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Autor: ROSEMARY DE OLIVEIRA SCHOFFEN TURKIEWICZ NRE: GOIOERÊ Escola: COLÉGIO ESTADUAL DUQUE DE CAXIAS Disciplina: LITERATURA ( X ) Ensino Médio Relação Interdisciplinar 1: ARTE Relação Interdisciplinar 2: SOCIOLOGIA Conteúdo Estruturante: O DISCURSO COMO PRÁTICA SOCIAL Conteúdo Específico: INTERTEXTUALIDADE/LINGUAGEM LITERÁRIA Ilustração: Willian Matias de Andrade Você já ouviu a expressão hipertexto? Como ela pode ser relacionada às imagens acima? Para compreender melhor essas imagens ou pelo menos pensar sobre elas, fazemos uma leitura dos elementos composicionais. Mas é possível “ler” uma imagem? Não se lê apenas textos? Na realidade, em nossa vida, somos bombardeados por uma imensa variedade de estímulos visuais, sensoriais, auditivos que nos são apresentados através de diferentes linguagens, diferentes signos (imagens, gestos, letras, sons) que podem constituir ou materializar-se em textos que circulam socialmente e fazem parte de nosso cotidiano; pois nos diversos locais que freqüentamos e interagimos, quer seja no ambiente doméstico, profissional, círculos de amigos, eventos religiosos enfim, 1

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Autor: ROSEMARY DE OLIVEIRA SCHOFFEN TURKIEWICZNRE: GOIOERÊEscola: COLÉGIO ESTADUAL DUQUE DE CAXIASDisciplina: LITERATURA ( X ) Ensino MédioRelação Interdisciplinar 1: ARTERelação Interdisciplinar 2: SOCIOLOGIAConteúdo Estruturante: O DISCURSO COMO PRÁTICA SOCIALConteúdo Específico: INTERTEXTUALIDADE/LINGUAGEM LITERÁRIA

Ilustração: Willian Matias de Andrade

Você já ouviu a expressão hipertexto? Como ela pode ser relacionada às

imagens acima?

Para compreender melhor essas imagens ou pelo menos pensar sobre elas,

fazemos uma leitura dos elementos composicionais. Mas é possível “ler” uma

imagem? Não se lê apenas textos?

Na realidade, em nossa vida, somos bombardeados por uma imensa variedade de

estímulos visuais, sensoriais, auditivos que nos são apresentados através de

diferentes linguagens, diferentes signos (imagens, gestos, letras, sons) que podem

constituir ou materializar-se em textos que circulam socialmente e fazem parte de

nosso cotidiano; pois nos diversos locais que freqüentamos e interagimos, quer seja

no ambiente doméstico, profissional, círculos de amigos, eventos religiosos enfim,

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em todos os lugares de convívio social, nos comunicamos com textos, sejam verbais

ou não verbais, informativos ou literários.

Mas, o que são textos verbais e não verbais? Qual a diferença entre os

informativos e os literários?

Os textos podem desempenhar diferentes papéis e funções. Podem apresentar

diferentes estruturas e organização lingüística conforme o contexto no qual foram

produzidos, as relações que estabelecem, as situações a que remetem.

Os textos formados por imagens, desenhos, fotos, símbolos são chamados não

verbais, enquanto que os que se utilizam de palavras são considerados verbais.

Quanto à função que exercem socialmente: informar, divulgar, emocionar,

sensibilizar, pode dividir os textos em literários e não literários. Vejamos um pequeno

texto:O cego e o publicitário

Havia um cego sentado numa calçada com um boné aos pés e um pedaço de madeira escrito com giz branco:

“Por favor, ajude-me, sou cego.”Um redator publicitário que passava em frente a ele parou e viu umas poucas

moedas no boné. Sem pedir licença, pegou o cartaz, virou-o, pegou o giz e escreveu outro anúncio.

