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Amanda Rossi Corelhano
Avaliação da freqüência de consumo de açúcar
de crianças de Araucária - PR
Curitiba
2012
2
Amanda Rossi Corelhano
Avaliação da freqüência de consumo de açúcar
de crianças de Araucária - PR
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de Odontologia da Universidade
Federal do Paraná como requisito à obtenção
do título de Cirurgião - Dentista.
Orientador: Prof. Dr. Fabian Calixto Fraiz -
Departamento de Estomatologia.
Curitiba
2012
3
Resumo
A freqüência de consumo de açúcar (sacarose) é o fator dietético mais associado ao
desenvolvimento de lesões de cárie. Com o objetivo de avaliar a freqüência desse consumo em
crianças escolares de 12 anos de idade do município de Araucária-PR foi aplicado um Questionário
de Freqüência Alimentar (QFA). Para a definição dos alimentos inseridos no QFA foram realizados
inquéritos recordatórios de 24 (vinte e quatro) horas aplicados em indivíduos com características
semelhantes aos da amostra. As categorias de freqüência utilizadas foram: nunca, raramente (menos
do que uma vez por semana), pelo menos uma vez por semana e pelo menos uma vez por dia, as
quais foram ponderadas em 0, 1, 2 e 3 respectivamente. Isso permitiu a criação do índice de
freqüência alimentar (IFCA) com amplitude de 0 a 51, o qual refletia a freqüência de consumo de
alimentos com açúcar. Participaram da pesquisa 61 crianças. O IFCA médio foi 31,38 (± 6,15),
valor mínimo de 15 e máximo de 50. Os alimentos sólidos tiveram peso maior na composição do
índice (59,4%) em comparação com os alimentos líquidos (40,6%). A média por indivíduo de
citação de alimentos com açúcar com consumo diário foi de 6,07 (±3,03), com mínimo de 0 e
máximo de 16, sendo que os alimentos líquidos foram responsáveis por 2,75 (±1,41) e os sólidos
3,31 (± 1,93). Os alimentos com açúcar com consumo diário mais citados foram balas e pirulitos
(82,0%), goma de mascar (78,7%), refresco em pó (67,2%), leite com achocolatado (47,5%), pão
doce (47,5%), doce de banquinha (39,3%), suco de frutas com açúcar (27,9%), café (29,5%), chá
(26,2%) e refrigerante (21,3%). Os resultados indicam que a freqüência de consumo de alimentos
com açúcar foi muito alta nesse grupo sendo que, quando considerados a citação de consumo diário
e do IFCA, os alimentos sólidos apresentaram uma maior contribuição. Esforços deverão ser
direcionados para a orientação dietética dessa população com vistas ao controle da cárie dentária.
Palavras - Chave: Açúcar, Dieta Cariogênica, Adolescente
4
Abstract
The frequency of consumption of sugar - sucrose - is the dietary factor most associated
with the development of caries. With the objective to evaluate the frequency of sugar consumption
in school children with 12 years of age from Araucária - PR was applied a food frequency
questionnaire (FFQ). For the definition of food included in the FFQ surveys were conducted 24-
hour recalls applied to individuals with similar characteristics to the sample. The frequency
categories were: never, rarely (less than once a week) at least once a week and at least once a day,
which were weighted 0, 1, 2 and 3 respectively. This allowed the creation of an index (IFCA) with
range of 0 to 51, which reflected the frequency of consumption of sugary foods. 61 children
participated in the survey. The IFCA average was 31.38 (± 6.15), minimum 15 and maximum of 50.
Solid foods have greater weight in the composition of the index (59.4%) than liquid foods (40.6%).
