AVALIAÇÃO DE UM SISTEMA DE METANIZAÇÃO DE RESÍDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENERGÉTICO DO BIOGÁS

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    1/124

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SANEAMENTO,MEIO AMBIENTE E RECURSOS HDRICOS

    AVALIAO DE UM SISTEMA DE

    METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES

    COM VISTAS AO APROVEITAMENTO

    ENERGTICO DO BIOGS

    Bernardo Ornelas Ferreira

    Belo Horizonte

    2015

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    2/124

    AVALIAO DE UM SISTEMA DE

    METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES

    COM VISTAS AO APROVEITAMENTO

    ENERGTICO DO BIOGS

    Bernardo Ornelas Ferreira

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    3/124

    Bernardo Ornelas Ferreira

    AVALIAO DE UM SISTEMA DE

    METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES

    COM VISTAS AO APROVEITAMENTO

    ENERGTICO DO BIOGS

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao

    em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da

    Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito

    parcial obteno do ttulo de Mestre em Saneamento,

    Meio Ambiente e Recursos Hdricos.

    rea de concentrao: Saneamento

    Linha de pesquisa: Gerenciamento de Resduos Slidos

    Orientador: Carlos Augusto de Lemos Chernicharo

    Belo Horizonte

    Escola de Engenharia da UFMG

    2015

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    4/124

    Pgina com as assinaturas dos membros da banca examinadora, fornecida pelo Colegiado do

    Programa

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    5/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMGi

    AGRADECIMENTOS

    Incondicional toda minha Famlia, pelo apoio e pela manuteno das melhores CNTP

    possveis para que eu pudesse enveredar nesta jornada to fantstica como a do

    conhecimento e da pesquisa. Jamais terei como retribuir tal esforo, mas sempre os terei naporo mais doce de meu corao.

    Aos Gurus do conhecimento, por despertarem em mim a curiosidade e o pensamento

    cientfico e por me inspirarem em atuar nesta rea to nobre do conhecimento, como o

    saneamento. Cada um, com sua maneira particular, contribuiu profundamente para meu

    envolvimento acadmico Prof. Renata Silvino, Prof. Marcos Vianna, Prof. Eduardo

    Carneiro, Prof. Eduardo Neto, Prof. Carlos Chernicharo, Prof. Marcos von Sperling, Prof. Lo

    Heller, Prof. Eduardo von Sperling, meus sinceros agradecimentos.

    Ao meu orientador Prof. Dr. Carlos Chernicharo, um homem a frente de seu tempo, com uma

    viso de mundo arrojada, de pensamento sofisticado e de modo de vida simples e humilde.

    Seus ensinamentos permanecero em minha memria e as oportunidades cedidas jamais

    desperdiadas. Nestes anos de convvio pude, alm de aprender muito sobre a magia que

    envolve os processos de digesto anaerbia, consolidar minhas convices acerca de uma

    atuao tica e idnea como engenheiro e como pessoa. Ainda, tive o prazer de poderdesfrutar, alm das excepcionais orientaes acadmicas, vrios momentos de descontrao

    extraclasse, em boas partidas de futebol e em rodas de pizzas regadas a um bom som e timas

    companhias.

    minha parceira, companheira e confidente, Lu. Seu apoio nesta jornada foi encantador, sou

    pura gratido pelo seu companheirismo, carinho e amor que me acolheram nos momentos

    mais turbulentos, principalmente nos ltimos meses.

    Methanum, pela confiana depositada na pesquisa e sobre mim. Especialmente ao

    Colturato, excepcional profissional da rea do biogs e pessoa de enorme corao, que, assim

    como eu, tem uma grande paixo pelo saneamento e tanto tem me apoiado nesta paixo em

    comum. Tambm um forte agradecimento ao Gomes, por toda confiana ao longo desses

    anos, pelo companheirismo que consolidamos e por todo apoio tcnico desprendido,

    principalmente no comissionamento da plataforma.

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    6/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMGii

    Aos meus vrios braos direito: Weber Duarte, Augusto Temponi, Nirvana Ribeiro,

    Claudinei Ferreira. Sem vocs, no conseguiria desenvolver um dcimo do que se tornou

    minha dissertao hoje. Obrigado!

    todos alunos de iniciao cientfica que passaram pela pMethar, fundamentais para o

    sucesso e continuidade da pesquisa Augusto, Catarina, Nayara, Nirvana, Marina, Rafael,

    Dan Owen, Raiane e Weber.

    Aos colegas do grupo de pesquisa e do projeto: Suzane, Alessandra, Emanuel, Cntia, Edir,

    Marco, aos colegas da mecnica, do bandejo e at mesmo ao Zar.

    Aos grande Amigos, pelos vrios momentos de reflexes filosficas, descontrao, apoio e

    companheirismo, que tornaram minha jornada pelo mestrado mais agradvel. Um grandesalve para Thiago, Cynthia, Danilo, Guiga, Keron, Rodrigo, Portuga, Co, Gabriel e tantos

    outros que, com certeza, sempre estaro em meu corao.

    Ao apoio recebido das seguintes agncias e instituies: CNPq, FAPEMIG, FEAM, SNSA -

    Ministrio das Cidades, Escola de Engenharia da UFMG, Departamento de Gesto Ambiental

    da UFMG, Restaurante Universitrio Setorial II, Methanum Engenharia Ambiental, WBS

    Tecnologia.

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    7/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMGiii

    A utopia est l no horizonte. Me aproximo dois passos,

    ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o

    horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe,

    jamais alcanarei. Para que serve a utopia? Serve para

    isso: para que eu no deixe de caminhar.

    Eduardo Galeano

    Quando a educao no libertadora, o sonho do

    oprimido virar opressor.

    Paulo Freire

    A Terra prov o suficiente para satisfazer a necessidade

    de todos os seres humanos, mas no a ganncia deles.

    Mahatma Gandhi

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    8/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG1

    RESUMO

    A pesquisa teve por objetivo avaliar o desempenho de um sistema de metanizao de resduos

    alimentares, com vistas ao aproveitamento energtico do biogs, de forma a propiciar o

    correto gerenciamento desta frao dos resduos slidos no Campus Pampulha da UFMG.Diante disso, buscou-se estabelecer as condies operacionais que garantissem a estabilidade

    do processo de digesto anaerbia e o rendimento mximo de produo de metano (CH 4). O

    sistema de tratamento, denominado plataforma de metanizao de resduos orgnicos

    (pMethar), constitudo de uma sala de recepo, triagem e triturao dos resduos; um reator

    de metanizao de mistura completa (V = 18,8 m3); uma unidade de separao slido-lquido;

    e uma unidade de acondicionamento, tratamento e aproveitamento energtico de biogs. Em

    vistas do controle operacional e da avaliao do desempenho do reator, foram monitorados os

    seguintes parmetros ambientais: relao entre alcalinidades (AI/AP); eficincia de converso

    de slidos volteis; rendimento de produo CH4; teor de umidade; pH; e temperatura de

    operao. O potencial energtico da plataforma foi estimado com base no poder calorfico do

    CH4 e na eficincia de gerao eltrica usualmente observada em cogeradores comerciais

    (25%). Para avaliao da autossuficincia energtica do sistema, foram elaborados 3 cenrios

    de produo de biogs (considerando-se os rendimentos de CH4observados) e 3 cenrios de

    consumo energtico (considerando-se a potncia nominal e tempo de operao dos

    equipamentos da plataforma). Ao longo de 396 dias operacionais, o reator de metanizao foi

    alimentado com os resduos triturados, com concentrao de SV ajustada entre 35 e 55 gSV.L-

    1, resultou na aplicao de cargas orgnicas volumtricas (COV) entre 1,1 e 2,9 kgSV.m-3.d-1.

    As concentraes efluentes de SV foram da ordem de 10 gSV.L-1 e a eficincia mdia de

    converso de SV igual a 83%. A manuteno de baixos valores de AI/AP (< 0,3) resultaram

    em rendimentos de produo de CH4 mais elevados (entre 233 e 601 mCH4.tSV-1) e, por

    consequncia, em maior capacidade de tratamento de resduos orgnicos e maior potencial de

    gerao energtica. Em condies ideais de operao a pMethar apresentou rendimento de

    produo de metano da ordem de 400 m3CH4.tSV-1, o que pode resultar na produo de 23

    m3CH4a partir do tratamento de cerca de 500 kg de resduos alimentares por dia. Com esse

    volume dirio de biogs, em mdia, a plataforma teria potencial de gerar at 2.055 kWh.ms-1,

    sendo 32% da energia utilizada em seu autoconsumo e cerca de 1.400 kWh.ms-1disponveis

    para suprir outras demandas eltricas no entorno da planta.

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    9/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG2

    ABSTRACT

    The research aimed to evaluate the performance of a food waste methanization system, in

    order to recover energy from biogas, by providing the correct management of this fraction of

    solid waste at UFMG Pampulha Campus. Thus, it was sought to establish operatingconditions that could ensure the stability of the anaerobic digestion process and reach the

    maximum methane (CH4) production yield. The treatment system, called platform of organic

    waste methanization (pMethar), consists of a reception room where sorting and shredding of

    waste takes place; a continuous stirred-tank anaerobic digester (V = 18.8 m3); a solid-liquid

    separation unit; and a biogas storage, treatment and energy recovery unit. For operational

    control and evaluation of reactor performance the following environmental parameters were

    monitored: relationship between alkalinities (IA/PA); conversion efficiency of volatile solids;

    methane yield; moisture content; pH; and operating temperature. The platform's energy

    potential was estimated based on the calorific value of CH4 and on the efficiency usually

    verified in commercial cogeneration engines (25%). In order to evaluate the energy self-

    sufficiency of the system, 3 biogas production scenarios (considering the CH4 yields

    observed) and 3 energy consumption scenarios (considering the nominal power and operating

    time of the platform equipments) were developed. Throughout 396 operating days, the

    methanization reactor was fed with shredded waste, with an adjusted concentration between

    35 and 55 gVS.L-1, which resulted in an organic loading rate (OLR) between 1.1 and 2.9

    kgVS.m-3.d-1. The VS effluent concentrations was 10 g.L-1 and the average VS conversion

    efficiency equal to 83%. The maintenance of low IA/PA values (< 0.3) resulted in a higher

    methane yield (between 233 and 601 mCH4.tVS-1) and consequently greater capacity to treat

    organic waste and a higher potential for energy generation. Under ideal operating conditions

    thepMethar presented a methane yield in the order of 400 m3CH4.tVS-1, which may result in a

    production of 23 m3CH4 when treating 500 kg of food waste per day. With this average

    volume of biogas produced daily, the platform would have a potential to generate up to 2.055

    kWh. month -1, in which 32% of the energy produced is used to sustain the platform, while

    about 1.400 kWh.month-1is available to supply other electrical needs nearby the plant.