Voltou a colocar o pedaço de madeira aos pés do cego e foi embora.Ao cair da tarde, o publicitário voltou a passar pelo cego. Seu boné, agora, estava

cheio de notas e moedas.O cego reconheceu as pisadas do publicitário e lhe perguntou se havia sido ele

quem reescrevera o cartaz.- Nada que não esteja de acordo com o seu anúncio, mas com outras palavras.E seguiu caminho.O cego nunca soube o que estava escrito, mas o cartaz dizia:“Hoje é primavera em Paris e eu...não posso vê-la.”

Fonte: Revista Língua Portuguesa Ano II, Número 19

• Qual a diferença entre a mensagem escrita pelo cego e a escrita pelo

publicitário?

• Por que as pessoas contribuíram mais após a mensagem do

publicitário?

• Como podemos interpretar a frase “Hoje é primavera em Paris e eu ...

não posso vê-la.”?

Como podemos perceber muitas vezes o autor de um texto diz algo com um estilo

próprio, pessoal, uma forma particular de ver a realidade. Quando um texto utiliza-se

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de recursos lingüísticos que remetem a uma forma particular de ver a vida ele se

aproxima das obras de arte.

Mas afinal o que é arte?

Muitas são as definições de arte. Vejamos algumas:

A arte é uma mentira que nos permite dizer a verdade. (Pablo Picasso)

Para Kosik (2002), a arte é parte integrante da realidade social, é elemento de estrutura de

tal sociedade e expressão da prática social e espiritual do homem.

Já para Merleau-Ponty (1980), a arte não é tradução do mundo, mas instalação de um

mundo.

Mas já dizem por aí que uma imagem pode valer mais do que mil palavras...

Criança geopolítica observando o nascimento do homem novo 1943 – Salvador Dali

• O que os elementos dessa composição de Salvador Dali suscitam em você?

• Que elementos deste texto não verbal remetem à fantasia, ao fantástico?

• Essas imagens podem remeter a idéia de vida? Justifique:

• Pesquise o termo “geopolítica”

e procure estabelecer uma relação entre a pintura e seu título:

O texto literário é manifestação artística e pode ser lido num tempo diferente do qual

foi produzido, por interlocutores diferentes daqueles imaginados pelo autor.

Mesmo assim, pode ser compreendido em nossa época. A linguagem artística e

literária é assim, ultrapassa a barreira do tempo, não é uma notícia, mas informa

sobre sua época, questiona, faz com que mergulhemos em nós mesmos através dos

personagens e conflitos que apresenta.

Quando alguém faz uma “leitura” de um texto escolhe caminhos, percursos para

“decifrar” e compreender o que lê; estabelece conexões entre enunciados verbais e

não verbais. Esses percursos dependem da experiência como leitor, dos

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atravessamentos que rompem a leitura, como influências sociais, familiares, valores

de cada leitor.

Cada um ativa os links de sua memória, das relações que viveu ou vive e capta as

imagens sugeridas pelo texto.

link e' uma espécie de apontador para outra fonte de informação. Escolhendo esse link, obtêm-se a página de informação que ele designava que pode, por sua vez, ter também vários links.

orbita.starmedia.com/~neto_suporte/dicionario_de_termos.htm

É possível ter uma única leitura de um texto literário?“A linguagem literária - concretização de uma arte, a literatura - é marcada por uma

organização peculiar” - (Proença Filho,2003. p.14)

Cada época histórica e social apresenta desafios ao ser humano, enfrentamentos,

conflitos. A maneira com que o Homem lida com essas situações fica registrada

através de documentos, fotos, históricos. Porém, as emoções, a forma particular de

ver esse mundo, essa época histórica, só pode ser percebida de forma ampla pela

arte, pela Literatura.

A arte ou a linguagem artística tem a semente do questionamento da ruptura com o

pré-estabelecido, o estar no limite de algo.

Será que a arte imita a vida, ou a vida é que imita a arte? A arte é só representação?

Observe os textos abaixo:Texto A:

A Desintegração da Persistência da Memória, 1952

Texto B: “Relógio”

Diante de coisa tão doída

Conservemo-nos serenos.

Cada minuto de vida

Nunca é mais, é sempre menos.

Ser é apenas uma face

Do não ser, e não do ser.

