele, né? Mas, eu não achei receituário, como ele tinha

amigos médicos, também, devem ter passado, não sei” (Mãe).

O comportamento explosivo de Ben foi associado ao ambiente doméstico, já nas

relações com outros familiares, amigos e com a namorada foi relatado que ele

apresentava um humor mais expansivo, sempre alegre. O pai relatou que uma amiga

psicóloga dele havia dito que ele tinha “sintomas de bipolaridade” (sic). Evidencia-se

que havia uma alternância entre a euforia e a irritabilidade. Contudo, a oscilação do

humor de Ben mostrava-se no contexto em que ele está inserido. No ambiente

doméstico, Ben se apresentava mais irritado e em ambiente externo ele se comportava

de maneira mais eufórica.

No intuito de verificar indícios que sugeriam o diagnóstico de Transtorno

Bipolar ou Hipomaníaco foram feitas perguntas adicionais, baseadas na SCID.

Entretanto, não houve indícios suficientes que caracterizassem esse Transtorno de

Humor ou mesmo um episódio maníaco. Quando foi indagado ao pai se quando Ben

ficava alegre ele achava que era mais do que o normal, foi dito que não, nada fora do

normal. Ben estava com o humor depressivo e irritável, com dificuldades de se

concentrar, insônia, aparência abatida e isolamento, que poderia ter sido camuflado pelo

fato de ele estar estudando para concurso. Esses sintomas indicam a hipótese de

Transtorno Depressivo Maior (DSM-IV-TR, 2002).

O humor de Ben aparece de forma marcante, revelando muitos aspectos de sua

personalidade e dinâmica psíquica. Ben é caracterizado como brincalhão e como uma

pessoa que estava sempre sorrindo. O humor pode ser entendido de acordo com a teoria

psicodinâmica como um mecanismo de defesa maduro, uma saúde psicológica, “por

revelar a capacidade de fazer graça de si mesmo ou mesmo de divertir-se com a situação

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que se apresenta” (Gabbard, 1998, p.24). Entretanto, o humor nem sempre é usado

como um mecanismo de defesa maduro, como é sabido no Transtorno Bipolar o uso do

humor representa uma defesa maníaca no intuito de negar sentimentos persecutórios e

agressivos (Gabbard, 1998).

No dia anterior ao suicídio, a mãe e o pai relatam que Ben estava em uma festa,

bebendo, divertindo com os amigos e, diante disso, quem imaginaria que ele estivesse

sofrendo. Surge a hipótese de que o humor eufórico de Ben negava sentimentos e afetos

intoleráveis, não permitindo que uma posição depressiva emergisse na festa com os

amigos. Em casa, ele chora, fala que quer ficar sozinho e que quer por fim à vida para

acabar com os seus problemas. Ele deixa de negar os afetos intoleráveis. A defesa

maníaca que negava esses sentimentos cede e ele expressa a sua dor. A angústia pode

ter se ligado ao ressentimento devido às frustrações projetadas no outro, provocando

ódio. O impulso autodestrutivo de Ben, altamente agressivo, direciona-se para

aniquilamento desse outro. Matando-se ele se vinga desse outro persecutório, por lhe

causar sofrimento.

Ben consultou-se com um neurologista por estar com dificuldade de se

concentrar e de dormir. Também foi sugerido pelos familiares que Ben fizesse terapia,

pois ele não estava em tratamento psicológico.

“Ele procurou um médico. Ele foi direto ao neurologista [...] ele estava

queixando que ele não estava dormindo bem, que ele estava aprendendo pouco” (Mãe).

“[...] ele estava com uma consulta marcada, já estava marcado com o

neurologista, o neurologista pediu uma série de exames, que a gente, que estava por

acontecer ... e ele falava assim: Eu sei que isso não vai dar nada mãe. Isso é porque eu

brinquei demais, eu só vivia brincando” (Mãe).

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“Eu já tinha, a gente já tinha proposto à ele, vamos fazer uma terapia, vamos

procurar um médico, um terapeuta para você e tudo [...] Aí ele falava assim: Mãe, isso

é bobagem. Eu não vou mexer com isso não. ” (Mãe).

“Ela [a tia] conversou muito com ele, sabe? E falou assim: Ben, faça terapia

meu filho, todo mundo hoje em dia faz. Todo mundo... Aquilo que a gente não consegue

resolver sozinho, a gente tem que buscar ajuda mesmo [...] aí ele falou: Ah tia, então

está bom, eu vou fazer. Isso foi na quinta-feira, na segunda-feira ele partiu. ” (Mãe).

Além das alterações no humor, Ben queixou-se de sua dificuldade para se

concentrar nos estudos. O uso da Ritalina pode ter sido usado para auxiliar nessa

dificuldade. Apesar da rotina esperada para pessoas que estejam estudando para

concurso, percebe-se que a dificuldade de concentração para estudar não é um problema

pontual na vida de Ben. Em diversos momentos foi revelada a dificuldade de Ben de

lidar com atividades que lhe exigiam concentração e esforço. A mãe relata que Ben diz

que não havia o que tratar, pois o problema estava na forma em que ele sempre vivera,

querendo sempre brincar.

Cogitou-se como hipótese diagnóstica o Transtorno de Déficit de

Atenção/Hiperatividade, com tipo predominante Desatento. Esse diagnóstico apresenta

dificuldade de avaliação por se tratar de um exame retrospectivo de um adulto e sem

diversas fontes de informação. Alguns sintomas de Ben podem se associar a esse quadro

psicopatológico, como o fato de Ben ser explosivo com pequenas questões, a

dificuldade de priorizar obrigações importantes, como escrever a monografia ou focar

nos estudos, a flagrante dificuldade de concentrar e ser considerado diferente de todos

os outros irmãos por ser mais hiperativo. A dificuldade de concentração trouxe uma

dificuldade perceptível na vida de Ben, principalmente, quando ele diz aos entrevistados

que ninguém poderia ajudá-lo, pois esse era o jeito que ele sempre foi.

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A complexidade desse diagnóstico deve se unir a reflexão do contexto social de

Ben. Cabe ressaltar que a sociedade atual coloca exigências cada vez mais elevadas em

torno do sucesso profissional, o que pode influenciar que comportamentos normais

possam ser percebidos como supostos fracassos, por ser exigido um alto padrão de

rendimento. A atenção do indivíduo para ser bem-sucedido e produtivo de acordo com

esse padrão deve ser maximizada, não existindo um limite para a atenção, tornando

todos um pouco desatentos.

Diante do exposto, percebe-se que o humor deprimido e irritável de Ben, assim

como dificuldades de concentrar e insônia caracterizaram fatores importantes que

contribuíram para que Ben estivesse vivenciando um sofrimento cada vez mais

intolerável. Além desses sintomas, é necessário aprofundar no que poderia ter

funcionado como o precipitador do suicídio naquele momento. Assim, seguiremos ao

próximo tema.

