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1 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) ‘Vó Gertrudes’ e a suas Representações na Campanha Educativa de Trânsito da Prefeitura de Curitiba 1 Patricia GOEDERT MELO 2 Universidade Federal do Paraná/UFPR Resumo Analisar como a campanha educativa de trânsito ‘Vó Gertrudes’, da Prefeitura Municipal de Curitiba/PR, procurou construir a ideia de identidade com seu público é o objetivo deste artigo. Para tanto, a investigação apresenta como o objeto empírico se apropriou de recursos da linguagem publicitária para transmitir suas mensagens e estabelecer vínculos com os receptores. A metodologia utilizada foi a análise de discurso e os conceitos teóricos permearam discussões sobre a comunicação, o consumo, a identidade e a publicidade educativa. A personagem ‘Vó Gertrudes’ recebeu várias características no decorrer da campanha, como carinhosa, moderna, divertida, durona e educativa, as quais serviram como categorias de análise deste artigo. Considera-se, então, que a congruência desses diferentes modos de ser atuou como base para a construção de identidades com os envolvidos no trânsito da cidade. Palavras-chave: Comunicação; Consumo; Identidade; Publicidade Educativa; Vó Gertrudes. 1. Introdução Criada pela agência Opus Múltipla, a campanha educativa de trânsito ‘Vó Gertrudes’, da prefeitura municipal de Curitiba/PR, foi lançada em agosto de 2013 e está no ar até hoje. O interesse pela investigação deste objeto empírico recai especialmente pela maneira como o mesmo se comunica com as pessoas, tendo como porta-voz a personagem ‘Vó Gertrudes’: uma avó caricata, afetuosa, cheia de energia 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação, Consumo e Identidade: materialidades, atribuição de sentidos e representações midiáticas, do 5º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2015. 2 Jornalista, publicitária, mestranda no curso de Comunicação da Universidade Federal do Paraná e bolsista da Capes, e-mail: [email protected].

‘Vó Gertrudes’ e a suas Representações na Campanha ...anais-comunicon2015.espm.br/GTs/GT2/3_GT02-GOEDERT_MELO.pdfCriada pela agência Opus Múltipla, a campanha educativa de

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    PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015)

    ‘Vó Gertrudes’ e a suas Representações na Campanha Educativa de Trânsito da Prefeitura de Curitiba1 Patricia GOEDERT MELO 2

    Universidade Federal do Paraná/UFPR

    Resumo

    Analisar como a campanha educativa de trânsito ‘Vó Gertrudes’, da Prefeitura Municipal de Curitiba/PR, procurou construir a ideia de identidade com seu público é o objetivo deste artigo. Para tanto, a investigação apresenta como o objeto empírico se apropriou de recursos da linguagem publicitária para transmitir suas mensagens e estabelecer vínculos com os receptores. A metodologia utilizada foi a análise de discurso e os conceitos teóricos permearam discussões sobre a comunicação, o consumo, a identidade e a publicidade educativa. A personagem ‘Vó Gertrudes’ recebeu várias características no decorrer da campanha, como carinhosa, moderna, divertida, durona e educativa, as quais serviram como categorias de análise deste artigo. Considera-se, então, que a congruência desses diferentes modos de ser atuou como base para a construção de identidades com os envolvidos no trânsito da cidade.

    Palavras-chave: Comunicação; Consumo; Identidade; Publicidade Educativa; Vó

    Gertrudes.

    1. Introdução

    Criada pela agência Opus Múltipla, a campanha educativa de trânsito ‘Vó

    Gertrudes’, da prefeitura municipal de Curitiba/PR, foi lançada em agosto de 2013 e

    está no ar até hoje. O interesse pela investigação deste objeto empírico recai

    especialmente pela maneira como o mesmo se comunica com as pessoas, tendo como

    porta-voz a personagem ‘Vó Gertrudes’: uma avó caricata, afetuosa, cheia de energia

    1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação, Consumo e Identidade: materialidades, atribuição de sentidos e representações midiáticas, do 5º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2015. 2 Jornalista, publicitária, mestranda no curso de Comunicação da Universidade Federal do Paraná e bolsista da Capes, e-mail: [email protected].

