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Avaliação de recursos hídricos através de modelação hidrológica: aplicação do programa VISUAL BALAN v2.0 a uma bacia hidrográfica na Serra da Estrela (Centro de Portugal) Assessment of water resources using hydrological modelling: applying VISUAL BALAN v2.0 code to a river basin in Serra da Estrela (Central Portugal) ESPINHA MARQUES 1 , J.; SAMPER 2 , J.; PISANI 2 , B.V.; ALVARES 2 , D.; VIEIRA 3 , G.T.; MORA 3 , C., CARVALHO 4 , J.M.; CHAMINÉ 4 , H.I.; MARQUES 5 , J.M. and SODRÉ BORGES, F 1 . Cadernos Lab. Xeolóxico de Laxe Coruña. 2006. Vol. 31, pp. 43-65 ISSN: 0213 - 4497 Abstract Numerical models are needed to evaluate complex hydrological systems. VISUAL BALAN v2.0 is a lumped hydrological code which performs daily water balances in the soil, the unsaturated zone and the aquifer requiring a small number of parameters. VISUAL BALAN has been used to model the river Zêzere catchment upstream of Manteigas (Serra da Estrela, Central Portugal), in order to assess its water resources. Modelling started with the definition of sub-basins based on hydrogeomorphological units. Then, daily temperature and precipitation data from Manteigas meteorological station were extrapolated to each sub-basin considering vertical gradients. Finally, modelling with VISUAL BALAN was performed in four stages: (i) physical characteri- sation of each sub-basin; (ii) preliminary calculations of the daily water balance; (iii) model cali- bration by means of flow measurements in the river Zêzere; (iv) result analysis. This basin exhi- bits complex patterns in hydrometeorological variables such as rainfall and temperature. Several sub-basins have been defined in order to account for the spatial variability in hydrometeorologi- cal and geomorphological variables. The model reproduces observed flowrates while its results are coherent with the conclusions of previous studies in similar basins. Key words: water balance, hydrological models, aquifer recharge, VISUAL BALAN. (1) Dep. de Geologia (CGUP), Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Rua do Campo Alegre, 687, 4169-007 Porto, Portugal. (E-mail: [email protected]).

Avaliação de recursos hídricos através de modelação ... · Cadernos Lab. Xeolóxico de Laxe Coruña. 2006. Vol. 31, pp. 43 - 65 (2) Escuela Tecnica Superior de Ingenieros de

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Avaliação de recursos hídricos através de modelaçãohidrológica: aplicação do programa VISUAL

BALAN v2.0 a uma bacia hidrográfica na Serra da Estrela (Centro de Portugal)

Assessment of water resources using hydrologicalmodelling: applying VISUAL BALAN v2.0 code to a

river basin in Serra da Estrela (Central Portugal)

ESPINHA MARQUES1, J.; SAMPER2, J.; PISANI2, B.V.; ALVARES2, D.; VIEIRA3, G.T.;MORA3, C., CARVALHO4, J.M.; CHAMINÉ4, H.I.; MARQUES5, J.M. and SODRÉ BORGES, F1.

Cadernos Lab. Xeolóxico de LaxeCoruña. 2006. Vol. 31, pp. 43-65

ISSN: 0213 - 4497

Abstract

Numerical models are needed to evaluate complex hydrological systems. VISUAL BALAN v2.0is a lumped hydrological code which performs daily water balances in the soil, the unsaturatedzone and the aquifer requiring a small number of parameters. VISUAL BALAN has been usedto model the river Zêzere catchment upstream of Manteigas (Serra da Estrela, Central Portugal),in order to assess its water resources. Modelling started with the definition of sub-basins basedon hydrogeomorphological units. Then, daily temperature and precipitation data from Manteigasmeteorological station were extrapolated to each sub-basin considering vertical gradients.Finally, modelling with VISUAL BALAN was performed in four stages: (i) physical characteri-sation of each sub-basin; (ii) preliminary calculations of the daily water balance; (iii) model cali-bration by means of flow measurements in the river Zêzere; (iv) result analysis. This basin exhi-bits complex patterns in hydrometeorological variables such as rainfall and temperature. Severalsub-basins have been defined in order to account for the spatial variability in hydrometeorologi-cal and geomorphological variables. The model reproduces observed flowrates while its resultsare coherent with the conclusions of previous studies in similar basins.

Key words: water balance, hydrological models, aquifer recharge, VISUAL BALAN.

(1) Dep. de Geologia (CGUP), Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Rua do CampoAlegre, 687, 4169-007 Porto, Portugal. (E-mail: [email protected]).

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(2) Escuela Tecnica Superior de Ingenieros de Caminos, Canales y Puertos, Universidad de LaCoruña, España.(3) Centro de Estudos Geográficos, Universidade de Lisboa, Portugal.(4) Dep. de Engenharia Geotécnica, Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), Portugal; eCentro de Minerais Industriais e Argilas (MIA) da Universidade de Aveiro, Portugal.(5) Dep. de Engenharia de Minas e Georrecursos, Instituto Superior Técnico (IST), Lisboa,Portugal.

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INTRODUÇÃO

A modelação tem sido considerada uminstrumento fundamental para o estudo de sis-temas hidrológicos (por ex.: DINGMAN,1993; FETTER, 2001; FITTS, 2002). Comoos sistemas de medição dos processos hidroló-gicos apresentam limitações quanto ao tipo detécnicas usadas e quanto à distribuição espá-cio-temporal dos registos, a modelação surgecomo um modo de simular o comportamentohidrológico, extrapolando os dados disponí-veis (BEVEN, 2001). Neste contexto, a mode-lação tem sido habitualmente usada para auxi-liar a compreensão do funcionamento dos sis-temas e, mesmo, para a previsão do seu com-portamento futuro, de acordo com modifica-ções de uma ou mais das suas características.

Existem numerosas classificações demodelos. No caso dos modelos aplicados emHidrogeologia, FETTER (2001) menciona osseguintes tipos: (i) modelos físicos à escala,(ii) modelos analógicos e (iii) modelos mate-máticos. Se, numa fase inicial do empregodestes métodos, os modelos dos tipos (i) e (ii)eram os mais frequentes, com a generalizaçãode computadores e programas informáticoseficientes, os modelos matemáticos passarama predominar (SINGHAL and GUPTA, 1999).

O modelo dum sistema natural é, por defi-nição, uma representação formal e simplifica-da duma dada realidade. A elaboração dummodelo conceptual preliminar (expresso porideias, palavras e valores numéricos) constituio fundamento da modelação matemática sub-sequente (NAP, 2001), sendo a qualidade dosresultados obtidos grandemente dependenteda qualidade do modelo conceptual previa-mente adoptado. O processo de conceptualiza-ção implica a compreensão da natureza do sis-tema hidrológico, as suas características gené-ricas (tais como a litologia, o tipo de solo, orelevo, a variabilidade espacial dos parâme-tros hidráulicos, a hidrogeoquímica, as carac-terísticas geológicas e geométricas dos limitesdo sistema, etc.) e os processos físicos e quí-micos envolvidos; o modelo matemático pro-

cura, por seu turno, simular o modelo concep-tual. O modelo conceptual é consequência dapercepção do investigador em relação ao fun-cionamento do sistema, a qual depende gran-demente da sua experiência, com destaquepara a de campo. O desenvolvimento dummodelo exige um processo iterativo: os resul-tados da modelação matemática contribuempara o aperfeiçoamento do modelo conceptuale vice-versa, de modo encadeado.

BEVEN (2001), sugere duas fases para aselecção do modelo matemático mais apropria-do para cada caso. Em primeiro lugar, deve-seescolher entre um modelo agregado (ou seja,que trata a bacia como um todo, considerandovalores médios para as diferentes variáveis deestado e parâmetros, sendo obtidos resultadosglobais) e um modelo distribuído (ou seja, comvalores das variáveis de estado, parâmetros eresultados distribuídos no espaço, recorrendo,para isso, à discretização da bacia). Em segun-do lugar, há que decidir entre um modelo deter-minístico (ou seja, que produz apenas um resul-tado mediante um certo conjunto de dados deentrada) e um modelo estocástico (ou seja, queadmite alguma incerteza nos resultados emconsequência de incerteza nos dados).

O presente trabalho ilustra a aplicação dométodo do balanço hidrológico ao sector daSerra da Estrela correspondente à bacia hidro-gráfica do rio Zêzere a montante da vila deManteigas (Fig. 1), tendo como principalobjectivo estimar a disponibilidade de recursoshídricos subterrâneos. Para tal, foi usado o pro-grama VISUAL BALAN v2.0, o qual permiterealizar balanços hidrológicos sequenciais diá-rios abrangendo o solo, a zona não saturada eo aquífero. O programa tem como base ummodelo matemático agregado e determinístico.

Esta região apresenta características geo-lógicas, geomorfológicas e climáticas especí-ficas, que condicionam directamente o ciclohidrológico regional e, consequentemente, adisponibilidade de recursos hídricos. Estesrecursos, de elevada qualidade e valor econó-mico, incluem águas subterrâneas (normais etermominerais) e águas superficiais.

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O processo de elaboração dum modelohidrológico conceptual preliminar - juntamen-te com os resultados irrealistas das primeirastentativas de modelação através do programaVISUAL BALAN - evidenciou a elevadavariabilidade espacial das características físi-cas da bacia estudada, exigindo um trabalhode definição de sub-bacias mais homogéneas,baseadas em unidades hidrogeomorfológicas.De seguida, os dados provenientes da estaçãometeorológica de Manteigas (precipitaçãodiária e temperatura média diária) foramextrapolados para cada sub-bacia, tomandocomo base o cálculo de gradientes verticais deprecipitação e temperatura.

O programa VISUAL BALAN foi, então,novamente aplicado, tendo a comparaçãoentre os valores calculados e medidos do esco-amento no rio Zêzere permitido avaliar e cali-brar o modelo.

ENQUADRAMENTO HIDROGEOLÓGI-CO

A Serra da Estrela situa-se na Zona Centro-Ibérica do Maciço Ibérico (RIBEIRO et al.,1990). Os principais litótipos presentes naregião são: (i) Rochas graníticas de idadeVarisca; (ii) Rochas metassedimentares deidade Precâmbrica-Câmbrica; (iii) depósitosaluvionares e glaciários do Quaternário.

A tectónica da área estudada é dominadapela megaestrutura regional designada por zonade falha de Bragança-Vilariça-Manteigas(ZFBVM), a qual corresponde a um desliga-mento de movimento esquerdo que constituiuma das mais importantes estruturas do sistematardi-Varisco de fracturas do Noroeste da Ibéria(Fig. 1). A sua reactivação durante o Cenozóicopela tectónica compressiva Alpina, juntamentecom a reactivação de falhas regionais predomi-nantemente inversas (tais como a falha de Seia-Lousã), deu origem ao soerguimento do maci-ço montanhoso da Serra da Estrela sob formadum horst numa estrutura do tipo pop-up(RIBEIRO, 1988; RIBEIRO et al., 1990).

As condições geológicas constituem umaparte fundamental do sistema hidrogeológico,uma vez que controlam algumas das suas prin-cipais características, nomeadamente os pro-cessos de infiltração e de recarga dos aquífe-ros, o tipo de meio de circulação (poroso vs.fissurado), os trajectos do fluxo subterrâneo oua hidrogeoquímica.

A Serra da Estrela integra a CordilheiraCentral Ibérica, uma cadeia montanhosa deorientação ENE-WSW, correspondendo auma morfoestrutura de tipo "montanha de blo-cos" (cf. O. RIBEIRO, 1954), com cerca de500 km de extensão e 40 km de largura, esten-dendo-se desde a Serra da Lousã até aSomosierra, a norte de Madrid. A Serra daEstrela é o sector mais oriental e elevado doalinhamento montanhoso de direcção SW-NEexistente entre a Guarda e a Serra da Lousã aolongo de cerca de 115 km, com uma larguramédia de 25 km (LAUTENSACH, 1932;DAVEAU, 1969). Com altitude máxima de1993 m (a mais elevada de PortugalContinental), esta montanha exibe caracterís-ticas climáticas e geomorfológicas particula-res que desempenham um papel importante nociclo hidrológico local, especialmente no sub-ciclo hidrogeológico.

A bacia do Zêzere a montante de Manteigas(BZMM) tem uma área de cerca de 28 km2 ealtitude compreendida entre 875 m (na estaçãohidrométrica de Manteigas) e 1993 m (no altoda Torre). O relevo deste sector da Serra daEstrela é dominado por dois planaltos princi-pais, separados pelo vale do rio Zêzere, deorientação NNE-SSW: o planalto da Torre-Penhas Douradas (1450-1993 m), situado a oci-dente, e o planalto do Alto da Pedrice-Curral doVento (1450-1761 m), situado a oriente. Estesplanaltos são compósitos, exibem superfíciesaplanadas a diferentes altitudes e incluemalguns vales amplos. A geomorfologia glaciáriado Plistocénico Superior e os depósitos asso-ciados distinguem este sector, glaciado duranteo Último Máximo da Glaciação (e.g., DAVE-AU et al., 1997; VIEIRA, 2004).

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Figura 1. Geologia da região da Serra da Estrela (simplificado de OLIVEIRA et al., 1992)

Segundo DAVEAU et al. (1997), VIEIRA(2004) e MORA (2006), o clima da Serra daEstrela é marcado por um cariz mediterrâneo,com verões quentes e secos. A estação húmi-da estende-se entre Outubro e Maio, com pre-cipitação média anual superior a 2000 mm namaior parte da área dos planaltos, chegando aultrapassar 2500 mm nas imediações da Torre.

A precipitação aparenta ser sobretudo contro-lada pela altitude e orientação da serra emrelação aos fluxos dominantes das massas dear. A zona ocidental do maciço apresentamaior número de dias com precipitação doque a zona oriental (mas um valor médioanual ligeiramente inferior). Por outro ladoconstata-se, à escala regional, um aumento da

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precipitação com a altitude; no entanto, àescala local, a distribuição espacial da precipi-tação é de difícil interpretação devido à suarelação com o fluxo das massas de ar, nomea-damente com mecanismos complexos de con-vergência e divergência controlados pela mor-fologia da montanha.

A informação relativa à queda de neve éescassa e de reduzida qualidade. No entanto, aimportância hidrológica da neve, nomeada-mente no que respeita ao papel desempenhadopela mesma na infiltração e recarga dos aquí-feros, justifica o aprofundamento do conheci-mento do seu padrão de precipitação e da evo-lução sazonal da cobertura nivosa. A irregula-ridade espacial e temporal dos fenómenosrelacionados com a neve tem sido referida emestudos anteriores (ANDRADE et al., 1992;MORA and VIEIRA, 2004).

VIEIRA and MORA (1998) verificaramque a temperatura média mensal medida nasestações meteorológicas das PenhasDouradas, Lagoa Comprida e Penhas daSaúde revelam que a Serra da Estrela é carac-terizada por um regime térmico simples. Omês mais quente é Julho e o mais frio éJaneiro. A temperatura média anual é inferiora 7ºC na maior parte da área dos planaltos,sendo, no Alto da Torre, inferior a 4ºC.

A distribuição espacial da precipitação naSerra da Estrela é complexa e os padrões sãovariáveis de ano para ano. O principal factorexplicativo é a altitude, mas, como se referiu,a exposição ao fluxo sinóptico das massas dear pluviogénicas é também determinante.Esta última componente é de difícil modela-ção e, embora tenham sido testadas diferentesvariáveis através de regressão múltipla, ten-tando reflecti-la (por ex. latitude e longitude),os resultados obtidos não foram estatistica-mente significativos. Optou-se assim, porapenas considerar a altitude, calculandomodelos de regressão simples para os valoresmédios mensais e anuais. Usaram-se dadosdas estações meteorológicas de Gouveia,Seia, Vale de Rossim, Valhelhas, Covilhã,

Celorico da Beira e Fornos de Algodres(Instituto da Água) e de Penhas Douradas,Lagoa Comprida, Penhas da Saúde, e Fundão(Instituto de Meteorologia) para o período de1953 a 1983. A utilização da discriminaçãomensal permite melhor estimar a variabilida-de espacial da precipitação na montanha, poisos gradientes altitudinais não são constantesao longo do ano (MORA, 2006). Os modelosobtidos são todos estatisticamente significati-vos (Quadro 1).

A distribuição espacial das temperaturasmédias mensais do ar é mais simples de mode-lar do que a precipitação, pois o controlo exer-cido pela altitude é o mais significativo. Alémdisso, os factores locais, como a morfologia,que influenciam determinantemente as tempe-raturas máximas e mínimas, não influenciamde forma significativa as temperaturas médiasmensais e anuais. Usaram-se os dados dasestações meteorológicas de Penhas Douradas,Penhas da Saúde, Lagoa Comprida, Nelas eFundão (IM) para o período de 1953 a 1983 eas regressões simples obtidas revelaram-seestatisticamente muito significativas, com coe-ficientes de determinação sempre superiores a0,9 (Quadro 2).

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Quadro1. Relação entre precipitação média mensal(y, em mm) e altitude (x, em m).

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Com o propósito de fornecer a base domodelo conceptual a adoptar na modelaçãocom o programa VISUAL BALAN, foramestabelecidas unidades hidrogeomorfológicas(ESPINHA MARQUES et al., 2006; ESPIN-HA MARQUES, in prep.). A elaboração destetipo de unidade resultou da necessidade de seidentificar áreas homogéneas relativamente aosprincipais factores habitualmente consideradospara o estudo da circulação de águas subterrâ-neas, em particular no que respeita à infiltração,recarga e descarga dos aquíferos (e.g., CAS-TANY, 1972; CUSTÓDIO and LLAMAS,1996; FITTS, 2002): o relevo, o substrato geo-lógico e, adicionalmente, as condições climáti-cas. Estes factores, por seu turno, controlamgrandemente a distribuição espacial dos tiposde solo e do respectivo coberto vegetal, osquais, por seu lado, influenciam o processo dainfiltração. De facto, a região estudada caracte-riza-se pela forte variabilidade espacial detodos aqueles factores, donde resulta uma apre-ciável complexidade hidrológica, a qual nãopode ser apreendida apenas através de unidadeshidrogeológicas.

A definição destas unidades desenrolou-seatravés de três fases: (i) num primeiromomento, tomando como ponto de partida orelevo, foi estabelecido um zonamento da

BZMM segundo os principais tipos morfoló-gicos: planalto, vertente, fundo de vale e colo;(ii) seguidamente, os limites das unidadesforam apurados considerando os tipos desubstrato geológico (rocha granítica ou depó-sitos fluvioglaciários); deste modo, acentuou-se o predomínio dum dado litótipo em cadaunidade hidrogeomorfológica; (iii) por último,levando em conta a forte variabilidade espa-cial das condições climáticas, algumas unida-des hidrogeomorfológicas foram divididastendo em conta a altitude - unidade inferior eunidade superior - e, no caso das encostas dosegmento NNE-SSW do vale do Zêzere, aorientação predominante das vertentes - uni-dade oriental e unidade ocidental.

No final do processo, foram definidasnove unidades hidrogeomorfológicas (Fig. 2),denominadas segundo a forma de relevodominante, a saber: (1) Planalto Oriental; (2)Encostas Orientais; (3) Fundo de Vale (infe-rior); (4) Colo da Nave de Santo António; (5)Fundo de Vale (superior); (6) EncostasOcidentais; (7) Encostas dos Cântaros; (8)Planalto Ocidental (inferior); (9) PlanaltoOcidental (superior). O Quadro 3 apresenta asprincipais características de interesse hidroló-gico de cada unidade, segundo AGROCON-SULTORES and GEOMETRAL (2004),ESPINHA MARQUES et al. (2006) e ESPIN-HA MARQUES (in prep.). A Figura 3 ilustraalguns aspectos de interesse hidrológico exis-tentes na BZMM.

O CÓDIGO VISUAL BALAN

VISUAL BALAN é um código hidrológi-co agregado, desenvolvido especialmentepara a estimação dos recursos hídricos (SAM-PER et al., 1999). Resolve as equações dobalanço hidrológico no solo (em sentidopedológico), na zona não saturada (a qual,neste código, exclui o solo pedológico) e noaquífero, estimando as componentes demaneira sequencial (Fig. 4).

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Quadro 2. Relação entre temperatura média mensal(y, em ºC) e altitude (x, em m).

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Figura 2. Unidades hidrogeomorfológicas da BZMM: (1) Planalto Oriental; (2) Encostas Orientais; (3)Fundo de Vale (inferior); (4) Colo da Nave de Santo António; (5) Fundo de Vale (superior); (6) EncostasOcidentais; (7) Encostas dos Cântaros; (8) Planalto Ocidental (inferior); (9) Planalto Ocidental (superior);(adaptado de Espinha Marques, em prep.).

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Este código assume como base a equaçãodo balanço da água no solo entre dois momen-tos do tempo, t0 e t1 (∆t = t1 - t0), expressan-

do-se do seguinte modo:P + D - In - Es - ETR - Pe = ∆θOu, considerando I = P +D - In -Es:I - (ETR + Pe) = ∆θ

P é a precipitação, D a água de irrigação,In a intercepção, Es o escorrimento superfi-cial, ETR a evapotranspiração real, Pe a recar-ga em trânsito ou precipitação eficaz (a qualcoincide com a recarga do aquífero caso nãoexistam fluxos laterais na zona não saturada,

ainda que com diferença temporal), ∆θ avariação do teor de humidade no solo e I ainfiltração. As componentes do balançoexpressam-se em termos de volume de águaacumulado ao longo do intervalo ∆t.

O código VISUAL BALAN requer pou-cos parâmetros, sendo apresentado numambiente amigável para a entrada de dados e asaída de resultados (Fig. 5). Os níveis piezo-métricos e os caudais do escoamento no rioZêzere podem ser comparados com os valoresmedidos, permitindo a calibração do modelo.

VISUAL BALAN e sua versão anterior(BALAN) foram aplicados por hidrologistas e

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Figura 3. Alguns aspectos da bacia do rio Zêzere a montante de Manteigas: (a) cervunal da Nave de SantoAntónio, em primeiro plano, depósito de moreia, em plano intermédio, e Encostas dos Cântaros, ao fundo;(b) Cântaro Magro; (c) cervunal, zimbral e afloramentos graníticos nas imediações da Torre; (d) vale glaciá-rio do Zêzere; (e) fundo do vale glaciário do Zêzere; (f) Leptossolo; (g) encostas nevadas.

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Quadro 3 - C

aracterísticas das unidades hidrogeomorfológicas.

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hidrogeólogos de Espanha e América Latinaem diferentes campos da Hidrologia. O pro-grama tem sido objecto de numerosas aplica-ções, em particular na estimação dos recursoshídricos (SAMPER and GARCIA VERA1997, 2000, 2004; HEREDIA and MURILO,

2002; SORIANO and SAMPER, 2000;SAMPER et al., 2005a,b), em estudos de ges-tão de resíduos radioactivos de baixo nível(SAMPER and CARRERA, 1995) e na ges-tão de resíduos tóxicos (ALIAGA et al.,2004).

Figura 4. Esquema hidrológico conceptual adoptado pelo VISUAL BALAN (adaptado de SAMPER et al.,1999).

De acordo com o esquema conceptualadoptado pelo VISUAL BALAN (Fig. 4), aágua da precipitação, da fusão da neve e dairrigação distribuem-se entre intercepção,escorrimento superficial e infiltração. Ouseja, a precipitação uma vez deduzida a inter-cepção juntamente com a água de irrigação ea água libertada pela fusão da neve consti-tuem as principais entradas no solo. A inter-cepção pode ser calculada mediante o métodode Horton ou de Singh. A fusão da neve é um

mecanismo adicional de geração de escorri-mento superficial. O método incorporado estábaseado na metodologia do programaSWMM (HUBER and DICKINSON, 1992).Por seu lado, a infiltração pode ser calculadamediante o método de Horton ou do Númerode Curva do Soil Conservation Service(USDA, 1986). O escorrimento superficial écalculado como a diferença entre a águaministrada ao solo (por via natural ou por irri-gação) e a infiltração.

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Figura 5. Aspecto das janelas da divisão da baça hidrográfica e da importação e edição de dados meteoro-lógicos.

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Parte da água infiltrada abandona o soloatravés da ETR, outra parcela é adicionada àágua armazenada no solo contribuindo o res-tante para a denominada recarga em trânsito ouprecipitação eficaz. Esta última parcela consti-tui a entrada de água na zona não saturada.

Os valores de evapotranspiração potencial(ETP) podem ser introduzidos pelo utilizadorou calculados com um dos seguintes métodos:Thornthwaite, Blanney-Criddle, Makkink,Penman, Turc e Hargreaves. A ETR é calcula-da a partir da ETP usando o método originalde Penman-Grindley ou variantes com modi-ficações ligeiras.

O VISUAL BALAN pode considerar ofluxo preferente (rápido) através do solo.Desta forma, a recarga em trânsito pode terduas componentes: (i) fluxo preferente, ourecarga em trânsito directa, que pode ocorreratravés de fissuras e/ou macroporos, atraves-sando o solo sem sofrer evapotranspiração; e(ii) fluxo Darcyniano, ou recarga em trânsitodiferida, que obedece à lei de Darcy sendomais lento que o fluxo preferente, e dependen-do da reserva útil e da condutividade hidráuli-ca. A recarga em trânsito diferida é calculadaconsiderando que somente ocorre quando ahumidade é maior que a capacidade de campo,não podendo exceder a permeabilidade verti-cal do solo.

É adoptado um modelo conceptual defluxo na zona não saturada segundo o qual aágua pode fluir horizontalmente atingindo asuperfície como escoamento subsuperficial oumovimentar-se verticalmente até ao aquíferoalimentando a recarga (por percolação). Parao cálculo da percolação é utilizada uma for-mulação da Lei de Darcy que leva em consi-deração a presença de aquíferos suspensos.No balanço na zona não saturada existe umaentrada (a recarga em trânsito) e duas saídas(o escoamento subsuperficial e a recarga doaquífero resultante da percolação).

A recarga constitui, então, a entrada daágua no aquífero. Para o balanço de água noaquífero VISUAL BALAN permite conside-rar modelos uni e multicelulares interligados.

O fluxo entre as células calcula-se medianteum esquema explícito de diferenças finitascomparável à solução da equação 1-D defluxo transitório. A descarga subterrânea é asaída natural do aquífero para nascentes, riosou outro reservatório de água superficial.

A variação do volume de água armazena-da no aquífero (∆Va) por unidade de superfí-cie está relacionada com a variação do nívelpiezométrico (∆h) através da equação ∆Va =S.∆h onde S é o coeficiente de armazenamen-to do aquífero.

Por outro lado, o caudal total de saída dabacia (ou seja, o escoamento através do rioZêzere) é calculado como a soma do escorri-mento superficial, do escoamento subsuperfi-cial e da descarga subterrânea. O programapermite estimar automaticamente os parâme-tros do modelo mediante a minimização deuma função objectivo (mínimos quadrados)usando o algoritmo multidimensional dePowell. Permite, também, realizar análise desensibilidade dos resultados face a variaçõesdos parâmetros do modelo.

O programa VISUAL BALAN tem inter-faces que facilitam a introdução de dados e opós-processamento dos resultados do modelo(Fig. 6). Estas interfaces incluem: (i) menuspara introduzir e armazenar a informação; (ii)tabelas com valores recomendados de parâ-metros hidrológicos; (iii) gráficos e figuras devariáveis hidrológicas relevantes.

Os modelos hidrológicos agregados consi-deram as bacias e sub-bacias como unidadesde trabalho. Desta forma, dados e parâmetrosde entrada e saída são considerados como umamédia representativa da área em estudo, nãoconsiderando a variabilidade espacial dasinformações.

Tal como se referiu anteriormente,VISUAL BALAN tem por base um modeloagregado donde resultam limitações à suacapacidade de estimar o balanço hídrico e oscomponentes hidrológicos em bacias comple-xas, como no caso da Serra da Estrela. Nestecaso, forma consideradas 9 sub-bacias, com oobjectivo de se melhorar a modelação.

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Figura 6. Diagrama de opções do VISUAL BALAN v2.0 para os cálculos dos componentes hidrológicos(adaptado de SAMPER et al., 1999).

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APLICAÇÃO DO CÓDIGO VISUALBALAN

Fases da modelação

O processo de modelação hidrológica daBZMM iniciou-se com a elaboração dummodelo conceptual preliminar, em resultadodas primeiras observações de campo, observa-ção de fotografia aérea, pesquisa bibliográficae tratamento de dados meteorológicos.

Concretamente, foram realizados reconhe-cimentos de campo abrangendo a litologia, atectónica, a geomorfologia, a hidrogeoquímica,a zona não saturada (com destaque para ascaracterísticas dos solos) e a ocupação do solo.A observação de fotografia aérea complemen-tou as observações de campo, especialmente noque respeita à distribuição espacial das litolo-gias e da ocupação do solo. Nesta fase, optou-se por utilizar a informação relativa à tempera-tura média diária e da precipitação diária (anoshidrológicos entre 1986-87 e 1994-95) prove-nientes da estação meteorológica das PenhasDouradas. Esta estação foi seleccionada por asua altitude (1380 m) ser mais próxima da alti-tude média da BZMM (1505 m) do que a daestação meteorológica de Manteigas (815 m).

O primeiro modelo conceptual assumiu abacia como um bloco único, sendo esta descri-ta em termos de valores médios das suascaracterísticas (litologia, solo, ocupação dosolo, etc.). Os valores de temperatura e de pre-cipitação da estação das Penhas Douradasseriam extrapolados sem qualquer ajustamen-to para toda a bacia.

No entanto, este modelo revelou-se irrea-lista devido ao reduzido valor da precipitaçãoregistada nas Penhas Douradas no períodoconsiderado, juntamente com a elevada varia-bilidade espacial das características da bacia.Por um lado, a precipitação média anual regis-tada durante este período nas PenhasDouradas foi de 1406 mm - claramente abaixodo valor normal de 1951-1980 (1799 mm),INMG, 1991 - ao passo que o escoamento

médio anual medido na estação hidrométricado Zêzere (de código 11L/01) foi de 1601mm, facto que, por si só, colocou grandes difi-culdades à extrapolação dos valores da preci-pitação para toda a bacia. Por outro lado, veri-ficou-se que, para o mesmo período, a precipi-tação média anual registada em Manteigas foide 1570 mm, mais próxima dos valores nor-mais de 1951-1980 (1668 mm).

Assim, um novo modelo conceptual foielaborado, considerando sub-bacias baseadasnas unidades hidrogeomorfológicas atrás des-critas. Adoptou-se, também, a informaçãometeorológica da estação de Manteigas, a qualfoi extrapolada para cada sub-bacia conside-rando-se os gradientes verticais de temperatu-ra e precipitação atrás apresentados assimcomo a altitude média das mesmas. Destemodo, a cada sub-bacia fez-se corresponderuma estação meteorológica virtual com valo-res extrapolados de precipitação diária e tem-peratura média diária. O valor da precipitaçãomédia anual no conjunto da BZMM obtidopor este processo (2336 mm) é compatívelcom o proposto em estudos anteriores (e.g.,DAVEAU et al., 1977; DAVEAU et al., 1997)para este sector da Serra da Estrela.

O programa VISUAL BALAN foi, então,aplicado em quatro fases: i) caracterização decada sub-bacia, no que respeita à sua situaçãogeográfica, características do solo, da zonanão saturada e do aquífero; ii) cálculos preli-minares do balanço hidrológico sequencialdiário; iii) calibração comparando os valorescalculados dos caudais de escoamento no rioZêzere com os valores medidos; iv) análisedos resultados para cada sub-bacia e para atotalidade da bacia hidrográfica.

Cálculo e calibração do balanço hidrológico

O processo de cálculo do balanço hidroló-gico foi efectuado por tentativa e erro, tendo acalibração sido conseguida através de sucessi-vas aproximações resultantes da manipulaçãodos parâmetros do modelo.

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Quadro 4. Principais parâm

etros e opções aplicados na modelação hidrológica

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Para tal, foram introduzidos os dados debase e os parâmetros caracterizando cada sub-bacia (Quadro 4): hidrometeorologia, solo,dados geográficos, recarga em trânsito, evapo-transpiração potencial e real, a intercepção eescorrimento superficial. Por outro lado,foram definidos parâmetros adicionais carac-terizando a zona não saturada e o aquífero.

O processo de calibração foi orientado,por um lado, pelo ajustamento dos caudais deescoamento no rio Zêzere medidos aos cau-dais calculados e, por outro lado, pela coerên-cia entre os resultados do balanço obtidos emcada momento com aqueles disponíveis nabibliografia (e.g., MENDES and BETTEN-COURT, 1980; CARVALHO et al., 2000), emespecial os referentes a estudos hidrogeológi-cos (percentagem da precipitação correspon-dente à recarga dos aquíferos) e climatológi-cos (evapotranspiração real e potencial) reali-zados em Portugal.

Durante o processo de calibração, omodelo mostrou ser particularmente sensívelà variação dos valores de parâmetros rela-cionados com o solo, e a zona não saturada.Em particular, foi observada sensibilidade àdiferença entre a capacidade de campo e oponto de emurchecimento permanente (ouseja, a reserva útil), à espessura e condutivi-dade hidráulica do solo, ao método escolhi-do para o cálculo da infiltração (o método deHorton produziu resultados de melhor quali-dade do que o método do número de curva)e ao coeficiente de esgotamento do fluxosubsuperficial.

Resultados e discussão

Os principais resultados obtidos através damodelação hidrológica da BZMM constam doQuadro 5 e do gráfico da Figura 7. Por seu lado,as Figuras 8 e 9 ilustram a boa qualidade doajustamento entre caudais (mensais e anuais)medidos e calculados pelo VISUAL BALAN.

O valor da ETP calculado 606 mm é próxi-mo do indicado por MENDES and BETTEN-COURT (1980) para a estação meteorológica

das Penhas da Saúde (558 mm). Já o valor cal-culado da ETR (325 mm) fica bastante aquémdo indicado por aqueles autores (498 mm).Uma razão que, certamente, contribui para estadiferença é o facto de MENDES and BET-TENCOURT (1980) adoptarem um valor deágua utilizável de 150 mm, bastante superioraos valores seguidos na modelação com oVISUAL BALAN (entre 30 e 100 mm). Poroutro lado, grande parte do que o VISUALBALAN calcula como intercepção deve serincluído na ETR.

A recarga dos aquíferos calculada corres-ponde a cerca de 15% do valor da precipitaçãomédia anual na BZMM. Estes resultados sãocoerentes com os propostos por outros autorespara sistemas hidrogeológicos instalados emrochas cristalinas na Zona Centro-Ibérica.Concretamente, PEREIRA (1999) apresentaum valor 20%, LIMA (1994) propõe o inter-valo entre 14.6 e 21.7% enquanto que CAR-VALHO et al. (2000) indicam 14 a 17%. Noentanto, estes autores chamam a atenção paraa elevada variabilidade espacial da taxa darecarga dos aquíferos, dependendo das condi-ções hidrogeológicas de cada situação, poden-do esta atingir valores locais consideravel-mente diferentes dos referidos.

O escoamento calculado através do rioZêzere (1613 mm) distribui-se do seguintemodo: 305 mm de escorrimento superficial(18.9 % do total), 947 mm de fluxo subsuper-ficial (58.7 %) e 361 mm de descarga subte-rrânea (22.4%).

Os factores que mais condicionaram aqualidade dos resultados foram a elevadacomplexidade hidrológica da BZMM aliada àescassez de informação hidrometeorológica.Com efeito, a estação meteorológica deManteigas situa-se fora da bacia, se bem quemuito próxima do seu limite setentrional. Porconsequência, a informação meteorológicadiária referente às zonas mais elevadas dabacia é inexistente, facto que implicou o atrásdescrito processo de extrapolação dos dadosda estação de Manteigas. Uma vez que aextrapolação dos valores diários de precipita-

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Figura 7. Balanço hidrológico da BZMM (valores médios anuais).

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Quadro 5. Principais resultados do balanço hidrológico na BZMM no período 1986-87 a 1994-95.

ção e temperatura se baseou em gradientesverticais regionais, é de esperar que este pro-cesso possa ter ocultado especificidades cli-máticas locais, especialmente as relacionadascom a exposição das vertentes, com efeitos

inevitáveis sobre o processo de modelação esobre os resultados finais.

No entanto, apesar dos constrangimentosmencionados, os resultados podem ser consi-derados como de boa qualidade.

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Figura 8. Caudais mensais medidos e calculados.

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Figura 9. Caudais anuais medidos e calculados.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A disponibilidade de recursos hídricos nabacia do rio Zêzere a montante da vila deManteigas, situada no maciço da Serra daEstrela, é condicionada pelas condições geoló-gicas, geomorfológicas e climáticas caracterís-ticas desta região montanhosa. Neste contexto,foi aplicado o modelo agregado e determinísti-co associado ao programa VISUAL BALANv2.0, o qual permite realizar balanços hidroló-gicos sequenciais diários abrangendo o solo, azona não saturada e o aquífero.

A modelação matemática tomou comobase um modelo hidrológico conceptual daBZMM que considera a forte a variabilidadeespacial das características da bacia que maisinfluenciam a infiltração e a recarga dos aquí-feros: o relevo, o substrato geológico, as con-dições climáticas, o solo e a cobertura vegetal.De acordo com este modelo, a BZMM foidividida em 9 sub-bacias, delimitadas segun-do unidades hidrogeomorfológicas previa-mente definidas.

De seguida, o programa VISUALBALAN foi aplicado em quatro etapas: i)caracterização de cada sub-bacia, no que res-peita à sua situação geográfica, característi-cas do solo, da zona não saturada e do aquí-fero; ii) cálculos preliminares do balançohidrológico sequencial diário; iii) calibraçãocomparando os valores calculados dos cau-dais de escoamento no rio Zêzere com osvalores medidos; iv) análise dos resultadospara cada sub-bacia e para a totalidade dabacia hidrográfica. No decurso da calibração,

o modelo revelou-se especialmente sensívelà variação dos valores de parâmetros relacio-nados com o solo e a zona não saturada. Foiconseguido um bom ajustamento entre oscaudais medidos e calculados do escoamentoatravés do rio Zêzere.

São de destacar os seguintes resultados: arecarga dos aquíferos corresponde a cerca de15% do valor da precipitação média anual naBZMM; o escoamento através do rio Zêzerecorresponde a 18.9 % de escorrimento super-ficial, 58.7 % de fluxo subsuperficial e 22.4%de descarga subterrânea.

É de referir que, por assentar num mode-lo agregado, VISUAL BALAN possui limita-ções à sua capacidade de estimar o balançohídrico e os componentes hidrológicos embacias complexas como no caso da Serra daEstrela. Para ser capaz de trabalhar combacias hidrográficas de grande variabilidadeespacial nos parâmetros e nos dados climato-lógicos, o VISUAL BALAN vem sendo aco-plado a um Sistema de InformaçãoGeográfica (SIG), resultando no novo mode-lo distribuído GIS-BALAN (por ex.: SAM-PER et al., 2005a,b).

AGRADECIMENTOS

Este trabalho recebeu apoio da Fundaçãopara a Ciência e a Tecnologia (FCT) e de fundosdo FEDER através do projecto de I&D HIMO-CATCH (contrato POCTI/CTA/44235/02). Ostrabalhos desenvolvidos pela equipa da UDCforam realizados no âmbito do Projecto CICYTREN 2003 08882.

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Recibido: 12 / 6 / 2006Aceptado: 10 / 10 / 2006

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