PRECIPITADORES E ESTRESSORES

Não houve relato de nenhum evento precipitador/estressor imediato que tenha

acionado Ben para o suicídio. Havia relatos de uma cobrança de Ben em relação a sua

expectativa de passar em um concurso. Ele havia passado o dia anterior em uma festa

com amigos. Pode-se perguntar o que ocorrera nesta festa: Ele recebeu algum “fora”?

Sentiu-se rejeitado? Teve alguma situação de humilhação? Encontrou algum colega com

sucesso ou expectativa positiva de sucesso? Ben havia combinado de almoçar com a

namorada, a irmã e seu noivo. Não foi ao almoço e passou a tarde e início da noite na

festa. Entre estes eventos, pode-se questionar se Ben teve alguma experiência que lhe

impusesse o sentimento de menosvalia e que o levasse a se atacar de modo tão grave.

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“Há um certo tempo atrás ... ele ficou com a irmã, chorando no quarto dele ...

Ficaram conversando ... depois minha esposa perguntou para a [irmã de Ben]: O que é

que é? Aí ela falou: Não, é porque ele está meio assim, por meu pai, porque não passa

no concurso e estuda e às vezes tem... não concentra direito” (Pai).

“[...] o que ele estava passando, essas dificuldades ... esse sentimento dele mais

preocupado, mais triste e tudo, nós sempre atribuímos que era o dado momento que ele

estava encarando, ele estava sentindo que ele tinha que amadurecer ... o desejo dele

era de ter a independência dele, era de morar independente, de ter autonomia e tudo, e

ele ainda não tinha isso ainda ... Agora a gente notava que ele estava se cobrando

muito, porque todos estavam conquistando e ele ainda estava para trás, sabe?” (Mãe).

“Eu imagino que a cobrança que estava tendo... inclusive os amigos dele

falavam de cobrança ... dos amigos... A namorada está trabalhando, os amigos

começando a trabalhar ... ele... não passa em concurso, então esse negócio aí é uma

pressão que tem a própria sociedade. ... e ele se cobrava também. Então, isso é um

problema que talvez tenha desencadeado tudo” (Pai).

“Eu acho que a consciência dele estava se cobrando” (Mãe).

De acordo com os relatos, Ben poderia sentir que não conseguir passar em um

concurso era motivo de humilhação e autorrecriminação. Foi relatado em diversos

momentos que Ben se cobrava muito, que pode levar à desesperança, cognição de que o

futuro não melhoraria. Pela fala da mãe, Ben pontua sua descrença em relação aos

resultados dos exames pedidos pelo médico, apontando que eles não dariam em nada,

visto que ele acreditava que o problema dele foi de ter brincado muito. Isso pode indicar

a frustração dele com o seu desempenho e com uma visão de ser impossível mudar, uma

vez que a resposta estava num passado “mal vivido” e não no presente.

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A desesperança pode ter se unido a uma visão do self rigidamente mantida que

não foi modificada por ele. Ben se comparava aos outros, cobrando-se que deveria

passar em um concurso. Apesar das notas nas provas de concurso público terem

progredido, parece que isso não flexibiliza a sua expectativa em torno de seu

desempenho. Ben cobrava o resultado de ter um bom emprego como os seus amigos e

irmãos, mas não estava disposto a ter que se esforçar para alcançar essa meta. A

percepção da distância entre o que efetivamente era capaz de alcançar em um concurso

e o que necessitava poderia ser vivido como outro ataque a sua frágil autoestima.

Ben afirmava para a mãe que nunca iria mudar a sua forma de ser e negava que

tinha um problema. Essa negação pode ser percebida quando Ben não realiza os exames

pedidos pelo neurologista para verificar se havia algum fator clínico que pudesse ser

alterado com o tratamento e também quando se recusa a fazer terapia. Essas

possibilidades de tratamento envolveriam dele a responsabilização pelo autocuidado,

pelos seus atos e conquistas. Diante de sua percepção de que não poderia mais negar

que era ele o responsável por atender a suas necessidades, para além da mera

gratificação de desejos, matando-se, ele elimina a consciência de que não poderia mais

negar esses sentimentos e dificuldades.

Deste modo, a necessidade de obter um sucesso profissional, a pressão realizada

pela sociedade e por ele, abalou sua estabilidade emocional, provocando um forte

sentimento de desesperança, associada a uma rigidez do pensamento, carecendo de

flexibilidade e perspectiva. Uma possibilidade terapêutica com Ben seria averiguar se o

concurso público era o seu real desejo, ou se ele não estava sofrendo por tentar

corresponder a uma expectativa social e não dele. A desesperança pode se relacionar

com a possibilidade de que ele não queria passar em um concurso e trabalhar com algo

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que não satisfazia suas necessidades psíquicas, se esforçar para corresponder as normas

sociais pode ter ocasionado um grande sofrimento psíquico em Ben.

Ben pode ter sentindo raiva de si mesmo, por não atender a autoexigência e essa

raiva pode ter acionado o impulso suicida. Os sucessos na vida de Ben não modificaram

a forma como ele se percebia, sentindo-se um fardo para a família. Segundo o relato do

pai, na noite anterior, Ben diz que queria pôr fim aos problemas de sua vida e, para isso,

a solução era pôr fim a vida. Percebe-se com essa fala que Ben não via outra maneira de

acabar com o seu sofrimento, que se tornou intolerável. O suicídio representa a

desistência de Ben de lutar contra esse sofrimento insuportável, a consciência de que ele

não poderia mais negar que tinha problemas. Com a persistência das dificuldades, sua

tolerância diminuiu e a sensação de ser um fardo aumentou.

Para Ben nada poderia ser alterado, convicções muito arraigadas, não permitiram

que outra forma de pensar fosse escolhida, como considerar uma escolha profissional

coerente com quem ele era. Restou diante de um sofrimento imensurável aliviá-lo pela

fantasia da morte. Ben, provavelmente, acreditava que não teria sucesso na vida ou

mesmo que para consegui-lo exigiria um esforço imenso. Não se tratava somente de

passar em um concurso público, as dificuldades não acabariam, porque viver era difícil,

crescer dentro do pressuposto normativo lhe era muito difícil. Suportar outro dia com

essa dor, foi impossível.

COMPORTAMENTOS SUICIDAS

No dia anterior ao suicídio, Ben fala ao amigo sobre como deveria ser o seu

sepultamento. Ao chegar em casa, ele expressou que estava sofrendo muito e queria que

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esse sofrimento terminasse, apresentando a fala de que queria dar um tiro na cabeça

para pôr fim aos seus problemas.

“... ele chegou em casa chorando, chorando ... Ele falou: Não, tem hora que dá

vontade de comprar um revólver e dar um tiro na cabeça, que acaba com esses

problemas todos. Falei: Que isso cara? Que história maluca é essa? Aí ele...

Começamos a conversar outras coisas lá e ele: Não, pai, desvia o rumo da conversa

não. Falei: Não estou desviando, eu estou tentando contemporizar, porque você falando

um troço desses” (Pai).

“Ele falou com um amigo dele ... Pois é no dia do meu sepultamento eu não

quero ninguém chorando. Eu quero todo mundo com uma latinha na mão. Uma cerveja

na mão. E no outro dia de manhã ele...” (Mãe).

“Nesse dia inclusive que ele chegou em casa ele falou: “Olha pai, tem muitos

amigos que tem, e colegas que tem inveja de mim, porque eu tenho tudo em casa. Tenho

todo apoio, tem tudo” (Pai).

Nota-se que Ben já apresentava um planejamento para morrer, ao falar para o

amigo sobre como gostaria que fosse o sepultamento. Na noite anterior ao suicídio, Ben

reconhece ao pai que tinha tudo, inclusive o apoio da família. Ben podia sentir que a sua

morte de certa forma aliviaria o fardo que ele acreditava ser para a família, além do peso

que a vida lhe representava. Ambas as falas remetem a preocupação de que as outras

pessoas fiquem bem, não se culpem. A fala dele para que os outros não chorassem,

aponta que Ben não tinha como alvo consciente causar sofrimento aos sobreviventes.

Entretanto, esse desejo de não causar mal aos outros não o protegeu de seu impulso

autodestrutivo e agressivo em relação aos outros.

“... teve uma vez ... que... ele e a namorada ... terminaram... E, agora depois

desse ocorrido... na época ele ficou desolado, né? Ele chorava muito ... e .... uma amiga

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dele contou para gente agora, que na época ele falou para essa amiga lá que dava

vontade de se matar, teve vontade de se matar” (Pai).

Além do dia anterior, houve o relato de que há anos ele tinha falado que teve

vontade de se matar após romper o namoro. Não houve nenhum relato de tentativa de

suicídio anterior. Apesar de não haver evidências de uma carreira suicida, ele já havia

expressado diante de uma situação de crise que o suicídio lhe parecia uma saída

possível.

“Não. Nunca... Se ele tentou alguma coisa, ninguém nunca... nunca foi

perceptivo, nunca deixou rastro” (Pai).

“Não (teve outra tentativa), que a gente soubesse, não” (Mãe).

Ben estava passando por um sofrimento intenso. Os entrevistados perceberam

que ele estava diferente, estava mais triste e mais irritado nos últimos meses. Apesar dos

sinais que o seu funcionamento estava significativamente afetado, e das comunicações

sobre a ideação suicida, é grande a dificuldade de mapear o risco de suicídio por pessoas

que não sejam profissionais da área de saúde. Na prática observamos que a maioria dos

profissionais tem dificuldades de avaliar o risco de suicídio (Montenegro, 2012;

Camarotti, 2009). A avaliação de um profissional especializado poderia mapear a

seriedade do sofrimento de Ben e a gravidade do risco de suicídio. Passemos ao método

do suicídio, para aprofundarmos na questão de planejamento e intencionalidade de Ben.

MÉTODO DO SUICÍDIO: LETALIDADE, PLANEJAMENTO E INTENCIONALIDADE

Ben se enforcou em seu quarto. Ele faleceu pela manhã, no período em que a

família ainda estava dormindo.

“Eu que encontrei. Eu ouvi quando ele levantou, era uma seis e meia da

manhã. Aí eu levantei, não quis acender a luz do quarto, e fui até a cozinha ver ele. As

horas... Eram 6:35. Eu vi quando ele foi ao banheiro, quando ele foi na cozinha ... Aí

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quando deu quinze para as sete, eu escutei quando ele fechou a porta, depois eu escutei

um outro barulho... deu 7:30 e ele não tinha aparecido na cozinha ainda. Eu falei:

Aconteceu alguma coisa, eu vou lá ver o que está acontecendo. Eu falei: Será que ele

voltou para a cama e dormiu? Eu cheguei lá, ele estava morto e enforcado” (Mãe).

O tempo que Ben levou para realizar o ato pode expressar a ambivalência dele,

uma vez que ele se enforcou no horário que a mãe estava prestes a acordar. Além disso,

a porta do quarto estava destrancada, não impedindo que alguém entrasse, o que pode

representar a última tentativa dele de ser salvo. Por outro lado, o fato dele ter passado o

dia todo bebendo, provavelmente, não ter dormido durante a noite sugere que ele não

poderia ter tido condições de pensar nesses detalhes e ter agido por impulso.

Depois de ele falar sobre a sua intenção de pôr fim à vida para dar fim aos

problemas, diz ao pai que iria pedalar. O entrevistado percebeu o risco de que Ben

fizesse algo contra si próprio e negou deixá-lo sair, o que poderia ter abortado uma

possível tentativa de suicídio. Contudo, a intenção de efetivar a morte persistiu e Ben se

enforcou. Dessa forma, ainda que não fosse o método que tivesse sido escolhido

previamente, Ben utilizou o método disponível e de fácil acesso.

A escolha do método para se suicidar é bastante significativa. O enforcamento

apesar de deflagrar um método de alta letalidade, nesse caso, nos direciona a uma

especificidade da dinâmica psíquica de Ben: exprime um autoabandono extremo. Ben

desistiu de si. A intenção de se matar se manifesta tanto pela escolha da forma de

suicidar quanto pela comunicação explícita da ideação suicida. Ele poderia a qualquer

momento rever seu ato que culminaria na morte, mas não o fez. A luta entre os impulsos

destrutivos e conservadores foram travadas durante toda a noite, até que o conflito

dirimiu e Ben recorreu à morte como única possibilidade de ação ou de inatividade. Ben

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não conseguiria suportar outro dia, assim, era preferível suportar a dor da morte,

enforcando e eliminando a dor psíquica.

“Ele tinha bebido naquele dia, ele tinha passado aquele dia com os amigos e

depois, na casa do amigo dele ... tinha passado lá o dia todo e eles beberam” (Pai).

Ben passou o dia anterior bebendo em uma festa com amigos. O uso do álcool

pode ter funcionado para amenizar o sofrimento que estava sentindo durante o dia. Ao

mesmo tempo pode ter sido usado para aliviar a angústia por estar planejando o

suicídio. Uma das propriedades do álcool é baixar a qualidade do julgamento, que na

presença de pensamentos negativos, sentimento de menosvalia, afetos intoleráveis

levando ao desespero, necessidade de gratificação imediata e impulsividade, culminou

no suicídio.

IMPACTO DA MORTE NOS SOBREVIVENTES DE SUICÍDIO

Falar sobre o suicídio dos filhos foi um momento de muita comoção. Em ambos

os relatos houveram pausas, choros contidos e expressos. Observa-se que essa

experiência é traumática e terrível, afetando a vida dos envolvidos de diferentes

maneiras.

“Eu não sei nem se tem como descrever isso aí [o impacto da morte]. É ... de

uma hora para outra você vê uma... Você convive... O cotidiano ali ... Aí de uma hora

para outra, sem mais nem menos, a pessoa deixa de pertencer ao convívio com a gente.

Então, essa experiência é terrível” (Pai).

“Tem dia que ás vezes eu acordo assim com nó, parece que já está tranquilo a

situação. Mas, tem dia que... Mas é isso aí. E a gente está levando a vida” (Pai).