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    e, ao mesmo tempo, preocupada com o trânsito e com as pessoas3. Dessa forma, o

    objetivo deste artigo é analisar como esta campanha procurou construir a ideia de

    identidade com seu público.

    A investigação apresenta como a campanha se apropriou de recursos da

    linguagem publicitária para transmitir suas mensagens por meio dessa personagem,

    evidenciando a tentativa em estabelecer vínculos e despertar o sentimento de

    pertencimento de crianças, jovens, adultos e idosos envolvidos com o trânsito.

    O estudo teve como base conceitos de autores como Baccega (2005), Canclini

    (1997) e Hall (2014). E como instrumento metodológico utilizou a análise de discurso

    (AD), que “procura descrever, explicar e avaliar criticamente os processos de

    produção, circulação e consumo dos sentidos vinculados” (JOSÉ PINTO, 1999, p.07).

    Segundo Orlandi (2003), ao aplicar a AD observa-se “os modos de construção do

    imaginário necessário na produção dos sentidos” (ORLANDI, 2003, p.18). A escolha

    por essa metodologia recai na necessidade em mostrar o como e o porquê a

    mensagem analisada diz e mostrar, e não somente o que ela diz e mostra.

    2. Publicidade Educativa, Consumo e Identidade

    Para a discussão sobre o objeto empírico, o artigo traz alguns tensionamentos

    sobre a publicidade educativa dentro de um contexto social da comunicação. Como

    diz França (2003, p.43): “apreender o social pelo viés das dinâmicas comunicativas

    que o constituem” é premissa para olhar a comunicação como prática social, fundada

    em reflexões baseadas nas trocas sociais.

    Para tanto, pesquisar a publicidade4 como dimensão social e cultural é estudá-

    la “como algo que contribui para nossa variável capacidade de compreender o mundo,

    3 O recorte da análise se concentra em algumas peças publicitárias da campanha nos anos de 2013 e 2014 (os critérios para esta seleção levaram em conta a relevância dos contextos sociais e culturais dos períodos de veiculação das peças analisadas). Em 2015, a prefeitura já veiculou outros anúncios com a mesma personagem, mas os mesmos não fazem parte desta investigação. 4 De acordo com Thauny (2014), apesar das terminologias ‘publicidade’ e ‘propaganda’ serem usadas

    indistintamente no mercado de trabalho, elas não são consensuais no meio acadêmico. No entanto, neste trabalho, os termos serão usados como sinônimos.

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    de produzir e partilhar seus significados” (SILVERSTONE, 2014, p.13). Ou seja, é

    “investigar as maneiras como a mídia participa de nossa vida social e cultural

    contemporânea” (2014, p.16), pois ela [a mídia] “oferece recursos para conversa,

    reconhecimento, identificação e incorporação” (2014, p.43).

    Neste sentido, a publicidade pode desempenhar um papel importante pelo seu

    caráter colaborativo no despertar de novas sensibilidades. Baccega (2005) traz para

    este debate a figura do publicitário enquanto comunicador, “sujeito que assume o

    discurso da comunicação, com sua natureza de redesenho dos discursos sociais em

    circulação” (BACCEGA, 2005, p.04). Desse modo, o publicitário, segundo a autora,

    ajuda a construir a edição do mundo, desempenhando papel importante no imaginário

    que se constrói e reconstrói.

    A partir desta perspectiva, é possível olhar a comunicação educativa como

    relação e não meramente como objeto, pois ela se transforma em dimensão estratégica

    para o entendimento da produção, circulação e recepção dos bens simbólicos

    (CITELLI, 2011). Entretanto, é preciso pensar estrategicamente este tipo de

    comunicação, neste caso a publicidade, para que ela contribua efetivamente para a

    mudança ou adoção de comportamento e atitudes. Um dos caminhos para isto é a

    construção de vínculos a partir do estabelecimento de uma relação de identidade,

    como ocorreu com a personagem ‘Vó Gertrudes’.

    Esta compreensão impulsionou a perceber no discurso publicitário das peças

    analisadas uma valorização pelo estímulo do consumo de suas mensagens enquanto

    prática social e cultural. O conceito de consumo é aqui debatido tendo como base os

    estudos de Canclini (1997). Para este autor, o consumo é um conjunto de processos

    socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos, serviços ou

    ideias, ultrapassando os exercícios de gostos, caprichos e compras irrefletidas.