The average citation per individual foods with sugar daily consumption was 6.07 (± 3.03), with
minimum 0 and maximum of 16, and liquid foods were responsible for 2.75 (± 1.41 ) and solid 3.31
(± 1.93). Foods with sugar daily most frequently cited were candy and lollipops (82.0% of
subjects), gum (78.7%), powdered drink mixes (67.2%), milk chocolate (47.5% ), sweet bread
(47.5%), sweet stall (39.3%), fruit juice and sugar (27.9%), coffee (29.5%), tea (26.2%) and soda
(21.3%). The results indicate that the frequency of consumption of sugary foods is very high in this
sample is that, when considering the daily quote from the IFCA and solid foods had a greater
contribution. Efforts should be directed to this population dietary guidelines aimed at controlling
dental caries.
Key – Words: Sugar, Cariogenic Diet, Adolescent
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1. Introdução
A cárie dentária consiste em uma doença infecto-contagiosa de etiologia multifatorial
decorrente da interação entre fatores do hospedeiro, microbiota e substrato durante um determinado
tempo (Thylstrup e Fejerskov, 1988). Passível de prevenção, essa doença tem sido considerada a
doença crônica mais comum na infância e na adolescência. Ademais, é a causa primária de dor
bucal e perda dentária nestas idades (Patel; Tootla; Inglehart, 2007; Selwitz; Ismail; Pitts, 2007). É
fato que a partir dos anos 80 e 90 evidenciou-se um importante declínio da doença cárie na
população escolar, destacando-se a importância do conhecimento das condições de saúde bucal e o
planejamento das ações odontológicas voltadas para a promoção da saúde. Entretanto, apesar do
declínio de sua incidência em vários países do mundo, a doença permanece como um importante
problema de saúde principalmente em crianças vulneráveis economicamente (Gomes et. al., 2004).
De acordo com o último levantamento epidemiológico sobre as condições de saúde bucal da
população brasileira (Brasil, 2004), dentro da faixa etária dos doze anos de idade evidenciou-se que
mais de 60% das crianças da região sul possuem pelo menos um dente permanente afetado pela
cárie dentária. Autores afirmam que há uma direta correlação entre a dieta do indivíduo, os níveis
de microorganismos relacionados à cárie – como por exemplo os estreptococos do grupo mutans - e
a experiência dessa doença (Beighton et. al., 1996). Esses mesmos autores desenvolveram uma
estudo no qual avaliaram a associação entre a dieta, a experiência de cárie e o nível de bactérias na
saliva de escolares ingleses na faixa etária dos doze anos de idade e constataram que há uma
correlação significante entre os níveis salivares de S. mutans, lactobacilos e outras bactérias
fermentadoras e os índices de saúde bucal. Além disso, os níveis desses microorganismos podem
ser influenciados pela má higiene oral em crianças com ingestão não restringida de sacarose
consumida. Para os autores são três as variáveis que, independentes umas das outras, influem no
relato de experiência de cárie, dentre elas: os índices gengivais que provavelmente são um indicador
dos hábitos que escovação e uso de dentifrícios fluoretados; a concentração salivar de lactobacilos e
a freqüência de ingestão de alimentos industrializados – principalmente os que contêm sacarose ou
carboidratos fermentáveis. O estudo revelou que mudanças específicas na microflora oral são
encontradas quando há um aumento controlado no consumo de sacarose, incluindo um aumento
significativo de placa dentária e níveis salivares de S. mutans e lactobacilos e uma diminuição nos
níveis de S. sanguis na placa.
A dieta rica em sacarose tem um papel fundamental no desenvolvimento da doença,
servindo de substrato para os microorganismos cariogênicos. Os alimentos que esses indivíduos
ingerem diariamente e repetidamente constituem seu hábito alimentar. No caso específico das
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crianças em fase escolar, os hábitos alimentares caracterizam a sua preferência alimentar (Ramos e
Stein, 2000).