Desde o instante em que se nasce

Já se começa a morrer.Cassiano Ricardo

• Observe o texto A, onde a maior parte da cena parece estar sob a água, transformada numa espécie de pele, onde figuras fragmentadas demonstram a desintegração. Podemos relacionar as imagens acima à

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Matemática? Como essa relação pode contribuir para a leitura do texto?

• Há perspectiva nesse texto? Como está sendo trabalhada?

• Que imagens sugerem o texto B?

• Qual a temática comum trabalhada nos dois textos?

• Podemos perceber uma metáfora comum aos dois textos? Justifique:

O tempo é uma convenção humana. Precisamos marcar nossa existência, deixar a

nossa marca de conquistadores, criar e demarcar territórios. Mas o tempo nos foge a

cada instante, escorre pelos vãos dos dedos, desafia a nossa permanência. E, esse

mesmo tempo, afasta a produção dos textos acima entre si e de nossa época atual.

O texto A foi produzido por Salvador Dali em 1952, numa espécie de releitura de

outra tela denominada Persistência da Memória. Esse fato nos permite perceber o

quanto um texto dialoga com o outro, seja de um mesmo autor ou de outrem,

enquanto que o texto B “O Relógio” foi produzido durante a revolução modernista

por Cassiano Ricardo onde podemos observar uma dualidade de idéias que dão

ritmo ao texto - ser ou não ser nascer e morrer - lembrando o próprio movimento do

relógio: Tic Tac, Tic Tac...

Muito se tem pensado sobre o tempo ao longo da história da humanidade, e muitas

áreas do conhecimento procuram lidar com ele.

Para lidar com nosso tempo de vida inventamos o relógio.

Para debater:-Você sabe quando e como foi produzido o primeiro relógio?

-Quais as áreas do conhecimento que trabalham com o “tempo” e como isso se

dá?

-Você já ouviu a expressão : “aquele é escravo do relógio”? O que ela lhe sugere?

-Procure encontrar a obra Persistência da Memória de Salvador Dali e compará-la

com a Desintegração da Persistência da Memória. Como dialogam entre si?

Vários períodos estéticos ou literários discutiram ou se preocuparam com essa idéia.

No período denominado de Barroco (século XVII) muito se falava a respeito da

brevidade da vida, da efemeridade. O homem em conflito entre os ideais

teocêntricos e religiosos revigorados principalmente pelos movimentos de Reforma

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protestante e Contra reforma e antropocêntricos, motivados pela idéias

renascentistas, debatia-se entre deixar fluir seus instintos carnais ou revitalizar seu

lado espiritual. Nesse dilema, abordavam como um de seus temas uma máxima

horaciana (de Horácio, autor da antiguidade Greco-romana), “Carpe diem” cujo

significado literal é colher o dia. Através dessa expressão, traduzem a idéia de viver

cada dia como se fosse o último, numa eterna preocupação com a morte.

Vejamos dois poemas de Gregório de Matos Guerra, autor do período Barroco:

TEXTO C:À MARIA DOS POVOS, SUA FUTURA ESPOSA.

Discreta e formosíssima Maria,Enquanto estamos vendo a qualquer hora,Em tuas faces a rosada Aurora,Em teus olhos e boca, o Sol e o dia:

Enquanto com gentil descortesia,O Ar, que fresco Adônis te namora,Te espalha a rica trança brilhadoraQuando vem passear-te pela fria.

Goza, goza da flor da mocidade,Que o tempo trota, a toda a ligeirezaE imprime em toda flor sua pisada.

Oh não aguardes que a madura idadete converta essa flor, essa beleza,em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

TEXTO D: MORALIZA O POETA NOS OCIDENTES DO SOL A INCONSTANCIA

DOS BENS DO MUNDO.

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,Depois da Luz se segue a noite escura, Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?Se formosa a Luz é, por que não dura?Como a beleza assim se transfigura?Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza, Na formosura não se dê constância, E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância, E tem qualquer dos bens por natureza A firmeza somente na inconstância.

