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Autor: Matheus De Giovanni Ilustrações: Paulo Lombardi

Nenhuma parte deste trabalho pode ser reproduzida,

através quaisquer meios, sem a permissão expressa do autor. ANJO MISANTROPO é título registrado, assim como os

textos e ilustrações aqui presentes, em nome do autor pela Biblioteca Nacional, nº 428.632, no Livro 802, Folha 292.

Todos os direitos reservados.

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Anjo Misantropo Matheus Yuri Gritzenco De Giovanni

2ª Edição (Virtual) 2016

1ª Edição 2008

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À GUISA DE PREFÁCIO

O jovem Matheus De Giovanni esteve, em meados de março de 2008, no Cartório Antonio Facci, à procura do presidente da Academia de Letras de Maringá. Era tarde... Nosso estimado e inesquecível presidente Antonio Facci havia partido dias antes – tão precocemente – deixando a saudade plantada no coração de um número imenso de amigos e admiradores.

Matheus foi, então, encaminhado a mim. Enviou-me um e-mail e marcamos um encontro. Chegou com uma cópia de seu livro, para submetê-lo à minha apreciação. Conversamos demoradamente... Conversa prazerosa, como poucas.

De uma forma ou de outra, a vida se apresenta como um nítido espelho que tem o fascinante poder de refletir a maneira como as pessoas pensam, falam e agem. Tenho procurado fazer uso do tempo de modo que bons pensamentos, palavras, ações e pessoas sejam o resultado refletido diante de minha imagem no espelho da vida. Parece que tem dado certo... Tenho tido o prazer de conhecer pessoas como o Matheus.

Revelando talento e criatividade, Matheus De Giovanni, com apenas 19 anos, brinda-nos com este livro que ele batizou como Anjo Misantropo. Utilizo uma de suas frases para dizer que realmente “o número de invernos não faz diferença”. O amadurecimento evidencia-se tanto na vida quanto na obra do nosso jovem escritor.

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Anjo Misantropo, reunindo uma série de textos em forma de dissertações, contos, crônicas e pensamentos, conduz o leitor a reflexões de forte teor emocional.

E a narrativa, quase sempre em primeira pessoa, aproxima o leitor, integrando-o crescentemente no processo de reflexão.

Tive o privilégio de ler a obra ainda no original, encantando-me com cada texto, e acredito sinceramente que Matheus vai proporcionar preciosos momentos a seus leitores.

Excelentes, também, as ilustrações de Paulo Ricardo Lombardi, outro jovem talento maringaense, outra grande promessa.

Parabéns aos dois! Sucesso e inspiração para novas obras!

Olga Agulhon Presidente da Academia de Letras de Maringá

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SUMÁRIO

Feitio de Existir 15 Aurora 18 Justa Empatada 20 Normas Imoderadas 21 Conselhos para o Inverno 22 Esperança Fugaz 25 Saudades 26 Amor 29 Raposa Entocada 30 Caminho Certo 34 Epifania 39 Ponto de Inflexão 40 Estopim 41 Superfície 43 Submissão Própria 45 Praticando 48 Desencanto 49 Mensagem Subliminar 50 Solitário 53 Monologo 54 Crepúsculo 56 Irrefutável 58 Caesar 59 Hematófago Dissimulado 62 Asca Efígie 65 Motim Inverso 67 Convênio 70

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Sus! 72 Previdência 76 Centelha Primordial 77 Devaneio 80 Ciclo Autônomo 81 Cantilena 83 Ser Humano 84 Crenças Próprias 86 Eco 92 Chá Inglês 99 Analógico sem Ponteiros 100 Vestígio Casual 103 Repouso 105 Feitio de Existir II 111 Nota Final 113 Migração 122 Prelúdio 123 An-uir 126 Ele 127 Primo Auxilio 131 Segundo Auxilio 132 Derradeiro Auxilio 134 Ela 135 Erunno 138 Maegalas 140 Epílogo 142

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PREFÁCIO

“Se plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho

é marcar-se na Vida, estou vivo! Imensamente vivo!

Plantei duas sementes, tenho dois frutos,

dois Anjos, tropos, átropos, misantropos, filantropos,

um pouco de cada, um todo de tudo, completos.

Um e outro,diferem-se, complementam, completam-me!

Thiago, primogênito, gênio genioso, supera o comum;

Matheus, pequeno caçula, genial, surpreendente,

supera o lugar comum, no alto de seus dezenove anos,

apresenta um texto denso, biografia do que virá,

visão do que se tem, do que se quer,

subvertendo a ordem!

Seu livro mostra-se primogênito, inspira continuação.

Certamente, virão mais árvores, mais frutos!

Este, satisfaz o pai, agrada o leitor e promete mais.

Antropocêntrico, abra suas asas sobre nós!

Mostre seus vôos, suas crenças, seu desejo de Mundo!

Mostre ao mundo seu Mundo, sua “Futurografia!”

Voa, anjo!

Vá ser escritor na Vida, meu Filho!!”

- Carlos Alberto Ferraresi De Giovanni (pai de Thiago e Matheus, completamente!)

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NOTA DO AUTOR

Nunca escrevi livro algum – esta é a verdade. Não tive intenção. Escrevia porque me sentia sozinho em meio de meus pensamentos e ideologias, nunca encontrava a pessoa certa para compartilhá-los e quando o fazia, guardava as idéias da conversa para refletir melhor mais tarde. Assim foram criados a maioria dos textos aqui contidos.

O que escrevi foi o que me era mais valioso, uma tentativa de guardar o que me tornava a pessoa que era na época. Juntei os textos para arquivar e acompanhar minha evolução com o tempo. Ouso dizer que falhei, em parte.

Anos se passaram e eu cresci. Amei, terminei a faculdade, percebi que não tinha amado, tive incontáveis medos, sofri, fiz e desfiz amizades, amei de novo, fui morar sozinho, parei de escrever, tive meu primeiro emprego, percebi o erro mais uma vez, voltei a escrever, perdi meu emprego, fiquei sozinho, perdi meu pai em meus braços. Vivi tanto nesse tempo e ria do garoto que eu era! Afinal, como ele poderia achar que sabia tudo aquilo que escrevia se tinha vivido tão pouco, tão poucas experiências de vida?

Hoje, quatorze anos após o primeiro conto e oito anos depois da publicação, resolvi pegar o livro novamente. Comecei a ler cada texto do início. Procurei por erros, possíveis modificações, fiz minha auto-avaliação. Demorei alguns meses, pois percebi que não conseguia me reconhecer em boa parte daquelas palavras escritas.

Vi o quanto era ingênuo no início deste livro (e até me

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preocupei que as pessoas se desinteressassem ao ler do principio, sem dar chance pro que viria). Com o avanço da leitura veio um sentimento de nostalgia, como um pássaro bicando o ovo ao tentar nascer, e caí em minha própria armadilha – colocada por um jovem algum tempo atrás.

Ao reler lembrei dos momentos de minha vida ao escrever cada texto. Vi o personagem invisível pular de conto a conto e crescendo, desenvolvendo. Não escrevi um livro. Ele nasceu de uma maneira natural. Juntei relatos poéticos do jovem que um dia fui e cujos sonhos e esperanças devem voltar a queimar em meu peito novamente. E ultimamente, tenho conseguido seguir esse caminho.

Sendo assim, esqueci a idéia de adicionar palavras ou modificar qualquer coisa no Anjo Misantropo. Estas páginas não pertencem a mim, mas de quem fui um dia. Existem ecos por entre elas de um imenso universo, mesmo não parecendo assim.

Espero que essas palavras tragam algo de bom para quem as lê, assim como me fez na época e a centelha que está sendo para mim nos dias de hoje.

“Tudo o que está escrito aqui pode estar errado, mas não

para mim.”

Matheus Yuri Gritzenco De Giovanni Maringá, PR - 2016

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NOTA DO (JOVEM) AUTOR

“Não tenho idade suficiente para vangloriar-me pela experiência que tenho. É mais fácil me comparar com uma criança; mesmo tendo vivido pouco, a cada nova lição que vejo ser verdade fico entusiasmado, pois funciona pra mim, e assim cresço.

E cresço de nada parecido com a maneira que acontece hoje em dia, onde as pessoas se esquecem de valores ou dignidade. Sempre sou o melhor de mim. Observo atentamente ao meu redor, ouço cada palavra, considero cada ato. Aprendo muito com o mundo. Assim fui desenvolvendo minhas próprias teorias para viver a minha vida. Quem concordar com elas, que seja bem-vindo.

E a cada momento essas teorias se tornam mais fascinantes e completas! Consigo encaixar quase tudo da minha maneira. Sabendo que não estou forçando nada, encontro minhas respostas.

Não me importa que as "verdades" mudem de tempo em tempo, como realmente acontece. Elas evoluem e continuam encontrando seu ritmo de funcionamento, e assim também me desenvolvo, constantemente.

Estou seguindo meu próprio caminho.”

Matheus Yuri Gritzenco De Giovanni Maringá, PR - 2008

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“Não conhecê-lo sempre me faz pensar que não

seja uma pessoa real, mas que tenha saído de um

livro de lendas ou é personagem de algum mito

mágico. A imagem, a escrita, a idéia... É tudo

diferente! Por trás do menino misterioso há o menino

sincero e cuidadoso em meio a suas palavras

carinhosas, que expõe o que pensa e tem a sua

maneira peculiar de tratar as pessoas... Sem interesse,

cobranças e sem falsidade. Quanto tempo nos

conhecemos? Mas que diferença faz? Ele é cativante

desde o primeiro momento, em todos os aspectos.

Se me perguntarem o que há de especial nele, não

vou saber dizer com todas as palavras. Talvez faça

parte do mistério.”

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Temos tempo para brincar... Não anoiteceu ainda.

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Feitio de existir

No início, o amor surge límpido e sem intenções. A primeira flor em campo virgem. Encontrado pela primeira vez, um ser maravilha-se pela sedução que invade e percorre seu corpo. Uma série de experiências começa; a primeira marcante na vida de alguém. Nasce uma nova criança, com um ramo de escolhas, situações e um arrepio que tende a enfraquecer a pessoa, bambear as emoções, hesitar os movimentos. Não tente, não há que ser forte.

Teorias e pensamentos se mesclam em bobas tentativas imaginárias de abordagem, quase nunca praticadas. Desafios que aparentam não ter soluções efetivas. O mundo muda de foco e para aqueles que não estão em seu campo de visão, isso se torna tedioso e infantil. O novo olhar toma conta e a rotina simples se complica, tornando-se retalhos mal cortados.

O medo da derrota começa a assombrar a esperança. A criança procura por regras para poder se guiar, mas não as encontra. Sendo assim, guia-se e age de acordo com o que é, sem truques. Ainda encantada, seu receio natural a faz distanciar-se daquela flor, imaginando ser impossível ter em mãos tamanha beleza. Desacredita em seu poder e desespera-se.

A inveja do pedaço de mundo que nunca sentiu este turbilhão se aproveita do desespero. Pequenas ações plantam ervas daninhas invisíveis pelo campo, construindo uma

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parede de dúvidas em frente ao ser. Desnorteada, a criança cai na armadilha. As atitudes que seguem são apenas fracassos. Decepção com o que, até então, encantara tanto.

Um aperto forte tira toda a cor que existe em sua volta, deixando apenas uma chuva cinzenta. Quer rir, mas só o que consegue é chorar. Uma solidão cobre seus dias. Procura por atenção, mas para isso se isola, esconde-se.

Deseja tanto que as coisas mudem que parece não sobrar mais forças para que aja. Suas certezas se abalam. Tenta encontrar os culpados, mas eles estão camuflados. Não percebe a tênue cortina de trapaças. Quanto mais procura a culpa nos outros, mais se encontra. Sendo assim, veste-se de todo esse pecado. Sente-se responsável por tudo, inclusive da mágoa que sente. Não tente, não há que ser feliz.

Foi treinada a "ser você mesmo", e quando aprendeu a lição encontrou a intolerância do mundo que a ensinou. Afinal, isso não era para ser bom? É incompreensível para ela. Parece estar a um passo de sair da realidade e ao mesmo tempo ter tanta consciência disso. Em uma tentativa de não mais se machucar, fecha-se em seu mundo.

Porém, justo quando está tudo construído, percebe que os espinhos que fazem a barreira de seu recanto estão virados exatamente para seu lado!

Desesperadamente, tenta encontrar algo que a sustente. Sem dar-se conta, sua base mudara de lugar. Ao tentar pisar no chão, cai.

A primeira queda é fundamental. Agora, mesmo com sua arrogância e ingenuidade juvenil,

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esta criança deve se levantar sozinha, crescer enquanto enfrenta seus medos, aprender com suas próprias experiências. Até o final deste caminho, deve passar por quantas dificuldades e testes forem necessários para entender que possui e é tudo o que precisa.

Compreender que há que ser tranqüilo, apenas isso.

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Aurora

Tenho um sonho. Aos outros, parece um devaneio distante. Sincero pensamento; não me importa os outros.

Dentro de minha alma, sonho forte. Não se torna inferior, nem se anula em razão de terceiros. Fortalece-se a cada nascer de Lua e Sol e, a cada descansar de Sol e Lua, sinto-me mais feliz.

Não sai de meus pensamentos a imagem de como será: em uma noite iluminada pelas infinitas estrelas graciosas, dois sonhadores trocarão olhares apaixonados e esperarão por uma estrela cadente, à qual irão clamar por amor eterno.

Mas, e enquanto essa estrela não vier? Seria tempo suficiente para seus sentimentos enfraquecerem ao nada?

Tudo tende a enfraquecer. E quanto à esperança? Atrofiada de tanto uso fútil, nem todos acreditam nessa lenda. Existe? Funciona? Confiável?

Sim ou não, existem momentos em que, em toda sua extensão, o horizonte se torna o máximo escuro. Nesses momentos surge a verdadeira esperança.

Revela-se, como anjo tímido. Cria-se, embrião senil. Retorna à vida, como fênix cansada. Afinal, todos

precisam de um pingo de sua lágrima serena. Hoje, sinto que um desses anjos está por perto, cuidando

de mim. Uma luz que me guia, sem que eu a veja. Ainda assim há um buraco em minha alma. É a falta de nossos

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encontros, que encherão esta vacuidade dentro de mim. Em meio de dias e noites futuros, saberei o que é estar satisfeito sem perceber.

Desejo, então, uma chance para viver. Tudo que preciso, desesperadamente, é você; minha estrela que virá. Estrela portadora de um obstáculo impertinente ao tempo, tal entidade perspicacíssima, extremo magnânimo que quase tudo cura, incapaz de desvanecer esse sentimento.

Esse sonho, aos poucos, deve se tornar real, precedendo memórias e viveres de um amor inesquecível.

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Justa Empatada

De tempos em tempos, duas vidas se misturam em alguns pontos. Nem que este ponto seja único, até mesmo imperceptível. Pessoas com uma forte tendência a formar um casal, havendo intimidade alheia, mas hesitando em ter uma relação mais afetuosa com o outro.

Há uma vontade interior. Talvez não esteja visível, mas ainda assim existe. Outros fatos, pensamentos, ou até mesmo outras vontades podem escondê-la. Disfarçá-la a tal ponto que o faça pensar que não existe.

Como saber se é real o fato de você não ter intenção ou apenas uma questão de disfarce? Como saber se a hesitação é natural da pessoa ou única do momento?

Quando tudo corre para um lado bom, independente do que aconteça, é quando vale a pena arriscar. É certo cada um do provável casal viver sua vida, principalmente naquelas situações onde ambas se misturam. Nem que seja em pequena quantidade de tempo ou pensamentos, tais doses podem ser essenciais para um, outro, ou ambos. Circunstâncias onde, se sozinhos, ficarão confusos.

São pontos que se esclarecem mutuamente. Esclarecidos, podem ser maravilhosos. Ou, quem sabe, apenas precisem ser vividos.

Milagres acontecem todos os dias aos olhos de quem acredita.

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Normas Imoderadas

O número de invernos não faz diferença. Se dois seres de outonos distintos se apreciam, nada mais é contestável e ponto final. Não escolheram qual revolução quiseram participar e, mesmo sendo as de trinta e cinqüenta, apreciam-se mesmo assim.

Certos momentos não têm regras. Nestes, são elas que estragam a beleza. Generalizam, envelhecem e congelam.

Sentimentos variam de pessoa para pessoa. Não é tal argumento que mudará regras postuladas, nem é este o objetivo, assim como leis não mudarão o natural da vida.

Melhor ser muito cético à muito crédulo, mas às vezes não custa dar chance para anomalias cotidianas, especialmente àquelas que fogem às regras. E se estas normas estiverem erradas? É função das anomalias causar este choque, e se não aproveitarmos o impacto proposto, que bate de frente com as idéias comuns, ficaremos sentados, imóveis em relação ao progresso.

Balançaremos nossas cadeiras, arrumaremos os cabelos grisalhos e perguntaremos por que não fizemos o mesmo com nossas idéias. Porque não a arrumamos quando era tempo? Enquanto não chega tal dia, os cabelos crescem.

E à medida que meu cabelo cresce, também crescerão idéias. Continuarei a discordar deste mundo, embora ainda acredite que não perderei o título de insensato.

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Conselhos para o Inverno

Não se importe por serem tão diferentes! Um relacionamento não é um fechamento de uma sociedade, onde ambas as partes são iguais e se juntam para o mesmo fim. Não é tão sério assim! Dessa maneira, mesmo havendo o aprendizado, perde-se outro principal fator: a diversão.

Superficialmente falando, um bom relacionamento é aquele cujo ambos pensem, tenham idéias e valores parecidos, mas maneiras completamente diferentes. Sendo assim, o casal terá situações únicas que só serão possíveis com aquela pessoa e adicionará muito para ambas as partes, fazendo com que cada um seja extremamente singular ao outro.

Basicamente, o relacionamento é como um leque, sendo cada pessoa uma das varetas do mesmo. Se não possuírem um vértice em comum, onde se juntam, será impossível construir.

Se possuírem um vértice, mas as varetas estiverem muito próximas, o leque ficará sempre fechado: questão de tempo para perceber que não tem uso. Porém, havendo vértice e uma distância entre as varetas, o leque se tornará útil e agradável, proporcional à distância.

O vértice são os pensamentos, idéias, valores e até mesmo os sentimentos conjuntos. A distância entre elas é a diferença, a maneira de agir, o jeito de cada uma das pessoas envolvidas. O material cujo é feito, ligando vareta à outra,

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depende exclusivamente do casal, sendo as experiências e a força existente entre ambos; impossível definir.

Assim seria uma suposta teoria de ordem natural, extremamente resumida em palavras e idéias simples. Obviamente, não é exatamente como acontece e em grande parte das vezes, existe uma diferença que causa muito impacto.