    Este caminho leva a pensar a comunicação pela cultura, entendendo que, a

    partir disso, é possível investigar a publicidade educativa além da interação entre

    produção e recepção, pois o que está em análise é o entorno desses polos. RIBEIRO e

    ALDRIGHI (apud CERQUEIRA 2012) levantam o debate sobre o consumidor ao

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    afirmarem que este não é uma mente vazia e passiva, que registra ideias e internaliza

    o que o anunciante transmitiu. “Ele interpreta a mensagem recebida de acordo com os

    seus valores culturais, sua linguagem, escolaridade, condição socioeconômica e

    experiência, suas condições físicas e emocionais” (RIBEIRO e ALDRIGHI, 1995

    apud CERQUEIRA, 2012, p.19).

    Dessa forma, a identidade na publicidade é construída a partir de um discurso

    que reflete hábitos, costumes, vocabulários e crenças locais. “A partir de relações

    dialógicas e da presença de elementos iconográficos, etnográficos e culturais

    regionais, [o discurso] revela traços identificáveis nas mensagens dessa publicidade”

    (COVALESKI, 2013, p.119). Na mesma discussão, Covaleski apresenta os

    pensamentos do teórico Stuart Hall (2006 apud COVALESKI, 2013, p.131), que

    afirma que a “identidade cultural refere-se àqueles aspectos de nossas identidades que

    surgem do nosso pertencimento a cultura étnicas, raciais, linguísticas, religiosas e,

    acima de tudo, nacionais”. Esses vínculos, que resultam de conexões afetivas com os

    valores brasileiros, também compreendem a ideia de identidades regionais. Diferentes

    signos, que vão desde o vocabulário, expressões, patrimônio cultural, personalidades

    etc., são constantemente reforçados por diversas instituições, inclusive a mídia –

    pontos indicados pela análise empírica da campanha de trânsito ‘Vó Gertrudes’.

    Outra abordagem de Hall (2014) é sobre as estratégias representacionais que

    são acionadas para a construção do senso comum sobre o pertencimento ou sobre a

    identidade. Uma delas é a narrativa de nação – contada tanto nas literaturas quanto na

    mídia –, a qual pode ser correlacionada com a identidade local/regional. Ou seja, a

    mídia – e a publicidade está inclusa neste contexto – é uma das narrativas que

    impulsiona e fortalece o sentimento de pertencimento e de identidade. A campanha

    aqui investigada, ao usar recursos que buscavam aproximar o público da personagem

    construída ‘conta essa história’ a partir da mídia: anúncios em jornais e revistas,

    divulgação em mobiliário urbano, spot em rádio, comercial na TV e presença no

    Facebook.

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    3. Uma avó para todos

    Interpretada pela atriz Regina Vogue, artista reconhecida no cenário cultural

    da capital paranaense, a personagem central da campanha enfrenta vários obstáculos

    no trânsito, vivenciando situações de riscos encontradas no cotidiano. Seus diálogos e

    embates acontecem com jovens, crianças, idosos, pedestres, ciclistas, motoristas etc.

    Um dos caminhos trilhados, não só para atrair a atenção do público, mas para

    sensibilizar a população, foi criar essa avó que recebeu várias características:

    carinhosa, moderna, divertida, durona e educativa, as quais serviram como categorias

    de análise.

    FIGURA 1 – IMAGEM DO PERFIL DA VÓ GERTRUDES NO FACEBOOK

    Fonte: https://www.facebook.com/dicasvogertrudes/photos/a.629596810408612.1073741825.6198298913853

    04/644706158897677/?type=1&theater

    FIGURA 2 – IMAGEM PUBLICADA NO PERFIL DA VÓ GERTRUDES NO FACEBOOK Fonte: https://www.facebook.com/dicasvogertrudes/photos/pb.619829891385304.-

    2207520000.1430698839./667447923290167/?type=3&theater

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    PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015)

    Na imagem da FIGURA 1, a campanha procura passar a ideia de uma avó

    carinhosa e pronta para receber de ‘braços abertos’ seus ‘netinhos’ (como eram

    chamadas as pessoas que interagiam com o perfil da personagem no Facebook) e

    prestar orientações sobre o trânsito. A escolha da roupa, da cor azul ao fundo e do

    largo sorriso evidenciam esse discurso, o qual está implícito na imagem.