Podem influenciar no consumo e preferência por açúcar fatores biológicos; psicológicos;
ambientais; culturais e sociais sendo que consumo de açúcar também varia entre sexo, idade, classe
social e status econômico (Maciel et. al., 2001). Segundo os mesmos autores, quanto maior a
exposição à produtos doces, maior a preferência por esse tipo de alimento e, por conseguinte, um
maior consumo de açúcar pelo indivíduo. Além disso, foi demonstrado que existe uma relação
significante entre o consumo de açúcar e a presença da doença cárie e que jovens têm maior
preferência ao doce do que a gostos amargos.
Outro fator importante para o consumo de açúcar de uma determinada população reside na
disponibilidade de determinados alimentos para essa população. Em regiões com maior
desenvolvimento econômico, no meio urbano e em famílias que possuem alto rendimento per
capita, foi observado hábitos de consumo de grandes quantidades de açúcar e gorduras em geral.
Esses resultados permitiram observar que a população tem seguido tendências adversas quanto ao
padrão alimentar e essas divergências podem levar a problemas como a obesidade e outra doenças
crônicas associadas a dietas com altos teores energéticos e insuficiência de fibras (Levi-Costa et.
al., 2005). Esses mesmo autores demonstraram nesse estudo, onde a base de dados foi a Pesquisa de
Orçamento Familiar de 2002-2003, realizado pelo IBGE, que o açúcar apresentou um consumo
ligeiramente maior em uma população com rendimentos de até um salário-mínimo per capita e
depois um forte declínio, de modo que, o consumo de açúcar nas classes de maiores rendimentos foi
50% inferior ao observado na classe de menores rendimentos. No caso dos refrigerantes, houve
aumento intenso e contínuo de acordo com os rendimentos per capita, sendo que, a participação de
refrigerantes na dieta foi cinco vezes maior nas classes de maiores rendimentos do que nas classes
de menores rendimentos.
Os meios de comunicação, principalmente a TV, acabam por gerar uma forte influência
sobre a população, sobretudo em crianças e adolescentes que são um público crescente e que cada
vez mais estão em contato com esses meios (Almeida et. al., 2002). Esses autores, ainda na mesma
pesquisa, demonstraram que os produtos alimentícios são os mais freqüentemente anunciados nas
propagandas, cerca de 27,47% de todas as propagandas, principalmente os com alto teor de
gordura, açúcar e sal. Assim, as crianças podem obter conceitos errôneos sobre o que é uma
alimentação saudável em virtude desses alimentos apresentados nos veículos televisivos.
Este estudo teve como objetivo conhecer as características do consumo de alimentos com
potencial cariogênico entre escolares de 12 anos do município de Araucária – PR o que permitirá a
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adoção de medidas de promoção de saúde mais direcionadas a esse público e, provavelmente, com
um maior impacto positivo na adoção de medidas preventivas.
2. Material e Métodos
2.1. Desenho de estudo e população
Foi desenvolvido um estudo transversal. A amostra de conveniência utilizada para o
presente estudo foi constituída por 61 crianças na faixa etária dos 12 (doze) anos de idade, de ambos
os gêneros, escolares regularmente matriculados na rede de ensino de Araucária - PR.
2.2. Procedimentos de calibração e estudo piloto
Previamente ao início da coleta dos dados foi desenvolvido um treinamento com a equipe de
pesquisadores sobre todos os procedimentos envolvidos, em especial com relação à aplicação dos
questionários.
2.3. Construção do instrumento de coleta de dados
A freqüência de consumo de açúcar foi avaliada através da aplicação de um Questionário de
Freqüência Alimentar (QFA). Na elaboração do QFA foram consideradas as etapas propostas por
Colucci; Philippi; Slater (2005).
1) Obtenção de um banco de dados - neste caso realizado a partir de inquéritos
recordatórios de 24 horas aplicados em uma população com características semelhantes
aos da amostra;
2) Agrupamento dos alimentos - os alimentos foram agrupados de acordo com as
características físicas (líquidos ou sólidos) e considerando a presença ou não de sacarose
em sua composição;
3) Elaboração da lista com os alimentos mais representativos - foram incluídos somente
os alimentos mais citados que continham sacarose;
4) Definição do tempo precedente - buscando diminuir viés de memória foi considerado
apenas o último mês.