Quando existem possibilidades de mudança, apenas um do casal aproveita. Quando existe algo que se mostra diferente do imaginado, fugindo às suas regras, seu mundo, ele tenta descobrir o porquê. Coloca-os em dúvida, dá uma chance. Pelo contrário, a vareta restante prefere ficar consigo mesma, imutável, não deixando nada de novo entrar e nem ao menos contestando.

O mundo continua, dá suas voltas, e não vale a pena parar por nada. Cada chance, cada mudança deve ser aproveitada ao máximo, tirar delas tudo que possa ser aprendido. Deixar o tempo agir. O que parece impossível agora pode não ser em algum tempo.

Não se deve ser a favor da busca de uma pessoa perfeita porque, mesmo se existir, seria impossivelmente raro encontrar. Se não prestar atenção, você pode ter a chance de encontrá-la e deixá-la passar.

Os candidatos a ser esta pessoa são aqueles que aparentam ser tudo o que precisamos, queremos, nem que seja por um curto momento. Arriscaria perder essa chance, passando pelas suas mãos? Não vale a pena tomar este risco, deve-se aproveitá-la.

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Não se deve decidir permanentemente em situações como esta. Quando se tem a chance de encontrar a outra vareta para um leque quase perfeito e se é apressado na decisão, este leque se torna defeituoso.

Deixe acontecer.

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Esperança Fugaz

É dito que, para cada pessoa, existe um par perfeito. Duas partes que se completam. Eu não costumava acreditar nisso, mas as coisas mudam. À medida que os dias passam, vejo que a melhor maneira de esperar pela colheita do futuro é simplesmente tendo esperança. Foi assim que comecei a acreditar em como será parte dos meus dias.

Acredito que, com o tempo, minha vida se transformará em algo tão alegre e significativo. Sentirei-me uma pessoa perfeita e completa, vivendo uma vida completa e perfeita, mas não conseguirei acreditar nisso. A vida não poderia ser tão maravilhosa!

Então, perceberei o que estaria acontecendo: não será minha vida que mudará, mas sim uma mulher que entrará nela. Alguém que será especial desde o começo, tornando-se mais a cada dia. Presente em todos os momentos e essencial em cada um deles, desde as mais belas declarações até as circunstâncias mais engraçadas. Uma pessoa que me introduzirá no caminho onde se é ensinado a amar, e me demonstrará como é se sentir amado de volta. Reciprocamente.

Então, perceberei que a vida não pode ser perfeita – mas sem essa dama. A vida com ela pode ser perfeita. É perfeita, sinto isso desde já. Sinto que será, até a eternidade. E além. Muito além.

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Saudade

Tantas vezes se lamentou, e quantas vezes ninguém o entendeu. Embora todos já tenham passado por isso. Pelo menos uma vez. Uma única vez. Um único momento! Tenho certeza!

De qualquer maneira, é complicado. Parece ser tão ingênuo. Cada pessoa vê de uma forma. Cada pessoa vê da forma que quer ver. É por isso que ele tropeça, sem cair. Tropeça. Sentir falta de algo, e não ter.

Ele parece ser exigente. Deve ser muito exigente mesmo, isso deveria ser tão simples!

Não se importa com a fome mundial, tampouco com guerras. Não é grande o bastante pra entrar nessas batalhas. Embora suas próprias tenham sido sempre grandiosas. Cada história, cada momento.

Muitos ouviram de seus feitos, mas apenas ele sabe, de fato, o que aconteceu na frente e por trás das cortinas, e como se sentiu enquanto os holofotes brilhavam e a platéia reagia. Ninguém mais. Podem ter sido grandes pequenos feitos, mas não sente muito orgulho por eles. Seu orgulho não é pelo o que fez – é pelo o que enfrentou. O sentimento das dificuldades que passara. As conseqüências não lhe importam. Mesmo com tanto que aprendeu, parece que, em um aspecto, de nada vale ainda.

Se pedisse, talvez pudesse ser levantado ao alto e carregado pela cidade afora. Não é isso que procurou. Não é

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ser vangloriado por multidões. Talvez conhecido, sim - gosta de ter rostos variados, principalmente renovados de tempo em tempo. Mas esta não é a sua procura. Em vez de platéias gigantescas, apenas um par de mãos. Um par que, mesmo não conseguindo levantá-lo, não conseguindo carregá-lo, sua força seja maior que todas.

Muitos querem possuir vários pequenos impulsos, de inúmeras mãos. Ele, não. Na verdade, não é esse apoio que procura nesse par único. Afinal, tem sua própria força, suficiente para essa vida. O que procura é a consciência de que, se fosse necessário, essas mãos usariam toda sua dedicação. Isso porque, para elas, é merecedor desse sacrifício. É o único e especial. Não existe ninguém que o alcance. Queira estar ao seu lado a cada minuto e, caso não tenha esse minuto, sinta falta de cada mínimo.

Sem sua presença, sentiria extrema falta, perdesse seu rumo e não soubesse se virar. Um par de mãos que dependa e que goste dessa dependência. É disso que precisa. Sentir-se indispensável, insubstituível. Que isso não mude com o tempo, independente do que aconteça. Além de cada palavra aqui escrita, que seja do jeito que não sabe explicar. Não em textos, apenas em olhares e conversas próximas.

O que procura e sente tanta falta é apenas o segurar de uma das mãos desse par. Saber que é sua. Não é algo fácil de ter, mas fácil de sentir falta. É exigente, mas porque tem que ser.

Não sabe o que fará enquanto não encontrar o que procura. Até lá, continuará sendo um homem solitário.

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Amor

Amor existe. Só quem o teve sabe o quanto de felicidade pode trazer, o quanto não.

É o único sentimento. Todos os outros são apenas emoções. É algo que poucos têm hoje em dia e muitos se enganam ao pensar que o possui.

Amor não pode ser explicado por palavras, pois palavras são humanas; sujaria o verdadeiro significado. As pessoas sujam o amor em si.

Não deveríamos pensar sobre ou tentar defini-lo, apenas senti-lo. A verdadeira definição é aquela que jamais será dita. É algo tão infinitamente puro, não deve se rebaixar a ponto de sair da boca de meros humanos. É totalmente livre para sair do coração.

Seres humanos são seres repugnantes, desprovidos do verdadeiro dom de amar. Os que realmente o tem são dignos de serem chamados de anjos, não de humanos!

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Raposa Entocada

Preciso do que não tenho controle. Algo que me surpreenda com boas noticias inesperadas, tirando-me da rotina e do tédio de saber, quase, tudo sobre mim. Minhas ações, meu futuro. Meu fim de semana, ou fim de tarde.

Alguém que, a cada dia, convença-me de que há muito além de mim e que não sou exatamente do jeito que penso ser. Mostre que existe o desconhecido, revelando meu verdadeiro ser, fazendo-me encontrar a serenidade.

Não é possível desenvolver-se em um mundo onde há regras feitas por você mesmo e se entende as sublinhas entre os motivos de tais regras postuladas. Controle próprio, não controle total. Ter controle sobre si mesmo não significa não se surpreender.

É praticamente impossível fazê-lo quando se sabe que, no final das contas, imaginava o final como apenas uma das opções disponíveis. Uma opção dentre varias pré-determinadas, que obteve a sorte ou acaso de ser escolhida.

Um final não pode ser uma opção. Não pode ser escolhido. Deve ser fantástico e impensável. Não que precise necessariamente ser contrário, mas ao menos não deve andar ao lado de sua linha de raciocínio.

Se chegar um dia em que algo deste porte acontecer em minha vida e eu não me surpreender, não terei mais nada a fazer neste lugar. A vida sem surpresas torna a mais pura felicidade em tédio. Não se pode gostar de ler qualquer conto

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quando se sabe que serão apenas relatos, sem contravenções ou idéias novas que surgem de lugares desconhecidos. Qual graça de uma historia conhecida e sem emoção?

Emoções são passageiras, demoram um dia ou uma década, e o que sobra são apenas lembranças do que já se foi. Pelo menos, sentado em um sofá e descobrindo o sentido literal de escrever, é o que penso; mesmo sabendo que muito do que está escrito em um pedaço de papel não será nem ao menos jogado aos olhos de outros. E, se for feito, provavelmente não causará tanto efeito.

Afinal, o que tem que ser visto é algo inovador e inesperado, e mesmo se este objetivo for alcançado, não significa que as pessoas devem se sentir gratas por quem tornou isso possível. É uma pequena experiência nova dentre tantas outras que podem vir.

Enfim, espero encontrar alguém que torne meu desejo possível. Torne meu amanhã em uma raiz de uma incógnita, com seu lado positivo apenas. Se após este tão esperado encontro chegar o dia em que eu perceba que se tornou algo previsível, se pensar sobre o futuro e ter a certeza: “não me trará nada de bom, nada que me tire o medo e a insegurança de que tudo pode ser manipulado de uma maneira negativa”, não terei mais nada a fazer. Mas não preciso me preocupar com isso agora.

Não creio que encontre alguém dessa magnitude tão cedo. Enquanto não a encontrar, serei o que sou. E, quando acontecer, serei o que realmente sou.

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Caminho Certo

Às vezes temos que abrir mão do que preferíamos manter conosco por muito mais tempo. Maldita seja minha sorte!

Valeria a pena manter sentimentos que já tiveram seu tempo? E se não valer, como esquecê-los, escondê-los?

Não creio ser o único com essa dúvida. Muito menos sou o único que tenta encontrar uma maneira de obter a resposta. Até as mais tolas crianças o fazem com suas paixões platônicas desastrosas.

Qual a diferença entre esta criança e eu, a respeito de emoções desconhecidas e esse tal controle de sentimentos? O que estaria errado nessa teoria? Tudo parece tão correto.

Se ela pudesse ver quanta falta faz. Meu enredo dorme, e somente com sua voz despertaria. Os minutos tornam-se horas e a derrota assobia uma canção.

Algumas coisas não crescem junto de seus cabelos, enfim. Haveria realmente uma maneira certa de desenvolver essas habilidades? Através do sofrimento é uma opção, mesmo não sendo uma das melhores. Acho que é a única possível no momento.

Ao menos, a única que funciona bem. Não devo fugir da solidão. Serão suas manchas que farão

minha dor passar.

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Epifania

Horizontes escurecem. O tempo para. Uma neblina envolve o ambiente enquanto uma imagem imponente se forma. Um ser superior. E, mesmo assim, sinto-me sozinho neste lugar. Uma terrível sensação de solidão.

- Você... Não pode estar aqui!

Uma voz fria preenche meus pensamentos. - E porque não poderia, meu pequeno? Chega de

ingenuidade, não é para isso que está aqui. É hora de

ver a verdade. Esqueça o amor e todas essas

mentiras.

- Não acredito no que você diz, você não existe...

- Ah, então este é seu mundo? Apenas porque você

não acredita, eu não existo? Vamos, acorde! Sentimento de derrota e falta de auxilio. - Não está em meus entendimentos...

- As pessoas em volta, cada vida perdida, é você

quem as tira? Cada nascimento, você é aquele quem

dá vida? O que o faz pensar isso? Este não é seu

mundo, deixe de bobagens! Você entende nada. Está

perdido.

- Claro que é meu mundo! É a maneira como eu o

vejo! Não pode ser diferente!

- Veja da maneira que quiser, não mudará nada o

que é. Conforme-se, minha criança.

- Não acredito!

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- O mundo gira em sua volta? Você quer, então é.

Você não quer, então nunca foi. Que maldito ser

egoísta é você, meu pequeno? Eu existo. Sou seu

deus. Seu superior. Sua salvação. Sua ciência. Existo,

da maneira que sou, e não a sua maneira.

“Posso levá-lo aos paraísos ou arrastá-lo centímetro

por centímetro até o mais profundo inferno. Dar-lhe o

nirvana ou arrancar de suas mãos as suas virgens.

Deteriorar sua carne com vermes ou deixá-lo no

absoluto vazio. Provar-lhe através de equações

matemáticas a minha existência. Posso ser uma

função impossível em sua física moderna.

“Sou a resolução da probabilidade que define todo

o seu futuro. Posso ser o que eu quiser, inclusive

nada, mas eu. Não você! Você não controla nada. É

uma misera parte ínfima de algum devaneio e

piedade minha.

“Considere isso crueldade ou misericórdia, encare

como quiser! Não mudará nada. Você não pode

mudar nada. O que acha ser sua vida, na verdade são

minhas cordas, pequena marionete. Você não pode

cortá-las.” Falta de esperança. - Precisei de um guia! Se eu duvidei, não tenho culpa!

Esse é o motivo da inteligência: duvidar de tudo!

- Eu lhe prometi algo? E porque se importa tanto?

Até então não acreditava em mim, não é o que insiste

em dizer?

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Cólera subindo em meu interior. - Não interessa! Não me importo com nada mais!

Você é uma mentira, sempre foi! Isso eu sempre tive

certeza! Não existe deus algum, eu controlo minha...

- ...VIDA? Então pode me impedir de fazer ISSO? Um aperto no coração. Sua expressão ficou severa. - Pode controlar seu corpo, ó poderoso ser? Pode

impedir-me de parar seu coração? Dor. Cada palavra sua era como um soco no rosto. - Pode me fazer sentir pena de você? Ó, poderoso

deus de sua vida, saia de seu corpo mortal! Não é

nisso que acredita? Ou acha que pode ser tão

poderoso nesta ínfima carne? Com dores, doenças e

necessidades?

“Que misero deus é este que não sobrevive

mínimos cem anos sem seqüelas? Este que diz ser

seu mundo possui cinco, dois mil anos, mas e você?

O que estava fazendo no resto do tempo, além desta

sua vida? Cuidando do seu mundo? Então é

responsável por tudo que existe? Pela fome e pela

soberba? Pelo amor e pelo ódio? E enquanto estava

nesta carne? Quem cuidava de seus aposentos? Tudo

isso é sua culpa, sim!

“Se sua vida é como é, foi você quem a fez assim.

Tudo é sua culpa! Porém, você é minha criação. Não

importa o que faça com sua vida, nada seria se eu

não tivesse o seu controle. Quando eu quiser, posso

tirar você desta sua carne atual! E chegou este

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momento! De uma vez por todas, deve acordar!

Chega de inocência! Abra seus olhos! Desista do

amor, deste mundo!” Giro em uma infinidade de cores. - NÃO PODE SER ASSIM!

- Não pode, mas é. Qual a diferença?

- NÃO QUERO!

- Se ainda acha que tem vontade própria, pequeno

mentiroso, então prove! Você é minha diversão. Sou

seu motivador. Sua alma. Sou eterno.

- NINGUÉM PODE ME CONTROLAR!

- Então não há ninguém para fazer-lhe isto! Sinto meu coração... Apertando... Cada vez... Mais...

...

Tento acertar a imagem com meus punhos. Sangue escorre pelos cortes da minha mão. Cacos do

espelho, agora quebrado, estilhaçam pelo chão. Ainda assim, posso ver aquele sorriso macabro em cada pedaço.

- Então, é neste lugar onde sempre se escondeu... O coração pulsa dolorosamente a cada gargalhada. E, mesmo se quisesse, não conseguiria parar de rir.

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Ponto de Inflexão

No meio da minha caminhada pela vida, cheguei a um ponto onde bato de frente com toda a violência que o amor pode manifestar.

Enquanto mostra como a frustração pode ser destrutiva e ilógica, uma bela moça preocupa-se com um amor perdido, que ainda não perdeu. Facetas do sentimento mais corrosivo e belo que tiveram o péssimo gosto de criar.

Quanto a mim? Observo isso de uma bolha fria e desconfortável. Meu olhar não capta mais o calor das cores, mas me faz ver nitidamente as pessoas chorando no escuro. Até quando os corações agüentam? A felicidade plena hoje em dia não passa de uma piada de mau gosto.

Dias passam sem perceber. Noites se tornam nubladas e rebeldes. Sonhos me cobrem de angústia e minha mente parece estar perdida em algum lugar onde meus medos e vergonhas cantam e dançam felizes e mal educados.

Fui uma criança tola que se achava preparada o bastante para ver o mundo, e agora fujo, com medo, de volta aos braços da mãe desnaturada. Digam "olá" a este meu outro lado, pois ele surgiu para me tirar de um ato de autodestruição. Espero que nada atrapalhe sua missão.

Tudo aquilo que é conhecido irá, provavelmente, desvanecer-se em meio de conselhos chatos sobre a simples e mal interpretada vida.

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Estopim

Hoje, nunca se sabe o verdadeiro valor de uma pessoa até o momento em que a perde. O valor que é merecido, a atenção, o reconhecimento, somente será dado quando for tarde demais.

Ninguém, sozinho, é bom o suficiente para fazer a diferença! Independente do que faça, mesmo que você dê sua vida a algo, ninguém se importará com isso tanto quanto você se importa. Não adianta ser a melhor pessoa, sempre haverá alguém que fará as coisas de modo superficial, e que seja mais cômodo. Afinal, mudanças são difíceis.

A humanidade é assim. Não somos mais do que uma peça sem importância. Se um dia nos perdermos, sempre haverá outra peça para substituir. As engrenagens de um motor são todas iguais, assim também somos. Então, que diferença faz se é cobre ou ouro, se no fim vão todos para o mesmo lixo infundado?

Aceitem isso, conformem-se: no fundo, somos inúteis aos outros. E isso não vai mudar. Não importa o que digam. Não importa o que façam. Não importa quem seja ou deixem de ser, pois hoje em dia o humano é esse ser sujo que todos percebem e ignoram bem.

Aqueles que não se encaixam neste perfil são os que não deveriam estar neste lugar, mas por algum motivo ainda estão. Aqueles que, sozinhos, conseguiram modificar o pensamento da maioria e fazer algo com impacto intenso.

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Quem sabe, alguns deles estejam tentando consertar este mundo.

Estas exceções ainda sofrem, ou sofreram muito até conseguir uma piscada do mundo em sua direção, e ninguém realmente se importa com isso.

Quanto tempo isso tudo tem de durar? Um dia, estas pessoas vão estar onde merecem, assim como o resto estará em seu devido lugar.

Enquanto esse dia não chega para mim, mantenho-me aqui, na dança dos tempos, fazendo minha obrigação e meu dever.

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Superfície

Não adianta contestar o mundo. Qualquer descrição é irrelevante.

Somos aquilo que compramos, e não tenho dinheiro algum. Tenho apenas a mim mesmo, mas não pago imagem alguma. Não pago, não quero imagem. Não sou imagem, portanto não confundam.

Pensar que me conhece é um erro precipitado. Acreditar que me entende é inconstante comum. Considerar a expressão do meu rosto é relativamente pessoal. Querer me conhecer por motivo prévio é uma certeza de surpresa ou decepção. Sou um convite a desafios.