    Já a FIGURA 2 remete ao cuidado que somente aqueles que demonstram um

    vínculo afetivo colocam em prática. Quem já não se surpreendeu com um recado na

    geladeira de casa para lembrar ações importantes para seu dia a dia? Ao simular um

    recado fixado em um fundo que lembra uma geladeira, a campanha reforça o instinto

    cuidadoso da personagem com as pessoas que ela gosta, ou seja, seu público.

    FIGURA 3 – FOTOGRAMA DO FILME ‘VÓ GERTRUDES EM TRÂNSITO MODERNO | BIKE’

    Fonte: http://www.curitiba.pr.gov.br/tv/vo-gertrudes-bike/2751

    Entretanto, a campanha mostra que esta personagem vai além da ideia de uma

    avó que apenas fica em casa preparando o almoço de domingo. A ‘Vó Gertrudes’ é

    constituída a partir desse imaginário, mas também é moderna, como mostram as

    imagens da FIGURA 3: uma avó que anda de bicicleta pela cidade com mochila nas

    costas. A identidade dessa personagem e sua sintonia com o público são construídas

    dentro dos discursos, entretanto, não somente na fala da ‘Vó Gertrudes’, mas

    especialmente por suas expressões, posturas, roupas, acessórios, estilo de vida etc.

    A simbologia emprestada pelo Museu Oscar Niemeyer (MON) – a silhueta do

    ‘olho’ aparece em um dos quadros do comercial de TV (bike), sendo este um símbolo

    facilmente reconhecido como um ponto cultural importante para a cidade – também

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    PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015)

    colabora para embasar o estilo de vida da personagem como uma idosa moderna e que

    pode gostar de arte e cultura (pois está andando de bicicleta muito próxima ao MON).

    Além disso, esse tipo de símbolo ajuda a construir a identidade do público

    com a campanha, pois o MON é um ícone cultural e turístico de Curitiba, o que

    remete ao sentimento de pertencimento. De acordo com Covaleski (2013), as culturas

    nacionais são compostas não só de instituições culturais, mas também de símbolos e

    representações. Analisar o papel da representação deste símbolo cultural da cidade

    dentro de uma das peças da campanha tem relação com o que Almeida e Franqueira

    (2014) destacam sobre a importância da interpretação da imagem tanto quanto a do

    texto.

    Nessa perspectiva, as propagandas são compostas por discursos verbais e não-verbais construídos com base nas crenças e representações do público para o qual ela se destina. Mas, também, são carregadas de ideias e do contexto sócio-histórico de quem as produz. Visto que, “acima de tudo, a publicidade é discurso, linguagem e, portanto, manipula símbolos para fazer a mediação entre objetos e pessoas.” (CARVALHO, apud ALMEIDA e FRANQUEIRA, 2014, p.8).

    Um dos recursos que acompanha a personagem, fazendo parte da sua

    personalidade, é o humor. Características como carinhosa e moderna são amarradas

    com outras formas de ser da personagem: divertida e repleta de energia.

    FIGURA 4 – IDENTIDADE VISUAL USADA NA ÉPOCA DO CARNAVAL EM 2014 PARA

    ANÚNCIOS EM VEÍCULOS IMPRESSOS E FACEBOOK Fonte: http://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/vo-gertrudes-tem-marchinha-de-carnaval-para-alertar-

    motoristas/32146

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    PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015)

    Exemplo disso é a FIGURA 4, pois ao trazer a ‘Vó Gertrudes’ para a realidade

    do carnaval, a campanha também remeteu à diversão, à brincadeira e à alegria. No

    entanto, sem deixar de lado a mensagem principal: um trânsito seguro.

    Toda publicidade se desenvolve em torno de sentimentos e de tudo que afeta os interesses humanos: o bom e o mau, o confortável e o não confortável, o grande e o pequeno, o sublime e o ridículo etc., criam fatos que geram sentimentos, produzem reações e formam ideias (SANT’ANNA, apud CERQUEIRA, 2012, p.14).