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    10/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG3

    SUMRIO

    LISTA DE FIGURAS ........................................................................................................................................... 5

    LISTA DE TABELAS ........................................................ ................................................................. .................. 7

    LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SMBOLOS ................................................................................... 8

    1

    INTRODUO ......................................................... ................................................................. .................. 9

    2 OBJETIVOS............................................................................................................................................... 11

    2.1 OBJETIVO GERAL..................................................................................................................................... 112.2 OBJETIVOS ESPECFICOS................................................................ ........................................................... 11

    3 REVISO DA LITERATURA ......................................................................................................... ........ 12

    3.1 PANORAMA DA GERAO E DESTINAO DE RESDUOS SLIDOS URBANOS NO BRASIL........................... 123.2 RESDUOS ALIMENTARES.............................................................. ........................................................... 133.3 PANORAMA DAS EMISSES DE GEEDERIVADA DE RESDUOS ORGNICOS............................................... 163.4 ASPECTOS LEGAIS................................................................................................................................... 183.5 PANORAMA DA PRODUO E UTILIZAO DO BIOGS.............................................................................. 20

    3.6

    REATORES DE METANIZAO................................................................. ................................................. 26

    3.6.1

    Aspectos bsicos sobre a digesto anaerbia ............................................................................... 26

    3.6.2 Consideraes sobre a configurao de sistemas de metanizao .................... ........................... 30

    3.6.3 Inoculao de reatores anaerbios ......................................................... ...................................... 36

    3.7 INSTABILIDADE EM REATORES DE METANIZAO.................................................................................... 373.7.1 Sobrecarga orgnica ............................................................................................................. ........ 37

    3.7.2 Acmulo de amnia ............................................................ ........................................................... 43

    3.7.3 Disponibilidade de nutrientes ....................................................... ................................................. 45

    3.8 IMPLICAES PRTICAS SOBRE A PRODUO DE BIOGS E METANO....................................................... 463.8.1 Potencial energtico do metano .............................................................. ...................................... 46

    3.8.2 Demais gases de interesse ............................................................ ................................................. 50

    3.8.3 Consideraes sobre a produo de biogs e o rendimento de metano ........................................ 533.8.4 Sistemas de tratamento do biogs ................................................................................................. 55

    4

    MATERIAL E MTODOS ........................................................................................... ........................... 57

    4.1 APARATO EXPERIMENTAL............................................................. ........................................................... 574.2 INOCULAO DO REATOR E ACLIMATAO DA BIOMASSA................................................................ ....... 594.3 ROTINA OPERACIONAL DO REATOR DE METANIZAO............................................................. ................ 60

    4.3.1 Coleta e Transporte ............................................................................................................... ........ 60

    4.3.2 Triagem do resduo alimentar ....................................................................................................... 61

    4.3.3 Preparo do substrato .......................................................... ........................................................... 62

    4.3.4 Diluio do substrato ................................................................................................. ................... 63

    4.3.5 Homogeneizao do substrato ................................................................. ...................................... 63

    4.3.6 Controle de vlvulas do sistema e mistura da massa lquida ........................................................ 64

    4.3.7 Carga orgnica volumtrica aplicada (COV) ....................................................................... ........ 65

    4.3.8 Sistema de armazenamento, tratamento e aproveitamento energtico do biogs ......................... 66

    4.4

    PARMETROS DE MONITORAMENTO........................................................................................................ 684.4.1 Relao entre alcalinidades .................................................................................................. ........ 69

    4.4.2 Produo e rendimento de metano .......................................................... ...................................... 70

    4.5 ESTIMATIVAS DE GERAO ELTRICA DA PLATAFORMA DE METANIZAO............................................. 714.6 TRATAMENTO DOS DADOS............................................................ ........................................................... 73

    5 RESULTADOS E DISCUSSO ............................................................................................................... 74

    5.1 GERAO E COLETA DE RESDUOS ORGNICOS DO RESTAURANTE UNIVERSITRIO................................. 745.2 PARMETROS DE CONTROLE OPERACIONAL DO REATOR DE METANIZAO............................................. 76

    5.2.1 Umidade do substrato e eficincia de remoo de slidos volteis ............................................... 76

    5.2.2 Temperatura de metanizao ........................................................................................................ 785.2.3 Tempo de deteno hidrulica ................................................................. ...................................... 79

    5.2.4 Carga Orgnica Volumtrica ........................................................................................ ................ 80

    5.2.5

    Potencial hidrogeninico e relao entre alcalinidades .......................................................... ..... 82

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    11/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG4

    5.2.6 Produo e concentrao de metano............................................................................................. 84

    5.3 ESTABILIDADE OPERACIONAL DO REATOR DE METANIZAO DE ORGNICOS.......................................... 885.4 BALANO ENERGTICO DA PMETHAR................................................................ ...................................... 93

    5.4.1 Estimativa do potencial de gerao de energia eltrica da pMethar ............................................ 93

    5.4.2 Consumo energtico da pMethar ............................................................. ...................................... 97

    5.4.3 Avaliao dos cenrios de gerao e consumo de energia ........................................................... 995.5 INDICADORES DE DESEMPENHO DA PMETHAR....................................................................................... 101

    6

    CONCLUSES ......................................................... ................................................................. .............. 104

    7 RECOMENDAES .......................................................... ................................................................. ... 106

    8 REFERNCIAS ........................................................ ................................................................. .............. 108

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    12/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG5

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 3.1:Composio dos resduos slidos no Brasil.......................................................... 13Figura 3.2:Produo por setores de alimentos e regio (em milhes de toneladas)............... 14Figura 3.3:Emisses globais de GEE derivados do resduo alimentar em 2007 .................... 14Figura 3.4:Desperdcio alimentar no mundo por tipo e setor de produo ............................ 15

    Figura 3.5:Aes preponderantes para reduo do desperdcio alimentar ............................. 16

    Figura 3.6:Contribuio das emisses de GEE derivadas dos resduos, por subsetor, em 2012.................................................................................................................................................. 17

    Figura 3.7:Produo primria de biogs na Unio Europeia em 2011 (ktoe) com respectivaspropores de cada setor........................................................................................................... 22

    Figura 3.8:Rotas metablicas e grupos microbianos envolvidos na digesto anaerbia ....... 27Figura 3.9:Rotas de converso da biomassa residual em energia .......................................... 31Figura 3.10:Grfico da relao de equilbrio de dissociao NH3/N-NH4............................. 44Figura 3.11:Potenciais usos energticos do biogs, em ordem de exigncia de qualidade do

    biogs ........................................................................................................................................ 48

    Figura 4.1:Fluxograma do sistema integrado de metanizao de resduos orgnicosimplantado no Campus Pampulha da UFMG ........................................................................... 57

    Figura 4.2:Sistema integrado de metanizao de resduos orgnicos da UFMG a) Continerde triagem/laboratrio; b) reator de metanizao; c) sistema de separao slido-lquido; d)sistema de ps-tratamento de efluentes lquidos; e) plataforma de armazenamento, tratamentoe aproveitamento energtico do biogs .................................................................................... 58Figura 4.3:Reator de metanizao de resduos orgnicos da UFMG ..................................... 59

    Figura 4.4:Linha de servir do restaurante universitrio Setorial II ........................................ 60Figura 4.5:Acondicionamento dos resduos alimentares em contendedores plsticos de 120L.................................................................................................................................................. 60

    Figura 4.6:Plataforma de recepo, triagem e metanizao de orgnicos: a) desenho

    esquemtico; b) vista geral da plataforma de recepo ............................................................ 61

    Figura 4.7:Aferio da massa mida dos resduos alimentares coletados ............................. 61Figura 4.8:Desenho esquemtico da unidade de triagem e preparo do substrato: a) mesa detriagem; b) vista geral do galpo de triagem; c) triturador; d) tanque de alimentao ............. 62Figura 4.9:Substrato diludo no tanque de alimentao ......................................................... 63

    Figura 4.10:Vista da instalao de bombeamento da pMethar. As diversas tubulaes evlvulas possibilitam distintas opes de recalque do substrato e de recirculao e mistura doreator ......................................................................................................................................... 64Figura 4.11:Unidade de metanizao de resduos orgnicos: a) tanque de alimentao; b)

    bomba de alimentao/recirculao; c) reator de metanizao; d) tanque de extrao do lododigerido ..................................................................................................................................... 65

    Figura 4.12:Ilustrao do sistema de pr-tratamento e de alimentao do reator demetanizao da pMethar: (a) sala recepo, triagem e triturao dos resduos alimentares(substrato); (b) tanque de alimentao (afluente ao reator); (c) reator de metanizao; (d)tanque de extrao (efluente do reator); (e) envio do material digerido para o sistema deseparao slido-lquido ........................................................................................................... 66Figura 4.13:Sistema de transporte do biogs: a) vista da tubulao de transporte; b) selohdrico; c) medidor de fluxo de gases ....................................................................................... 67Figura 4.14:Fluxograma do sistema armazenamento, tratamento e aproveitamento energticode biogs implantado no Campus Pampulha da UFMG........................................................... 67Figura 4.15:Queimador de biogs (flare) em operao napMethar ...................................... 67

    Figura 4.16:Desenho esquemtico da plataforma de armazenamento, tratamento e

    aproveitamento energtico do biogs: a) sistema de dessulfurizao; b) acumulador de biogs;