“Olha o que eu quero é não sentir essa saudade, porque no resto eu acho que a

gente vai conciliando ... Agora a saudade não tem jeito” (Pai).

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“Eu ainda tenho muita dificuldade de entrar no quarto dele, olhar pela janela

aonde ele amarrou o cinto. Para mim foi muito difícil. Eu não sei assim, se eu estou

cultivando muito a perda do Ben, ou se é normal passar pelo o que eu estou passando”

(Mãe).

O suicídio imprime um luto diferenciado aos sobreviventes. Além disso, o luto

parental é um luto que revela uma tragédia, uma perda cruel. Tanto o pai como a mãe

tiveram dificuldades de falar sobre o impacto do suicídio. Os entrevistados

manifestaram algumas resistências ao se abordar esse tema, por se tratar de um

acontecimento ainda permeado de muita angústia. A emoção associada ao evento foi em

muitos momentos da entrevista inexprimível.

Durante a entrevista, a mãe buscou saber se o que ela estava passando era

normal, se naquele momento ela já não deveria estar melhor, o que denota que além da

vontade de que a dor diminua, existe a influência da cultura nos rituais e no próprio

processo de luto individual. A nossa sociedade demanda que o luto seja rápido. Além

disso, o estigma associado ao suicídio faz com que o modo da morte seja ocultado.

“O que eu posso dizer é que não é muito fácil encarar e tolerar um pai, uma

mãe que perdeu um filho nas condições que nos perdemos. Nas pessoas, a gente sente

que as pessoas até evitam” (Mãe).

É evidente nesse relato que o luto parental e o luto por suicídio aumentam a

dificuldade do luto pela vivência da perda do objeto de amor com alto vínculo afetivo e

pela morte ser inesperada e violenta. Tolerar a angústia pela dor do outro, pelo

sofrimento imensurável pode gerar nos outros a fuga desse assunto, que provoca uma

falta de apoio a esses enlutados, a falta de um espaço de escuta, que pode levar a

configuração do silêncio, que como visto pode gerar sintomas patológicos nos

sobreviventes pela carga emocional que fica guardada.

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A comunicação é fundamental, contudo, a mãe em muitos momentos não

expressa sua dor, relata que a sua filha estava prestes a ter um bebê, e que não queria

trazer essa dor nesse momento. Esse contexto inibe que a entrevistada fale abertamente

de seu sofrimento aos familiares, podendo inibir o processo saudável, e que de outra

forma pode tornar a elaboração do luto ainda mais complicada.

O trabalho de luto é um teste de realidade, devido à necessidade de constatar que

a perda ocorreu de fato e, agora, tem que viver sem a pessoa amada. Verifica-se

mediante alguns relatos a fase de busca, natural do processo de luto, havendo a ilusão de

que a pessoa não tenha morrido, e que eles encontrarão Ben em algum lugar.

Outro ponto marcante nas entrevistas foram os diversos sentimentos que

estavam fazendo parte do luto dos entrevistados, como sentimento de culpa, de

abandono, além do pensamento de não entenderem o porquê do suicídio. Esses

sentimentos apontam para o legado singular desse modo de morte.

“E a gente procurando saber o que foi que a gente fez de errado, o que quê

deixou de fazer, né? Então, é esse tipo de coisa que hoje martiriza a gente né” (Pai).

“... tudo assim, eu acho que eu tinha que ter feito mais” (Mãe).

“... até o que você deixou de dizer, hoje a gente se cobra” (Mãe).

“... a gente não alcançou o Ben, as coisas que a gente fez, a gente não alcançou

... a necessidade dele, as angústias dele, sabe? ... Queria ter alcançado” (Mãe).

“... eu acho que deveria ter chamado ele para conversar e ter sido mais amiga,

sabe? Eu sempre acho que talvez isso tenha sido uma falha” (Mãe).

“Agora é terrível, Tatiane, porque aquelas mínimas coisas, sabe, até assim, o

tchau, vai com deus meu filho, parece que a gente tinha que ter feito diferente, a gente

tinha que ter ido lá, abraçado e falado, sabe? Parece que a gente, que isso aí foi pouco,

sabe como é? (Mãe).

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“Sentimento de culpa eu não tenho, então eu acho que isso não vai me

martirizar” (Pai).

O sentimento de culpa foi bastante reiterado no discurso da mãe, já o pai

expressa que não se sente culpado. Entretanto, percebe-se que em alguns relatos o pai

encobre o sentimento de culpa. Essa característica pode estar ligada com a

personalidade de cada um. O pai apresenta uma postura mais racional, intelectualizando

o seu sentimento de culpa.

“Então a gente está tentando conviver, e tentando entender, e procurando

forças em situações de pessoas que também tiveram situações de perda de filho” (Pai).

O pai relata já ter conversado com outros pais que perderam filhos e que

descreveram que a dor nunca acaba, o que revela que o processo de luto nunca está

totalmente concluído. A fase de choque e desespero com o tempo diminui, mas diversos

momentos podem evocar a tristeza e anseio pela perda, mesmo tendo se passando

muitos anos.

“... você nunca acredita que um negócio desse vai acontecer, nunca, você

nunca imagina que tem uma, a gente não conseguiu perceber, a gente até hoje não

conseguiu perceber, sabe? ” (Mãe).

“Ela [a namorada] até hoje tadinha, está sem entender, está sofrendo muito.

Muito, muito” (Mãe).

“A impressão que a gente tem é que talvez ele nem quisesse provocar aquilo, de

repente, fazer só uma tentativa, uma coisa e deu certo a tentativa” (Pai).

Novamente, a necessidade de responder ao porquê do suicídio se apresenta como

um fenômeno predominante no processo de luto dos entrevistados. Tentar compreender,

justificar, encontrar as explicações para que Ben tivesse se suicidado. Essa sensação

pode ser melhor elaborada com informações sobre o suicídio. Nessa perspectiva,

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percebe-se que existiram muitas dúvidas dos entrevistados e que tiveram no momento

da entrevista um espaço para receber algumas informações sobre o fenômeno do

suicídio.

O suicídio de Ben afetou profundamente não somente vínculos próximos, como

os pais, irmãos e amigos próximos, mas tios, colegas mais distantes. Esta experiência

fez com que vários familiares e amigos procurassem ajuda profissional para auxiliar a

lidar com a perda.

“E uma coisa que está me preocupando muito são os meus outros filhos ... eles

vão lá para casa, eu vejo que eles ficam menos tempo. E esses dias eles falaram para

mim: Mãe está difícil que a gente venha aqui ... a gente vê o quarto do Ben vazio,

sabendo que ele não está mais aqui e tudo aconteceu ali ... eu já cogitei a possibilidade

de até mudar daquela casa” (Mãe).

“Está assim, muito presente em todo mundo” (Mãe).

“Não teve uma pessoa que não tivesse, assim, ficasse comovido com a

situação... tem tios que ficaram deprimidos, foram procurar psicólogo. Irmãos,

também, procurando psicólogo. Amigas procurando... namorada. Pessoas que até hoje

... Ainda não conseguem, ainda não conseguiram segurar isso aí ... Tem uns amigos que

... foram no quarto dele, foi um chororô danado” (Pai).

O intenso legado do suicídio não se limita aos impactos que o suicídio provocou

nos entrevistados. O alcance dele é um fator preocupante. Percebe-se nesse caso a

extensão de pessoas que foram afetadas intensamente pelo suicídio de Ben. A morte de

uma pessoa nova, aparentemente bem-sucedida, com uma vida de possibilidades, de

promessas de alegria e de sucesso, particularmente, alcança em cada sobrevivente o

encontro com a morte, com o impulso autodestrutivo e com a liberdade de fazer

escolhas. O suicídio faz parte da decisão de Ben em acabar com seu o sofrimento, mas

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que, inevitavelmente, trouxe uma nova dor psicológica que os sobreviventes de suicídio

poderão carregar por toda vida.

REAÇÕES DOS ENTREVISTADOS EM RELAÇÃO À ENTREVISTA E OUTROS

COMENTÁRIOS

A experiência da entrevista despertou variados sentimentos nos entrevistados.

Em alguns momentos, os entrevistados ficaram abalados por estarem falando sobre esse

tema tão delicado, necessitando que a pesquisadora lidasse com a demanda que surgiu,

deixando o roteiro da entrevista. Entretanto, os entrevistados em nenhum momento

quiseram parar com a entrevista. Quando indagados, reafirmaram o desejo de continuar.

Esse fato evidencia que a entrevista mobilizou temas difíceis e ansiogênicos, mas por

outro lado abriu espaço para se falar abertamente sobre o tema, funcionando como

oportunidade de catarse e de resolver dúvidas que os angustiavam. Os entrevistados

ressaltaram a necessidade de contribuir para auxiliar outros sobreviventes de suicídio.

“... eu quero contribuir, porque de repente o que eu estou falando aqui vai

servir para outros casos, sabe? Vai ajudar outras pessoas” (Mãe).

“Espero que a gente tenha contribuído com o seu trabalho e que isso possa

servir para família, né?” (Pai).

Alguns outros comentários foram feitos referentes à necessidade de que grupos

de suporte para sobreviventes de suicídio fossem criados e que houvesse divulgação na

mídia sobre medidas preventivas para o suicídio, alertando possíveis riscos para que as

pessoas pudessem identificá-los.

“Hoje eu não sei como é que vocês têm grupos de famílias, que estão na mesma

situação da gente e que, se vocês tem assim uma... Uma ideia de formar algum grupo,

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alguma coisa para direcionar e inclusive, sei lá, programas de televisão, esclarecer

para famílias, que igual nós fomos ignorantes na condução disso aí, para que elas

fiquem alertas para esse tipo de coisa, e de repente correr a tempo né, antes que

aconteça isso né” (Pai).

A fala desse pai remete a uma questão imprescindível do suicídio: a necessidade

de que políticas públicas sejam elaboradas para prevenir o suicídio, ou mesmo a

disponibilização de suporte para lidar com esse tipo de perda. Diversos organismos

como a Organização Mundial de Saúde reiteram essa necessidade, postulando o suicídio

como uma questão de saúde e segurança pública.

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Capítulo 5- Conclusão e Reflexões Finais

O suicídio é um fenômeno que expressa uma dor psíquica que foi intolerável

para o suicida. Ao mesmo tempo ele marca o início de uma nova dor psíquica para os

sobreviventes de suicídio, que são impactados radicalmente pela morte inesperada e

violenta.

Avi morreu aos 64 anos, já idoso, Ben morreu aos 26 anos. Ambos se

enforcaram em casa, na madrugada de domingo para segunda, enquanto os familiares

estavam dormindo. O enforcamento é um método de alta letalidade e acessibilidade.

Uma das estratégias de prevenção do suicídio é o controle de meios, que visa dificultar

o acesso a métodos que possam culminar no suicídio. O fácil acesso a esse método é um

fator preocupante, uma vez que ele é um dos métodos mais utilizados por homens e por

mulheres no Brasil.

Nos dois casos é nítida a alteração do humor nos meses anteriores ao suicídio,

sugerindo como hipótese diagnóstica o Transtorno Depressivo Maior. No caso Avi

houve o relato de humor deprimido, perda de interesse em atividades sociais,

retraimento social, além de relatarem que ele estava mais desesperançado e sentindo-se

culpado. No caso de Ben foi relatado humor depressivo e irritável, insônia, estava mais

abatido e quieto. Além disso, Ben apresentava o humor expansivo em ambientes de

festas e quando estava com amigos,sugerindo o uso do humor eufórico como defesa

maníaca para evitar sentimentos depressivos ou persecutórios.

A presença do álcool ocorreu de forma diferenciada nos casos. Apesar de não

haver indício do uso de álcool por Avi nas horas anteriores ao suicídio, ele foi uma

pessoa que apresentou uso mal adaptativo do álcool ao longo da vida. Os Transtornos

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Relacionados ao Álcool estão associados ao aumento do risco de suicídio, que podem

estar ligados a consequências psicológicas (DSM-IV-TR, 2002). No caso de Ben houve

a ingestão de álcool nas horas anteriores ao suicídio. A intoxicação com álcool pode ter

gerado em Ben alterações comportamentais e psicológicas, agravando sentimento de

tristeza e menosvalia, além de aumentar a impulsividade e o desespero.

Os eventos estressores associados ao suicídio de Avi foram: a notícia de que

teria que sair do local em que trabalhava, os sentimentos de culpa e remorso por ter ido

à falência e pelo comportamento com a esposa, e falta de uma rede de apoio. O

tradicional papel de gênero, em que a função do homem é ser o provedor econômico da

família, gerou em Avi um sentimento de fracasso, humilhação e perda de identidade ao

antecipar que não alcançaria o meio de sustentação da família. É perceptível como o

modelo hegemônico de masculinidade provocou sofrimento a Avi, que não conseguiu

se olhar no espelho com a perda dessa função tão central em sua identidade. Uma

sugestão de trabalho terapêutico seria refletir sobre esses modelos tradicionais de

gênero, ou mesmo flexibilizar novas possibilidades de obter renda para o sustento da

família. Afinal, o suicídio no idoso pode ter bastante influência da dificuldade de muitos

homens que ao se aposentarem ou perderem o emprego sofram muito por se perceberem

fora do modelo normativo de ser homem.

No caso de Ben, não houve o relato de evento estressor ou precipitador nas

semanas anteriores ao suicídio que pudesse ter alguma relação com o fato. Ben passou o

dia em uma festa com os amigos, talvez tenha acontecido algo que agravou sentimentos

desagradáveis, como o sentimento de humilhação, menosvalia ou vergonha por se

comparar com amigos que já tinham galgado algum sucesso profissional. O evento

estressor pode aumentar o desespero, a angústia e a dor psíquica, sendo um dos fatores

que entra no cenário psicológico do suicídio. No caso de Ben, a ausência de evento

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situacional agudo pode indicar que havia um alto nível de desesperança, e, assim, o

aparecimento de poucos eventos adversos, como encontrar com um amigo com muito

sucesso profissional, poderia levar a um grau de perturbação extrema.

Apesar de Ben ter explicitado que queria se suicidar e o fez na sua primeira fala

aos pais, Avi ameaçou várias vezes e só o fez décadas depois da primeira ameaça.

Como saber que naquele momento exato eles iriam se suicidar? Se o suicídio tivesse

sido abortado ou interrompido, como saber se eles tentariam novamente? Essas

indagações remetem à necessidade de que o risco seja avaliado para que medidas

eficazes sejam realizadas a fim de reduzir o risco de suicídio.

Ambas as vítimas não estavam em acompanhamento psicológico, o que poderia

ter verificado o risco de suicídio e possibilitando que novas soluções fossem

encontradas. Afinal, a dificuldade de alternativas para a solução dos problemas fez com

que ambos encontrassem no suicídio a sua saída. É preciso na clínica psicológica

identificar e monitorar as dinâmicas psíquicas, os pensamentos e contextos que acionam

o sistema de crenças suicidas e que geram comportamentos suicidas, revertendo esses

fatores de riscos através, também, do aumento da tolerância a angústia e frustração.

Quanto ao impacto do suicídio nos sobreviventes, percebe-se que o luto por

suicídio apresenta singularidades como estigma, vergonha, constrangimento, culpa,

configuração do silêncio, o reexame persistente sobre o que teria levado a vítima a se

suicidar. Também foram relatados sentimentos de desespero, raiva, revolta, remorso e

ressentimento. Constatou-se que as consequências do suicídio tiveram uma longa

duração, pois mesmo transcorridos 28 anos do suicídio de Avi, vários sentimentos ainda

estavam presentes. As entrevistas com os pais de Ben evidenciam que o impacto do

suicídio recente do filho provoca profunda dor. Falar sobre o impacto da perda para eles

foi um momento que despertou ansiedade, necessitando que pausas fossem feitas

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durante a entrevista, mostrando que ainda estavam vivendo uma fase carregada de dor

excruciante.

O impacto do suicídio alcançou um grande número de pessoas em ambos os

casos e atravessou gerações no caso Avi. Percebe-se que a transgeracionalidade do

comportamento suicida ocorre por mecanismos próprios de transmissão de padrões de

comportamento e funcionamento da família, podendo deixar na configuração da família

valores que a descreditam como fonte de apoio, possibilitando que o comportamento

suicida possa ser repassado a outras gerações. O desconhecimento desses padrões de

transmissão de comportamentos gerou na família de Avi a construção de mitos, como os

comportamentos suicidas advirem de obsessão em família.

Outra característica observada nos entrevistados foi a configuração do silêncio,

ou seja, o sigilo que em relação aos suicídios, que dificulta uma comunicação saudável.

O silêncio pode ser em relação ao falecido, em que não se fala sobre ele, e o segredo

que omite o modo da morte para outras pessoas. Constatou-se a utilização de estratégias

e justificativas para não se falar sobre o falecido. Grupos de suporte, com outras pessoas

que passaram por essa experiência, podem promover espaço para que a pessoa exponha

a sua história, obtendo o apoio no processo de luto.

A vivência da perda é influenciada por diversos fatores individuais e culturais. O

processo de elaboração do luto é afetado pelo fato da morte ser por suicídio. Apesar de

o luto ser um processo que não termina, reações patológicas ou mesmo o risco de

comportamentos suicidas deve ser monitorado para que intervenções terapêuticas

possibilitem que a pessoa entre em contato com a perda e expresse os seus sentimentos,

como forma de elaborá-los.

A entrevista semiestruturada mostrou-se eficaz na comunicação com os

sobreviventes por contemplar temas previamente selecionados, mantendo a postura

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clínica de escuta. A habilidade clínica do entrevistador facilita o uso da entrevista, pois

ele terá que lidar com assuntos ansiogênicos e que despertem eventuais vulnerabilidades

nos entrevistados. Também estar familiarizado com o tema auxilia que perguntas sejam

bem exploradas e de forma natural.

Os cuidados éticos refletidos ao longo desse trabalho pautaram o caminhar desde

a construção de um referencial teórico que atentasse para as possíveis vulnerabilidades

dos entrevistados até o momento de reflexão sobre cada vivência. A autópsia

psicológica ao ser pensada para facilitar a comunicação com os sobreviventes, além do

seu objetivo inicial de coletar informações sobre o suicida e sobre o impacto do suicídio

fez despertar uma nova possibilidade de uso: como ferramenta terapêutica para os

sobreviventes do suicídio. Falar sobre o falecido, falar sobre a vivência do luto por

suicídio possibilita um momento catártico, de fala autêntica, que aborda assuntos

correlacionados a esse fenômeno. Também possibilitou a expressão de um sentimento

altruístico: todos os entrevistados afirmaram que a entrevista lhes ofereceu uma

possibilidade de ajudarem outras pessoas por meio do relato de sua experiência. Esse

sentimento, também, pode ser uma maneira de sublimar parte do desejo de reaver o ente

querido pelo ideal sublime de ajudar ao outro.

A entrevista utilizada para autópsia psicológica, aberta à escuta clínica também

tem uma função terapêutica. É um espaço, talvez, nunca obtido antes para comunicar

sentimentos ambivalentes, medos, dúvidas e o sofrimento que muitas vezes foi

silenciado ou mesmo desprezado. O receio de realizar autópsia psicológica, por julgar

que ela provocará situações ansiogênicas, nessa perspectiva, não tem fundamento, pois a

clínica psicológica em qualquer situação coloca o profissional diante de situações que

possam despertar vulnerabilidades para que a situação possa ser enfrentada e superada.

O receio de falar sobre o suicídio não justifica a negativa referente a esse tipo de

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avaliação, ao contrário, nos remete novamente aos estigmas em torno do fenômeno.

Qualquer que seja o conflito psíquico, qualquer a situação que possa ter ocorrido, o

trabalho do psicólogo estabelece o espaço para se falar sobre todo tipo de dificuldades e

de experiências traumáticas. É preciso que o terapeuta esteja preparado para ouvir, e

ajudar a pessoa a expor todo seu sofrimento, fazendo intervenções necessárias, de forma

que ela possa compreender sua experiência, ressignificá-la diante de sua nova

compreensão e seguir a vida adiante.

As informações obtidas puderam ser consubstanciadas pelos referenciais

teóricos e possibilitaram a análise da relação do entrevistado com a vítima. A entrevista

semiestruturada proporcionou um espaço de fala autêntica sobre o suicida e sobre a

vivência do luto por suicídio. Para a proposta desse trabalho, as informações obtidas

pela entrevista fundamentaram o entendimento dos casos, atendendo aos objetivos

propostos de compreensão de fatores psicossociais que contribuíram para o suicídio e

do impacto da perda e a vivência do luto por suicídio.

Essa avaliação psicológica realizada retrospectivamente apresentou um alto grau

de complexidade, pois a compreensão da experiência do suicida foi pretendida pelo

relato de terceiros, o que faz com que características ou mesmo sintomas subjetivos

possam não ter sido revelados pelo suicida aos entrevistados. Além disso, há que se

considerar a possibilidade do viés de cada entrevistado, que tem sua percepção da

vítima colorida pelas características das relações que tem com ela, a exemplo da

diferença de percepção que as duas irmãs tinham do pai, Avi. Portanto, um maior

número de informantes poderia trazer informações adicionais sobre a vítima, como

entrevistar outros filhos de Avi ou a irmã ou a namorada de Ben.

Os estudos de casos se mostraram válidos pela possibilidade de revelarem como

o impacto do suicídio deixa um intenso legado aos sobreviventes, alcançado uma

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extensa quantidade de pessoas e gerações. Os relatos permitiram sugerir dinâmicas

psíquicas das vítimas que atuaram juntamente com outros fatores, fortalecendo a

decisão da vítima de suicidar. A interação de fatores de risco, fatores protetivos,

vulnerabilidades psíquicas, biológicas, sociais e/ou culturais, habilidades de

enfrentamento e outras dinâmicas psíquicas foram múltiplas e interagiram de forma

específica em cada caso, corroborando com o pensamento de Shneidman (1994) sobre

nenhum fator de risco ou estatística conseguir explicar a complexidade de um caso.

O valor da avaliação de risco é inquestionável, portanto, o que se propõe é que a

escuta clínica atenta se faça tanto com o objetivo de avaliar o risco de suicídio, adotando

as medidas cabíveis em prevenção do suicídio, quanto auxiliando o paciente em direção

a tolerar a sua angústia e encontrar alternativas mais funcionais. Afinal, a melhor

medida para avaliar o risco de suicídio será pautada no conhecimento prévio sobre

fatores de risco e protetivos unidos ao entendimento da dinâmica psíquica de cada

pessoa.

A prevenção do suicídio é fundamental, mas ainda carece de apoio e incentivo

para ser eficaz no Brasil. Escassas iniciativas tentam minimizar a lacuna de políticas

públicas voltadas para a prevenção. Grupos de suporte específicos para os sobreviventes

de suicídio, no Brasil, chegam a ser quase utópicos, tendo sido divulgado através do

Relatório do Levantamento de Instituições de Atendimento ao Comportamento Suicida

no Brasil (2006), apenas uma instituição filantrópica, conhecida como API - Apoio a

Perdas Irreparáveis em Belo Horizente, Minas Gerais, que tem por foco do grupo são

enlutados em geral, e realiza atendimentos a sobreviventes de suicídio por procura

espontânea, atendendo, em consequência, à uma maioria de pessoas enlutadas por

suicídio.

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Algumas instituições universitárias aparecem nesse relatório como fonte de

promoção de pesquisas sobre suicídio, tentativas de suicídio, prevenção, sobreviventes

de suicídio, além de oferecer capacitação para profissionais. Entretanto, percebe-se que

poucas universidades brasileiras possuem em seu currículo matérias ou atividades

específicas para trabalhar com a temática do suicídio, ou, especificamente, com os

sobreviventes de suicídio.

É evidente que o suicídio continua sendo um tema tabu em nossa sociedade.

Esse estigma interfere diretamente na forma como as pessoas lidam com quem

apresenta comportamentos suicidas e com os sobreviventes de suicídio. Diminuir o tabu

existente é uma tarefa que exige esforço contínuo e persistente, mas que promoverá um

trabalho mais efetivo na diminuição dos suicídios. Assim, novas pesquisas e projetos

são essenciais para prosseguir e ampliar os estudos, colaborando com o conhecimento

necessário para evitar os suicídios passíveis de prevenção e para que o sobrevivente de

suicídio encontre apoio e suporte para lidar com essa perda irreparável.

Avi e Ben mais do que fazerem parte de uma estatística trágica brasileira, são

duas pessoas que não significam um número a mais para os que sobreviveram a perda.

Foram duas pessoas que lidaram com um sofrimento intolerável que culminou em

morte, deixando outras em sofrimento. É preciso romper com esse ciclo através de

medidas que eduquem a população para perceber possíveis riscos de suicídio e como

encaminhar essas pessoas para receber o tratamento e suporte adequados. Para isso,

deve ser realizado um trabalho conjunto com órgãos governamentais, com a mídia e

com profissionais da área, oferecendo e divulgando tipos de ajuda. O preenchimento

dessa lacuna é essencial para a saúde pública e para a população em geral.

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147

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ANEXO A

ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

PARA CASOS DE SUICÍDIO (ESCS)

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Entrevista Semiestruturada para Casos de Suicídio (ESCS)

Tópico1: Identificação da entrevista e da vítima

Caso n.:_______

Entrevista no:___________

Data da entrevista: _______________

Hora de início da entrevista: _________________

Hora de término da entrevista:________________

Local da entrevista:_______________________________________________________

Nome da vítima:_________________________________________________________

Data de nascimento da vítima:________________

Data da morte:____________________

Gostaria que me respondesse algumas perguntas sobre você:

Tópico 2: Perfil sociodemográfico sobre o informante

Qual o seu nome? ______________________________________________________

Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino

Qual sua data de nascimento? _____/_____/______

Qual o seu estado civil? ____________________________

Qual é o seu grau de escolaridade?_________________________

Qual a sua profissão?_________________________

Você tem alguma religião?__________________________

Tópico 3: Características da vítima e grau de relacionamento do informante com a

vítima

1. Só para constar formalmente, qual era o seu parentesco / a sua relação profissional

com (nome)?

Se colega de trabalho, amigo, cônjuge seguir com a questão 2.

2. Como vocês se conheceram?

3. Há quanto tempo foi isso?

Se familiar, continuar na questão 4.

4. Fale-me um pouco sobre o (nome). Como ele era?

5. Como era sua relação com ele?

6. Como eram suas conversas mais pessoais com ele?

7. Com que frequência você mantinha contato com ele?

( ) Todos os dias ( ) Uma vez por mês

( ) Uma vez por semana ( ) A cada seis meses

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( ) A cada quinze dias ( ) Outro. Especifique:_______________

8. Numa escala de zero a dez, sendo dez a máxima intimidade, como você avalia seu

grau de intimidade com (nome)?

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Eu gostaria de fazer algumas perguntas sobre como foi essa experiência para você.

Primeiro eu gostaria de saber ( fazer pergunta 9).

Tópico 4: Reação do informante diante do suicídio da vítima

9. Qual foi o impacto do suicídio para você?

10. Qual foi o impacto do suicídio na situação de trabalho/familiar?

11. Quem entre os seus colegas/familiares você considera que foi mais impactado por

esse suicídio?

11.1 Como foi a reação de (nome) ?

12. E agora, como você se sente depois de ter passado por toda essa experiência?

Agora, eu gostaria de perguntar sobre alguns tópicos relacionados à maneira como

ele estava, como ele vinha agindo nos três meses anteriores a morte, tudo bem?

Tópico 5: Fatores Clínicos

13. Como estava o humor dele?

13.1. Você o percebeu abatido, desanimado, desgostoso ou desesperançado

mais do que o normal?