Vamos pensar a respeito do texto C:-A primeira estrofe pode apresentar alguma dificuldade de leitura, uma vez que apresenta um recurso de linguagem denominado Hipérbato, ou seja, a inversão da ordem normal do enunciado (sujeito-predicado). Primeiramente tente passar os versos para esta ordem “normal”:-Agora leia atentamente o poema. Ele sugere a passagem do tempo? Em que verso ou versos?-A idéia de associar os termos aurora, sol e dia à aparência de Maria pode representar uma metáfora? Em caso afirmativo, o que pode significar?-Podemos perceber a máxima horaciana Carpe Diem nesse texto?Justifique:

Vamos nos deter, agora, ao texto D:-Em que ele se assemelha ou dialoga com o texto C?-Há alguma relação possível com os textos já estudados - A e B? Justifique:-Podemos perceber alguma oposição de idéias ou termos nesse texto quais?-Discuta com seu professor sobre Antítese e paradoxo e procure descobrir se estes recursos podem ser relacionados aos textos C e D:

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Saiba mais:Em duplas, realizem uma pesquisa sobre quem é Adônis, socializando-a em sala, procurando apresentar aos colegas uma opinião sobre a relação desse personagem ao texto C.

Outro período denominado Arcadismo, da mesma forma que o Barroco, também

defendia essa expressão latina “carpe diem”- aproveite o dia, o tempo presente, mas

por razões diferentes. Os autores desse período acreditavam que se a vida é

passageira, fugaz, deve ser aproveitada ao máximo possível. Essa idéia ainda ecoa

nos dias de hoje, principalmente voltada aos jovens: Aproveite o dia! Curta a vida! É

preciso organizar o tempo, preparar o futuro!

Necessitamos criar o nosso território seguro, porém vem a arte e nos desacomoda,

inquieta, desterritorializa.

Saiba mais-Em pequenos grupos pesquisem sobre como tem se dado a marcação do tempo

ao longo da história da humanidade, registre suas descobertas e socializem o que

aprenderam em forma de apresentação de painéis.

-Assista com seus colegas ao filme: “Sociedade dos poetas mortos”e observe

como o “carpe diem” é retratado nesse filme; depois debatam em sala o que

perceberam.

Observe agora um trecho da canção Epitáfio do Grupo Titãs e depois procure ouvi-la

na íntegra:Devia ter amado mais

Ter chorado mais

Ter visto o sol nascer

Devia ter arriscado mais

E até errado mais

Ter feito o que eu queria fazer

Queria ter aceitado as pessoas como elas são

Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração

-De que forma esta música dialoga, relaciona-se com os textos A e B?

-Há alguma relação com o Carpe diem? Justifique:

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-O texto apresenta, de alguma forma, oposições? O que isso contribui para a

leitura do mesmo?

-Pesquise e traga para a sala letras de música que dialoguem em algum aspecto

com os textos analisados.

Quando um texto dialoga com outro, estabelece relações, pontos de contato,

remetem a algo já criado por outrem podemos estar diante de um intertexto, pois o

autor pode ter utilizado um recurso denominado intertextualidade.

A obra literária, artística utiliza muito esse recurso, pelo qual percebemos a presença

de um texto em outro, de forma explícita ou implícita. A percepção de

intertextualidade durante a leitura pode enriquecer nossa compreensão do texto e

ampliar a nossa interação.

Assim, podemos ter intertextualidade de diferentes e diversas maneiras; quanto a

forma, a estrutura do texto, quanto ao tema ou citação de outros textos, estas duas

últimas são denominadas por José de Nicola de intertextualidade temática (partem

de um tema comum)e intertextualidade referencial (cita outro texto).

Vamos discutir: Os textos A e B podem expressar uma intertextualidade temática?

A intertextualidade pode ser usada para reiterar ou refutar uma idéia defendida, ou

ainda recriar – releitura de uma obra. O autor pode apropriar-se do já dito por outro e

produzir um novo texto. Outras vezes, quem acaba por estabelecer esse elo, esse

diálogo, pode ser o próprio leitor.

O texto O relógio de Cassiano Ricardo traz ainda uma idéia de oposição latente: ser

ou não ser, nascer, morrer, vida e morte.

Essa idéia de organização dual da sociedade há muito está presente e vem sendo

demonstrada, questionada pela arte.

O próprio período Barroco se organizava pela dualidade, carne e espírito, bem e

mal. Essa visão dualista de forças contraditórias que se enfrentam permeiam as

relações humanas. Mas será tão simples assim? Tudo é uma questão de opção por

isso ou aquilo? Será que esse pensamento maniqueísta dá conta das relações

humanas? E o que está no limite de um ou outro?

-Procure assistir com seus colegas e professores ao filme Memórias póstumas, de

André Klotzel, baseado na obra Memórias Póstumas de Brás Cubas de um dos

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nossos maiores nomes da Literatura, Machado de Assis ou ler o livro que pode ser

encontrado na biblioteca do Colégio.

-Essa obra fala com ironia sobre a morte, ou fala sobre a ironia da vida?

-Podemos perceber intertextualidade referencial no decorrer da obra?

-A obra escrita (romance) e a obra cinematográfica apresentam reafirmação de

idéias ou contestação?

Retomemos o texto A: Esta obra nasceu sobre a égide do Surrealismo, a arte do

inconsciente.

Vejamos o que diz sobre esse movimento a Revista Literatura sem segredos

(volume 9), segundo Clenir Bellezi de Oliveira:

O Surrealismo tem apoio filosófico nas teorias de Sigmund Freud e Karl Marx. Surgiu na

França em 1924.(...)

O Surrealismo propõe que a arte flua livremente a partir do inconsciente, da livre

associação, incorporando elementos de ilogismo, do sonho, da fantasia, não se

submetendo, portanto, a nenhuma teoria vigente, a nenhuma lógica. Na Literatura

preconiza a “escrita automática”, que deveria ser derramada sobre o papel como um fluxo

do mundo interior.

O inconsciente que abdica das razões, dos padrões, dos ditames da consciência.

Como o inconsciente pode representar ? Talvez a palavra seja criar.

Colocar-se diante de uma obra surrealista, de um texto literário é abrir-se para o

novo, para as possibilidades, para as conexões. É necessário ativar nossos links da

memória, nossos desejos, nosso conhecimento de nós mesmos e do outro; nossa

experiência de leitura, de mundo, nossa bagagem cultural, nossos medos, nossos

conceitos e valores. A leitura de um texto não é linear, homogênea. Muitas podem

ser as portas de entrada para esse mundo novo. Como saber que link será ativado?

Como ter uma leitura com tantas ligações possíveis ao alcance de cada leitor?

Nesse sentido uma obra literária é um hipertexto. Abre-se a vários percursos de

leitura e interpretação. O autor pode imaginar um público ideal, um caminho e deixar

pistas, marcas lingüísticas e contextuais para orientar seu leitor, mas não consegue

ter total domínio dos caminhos a serem seguidos. A relação autor-texto-leitor e

relações entre obras, diálogo entre textos é que nortearão a navegação, o mergulho

na leitura.

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Na construção do sentido, há um constante movimento em variadas direções, bem como o recurso ininterrupto a diversas fontes de informação, textuais ou extra-textuais. Verifica-se que a compreensão não se dá de maneira linear e seqüencial, como se pensava antigamente, o que vem a constituir um argumento a mais para afirmar que todo texto é um hipertexto. (Koch, 2006,p.63)O Hipertexto é, por natureza e essência, intertextual. Por ser um “texto múltiplo”, funde e sobrepõe inúmeros textos, textos simultaneamente acessíveis ao simples toque do mouse. Como encontro e/ou entrechoque das diversas vozes que permeiam esses textos, é essencialmente polifônico e dialógico (Koch,2006, p.67/68)

Vejamos mais alguns textos verbais e não verbais:LIÇÃO SOBRE A ÁGUA Este líquido é águaQuando puro é inodoro, insípido e incolorReduzido a vapor, sob tensãoE à alta temperaturaMove os êmbolos das máquinasQue, por isso se denominamMáquinas de vapor. É um bom dissolvente,Embora com exceções,

Mas de um modo geral,Dissolve tudo bem : ácidos, bases e sais.Congela a zero graus centesimaisE ferve a cem, quando à pressão normal. Foi nesse líquido que numa noite cálida de Verão,Sob um luar gomoso e branco de camélia,Que apareceu o cadáver de OféliaCom um Nenúfar na mão. Antonio Gedeão

• Qual a ligação perceptível entre os dois textos (verbal e não verbal)?• Quem é Ofélia?• Observe os versos da segunda estrofe: “É um bom dissolvente,/ Embora

com exceções,/ Mas de um modo geral, Dissolve tudo bem”. Qual o efeito de sentido possível se relacionarmos essa afirmação sobre a água com a presença de Ofélia? Realmente o poema apenas apresenta uma informação sobre a água? Qual a outra “lição” aprendemos?

• Mas de onde vem a personagem Ofélia? Por que inspirou dois artistas?• Podemos afirmar que houve intertextualidade entre essas obras? De que

tipo? Justifique:

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• Pesquise e apresente um resumo sobre a obra original onde a personagem foi criada.

A Literatura por sua organização peculiar pode ser analisada “lida” estabelecendo

infindáveis conexões que extrapolam o lingüístico, o contexto imediato de produção,

uma área do conhecimento. Ela não fala de história, mas ensina muito dos

percursos históricos; não discute sociologia, mas desmascara, questiona as relações

sociais; envereda rumo ao maior desconhecido e desafiador reduto almejado pelo

ser humano: seu próprio eu.

Desse modo a Literatura acaba por fomentar o trabalho interdisciplinar.

Muito se tem relacionado a Literatura à bases da Sociologia e da Psicologia.

A literatura é criada dentro de um determinado contexto e época e acaba com as

marcas desse contexto. Cada leitor pode, ainda, ser influenciado por aquilo que lê e

promover mudanças em seu próprio comportamento.

Segundo Antonio Cândido (1985), a relação entre obra literária e sociedade deve ser

investigada na estrutura que compõe o texto, não em sua superfície. A relação é

dialética, sociedade influenciando a obra, que por sua vez influencia a sociedade;

num equilíbrio dinâmico.

Barberis (1996) diz que o papel da crítica sociológica é, justamente, fazer com que

cada leitor comece a observar o mundo que nos cerca e perceba, aos poucos, que

os nossos hábitos, crenças e valores não surgiram “naturalmente”, nem são eternos.

A partir daí, começamos a entender que muito daquilo que nós julgamos “verdade

absoluta” não é bem assim; que a sociedade que nos cerca já foi diferente do que é

hoje.

Antonio Cândido coloca que a pergunta “qual a influência exercida pelo meio social

sobre a obra de arte?” deve ser imediatamente completada por outra: qual a

influência exercida pela obra de arte sobre o meio?

Tomemos alguns trechos do conto O menino de Lygia Fagundes Telles:

O meninoSentou-se num tamborete, fincou os cotovelos nos joelhos, apoiou o queixo nas

mãos e ficou olhando para a mãe. Agora ela escovava os cabelos muito louros e curtos, puxando-os para trás. E os anéis se estendiam molemente para em seguida voltarem à posição anterior, formando uma coroa de caracóis sobre a testa. Deixou a escova, apanhou um frasco de perfume, molhou as pontas dos dedos, passou-os nos lóbulos das orelhas, no vértice do decote e em seguida umedeceu um lencinho de rendas. Através do espelho, olhou para o menino. Ele sorriu também, era linda, linda, linda! Em todo o bairro não havia uma moça linda assim. (...)

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- Agora vamos que a sessão começa às oito – avisou ela, retocando apressadamente os lábios.(...)

Na rua, ele andava pisando forte, o queixo erguido, os olhos acesos. Tão bom sair de mãos dadas com a mãe. Melhor ainda quando o pai não ia junto porque assim ficava sendo o cavalheiro dela. Quando crescesse haveria de se casar com uma moça igual. (...)

A sala de espera estava vazia. Ela comprou os ingressos e em seguida, como se tivesse perdido toda a pressa, ficou tranqüilamente encostada a uma coluna, lendo o programa. O menino deu-lhe um puxão na saia.

- Mãe, mas o que é que você está fazendo? A sessão já começou, já entrou todo mundo, pô!

(...)- Não, meu bem, ali adiante – murmurou ela fazendo-o levantar-se. Indicou os três

lugares vagos quase no fim da fileira. – Lá é melhor. (...)(...) “olha aí, mamãe, acho que aquele homem vem pra cá! Veio. Veio e sentou-se na poltrona vazia Ao lado dela. (...)(...) Então viu: a mão pequena e branca, muito branca, deslizou pelo braço da poltrona e pousou devagarinho nos joelhos do homem que acabara de chegar.O menino continuou olhando, imóvel. Pasmado. Por que a mãe fazia aquilo?! Por que a mãe fazia aquilo?!...Foi então que as mãos grandes e morenas do homem tomaram avidamente a mão pequena e branca. Apertaram-na com tanta foca que pareciam querer esmagá-la.(...)Antes de terminar a sessão - mas isso não acaba mais, não acaba? -, ele sentiu, mais do que sentiu, adivinhou a mão pequena e branca desprender-se das mãos morenas. E do mesmo modo manso como avançara, recuar deslizando pela poltrona e voltar a se unir à mão que ficara descansando no regaço.(...) Então o homem levantou-se embuçado na mesma escuridão em que chegara. O menino retesou-se, os maxilares contraídos, trêmulo. Fechou os punhos. “Eu pulo no pescoço dele, eu esgano ele!”(...)Na caminhada de volta, ela falou sem parar, comentando excitada o enredo do filme. Explicando. Ele respondia por monossílabos.(...)Quando entraram na sala, o pai estava sentado na cadeira de balanço, lendo o jornal. Como todas as noites, como todas as noites. (...)

O conto “O Menino” parte da descrição de uma situação do cotidiano familiar, no

qual uma mãe prepara-se para sair com o filho, enquanto que este a admira e

através de seu olhar é que vamos conhecendo a mãe, a família, ou seja, a ótica da

personagem criança embora narrado em terceira pessoa. O título pode remeter a

idéias ligadas à infância, porém o texto trata de tramas e temáticas adultas, e,

embora povoado pela questão da traição, há outros aspectos envolvidos neste

brilhante texto contemporâneo.

A mulher é descrita conforme a visão tradicionalista da sociedade patriarcal. Ela é

linda, pura, boa mãe e esposa, vista pelo filho de forma endeusada. Ele chega a ter

ciúmes do pai, por ser o homem da mãe. Relata ainda o relacionamento mais

próximo mãe-filho do que o filho-pai, outro aspecto exemplificativo da organização

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social tradicional. Tudo funciona bem: o pai, a mãe, o filho, a célula mãe da

sociedade perfeitamente estruturada.

Leitura Extra-classe: Leia o conto O Menino, na íntegra, para responder as

atividades abaixo. O conto pode ser encontrado nos livros: Venha ver o pôr do sol e

outros contos (Editora Ática) ou Antes do Baile Verde (Editora Rocco).

Quando a expectativa inicial do conto começa a ser quebrada?

A ansiedade gerada no personagem do menino é demonstrada num misto de voz

narrativa narrador/personagem (discurso indireto livre), constituindo as marcas de

suspense, pontilhando o texto pelo mistério. Copie do conto um trecho que

exemplifique esse uso do discurso indireto livre;

Pouco a pouco a autora vai demonstrando uma crescente tensão entre os dois

personagens (mãe e filho) e apresenta um terceiro elemento, uma figura

masculina. Qual a importância do toque das mãos da mãe com esse elemento

masculino?O que podem representar metaforicamente?

Podemos afirmar que a personagem feminina rompe definitivamente com a

descrição ingênua feita pelo olhar infantil e aceita na visão patriarcal, subvertendo

a idéia de mãe e esposa voltada ao lar, com uma certa ‘sacralização” da figura

materna?Justifique:

Podemos perceber oposições nesse conto?Exemplifique:

Para debater:

O que leva a personagem mãe no conto de Lygia Fagundes Telles a agir assim?

Será que o papel feminino que lhe é legado pela sociedade castra seus sonhos?

Será um casamento apenas de aparências? Ou a personagem mergulha num

outro papel feminino também imposto socialmente hoje, da mulher sensual,

extremamente atraente, conquistadora (esteriótipo da sexualidade), cujos corpos

continuam a ser explorados pelo universo masculino? A personagem rompe com a

visão de família de base patriarcal, mas consegue libertar-se do universo de

organização machista?

Após o debate organizem as idéias sobre o papel da mulher em forma de texto

argumentativo.

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Os textos abaixo são fragmentos de canções populares atuais, procure ouvi-las ma íntegra com seus colegas e depois responder as seguintes atividades:

Rita Lee - Amor E SexoRita Lee

Amor é cristãoSexo é pagão

Amor é latifúndioSexo é invasãoAmor é divinoSexo é animal

Amor é bossa novaSexo é carnaval

Amor é para sempreSexo também

Sexo é do bom...Amor é do bem...

Titãs - FamíliaFamília, família

Papai, mamãe, titia,Família, família

Almoça junto todo dia,Nunca perde essa mania

Mas quando a filha quer fugir de casaPrecisa descolar um ganha-pão

Filha de família se não casaPapai, mamãe, não dão nenhum tostão

Família êFamília áFamília

Família, família

ATIVIDADES• Podemos perceber ou estabelecer conexão de alguma forma entre esses

fragmentos e o conto O menino de Lygia Fagundes Telles? Explique:• Amor e sexo são apresentados como oposição, quase uma antítese. Você

concorda que é tão simples assim escolher entre um e outro? Ambos não podem ser “duas faces” de uma mesma moeda?

• Organize uma lista dos adjetivos e substantivos atribuídos ao termo sexo e outra ao termo amor e compare-os:

• Observe os seguintes versos: “ Amor é divino/ Sexo é animal” . Eles podem remeter de alguma forma às angústias do período Barroco?

• Por que o termo carnaval foi atribuído a sexo? O sentido literal desse termo pode ter alguma relação com essa associação de imagens?

• Há dois versos que apresentam algo em comum entre sexo e amor, ou seja, a única parte desse trecho da canção onde os termos não se opõem. Localize e transcreva esses versos:

• Na canção Família, podemos perceber que tipo de organização social familiar nos versos “Filha de família se não casa/ Papai, mamãe, não dão nenhum tostão”?

• O texto reitera essa organização social ou a critica? Justifique:

Vamos pensar um pouco sobre o título deste material:

TINHA UM TEXTO NO MEIO DO CAMINHOTinha um texto no meio do caminhoNo meio do caminho tinha um texto

Ou seria um hipertexto?

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Page 15: Autor: ROSEMARY DE OLIVEIRA SCHOFFEN TURKIEWICZ · 2009-06-01 · Os textos formados por imagens, desenhos, ... “A linguagem literária - concretização de uma arte, a literatura

Ih, tropecei num intertexto!

Você já ouviu algo semelhante? Debata com seus colegas: Por que esse é o título do material e desse pequeno poema? O que ele tem em comum com as expressões destacadas nos dois últimos versos?

Agora é sua vez!Procure escrever seu próprio texto estabelecendo relações com os textos trabalhados neste material, ou seja, produza um intertexto de forma poética em verso ou prosa. Pode ser um texto ou uma canção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. São Paulo: Cia. Das

Letras,1967.DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Volume 1. Rio de Janeiro: Editora 34, 2005

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NICOLA, José de. Literatura Brasileira: das origens aos nossos dias. São

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Revista Literatura sem segredos nº 9. Escala Educacional. 2007

BONNICI, Thomas; ZOLIN, Lúcia O. (org.),Teoria Literária Abordagens Históricas e Tendências Contemporâneas. Maringá, Editora da

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TELLES, Lygia Fagundes. Venha ver o pôr-do-sol e outros contos. Editora

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