    Essa dicotomia é percebida na FIGURA 4, partindo da ideia de que o folião

    que ‘pensa que cachaça é agua’ não deve dirigir, ou seja, a pessoa pode se divertir na

    festa do carnaval, mas não deve ingerir bebida alcoólica e aquele que prefere ingerir

    álcool, não deve dirigir. No entanto, o texto usado para esta mensagem utilizou do

    humor inscrito na expressão que também é letra de música de uma brincadeira que é o

    próprio carnaval. Ao ser a porta-voz dessa mensagem, a personagem – que está

    caracterizada como uma foliã ao usar uma máscara que lembra esta festa popular –

    transmite a ideia de ser uma pessoa idosa que gosta de carnaval, mas que, ao mesmo

    tempo, está atenta aos que preferem se arriscar no trânsito – entendimento visualizado

    pelo dedo da personagem apontado para o público que lê a mensagem.

    Covaleski (2013) contextualiza que uma das estratégias do discurso

    publicitário é recorrer a linguagens relacionadas às manifestações artísticas da cultura

    como forma de gerar maior aceitação do consumidor local. Segundo o autor, esse

    recurso desperta no público a sensação de pertencimento e de identificação não

    apenas com a cultura de sua terra, mas também com a mensagem publicitária.

    A estratégia de aproveitar o período do carnaval para trabalhar o conceito da

    campanha, buscando a mudança de comportamento do público e, com isso, a redução

    de acidentes e mortes no trânsito, não recai apenas por este feriado concentrar riscos

    pela relação de bebida e direção. Mas, também, pelo fato desta festa popular despertar

    o sentimento de nação, de pertencimento cultural e, assim, de identidade com a

    campanha. Para Hall, as pessoas participam da ideia de nação tal como são

    representadas em sua cultura, sendo muito mais do que apenas cidadãos. Pela

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    PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015)

    simbologia de nação – que pode ser utilizada para o pensamento de uma comunidade

    simbólica de Curitiba – é gerado um sentimento de identidade (HALL, 2014, p.30).

    FIGURA 5 – MATERIAL USADO EM ANÚNCIOS E MOBILIÁRIO URBANO

    Fonte: arquivo disponibilizado pela agência Opus Múltipla

    A expressão ‘cozido’, que aparece na FIGURA 5, é frequentemente

    pronunciada pelos os moradores de Curitiba quando querem dizer que uma pessoa

    está embriagada e ainda traz o imaginário da avó que cozinha para a família ao

    remeter a expressão ‘cozido’ com o prato conhecido no Brasil como o cozido de

    carne.

    Apesar da seriedade do assunto, a aplicação desta palavra no material de

    comunicação não é vista como falta de respeito. Ao contrário, pois, sendo uma

    expressão regional é facilmente assimilada, colabora para a construção da identidade

    por meio do processo de representatividade. A representação, segundo Hall (apud

    WOODWARD, 2014, org. SILVA), é examinada a partir da relação entre cultura e

    significados, pois inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio

    dos quais os significados são produzidos, dando sentido à experiência das pessoas.

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    FIGURA 6 – FOTOGRAMA DO FILME ‘VÓ GERTRUDES EM TRÂNSITO MODERNO |

    PEDESTRE’ Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=KzhG0G9dY38

    A expressão da personagem na FIGURA 6 demonstra a preocupação de que as

    pessoas sejam corretas no trânsito e que se respeitem. Já a reação do motorista ‘pego’

    pela avó em atitudes que desrespeitam o trânsito pode ser correlacionada com

    expressões semelhantes as dos ‘netos’ que são flagrados fazendo algo ‘errado’. Ou

    seja, além de deixar evidente a infração dos motoristas, a campanha também trabalha

    com o conceito de respeito e não de punição.

    A escolha em incluir na composição da personagem características mais

    severas não derruba as outras que são mais suaves. Hall (2014) define que o sujeito

    pós-moderno assume identidades diferentes em diversos momentos de sua vida.

    “Identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente. Dentro de nós há

    identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que

    nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas” (2014, p.12).

    Porém, todas essas características analisadas, que procuram estabelecer pelo

    discurso publicitário uma identidade com o público, não teriam razões se a

    personagem não colocasse em prática atitudes que visam educar – pois a campanha

    tem cunho educativo.