Ser o que sou me faz enfrentar melhor os desafios, mas não me faz deixar de ser humano. Minha perfeição é imperfeita. Ser um humano é minha imperfeição. Mas, dos quebrados, o menos.

No topo, estão os verdadeiros. Não aqueles que se dizem, mas os que são. Camuflados involuntariamente do cotidiano. Dos que se dizem verídicos, de veraz nem mesmo é a intenção. Falsos verdadeiros trazem a má fama. Os que são, sofrem as conseqüências. Porém, isso não é o mais importante.

Não interessa o quanto se prove a realidade. Não adianta contestar o mundo. Ele aceita certos níveis de pessoas. Considerando os verdadeiros como relevantes, ao menos aqueles que tentam ser, posso me incluir como parte deste

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grupo. Sou sincero, mas é preciso, para perceber isso, conhecer-

me. Não tentar entender, mas apenas conviver. Perceber que sou certo no que digo. Perceber que tenho personalidade. Perceber que não sou comum. Sou um de uma raça extinta. Sou legítimo. Não sou imagem. Sou significativo. Sou alguém acima do nível do mundo.

Todavia, o mundo nos torna irrelevantes. Tão insignificante quanto essa descrição.

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Submissão Própria

O mundo quer imperfeição. Os não-perfeitos são inferiores, podem ser moldados a qualquer forma. Sendo mais baratos, então são preferíveis. É como se o instinto falasse acima de tudo, sempre. O instinto mais primitivo vai sobrepor qualquer razão ou emoção.

Não deveria me preocupar tanto. Afinal, sou como um lobo na nevasca. Sou, mas não quero ser para sempre. Estou adquirindo grande parte do que preciso para manter o equilíbrio. Se continuar sendo por tempo em excesso, tornar-me-ei muito frio e calculista. E ainda mais solitário.

A cada momento, estou mudando devido a decepções e aprendizados repetitivos, onde a situação é diferente, mas a moral é a mesma. Saber que passei por uma experiência para cair na mesma história é desagradável.

Não procuro, não quero ser um extremista e nunca quis. Sei ser filosófico, racional e sei quando as coisas acontecem por acaso. Casualidade, não coincidência. Sei que não é minha hora de mudar isso. Mesmo assim, insisto em tentar, discordar de mim mesmo e ir contra o que sei. Mas me conheço, sei quem sou neste momento, como sou por enquanto e sei que o mundo não é filosófico, nem bonito. Às vezes, nós procuramos nossas próprias perdições.

Sensacionalismo! Acredito em que, no fundo, sei que não é verdade, e insisto. Mentiras contadas tantas vezes que parecem verdades, mas saber que não é verdade é

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contraditório à idéia, e desequilibra a balança. Águias voam livres, corvos voam em bandos. Sou um lobo

porque minhas asas ainda estão presas. Um dia, poderei libertá-las e voar para longe. Livre pelos campos.

Até lá, construo tudo da maneira que consigo. Se não for como esperado, não destruo. Construo em cima e vou para o terreno vizinho. Assim, repetidamente, construo uma vila que será auto-suficiente para crescer e se tornar eficiente, enquanto construo outras e outras moradias.

Sei do meu caminho até certo ponto, e sei que não adianta fugir dele. Ainda insisto em tentar criar algum atalho. Não posso mudar meu caminho, pois necessito de seu aprendizado. Aqui, não tenho o luxo de escolher a maneira mais fácil, nem mesmo de querer desviar, pois, por mais que eu desvie, sempre cairei no mesmo lodo sem fundo e serei rebocado ao caminho inicial.

Não adianta tentar explicar, por mais que eu entenda e conheça as razões. Uma máquina que, mesmo sendo fria e calculista, não é uma máquina. É verdadeira, possui emoções e sentimentos, e é sincera quando diz o que sente.

Por mais fascinante que todas estas linhas possam ser, esta “máquina-aparente” sabe que, no fundo, aos outros, isso não passará de apenas mais algumas linhas.

Não fará diferença alguma, e amanhã tudo voltará ao zero.

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Praticando

O que fazer quando não se sabe o que fazer? Quando não se tem vontade de querer saber o que fazer. Não se tem muita vontade, alem da própria de querer ter o que fazer. Mas, eu não sei.

Então, agora, vou fazer um pouco de não-fazer, em qualquer outro lugar. E, provavelmente, vão fazer comentários sobre isso.

Mesmo eu não fazendo. Nada.

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Desencanto

Não me importa mais. Deixe o tempo cuidar de quem merece ser cuidado, ele

sabe o que faz. Se alguém precisar, bata na porta. Se ouvir o eco do som

da madeira podre, atenderei. Que os ingratos tomem esse tempo. Vocês conseguiram!

Então, que vivam suas vidas ilusórias e ínfimas, mas aqui eu não sou mais obrigado a ficar.

Este resquício de tempo-espaço, não sou mais obrigado a agüentar.

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Mensagem Subliminar

Em seu quarto frio, senta-se em um canto e recosta a cabeça nos joelhos. Fecha os olhos. Tenta descansar, mas sua mente fatigada o impede. Imagens, sons, cenas do passado percorrem seus olhos.

Levanta a cabeça, olhando através da bancada da sacada. Carros e pessoas, indo e vindo apressados. E ele ali, sentado, servindo de platéia de um espetáculo onde os atores não percebem seus próprios papéis.

Os sons já parecem distantes enquanto, no fundo de sua mente, ouve as risadas novamente. As mesmas que riem de suas trapalhadas e desilusões. Rindo, enquanto vêem suas últimas esperanças infantis partindo, perdendo-se entre as nuvens do céu azul.

Por que lutou? Para que? As respostas perdem-se no infinito vazio. Seu mundo antigo está infundado. Suas motivações não fazem mais sentidos. Porque ser você mesmo?

Resolve caminhar, sem destino, pela rua movimentada. Tão cercado por toda aquela agitação, mas ao mesmo tempo tão distante. Nada parece fazer sentido. Tudo parece tão novo quanto aos olhos de um bebê que ainda não percebeu que nasceu. O tempo, rastejando, parece querer amarrá-lo ao passado, acorrentá-lo as lembranças de tudo o que jogou ao vento. Parece querer fazê-lo se conformar com as injustiças da vida que carrega. É tão complicado deixar para trás algo

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que foi sua base por tanto tempo. Bicicletas, alegria, meninos jogando futebol. Como seria

bom voltar ao passado, à aurora da vida, onde não havia preocupações, medos. Onde se sabia todas as respostas, e as conseqüências não preocupavam. Onde não havia o peso da vida. Poder deitar a cabeça de noite e sentir-se satisfeito, completo, sem imaginar quão pesados são esses sapatos novos. E não se passaram nem alguns dias...

A boa e velha praça. Jovens conversando e rindo, um velhinho solitário sentado em um banco. Alguém passou pela mesma descida brusca? O Sol caminha ao horizonte.

De volta ao quarto, assiste da sacada o sol se pôr, enquanto a noite estende seu tapete negro. O céu nunca esteve tão escuro. Aos poucos, o movimento diminui. Logo não haverá mais carros na rua. Logo não haverá mais a antiga esperança que ainda resta, e terá que encontrar força em novas fontes.

Enquanto as últimas luzes se apagam, um relâmpago ilumina o céu, sem estrelas. O vento frio toca seu rosto, trazendo o agradável aroma de terra molhada. Respira fundo, tentando preencher seu interior, mas sabe que não tem como fazê-lo agora. Está muito confuso para isso. Sente vontade de gritar, correr.

O que antes o preenchia está, agora, queimando ao som das risadas. Recosta a cabeça no travesseiro, pensativo. Deve abandonar a pessoa que era. Sabe que seu interior é um emaranhado de infinitas novas possibilidades que o assustam, e que deve esquecer das mentiras que aprendeu até então.

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Deve assumir a responsabilidade de se tornar alguém novo e encontrar alguma lógica nisso, de onde pode tirar forças para continuar.

"Se é isto o que me resta agora, que seja isto o que me mantém"

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Solitário

Você pode ver? Aquele garoto sentado no canto, sussurrando palavras perdidas. O que ele parece? Você o consegue ouvir? Entende o que fala?

As pessoas o tratam como insano. Olham para ele com desprezo, arrogância. Alguns até dizem que gosta de sofrer. Outros dizem que é alienado. Mais um. Lixo.

Mas quem é, realmente? Porque sussurra ao invés de falar claramente?

Um espírito cansado. Cansado de insistir com palavras que ninguém compreende, de ser examinado demais.

Sua língua é outra, seu lugar é outro. Então, o que ele faz aqui? Sentado naquele canto ninguém o vê.

Contido no seu medo, observa todos que passam. Aprende, com os erros deles, coisas que levaria séculos pra aprender sozinho.

Vê o mundo de um ângulo peculiar. Vê coisas pequenas, mas muito importantes, que ninguém consegue observar do alto.

Sente o cheiro de podridão, a cada passo, de algumas pessoas. Protege ao que ama como não protegeria a si mesmo.

Sozinho? Não, mas solitário. Até quando, não se sabe. Desespero.

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Monólogo

- Tenho dúvidas. - Seja breve, estarei aqui por alguns momentos. - Onde está aquela chama, tão intensa? - Estava onde, agora, está aquela pequena brasa. - Como ela se extinguiu? - O fogo apaga se não for alimentado. - Não é possível reacendê-lo? - Não sobre as mesmas cinzas que já queimaram. - Triste. - Natural. - Ainda tenho minhas dúvidas. - Pergunte-as ao seu coração. - Suas respostas são confiáveis? - Se não confiar no seu coração, será no resto? - O que ele me diz muitas vezes não agrada. - Os caminhos raramente são aqueles que queremos. - Não posso mudar isso? - Tudo depende de você, e dos seus atos. - Como saberei se o que faço é certo? - Nada melhor do que a consciência para julgá-los. - Como alcanço o equilíbrio entre ambos? - Sendo seu coração o conselheiro, e a consciência como

juiz, encontrará o equilíbrio sozinho. - Brilhante! - Natural.

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Crepúsculo

Sou meu próprio Deus em meu mundo de saberes. Fortaleço-me de dentro para fora, isso me valoriza. De onde sai minhas forças? Do desespero profundo, do

escuro inexplorado. Do escuro, vem a Luz. Da tristeza, vem sobriedade. Da

sobriedade, vem sabedoria e, com sabedoria, sigo minha vida. Mesmo não tendo total felicidade, mas já tenho alguma força. Daí para frente, tudo o que conquistar é meu.

Não dou passos para trás, não tenho incertezas. Já conheço o inferno, já conheço a tristeza. Brilho com uma luz escura, pois o mundo já não é mais importante. Não importa luz ou sombra, porque tudo só depende de mim.

Aprendi a viver no escuro, o mundo já não pode mais me ferir. Então, posso começar a pensar na minha vida com dignidade, de cabeça erguida, com honra e resolver os meus problemas um por um.

Sou a gota de água no meio da escuridão, o infinito, o imortal. Posso até cair um dia, mas não vou me machucar ou me desesperar, pois não existe inferno para quem queima com a chama da desgraça.

A marca da derrota é minha armadura pra tristeza. Derrota é experiência. Experiência é sabedoria, sabedoria é entendimento. Entendimento é uma luz escura. Luz que emana de mim mesmo.

Luz que não precisa apenas de mim para brilhar.

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58 | Matheus De Giovanni

Irrefutável

A Escuridão é a melhor escola que existe. O Sofrimento é o melhor professor.

Um ser iluminado, na escuridão, perecerá rapidamente. Um ser renegado, na luz, irá desfrutá-la. É necessário passar pelo lado negativo da situação para entender quão bom é o lado positivo da mesma.

A vida nos coloca armadilhas. Quem não conheceu o sofrimento, certamente conhecerá de uma forma mais dolorosa algum dia. É necessário que isso aconteça.

Quem nunca viveu em breu, não irá dar o devido valor à luz.

Isso é um grande erro.

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Caesar

Se neste mundo restassem apenas aqueles que valessem a pena, somente os que merecem, têm seu devido valor, talvez neste bando não restasse ninguém.

Melhor dizendo: restaria apenas a mim. E quem duvida disto é tal ser que não consegue se manter em seu canto. Quem sabe, não tem seu próprio. Destruído. Ou, até mesmo, retirado de suas mãos pelas próprias.

Há gente que merece não ter seu espaço - e como há! Sempre haverá. E quem tenta invadir o alheio, será caso extremo: excesso ou total ausência de afeto. Será tratado de acordo com a maneira que se aproximar e agir. Vale a pena arriscar a pagar meu preço?

Injustiça, ingratidão, infantilidade? Qual a diferença, se não são vocês quem fazem as regras? Reclamem com o proprietário do lugar onde querem se meter, e surpresa: tal pessoa sou eu! Reclamem quanto quiserem, nem mesmo uma linha será mudada.

Tentem arrombar a fortaleza com seus aríetes infames. Perceberão que, até meu trono, infinitas muralhas residem. Seus exércitos, pálidos e exaustos, não resistirão e nem alcançarão seus objetivos - pereçam! Quando o fizerem, renasçam! E quando o fizerem, tentem novamente!

Sirvam-me como alimento de meu riso. Enfim, de que mais me serviriam? De maneira aleatória, não conseguem me afetar. Não hesitem em continuar tentando.

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Tentem, tentem, tentem! Gastem sua energia, suas vidas comigo! Usem-na com fervor, com garra, com vitalidade insuperável!

Sou velho em meio à tempestade, gritando contra as águas, desafiando o céu negro e turbulento acima de mim! Aqui, onde estou, nem mesmo ele pode me derrubar, quanto mais vocês, ínfimos seres de carne sem alma! Sou invicto andarilho que, neste canto, dou as ordens!

Caiam em um buraco sem fundo, armadilha visível e ignorada, pois não percebem que estão em tabuleiro errado! Terreno baldio de espinhos ocultos - meus espinhos! Meu terreno! Minha vitória - até que seja o fim! Meu fim!

Quando vocês abrirem seus olhos, que não alcancem a borda do buraco, deixando o tempo fazer com que nem seus restos me incomodem! Em tal oportunidade, na escola dos gênios, terei meu lar supremo, sem viva alma para me incomodar.

Assim, a história começará a ter seu fim. Minha história! As regras cairão ao vazio quando for hora. Minha hora! Vazio, de onde não surgirá magnitude igual! Até lá, este mundo se manterá intacto. Afinal, ele não é qualquer um! Meu mundo.

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Hematófago Dissimulado

Qual a diferença entre um animal comum e um parasita? Afinal, ambos se alimentam para sobreviver. Uma comparação superficial que me faz pensar sobre mim.

Lagarto em ninho de bilhões de corvos. Aproveitando tudo o que há em meu redor da melhor maneira possível. Adaptando-me como conseguir, infiltrado dentro de uma cópia externa, tal que pareça aderir à maioria e se tornar comum, sem que ninguém perceba meu truque.

Excluindo conceitos não físicos de felicidade, assim é como tem que ser. É indispensável viver em meio a vários, mas não significa que tenha que fazer parte do gênero. E estou me adaptando.

Conquistando meu espaço em volta da cópia de mim mesmo, adquirindo respeito. Agindo de forma correta para chegar onde quero, preciso, desejo, sem que ninguém interfira diretamente no núcleo. Ignorando quem tende a me atrapalhar e, caso não funcione, tirando-os do meu jogo (de forma estratégica e discreta). Ainda assim, continuo o mesmo.

Tenho um clone idêntico agindo de forma atraente e comum, mas continuo o mesmo. Idéias, pensamentos, massa visceral. Não restarão totais 100% ao final, embora minha luta seja para que restem, ou que se mantenha a base onde estes foram lapidados e desenvolvidos.

Meus conceitos e teorias quase são o que tenho de mais

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importante. Não ouso pensar em perdê-los, por isso escrevo. Uma espécie de diário cotidiano, memórias escritas, uma escala de mudança e de segurança, de fato, para amanhã não me afastar tanto do que sou hoje. E, se afastar, identificar a mudança e analisá-la: foi boa ou ruim?

Muito complicado para definir. É preciso apenas confiar em mim mesmo. Afinal, as teorias efetivas são as mais insanas e duvidosas. Várias aparências, uma essência.

Chegará o dia em que se abrirá minha casca de ovo e sairei como lagarto de aparência igual ao casulo, esperando que meus pequenos irmãos, corvos, aproximem-se para darem suas últimas boas-vindas. Neste dia em diante, meu impacto será incrivelmente notável.

Até lá, o jogo deve continuar.

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Asca Efígie

Imagens são inexistentes, inúteis, impotentes. Não são nada, igualam-se ao desperdício de tempo.

Sentem inveja de quem é real - extrema inveja. Sabem da condição degradante na qual vivem e não tem nem mesmo o direito de sonhar com uma vida melhor. Não tem, pois são apenas sombras. De valores repugnantes, como vícios banais. Sem valor pessoal, nem profissional. Um analfabeto funcional.

Jamais terão a chance de ser alguém, serão apenas cães desgarrados que lutam por um prato de comida, mas que não o conquista por falta de qualificação. Vivendo apenas de pequenas migalhas. Migalhas, geradas por falsos cursos e malandragens e a falsa ilusão de que serão alguém na vida.

Tentando enganar o mundo, quando, na verdade, enganam-se a si mesmos, e fingem que não percebem! Continuam mudando de canil a canil, nômades miseráveis em busca de sobrevivência. E assim são as imagens: tolas! Rastejando em níveis inferiores aos pés daqueles que são reais. Como sempre estarão.

E, como em todo circo, há um palhaço em especial nesta minha terra. Rei que se vangloria de sua coroa de latão enferrujado. Tão desmerecedor do dom da palavra e do pensamento, desperdício, que senta em privada achando que é trono! Um ser miserável e desgraçado que nunca foi

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ninguém. Nunca será, como todas as imagens. Inútil criatura que me segue, com tamanha inveja que o faz grudar em meus sapatos. Cospe ao alto, tentando atingir meu rosto. Acusa, mas logo foge de volta ao bueiro! Sente-se à vontade somente quando está escondido.

A esta pequena ratazana mentirosa, tenho apenas algo a dizer: olhe para mim, não sou um de seu tipo. Não faço mais parte de seu mundo de ilusões e jogos de imagens - sou real.

Chama-me de idiota, mas se idiotice é viver desta nova maneira, mantendo fiéis meus valores, então idiota é o que tenho orgulho de ser! A tolice está em seus olhos, borrados pela fumaça fétida de seu bafo. Em seu cérebro, que perdeu a capacidade de raciocinar a ponto de não perceber que não quero ser como ele.

Não mais me incomodo, nem me importo com este vulto insistente. Nem me interessa que sua vida seja trivial. Não serei como ele, basta para me sentir honrado de meus valores. Passarei infinitamente longe dos caminhos que seu bando de lacaios seguiu.