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5) Determinação da freqüência de consumo de açúcar- no QFA os alimentos foram
apresentados sem a estimativa de quantidade consumida – dando ênfase à freqüência. O
indivíduo relata a freqüência de consumo de acordo com as categorias: nunca, raramente
(menos do que uma vez por semana), pelo menos uma vez por semana e pelo menos uma
vez por dia.
A freqüência de consumo foi ponderada em 0 (nunca), 1 (raramente), 2 (pelo menos uma
vez por semana) e 3 (pelo menos uma vez por dia). Isso permitiu a criação do índice de
freqüência de consumo de açucar (IFCA) com amplitude de 0 a 51, o qual refletia a
freqüência de consumo de alimentos com açúcar, salientando que todos os alimentos
apresentarão as mesmas quatro opções de freqüência.
2.4. Aplicação do Questionário de freqüência alimentar
O QFA foi aplicado em crianças de 12 anos de idade que concordaram com o procedimento
e que possuíam termo de consentimento assinado pelos pais. No inquérito foi considerado o último
mês. O QFA foi aplicado individualmente em ambiente tranqüilo.
2.5. Consolidação e análise dos dados
Os dados coletados foram organizados e submetidos a análises estatísticas univariada
(descritiva: freqüência das variáveis), através do programa Statistical Package for the Social
Sciences (SPSS), versão 15.0
3. Resultados
Todos os indivíduos que participaram do estudo eram crianças de 12 (doze) anos de idade
estudantes de escolas públicas de Araucária – PR.
No quadro 1 (um) e no gráfico 1 (um) pode-se observar que o percentual de crianças com
relato de consumo diário de alimentos com açúcar foi alto chegando, no caso de balas/pirulitos e
goma de mascar, a 82 % e 78,7% respectivamente. Entre as bebidas com açúcar destaca-se o
refresco em pó com relato de consumo diário de 67,2% das crianças.
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Considerando os alimentos com consumo diário, a média de contatos com alimentos com
açúcar foi de 6,07 (±3,03). Uma grande variação entre o mínimo 0 e o máximo 16 de contatos com
esses alimentos foi encontrada. Considerando alimentos com açúcar, os sólidos apresentaram maior
relato de consumo diário (quadro 2).
Quadro 1 - Freqüência e percentual de citação de consumo diário de alimentos com açúcar entre
escolares (n=61) de Araucária, 2010
Alimento Freqüência de Consumo Percentual (%)
Balas e pirulitos 50 82,0
Goma de mascar 48 78,7
Refresco em pó 41 67,2
Pão doce 29 47,5
Leite com achocolatado 29 47,5
Doce de banquinha 24 39,3
Café com leite e açúcar 23 37,7
Bolacha doce 18 29,5
Café com açúcar 18 29,5
Suco de frutas com açúcar 17 27,9
Chá com açúcar 16 26,2
Refrigerante 13 21,3
Chocolate 11 18,0
Outras bebidas com leite e açúcar 11 18,0
Doce caseiro 8 13,1
Sorvete 8 13,1
Bolo 6 9,8
10
82
78,7
67,2
47,5
47,5
39,3
37,7
29,5
29,5
27,9
26,2
21,3
18
18
13,1
13,1
9,8
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Balas e pirulitos
Goma de mascar
Refresco em pó
Pão doce
Leite com achocolatado
Doce de banquinha
Café com leite e açúcar
Bolacha doce
Café com açúcar
Suco de frutas com açúcar
Chá com açúcar
Refrigerante
Chocolate
Outras bebidas com leite e açúcar
Doce caseiro
Sorvete
Bolo
Gráfico 1 – Percentual (%) de crianças com relato de consumo diário em função do alimento com
sacarose entre escolares (n=61) de Araucária, 2010
Quadro 2 - Citação de alimentos com consumo diário entre escolares (n=61) de Araucária, 2010
Alimentos Média Desvio padrão Mínimo Máximo
Líquidos 2,75 1,41 0 7
Sólidos 3,31 1,93 0 9
Total 6,07 3,03 0 16
59,4 40,6
liquidos sólidos
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Gráfico 2 – Composição percentual do índice IFCA de acordo com o tipo de alimento
(líquido/sólido), Araucária, 2010
Quadro 3 - Índice de Freqüência de Consumo de Alimentos com Açúcar (IFCA) entre escolares
(n=61) de Araucária, 2010
Alimentos IFCA Desvio padrão Mínimo Máximo
Líquidos (0-24) 12,75 3,55 5 23
Sólidos (0-27) 18,62 3,98 8 27
Total (0-51) 31,38 6,15 15 50
A média por indivíduo de citação de alimentos com açúcar com consumo diário foi de 6,07
(±3,03), com mínimo de 0 e máximo de 16, sendo que os alimentos líquidos foram responsáveis por
2,75 (±1,41) e os sólidos 3,31 (± 1,93) ( tabela 2). O IFCA com amplitude de 0 a 51 pontos reflete
não só os alimentos com açúcar e com citação diária mas também aqueles que têm uma freqüência
menor do que diária. O IFCA médio foi 31,38 (± 6,15), valor mínimo de 15 e máximo de 50. Os
alimentos sólidos tiveram peso maior na composição do índice, 59,4% do que os alimentos líquidos,
40,6% (gráfico 2).
4. Discussão
A análise do padrão dietético é um desafio para a odontologia, sendo que, dentre os diversos
métodos disponíveis para essa observação, o questionário de freqüência alimentar parece ser o mais
adequado, por prover uma visão geral do padrão alimentar (Fraiz, 1996) e por possuir vantagens tais
como: possibilidade de identificação do consumo usual de alimentos ou nutrientes em uma única
aplicação, o baixo custo operacional, fácil aplicação e o fornecimento de dados referentes à média
de consumo acerca de longos períodos como semanas, meses ou anos ( Fisberg et. al., 2005).
Este trabalho possibilitou a aplicação de um questionário de freqüência alimentar e a
obtenção de dados sobre o consumo de alimentos com potencial cariogênico em uma população de
crianças de 12 anos estudantes em escolas do município de Araucária – PR. Os resultados
permitiram conhecer parte da realidade alimentar das crianças e conseqüentemente se aproximar do
ambiente alimentar em que suas famílias estão inseridas, sendo possível então a adoção de medidas
de educação em saúde que apresentem impacto positivo para essa população.
12
Os pais podem desempenhar um importante papel no estabelecimento das preferências
dietéticas e nos padrões de saúde bucal de suas crianças. Embora o consumo de açúcar diminua com
a idade, parece haver alta correlação entre a preferência por doce das crianças e de seus pais, o que
sugere que a preferência por doces possa ser em parte, um hábito aprendido (Honkala; Myyssönen;
Rempelä, 1984). Da mesma forma, outros estudos conduzidos encontraram uma associação
significante entre preferência paladar doce e experiência de cárie entre pares de crianças pré-
escolares e suas respectivas mães (Maciel et. al., 2001). Assim como o relatado por esses autores,
podemos observar que é possível que os pais gerem influência sobre os hábitos alimentares das
crianças alvo deste presente estudo, uma vez que a maioria dos alimentos relatados provavelmente
são ingeridos por toda a família e que os pais poderiam ser os responsáveis por adoçarem as bebidas
– como por exemplo os refrescos em pó e o café com leite e açúcar – participando assim ativamente
do processo de adoção de hábitos alimentares dessas crianças.
Uma alta freqüência de consumo de alimentos com açúcar foi relatada nos resultados deste
trabalho e esse fator está fortemente associado ao aparecimento e desenvolvimento das lesões de
cárie. Segundo Burt et. al. (1988), pesquisando a relação entre dieta e cárie de crianças de 11-15
anos de idade na área rural dos EUA, constatou que a freqüência de consumo de alimentos ricos em
açúcares é mais importante que a quantidade consumida. Seus resultados puderam afirmar que
existe uma relação significativa entre presença de cárie e o consumo total de açúcar entre as
principais refeições. Em consonância com este estudo está o de Beighton et. al. (1996) que afirma
que dentre as variáveis que influenciam na experiência de cárie está a freqüência de ingestão de
alimentos industrializados, principalmente os que contêm altas concentrações de açúcares e
carboidratos fermentáveis. O presente estudo pôde demonstrar que a população alvo envolvida
consome uma quantidade significativa de alimentos com alto teor de sacarose, ácidos e corantes em
sua formulação e que estes alimentos, em virtude de sua composição, poderiam ser consumidos
então nos intervalos entre as principais refeições, aumentando o poder destes em relação à atividade
de cárie.
A importância da dieta, em especial o controle do consumo de sacarose e de carboidratos
fermentáveis, na etiologia da doença cárie tem sido evidenciada por estudos epidemiológicos,
observacionais, clínicos, laboratoriais e com animais. Entre os carboidratos, a sacarose é
considerada o mais cariogênico. O seu consumo em alta freqüência leva à seleção de espécies
acidogênicas e acidúricas no biofilme dental, principalmente estreptococos do grupo mutans (EGM)
e lactobacilos (LB) (Nobre dos Santos et al., 2002). As bactérias presentes no biofilme utilizam a
sacarose na via glicolítica e geram como produtos finais ácidos capazes de promover a
13
desmineralização dental. Algumas delas também se beneficiam deste açúcar utilizando-o como
substrato para a produção de polissacarídeos intra e extracelulares, os quais são considerados fatores
de grande importância na sua cariogenicidade (Dibdin; Shellis, 1986). Assim, um padrão de alto
consumo de açúcar pode alterar a composição microbiológica e bioquímica do biofilme dental,
tornando-o mais cariogênico (Nobre dos Santos et al., 2002).
O consumo de alimentos líquidos está mais associado à erosão. Os ácidos que agem nesse
fenômeno podem ser de ordem intrínseca (provenientes do vômito e regurgitação) e de origem
extrínseca (provenientes da dieta, como por exemplo, acido fosfórico, ácido cítrico, entre outros)
encontrados principalmente em frutas, sucos e refrigerantes. A erosão gera uma perda de estrutura
dental pela ação do pH dos alimentos e tem apresentado índices epidemiológicos alarmantes em
escolares ( Peres et. al., 2005). Diferentes estudos indicam que os alimentos ácidos líquidos que
estão mais envolvidos na erosão dental são os refrescos em pó e refrigerantes, os quais são
amplamente consumidos, inclusive pela população alvo do presente estudo (Waterhouse et. al.,
2008; Sanches e Preliasco, 2003). Neste estudo, embora os alimentos sólidos tenham tido maior
peso na composição do índice IFCA (quadro 3 e gráfico 2), alimentos freqüentemente associados
com erosão também apresentaram grande citação ( quadro 1) como por exemplo refrescos em pó
(67,2%), leite com achocolatado (47,5%) e café com leite e açúcar (37,7%).
A prevalência da doença cárie também é verificada no consumo de alimentos que
apresentem um alto potencial cariogênico. Neste estudo, considerando os alimentos com consumo
diário, a média de contatos com alimentos com açúcar foi de 6,07 (±3,03), porém, uma grande
variação entre o mínimo 0 e o máximo de 16 contatos foi encontrada (quadro 2). Certamente que o
grupo de crianças com maior freqüência de consumo desses alimentos apresenta maior risco de
desenvolvimento de cárie e necessita de um esforço maior tanto nas ações preventivas como nas de
educação em saúde bucal e dietética
Esse potencial cariogênico é aumentado pela consistência pegajosa do alimento. O estudo de
Krasse (2001), concluiu que não só a freqüência de consumo de alimentos com sacarose, mas
também suas consistências pegajosas determinaram uma elevação do seu potencial cariogênico.
Estes aspectos são reforçados por Newbrun (1988) que afirma que o tempo de remoção do alimento
da boca e a adesividade dos açúcares são também considerados fatores importantes de
cariogenicidade. Assim sendo, o presente estudo pôde demonstrar que nessa população alvo é alto o
percentual de consumo de alimentos considerados portadores de um maior potencial cariogênico
devido seu alto teor de sacarose, consistência pegajosa e de alto tempo de permanência na cavidade
oral como é o caso de balas e pirulitos (82%) e gomas de mascar (78,7%) – alimentos sólidos que
14
obtiveram maior presença no QFA – e que apresentam tanto características predisponentes à erosão
dentária quanto um alto potencial cariogênico.
A alta freqüência de consumo de alimentos com potencial cariogênico é preocupante, em
especial durante a infância e adolescência – faixa etária da população alvo desse estudo - já que
neste período os hábitos alimentares estão sendo definidos. Cada população apresenta um padrão de
consumo de alimentos, determinado pelos aspectos culturais, sociais, econômicos e preferências
individuais. Na formulação de propostas de educação em saúde que incluam orientação dietética
para o controle da cárie é imprescindível o conhecimento dessas características. Neste trabalho os
alimentos mais citados de consumo diário foram balas e pirulitos (82 %) e goma de mascar (78,7%).
Entre os líquidos os refrescos em pó eram consumidos diariamente por 67,2%. A tendência
alimentar em crianças, principalmente na fase escolar, conduz para um consumo muito freqüente de
alimentos ricos em carboidratos, açucares e gorduras e a um baixo consumo de alimentos como
frutas, vegetais e leguminosas, quando comparados às quantidades recomendadas de ingestão
desses alimentos (Ramos e Stein, 2000).
Os pais podem desenvolver um papel fundamental na adoção desses hábitos, porém, os
meios de comunicação também geram influência significante nas escolhas alimentares dessas
crianças. Os produtos alimentícios mais freqüentemente anunciados nas propagandas apresentam
altos teores de gordura, açúcar e sal (Almeida et. al., 2002). Segundo os mesmos autores, esse fator
pode ser um dos determinantes na mudança de hábitos alimentares de crianças e adolescentes
podendo agravar o problema da obesidade que é uma doença que vem aumentando seus índices
devido ao consumo de alimentos com alta concentração calórica e redução na prática de atividades
físicas. O mesmo estudo monstrou outro dado interessante que é a completa ausência de aparição,
em propagandas, de frutas e vegetais, contrastando com os 57,8% representados por alimentos do
grupo das gorduras, óleos, açúcares e doces. Esses dados diferem significantemente do que seria
recomendado em uma alimentação equilibrada e benéfica, mostrando uma inversão nos valores
sobre alimentação saudável. Os resultados do presente estudo revelaram que o consumo de
alimentos ricos em carboidratos, sacarose e/ou gorduras eram prevalentes e com uma alta
disponibilidade no meio em que estas crianças estão inseridas.