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    PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015)

    FIGURA 7 – FOTOGRAMA DO FILME ‘VÓ GERTRUDES EM TRÂNSITO MODERNO | BIKE’

    Fonte: http://www.curitiba.pr.gov.br/tv/vo-gertrudes-bike/2751

    FIGURA 8 – FOTOGRAMA DO FILME ‘VÓ GERTRUDES EM TRÂNSITO MODERNO |

    PEDESTRE’ Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=KzhG0G9dY38

    As imagens das FIGURAS 7 e 8 demostram essa preocupação ao explorar

    uma linguagem didática que apresenta o que está correto no trânsito: acessórios

    obrigatórios para os ciclistas; distância mínima entre o carro e a bicicleta; atravessar a

    rua na faixa de pedestre e o sinal verde para as pessoas atravessarem a rua. Esta

    narrativa detalha os pontos que muitas pessoas têm dúvidas com relação ao trânsito,

    mostrando o que é seguro e o que não é. Além disso, busca um entendimento mais

    rápido e claro por parte do público que visualiza, por meio das imagens dos

    comerciais, as situações corretas e erradas do cotidiano do trânsito. Isso abre para a

    possibilidade de identificação com as situações demonstradas, o que pode incentivar

    uma mudança de atitude.

    A campanha ‘Vó Gertrudes’ também trabalhou com ações voltadas ao público

    infantil. Mais de 36 mil alunos do 4º e 5º ano das escolas municipais de Curitiba5

    receberam a mensagem de um trânsito mais seguro por meio de diferentes

    5 Dados disponíveis no link http://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/cartilha-da-vo-gertrudes-trabalha-educacao-para-o-transito-com-estudantes/33037. Acesso no dia 19 de março de 2015.

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    PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015)

    abordagens, desde uma cartilha com informações e orientações sobre o trânsito,

    desenhos para colorir, cartinhas assinadas pela personagem e até máscaras com o

    rosto da ‘Vó Gertrudes’.

    FIGURA 9: IMAGEM PUBLICADA NO PERFIL DA PERSONAGEM DO FACEBOOK E TAMBÉM VEICULADA EM MATERIAIS IMPRESSOS DISTRIBUÍDOS AOS ALUNOS

    Fonte:https://www.facebook.com/dicasvogertrudes/photos/pb.619829891385304.-2207520000.1431798717./727342950633997/?type=3&theater

    A FIGURA 9 é um dos exemplos de comunicação trabalhada para conversar

    diretamente com as crianças. A estética da imagem já é um convite para o leitor

    imergir ao universo escolar: o fundo semelhante a um papel de caderno (com linhas

    na cor azul e margem vermelha); a letra cursiva; o circular na cor vermelha no trecho

    “nem de brincadeira”, que remete a um recurso frequentemente utilizado pelos

    professores quando querem chamar a atenção do estudante para alguma parte da

    escrita; as cores destacadas em verde e amarelo são típicas das canetas ‘marca textos’,

    que fazem parte do dia a dia dos alunos.

    O discurso traz o universo infantil, recorrendo à brincadeira e aos cuidados

    relacionados ao trânsito. Quando o título destaca “com o trânsito não se brinca” o

    recurso linguístico frisa que é preciso uma atenção redobrada no trânsito e que não

    pode ter distrações. Além disso, o texto faz uma interface entre a seriedade que o

    trânsito requer com a rua, que atualmente não é um local seguro para brincar: “andar

    ou correr na rua, nem de brincadeira”.

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    PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015)

    Considerações Finais

    Ao recortar a análise do objeto de estudo sob o viés da identidade, este artigo

    visualizou a comunicação como um processo cultural inerente às trocas sociais. Por

    isso, a investigação não ficou limitada aos estudos de mercado e às técnicas

    publicitárias (segmentação do público, escolha das mídias, abrangência da campanha

    etc.), que requerem uma pesquisa com um perfil instrumental.

    Para tanto, a discussão teórica sobre o consumo como reelaboração do sentido

    social foi base para compreender a produção de significados por parte do emissor.

    Esta percepção leva em conta que os comunicadores podem produzir significados que

    se identificam com seu público, gerando maior envolvimento com a mensagem e

    engajamento para futuras transformações de comportamentos e atitudes –

    especialmente quando a comunicação é educativa.