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    13/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG6

    c) compressor; d) reservatrio pressurizado; e) sistema de cogerao; f) vista geral daplataforma de biogs ................................................................................................................. 68Figura 4.17: Unidade de anlise laboratorial e de controle operacional dapMethar .............. 69Figura 5.1: Srie temporal e boxplotdo resduo coletado no Restaurante Setorial II ao longoda operao dapMethar........................................................................................................... 75Figura 5.2:Srie temporal dos slidos volteis afluentes e efluentes ao biodigestor e boxplot

    das eficincias de remoo de SV ............................................................................................ 77Figura 5.3:Serie temporal do monitoramento da temperatura interna do reator de

    metanizao .............................................................................................................................. 78Figura 5.4: Srie temporal e boxplotdo tempo de deteno hidrulica no biodigestor .......... 80Figura 5.5: Srie temporal e boxplotda carga orgnica volumtrica aplicada ao reator ........ 81Figura 5.6: Srie temporal do monitoramento do pH do substrato e do pH e relao AI/AP doreator de metanizao ............................................................................................................... 82Figura 5.7: Serie temporal da produo de biogs e metano; boxplot dos percentis de

    produo de biogs e metano; e distribuio mensal da produo mdia de biogs, metano epotencial de gerao energtica dapMethar............................................................................. 85Figura 5.8:(a) Srie histrica e boxplot (b, c) das concentraes de metano e sulfeto de

    hidrognio no biogs do biodigestor ........................................................................................ 86

    Figura 5.9:Srie temporal do monitoramento da carga orgnica volumtrica, concentrao demetano, relao AI/AP e rendimento de metano do reator de metanizao dapMethar (a); eboxplotdo rendimento de produo de metano das Fases I (b), II (c) e II (d), respectivamente.................................................................................................................................................. 89

    Figura 5.10:Srie temporal do rendimento de metano, da distribuio mdia semanal dorendimento de metano eboxplotdos rendimentos observados. ............................................... 94Figura 5.11:Srie temporal e boxplot do potencial de gerao de energia da plataforma demetanizao .............................................................................................................................. 96Figura 5.12:Balano de massa simplificado do reator de metanizao de resduos orgnicosda UFMG ................................................................................................................................ 102

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    14/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG7

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 3.1:Sntese das metas do PNRS .................................................................................. 19Tabela 3.2:Produo eltrica a partir do uso de biogs na Unio Europeia em 2012 (GWh) 23Tabela 3.3:Taxa de remunerao para usinas de metanizao conforme EEG ...................... 24Tabela 3.4:Nmero de plantas e capacidade eltrica instalada a partir do uso do biogs no

    Brasil. ........................................................................................................................................ 25

    Tabela 3.5:Composio caracterstica dos resduos alimentares ............................................ 30Tabela 3.6:Comparao entre diferentes configuraes de reatores de metanizao ............ 33

    Tabela 3.7:Comparao energtica de algumas reaes comuns na degradao anaerbia .. 39Tabela 3.8:Principais caractersticas dos componentes do biogs e outros gases de interesse.................................................................................................................................................. 46

    Tabela 3.9:Composio tpica de biogs gerado em processos anaerbios ........................... 46Tabela 3.10:Caractersticas padro do gs metano................................................................. 47Tabela 3.11:Calor de formao padro das substancia envolvidas na combusto do metano 47Tabela 3.12:Valores caractersticos e parmetros operacionais de MCI ciclo Otto ............... 50

    Tabela 3.13:Produo especfica de biogs e teor de metano dos respectivos grupos desubstratos .................................................................................................................................. 54

    Tabela 3.14:Caracterizao dos rendimentos de produo de biogs e metano em funo douso de diferentes substratos ...................................................................................................... 55Tabela 3.15:Nveis de tratamento requerido para diferentes tipos de uso do biogs ............. 56Tabela 4.1:Principais caractersticas do reator de metanizao ............................................. 58Tabela 4.2:Caracterizao dos inculos e do substrato utilizados no reator. ......................... 59

    Tabela 4.3:Parmetros de monitoramento do reator de metanizao ..................................... 69Tabela 4.4:Estimativa do consumo energtico napMethar a partir da potncia ativa dosequipamentos ............................................................................................................................ 72Tabela 5.1:Estatstica descritiva bsica das COV aplicadas entre as fases operacionais ....... 82

    Tabela 5.2:Faixas de pH e relaes AI/AP observadas durante as fases operacionais .......... 83

    Tabela 5.3: Estatstica descritiva bsica da produo de biogs nas fases operacionais ......... 85Tabela 5.4: Estatstica descritiva bsica das concentraes de metano observadas nas fasesoperacionais .............................................................................................................................. 87Tabela 5.5:Estatstica descritiva bsica da concentraes de sulfeto de hidrognio observadasnas fases operacionais ............................................................................................................... 88Tabela 5.6:Estatstica descritiva bsica dos rendimentos de metano observados entre as fasesoperacionais .............................................................................................................................. 89Tabela 5.7: Tabela resumo dos principais parmetros monitorados na operao do reator demetanizao de resduos alimentares ........................................................................................ 90Tabela 5.8:Rendimento de metano observado na pesquisa e comparao com dados da

    literatura que reportam o rendimento a partir da digesto anaerbia de resduos alimentares . 92Tabela 5.9:Cenrios estimados de produo de metano e de energia eltrica ........................ 99

    Tabela 5.10: Resumo da estimativa do potencial energtico mensal da plataforma demetanizao ............................................................................................................................ 100Tabela 5.11: Matriz de relaes consumo/produo energtica da plataforma de metanizao................................................................................................................................................ 100

    Tabela 5.12:Principais indicadores de desempenho dapMethar.......................................... 102

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    15/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG8

    LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SMBOLOS

    AI alcalinidade intermediriaAI/AP relao entre a alcalinidade intermediria e a parcialANP Agncia Nacional do Petrleo

    AP alcalinidade parcialBRS bactrias redutoras de sulfato

    C/N relao carbono nitrognioCH4 metanoCHP cogerao energtica (combinated heat and power)CO2 dixido de carbono

    CO2e dixido de carbono equivalenteCOV cargas orgnicas volumtricasDA digesto anaerbiaETE estaes de tratamento de esgotos

    FORSU frao orgnica dos resduos slidos urbanosGEE gases de efeitos estufaH2S sulfeto de hidrognio - gs sulfdricoKS constante de meia-saturao

    ktoe quilo toneladas de leo equivalenteMDL mecanismo de desenvolvimento limpoMCI motor de combusto interna

    ppmV parte por milhoPNE Plano Nacional de Energia

    PNMC Plano Nacional sobre Mudana do ClimaPNRS Poltica Nacional de Resduos SlidosPNSB Plano Nacional de Saneamento Bsico

    pMethar Plataforma de Metanizao de Resduos OrgnicosRSU resduos slidos urbanosRU Restaurante UniversitrioSF slidos fixosST slidos totaisSV slidos volteisUE Unio Europeia

    UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    16/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG9

    1 INTRODUO

    O tratamento e disposio de resduos slidos urbanos (RSU) tem sido um desafio para

    maioria dos municpios brasileiros. Com a implementao da Poltica Nacional de Resduos

    Slidos (PNRS, 2010), as municipalidades se viram obrigadas a buscar alternativas

    sustentveis para a disposio e o tratamento dos RSU gerados no pas. Em virtude da elevada

    frao de orgnicos presente nos resduos urbanos brasileiros (~51%), sugere-se a adoo de

    tecnologias biolgicas para o tratamento dessa tipologia de matria residual, a exemplo de

    pases desenvolvido, sobretudo da Unio Europeia (UE), que tm empregado com sucesso as

    tecnologias modernas de tratamento de biomassa.

    Todavia, cabe salientar que a ocorrncia da decomposio anaerbia da matria orgnica de

    forma descontrolada (a exemplo da disposio de resduos orgnicos em vazadouros a cu

    aberto e em aterros desprovidos de sistema de drenagem e coleta de biogs) implica em

    distintos impactos socioambientais, dos quais cabe citar: as emisses de gases de efeito estufa

    (GEE) e de odores, provocadas por gases liberados pelo metabolismo dos microrganismos

    anaerbios; a contaminao de guas superficiais e subterrneas causada pelo lixiviado,

    lquido resultante da decomposio anaerbia, com alta carga poluidora; a elevada demanda

    por rea para disposio dos resduos; os problemas sociais e de sade pblica.

    Acerca dessas externalidades, destaca-se a emisso do gs metano, em virtude de sua

    caracterstica intrinsecamente dicotmica. Embora seja responsvel por uma crescente parcela

    das emisses de GEE no mundo, esse gs detm um elevado potencial calorfico, tornando

    seu uso energtico atrativo, seja para gerao de energia eltrica, energia trmica, como

    biocombustvel veicular e/ou para injeo na rede de gs natural, mitigando os efeitos dos

    GEE.

    Sob esse panorama, o uso da biomassa residual como fonte de energia renovvel tm sido

    considerada fundamental no pas, por associar o adequado tratamento da frao orgnica dos

    resduos slidos urbanos (FORSU) com a mitigao dos efeitos dos GEE e a diversificao da

    matriz energtica. No Brasil, 69% da energia eltrica gerada derivada de recursos hdricos e

    26% gerada a partir da queima de combustveis em termoeltricas (EPE, 2013). Face

    corrente problemtica de escassez hdrica e de mudanas climticas, faz-se necessrio o

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    17/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG10

    desenvolvimento de tecnologias modernas, de baixa emisso de carbono, que contribuam para

    a diversificao da matriz energtica nacional, baseada no uso das energias renovveis.

    Dessa maneira, a metanizao desponta como uma tecnologia estratgica de converso de

    biomassa residual em bioenergia (biogs). Ressalta-se ainda que os subprodutos slido (lodo)

    e lquido da metanizao apresentam potencial de reutilizao agrcola, como biosslidos e na

    fertirrigao de culturas vegetais, mitigando o uso de insumos agrcolas qumicos para

    produo de alimentos. importante salientar que o estudo das caractersticas fsico-qumicas

    e microbiolgicas do biosslido faz-se necessrio antes da aplicao no solo, com vista a

    garantir a segurana ambiental e a sade do consumidor.

    O tratamento biolgico da matria orgnica via metanizao consiste em um sistema

    integrado, que abrange o conhecimento transdisciplinar em tratamento das fases slida,

    lquida e gasosa, em vistas da valorizao dos subprodutos gerados (biogs e biosslidos). No

    Brasil, a tecnologia de metanizao ainda pouco explorada e a recuperao energtica de

    biogs ocorre de maneira bastante tmida.

    Cabe ressaltar que os sistemas biolgicos so susceptveis a distrbios em sua biocenose em

    virtude de desequilbrios ambientais do meio, dado o aporte de substncias nocivas

    microbiota anaerbia; a presena de altas concentraes de nitrognio no reator; e a eventosde sobrecarga orgnica no reator. Em vista disso, tem-se buscado estabelecer parmetros

    operacionais e de monitoramento ambiental que subsidiem praticas operacionais que, de

    forma simples e econmica, garantam o rendimento mximo de produo de metano e a

    eficincia energtica do sistema.

    Sob essa perspectiva, considera-se indispensvel o desenvolvimento de tecnologias nacionais

    que garantam: o adequado tratamento da FORSU, de forma robusta; a autossuficincia

    energtica; e que tenham simplicidade operacional, disseminando o tratamento

    descentralizado de resduos orgnicos. Com tecnologias de baixo custo operacional e elevada

    eficincia energtica, os reatores de metanizao podem se configurar numa soluo

    interessante para pequenas cidades e grandes fontes geradoras de resduos orgnicos, tais

    como restaurantes populares, feiras livres, supermercados e centrais de abastecimento de

    alimentos.

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    18/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG11

    2 OBJETIVOS

    2.1 Objetivo geral

    Avaliar o desempenho de um sistema de metanizao de resduos, com vistas ao

    aproveitamento energtico do biogs e a sua aplicabilidade, de forma a propiciar o corretogerenciamento desta frao dos resduos slidos no Campus Pampulha da UFMG.

    2.2 Ob jetiv os esp ecfic os

    Estabelecer as condies operacionais de um reator de metanizao de resduos

    alimentares, com vistas a garantir a estabilidade do processo de digesto anaerbia e a

    alcanar o rendimento mximo de produo de metano;

    Avaliar o potencial e o balano energtico do sistema de metanizao atravs da

    anlise de trs cenrios hipotticos de gerao e consumo de energia eltrica, com

    vistas a atender a demanda energtica do sistema de tratamento de resduos

    alimentares;

    Realizar o balano o de massa do processo de metanizao e estabelecer indicadores

    que subsidiem o gerenciamento dos resduos alimentares e a valorizao dos

    subprodutos gerados no sistema.

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    19/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG12

    3 REVISO DA LITERATURA

    3.1 Panoram a da gerao e des ti nao de resduos slid os urbanos noBrasi l

    Nas ltimas dcadas, a populao mundial tem aumentado de maneira sensvel. O nmero de

    habitantes no planeta praticamente dobrou entre a dcada de 70 e a atual. Estima-se que a

    atual populao mundial de 7,2 bilhes de pessoas chegar a 9,6 bilhes em 2050, e o

    crescimento se dar principalmente em pases em vias de desenvolvimento (ONU, 2013).

    Numa sociedade formatada pelo imaginrio do crescimento econmico ilimitado, pela cultura

    do consumo e da obsolescncia dos produtos, os impactos ambientais causados pela gerao e

    disposio inadequada dos resduos slidos sero expressivos.

    Segundo relatrio do Banco Mundial (2012), a quantidade de RSU, subproduto intrnseco aoestilo de vida urbano, cresce mais rpido do que a taxa de urbanizao. Em 2002, 2,9 bilhes

    de pessoas habitavam os centros urbanos, onde a gerao per capita de RSU era de 0,64 kg

    por dia. J em 2012, eram 3 bilhes habitantes com gerao de 1,2 kg por pessoa por dia. A

    estimativa para o ano de 2025 que o nmero de habitantes nos grandes centros aumente para

    4,3 bilhes de pessoas, com gerao per capita de 1,42 kg de RSU por dia.

    O incremento na gerao de resduos tem impacto direto sobre o tratamento e a disposio

    final desses. Isso salienta a demanda pelo desenvolvimento de tecnologias modernas de

    tratamento, de baixa emisso de carbono, adequadas cada tipologia de resduo, em vistas do

    aproveitamento energtico dos subprodutos gerados no processo.

    No obstante da tendncia mundial, tambm h expectativas que a gerao de resduos slidos

    aumente no Brasil. Estima-se que a coleta de resduos domiciliares e pblicos nos municpios

    brasileiros em 2013 tenha atingido um montante de 61,1 milhes de toneladas, cerca de 167,5

    mil toneladas de resduos slidos por dia. Em mdia coletado um per capita da ordem de1,01 kg de RSU por dia (SNIS, 2013). Isso tem contribudo para intensificao dos impactos

    derivados do setor de resduos slidos.

    O Brasil avanou na questo de destinao adequada de resduos slidos urbanos, contudo,

    mesmo aps a implementao da PNRS, a evoluo foi incipiente. Segundo relatrios da

    Abrelpe (2007-2013), em 2007 apenas 39% dos RSU possuam destinao adequada, e o

    restante era inadequadamente disposto. J em 2010, com a entrada em vigor da PNRS, 58%

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    20/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG13

    dos RSU possuam destinao adequada. Valores ainda aqum da meta de universalizao da

    coleta e disposio de resduos, definida pela PNRS.

    AFigura 3.1 ilustra a composio do RSU no Brasil, na qual fica clara a predominncia do

    material orgnico (cerca de 31 milhes de toneladas por ano) (ABRELPE, 2013; SNIS, 2013).

    Cabe salientar que a disposio inadequada da frao orgnica dos resduos slidos urbanos

    (FORSU) contribui para a emisso de GEE e outros impactos potenciais.

    Figura 3.1:Composio dos resduos slidos no Brasil

    Fonte: adaptado de ABRELPE (2013)

    Os dados sobre a gerao de resduos alimentares no Brasil so incipientes. Ainda assim, cabe

    salientar que expressiva parcela dos resduos orgnicos derivada do desperdcio de

    alimentos.

    3.2 Resdu os A lim entares

    Quando confrontado o nmero de pessoas desnutridas com o de pessoas que sofrem com o

    sobrepeso, fica clara da desigualdade social no mundo. O nmero de pessoas obesas ou com

    sobrepeso cresceu 70% em trs dcadas, atingindo 2,1 bilhes de pessoas (IHME, 2014).

    Paradoxalmente, 842 milhes passam fome no mundo, sobretudo nos pases em vias de

    desenvolvimento (FAO, 2013). A expanso do agronegcio, as perdas ao longo da cadeia

    produtiva, o desperdcio alimentar, a centralizao e m distribuio dos alimentos produzidos

    so as principais causas da fome no mundo (Figura 3.2).

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    21/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG14

    Figura 3.2:Produo por setores de alimentos e regio (em milhes de toneladas)

    Fonte: adaptado de FAO (2011)

    Segundo relatrio da FAO (2013), cerca de um tero dos alimentos produzidos para consumo

    humano, aproximadamente 1,3 bilho de toneladas, so desperdiados anualmente. Estima-se

    que a emisso de GEE seja equivalente a 3,3 bilhes de toneladas de dixido de carbono. De

    acordo com os preos de produo, calcula-se ainda a perda de 750 bilhes de dlares, o

    desperdcio de 250 quilmetros cbicos de gua e a supresso de 1,4 bilho de hectares de

    ecossistemas naturais em funo da agropecuria.

    Se integrado ao ranking nacional de emisses de GEE, o desperdcio alimentar ocuparia aterceira posio, precedido pela China e EUA (Figura 3.3).

    Figura 3.3:Emisses globais de GEE derivados do resduo alimentar em 2007

    Fonte: adaptado de FAO (2011)

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    22/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG15

    O desperdcio alimentar ocorre ao longo de toda a cadeia produtiva, consequncia da falta de

    cuidado no manuseio e na colheita, da falta de logstica no transporte e do acondicionamento

    inadequado dos produtos. AFigura 3.4 explicita a elevada contribuio da produo primria

    no desperdcio de alimentos no mundo, a destacar nos setores de produo de razes,

    tubrculos, frutas e vegetais. O processamento e o transporte de alimentos tambm tmimportante contribuio nesse montante, principalmente no setor de perecveis (carne, peixes

    e frutos do mar). J o desperdcio no ato do consumo, tem papel de destaque no setor dos

    cereais (arroz, trigo, soja).

    Figura 3.4:Desperdcio alimentar no mundo por tipo e setor de produo

    Fonte: adaptado de FAO (2011)

    O fluxograma de usos preponderantes dos resduos alimentares,Figura 3.5, relevante para

    adoo de prticas que visem o adequado gerenciamento desses resduos (EPA, 2014; FAO,

    2014). O aproveitamento integral dos alimentos, reutilizao para alimentao animal, so

    algumas alternativas de reaproveitamento, desde que atenda as restries da legislao de

    nutrio animal e de sade pblica vigentes (BRASIL, 2009).

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    23/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG16

    Figura 3.5:Aes preponderantes para reduo do desperdcio alimentar

    Fonte: adaptado de EPA (2014) e FMI/GMA/NRA (2014)

    O reaproveitamento industrial dos resduos considerado atrativo, a destacar a produo de

    biogs, passvel de aproveitamento energtico. Atualmente, a experincia tem demonstrado

    que a metanizao do resduo alimentar uma rota vivel para o tratamento e a valorao

    desse resduo (EPA, 2010; 2012; IME, 2013; ZHANG et al, 2014; FMI/GMA/NRA, 2014;

    HLPE, 2014).

    importante ressaltar que o aterro de orgnicos j restrito ou vetado em diversos pases

    (INDIA, 2000; UE, 2009), a incinerao emite gases poluentes e pouco eficiente em funodo elevado teor de umidade presente nas partculas orgnicas e a compostagem demanda

    grandes reas para operao, apresenta baixo rendimento quando submetida a elevadas cargas

    de resduos orgnicos e tem baixa eficincia, na perspectiva energtica.