Ínfima e desgarrada imagem cega que lidera os cegos: considere este o último recado que tenho o desgosto de dirigir ao lixo. Sentei em minha poltrona, tirei meus sapatos e limpei de minha sola o resto do mundo de valores errados que é o das imagens. Joguei no cesto de lixo, lugar de onde pertence.

Este é o fim da inutilidade, e tenho dito!

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Motim Inverso

Finalmente, tranqüilidade! E lembrar que ainda me culpava, pensando que era o errado. Obviamente, deveria ser, uma vez que tantas desgraças estavam acontecendo.

Após os fatos esclarecidos, percebi que o mau caráter estava de outro lado. E não em um nem dois, mas em bando! Maravilha! Assim, posso dar as costas para este mundo, sem culpa!

É ótimo me sentir livre de pesos inúteis. O sentimento de indiferença é uma dádiva! E é isso que vocês podem esperar de mim, todos vocês, lista completa sem exceções.

Não se assustem com isso e não se decepcionem, pois encontrarão outros, cujo mundo pode ser invadido! Mas comigo, não precisam nem tentar mais. Teorias são falhas, mas não a prática, não os fatos! Fatos são fatos - e aprendam isso bem! Teorias? Insinuações? Sentimentos? Idéias? Escrevam um livro, saiam berrando pelas ruas em busca de adeptos, pois em mais nada isso é válido! O que conta é como as usam, e não quais são! E suas atitudes mostram que são apenas isso: palavras. Palavras de nada valem sem ação, e será o que farei de agora em diante: agir.

Obrigado por me darem essa chance! Por pensarem que minha vida é medíocre! Uma vez em que estou bem nela, vejo que vocês estão em níveis abaixo do ínfimo! Sendo assim, sinto que ainda há muito pela frente, e com a chance que tenho em mãos (não tentem se enganar, vocês sabem

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que tenho essa chance bem firme!) vou me tornar alguém na vida! Quando isso acontecer, de acordo com a escala das pessoas, vocês subirão para uma vida medíocre.

Enquanto isso fumem, quebrem, bebam e tentem atrapalhar pessoas alheias. Atitudes que refletem o caráter. E os que não são assim, seguem os que são, cometem o mesmo erro e tomará do mesmo cálice. Meu cálice é outro, fechado e com armadilhas a postos.

Podem dizer e pensar o quanto quiserem! Nessas situações, tenho trunfo sempre ao meu lado: Os Fatos Verdadeiros. E quanto ao resto, engulam - de nada servem.

Mais uma vez, saio rindo dos seres de um mundo ultrapassado.

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Convênio

Meus aliados são bem-vindos às minhas terras. Meus inimigos não são.

Embora elas sejam suficientes para fogueiras amigas, há certos terrenos que poucos sabem a respeito. Nessas regiões, talvez estejam os frutos mais saborosos, as árvores mais verdes, os campos mais limpos, o ar mais puro. Mesmo assim, a maioria de meus companheiros fica em outras de minhas terras.

Bem, meus amigos ficam bem em qualquer parte, então creio que eles não precisam saber onde está o melhor campo, o fruto mais saboroso, e o ar mais puro.

Enquanto tudo correr bem, que continue assim. Seja como tem que ser. Ninguém precisa saber das minhas conquistas, nem mesmo se em uma delas estiver a mais pura de todas as fontes.

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Sus!

Medo é, antes de tudo, medo de viver. Independente do que se teme. É melhor arriscar pelo incerto e decepcionar-se com o que pode acontecer, do que ficar meses no ócio, sem tempo, sentindo-se vazio, de pernas ao ar!

Se o incerto se transformar em algo bom, se conquistará bons momentos, e assim foi positivo arriscar. Caso o incerto não se torne certo, e ocorra o pior entre a vitória ou derrota, além dos momentos você terá, ao menos, experiência. Prefira se infiltrar no incerto, independendo se os frutos serão os bons momentos ou as experiências. Aprendizado e diversão são a base da vida.

Para ter essa mentalidade, são necessárias algumas mudanças. A primeira é começar a exigir que suas chances dêem certo, simplesmente. Muitas podem não ter êxito, mas em retorno obterá experiência e ferramentas para construir a si mesmo. Quando houver situações com certeza de fracasso, não arrisque tentar, nem mesmo por experiência.

Quando houver situações com mínimas chances de sucesso, coloque na balança e jogue-se do abismo, sem pestanejar. Se há uma chance, conquiste o topo se assim for capaz, e, junto, talvez leve uma nova, única experiência, e pode levá-la até mesmo se não conquistar.

Utopia dizer que sempre será assim, metódico. Há de se considerar as emoções em relação aos fatos. Inacreditável aos outros, é possível ter controle sobre elas, de certa forma.

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Uma série de fracassos em seu currículo gera perícia suficiente para isso. Não há como criar emoções, nem fazer com que sumam repentinamente. Se assim tiver que ser, é possível adubar e estimulá-las suficientemente para que floresçam. Caso não, diminuí-las, até que possam ser guardadas onde não poderão atrapalhar, exceto por futuras memórias ou prováveis ironias do destino.

Neste momento, possivelmente não estejam levando a sério. Os românticos diriam que é impossível mandar nas emoções. Os que não são, diriam que emoções são variações hormonais, e os indecisos não possuem argumentos suficientes para o assunto. Acredite, ninguém está querendo enganar ninguém aqui. Acredite!

Não se vanglorie ao possuir este controle. Prefira infinitas vezes não precisar dele, mas se não for assim que acontecer, adapte-se. Quando se está sempre arriscando, sempre adquirindo experiência, nunca conseguindo conquistar o topo ou o que merece, cria-se uma imunidade incomum - ou pouco explorada.

Com o passar do tempo, perceba o quanto de proveito se pode ter devido a esse controle, e comece a segui-lo. Inicie uma reação em cadeia que o leve à mudança das ações e conceitos, que possivelmente será percebida de uma maneira estranha aos olhos dos outros.

Como reação instintiva, eles criarão uma idéia negativa e de desconforto, pois nada que é fora do normal é recepcionado com festas. Considerando o comodismo, é essa idéia de repulsão que predominará, ou simplesmente estarão

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cansados de julgar se a pessoa é verdadeiramente daquela maneira, devido ao tamanho número de seres que fingem ser. A maioria simplesmente não se importará.

Quando superarem esta imagem errônea e começarem a dar valor ao real, perceberão que, por mais que seja tão famoso e tão procurado, o incomum não é um objeto que faz parte da estante do quarto. Sentirão o peso da diferença e estranharão tal impacto, chegando muitas vezes, a fingirem-se de cegos ou não receberem com o valor devido, pois a responsabilidade é muita. O bico do funil se tornará tão pequeno que precisará ser exigente. Essa é parte do preço a pagar, relativamente baixo considerando o valor do novo patamar no qual se sobe.

Tenha cultura de excelência. Busque sempre tentar ser o melhor, relevante, e ao fazer isso precisará de menos do que o normal. Terá menos do que o normal. Menos oportunidades, mas aquelas que serão alcançadas (principalmente as que darão certo) serão especiais, únicas, o que qualquer outra pessoa comum não conseguiria.

Compensando a magnificência das oportunidades, elas aparecerão uma, duas vezes a cada bom espaço de tempo. Nos dias em que elas estarão em transição, rumo a sua vida, ainda se sentirá vazio, sem tempo, de pernas ao ar. Não todo tempo, porém. Haverá a ânsia de novos desafios e aventuras durante o caminho, e assim, sairá em busca delas.

Oportunidades comuns e especiais não se distinguem. Não se consegue saber quando é uma ou outra. Por isso, se há chance de conquista, aproveite. Nunca saberá se é a certa se

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não arriscar. Não se pode ter medo, porque ter medo, independente do

que, é ter medo de viver. E, para quem teme viver, a vida não perde tempo e não desperdiça seus tesouros mais preciosos.

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Previdência

Às vezes, não temos o que, ou quem queremos. Uma sensação de derrota por tentar agarrar algo e a única coisa que alcançamos é o vazio.

Porém, se olharmos ao longe, ainda veremos, inalcançável, o nosso objetivo. Inalcançável, mas ainda nos encanta com sua beleza e seu poder. É isso que nos faz querer andar para longe. Talvez, para lugares aonde nunca chegaremos.

Nem sempre estaremos com nosso objetivo ao nosso lado, mas ele sempre estará no nosso campo de visão, para ser contemplado. Se ele não estivesse tão longe, não iríamos nos sacrificar.

Seria essa a razão de estar lá? Fazer com que nossas esperanças nunca morram?

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Centelha Primordial

Não sou alguém que deveria ser entendido. Não deveria ser analisado, pesquisado. Sou alguém, não um objeto. Apenas alguém, e ninguém mais. Embora, talvez fosse mais valorizado sendo ninguém.

Quando os holofotes não iluminam os rostos e se age pelas penumbras, sem que ninguém veja, parece que as atitudes valem mais. Hoje, um rosto encapuzado é mais simpático que um limpo. Mostrar-se é sinônimo de doar-se a tapas, e de tapas estou satisfeito. Embora a maioria tenha sido merecedor. Ou talvez não. Martírio? Discordo. Apenas reconhecimento dos próprios erros.

Egocentrismo, arrogância, sinceridade. Ser sincero é um pecado nos dias de hoje. Além de ser falsamente valorizado, é uma carta de entrega aos inimigos. Assim sendo, creio que pequei. E muito. Meu coração, uma eterna chama flamejante, foi preso dentro de uma jaula com barras de gelo. Dentro, ele oscila entre diferentes temperaturas. Ora quente, ora fria.

Como poderia ter aprendido a me preocupar com os outros de uma maneira correta se ninguém realmente demonstrou preocupação comigo? Mas, com alguém eu teria que me preocupar. Pelo menos em uma pessoa eu deveria confiar. Então, escolhi o mais próximo. Aquele que se mostrou mais confiável, maior conhecedor de mim mesmo, maior fidelidade, embora ela me traia algumas vezes – mas

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com nobres e tolos motivos. Aquele que demonstrou que, no fim das contas, não é um

objeto. Mais é um ser humano - e por isso erra tanto. Alguém que, na verdade, preferia ser ninguém visível. Apenas ninguém, e ninguém mais. Mas não pode - e por isso se lamenta. Então, o que lhe resta é continuar, firme e forte. E por tal determinação eu o escolhi. Em alguns momentos, exagero na força de minha escolha, pois escolhi a mim mesmo!

Não haveria ninguém melhor. Mesmo nos piores momentos, não me deixarei cair. Serei forte até os últimos segundos. Percebi que meus erros não eram irreversíveis. Que todas as respostas estão e sempre estarão em minha frente, apenas preciso aprender a enxergá-las. Também percebi que os erros tinham os mesmos nobres e tolos motivos - embora poucos os entendessem. E, às vezes, nem mesmo eu entendesse. Como se vivesse em meu próprio mundo e tempo.

Em certos momentos, nem eu mesmo me entendo – mas não paro para tentar entender. Ser complicado não é um erro - é uma chave. Uma chance de adquirir conhecimento através de desafios e dificuldades. Conhecimento que outras pessoas não conseguiriam pelo simples fato de serem simples. Chances que decidi aproveitar ao máximo, independente da situação.

E ao aceitá-la, percebi que tenho asas. E com elas outro desafio, uma nova jornada, uma oportunidade de me libertar. De ser recompensado por tudo que fiz, sou, farei e serei.

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Recompensado por todos os desafios que enfrentei e pela garra e anseio por mais batalhas e tesouros. Talvez, a jornada mais longa de todos - e mais árdua.

Antes de abrir minhas asas e voar, tenho correntes a quebrar. Um ser que recebeu o dom de voar, mas um dom inibido. Um pássaro na gaiola, uma chama em uma jaula de gelo, um anjo caído na Terra. Parte desconhecida das regras do jogo da vida. Regras que jamais entenderei, mas minha função não é entender. Não é para isso que existe a vida. Ela existe para, nela, viver, aprender e crescer – não para entender.

Viverei, aprenderei e hei de crescer ainda mais. Não esquecerei o que foi entendido, não hesitarei para entender. E, embora os tempos pareçam escuros, sei que um dia a luz irá voltar e brilhará em meu rosto como nunca!

A Lua pode aquecer e o Sol se esfriar durante as noites, mas as árvores continuarão a morrer de pé. Assim, como um velho e experiente carvalho que enfrentara anos de luta, também morrerei, com as asas abertas e pés livres de correntes.

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Devaneio

Não hesite em esperar por um tempo melhor e um lugar mais limpo. Talvez, você consiga encontrar este lugar dentro de você, mas só conseguirá alcançá-lo se sonhar.

Não tenha medo dos devaneios, sonhe. Os que não sonham são pessoas infelizes, um dia a cortina cairá e a beleza não se lembrará deles.

Não se importe em fantasiar demais em sua vida, pois, ao fim dela, você poderá vivê-la como quiser. Ninguém vive sua vida, ninguém está em sua pele, ninguém olha pelos seus olhos, portanto ninguém pode dizer o que é exagero ou não. O que é real.

Ninguém pode considerá-lo louco por esperar por um lugar perfeito para você. A insanidade não está na pessoa considerada insensata, está nos olhos de quem vê. Eles nem mesmo sabem o que é a realidade.

Talvez, eles sejam os insanos, quem sabe? Se você não é levado a sério, deve fazer o mesmo e levá-los muito menos. Não sabem nem mesmo o que fazer com eles próprios, como podem querer se meter em sua vida? Os julgamentos deles não têm valor.

Você pode ser, estar e fazer o que quiser. Os sonhos são infinitos! Lembre-se: você é intocável.

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Ciclo Autônomo

Entender como funciona seu próprio mundo depende e parte somente de nós mesmos.

Juntando o conhecimento com a experiência, transforma-se em sabedoria. Creio que todos nós temos o conhecimento suficiente. A diferença é que nem todos buscam a experiência ou não a vêem como algo que pode ter a sabedoria como recompensa. Muitos a rejeitam por medo da mudança.

Existe uma árvore dentro de cada pessoa. Essa árvore possui vários ramos, incontáveis. Estes podem ser curtos, como na maioria das pessoas, não fazendo muita diferença na vida, ou podem ser longos, e cada um desses ramos tem um término diferente. Alguns terminam em folhas: essenciais para a vida da árvore, mas não importa muito como ou quantas sejam, no fim servem apenas para mantê-la viva. Outros terminam secos: não fazem diferença nenhuma, então o melhor de tudo é cortá-los e deixar o ramo morrer.

Os mais importantes são aqueles que terminam em fruto: podem ser apreciados aos poucos, degustados, possuir vários gostos diferentes. Ou aqueles que terminam em flor: podendo reproduzir e multiplicar-se em outras árvores.

Talvez a "Equação Humana" seja mais simples do que imaginamos. O que muda e parece complicar a equação são suas variáveis, mas, independentes do modo em que você descobre essas variáveis, a equação sempre terá a mesma

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solução final. No fundo, todos sabem qual é o fim de sua equação, indiferente de qualquer coisa.

Devemos lembrar de que tudo depende de nós, até mesmo as coisas que parecem ser anormais. Seja qual for sua equação ou o modo de resolvê-la, todos nós sabemos de uma coisa: somos a peça fundamental!

De que mais precisamos para alcançar o topo?

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Cantilena de Roda

É interessante que a vida lhe deixe triste. Não uma das melhores coisas, mas interessante.

Nessas horas, percebe se é forte, se tem força de vontade, garra e resistência: descobre parte de quem realmente é. Mas, sabe o que é realmente interessante?

Enquanto a vida gira em torno de você, cantando e dançando, tirando sarro, pois conseguiu lhe derrubar e entristecer, quando menos esperar e der as costas, faça-a tropeçar e veja sua cara ao cair no chão!

Então, ria, pois desta vez foi ela quem perdeu. Perdeu, pois você já conhece a tristeza. Já conhece o desanimo, a dor e o sofrimento. Sabe o quanto é desagradável isso tudo e não quer passar novamente por essas situações!

Perdeu, pois já decorou seus truques e sabe como escapar deles. Chorar pode liberar seus sentimentos, mas agora sabe que, quando não mais chora, é porque se tornou forte e não precisa mais se expressar. Agora, conhece-os bem e sabe controlar e guiá-los.

Isso sim é realmente interessante. E divertido!

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Ser Humano

Correndo por entre as árvores, atravessando rios, descendo colina abaixo. Um tropeço, um tombo. E ele pára.

Levanta o rosto sujo de terra e olha ao redor. Amedrontado, engatinha e senta-se ao pé de uma grande pedra. Olhos arregalados, respiração ofegante, pernas cansadas. Seu coração descompassa enquanto o medo invade.

Sente-se sozinho e percebe sua vulnerabilidade. Afinal. É apenas um ser humano. Apenas mais uma criatura lutando desesperadamente contra uma grande força que tenta derrubá-lo.

Baixa a cabeça, pensa em desistir. Sente que, mesmo que quisesse, não conseguiria dar nem mais um passo. Deixa cair uma lágrima.

Humanos. Só percebem sua tamanha fragilidade ao se depararem com uma grande dificuldade.

Um feixe de luz do Sol passa por entre as árvores e mostra-lhe o caminho. Ele levanta a cabeça, enxugando as lágrimas. Sabe, inconscientemente, que deve continuar. Assim como as outras criaturas daquela fria floresta, ele possui um instinto que diz para não se entregar. Que lhe dá forças para levantar-se, contornar o obstáculo que o derrubara e seguir em frente.

Seres humanos. Frágeis, mas dotados de grande poder e sabedoria para perceber que, apesar de tantas dificuldades, devem seguir em frente, adentro do desconhecido.

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Seguir firme, até que atinjam todos seus objetivos. E quando sentirem que cumpriram bem seu papel, possam fechar os olhos e partir em paz.

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Crenças Próprias

As pessoas insistem em tocar no assunto religião. “Lute pelo melhor, espere pelo pior, aceite o que vier”. Porém, quando vêem que você tem uma idéia mais realista, puxada pelo lado pessimista da historia do mundo, como diz esse velho ditado, não interessa se você está lutando pelo melhor de si. Mesmo se interessasse, eles não aceitariam tão facilmente o que viria em seguida. Assim que percebem que sua visão não é tão “comum”, por assim dizer, e possui pequenos tópicos que podem bater de frente com o conceito da maioria ou até mesmo conceito pessoal, grande parte das pessoas me pergunta sobre deuses e modos religiosos.

Quando ouço questões desse gênero voltadas a mim, pergunto-me: de qual Deus está falando? Qual religião? Qual crença? Se for de alguma já estipulada, lamento, mas nisto, da maneira que você conhece ou ouviu falar, não acredito.

No momento em que se restringe a um Deus, se restringe a uma religião. Em meus desenvolvimentos pessoais (nem sempre através de uma maneira simples, mas sim bastante perturbada), percebi que tudo só dependia de mim, independente de qual religião eu seguisse. Assim que descobri e acreditei nesta nova opção que veio até mim, mudanças incríveis começaram a ocorrer em minha vida. Foi então que encontrei minha visão geral.

Não passei somente por uma instituição ou modo de vida religioso. Enquanto uma delas me amedrontava com

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cobranças, outra aliviava meu fardo no momento em que eu seguisse algo que elas não falavam claramente. Outra instituição falava sem névoas, mas enrolavam o suficiente a ponto de não saber como me ajudar com o que precisava. Todavia, a primeira citada me dizia o que fazer, mas me amedrontava com cobranças. Assim, se estudadas todas as religiões, percebe-se que cada uma possui desvantagens que são supridas por outra, ou outras, mas também possui vantagens que suprem. O conjunto de todas, forma um ciclo! Ou seja: religiões são divisões de algo que não deveria ser dividido. São opiniões distintas de uma coisa que, no fim, é exatamente a mesma para todos os caminhos.

Não faço parte de nenhuma religião. Cada uma me deu um pouco do que eu precisava para criar meu lado espiritual e, conseqüentemente, definir minha pessoa. Arrecadei o máximo de conhecimento que pude de cada, todas são essenciais. Se eu não tivesse passado por uma delas, muita coisa seria diferente.

Não vale a pena fazer parte de uma divisão de algo que não deveria ser dividido. É a mesma coisa que querer ser um lado de um círculo. Tenho minhas crenças e começos de teorias. Acredito em um ser superior, mas de uma forma diferente da encontrada pelas ruas. Talvez, uma forma única, ou a variação de uma delas. Existe um começo de teoria que acredito estar próxima de estar correta, ao menos para mim. Mesmo ainda estando incompleta e com alguns fundamentos faltando, ainda a sigo.

Somos organismos. Gradativamente, somos: organismo,

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sistemas, órgãos, tecidos, células, ou seja, matéria. Considerando a menor parte da matéria, somos um conjunto de átomos. Átomos são constituídos de elétrons, prótons e nêutrons, que por fim são constituídos por pura energia! Ou seja, somos energia solidificada. Assim que morremos, nosso organismo-energia se mistura a outros, decompõe-se e mistura-se novamente nesta gigante massa-energia que é nosso universo, um ciclo sem fim.

É o nosso cérebro que, ao tocarmos, vermos ou sentirmos algo, nos diz que aquilo é sólido ou não. Foi comprovado que o cérebro pode ser re-programado (tendo a hipnose como exemplo). Se ele pode ser re-programado, porque não poderia ser programado a partir do conjunto vazio? Porém, como seriamos programados?

De onde vem nosso cérebro? Regredindo a partir um organismo adulto, passamos pela adolescência, infância, até chegarmos ao bebê, que por sua vez era um feto. Esse feto foi constituído da junção de células reprodutoras masculinas e femininas. No momento em que o casal percebe, talvez até mesmo no subconsciente, que aquele ato pode ocasionar uma gravidez, eles já programam que, caso o óvulo seja fecundado, o resultado disso tudo será uma criança.

No momento em que a mãe percebe estar grávida, ela já programa que dentro de si existe um ser humano normal que herdará características do pai e da mãe.

Considerando que a mesma programação foi realizada com nossos pais e com os pais deles e assim por diante, vamos subindo a árvore genealógica até um topo, onde se

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encontra o primeiro ser programado desta maneira, mesmo que inconscientemente.

A questão é: quem ou o que o programou? De onde viria o conhecido “instinto” no qual nos baseamos para explicar algo que não encontramos lógica? É neste momento que surge o conceito de uma energia superior. Agora, qual energia superior é esta, acho que é impossível provar enquanto estivermos vivos. Creio que, a partir dessa energia, tenha sido criada a subdivisão chamada Deus, que possui nomes, valores e conceitos de devoção variados.

Não acredito na teoria da criação e nem na da evolução, como um todo. Creio que ocorreu uma junção das duas, de alguma maneira. Sobre a evolução, prefiro deixar para os especialistas em assuntos históricos e científicos. Sobre a criação, já tenho a minha própria. Sendo assim, creio que sei o suficiente para poder seguir minha vida da maneira que acredito ser melhor.

Porque nós mesmos não poderíamos ser nossos próprios Deuses, uma vez sendo provenientes da mesma energia? O lado da evolução natural que cria a programação inicial unido com o lado da criação, que é a energia de onde surgimos. É uma possibilidade. Tudo pode ser tudo, inclusive nada.

Mas em algo acredito piamente: a verdade que todos procuram não vai ser encontrada em nenhum livro ou em qualquer objeto histórico ou futurista. Nenhum messias descerá dos céus para nos guiar ou contar as palavras secretas que por tanto tempo procuramos.

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Aquilo que realmente precisamos, o que chamamos de verdade, nós mesmos saberemos, quando for tempo. Não precisaremos de papéis ou palavras para sentir que aquilo é o certo. Pode ser que encontremos isso durante esta vida, além dela ou além de muitas. A verdade que servirá para cada um de nós será descoberta por apenas nós mesmos, e ninguém mais. Não as publicaremos ou divulgaremos, pois não encontraremos sentido algum nisso.

Portanto, não me julguem quando eu disser que não acredito especificadamente em seu Deus.

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Eco

Sou o único interessado. Deitado sobre a grama, começo a pensar sobre isso. Meus ideais, meus valores, meus sentimentos. A mim, pessoa e alma. Deveria ser o único. Maldita seja a interdependência dos seres! Maldita seja, ainda mais, a preocupação por isso!

Feliz é aquele, burro e despreocupado. Simplesmente porque é, e mais nada. Não consigo ser assim. Cada cabeça é um mundo. Sempre há algo por trás, e minha natureza é cavar até encontrar o último vestígio. Não me agrada a suposição de ter algo ali, em minha frente, inalcançável e invisível!

Ser idiota poupa esforço, mas incomoda. Sendo a verdade completa um objetivo distante atualmente, prefiro ser indiferente a burro. Indiferente inofensivo, sem incomodar as pessoas. Incomodar dá trabalho.

Pessoas não entendem que você precisa de um tempo. É como se casar com mulher e trazer junto seus dez filhos. Eles possuem carinho imenso por você. Porém, você odeia crianças. Maldita hora em que me casei com mulher errada.

Poderia ser visto como alguém a quem seguir, talvez. Não, não dá. Não sirvo para isso. Ainda mais, porque também estou perdido.

Sou do tipo que vê a pessoa como um todo. Ceticismo se tornou característica forte. Se um ser trata aleatório de tal forma, porque não trataria você também, pelas costas? Sem

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coragem para agir em frente do outro, sem a mesma em relação a mim.

Não esqueço que também tenho meus erros. O fato de comentar isso de alguém pode ser um deles. Todos têm. Esse é um de meus conflitos. Estou aprendendo a relevar a maior parte de um todo. Não me sinto bem em escolher o “menos pior”! Mas ninguém é perfeito, muito menos eu. E é um dos erros querer escolher por um.

Saber do erro não o ajuda a se tornar certo. Não existem erros certos ou não, apenas aqueles menos danosos. Claro que é um caso especial, todos fazem isso a toda hora. A única obrigação que se deve ter é com você mesmo. Ser sincero consigo mesmo. Deveria ser o único! Dizer-se ser o mesmo com outro é, além de impossível, uma marca de falsa intenção ou pura ingenuidade.

Tento fazer da minha intenção a mais verdadeira. Sem desculpas, apenas fatos - enquanto os fatos forem verdadeiros. Muita gente costuma dançar no fogo com pólvora nas mãos. Ser hipócrita é necessário às vezes, mesmo não me sentindo bem, para se ter uma boa convivência. Maldita interdependência! Se todos falassem o que pensam de todos, o mundo seria extinto, mesmo se fosse em uma conversa gentil. Com certeza não teria nada de gentil nisso.

Ainda assim, sinceridade é uma ótima opção quando bem estudada. Sempre deve haver alguém que diga a verdade em nosso rosto. Ocasionalmente, vou ser esse alguém para outra pessoa. Tenho sido assim para a maioria. A maioria me incomoda.

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Acho que é época de me livrar do resto de pessoas sem futuro para mim. Não que eu converse apenas por interesse, obviamente. Se bem que, tudo na vida é interesse. Até mesmo com a pessoa de quem você mais se importa. Sou amigo de algumas pessoas porque gosto de sua companhia. Querer a companhia já é um interesse. Amar alguém é interesse. Odiar é interesse. Troca natural.

Já está passando o momento de Messias particular, preciso de um tempo para mim. Para ter algo, preciso me desfazer de outro. Ou fazer algo em troca. Nada na vida é de graça. Nem mesmo o que é feito por piedade. Piedade, quando você acha que seria desagradável para você mesmo passar o que passa uma pessoa, ou fazer algo que a prejudicasse. É o preço por uma consciência mais limpa. Dormir tranqüilo, sem pensar no que poderia te incomodar, por um motivo ou outro.

Na vida, tudo é equilibrado, só que nós, seres humanos, somos limitados para podermos entender a engrenagem da vida. Ás vezes você acha que fez muito e ganhou pouco, quando, na verdade, você acionou uma reação em cadeia. Esta reação pode desencadear uma série dos fatos que, muito mais à frente, podem ser benefícios para você.

Cada situação depende de outras, e estas de outras maiores ainda. Aquele por quem você teve piedade um dia pode lembrar de você e se sentir obrigado a demonstrar compaixão. Todos querem ter o luxo de uma consciência limpa. Isso é luxo para os seres humanos.

O fato é que o futuro sempre vai para frente, nunca para trás ou para os lados. Uma folha atirada ao vento em sua

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frente pode ser, sem perceber, um evento que vai desencadear um milhão de outras coisas.

Você a vê e pensa em vários momentos sérios. Isso o afeta mais para frente. Seriedade é muito parecida com tristeza. Por algum motivo, entristece-se. Entristecido, acaba discutindo com sua companheira. Besteira. Algo que normalmente passaria batido, mas não é o que acontece. A coisa fica séria, e vocês terminam.

Você pode não lembrar e ficar confuso porque aquilo aconteceu. Parece ilógico tanta coisa ruim ter acontecido de graça, mas isso não aconteceu sem motivos. Uma simples diferença pode mudar o rumo entre o topo da montanha, ou o abismo lá na frente.

Algo pequeno pode mudar um destino inteiro, nesse mecanismo complexo que é a linha do tempo e pensamento. Não sei se existem truques, mas quando se começa a enxergar esses eventos, a vida fica bem mais clara. Tento ao máximo examiná-los.

Não consigo ficar quieto quando sei que há algo que não descobri! Prefiro saber da verdade ao máximo, e ir atrás. É como querer ser treinado a agir de acordo com uma maneira que abra sua mente, e depois viver. Mas nesse meio tempo, nessa busca, você vive!

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Muitas vezes, sinto-me tocando na linha da realidade. Minha curiosidade se afasta dessa linha, a ponto de me perguntar o que prova que não é verdade. Chego a olhar minhas mãos e me sentir longe, onde a sensatez acaba e começa aquilo que move o mundo. Movimento minha mão e pergunto o porquê; como? Sinto-me em outra dimensão, olhando para dentro de mim mesmo, refletido pelo o que meus olhos vêem, não deixando enxergar o que realmente existe por trás, por dentro. Como uma proteção natural para não descobrir verdades que poderiam entrar em conflito.

Os loucos nunca voltaram para dizer o que há do outro lado. Muito menos para dizer quem eram os insanos. Deve haver muito além de músculos, sangue, órgãos que se completam e funcionam perfeitamente. Além disso, sei que existe algo dentro de mim. De alguma maneira. Afinal, sou eu quem pensa aquilo. Quem sente. Mas quando estou quase conseguindo, parece que uma força desfere um tapa em meu rosto, segurando-me pelo bombeamento de sangue e entrada de oxigênio.

Algumas vezes, não é suficiente saber que não se pode voar. Deve-se pular e cair, tantas vezes necessárias para, com a cara esfolada, abrir um sorriso e dizer: "é, não posso mesmo!". E mesmo dizendo isso, ter a impressão de que, em um desses pulos, pode conseguir! Enquanto os limites forem valorizados, eles sempre existirão.

Seria isso o que alguns antigos sábios pensavam e procuravam? A diferença é que podiam viver para isso, nós não.

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Gostaria de estar em um tempo em que viveria para mim. Mas, por algum motivo, nasci agora. Talvez, uma ligação entre meus estudos antigos, de quem sabe quanto tempo atrás. Para perceber que a sabedoria independe do lugar e de como se vive?

Os sábios não se importavam com ostentação! Independente do lugar e de como se vive, deve ser do modo mais simples de se alcançar, não é? A maneira mais simples é com menos peso para carregar! Os sábios eram lobos solitários, não dependiam de pessoas! Maldita interdependência! Seria por isso a considero maldita!?

Cada cabeça é um mundo, e isso vai muito além da metáfora! Por essa razão eu sou o que sou? Meu mundo! Ninguém vai entender minha euforia, mas de que me importa? Meu mundo! Agora, compreendo o que me segurava, compreendo até onde posso chegar!

Não posso mais ficar deitado, devo me levantar e agir! Dou um forte impulso com meu corpo, para o levantar inicial! Mas, no exato momento em que sinto a grama deixar de tocar minhas costas, vejo-me sentando em minha cama, olhando para a parede branca e fria.

Até onde os sonhos podem chegar?

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Chá Inglês

Não há nada melhor do que olhar para trás e ver que, mesmo com todos os problemas, sobrevivi. Agüentei, enfrentei, passei e venci tudo sozinho.

Parece que estava retirando todas as ervas daninhas, para que nenhuma delas venha me incomodar agora, que estou acima de todos, em minha própria árvore da vida.

Enquanto estiver aqui em cima, verei, ao longe, um novo sol nascer, por trás de tudo o que aconteceu, iluminando meu rosto com um tesouro dourado.

Esplêndido!

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Analógico sem ponteiros

...Tique-Taque, Tique-Taque. Tique-Taque. Tique, Taque. Tique. Tique. Meio relógio? Meio tempo. Contam-se os dias. Perdem-se as horas. Os minutos. Segundos. Perdem-se? São esquecidos. Ignorados? Perdidos. Tempo perdido. Mas tempo não se perde. Humanos se perdem. Tempo não é gente. É? Corremos em busca de um tempo. Corremos em busca de um amor. Mas, um amor é uma pessoa? Sim, é. Uma. Um. Então, tempo é pessoa. Mas, às vezes, fugimos do tempo. Fugimos do que tememos. Mas medo também é pessoa? Não, não é. Medo é medo. É sentimento. Tempo é sentimento? Os velhos sentem o tempo passar. Sentem o tempo em seus ossos. Em seus olhos. Porém, lembram-se de velhos amores, pessoas: "que belo tempo aquele!". Sentimento ligado ao tempo. Tempo ligado à pessoa. Tempo, pessoa? Tempo, sentimento? Tempo, existe? Falta tempo. Sobra tempo. Queremos um tempo para nos divertir. Não queremos um tempo para as obrigações. Queremos menos tempos de desgraças. Tempo para viver. Mas não aproveitamos. Não sabemos como. Usamos de forma errada. Tempo cura feridas. Tempo mata sentimentos. Envelhece pessoas. Entristece. Mata. Não damos tempo ao tempo. Não tentamos? Não queremos. Queremos velocidade. Mundo tecnológico. Tempo? Temos computadores potentes. Tempo para família? Reprodução e desenvolvimento. Prazer momentâneo. Os dias passam mais rápidos. Não nos importamos com as horas.

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Importamos com os dias. Não os segundos, nem os minutos. Os dias. Mas ainda queremos tempo para viver. Queremos viver. Perdemos privacidade. Perdemos respeito. Perdemos amigos. Perdemos amores. Por quê? Porque não temos tempo para isso. Não para os verdadeiros. São demorados. Apenas para o artificial. Perdemos o valor das coisas. Não lembramos. Demora-se apenas um olhar para encontrar um verdadeiro amor. Poderíamos demorar uma vida toda. Demora-se um aperto de mão para um amigo verdadeiro. Um abraço. Poderíamos demorar outra vida. Mas um amor não precisa de tempo. Reconhecem-se. Assim como os amigos. O tempo não importa para uma amizade. Não importa para um amor. Temos que perceber isso. Ver nos amigos, nos amores; uma chance de aproveitar a vida. Aproveitar a vida? Aproveitar o tempo. Mas não aproveitamos. Mas ainda temos tempo, não? Tempo. Tempo? Tempo. Sim, o tempo. Não é pessoa. Não é sentimento. Tempo é nada. Não existe. Nós existimos. Tempo é insignificante. Não nossa vontade – se assim quisermos. Se nos agarrarmos a ela. Acreditarmos. Lutarmos. Nossa vontade é tudo. Não precisamos de nada mais. Somos tudo. Somos nosso próprio tempo. Segundos, horas, semanas - somos o tempo que quisermos. Aproveitamos meio tempo. Aproveitamos tempo inteiro. Aproveitamos o que quisermos. O tique. O taque. Ou ambos. Tique. Taque. Tique, Taque. Tique-Taque, Tique-Taque...

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Vestígio Casual

Uma linha. A mesma linha, junto de algumas palavras. Duas linhas. Mais palavras. Variação de tempo entre primeira a primeira e a segunda linha? Não muda nada! Está tudo junto, independente de qualquer conceito de tempo. Vejo da mesma maneira. Sinto.

Cada segundo que se passou, não existe mais. O primeiro pedaço de minuto tomado ao olhar o texto escrito. Outro pedaço, agora. Infinitas divisões em mais nesse pequeno pedaço. Partes distintas, sentimentos iguais. Foram juntos para o mesmo cesto.

Cada minuto que se passa é a mesma história. Passagem do tempo? Não sinto. Nunca o fiz. Tempo não existe e mesmo não existindo se divide para mim: agora e o não-agora, e nunca de outra maneira. E agora é tão rápido quanto eu puder me distrair. Tão lento quanto. Tão infinitamente pequeno para definir.

Como defino algo que não existe? Esse pensamento estaria destruindo a idéia dos planos? Não. Eles existem. Quantos puderem existir, Infinitos. O eu-agora, o eu-antes e o eu-depois estão juntos. O eu-há-dois-dias tenta ser o eu-daqui-dois-anos. Exatamente no mesmo instante, eu-daqui-dois-anos se lembra do eu-há-doi-anos-e-dois-dias, rindo de tão tolo que este era e do quanto ele poderia ter dito para o eu-há-dois-anos-e-cindo-dias. Quanta diferença faria. Porém, a diferença está sendo feita.

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Infinitas possibilidades que geram experiência infinita mais um tanto. Enquanto um eu-há-algum-tempo virou à esquerda em uma rua, outro-eu-há-algum-tempo virou a direita. Olha, naquele canto! Outro acabou de passar reto, pois não havia nada que o obrigava a desviar o caminho.

O que ajuda a pensar que algo existe ou deixa de existir? Que estão aglomerados num conceito igual que se expande da maneira que lhe porvir, ou aqueles que são tão distantes um do outro e ainda assim se mantêm concretos e imutáveis?

Uma da manhã, segunda-feira de Natal, e aparece algo assim? Eu lhe amo, você sabe, mas o sono impede minhas sinapses. Desculpe.

Como nada disso existe mais, não tem o que se desculpar além do sentimento de culpa em si. De uma maneira ou de outra, ele existe e está afetando. Agora, não mais.

Tenha um bom dia!

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Repouso

Tenho algo a dizer. Muito de meu suor foi derramado, mas depois deste tempo e do que vi neste intervalo, é ótimo ter algumas palavras a vocês, resumindo tudo que se passou.

Devo ter viajado por várias estradas, estado em vários lugares. Sempre conhecendo novos caminhos. E, por meio de tantas novidades, perdi minha direção. A sorte fugiu de mim, junto com meus valores, deixando apenas minhas feridas.

Houve momentos em que não quis ver face alguma, nem mesmo ouvir nomes conhecidos. Dizia meu nome, mas ouvia um murmúrio cansado. Via-me através do espelho e, mais ao fundo, um mundo totalmente insano. Talvez, estivesse eu ficando insano, ou até mesmo descobrindo a realidade.

Nunca foi fácil ser eu mesmo, mas eu nunca me abandonei. Esse foi o gancho que não me deixou cair. Nunca era tarde demais, por isso nunca me rendi. Natureza minha que me manteve alerta às armadilhas.

De dentro do espelho, ganhei um cuspe em meu rosto, tentando me humilhar e tirar minhas esperanças. Senti-me sozinho, ao relento, sem mão amiga. Tive meia dúzia de companhias e meio sonhos, mas havia aprendido que, quando um sonho perde seu valor, é porque ele nunca existiu.

Ao fim de uma das minhas pequenas jornadas diárias, um homem em caminho paralelo me deixou uma lição: devo-me lembrar que, em algum lugar, deve ou há de existir alguém

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que se importa comigo, esperando apenas pelo tempo, sem nem mesmo me conhecer, e um sinal que a mostre o caminho até mim. Lição que, mesmo desacreditado, levei comigo e usei-a quando minha esperança falhou.

Em meu choro silencioso e inexpressível, este ser me seguiu. Mostrando-se apenas como algo inquietante, encontrou-me. Neste momento, percebi que algumas lendas podem ser verdades, e que até mesmo o mais tímido dos conselhos é útil. Faz o coração sentir sinais impercebíveis aos olhos. E, quando a senti se aproximando, os mesmos espelhos sem valores diziam para me afastar desta pessoa, e de todos os problemas que ela poderia trazer. Mas ela era apenas uma criança!

Foi então que algo mudou em mim. Eles nunca a viram chorar, não a conhecem de fato, nunca vão saber o porquê disso tudo. Eles não sabem nem o que fazer com eles mesmos, como podem achar que estão certos? Caiu a cortina, como um relâmpago! A insanidade está nos olhos de quem vê, e, aos olhos da grande colméia, sou um anjo perdido. Minha decepção se tornou espanto e meu espanto tornou-se misantropia. Tornei-me, por algum tempo, um misantropo: aquele que sente ódio ao próprio ser humano e às suas barbaridades cotidianas. Era um homem incrédulo, deitando minha cabeça em raiva a cada noite, amedrontado com o que poderia vir no outro dia.

Minhas noites sempre foram tão escuras que nem minhas próprias mãos eu conseguia ver. Quando chegou neste tempo, com olhos abertos, confrontei a luz ofuscante do

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poder próprio! Este momento deveria ser meu testamento, para mostrar que, a partir deste, minha luz sempre brilhará. No amanhecer, a aflição fugiu aos galopes, junto com os castigos e torturas da escuridão. Não senti mais medo, não senti mais ódio. Percebi que medo é o que sentem aqueles que me atacam. Medo e inveja, apenas isso.

Comecei a me interessar nestas ações humanas, tentando entender como pensam, passando a analisá-los e me apaixonando pelo o que estavam fazendo. Percebi que tinham estas emoções porque não obtiveram a mesma iluminação que tive.

Dizem que esta iluminação é a esperança secreta dos perdidos. Fui desamparado, fui esperançoso, fui o que quis ser. E, principalmente: fui paciente. Esperei tempo suficiente para realizar meus desejos, e sei que todos os que eu quiser, virão. De fato, virão, pois tenho a grande chave: Esperança Iluminada – aquela que nunca perde sua luz. Com ela, hei de abrir mil e duas portas. E, ao abrir a primeira, segurei a mão daquela que havia me encontrado.

Era um novo homem, com uma nova visão de vida. Meu mundo estava frio e tão só antes desta jornada, mas eu não me importava mais. Pela tão esperada primeira vez, estava realmente segurando alguém. Juntos, achamos nosso caminho e esquecemos do passado, continuamos a viver e secamos nossas lágrimas. Naquele momento, jurei levá-la para algum lugar seguro. Aos poucos, levei-a novamente para dentro de meu próprio ser. Fiz dele, desta vez, um recanto confortável e aconchegante, onde, ao decorrer dos

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dias, a admirei cada vez mais. Quando olhava fundo em seus olhos, sabia que não

haveria lugar melhor para estar. Sabia que poderia me ajudar quando fosse preciso. Ajudou-me a esquecer da dor, e de todo o resto, simplesmente por causa daquele sentimento profundo. Carinho deste tipo é imortal, e isso é tudo em que precisei acreditar: em nosso amor que acabara de nascer. E, junto a mim mesmo e da pessoa que estava me tornando, ela era tudo o que precisava. A partir deste dia, não mais quis nem deixei de querer coisa alguma. Apenas continuei, sozinho e junto ao meu amor.

Um ao lado do outro, pegamos a estrada novamente, trilhando dois caminhos paralelos, coincidentes, desvirtuando-se em pequenos pontos íntimos e pessoais. Querem saber: de que me importa tantos caminhos? Todos levam ao mesmo lugar.

Uma das mais importantes lições que aprendi, é que chegar ao fim deles não é vencer. O importante é a estrada, cair-se, levantar-se, insistir, divertir-se e aprender. E, agora, tenho também o amor dentro de mim. Amor, próprio e alheio, que me completa e me faz assim. Com ele, iremos aprender em situações únicas.

Embora elas doessem, nossas feridas se curaram. Hoje, aprendemos que quando um sonho morre, não o enterramos e nem choramos: ressuscitamos. E, caso não funcione, abrimos-nos em risos de alegria. Afinal, quando um sonho morre, não é porque nunca existiu: é porque se tornou realidade. Realidade única, vivida apenas por nós.

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Caminhando por cima de cacos espelhados, estamos trilhando nossa volta para casa.

Esta viagem não está sendo como havia planejado e também nem poderia ser. Planos são apenas linhas de condução. Tudo sempre será único e consolidado. Harmoniosamente indeciso e imperfeito, quebrando as colunas de pensamento racional. Derrubando paredes sustentadas por essas colunas. Destruindo edificações.

Eis que não há lógica em construir monumentos. A maior e única obra necessária já está realizada: nós, como um! O resto está abaixo dos pés, suscetíveis às nossas mudanças. Apenas um terreno limpo.

Porque nos limitarmos? Temos o infinito, esperando que lembremos que também

somos parte de si. Infinitos e incansáveis.

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Feitio de Existir II

Há que ser tranqüilo, meu pequeno, apenas isso. Com tranqüilidade se consegue tudo em vida, pois não se

busca o desnecessário. Busca-se incansavelmente o além, mas se não for possível,

aproveita-se o que está em mãos, sem contestar. Pode-se ser tudo dentro de pouco. Sozinho, casal ou

vários – todos únicos. Todo um universo unido em um ponto. Todos os estilos de pessoas em uma só. Ter todos os sentimentos e emoções. Para um final caótico, é preciso um pequeno descuido. Porém, há o controle. E há, por ser tranqüilo.

Com tranqüilidade se conquista todas as flores do jardim. Cultivá-las é opção pessoal. Cultive-as. Assim, chegarão os beija-flores: indescritíveis. Especiais, e nada mais. Nem mais uma palavra em qualquer momento de inspiração.

Qualidades acima do comum não se entendem em sílabas. Se sentem com a alma, com o coração, e não se precisa de mais nada.

Somos de sentir, não somos de explicar.

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É tempo de voltar para casa...

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Nota Final

Todos possuem uma pequena xícara. Cada presença, mudança ou aprendizado é uma gota que ajuda a enchê-la. Quando se atinge a borda, param-se as gotas ou esvazia-se a xícara.

A evolução é moeda viciada; nunca se desenvolve em terreno construído. Ou sim, mas, de estruturas antigas e abaladas, os sobrados são extremamente instáveis. Meus terrenos se acabaram. Não tive coragem de destruir o que já se foi. Em casas antigas e abandonadas do meu passado, alojaram-se vermes e parasitas.

Porém, minhas gotas não se cessaram. Seu líquido começou a transbordar, derramando e me deixando incomodado. Não era lógico destruir o que havia feito. Foram tão belas construções... Deveriam ser eternas! A idéia do belo perpétuo, junto com o orgulho de meus frutos, era intocável para mim. Qual criador não se orgulha ao ver sua obra desenvolvida?

Todavia, apaixonar-se por uma idéia é um bloqueio. Impediu-me de abrir os olhos para outras. Quando comecei a raciocinar e a perceber que o ilógico poderia ser vital, meus pés já estavam encharcados. O desespero de senti-los assim foi espantoso. Subitamente, segurei minha xícara, firme, com uma angústia da necessidade de renovar que chegara ao seu limite. Joguei todo seu conteúdo em rostos.

Primeiro erro decisivo em minha vida. Não, não foi erro.

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Mudança seria a palavra correta. A ação foi como se me tirassem da embalagem e jogassem em meio de crianças trapalhonas. A reação foi a revolta daqueles, de caras molhadas.

Destruí, em pouco tempo, boa parte de meus cortiços, deixando apenas terrenos limpos por um tufão repentino. Fiquei confuso de primeira vista. Neste momento, toda teoria se juntou em ponto minúsculo, chacoalhou meu cérebro e disse: e agora? Foi então que houve um estalo diante de meus olhos. O ponto se expandiu, ultrapassando o limite das palavras, clareando cantos escuros, ociosos e ocultos de mim mesmo e revelando a importância ou não relevância dos já descobertos. Analisando este mais novo refluxo, cheguei a uma conclusão: joguei-me do abismo pela última vez. Pelo menos, assim que será visto a qualquer outro.

Ao decorrer de meu tempo, muitas idéias e pensamentos passaram por mim. Sonhos, principalmente sonhos! Minhas teorias foram tão perfeitas para mim, lógicas.

Vivia em meu mundo, despreocupadamente do meu jeito: tentando arranjar respostas para tudo. Tentando ser parte das respostas de tudo. Sentia-me isolado e diferente de meu tempo. Não me sentia à vontade dentro de minha própria casa. O famoso e típico ser que o mundo não aceita. Os que foram descobertos e obtiveram sucesso, foram os viajantes espertos: aqueles que conseguiram desviar-se das armadilhas.

A sociedade não aceita anomalias, pois se sente ameaçada. A reação negativa ao diferente de seus conceitos já definidos.

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Ataca-nos das piores maneiras, sem pensar. Reação instintiva, às vezes não se pode culpá-la por isso. Mas a pior maneira é aquela, falsa e discreta. Creio ser o suficiente para me incluir neste grupo e, assim crendo, sou, e nada mais precisa ser questionado agora.

Como parte desta corja, aos olhos dos outros, tão freqüentemente atacada, sabia de seus truques e golpes, e defendia-me. Os esforços pareciam tão valentes que, quando minha primeira torre caiu, não entendi o que houve. Sem sentido, não era lógico! Se eu estava tão atento, como deixei que chegassem tão perto?

Então, fui iluminado em espanto pela realidade na qual não acreditava: chegaram porque era ilógico. Era irracional agirem assim, impensável e imprestável. É incoerente esta forma que o mundo gira e incrível como existe um sentido por trás da mesma. Não podia ter me baseado nas ilusões desse lugar. Acreditar em suas aparências é esquecer que existe uma realidade por trás que não segue a razão humana, aqui conhecida.

Todas as respostas, soluções e teorias mirabolantes que até então haviam saturado minha mente, repentinamente explodiram! Como uma viga de madeira que caiu em minha nuca e cuja ausência demoliu toda uma parede onde estavam meus quadros, recém terminados – anos de esforço e minhas últimas tintas. Cansei-me disso, tanto trabalho para nada! Levantei-me, limpei minhas vestes e, através dos destroços, caminhei para fora daquele calabouço. Descobri um novo mundo, e por lá fiquei. E por lá percebi do que realmente

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havia me cansado, e que existia muito mais além daquele vale.

Não sei se minhas palavras serão levadas a sério. Tampouco sei se as mesmas são de valia para qualquer um além de mim. Fui o único que soube de todo seu proveito. Fui quem sofreu para alcançá-las, e sem esse sofrimento elas soam apenas como palavras bonitas. Junto desta ultima ferida temporária, veio o ultimo conselho necessário.

Chegou o momento da primeira gota após a seca. Nela, sustentarei meus valores, idéias e ideais. Provavelmente, minha maneira não será cativante nem simpática aos outros, por algum tempo. Não me importo, nem mesmo um pouco, com isso.

Revolucionarei minha própria vida dentro deste recipiente que a contém. Tomarei algumas iniciativas que, finalmente, tirarão minha existência da rotina errada. Não me preocupo em parecer qualquer coisa.

Estarei sendo honesto, e não há como negar o notável poder de quem age com integridade, independente de parecer simpático ou não.

Não há mais razão para continuar a ser como antes. Acabou o tempo em que havia um resquício de liberdade para poder querer se mostrar da maneira que quiser. Com o tempo, a realidade infundada foi se revelando e acabou com a magia que ainda restava. Não mais espelhar um louco livre aos olhos do público. A lucidez veio e foi-se, deixando seu rastro de bom senso. O que resta é juntar em cesta tudo que puder colher. O tanto que aprendi, apenas eu saberei como

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usar. Não faz mais sentido outros saberem de minhas conquistas, por enquanto. Foram alcançadas para mim, e usarei da melhor forma, assim como todo o resto deveria fazer consigo mesmo. Sem mais mímica, nem sombra.

É fim dos meus dias de guia particular. É um trabalho que não quero mais, não vejo mais sentido. Devo me preocupar mais comigo nos próximos tempos. Reunir meus pensamentos, desenvolver-me e tentar alcançar a realidade que sei que existe, de alguma maneira e em algum lugar. Caso consiga ajudar ou guiar alguém a partir de hoje, provavelmente aconteceria devido ao próprio entendimento, do ser, a respeito de algo que sou.

Percepção de como levo meus dias, como vejo, e mais importante: que a junção disto levou-me à minha futura integridade. Inteireza que agora tenho uma leve, porém confiável, noção de como adquirir.

Irei tão longe neste lugar quanto conseguir! Mas, por hora, parecerei apenas um ser comum. Vocês não tomarão conta disso. Muito menos ouvirão qualquer muito mais de mim. É uma revolução silenciosa e pouco perceptível. Serei esquecido e, em momento secreto e indefinido, serei lembrado sublimemente, e esquecido novamente.

Conquistarei meu espaço nesse lugar, e terei uma vida

digna de meu valor, alcançando meu auge quando partir. Até lá, serei um homem cujo poder é invisível aos alheios, enquanto continuo adquirindo conhecimento e experiência.

Coloquei uma esponja dentro de minha xícara. Comecei a

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perceber como funciona a parte irreal deste lugar e, principalmente, a criar curiosidade por este lado. E isso, pequenos, não pode ser transmitido. Minha consciência é a medida de meu egoísmo, e analisando minha situação, ela está completamente limpa e dançante.

Neste momento, deixo as ruínas para trás. Correndo secretamente por terrenos limpos e livres, conhecendo horizontes que agora imagino como alcançá-los.

Não me importa quanto tempo levei para chegar aqui, quanto terei para aproveitar ou quanto para ocorrer outro refluxo. O tempo continua não existindo. Não esquecerei o que compreendi, independente do que seja. Ainda menos irei parar novamente para entender. Tornar-me-ei meu próprio Deus em meu mundo singular.

Minha ínfima voz aparenta comum a partir de agora. Ecoa por entre as paredes de meu último abismo visível – mas não meu último abisso pessoal. Rebate nas muralhas, nos pedregulhos, reproduz versão diferente da original, chegando aos ouvidos de cada um de maneira diferente, de acordo de como a engrenagem da vida gira para cada. Ecoa por entre as páginas deste livro. Este, que possui um imenso universo dentro de si, mesmo não parecendo assim.

Quase inaudível, por fim, meu último sinal: risadas cheias, alegres e vitoriosas. Estas que jamais poderão ser esquecidas. Com o passar dos dias, nada mais será ouvido. O abismo que deveria ser o grande teste, nunca mais trará nada de volta para aqueles que querem ver. Para qualquer um além de mim, apenas um som do vazio profundo. Como brisa que

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passa por entre os galhos de uma árvore seca, em meio à vastidão de um deserto de folhas e um menino cantando e dançando no horizonte infinito. Hoje, é a minha liberdade que dormirá em silêncio.

Tudo o que está escrito aqui pode estar errado, mas não para mim.

Sou misantropo. Sou anjo. Sou. Somos.

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Migração

Após tanto aprendizado neste lugar, há um momento onde a necessidade de partir é maior. Quando chega a noite é preciso deixar tudo para trás, partir sem bagagem.

Seus feitos se cessam, com o orgulho daqueles que os presenciaram. Suas memórias tornam-se lágrimas e sorrisos alheios.

Sua voz se silencia aos comuns, cantando para quem o amava. Sua alma se dissipa no ar, trazendo um orvalho frio pela manhã.

Seu amor sobe aos céus, como uma estrela efêmera de brilho infinito. Seu medo desce do altar e mostra-se irrelevante, escondendo-se na profunda terra. Sua história termina, tornando-se passado sem presente.

Seu coração, por fim, vive apenas dentro daquela por quem batia. Seus músculos definham, por não serem mais necessários. O que sobrou, torna-se apenas resto de matéria inutilizada.

Quando as sombras se encontrarem com a luz para formarem o crepúsculo, será o momento de fechar os olhos, para verem o que não conseguiriam abertos: seus sonhos, impossíveis e fantasiosos, tornando-se realidade em um lugar onde você escolheu estar quando fosse a hora, onde você pode fazer e ser tudo o que sempre quis.

E, finalmente, você abre suas asas.

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Prelúdio

Quando durmo, vejo cavalos pelo campo, como pássaros no imenso céu azul - sem limites. Sem preocupações, eles apenas cavalgam. Correm pelo prazer de correr e nada mais. Invejo-os! Gostaria de me juntar a eles e correr por entre as árvores. Correr, apenas correr, já seria um sonho realizado.

Como será que está meu belo? Não tenho notícias desde o dia do acidente. Todos se recusam a falar sobre ele, acham que é o culpado pelo meu estado. Lembro-me dos gritos, ainda ecoam em minha mente. Tudo aconteceu tão rápido. Um grito, um tropeço, uma queda e silencio. Escuridão. Ouvia alguém chorando, mas não sabia o porquê, quem. Não sabia nem mesmo o que estava acontecendo.

Lágrimas escorrem em meu rosto quando me lembro do desespero. Se não fosse por aquele dia, não seria essa marionete deitada na cama de um quarto frio, mas sei que não é culpa dele. Foi apenas outra vítima disso que é a vida. O que houve foi apenas conseqüência do simples motivo de que devia ter acontecido. Isso não tira minha preocupação com meu belo, mas me alivia. Nada é como deveria ser, mas tudo é como tem que ser.

Ao nascer do sol, minhas últimas companhias entram no quarto. Percebo lágrimas em seus olhos. Estão acompanhados por uma moça, de olhar sério e sereno. Enquanto ela organiza e prepara algo ao lado da cama, cada um deles faz sua última homenagem. Palavras e gestos de

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carinho e dedicação, junto o duro sentimento da partida repentina.

Não é fácil tomar uma decisão dessa magnitude, mas prefiro ter meus últimos momentos com as pessoas que amei do que simplesmente fechar os olhos em qualquer dia e não mais abri-los neste mundo. Seria um choque ainda maior, principalmente considerando que sou alguém com uma saúde tão instável e pouco tempo de vida, como fui advertido pelo médico. Não possuo nível técnico suficiente para entender o porquê, mas sinto que ele foi sincero em suas palavras. Até mesmo quem vê a morte todos os dias tem seu interior afetado por dar tal notícia a alguém. Sei que esta é a melhor decisão. Sinto que é.

A enfermeira segura uma seringa com um líquido, amarra meu braço com calma e aplica a injeção aos poucos. Os que estão ali presentes começam a chorar, mesmo que alguns o façam apenas por dentro. Meus olhos começam a sentir um peso macio e vão-se fechando, enquanto um sorriso se forma em meu rosto. Ouvia, ao longe, meus amados em Terra dizendo adeus e, em minha mente, retribui-os.

Cavalos correndo pelo campo, como pássaros no imenso céu azul, sem limites. Eles correm, apenas correm e agora estou correndo com eles. Correm apenas pelo prazer de correr. Corremos apenas pelo prazer de sermos livres, e nada mais.

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An-uir

Revia-avorn, Erunno! Lothron i menel cen lín balan! Lothron i aer lach na ned lín hen! Navaer Horthagail! Navaer! Pãn innas na i an-Iaun ned callon.' Voe rápido, Erunno! Deixe o céu ver seu poder! Deixe a luz sagrada estar em seus olhos! Adeus rápida luz! Adeus! Descanse em paz no santuário dos heróis.

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Ele

Uma luz escapou do meu quarto esta manhã. Pude sentir sua euforia quando me viu no outro lado da

rua. Fazia muitos anos que não entrávamos em contato. Ela trabalhava em um recinto respeitado. Fiquei feliz em vê-la após tanto tempo, e ela também. Correu em minha direção. Ninguém entendeu porque o fez. Talvez, ninguém tenha me visto, somente ela. Olhos fitados ao outro lado da rua, não reparou no carro que vinha. O barulho dos freios foi alto. Sem tempo de reação.

Quando abriu seus olhos, eles estavam tontos. Procuravam reconhecer o lugar onde estava - em vão. Nunca esteve em tal ambiente. Levantou-se de uma vez, assustada. Minha mão a acalmou. Por quanto tempo não senti este afago! Estávamos em cima de uma montanha. Especificamente no pico rochoso, com uma inclinação para o horizonte. Após se acostumar com o ar puro do local, ela se levantou. Deu uma bela olhada em sua volta e percebeu: estava no lugar dos seus sonhos. O lugar dos nossos sonhos. Surpreendeu-se e pôs-se a chorar. Não eram lágrimas abafadas, nem tristes, mas sim de alegria e de alívio.

Ao longe, dois cavalos corriam paralelamente ao horizonte. Ambos dos nossos sonhos: um branco, o dela, e um negro, o meu. O branco brilhava como a lua prateada, enquanto o negro reluzia como uma noite de inverno. Suas lágrimas caíram desesperadamente ao vê-los. Assoviei. Ao

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som, o negro diminuiu o ritmo, virou em minha direção e relinchou. Reconheceu-me. O branco não mudou sua trajetória, enquanto meu amigo começou a correr em minha direção.

Através de uma trilha ao lado da montanha, meu belo alcançou o topo. Sentada, ao meu lado, ela ainda chorava, gritando e movimentando suas mãos no ar, tentando agarrar, em vão, seu cavalo que corria. No entanto, ele não percebeu sua presença.

Ela não deveria estar lá. Eu a levei apenas para ver que nosso mundo existe, e que eu ficarei bem. Subi em meu cavalo e disse adeus. Olhou-me, como se não tivesse entendido. Estava desorientada. Trotando, meu amigo desceu a trilha da montanha para os campos.

Alcançando o aberto, ele começou a galopar. E galopamos, até alcançarmos novamente o prateado reluzente. Ambos voltaram a correr, mas eu estava junto a eles desta vez. Ao longe, pude vê-la em pé sobre a montanha, como uma estrela caída que desejava voltar aos céus.

Acenei nosso último adeus - por enquanto. Não, não era sua hora. Por essa razão seu fiel não pôde respondê-la. Ele nem ao menos percebeu que sua amiga estava lá. Não pôde, apenas porque não era hora.

Em um momento de desespero, ela tentou nos alcançar. Pisou em falso. Através dos raios do pôr-do-sol, seu vestido adquiria um tom alaranjado que se tornava mais forte quanto mais sua silhueta se aproximava do chão. Mal pude ouvir o

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baque surdo de seu corpo. Abriu seus olhos. Estava deitada, no meio da rua. O carro

brecou a tempo. Havia desmaiado com o susto. Levantou-se, meio tonta. Ao recobrar a consciência tentou, desesperadamente, procurar-me no outro lado da rua, onde estava antes. Não encontrou. Não estava mais lá. Procurou-me ao redor, sem resultados. Descreveu-me para as pessoas que, sem entenderem o porquê da tamanha preocupação, disseram que não viram ninguém com tal descrição. Ninguém mais havia me visto.

Respirou fundo, tentou se acalmar. Estava bem, nenhum arranhão. Pegou sua bolsa e pasta no chão e começou o caminho de volta para casa. Não entendia muito bem o que acontecera nesse tempo que esteve apagada, mas sabia que não fora um delírio. Fora um sonho. O seu sonho. Em cima de um prédio ao lado, eu a estava observando em seu caminho de volta para casa.

Cumpri minha promessa. Mostrei nosso mundo, cujo esta parte de mim está indo neste momento. Mostrei que ficarei bem. Dançando e cantando, agora sigo pelo meu caminho. Posso alcançar todas as metas que um dia prometi que alcançaria. Nós nos encontraremos em breve.

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Primo Auxílio

Sabe que cavalgará entre os campos mais belos, por entre trilhas na floresta, através de rios. Durante dia e noite. Desde o nascer do Sol além das montanhas até o nascer da Lua no infinito horizonte. Horizonte que nem toda eternidade seria tempo suficiente para descobrir, explorar, desfrutar.

Por mais que se passem as eras, grande parte do mundo sempre se manterá inexplorada, além de nossos pensamentos. Mesmo não havendo pensamentos quando estivermos lá! Pois não há medo, não há preocupações. Então, porque pensar, uma coisa tão mundana? Apenas seremos!

Seremos livres! Livres, assim como estas belas criaturas que tanto admira. Livres para correr pelos campos. Finalmente em paz.

Um dia, verá que nada foi em vão, desde o mais belo sorriso até a mais infame lágrima. Tudo tem e terá seu por que. Não se preocupe com perguntas sem respostas, pois um dia elas virão, ou não será mais importante.

Um dia, será diferente.

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Segundo Auxílio

Noites são escuras. Escuridão é solitária. Solidão é fria. Noites sempre serão desta maneira, nunca mudará.

São escuras e a Escuridão vem do lado negro. Pois, então, o que faz aqui, menina? Este não é seu lugar!

Não, menina, não! A noite não é um bom lugar para se estar. Por mais que sua luz a ilumine, ela não deveria brilhar na escuridão.

Mas, diga-me, o que faz aqui? O que fez essa escuridão surgir em torno de si? Sua tocha se apagar? O que fez você cair? Seus olhos deixarem de brilhar?

Levante-se, menina! Não, o seu fim não teve começo e eras pessoais virão antes de começar! Você é forte, única! Brilha com sua linda luz.

Não é o começo do fim, pois aqui ainda estou e, enquanto você me ouvir, serei seu apoio. Não deixarei você cair e seu fim não há de começar!

Ouvirá minha voz, mas não verá de onde ela vem. Tive que partir, minha amiga. Deixei esse lugar para aqueles que sonham. Aqueles que sonham com um lugar como o nosso, onde possam encontrar tranqüilidade como encontrei e como você há de encontrar!

Sim, tive de ir, mas não chore por esses dias. Fui para nosso lugar, preparar tua chegada, que virá muito tempo depois da minha partida.

Vamos! Levante-se! Lembre-se de seu belo fiel, ele está a

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lhe esperar! Vamos, lute neste mundo ingrato! Sua luta será

recompensada com eterna paz e passeios pelos campos, juntos às mais belas criaturas. E, ao final do dia, o Sol se esconderá por trás das montanhas, dando a notícia que mais um dia se foi em nosso mundo único e que sua estadia neste em que está, não foi em vão.

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Derradeiro Auxílio

Nem sei se minha voz será ouvida. Porém, estarei sempre com você.

Queria que você estivesse aqui e que seu mundo inteiro despertasse desse pesadelo que o assolou, mas isso não pode acontecer agora!

Essa desgraça deveria ter chegado ao fim, mas seu desígnio não quis assim. Todavia, mesmo estando ferida, não caia!

Lembre-se de que, um dia, deixará de se machucar em chuva de pedras. Temos nossas casas e nelas estaremos protegidos, sem medo dos fortes ventos da tempestade.

Não queira ir. Você faria muita falta no lugar onde está. Ainda há coisas para fazer.

Nem tudo tem uma razão, há um mundo para descobrir e uma vida para começar. Um dia, irá para nosso eterno repouso. Quando for tempo.

Lembre-se de que sempre estarei aqui. Sempre lhe apoiarei, levantarei quando estiver caindo, carregarei quando estiver cansada. Ouça minha voz.

Agüente. Seja forte. Fique firme! Por mais que tentem lhe derrubar, por mais que tenha a vontade de deitar e não mais acordar neste seu canto, resista!

A gente se vê por aí!

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Ela

Aquela foi a última vez que me ouviu. Ela não me ouve mais. Não percebe que estou aqui. Faz muito tempo que não conversa comigo. Acho que não sente mais a minha falta, ou apenas pense em mim e se esquece de que não sou mais capaz de ler seus pensamentos. Talvez, não precise mais de mim. Ainda assim, sempre a protejo, embora ela não se lembre mais disso.

Como tudo muda tão rápido e regride na mesma velocidade. Creio que a humanidade não suportou a harmonia por muito tempo. O desequilíbrio está afetando a todos, mas não é mais problema meu. Não me lembro quantos invernos já se passaram, aqui, desde minha mudança de nível. Enfim, isso também não importa agora.

Aquele seu sorriso que eu gostava tanto de ver, agora tão distante. É, acho que não faço mais falta. Não a culpo. Sei que há muito tempo não estou presente da maneira que ela gostaria que estivesse. Não aprendeu a enxergar através da fina membrana que há entre nós, e isso complica as coisas. Porém, sabe que não foi minha escolha. Tinha que ser assim. Bem, só me resta esperar, enquanto brinco com o vento. Ao menos não é tão deprimente do que ser ignorado, como na época em que era visto aos olhos comuns.

Sinto falta dos pássaros. Atualmente, não ouço mais seus cantos. Ainda existem? Seria uma pena se não. Infame mania humana, destruir as coisas belas que já existiam antes deles.

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Respeito sempre foi algo que faltou por aqui. Mais uma vez ela volta pra sua casa. Sigo-a, como uma

sombra. Vejo-a deitar-se em sua cama e fechar seus olhos. Espero, chamo-a, mas ela continua não me ouvindo. Não sei por que ainda faço isso. É instintivo.

Ao amanhecer o despertador toca, mas seus olhos não abrem. Neste mundo confuso e barulhento, como poderia uma pessoa dormir em paz? Passam-se os minutos, as horas. Ela continua imóvel. Desta vez ninguém vem acordá-la. Mora sozinha. Seus pais já não estão mais ali, nem qualquer outro parente. Já não é mais uma menina. As rugas de seu rosto mostram experiência.

O telefone toca. Ela ainda não acordou. Aproximo minha mão em sua testa. Consigo sentir o frio. Ela está esperando. Suavemente, falo em seu ouvido: “está na hora de partirmos, minha amiga”. Aos poucos, uma imagem prateada começa a se levantar. Não aquele corpo cansado, mas sim uma bela moça, de cabelos escuros e olhos profundos. Era minha menina!

Em meio à selva de pedra, ninguém nos via, mas estávamos ali. De mãos dadas, iniciamos a partida para um lugar na direção do Sol poente. Flutuamos por entre os enormes edifícios. Neste lugar onde a natureza foi rejeitada não conseguíamos ver o Sol, mas sabíamos que ele estava lá. Depois dele, sabíamos o que iríamos encontrar.

Está na hora de descansar.

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Erunno

Atrás das montanhas, o sol vai descendo devagar. A noite vai chegando. Brisa fria como as de outras noites, mas hoje é diferente.

Longe, descansando em outra floresta, ouço as criaturas cantando e festejando ao redor. Parece que algo está incentivando-os a cantar com mais alegria, tocar suas flautas com mais melodia, dançar com mais harmonia. Hoje será especial. Dias felizes, noites tranqüilas, mas naquele momento eu teria que partir.

Madrugada escura, fria e iluminada pelas fogueiras amigas. Escura, mas bela. No céu, minha querida e adorada lua, majestosa, iluminando a todos nós. Ao seu redor, estrelas, muitas estrelas. Entre elas, uma especial, brilhando com uma luz única. Fiquei a observá-la, quando então ela começou a cair. Imagem estranha, mas extremamente linda. A hora havia chegado.

Montei em meu cavalo e cavalguei, seguindo aquela estrela. Sua luz se escondeu no horizonte. Não muito depois, ao subir uma colina, encontrei seu refúgio em uma casa de madeira, além de grandes campos e perto das montanhas. Parti em sua direção.

Uma janela emanava uma luz brilhante, uma luz que trazia paz. Desmontei de meu cavalo e abri a porta de madeira. Subi as escadas. Abri uma porta e a luz expandiu pelo corredor. No quarto, descansava uma linda moça.

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Cabelos escuros, olhos profundos, como uma linda princesa. Dormia em seu outrora sono eterno.

O raiar do amanhecer atravessou a janela. Fiquei a noite toda olhando aquele belo ser que estava deitado gentilmente. No momento em que a luz do sol tocou seu rosto, ela deu um suspiro. Quando abriu seus olhos, eles estavam tontos.

Com um sorriso, disse: “bom dia minha amiga, seja bem-vinda ao Fim... Gostaria de uma xícara de chá?”.

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Maegalas

Não entendi muito bem o que estava acontecendo. Vi, então, meu querido amigo. Sorri como há tempos não sorria.

- Obrigada pela recepção! Estou feliz por estarmos

aqui! E obrigada, mas não quero chá. Quero que você

me mostre nosso lugar, preciso conhecer o que jamais

apreciei. O que sempre quis ver.

Devagar, da cama levantei e o segui, descendo as escadas. Abri a porta. O sol estava brilhando e o ar fresco suavizava a bela manhã.

- Mostre-me minhas belas criaturas! Estão a me

esperar? E seus belos? Quando vou conhecê-los? Leve-

me à sua linda casa. Estou ansiosa para cavalgarmos

juntos! Conhecer meu fiel. Correr com ele pelos meus

pastos, pelas suas florestas. Antes, novamente lhe

agradeço por me receber! Ficaria perdida sem você

neste mundo ou até mesmo no mundo anterior.

Obrigada!

Via flores em minha frente. Arvoredos em um campo aberto, sombreando animais e plantas. Pequenas árvores em volta de minha casa e um belo riacho.

As montanhas distantes me encantavam, mas fiquei apavorada. Não vi minhas belas criaturas: onde estão? Ele assoviou.

Por trás das mais próximas montanhas um perfeito cavalo saiu a galope. Tão negro como a noite. Tão rápido como o

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vento. Tão forte como um raio. Fiquei pasma quando vi outros belos seguindo-o. Dentre eles, meu fiel. Reconheci-o de longe. Um branco prateava em seu pêlo que brilhava como a lua.

Naquela hora, lágrimas caíram. Sorri novamente, pois vi a mais bela imagem acontecendo diante dos meus olhos. Não era mais sonho. Abracei meu amigo e esperei os belos se aproximarem. Não havia palavras e também nenhuma reação. Ele apenas sorriu, tirou-me de seus braços, pegou em minha mão e me levou até eles.

Meu fiel me reconheceu. Com estrema calma, seu focinho encostou-se em minha mão. Lágrimas incessantes! Mal acreditava que aquilo estava acontecendo.

Meu querido amigo já havia montado em seu cavalo. Montei meu belo e cavalgamos em direção as montanhas. Outros nos seguiam. Não sabia para onde iríamos.

- Quem sabe, agora, é você!

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Epílogo

A cada nascer da lua os ares se renovam – é o que dizem. Será que ela nunca nasce por estas bandas? Como nos outros dias, ainda não repararam em mim. Maldito lugar de gente arrogante.

- Como é? Estão servindo os mortos primeiro?

Minha caneca está vazia e não estou aqui para olhar

as paredes em sã consciência! Nem ao menos olharam para mim. Tudo bem, farei minha

última tentativa. Se não funcionar, mergulharei a cabeça daquele taberneiro no primeiro barril que ver e pegarei minha própria bebida.

- Ouvi, de minha mesa, suas lamúrias. Mas que

coisa no mundo poderia lhe aborrecer numa noite

como esta?

Um corpo bonito. Não consigo reparar no rosto, o ambiente está esfumaçado e escuro. Mesmo se não estivesse, com esse corpo, não repararia em qualquer outra coisa.

- Mais uma caneca, taberneiro! Vou acompanhar o

rapaz.

Aquela silhueta sentou-se em uma cadeira à minha frente, escondendo-se em boa parte. Sem outros lugares para desviar olhares, percebia um rosto delicado, embora não conseguisse ver com clareza. Deve ser a mistura dos vapores de cerveja e cachimbo, e um tanto de vinho. Se aquele taberneiro vier a minha mesa agora, afundo sua barba ao

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chão! - Falta de bebida e fumaça de fumo barato!

Acredite, se fosse acostumada, saberia o quanto

aborrece!

- Acredito, rapaz. Sei bem o que quer dizer.

Sabe? Com essa voz, parece não ter sentido um trago em sua garganta nem por uma única vez. Sem lembrar daquele corpo que não aparenta ser de quem bebe uma gota, nem mesmo uma! Não consigo conter uma gargalhada, um tanto quanto incrédulo.

- Se você o diz! Diga-me, o que faz uma tão bela e

delicada senhorita neste recanto sujo e com cheiro de

velho? Sabia que, ao sentar comigo, estará atrasando

sua bebida? Embora ela chegue cedo ou tarde, nem

que eu mesmo tenha que ir buscá-la.

- Não precisa se incomodar, logo estaremos com

nossas canecas cheias. Quanto a mim, passo por aqui

em certas noites. Alguém me chama para este lugar,

sabe?

Não sei, mas ouvir isso me traz lembranças desvanecidas. O sorriso dela parece saber de algo misterioso, embora não consiga identificar nitidamente um sorriso neste rosto. Há uma impressão de que sei sobre o que ela está falando.

- Não que ainda tenha esperanças de encontrar esta

pessoa. É como uma casa da qual me mudei, mas

insisto em visitar por sentir que esqueci algo. Criei um

bom costume. Além disso, são nos recintos sujos e

velhos onde ouço as melhores histórias.

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- Esperança é algo que nós mesmos criamos – disse, afastando minha caneca para o lado da mesa. Ela pode

lhe dar forças, quando mais nada consegue. É o que

dizemos quando queremos encontrar algo que parece

não existir, por mais que procuremos, ou até mesmo

quando temos preguiça de tentar mudar as coisas.

Dizemos que temos esperança, que vamos

conseguir, embora isso seja tudo que façamos.

“Utilizei este pensamento até poucos tempos atrás.

Quando percebi que não deixa de ser apenas uma

fuga para os fracos, estava atrofiado e preguiçoso. É

para consertar este erro que vivo. Minhas histórias

não seriam dignas de serem contadas. Não passariam

de cochichos de ouvido a ouvido de velhos sem vida,

entre uma risada e outra! Malditos pedaços de carne

sem alma!” Dei um murro de punho cerrado sobre a mesa. Como se

não bastasse ter percebido minha fraqueza tão tarde, tenho que agüentar ratos querendo se intrometer! Ainda tive confiança, mas já houve seu tempo. Devo esquecer isto agora. Minha caneca tombou. A moça aparentou nem ter percebido.

- Sempre acreditei em esperança. Deve ser o que

deixa até o homem mais sábio não se render à morte

opcional – disse ela, enquanto levantava minha caneca, sem nem ao menos olhar para ela. A esperança de que

melhore, ou de que algo aconteça. É uma idéia que traz

benefícios, quem há de interferir? Porém, se você pensa

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que errou enquanto descobria seu significado, então

que os deuses te ouçam, querido, e que tenha sucesso

em teu novo caminho. E assim, também o desejo. Alguns rapazes se aproximaram da mesa, com certa

dificuldade em carregar um barril de cerveja para os fundos do estabelecimento. No momento em que viraram as costas à moça, uma briga começou no canto contrário do estabelecimento. Deixaram o barril que carregavam perto de nossa mesa e foram tentar acalmar a discussão. Litros de cerveja ao lado da minha mesa, e nem tive que buscar por mim mesmo! Um golpe de sorte.

- Deuses são tão verdadeiros quanto a própria esperança, minha cara! – com a ajuda de uma alavanca posicionada na tampa, retirei-a. Tão verdadeiros quanto!

Ao menos, aqueles que existem. Se não forem a

mesma coisa, ou vierem do mesmo poço. O que

importa, no final das contas, é no que você quiser

acreditar. Se existem aqueles que se sentem bem

com esta historinha, não é um boêmio que vai interferir! – repeti, com olhares na espuma que começava a descansar sobre o líquido.

“Apenas não é o mesmo caminho que o meu. Botei

minha vida em mãos de outros meios além daqueles

que as minhas próprias alcançam e isso deve ser

consertado. Apenas não sei como. Na verdade, não é

um bom momento para pensar nisso. Não prefere

sentir o gosto de uma bebida?” - Humm.. – pensou por um instante, aparentando saber

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da resposta desde o início. Aceito, caso não o incomode! Como se estivesse apenas esperando tocar no assunto,

inclinou-se em direção ao barril. Pousou suas mãos em seu conteúdo, afundou-as e retirou uma caneca do fundo, cheia. Como se soubesse que havia um recipiente ali dentro. Levou lentamente à boca, bebendo em pequenos goles. Continuou assim pelo resto da noite, não precisando reencher uma só vez.

- E você rapaz, espera alguém?

Levantei-me até perto daquele meu tesouro momentâneo, segurei minha caneca pela alça e abaixei-a em um movimento pendular, enchendo-a calmamente. Sentei em minha cadeira novamente, sentindo o cheiro de algo que minha garganta esperava ansiosamente. Atendi seu pedido, tomando dois grandes e longos goles. Sorri. Repeti esta ação a cada vez que minha garganta secava, pedindo por um pouco mais.

- Não sei quanto a você, mas cerveja é o que mais

me agrada neste instante. Vinho é apreciável, mas não é o momento. Este lugar induz a cerveja! – dei outro gole, sorrindo. Enfim, gostos à parte, estou

esperando por alguém sim. E quem não está, não é

mesmo? Todos estamos. Sejam por pais, amigos,

companheiros ou pelos deuses e sua misericórdia.

Junto a tantas outras pessoas, apenas não sei quem.

Talvez a mim mesmo. Acho que podemos escolher a

quem esperar, ou o que. É uma especulação de algo

ou alguém que queremos ou precisamos. Quem você

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prefere escolher?

- Nunca tinha pensado desta forma.

Naquele momento, eu havia escolhido esperar por uma resposta deste gênero. A maioria das pessoas tem esse mesmo pensamento. Não esperava, porém, aquele olhar visível apenas pelo momento necessário para responder a minha pergunta. Parecia imaginar minha maneira de encarar a vida e o mundo. Sinto como se ela possuísse grande parte do conhecimento que eu obtive um dia, mas esqueci por algum motivo. Talvez, por ter adquirido muito cedo. Grandes tesouros, naquela época, mas mãos pequenas.

- Ninguém pensa! Por essas e outras que continuo

aqui, vindo e indo desse canto, sem futuro, cheio de

perdidos! As pessoas deveriam pensar mais, não

acha?

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- Ou talvez pensem demais – ela levantou suas sobrancelhas, arqueadas.

Resposta rápida. Sempre penso demais, mas tento deixar o desnecessário de fora. É uma luta difícil contra minha mente, mas creio estar no caminho certo. Como saber qual caminho é este?

- Pensar em inutilidades pode ser considerado? – tentei retribuir, desengonçado, a brincadeira com as sobrancelhas. Considero: perda de tempo. É ótimo se

distrair de vez em quando, mas o povo não sabe

fazer outra coisa. Pensar, de verdade, ninguém o faz.

Desperdiçam uma chance que lhes foi dada ao

nascerem humanos. Ou, quem sabe, uma chance que lhes foi retirada ao

nascerem humanos. Que me foi retirada. Oportunidades são criadas e se perdem a cada segundo, não há como saber qual você perdeu ao olhar um dos lados. Melhor não pensar sobre isso. É deprimente imaginar que você possa ter perdido sua grande chance na vida por simplesmente ter parado para espirrar e fechado os olhos por um instante.

- Perder tempo. Interessante. Tem gente que

considera perder tempo a melhor opção. Uma

preocupação a menos. Existem aqueles que o fazem

por distração, por não reconhecerem seus passos – ela olhou para baixo, como se pensasse em algo. Fazem-no por

não se lembrar da semente plantada no passado, e

não perceber sua muda que, por não poder receber os

cuidados necessários, foi deixada nos campos para

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crescer sozinha.

“Esquecem de que, no momento em que perdem

tempo, a árvore os espera para ter seus frutos colhidos.

Meu tempo sempre está perdido em algum lugar.

Nunca o encontro. Ele deve estar escondido, com

amnésia.”

Que criatura não consegue reconhecer seus passos ou perder tanto tempo por distração? Não há como perder algo que não existe. Sinto algo dentro de mim, como se fosse melhor manter-me em aberto para receber alguma coisa que ainda não estou conseguindo perceber o que é.

- Se estiver escondido, acredite, está escondido

dentro de ti. Afinal, essa idéia de tempo é tua. Faça

dela o que achar melhor. Preferi guardar o meu tempo

em baú, junto às lembranças de meu cachimbo e a

insanidade. Que as pessoas façam de seu próprio o

que quiserem! Ninguém me escuta. Ninguém tem que

me escutar. É uma maneira que decidi considerar,

imaginando que seria o lugar mais seguro sendo que,

uma vez fechado, o baú não pode ser aberto.

“Não tem sido uma boa. Talvez teria sido melhor

deixá-lo livre, expandindo para aonde bem

entendesse. Depois, bastava segui-lo, analisando e

aproveitando cada lugar por onde ele passou ou

escolheu passar. Para isso, também, servem as

ilusões! Alcançar lugares que você não alcançaria se

estivesse são e sóbrio. Ainda não é tarde para tentar

fazê-lo.

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Ilusões. Tudo o que sou é uma ilusão. Bebi o resto da cerveja que sobrou. Repeti o mesmo ritual, tendo mais uma vez uma caneca cheia e um boêmio feliz.

- Muito interessante. Gostei de sua pequena

interpretação sobre as ilusões. Penso o que você faria

se eu dissesse que sou uma – disse, rindo. Pensar qual

lugar eu o faria alcançar. Algo tão interessante quanto

se perder em tanta lucidez. Indo aos sonhos, onde os

pensamentos são livres. No fim, estou certa que lhe

desejaria uma boa noite.

Senti uma ponta de confiança em suas palavras. - Não é uma idéia tão irreal. Iria lhe dizer que foi um

prazer ter sua companhia, mesmo não estando

realmente à minha frente e que seria uma pena que

não fosse quem eu esperava! Talvez, você realmente

não exista, seja apenas uma ilusão de tanta bebida e

talvez você desapareça quando eu começar a me

aprofundar em meu consciente, em minha própria

razão. Sendo real ou não, eu lhe desejaria um bom

descanso. É melhor não confiar no que meus olhos vêem. - Não seriam as ilusões mais confiáveis? Afinal, é

você mesmo quem as cria. Talvez eu seja uma, talvez

não. Quem sabe, afinal?

- Prefiro pensar que seja, minha cara. Se não confio

no que minha mente cria, em que irei?

- Ilusões. São tão verdadeiras quanto falsas.

Às vezes, não sei o que é real ou não. Conceitos de

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verdadeiro e falso se tornam vagos e irrelevantes. Sinto que este é um desses momentos. Existe algo de errado. Mesmo assim, o sentimento é o mesmo de uma criança que encontra a próxima peça do quebra-cabeça e percebe o mesmo tomando forma. E isso pode ser ótimo, ou decepcionante.

- Depende da bebida a qual se toma! Qualquer

coisa pode ser qualquer coisa, tudo depende do seu

ponto de vista! Prefere o que? Não ter no que confiar?

Não ter em que acreditar? Então, que seja assim, se

preferir. Queira como quiser, e terá. Creia no que

quiser, e será. Tudo depende da bebida a qual se

toma, minha bela! E, na minha, eu confio. Pensei em ressaltar que não estava falando deste

maravilhoso sabor dourado que estou tomando, mas logo vi que era desnecessário. Se estiver no jogo em qual creio estar, ela já sabia disso.

- Sua bebida também confia em você.

Sorriu. - Pois bem faz ela! Bem, que outro algum o faz. E,

por isso, continuo nesse lugar. Um brinde! E que seja

servida mais uma dose certa desta fabulosa e

saborosa bebida; a liberdade de ser e alcançar até

onde quiser! É nesta que deposito minha confiança! As últimas peças começam a se juntar. É questão de saber

posicioná-las, tenho certeza disso. Algo está para acontecer. Seu rosto começa a ficar nítido.

- Em sua liberdade? É nisto que deposita sua

confiança, em ser livre?

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Percebi sua euforia e entusiasmo, como alguém desacreditado que recebe uma palavra de boa-venturança. Houve uma aproximação forte entre nós, uma estranha sensação de como estivéssemos nos unindo.

- Existem tantas liberdades, mas tantas! Quem dera

saber de todas. Acho que nem então poderia me

dizer livre. Liberdade é algo que está longe de me

conquistar por inteiro. Até então, tenho esta carne

mal-cheirosa onde minha alma foi obrigada a iniciar

sua aventura. Querendo ou não, impossível ser livre

nisto! Entretanto, seja impossível porque assim

penso. Quem sabe, não seria diferente se pensasse

de outra maneira, não é mesmo? Abaixou a cabeça. A esperança que ela tanto havia

acreditado veio e partiu no momento em que disse minhas últimas palavras. Levantou seu rosto, lentamente, como se houvesse apenas um resquício de vontade.

- É dada uma oportunidade aos seres humanos de

perceber que são livres. É um caminho árduo para

conquistá-la, mas a chance existe, sendo exclusiva para

eles. Não é fácil transpassar desse mundo de dor e

agonia, onde tudo parece ser dolorosamente inútil e

degradante, mas ela existe.

Consegui ver seus olhos perfeitamente, enquanto começavam a lacrimejar. Estava à beira de seu último precipício e parecia estar deixando de acreditar em um caminho de volta. Podia fazer algo por ela. Sabia o que tinha que fazer, mas algo me impedia. Bebi o resto de minha

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cerveja, não gostando da idéia de que mais uma oportunidade estava passando pela minha vida. Não conseguia acreditar, isso é a mesma coisa que desistir. Não havia apoio de ninguém mais, era apenas isso que precisava. Ouvir uma palavra de apoio, fazendo-me perceber que, mesmo em minha mais pura insanidade, não estava imaginando coisas e podia usar tudo o que aprendi. Simplesmente, não conseguia.

As palavras demoraram a sair. Tive medo de dizer algo que a espantasse de uma vez por todas. Fechei meus olhos. Apenas uma coisa veio em minha mente, e a disse:

- Livre é aquele homem que pode voar.

Como um golpe de misericórdia, ela tentou pela última vez. Jogou-se do abismo, deixando a decisão em minhas mãos. Não havia muito mais a fazer.

- Acredito que voa aquele que quer voar. Não é isso

que me disse esta noite? Queira como quiser, creia no

que quiser. Acredite em você mesmo, não precisa de

ninguém mais. Você sabe o que quer, e eu creio que

você vai conseguir. Eu acredito em você. Creia

também, meu querido. Deixe-me fazer parte de você

uma vez mais. Você está quase chegando ao outro

lado. Porque não abre suas asas?

O quebra-cabeça inteiro estava pronto e a última peça foi-me dada em mãos, sem chance de erro. Tive, finalmente, o apoio que precisava. Tinha certeza de que estava certo no que aprendi. Palavras que vieram do fundo de meu ser. Neste profundo recanto, acreditava em mim. Sabia que

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estava no caminho verdadeiro, por isso não o desviei. Acreditava em mim mesmo e isso era o suficiente. Agora consigo perceber.

Posso ser livre. Seu rosto se tornou nítido. Pude ver seus traços delicados.

Estava caindo, esperando que eu a resgatasse. Dei um suspiro, tentei esconder um sorriso. Respirei fundo. Olhei para ela e, calmamente, sorri.

- Gostaria de vir comigo, nesta singela dança por

entre as nuvens? Sorriu de volta. Segurou minha mão, que por sua vez

estava segurando a alça da caneca, e abriu um sorriso lindo. Sorriso da liberdade. Começou a rir, com uma felicidade tão incrível que seria impossível não se felicitar por ela. Felicitar-se por nós, que novamente voltaríamos a ser um.

Fechei meus olhos. Podia sentir que finalmente havia encontrado o que havia esperado por tanto tempo. Sabia que agora estava na hora de acolhê-la novamente! Tenho as outras partes de mim que seriam necessárias para nossa completa harmonia. Desta vez, não a deixaria crescer sozinha e muito menos seus frutos amadurecerem sem a devida colheita. Sei como cuidar do que pode me oferecer. Ao abrir meus olhos, ela já não estava mais em minha frente. A bagunça do lugar continuava a mesma, mas eu não.

Levantei-me da cadeira. Passei a caneca pela última vez por dentro do barril, para meu último brinde. Ninguém me via, mas brindei em bom e alto som. Tomei os últimos goles. Pousei-a em cima da mesa, pela última vez.

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Andei em direção à porta de madeira daquele lugar sujo e velho. Mais velho do que nunca! Virei-me, dei uma bela olhada em tudo que estava deixando para trás. Não há mais motivos para continuar perdendo tempo nesse lugar. O cenário começou a desvanecer-se, como uma miragem.

Olhei atentamente ao taberneiro. Estava servindo sua última garrafa de vinho. Quase que uma imagem invisível, virou seu rosto em minha direção. Acenou um adeus para mim.

Abri a porta.

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Agradeço a todos aqueles que forneceram fontes – idéias, conversas, palavras ou até mesmo desafios -

para que eu pudesse criar o que aqui está escrito e tornaram esse trabalho possível.

Agradeço também aos que ajudaram diretamente,

como correção, divulgação, revisão e nas críticas construtivas.

E a você, minha querida pessoa, pelo espaço de tempo

de sua vida que dedicou para ler minha obra.

Independente de seu conceito de tempo.

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MATHEUS YURI GRITZENCO DE GIOVANNI (Matheus De Giovanni)

Contato:

E-mail: [email protected] Website do livro: www.AnjoMisantropo.com.br Website do pessoal: www.MatheusDeGiovanni.com.br

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PAULO RICARDO LOMBARDI (Ilustrações)

Contato: E-mail: [email protected] Website: www.prlombardi.com

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