    A criação da personagem ‘Vó Gertrudes’ foi o eixo para a campanha construir

    identidades com o público. Para tanto, foi preciso idealizar uma avó que muitos têm

    em suas famílias ou desejariam ter: carinhosa, moderna e divertida, mas que dá

    bronca quando necessário e também educa. Essas características estão visivelmente

    presentes e estrategicamente trabalhadas em diferentes peças de comunicação. Esse

    conjunto de perfis que compõe a personagem transforma o seu diálogo com o público

    em uma relação semelhante à de uma avó com seus netos.

    Essa ‘naturalização’ da relação ajudou com que as mensagens encontradas nas

    peças de publicidade evidenciassem a intenção em construir um vínculo afetivo, de

    confiança e de respeito com os receptores. Mas este vínculo é estabelecido pela

    comunicação por meio do despertar do sentimento de pertencimento – que nasce a

    partir da construção da identidade com a população, especialmente pela presença,

    diálogo e relação da personagem ‘Vó Gertrudes’.

    Com isso, as análises dos pontos indicados para a construção da personagem

    convergem para a necessidade da campanha pela busca de uma representação, que é

    alcançada pela identidade a partir da personagem. Isto é, pelos vínculos que atraiam o

    público para a mensagem e que impulsionem para a mudança de comportamento

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    PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015)

    (neste caso, no trânsito de Curitiba). E todos os elementos da publicidade (slogan,

    identidade visual, construção do personagem, mídias, roteiro, imagens de TV etc.)

    foram essenciais para concretizar a representação da ‘Vó Gertrudes’, construindo,

    então, identidades com o público.

    O diálogo estabelecido entre a personagem com as pessoas e o caráter

    explicitamente educativo embutido em sua composição foram bases para a sua

    representação da ‘Vó Gertrudes’. A congruência dos seus diferentes modos de ser é

    que remonta à construção de uma identidade com os motoristas, pedestres, ciclistas e

    motociclistas estimulando, paralelamente, o respeito e a segurança no trânsito.

    REFERÊNCIAS AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA PREFEITURA DE CURITIBA. Cartilha da vó Gertrudes trabalha educação para o trânsito com estudantes. 2014. Disponível em Acesso em 19 de março de 2015. ALMEIDA, Jocilane Rubert de e FRANQUEIRA, Bruno. Violência de gênero: leitura e análise de propaganda educativa. In: XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha/ES, 2014. INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Disponível em: Acesso em 10 de fevereiro de 2015. BACCEGA, Maria Aparecida. O impacto da publicidade no campo comunicação/educação: recepção de professores e alunos de Ensino Médio. 2005. Disponível em: Acesso em 05 de abril de 2015. CANCLINI, Néstor García. Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995. CERQUEIRA, Camila Alcides de Sá. Responsabilidade social da publicidade: campanhas educativas voluntárias. Trabalho de Conclusão de Curso em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda. Brasília, 2012. Faculdade de Tecnologia e Ciências Sociais Aplicadas do UniCEUB – FATECS. Disponível em: Acesso em 15 de abril de 2014.

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    PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015)

    CITELLI, Adilson Odair e COSTA, Maria Cristina Castillho (org). Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento. In: CITELLI, Adilson Odair. Comunicação e educação: implicações contemporâneas. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 2011, p. 59 – 76. COVALESKI, Rogerio Luiz. A configuração de uma estética publicitária regional pernambucana. In: Revista Comunicação Mídia e Consumo. São Paulo/SP: ESPM, v. 10, n. 28, ago. 2013, p. 117 – 136. FRANÇA, Vera Veiga. L. Quére: dos modelos da comunicação. In: Revista Fronteiras – Estudos midiáticos. São Leopoldo: Unisinos, v. V, n2, dez. 2003, p. 37 – 51. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Editora Lamparina. Rio de Janeiro, 2014. HALL, Stuart e WOODWARD, Kathryn; SILVA, Tomaz Tadeu da (org). Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. 14. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. JOSÉ PINTO, Milton. Comunicação & Discurso. São Paulo: Hacker, 1999. ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso. Princípios & Procedimentos. 5. ed. Campinas/SP: Pontes, 2003. SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? 4. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014. THAUNY, Jeferson. Do moderno ao pós-moderno: HGPE e Facebook para veiculação de conteúdo eleitoral nas majoritárias de Curitiba, 2012. Curitiba/PR, 2014. Dissertação (mestrado em Comunicação) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná.