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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO DEPARTAMENTO DE OCEANOGRAFIA E LIMNOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SUSTENTABILIDADE DE ECOSSISTEMAS Avaliação de Variáveis para Delimitação de Áreas Protegidas Costeiras e Marinhas: sugestão de limites para uma Unidade de Conservação costeira de Uso Sustentável na região das Reentrâncias Maranhenses (Estado do Maranhão, Brasil) JULIANA CRISTINA FUKUDA Dissertação de Mestrado São Luís - MA 2006

Avaliação de Variáveis para Delimitação de Áreas Protegidas Costeiras e Marinhas: sugestão de limites para uma Unidade de Conservação costeira de Uso Sustentável na região

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Dissertação de Mestrado de Juliana Cristina Fukuda, apresentada em 2006 pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHO DEPARTAMENTO DE OCEANOGRAFIA E LIMNOLOGIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SUSTENTABILIDADE DE ECOSSISTEMAS

Avaliao de Variveis para Delimitao de reas Protegidas Costeiras e Marinhas:sugesto de limites para uma Unidade de Conservao costeira de Uso Sustentvel na regio das Reentrncias Maranhenses (Estado do Maranho, Brasil)

JULIANA CRISTINA FUKUDA

Dissertao de Mestrado

So Lus - MA2006

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHO DEPARTAMENTO DE OCEANOGRAFIA E LIMNOLOGIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SUSTENTABILIDADE DE ECOSSISTEMAS

Avaliao de Variveis para Delimitao de reas Protegidas Costeiras e Marinhas:sugesto de limites para uma Unidade de Conservao costeira de Uso Sustentvel na regio das Reentrncias Maranhenses (Estado do Maranho, Brasil)

JULIANA CRISTINA FUKUDADissertao apresentada ao Programa de PsGraduao em Sustentabilidade de Ecossistemas da Universidade Federal do Maranho como requisito para obteno do grau de Mestre em Sustentabilidade de Ecossistemas

Orientadora: Prof Dr Flvia Rebelo Mochel Co-Orientador: Prof. Dr. Cludio Urbano Pinheiro

So Lus - MA2006

FICHA CATALOGRFICAFukuda, Juliana Cristina. Avaliao de variveis para delimitao de reas protegidas costeiras e marinhas: sugesto de limites para uma Unidade de Conservao costeira de Uso Sustentvel na regio das Reentrncias Maranhenses (Estado do Maranho, Brasil) Juliana Cristina Fukuda. So Lus, 2006. ---------Dissertao (Mestrado em Sustentabilidade de Ecossistemas) Universidade Federal do Maranho, 2006. 1. Unidades de Conservao - Maranho 2. Reentrncias Maranhenses CDU: 502.4 (812.1)

Agradecimentos MINHA FAMLIA, em especial aos meus pais, que me forneceu as bases e o incentivo para toda a minha formao, da qual tenho apoio onde quer que esteja Ao IBAMA, em especial Coordenao Geral de Recursos Humanos e superintendente do Maranho, MARLUZE PASTOR SANTOS, pela oportunidade concedida de aprofundar conhecimentos e estabelecer novos contatos, que certamente revertero prpria instituio. Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior CAPES / Ministrio da Educao, pelo financiamento das etapas de campo professora FLVIA REBELO MOCHEL, pela orientao, incentivo e sugestes, mesmo muitos meses antes do ingresso no programa Ao professor CLUDIO URBANO PINHEIRO, pela co-orientao e coordenao do Programa de Ps-Graduao, pela ateno durante todo o curso, pelo entusiasmo e sugestes quanto ao projeto; tambm pela participao da banca de qualificao Ao professor ANTONIO CARLOS LEAL DE CASTRO, pelo auxlio com as questes ictiolgicas desde o incio do trabalho, pela participao nas bancas de qualificao e defesa final Aos PROFESSORES E FUNCIONRIOS DO DEPARTAMENTO DE OCEANOGRAFIA E LIMNOLOGIA DA UFMA, em especial aos professores PAULO ROBERTO CAVALCANTE e RICARDO BARBIERI, que se desdobravam para que a viagens e coletas pudessem ocorrer mesmo em meio s adversidades; aos professores ODILON MELO, pelo auxlio com as anlises dos dados fsico-qumicos de gua, NIVALDO PIORSKI pela ateno em relao anlise dos dados ictiolgicos e LARISSA BARRETO, pela oportunidade do estgio-docncia. PREFEITURA DE PORTO RICO DO MARANHO, na pessoa do coordenador de Meio Ambiente e Turismo, JOO NEVES, que apoiou este projeto quanto mobilizao dos pescadores, hospedagem e vrios quebra-galhos logsticos Aos voluntrios jovens estudantes de Porto Rico do Maranho que realizaram a coleta de dados de desembarque: DIMISSON BARBOSA SOARES, JOSU DE ALMEIDA COSTA, JOEDILSON SOARES SANTOS, IRENILMA (POTOQUINHA), JOS CARLOS e TATIANA DE ALMEIDA COSTA, sob coordenao da professora WILZA e Nivaldino Nascimento (BODE), tambm voluntrios, que acreditaram que os resultados desse trabalho seriam importantes para o futuro do municpio onde eles vivem. E ainda a outros estudantes que participaram da atividade durante algum perodo: Elaine, Jsica, Celso Jnior, nio, Jaismara, Denalth, Lua, Anderson, Gleimisson e Josmara A JAILTON PAVO MONTEIRO, nossa tbua de mar e leme pelas guas de Porto Rico, e a D.LIS DE MARIA PAVO MONTEIRO, pela preocupao com o bem-estar de todos ns A JLIO CSAR SOUZA DE ANDRADE, que adiou planos de vida e trocou a Ilha-da-Fantasia pelo interior do Maranho, pelo companheirismo e pacincia, e por todos os momentos felizes que temos passado. Tambm pela troca de idias, ajuda em campo, em laboratrio, revises detalhadas dos textos um grande orientador da dissertao que ganhei durante este trabalho Aos COLEGAS-IRMOS DA TURMA DE MESTRADO, que foram to companheiros, principalmente durante a mudana para So Lus e durante as disciplinas, em meio s viagens e reunies de trabalho. Amizades aliceradas em momentos dos perrengues acadmicos e tambm das conquistas pessoais de cada um A TODOS OS COLEGAS DE TRABALHO que apoiaram a empreitada e por vezes tiveram que assumir ausncias devido a coletas de campo ou disciplinas, especialmente queles com quem trabalhei diretamente, os amigos RIKA FERNANDES-PINTO, ROGRIO JOS FLORENZANO JR., MARIA DE JESUS GONALVES, ISOLINA MACEDO VARO, BEATRIZ NASCIMENTO GOMES e LEONARDO MILANO a este tambm pelas fotos cedidas Aos PESCADORES, MARISQUEIRAS, CATADORES DE CARANGUEJO E DIRIGENTES DA COLNIA DE PESCADORES de Porto Rico do Maranho, aos USURIOS DA REA DE ESTUDO, GESTORES PBLICOS E PESQUISADORES, que no s concederam as entrevistas, como ajudaram das mais diversas formas. A maioria encontra-se listada no ANEXO A.

Ao tcnico DAVI MIRANDA que esteve em todas as coletas de gua e sedimento, sempre disposto a fazer o que fosse necessrio para que as viagens e as anlises tivessem sucesso, assim como JNIOR. Tambm aos motoristas SEU MOLEZA, MRCIO, FLIX, PEDRO e aos tcnicos de laboratrio HENRIQUE e RIVELINO. ANA PAULA LEITE PRATES, coordenadora do Ncleo dos Biomas Costeiro e Marinho do Ministrio do Meio Ambiente, pelo auxlio institucional ao trabalho e por aceitar o convite para participao da banca de defesa Ao pessoal do Laboratrio de Ecologia de Manguezais e Sensoriamento Remoto do DEOLI (TERESA MEIRELES SANTOS, IVANILSON FONSECA , CNTIA CAROLINE DE OLIVEIRA, PAULA JORGE E SANTOS, FABOLA PIGA, DANIELA VIANA , CLVIS DA ROCHA JR., GEISA YLIS BUNA), e HENRIQUE, que muito ajudaram em campo, com a aplicao dos questionrios e anlise de sedimento e bentos. Aos amigos REBEKKAH COBBURN, RODRIGO HIRATA WILLEMART e LOUISE OTERO pela reviso carinhosa do Resumo e Abstract A MILTON JNIOR e DENLSON BEZERRA, que auxiliaram com as anlises dos dados, NICHOLAS ALLAIN SARAIVA, pelo auxlio com o banco de dados, MOZART LAUXEN, pela orientao quanto elaborao final dos mapas SERGIO OLIVEIRA e ODENILDE SANTOS pelo auxlio com os programas de geoprocessamento e sensoriamento remoto RDIO PORTO RICO FM e seus locutores, que cederam espaos para a divulgao do projeto Aos GESTORES DAS UNIDADES DE CONSERVAO costeiras e marinhas que responderam ao formulrio sobre a delimitao das UCs, indicados no Apndice F. Ao Centro de Monitoramento Ambiental do IBAMA e ao Centro de Hidrografia da Marinha do Brasil, respectivamente nas pessoas dos amigos MAURCIO BRICHTA e CARLOS AUGUSTO LEAL, pela cesso de dados oceanogrficos da regio s professoras MARIA DE LOS ANGELES GASALLA e CARMEN LCIA ROSSI-WONGTCHOWSKI, do Instituto Oceanogrfico/USP, pela oportunidade de cursar a disciplina Manejo Integrado de reas Costeiras e Ocenicas, de grande aprendizado A vrios autores, que doaram um exemplar de suas publicaes s instituies s quais estou vinculada ou a mim GRAEME KELLEHER, VICTORIA ISAAC, PEDRO WALFIR, MARCUS FERNANDES, ZAFIRA ALMEIDA, ROD SALM. DANIELE SARAIVA MONTEIRO (extensivo a VTOR), que me adotou como irm na chegada So Lus e auxiliou nas anlises de pigmentos, e ao amigo JIVANILDO MIRANDA, que tambm ajudou durante a adaptao de volta cidade grande. A GLUCIO OLIVEIRA DE MORAES, pela compreenso e apoio durante os meses de convivncia, e certeza da amizade por muitos anos Aos AMIGOS, ESPECIALMENTE OS DE SO PAULO (no vou nem comear a nomear porque seno a dissertao vai comear l pela pg.20!), hoje desenvolvendo trabalhos pelo mundo, dos quais sinto tanta, tanta falta, e que mesmo com a distncia logo aparecem ao menor pedido de socorro (Longe um lugar que no existe...)