    3.3 Pano rama das em isses de GEE deriv ada de resdu os orgnic os

    Nas ltimas dcadas, os GEE tm sido apontados como um dos principais contribuintes para o

    atual cenrio de mudanas climticas em nvel global. O vapor dgua, o dixido de carbono(CO2), o metano (CH4), o xido nitroso (N2O) e o oznio (O3), naturalmente presentes na

    atmosfera terrestre, so considerados como os principais gases estufa, capazes de absorver

    tanto a radiao solar incidente quando a radiao emitida pela Terra, especialmente nos

    comprimentos de onda infravermelho e ultravioleta (BAIRD e CANN, 2011). Sob a

    perspectiva do tratamento biolgico anaerbio, o CH4 tem papel de destaque, dado que o

    principal subproduto gerado no processo. Embora seja um gs inodoro e incolor, o metano

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    24/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG17

    potencialmente inflamvel e detm elevado potencial de emisso de GEE, cerca de 25 vezes

    superior ao CO2(IPCC, 2007).

    O Brasil ocupa a 6 colocao no ranking mundial de emisses de GEE, liderado por China e

    Estados Unidos. Em 2012 foram emitidos 1,48 GtCO2e, o que corresponde 2,9% das

    emisses globais (WRI, 2012).

    Segundo relatrio da OC/SEEG (2014), no ano de 2012, o setor de resduos foi responsvel

    pela emisso de 46,9 MtCO2e, cerca de 3,2% das emisses brutas de GEE no Brasil. o

    terceiro setor em crescimento de emisses, precedido pelo setor de energia e de processos

    industriais, (considerando o perodo entre 1990 e 2012). Mais da metade das emisses de

    GEE no setor gerado pela disposio de resduos, enquanto o tratamento de esgoto

    domstico e industrial juntos, contribuem com 44% das emisses totais,Figura 3.6.

    Figura 3.6:Contribuio das emisses de GEE derivadas dos resduos, por subsetor, em 2012

    Fonte: adaptado de OC/SEEG (2014)

    A frao de orgnicos presente em esgotos sanitrios, efluentes industriais, resduos agrcolas

    e dejetos da pecuria tambm tm contribudo com importante poro das emisses de gases

    de efeito estufa, sendo cerca de 20,9 MtCO2e emitidos por essas atividades somadas(OC/SEEG, 2014). O setor de tratamento e disposio de resduos o segundo maior

    responsvel pela emisso de gs metano no Brasil, precedido apenas pelas atividades

    agropecurias. Estima-se ainda que a decomposio anaerbia da FORSU seja responsvel

    por 62,3% das emisses de CH4no pas (OC/SEEG, 2014).

    Sob esse aspecto importante destacar que o metano, gs de efeito estufa, pode ser

    aproveitado energeticamente, diversificando a matriz energtica brasileira.

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    25/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG18

    3.4 Asp ectos Legais

    Dado os distintos impactos gerados pela disposio inadequada de orgnicos, num contexto

    global, as legislaes ambientais tm procurado restringir o aporte de orgnicos em aterros

    sanitrios e ainda priorizar o tratamento biolgico da FORSU.

    As Diretivas Europeias 31/1999 e 98/2008, e o Decreto 183/2009 (UE, 1999; 2008; 2009)

    estabelecem restries quanto a disposio de RSU em aterros sanitrios, reservando a esses,

    apenas a frao de resduos previamente tratada ou que no seja passvel de aproveitamento

    energtico. Isso obriga os pases membros da UE a buscarem formas alternativas para o

    tratamento de seus resduos slidos.

    Nesse mesmo contexto, a legislao indiana (The Indian Municipal Solid Waste Rules, 2000)

    estabelece a obrigatoriedade da segregao dos resduos na fonte de gerao e probe a

    disposio dos orgnicos em aterros sanitrios, exigindo que FORSU receba o tratamento

    biolgico adequado (INDIA, 2000).

    No Brasil, embora haja elevado potencial de recuperao energtica a partir da metanizao

    dos resduos orgnicos, essa tcnica permanece ainda pouco explorada. A PNRS (BRASIL,

    2010) traz algumas metas fundamentais para a gesto adequada dos resduos slidos, com

    vistas a reduzir a carga de resduos encaminhados aos aterros, incentivar o aproveitamentoenergtico desses (e.g.: biogs gerado em processos anaerbios) e reduzir as emisses de

    GEE. Cita-se como exemplo o artigo Art. 3 - VII o qual considera como destinao final

    ambientalmente adequada:

    destinao de resduos que inclui a reutilizao, a reciclagem, a

    compostagem, a recuperao e o aproveitamento energtico ou outras

    destinaes.

    Algumas metas e diretrizes previstas no PNRS tem reflexo direto sobre as emisses de GEE, a

    destacar: a eliminao dos lixes e aterros controlados at 2014 (prorrogada para 2018, 2020,

    a depender do porte do municpio); a reduo das atuais taxas de gerao de RSU, para o

    patamar do ano de 2008 (taxa de 1,1 kg.habitante-1.dia-1); a reduo progressiva dos resduos

    reciclveis secos dispostos em aterros sanitrios, com base na caracterizao de 2013 e; a

    gerao de energia por meio do aproveitamento energtico da biodigesto (e.g.: processo de

    metanizao) e dos gases gerados em aterros sanitrios e introduo da compostagem da

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    26/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG19

    parcela orgnica dos RSU (BRASIL, 2010). A Tabela 3.1 sintetiza as principais metas de

    gesto e aproveitamento energticos dos RSU.

    Tabela 3.1:Sntese das metas do PNRSMeta 2015 2019 2023 2027 2031

    Eliminao total dos lixes at 2014 100% 100% 100% 100% 100%

    Reduo dos resduos reciclveis secos dispostos em aterros sanitrios 22% 28% 34% 40% 45%Reduo dos resduos midos dispostos em aterros sanitrios 19% 28% 38% 46% 53%

    Recuperao de gases de aterro (MWh) 50 100 150 200 250

    Fonte: adaptado de Brasil (2010)

    Alm do PNRS apresentar a meta de aproveitamento do potencial energtico dos resduos

    slidos urbanos, o Plano Nacional de Energia 2030 (PNE 2030) aponta o aproveitamento

    energtico do biogs, como uma das alternativas de expanso da oferta energtica at 2030

    (BRASIL, 2007).

    Outra importante abordagem o Plano Nacional sobre Mudana do Clima (PNMC), a qual

    estabelece a meta voluntria nacional de reduo do nvel de emisses de gases de efeito

    estufa entre 36,1% e 38,9% at 2020 (BRASIL, 2009). O PNMC destaca a importncia do

    estabelecimento de medidas para a reduo da emisso de GEE, no setor de resduos. O plano

    incentiva iniciativas que visem o adequado manejo dos RSU, especialmente os sistemas de

    gerao e aproveitamento energtico de metano.

    Segundo o ltimo documento de anlise das emisses nacionais de GEE, universalizar o

    tratamento biolgico da FORSU e dos esgotos, com o adequado aproveitamento energtico do

    biogs, pode levar a uma reduo de, pelo menos, um tero das emisses do setor (OC/SEEG,

    2014).

    Nos ltimos anos, o Brasil tem avanado em algumas parcerias que objetivam a ampliao do

    aproveitamento energtico do biogs no pas, a exemplo do Probiogs, cujas principais linhas

    de atuao so: capacitao de instituies estratgicas nos setores de energia e saneamento;

    apoio tcnico aos agentes relevantes para o desenvolvimento de polticas pblicas; normas

    tcnicas e projetos de referncia; facilitao do desenvolvimento de parcerias de negcio e de

    pesquisa; criao de redes de competncia entre Brasil e Alemanha (Ministrio das Cidades

    FNR, 2010).

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    27/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG20

    O pas tambm tem avanado em relao interligao da energia eltrica, gerada nas usinas

    de biogs, na rede eltrica local. A Resoluo Normativa ANEEL n 482/2012 estabelece as

    condies gerais para o acesso de microgerao e minigerao distribuda aos sistemas de

    distribuio de energia eltrica, o sistema de compensao de energia eltrica, e d outras

    providncias a todo cidado que queira instalar em sua residncia uma fonte de energiarenovvel para uso domstico. Essa resoluo permite aos consumidores instalar pequenos

    geradores e injetar energia na rede, em troca de crditos. Porm, tm-se a limitao da

    potncia dos minigeradores distribudos a 1 MW.

    Em Janeiro de 2015 foi publicada a Resoluo da Agncia Nacional do Petrleo (ANP) n 08,

    que estabelece e regulariza as especificaes necessrias para classificao do biogs como

    biometano, visando a comercializao em territrio nacional. Essa resoluo pode ser vista

    como um dos principais avanos para a regulamentao das tecnologias de metanizao.

    Dentre as disposies da normativa mencionado que o produtor de biometano dever emitir

    Certificados de Qualidade de sua produo do gs. A obteno dos Certificados ocorrer

    mediante ao envio de resultados de anlises do gs ANP. De acordo com a Resoluo ANP

    n 08, a concentrao de gs metano no biometano deve ser superior 96,5 % mol.

    A normativa deixa claro que o uso residencial, comercial ou veicular do biometano derivado

    de RSU deve atender ao disposto na Resoluo ANP n 23/2012, vinculada ao PNRS.

    3.5 Pan orama da pro duo e u ti li zao do biogs

    A produo de biogs ou "gs dos pntanos" remete aos tempos mais remotos do nosso

    planeta. Ambientes naturais, midos e com ausncia de oxigniocomo os pntanos, lagos

    hipereutrofizados, sedimentos do fundo de ambientes aquticos e o trato digestivo de alguns

    animaispropiciam condies timas para o desenvolvimento de microrganismos anaerbios

    decompositores da matria orgnica.

    Da observao casual da combusto natural desse gs na superfcie de regies pantanosas,

    tomou-se cincia da possibilidade de produo de gs combustvel a partir da decomposio

    de resduos orgnicos (GRYSCHEK e BELO, 1983). O uso do biogs pela humanidade

    retoma ao sculo X a.C., pelos povos Assrios e da Antiga China, cujo domnio da tcnica

    permitia o seu uso para o aquecimento de banhos, coco e outros usos domsticos, assim

    como o aproveitamento agrcola do efluente digerido anaerobiamente (HE, 2010).