Neste estudo o consumo de alimentos com potencial cariogênico apresentou alta freqüência
sendo que os alimentos sólidos apresentaram uma maior contribuição. De acordo com Moynihan e
Petersen (2004), sugere-se que uma freqüência de quatro contatos com açúcar está no limite para o
risco ao desenvolvimento cárie dental - a média de contatos com alimentos com açúcar foi de 6,07
(±3,03), porém, uma grande variação entre o mínimo 0 e o máximo 16 contatos foi encontrada
15
(tabela 2). No Brasil, o alto consumo de açúcar pode ser comprovado através dos dados da Pesquisa
de Orçamentos Familiares (POF) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) entre 2002 e 2003, a qual revelou que o limite máximo de 10% para a proporção de calorias
provenientes de açúcar é ultrapassado em todas as classes sociais da população brasileira e ainda
indicando que a tendência é a persistência de um teor excessivo de açúcar na dieta, principalmente
no consumo de bebidas como os refrigerantes. Estudos como o de Levy-Costa et. al. (2005)
destacam a perpetuidade no consumo excessivo de açúcar, entre os brasileiros, com o aumento do
consumo de alimentos industrializados, como os refrigerantes e biscoitos. A presente pesquisa pôde
demonstrar que esses alimentos representaram um consumo de 21,3% e 29,5%, respectivamente,
dentro da amostra analisada.
O conhecimento do padrão dietético de uma determinada população permite a adoção de
ações de educação em saúde adaptadas a realidade. Autores descreveram que devido à realidade
brasileira, a orientação sobre a alimentação ainda desempenha um papel essencial para o controle da
doença cárie, sobretudo quando consideramos a tendência da Odontologia moderna de se voltar
para a promoção de saúde e de direcionar seus cuidados para os primeiros anos de vida da criança, a
qual é considerada a etapa onde os padrões alimentares são estabelecidos (Kramer et al., 1997).
5 – Conclusão
Os resultados indicam que a freqüência de consumo de alimentos com açúcar é muito alta
entre escolares de 12 anos estudantes do município de Araucária – PR, sendo que, quando
considerado a citação de consumo diário e do IFCA, os alimentos sólidos apresentaram uma maior
contribuição – 59,4% contra apenas 40,6% representados pelos alimentos líquidos. Assim, a partir
desse conhecimento sobre da relação da cárie com a freqüência de consumo de açúcar, podemos
estruturar novas propostas para orientação da dieta e cuidados com a saúde bucal sendo que
esforços deverão ser direcionados para a orientação dietética dessa população com vistas ao
controle da cárie dentária e manutenção da saúde como um todo.
16
6. Referências Bibliográficas
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19
7. Anexos
20
8. Apêndice
Questinário de Freqüência de Consumo de Alimentos
Com que freqüência você come os alimentos abaixo relacionados (Adaptado de Colucci et. al.,
2004)
Alimento NUNCA Menos
de 1
vez por
mês
1 a 3
vezes
por
mês
1 vez
por
semana
2 a 4
vezes
por
semana
DIÁRIO
1 vez por
dia
DIÁRIO
2 ou mais
vezes por
dia
Pão com doce
(pão-doce, bolinho
de chuva, sonho)
Salgadinho
Salgadinho pacote
(doce)
Bolacha doce (e
recheada)
Doce de
banquinha e
guloseimas (doce-
de-leite,
amendoim,
paçoca...)
Sobremesas/doces
caseiros (pudim,
mousse, pavê..)
Bolo
Chicletes
Sorvete (massa ou
palito)
Chocolate
Balas e pirulitos
Outros alimentos
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(ex. geléias e
compotas ...)
Com que freqüência você bebe as bebidas abaixo relacionadas:
Bebidas NUNCA Menos
de 1
vez por
mês
1 a 3
vezes
por
mês
1 vez
por
semana
2 a 4
vezes
por
semana
DIÁRIO
1 vez por
dia
DIÁRIO
2 ou mais
vezes por
dia
Café com leite com
açúcar/ Capuccino
Café com açúcar
Achocolatados e
similares (toddy,
nescau,
ovomaltine)
Chá com açúcar
Refresco em pó
Suco de fruta
natural com açúcar
Suco de caixinha
Refrigerante não
diet
outra bebida com
açúcar
qual?
(ex. vitamina,
tererê ...)
Escrever abaixo
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