A tantas pessoas que ajudaram de alguma forma com este trabalho, meu agradecimento sincero, MUITO OBRIGADA.

Em memria minha av ISAURA, pessoa que foi fundamental na minha formao, com quem conversei pela ltima vez numa das viagens de campo deste trabalho. Com saudades.

Curtir a vida tornar significativo cada momento da efemeridade do todojulho de 2004, em momentos de deciso sobre uma nova etapa de vida, que aqui praticamente se encerra

AO LONGE O MARPedro Ayres Magalhes

Porto calmo de abrigo De um futuro maior Porventura perdido No presente temor No faz muito sentido No esperar o melhor Vem da nvoa saindo A promessa anterior Quando avistei ao longe o mar Ali fiquei Parada a olhar Sim, eu canto a vontade Conto o teu despertar E abraando a saudade Canto o tempo a passar Quando avistei ao longe o mar

SUMRIO1 INTRODUO.......................................................................................................................... 15

1.1 Consideraes iniciais............................................................................................................. 15 1.2 Objetivos.................................................................................................................................. 17 1.3 Hipteses................................................................................................................................. 17 1.4 Organizao do trabalho......................................................................................................... 17

2 CONTEXTUALIZAO............................................................................................................. 19 2.1 As Unidades de Conservao e importncia da delimitao ................................................. 19 2.2 As Unidades de Conservao costeiras e marinhas.............................................................. 21

3 METODOLOGIA.......................................................................................................................... 29 3.1 Caracterizao da rea de estudo............................................................................................. 29 3.2 Mtodos e anlise dos dados................................................................................................... 32 3.2.1 Levantamento de informaes sobre as UCs costeiras e marinhas do Brasil, com nfase no processo de delimitao................................................................................................... 32 3.2.2 Etnoconhecimento sobre a pesca na regio......................................................................... 33 3.2.3 Espcies indicadoras ........................................................................................................... 37 3.2.4. Percepo das pessoas envolvidas com a rea proposta para criao de Unidade de Conservao.......................................................................................................................... 39 3.2.5 Levantamento de caractersticas fsico-qumicas do esturio............................................... 41 3.2.5.1 Anlise de pigmentos fotossintetizantes .......................................................................... 43 3.2.5.2 Clculo de oxignio dissolvido.......................................................................................... 44 3.2.6 Caracterizao da macrofauna bntica de infralitoral............................................................ 44 3.2.7 Processamento de imagens orbitais e geoprocessamento.................................................. 44 3.2.8 Elaborao de matriz multi-critrios .................................................................................... 45 3.2.9 Consulta a instituies governamentais............................................................................... 46

4 RESULTADOS E DISCUSSO................................................................................................ 4.1 As Unidades de Conservao costeiras e marinhas de Uso Sustentvel.............................. 4.1.1 Levantamento de dados sobre as UCs costeiras e marinhas de Uso Sustentvel do Brasil ................................................................................................................................... 4.1.2 Anlise dos questionrios respondidos pelos gestores das UCs ....................................... 4.2 Como proteger? .....................................................................................................................

48 48

48 49 52

4.2.1 Por que uma Unidade de Conservao .............................................................................. 52 4.2.2 Tipo de UC a se considerar para a rea ............................................................................. 56 4.3. Importncia de uma UC costeiro-marinha para a pesca........................................................ 4.3.1. Caracterizao do sistema pesqueiro ................................................................................ 58 58

4.3.1.1 Embarcaes ................................................................................................................... 4.3.1.2 Artes de pesca e legislao ............................................................................................. 4.3.1.3 Conflitos de pesca ........................................................................................................... 4.1.2.4 Usos tradicionais ............................................................................................................. 4.1.2.5 Percepo quanto mudanas na pesca .......................................................................

61 63 63 64 64

4.3.2. Espcies de peixes indicadoras ......................................................................................... 66 4.3.2.1 G (Macrodon ancylodon) ............................................................................................... 66

4.3.2.2 Pescada amarela (Cynoscion acoupa) ............................................................................ 70 4.3.2.3 Mero (Epinephelus itajara) .............................................................................................. 4.3.3 Biodiversidade da macrofauna local .................................................................................. 4.3.3.1 Bentos .............................................................................................................................. 4.3.3.2 Moluscos .......................................................................................................................... 4.3.3.3 Crustceos ....................................................................................................................... 4.3.3.3 Ictiofauna ......................................................................................................................... 4.3.3.4 Quelnios ........................................................................................................................ 4.3.3.5 Aves ................................................................................................................................. 4.3.3.6 Mamferos ........................................................................................................................ 4.4. Definindo os ambientes mais importantes para proteo ..................................................... 74 75 75 75 76 77 78 78 78 79

4.4.1 Descrio dos ambientes na regio .................................................................................... 84 4.5 Um olhar mais geral.............................................................................................................. 98 98 99

4.5.1 Outras UCs na regio de estudo ........................................................................................ 4.5.2 rea ideal e refinamento ....................................................................................................

4.5.3 Sugesto dos limites ........................................................................................................... 101 4.6 Consideraes finais alm da definio de limites ............................................................. 106 4.6.1 Benefcios econmicos das UCs ........................................................................................ 107 4.6.2 Gesto participativa............................................................................................................. 108

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CONCLUSES E RECOMENDAES ................................................................................. 111

REFERNCIAS............................................................................................................................. 116 APNDICES (A L)...................................................................................................................... 127 ANEXOS (A E)........................................................................................................................... 158

LISTA DE QUADROS QUADRO 2.1 Critrios biolgicos e relacionados funo ecolgica sugeridos por ROBERTS et al. (2003) para seleo de reas protegidas marinhas...................................... QUADRO 2.2 Critrios sociais e econmicos compilados por ROBERTS et al. (2003) para seleo de reas protegidas marinhas ................................................................. QUADRO 2.3 Referncias para delimitao de UCCMs............................................................. QUADRO 3.1 Locais de coleta de gua e sedimento.................................................................. QUADRO 3.2 Calendrio das coletas de gua e sedimento........................................................ QUADRO 4.1 Tipos de UCs de uso sustentvel que no se adequam rea de estudo de acordo com a Lei 9.985/2000 ................................................................................ QUADRO 4.2 Principais reclamaes dos pescadores em relao s artes de pesca................ QUADRO 4.3 Aspectos considerados na matriz multi-critrios.................................................... QUADRO 4.4 Elementos considerados importantes para a populao local e suas caractersticas ......................................................................................................... 82 QUADRO 4.5 Lista de ambientes a ser considerada na matriz multi-critrios ............................ 86 QUADRO 4.6 Matriz multi-critrios com valores atribudos ......................................................... 95 57 63 79 25 26 41 43 24

LISTA DE TABELAS TABELA 4.1 Quantidade e rea das UCs levantadas, por esfera administrativa ....................... 48 TABELA 4.2 Tipos de embarcao existentes em Porto Rico do Maranho (IBAMA, no prelo) . 61 TABELA 4.3 Desembarque de g (Macrodon ancylodon) por local de pesca ........................... 67 TABELA 4.4 Desembarque da pescada amarela (Cynoscion acoupa) por local de pesca ........ 72 TABELA 4.5 Opinio dos entrevistados dos grupos interessados locais sobre quem deve realizar o controle da rea a ser protegida ........................................................................ 108