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    28/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG21

    Pases asiticos, a exemplo da ndia e China, tm utilizado, a sculos, o biogs como

    alternativa energtica para coco, iluminao e gerao de calor. Estima-se que o uso prtico

    do biogs surgiu na ndia, onde o biogs formado pela digesto anaerbia (DA) do esgoto

    domstico era utilizado em um hospital (NOGUEIRA, 1986; LUSK, 1998).

    Atualmente, a China possui mais que 42 milhes de pequenos sistemas de metanizao,

    produzindo biogs para o uso domstico, e mais de 60 mil pequenas, mdias e grandes usinas

    de metanizao com aplicao industrial (WBA, 2013). Famlias chinesas, principalmente as

    que vivem na zuna rural, tem utilizado amplamente o biogs para coco e iluminao

    (CHEN et al., 2012b; CHEN e CHEN, 2013). Contudo, ainda so observados sistemas com

    controle operacional e tecnologia limitados, depreciando a eficincia de tratamento e o

    aproveitamento energticos do biogs.

    No obstante, o desenvolvimento tecnolgico da metanizao avanou, principalmente nos

    pases Europeus, onde grandes usinas de biogs so utilizadas para o tratamento da FORSU e

    de resduos rurais.

    Lder mundial em gerao de energia eltrica a partir de fontes renovveis, a Europa

    referncia no mbito de gerao e utilizao do biogs. A gerao de energia trmica e

    eltrica so as duas principais formas de aproveitamento energtico do biogs nos pasesmembros da Unio Europeia (UE). Grande parte do calor gerado aproveitado nas instalaes

    das prprias usinas de biogs, seja para a secagem do lodo, manuteno da temperatura

    interna do reator ou mesmo para o aquecimento dos edifcios administrativos (UE, 2009;

    FNR, 2010; DE BAERE e MATTHEEUWS, 2010; EUROBSERVER, 2013).

    Segundo o ltimo relatrio do Panorama das Energias Renovveis na Europa

    (EUROBSERVER, 2013), em 2012, a produo de energia eltrica a partir do uso do biogs

    foi maior que 46 GWh no continente. Montante equivalente toda energia eltrica gerada

    pelo estado do Rio de Janeiro ou cerca de 8% da energia eltrica total gerada pelo Brasil no

    mesmo ano. Esse montante seria suficiente para atender, integralmente, as demandas

    energticas das regies Norte ou Centro-Oeste brasileiras, ou mesmo as demandas dos setores

    rural, iluminao pblica e servio pblicos somados (EPE, 2013).

    Na UE, mais de dois teros (62,5%) da produo eltrica, a partir do biogs, gerado por

    usinas de metanizao, seguido pelo aproveitamento energtico do biogs gerado em aterros

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    29/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG22

    (27%) e em estaes de tratamento de esgotos (11%). Alemanha, Itlia, Holanda, Repblica

    Tcheca, ustria, Blgica e Dinamarca, tm papel de protagonismo na produo de biogs a

    partir de plantas de metanizao (Figura 3.7).

    Figura 3.7:Produo primria de biogs na Unio Europeia em 2011 (ktoe) com respectivaspropores de cada setor

    Fonte: adaptado de EurobservER(2012)

    A Alemanha lidera o ranking da produo e utilizao de biogs, com gerao eltrica de 27,2

    TWh, no ano de 2012 (Tabela 3.2). So mais de 8 mil usinas de metanizao instaladas,

    gerando empregos diretos e indiretos e renda para os pases europeus. A Alemanha, inclusive,

    detm a maior planta de metanizao do mundo, em Gstrow, com capacidade de produo

    de 10.000 m de biogs/hora (EUROBSERVER, 2013; WBA, 2013) .

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    30/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG23

    Tabela 3.2:Produo eltrica a partir do uso de biogs na Unio Europeia em 2012 (GWh)Pas Usinas produo eltrica Usinas de cogerao Produo eltrica total

    Alemanha 5.917,0 21.322,0 27.239,0Reino Unido 5.243,1 631,3 5.874,4

    Itlia 2.160,6 2.459,3 4.619,9Repblica Tcheca 55,0 1.412,0 1.467,0

    Frana 754,9 530,0 1.284,9

    Holanda 68,0 940,0 1.008,0Espanha 710,0 223,0 933,0ustria 588,0 48,0 636,0Polnia 0,0 565,4 565,4Blgica 90,4 573,1 663,5Hungria 153,4 81,3 234,7

    Dinamarca 2,5 375,7 378,2Portugal 199,0 10,0 209,0Grcia 38,3 164,3 202,6Irlanda 174,6 21,4 196,0

    Eslovnia 4,9 148,2 153,1Finlndia 57,2 82,3 139,4

    Eslovquia 34,0 72,0 106,0

    Latvia 0,0 105,3 105,3Luxemburgo 0,0 57,8 57,8Chipre 0,0 52,0 52,0Litunia 0,0 42,0 42,0Bulgria 0,0 28,3 28,3Sucia 0,0 22,0 22,0

    Romnia 0,0 19,7 19,7Estnia 0,0 15,8 15,8

    TOTAL UE 16.250,9 30.002,1 46.253,0Crocia 1,5 56,5 58,0

    Fonte: adaptado de EUROBSERVER, 2013

    Na UE, tem-se buscado o desenvolvimento de tecnologias que viabilizem a injeo de biogsna rede de gs natural, a qual permite o armazenamento para usos futuro e o uso

    descentralizado do gs. Em virtude da composio heterognea do biogs, a viabilidade

    tcnica e econmica ainda est em fase de desenvolvimento. Para injeo na rede de gs

    natural, o biogs deve ser purificado, a fim de alcanar elevado teor de metano acima de

    96,5%, o denominado biometano (ANP, 2015).

    Um dos propulsores do sucesso da Alemanha no campo da metanizao a Lei Alem de

    Energias Renovveis (EEG), a qual fornece subsdios fiscais para plantas de metanizao. O

    grande atrativo da lei o pagamento pela eletricidade injetada, que varia conforme a

    capacidade instalada da planta, a data de incio de operao e o substrato utilizado no

    processo. Os bnus previstos na EEG constituem um sofisticado sistema de incentivos que

    visam proporcionar a gerao de eletricidade, a partir da biomassa, de forma eficiente e que

    garanta a proteo climtica e ambiental (Tabela 3.3).

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    31/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG24

    Tabela 3.3:Taxa de remunerao para usinas de metanizao conforme EEG

    Potncia da UsinaTaxa de remunerao (centavos de

    euro/kWh)

    Remunerao bsica para energiaeltrica de biomassa

    at 150 kW 14,3at 500 kW 12,3at 5 MW 11,0at 20 MW 6,0

    Bnus de controle da poluioatmosfrica at 500 kW 0,98

    Bnus biomassa dedicadaat 500 kW 6,86at 5 MW 3,92

    Bnus esterco lquidoat 150 kW 3,92at 500 kW 0,98

    Bnus de conservao dapaisagem

    at 500 kW 1,96

    Bnus de cogerao at 20 MW 2,94Bnus tecnolgico at 5 MW 1,96

    Fonte: adaptado FNR (2010); EurobservER (2013)

    Vale salientar que polticas pblicas que incentivem a integrao da energia na rede dedistribuio eltrica ou a injeo do biometano na rede de gs natural, atravs de sistemas de

    bnus/subsdios para produo de energia a partir do biogs, so essenciais para o sucesso das

    tecnologias de DA no pas.

    Em pases da Amrica-latina e Caribe, principalmente no Brasil, o uso de reatores anaerbios

    tem se intensificado no que tange ao tratamento de esgotos sanitrios, devido aos baixos

    custos de implantao e operao, baixa demanda energtica, possibilidade de recuperao

    energtica e ao clima tropical, condio climtica favorvel ao desenvolvimento timo dos

    microrganismos responsveis pelo tratamento biolgico da matria orgnica (VAN

    HAANDEL e LETTINGA, 1994; CHERNICHARO, 2007; MCCARTY et al., 2011;

    NOYOLA et al., 2012). Contudo, a DA de resduos slidos orgnicos ainda pouco debatida

    nesses pases, devido a limitaes tecnolgicas e falta de investimento em pesquisa e

    desenvolvimento.

    Andrade et al.(2002) comentam que, entre as dcadas de 70 e 80, o Governo brasileiro, pormeio dos Ministrios da Agricultura e de Minas e Energia, promoveu a construo de

    digestores do modelo chins ou indiano, em diversas fazendas do Brasil. At o ano de 1988,

    haviam sido implantadas cerca de 8 mil unidades (GRYSCHEK e BELO, 1983). Devido ao

    baixo nvel de conhecimento da tecnologia, da operao dos digestores, aos custos de

    manuteno de motores e s dificuldades na utilizao do biogs e do biofertilizante, o

    programa fracassou e grande parte dos digestores foi desativada. Tais insucessos acarretaram

    no descrdito da tecnologia de metanizao por parte dos produtores rurais brasileiros.

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    32/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG25

    Sob esta perspectiva, salienta-se a necessidade do estabelecimento de parmetros operacionais

    e condies ambientais ideais para o tratamento da frao orgnica residual gerada ao longo

    dos processos produtivos. Assim sendo, faz-se necessrio o desenvolvimento de tecnologias

    nacionais que contemplem as particularidades locais de cada regio e contribua para o

    desenvolvimento socioambiental.

    Segundo relatrio da EIA (2013), o Brasil gerou cerca de 80 MW em 2012, derivados de

    plataformas de biogs. Segundo dados da ANEEL (2013), so 22 usinas de biogs conectadas

    rede eltrica, injetando energia na rede a partir do Sistema Interligado Nacional (SIN).

    Grande parte dessas usinas esto instaladas em propriedades rurais, em unidades de

    processamento de resduos e em aterros sanitrios.

    Segundo dados da CETESB (2014), os projetos de mecanismo de desenvolvimento limpo

    (MDL) tm se expandido no Brasil, com o escopo de mitigar as emisses de GEE no pas. So

    72 projetos registrados no setor de suinocultura, 59 projetos de aproveitamento energtico de

    biogs gerado em aterros sanitrios, 33 projetos de GEE evitado em aterros sanitrios e

    apenas 4 projetos de aproveitamento energtico de biogs gerado em reatores anaerbios

    (ETE ou metanizao).

    Embora o uso energtico do biogs gerado no Brasil ainda seja incipiente, a capacidadeinstalada de energia gerada a partir do uso do biogs vem aumentando (Tabela 3.4).

    Tabela 3.4:Nmero de plantas e capacidade eltrica instalada a partir do uso do biogs no Brasil.

    ResduoN de plantas em

    operaoCapacidade instaladaem operao (MW)

    N de plantas emlicenciamento

    Capacidade instaladaem licenciamento (MW)

    Aterro sanitrio 7 77 4 68ETE 3 4 1 2,6

    Dejeto animal 10 2 - -Indstria alimentcia 2 0,9 1 0,04

    Vinhaa - - 2 15,8Total 22 84 8 86

    Fonte: adaptado de ANEEL (2014)

    Segundo a ABRELPE (2013), se os resduos slidos urbanos gerados no Brasil tivessem uma

    destinao final em aterros sanitrios, seria possvel gerar at 536 MW de energia a partir do

    biogs produzido. Salienta-se que so dados conservadores, que consideram apenas o biogs

    gerado em aterros sanitrios e no contempla o potencial de gerao de biogs em reatores de

    metanizao e em ETE.

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    33/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG26

    3.6 Reato res de Metan izao

    3.6.1 Aspectos bsicos sobre a digesto anaerbia

    A DA um processo natural ligado ao ciclo biogeoqumico do carbono que ocorre a partir da

    decomposio da matria orgnica, na ausncia do oxignio, em que os compostos orgnicos

    complexos so degradados por diferentes grupos de microrganismos atravs de distintas

    reaes bioqumicas interdependentesfermentaes, oxidaes, redues. Estas reaes so

    observadas tanto em ambientes naturais (e.g.: pntanos, manguezais, trato intestinal de

    ruminantes, jazidas de petrleo, xisto e gs natural) quanto em processos controlados de DA

    (e.g.: metanizao). Estima-se que a DA com formao de metano seja responsvel pela

    completa mineralizao de 5 a 10% de toda a matria orgnica disponvel no planeta (VAN

    HAANDEL e LETTINGA, 1994; CHERNICHARO, 2007).

    Principal subproduto da metanizao, o biogs constitudo principalmente por metano (55-

    70%), componente calorfico do biogs; dixido de carbono (30-45%); e gs sulfdrico (200 a

    35.000 ppmV), com potencial corrosivo e responsvel pela emisso de maus odores

    (AHRING, e ANGELIDAKI, 1997; RISE-AT, 1998; BRJESSON e BERGLUND, 2007;

    COLTURATO, 2015).

    O processo biolgico de degradao anaerbia da matria orgnica composto por umsensvel ecossistema microbiolgico, de processos metablicos complexos. Um consrcio de

    microrganismos, interdependes, busca o equilbrio ambiental da biocenose anaerbia, de

    maneira sintrfica e dinmica. Como esquematizado naFigura 3.8,trs grupos fisiolgicos de

    microrganismos fundamentais para o processo de DA: as bactrias fermentativas (ou

    acidognicas), as bactrias sintrficas (ou acetognicas) e as arqueias metanognicas

    (MCCARTY, 1964; MATA-ALVAREZ e CECCHI, 1990; PAVLOSTHATHIS e

    GIRALDO-GOMEZ, 1991; TCHOBANOGLOUS et al., 1993; GRIFFIN et al., 1998;

    ANGELIDAKI et al., 1999).

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    34/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG27

    Figura 3.8:Rotas metablicas e grupos microbianos envolvidos na digesto anaerbia

    Fonte: Chernicharo (2007)

    Independe da origem da matria orgnica, o processo de biodegradao ocorre de maneira

    semelhante. Os compostos orgnicos complexos (carboidratos, protenas e lipdeos) so

    hidrolisados por bactrias fermentativas em compostos orgnicos mais simples e solveis

    (cidos orgnicos, glucose, aminocidos, alm de gs hidrognio e dixido de carbono). A

    hidrlise consiste na etapa limitante na DA de resduos slidos orgnicos, uma vez que a

    quebra das macromolculas slidas, pelas exoenzimas hidrolticas liberadas na acidognese,

    mais lenta, em virtude da menor superfcie de contato, se comparada s partculas slidas

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    35/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG28

    presentes no esgoto domstico (MCCARTY, 1964; COSTELLO et al., 1991;

    TCHOBANOGLOUS et al., 1993; DE BAERE, 2000; CHERNICHARO, 2007; ZHANG et

    al,2014).

    Em sequncia, os compostos orgnicos intermedirios (e.g.: propionato, butirato) so

    convertidos em acetato, hidrognio e dixido de carbono pela ao das bactrias sintrficas

    acetognicas. Na ltima etapa da rota metanognica, o acetato e o hidrognio produzidos nas

    fases precedentes so convertidos em metano e dixido de carbono pelos microrganismos

    metanognicos (MCCARTY, 1964; MATA-ALVAREZ e CECCHI, 1990;

    TCHOBANOGLOUS et al., 1993; ANGELIDAKI et al., 1999; CHERNICHARO, 2007).

    A fase metanognica o elo mais sensvel de toda biocenose anaerbia. Essa etapa regida

    por um seleto grupo de microrganismos anaerbios, as denominadas arqueias metanognicas

    (WOESE, 1977; ANGELIDAKI et al., 1993; AHRING e ANGELIDAKI, 1997; GRIFFIN et

    al., 1998; ANGELIDAKI et al., 1999; DE VRIEZE et al,2012). Via de regra, o acetato e o

    hidrognio so os dois principais substratos utilizados pelo metabolismo desses

    microrganismos. As arqueias metanognicas acetoclsticas, utilizam o acetado como fonte de

    carbono para produo da maior parte do metano gerado na maioria dos processos anaerbios

    (MATA-ALVAREZ e CECCHI, 1990; TCHOBANOGLOUS et al., 1993; ANGELIDAKI et

    al., 1999; MCCARTY, 1971 apud CHERNICHARO, 2007). J o grupo das arqueiasmetanognicas hidrogenotrficas, tm o importante papel na manuteno da presso parcial

    de hidrognio (H+) no meio (GRIFFIN et al., 1998; CHERNICHARO, 2007). Segundo Liu et

    al. (1985) e De Vrieze et al. (2012), as arqueias hidrogenotrficas tm importante

    contribuio na produo de metano nos sistemas de alta carga orgnica, em virtude da sua

    baixa afinidade pelo acetado, suportando elevadas concentraes desse cido, e sua maior

    taxa de crescimento especfico em comparao s acetoclsticas.

    Os principais grupos filogenticos envolvidos na metanognese so Methanosaeta

    Methanosarcina,Methanobacterium, Methanospirillum,Methanobrevibacter. A abundncia,

    diversidade e atividade metanognica dessas arqueias so fundamentais para o equilbrio e o

    bom desempenho dos reatores anaerbios (LIU et al.1985; MATA-ALVAREZ e CECCHI,

    1990; GRIFFIN et al., 1998; ANGELIDAKI et al., 1999; MADIGAN et al., 2003).

    A metanizao do resduo alimentar envolve um complexo processo biolgico que deve,

    simultaneamente, digerir todo material orgnico, geralmente, em um nico estgio de

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    36/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG29

    metanizao (MATA-ALVAREZ e CECCHI, 1990; COSTELLO et al., 1991;

    TCHOBANOGLOUS et al., 1993; ANGELIDAKI et al., 1999; DE BAERE, 2000;

    BOLZONELLA et al., 2003; BANKS; 2011). O equilbrio do sistema e o crescimento timo

    dos microrganismos anaerbios depende da delicada manuteno de diferentes parmetros

    ambientais, tais como a temperatura, o pH, as concentraes de cidos orgnicos, amnia,elementos trao, macro e micronutrientes, dentre outros (PAVLOSTHATHIS e GIRALDO-

    GOMEZ, 1991; ANGELIDAKI et al., 1993; AHRING e ANGELIDAKI, 1997; MATA-

    ALVAREZ et al., 2000; BRJESSON e BERGLUND, 2007).

    A decomposio anaerbia acentua-se como uma rota atrativa para o tratamento dos resduos

    alimentares, em virtude de algumas caractersticas intrnsecas dos resduos alimentares, a

    saber (BOUALLAGUI et al., 2003; ZHANG et al., 2007; BANKS et al.,2011; KASTNER et

    al., 2012; NAGAO et al., 2012; ZHANG et al., 2012; BROWNE et al., 2013; GUO et al.,

    2014; ZHANG et al., 2014):

    elevado teor de umidade;

    elevado teor de matria orgnica biodegradvel;

    heterogeneidade de macronutrientes;

    presena de micronutrientes essenciais para o crescimento microbiano.

    Sob o ponto de vista bioqumico, o resduo alimentar possui, alm das macromolculas de

    matria orgnica, diferentes elementos trao, essenciais para o desenvolvimento dos

    microrganismos que compe o consrcio anaerbio (Tabela 3.5).

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    37/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG30

    Tabela 3.5:Composio caracterstica dos resduos alimentares

    ParmetroZhang el al.

    (2006)Li el al.(2010)

    Zhu et al.(2010)

    Zhang el al.(2011)

    Browne et al.(2012)

    Zhang el al.(2013)

    ST (%) 30,9 24,0 50,2 18,1 29,4 23,1SV (%) 26,4 22,6 36,1 17,1 27,6 21,0SV/ST 85,3 94,1 72,0 94,0 95,3 90,9

    pH - - 5,4 6,5 4,1 4,2Carboidrato (%) - 55,2 - 61,9 59 -Protenas (%) - 15 - - 18,1 -Gorduras (%) - 23,9 - 23,3 19 -

    leo (%) - - - - - 4,6C (%) 46,78 54 41,2 46,67 49,58 56,3N (%) 3,16 2,4 1,6 3,54 3,53 2,3C/N 14,8 22,5 26,2 13,2 14,2 24,5

    S (ppm) 2508 8,6 - 0,33 - -P (ppm) - 88 - 1,49 - -Na (%) - 2,24 - 0,84 - 3,45K (%) 0,90 - 0,3 0,3 - 2,30

    Ca (%) 2,16 2,44 - 0,07 - 0,4Mg (ppm) - - - 0,03 - 0,16Fe (ppm) 766 - - 3,17 - 100Cu (ppm) 31 - - 3,06 - -Zn (ppm) 76 - - 8,27 - 160Al (ppm) 1202 - - 4,31 - -Mn (ppm) 60 - - 0,96 - 110Cr (ppm) 3 - - 0,17 - -Ni (ppm) 2 - - 0,19 - -

    A metanizao de resduos alimentares envolve um complexo processo de converso

    simultnea de diversos compostos orgnicos (e.g.: carboidratos, protenas, gorduras,

    lignocelulose) em biogs, geralmente em um nico estgio de processo.

    3.6.2 Consideraes sobre a configurao de sistemas de metanizao

    Os processos de metanizao (digesto anaerbia controlada de resduos orgnicos)

    distinguem-se dos biodigestores pelo controle dos parmetros operacionais e ambientais no

    reator, tais como a caracterizao fsico-qumica e a biodegradabilidade do substrato utilizado,

    o controle da temperatura interna do sistema, os mecanismos de mistura no reator, o nmero

    de estgios de metanizao, o controle do teor de umidade do reator, dentre outros fatores

    operacionais.

    A metanizao tem se destacado pelo seu potencial em converter fontes de biomassa com

    elevada biodegradabilidade (e.g.: FORSU, resduo alimentar, dejeto animal, material vegetal,

    esgoto domstico e resduos orgnicos industriais) em biogs, passvel de recuperao

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    38/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG31

    energtica, como ilustra aFigura 3.9 (TCHOBANOGLOUS et al., 1993; DE BAERE, 2000;

    MATA-ALVAREZ et al., 2000; BORJESSON e BERGLUND, 2006; 2007; CHEN et al.,

    2012b; CHEN e CHEN, 2013; IPCC, 2013).

    Figura 3.9:Rotas de converso da biomassa residual em energia

    Fonte: IPCC (2013)

    Sob este panorama, a metanizao destaca-se como uma rota atrativa para a converso dabiomassa residual em energia renovvel. Ressalta-se ainda que os subprodutos slido e

    lquido da metanizao tm potencial de reutilizao agrcola (biosslidos e fertirrigao),

    mitigando o uso de insumos qumicos na agricultura.

    3.6.2.1 Nmero de estgios e regime de alimentao

    Dentre as variveis do sistema cita-se o nmero de estgios do processo: estgio nico ou

    mltiplos estgios. Nos reatores de estgio nico, todas etapas da metanizao (hidrlise,acidognese, acetognese e metanognese) ocorrem concomitantemente em um nico reator.

    Esse tipo de tecnologia tem como vantagem os menores custos implantao e de operao dos

    reatores (VERRIER et al., 1987; AHRING e ANGELIDAKI, 1997; MATA-ALVAREZ et

    al., 2000; FNR, 2010; SALOMONI et al., 2011). Entretanto, a competio interespcies (a

    destacar a competio por substrato entre bactrias anaerbias redutoras de sulfato e arqueias

    metanognicas) pode ocasionar no acmulo de cidos orgnicos no reator, reduzindo a

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    39/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG32

    produo de metano (PAVLOSTHATHIS e GIRALDO-GOMEZ, 1991; GRIFFIN et al.,

    1998; CHERNICHARO, 2007; DE VRIEZE et al.,2013).

    Os sistemas de mltiplos estgios, via de regra, so concebidos por dois reatores. No primeiro

    estgio so otimizadas as etapas de hidrlise, acidognese e acetognese, onde a manuteno

    do pH entre os valores 5,5 e 6,5 o principal controle operacional da etapa de fermentao

    (ou acidificao) (COSTELO, et al., 1991; TCHOBANOGLOUS, et al., 1993; LIU e

    WHITMAN, 2008; LI et al., 2013b). No segundo estgio, visa-se favorecer a etapa da

    metanognese (em que deseja-se a manuteno do pH entre 6,8 e 7,4). Nesse estgio, a

    converso da matria orgnica em metano potencializada, dado que os substratos gerados no

    primeiro estgio (geralmente na forma de acetato, hidrognio e dixido de carbono) esto

    prontamente disponveis para assimilao das arqueias metanognicas. Essa configurao de

    processo implica em maior complexidade tcnica e custos operacionais para a manuteno

    das condies ambientais timas em cada estgio, requer maior rea para implementao do

    processo e h maior risco de falha no sistema, em virtude da interdependncia operacional

    entre reatores (MATA-ALVAREZ et al., 2000; YU et al., 2012; ZUO et al., 2013).

    O regime de alimentao dos reatores conduzido por fluxo contnuo ou por bateladas

    aplicadas ao reator. Via de regra, os reatores operados com fluxo contnuo, resultam em

    processos mais estveis e com maior taxa de converso de matria orgnica em biogs,contudo, requerem maiores custos com a operao e a manuteno do conjunto de bombas e

    demandam mais energia em relao ao processo regido por bateladas. Os processos por

    batelada, apesar de suportarem maiores cargas orgnicas em relao ao fluxo contnuo,

    resultam em condies ambientais menos estveis, reduzindo os rendimentos de produo de

    metano.

    Dentre essas variveis de processo tambm pode-se citar o fluxo por batelada semi-contnua,

    no qual no h o esgotamento total do reator, a exemplo da batelada propriamente dita, sendo

    a vazo efluente diretamente proporcional vazo afluente aplicada. Nesse tipo de

    alimentao h vantagens como uma maior estabilidade do processo, em relao batelada, e

    menor custo operacional e energtico, em relao ao fluxo contnuo.

    ATabela 3.6 resume e compara as principais configuraes de reatores de metanizao, em

    termos de nmeros de estgios e regime de alimentao.

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    40/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG33

    Tabela 3.6:Comparao entre diferentes configuraes de reatores de metanizao

    ParmetroNmero de estgios Regime de alimentao

    Estgio-nico Duplo-estgio Batelada Contnuo

    Produo de BiogsIrregular dedescontnua

    Elevada e estvelIrregular dedescontnua

    Elevada e estvel

    Teor de Slidos (%) 1040 240 2540 215Custo relativo Baixo Alto Baixo Alto

    Converso de SV Baixa a alta Alta 4070% 4075%TDH (dias) 1060 1015 3060 3060

    COV (kgSV.m-3.d-1) 0,7151015

    *no segundo estgio1215 0,71,4

    Fonte: adaptado de Sosnowski et al. (2003) apudZhang (2014)

    3.6.2.2 Teor de umidade

    Os processos de metanizao tambm podem ser classificados em funo do teor de umidade

    nos reatores, sendo definidos como: processos de metanizao via mida (< 5% ST); via

    semi-seca (1020% ST); e via seca (> 20 % ST) (DE BAERE, 2000; FOSTER-CARNEIRO

    et al, 2008; LI et al., 2011; NAGAO et al, 2012). Essa distino entre teores de umidade

    influencia, principalmente, as taxas transferncia de metablitos entre as fases acidognicas e

    metanognicas e, consequentemente, os rendimentos de produo de metano.

    Os reatores via mida, operados com teor de slidos totais inferior a 5%, geralmente so

    dotados de mecnicos misturadores que garantem o regime hidrulico de mistura completa. A

    diluio do substrato em gua apresenta como vantagem a minimizao dos riscos de choquede carga orgnica e/ou de cargas txicas ao processo de metanizao, em funo da diluio e

    solubilizao da concentrao desses compostos no meio lquido (OSTREM, 2004; FOSTER-

    CARNEIRO et al,2008; LINDMARK, 2010; LI et al., 2011; NAGAO et al, 2012). Nesses

    reatores tambm so observadas maiores taxas de converso de matria orgnica em metano

    em relao ao reatores via seca, devido ao maior fluxo de transferncia dos cidos orgnicos,

    gerados na fermentao, para a fase metanognica. Em contraste, essa elevada taxa de

    transferncia de metablitos entre fases, pode ocasionar no acmulo de cidos orgnicos e,consequentemente, na acidificao do reator. Em vista disso, menores COV so aplicadas

    nesse tipo de reator em relao via seca de digesto, via de regra a COV varia entre 1 e 4

    kgSV.m-3.d-1 (VERRIER et al.,1987; CHO et al., 1995; HEO et al., 2004; ZHANG et al.,

    2007; NAGAO et al, 2012)

    A adio de gua no processo requer um maior volume de reator e demanda um sistema de

    desidratao e tratamento do lodo gerado. Geralmente, o processo via mida empregado

  • 7/25/2019 AVALIAO DE UM SISTEMA DE METANIZAO DE RESDUOS ALIMENTARES COM VISTAS AO APROVEITAMENTO ENER

    41/124

    Programa de Ps-graduao em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hdricos da UFMG34

    para o tratamento de resduos que tm elevado teor de umidade em sua composio natural,

    tais como os resduos alimentares, dejetos de animais, lodos de ETE, dentre outros.

    Processos via seca, ou semi-seca, operam com teores de slidos totais variando entre 10 e

    40%. Via de regra, a adio de gua dispensvel nesse processo, implicando em menores

    volumes de reatores e menor gerao de efluentes lquidos (FOSTER-CARNEIRO et al,

    2008; NAGAO et al., 2012). Geralmente, os reatores operados sob via seca suportam cargas

    orgnicas mais altas que a via mida (COV variando entre 7 e 15 kgSV.m-3.d-1). Entretanto, o

    baixo teor de umidade dificulta a transferncia de metablitos orgnicos entre as fases, o que

    pode resultar no menor acmulo de cidos orgnicos no reator, sendo observadas menores

    taxas de converso de slidos volteis (SV) em metano (BOLZONELLA et al., 2003; DONG

    et al., 2010; NAGAO