13.2. Você notou se ele estava mau humorado ou especialmente irritado?

14. Como ele estava agindo nesse período?

14.1. Você notou se ele estava mais retraído, introspectivo ou mais agitado, mais

ansioso?

14.2. Houve algum incidente em que ele tenha se mostrado muito agressivo?

15. Houve alguma mudança significativa no comportamento dele?

16. Ele comentou estar tendo problemas para dormir?

17. Você sabe se ele estava tendo dificuldades para se alimentar?

18. Ele começou a ingerir ou aumentou o consumo de bebidas alcoólicas ou outras

substâncias?

19. Alguma vez ele apresentou pensamentos ou comportamentos estranhos?

20. Ele alguma vez disse ouvir coisas ou ver coisas que outras pessoas não ouviam ou

não viam?

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21. Ele parecia se sentir perseguido ou ameaçado de maneira persistente? *Mais que o

usual?

22. Você sabe se ele tinha algum problema de saúde?

23. Ele comentou ter procurado algum serviço de saúde?

24. Você sabe se ele foi hospitalizado nos dois anos anteriores a morte?

25. Ele estava fazendo uso de alguma medicação?

Se sim: Eram prescritos por médicos?

26. Você sabe se ele fazia algum tipo de acompanhamento psiquiátrico?

Se sim: Desde quando?

27. Você sabe se ele fazia algum tipo de acompanhamento psicológico?

Se sim: Desde quando?

28. Você sabia se alguém ou mesmo você chegou a recomendar que ele buscasse fazer

terapia ou procurasse algum tipo de ajuda?

Agora eu gostaria de perguntar sobre acontecimentos bem próximos a morte do

(nome).

Tópico 6: Precipitadores e/ou estressor

29. Houve algum acontecimento na semana anterior ou dias antes da morte que possa

ter contribuído para o suicídio?

Se sim: Como ele reagiu a este acontecimento?

30. Ele estava passando por algum tipo de problema?

30.1. Você acha que na situação de trabalho algo poderia ter contribuído para

que o suicídio acontecesse?

30.2. E nas relações familiares ou nas relações com outras pessoas, você acha

que algo poderia ter contribuído para que o suicídio acontecesse?

30.3. Alguma dificuldade emocional importante?

30.4. Algum problema financeiro?

31. Há, em sua opinião, outro motivo que também possa ter contribuído?

32. Desses fatores, qual você considera que teve mais impacto para levá-lo ao suicídio?

Depois do que conversamos, eu gostaria de saber a sua opinião sobre alguns outros

fatores.

Tópico 7: Motivação para o suicídio

33. O que você acha no jeito dele ser que pode ter contribuído para levá-lo a cometer o

suicídio?

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34. O que você acha que precisaria ter mudado na vida dele para que ele não tivesse se

suicidado?

35. Você acha que algo poderia ter sido feito para evitar a morte?

36. Você acha que se ele não tivesse conseguido ele tentaria de novo?

Tópico 8: Comportamentos suicidas

37. Alguma vez ele comentou sobre sonhos em que teria encontrado com pessoas que já

haviam falecido ou sobre algum desejo de rever pessoas que já morreram?

38. Você o ouvia fazer comentários pessimistas, como: eu gostaria de sumir, minha vida

não tem sentido, estou cansado de viver?

39. Você sabe se ele chegou a doar bens pessoais significativos, dar presentes,

lembranças ou mesmo abrir mão de coisas pessoais importantes?

40. Ele comentou ter feito testamento?

41. Ele comentou com alguém que iria cometer suicídio ou que poderia fazê-lo?

Se sim: Como foi isso?

42. Ele tentou se matar antes?

Tópico 9: Letalidade do método escolhido

43. Como ele se matou?

44. Onde aconteceu?

Tópico 10: Intencionalidade e planejamento

45. Você sabe se ele já tinha esse método acessível?

46. Quem o encontrou?

47. Alguém presenciou a cena do suicídio?

48. Ele avisou alguém ou mesmo pediu ajuda?

49. Ele deixou algum bilhete de despedida?

Se sim: O que dizia?

Para finalizarmos ...

Tópico 11: Reações do entrevistado em relação à entrevista

50. Tem algo que eu não tenha perguntado e que você gostaria de me dizer?

51. Algum outro comentário que você gostaria de fazer?

52. Como você está se sentindo agora, depois de ter conversado comigo sobre estas

coisas?

53. Você gostaria de tirar alguma dúvida ou que eu fizesse algum esclarecimento?

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ANEXO B

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

Você está sendo convidado (a) a participar da pesquisa “Autópsia psicológica

em casos de suicídio: estudo de casos”, de responsabilidade de Tatiane Gouveia de

Miranda, aluna de mestrado da Universidade de Brasília. O objetivo desta pesquisa é

colher dados sobre a história comportamental, características psicológicas e fatores de

risco que estejam presentes no suicídio. E, também, compreender a vivência dessa perda

pelos cônjuges, colegas, amigos ou familiares.

Você receberá todos os esclarecimentos necessários antes, durante e após a

finalização da pesquisa. Os seus dados ou qualquer informação pessoal que possa

identificá-lo

(a) serão descaracterizados ou mesmo omitidos, como seu nome, idade,

profissão, sendo mantido o sigilo diante de informações que permitam identificá-lo(a).

A sua participação nesse estudo envolve responder a uma entrevista semi-

estruturada, com duração estimada em até 2 horas. Informamos que o seu tempo de

resposta será respeitado e que você pode se recusar a responder qualquer questão que

provoque constrangimento. A sua participação é voluntária, assim, você pode

interromper a sua participação, ou retirar o seu consentimento a qualquer momento

nessa pesquisa, sem que isso gere nenhum prejuízo.

Os resultados da pesquisa serão devolvidos aos participantes por meio de cópia

impressa ou por e-mail e serão publicados na comunidade científica. A entrevista será

gravada, através de um gravador de som, para que seja transcrita e analisada. Os dados e

materiais utilizados na pesquisa ficarão sob a guarda da pesquisadora responsável pela

pesquisa.

A entrevista pode gerar algum desconforto por se tratar de um tema difícil de

lidar. Caso isso ocorra, outro encontro poderá ser marcado para falar sobre esse

desconforto ou a pesquisadora indicará algum serviço de suporte.

Se você tiver qualquer dúvida em relação à pesquisa, você pode me contatar

através do telefone: (61) 8361-2625 ou pelo e-mail: [email protected].

Este projeto foi Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de

Ciências Humanas da Universidade de Brasília - CEP/IH. As informações com relação à

assinatura do TCLE ou os direitos do sujeito da pesquisa podem ser obtidos através do

e-mail do CEP/IH [email protected].

Este documento foi elaborado em duas vias, uma ficará com a pesquisadora

responsável pela pesquisa e a outra com o participante da pesquisa.

_____________________________ ______________________________

Assinatura do (a) participante Assinatura da Pesquisadora

Brasília, ___ de __________de _________

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ANEXO C

PARECER CONSUBSTANCIADO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

(CEP)

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