LISTA DE FIGURAS FIGURA 3.1 Localizao geogrfica da rea de estudo .............................................................. 29 FIGURA 3.2 Localizao da rea de estudo em relao APA das Reentrncias Maranhenses da regio e Amaznia Legal ......................................................... 31 FIGURA 3.3 Entrevista sendo realizada com catador de caranguejo ......................................... 34 FIGURA 3.4 Populao da sede do municpio (pescadores, marisqueiras, gestores locais) no incio da reunio em maro/2006 ...................................................................... 35 FIGURA 3.5 Pescadores e marisqueiras construindo uma representao dos elementos importantes e da cadeira trfica .............................................................................. 36 FIGURA 3.6 Reconhecimento dos locais levantados previamente na imagem de satlite impressa .............................................................................................................. 36 FIGURA 3.7 Trajeto embarcado realizado com pescadores para observao e georreferenciamento dos locais indicados anteriormente .................................... 37 FIGURA 3.8 parte dos jovens da populao local que realizaram trabalho de anlise do pescado desembarcado .......................................................................................... 39 FIGURA 3.9 G (Macrodon ancylodon) desembarcada sendo medida ..................................... 39 FIGURA 3.10 Localizao dos principais povoados e portos do municpio ............................... 40 FIGURA 3.11 Reunio no povoado de Rio Grande ................................................................... 40 FIGURA 3.12 Pontos de coleta de gua e sedimentos ............................................................. FIGURA 3.13 Garrafa de van Dorn para coleta de gua a diferentes profundidades ............... FIGURA 4.1 Percentual comparativo do nmero e rea das UCs levantadas, por esfera de administrao ......................................................................................................... 49 FIGURA 4.2 Evoluo da realizao de estudos prvios para delimitao das UCs no perodo de 1981 a 2006 em contraste com a ocorrncia de problemas atuais devido aos limites, de acordo com os gestores atuais ............................................................ 50 FIGURA 4.3 Dificuldades de gesto devido aos limites da UC na poca de sua criao, conforme citadas pelos atuais gestores .................................................................. 51 FIGURA 4.4. Nvel de escolaridade dos pescadores entrevistados .......................................... 59 FIGURA 4.5 Renda mensal proveniente da pesca e total dos pescadores entrevistados ......... 60 FIGURA 4.6 Marisqueira em canoa emprestada, trazendo sarnambi (Anomalocardia brasiliana) .............................................................................................................. 61 FIGURA 4.7 Marisqueira com sururu-de-dedo (Mytella guayanensis) ................................. FIGURA 4.9 Canoa a vela ......................................................................................................... 61 FIGURA 4.8 Canoa remo ........................................................................................................... 62 62 FIGURA 4.10 Biana a vela .......................................................................................................... 62 FIGURA 4.11 Biana motorizada ................................................................................................. 62 FIGURA 4.12 Com o declnio das populaes de maior valor comercial, h uma presso cada 41 42

FIGURA 3.14 Draga de Gibbs para coleta de sedimento de fundo .......................................... 42

vez maior nos nveis mais baixos da cadeia trfica (extrado de SOBEL & DAHLGREN,2004) ................................................................................................................... 66

FIGURA 4.13 Desembarque de g (Macrodon ancylodon) no Porto da Pedreira ...................... 67 FIGURA 4.14 Quantidade de indivduos de cada classe de tamanho de Macrodon ancylodon em cada ms ................................................................................................................................ 68 FIGURA 4.15 Locais do esturio reconhecidos pelos pescadores em Porto Rico ..................... 69 FIGURA 4.16 Pescada amarela (Cynoscion acoupa) desembarcada no Porto da Pedreira ...... 71 FIGURA 4.17 A bexiga natatria tem altssimo valor comercial, sendo logo retirada ................. 71 FIGURA 4.18 Bexiga natatria (grude) fresco vendido a cerca R$ 60/kg ............................. 71 FIGURA 4.19 Grfico de quartis representando o tamanho mdio dos indivduos de pescada (C. acoupa) capturados com as diferentes artes de pesca ................................ 73 FIGURA 4.20 Mapa mental elaborado pela populao local ...................................................... 81 FIGURA 4.21 Representao dos elementos considerados importantes pela populao local .. 82 FIGURA 4.22 Praia de Porto Rico, onde possvel observar linhas de deposio .................... 86 FIGURA 4.23 Rancho de pescadores na praia do Bacanga ...................................................... 86 FIGURA 4.24 Formaes de praia, manguezal e restinga Mucunandiua ................................ 86 FIGURA 4.25 Avicennia germinans no mdio-alto curso do Rio Uru .......................................... 88 FIGURA 4.26 Vista da transio entre o manguezal e a vrzea de mars no Rio Uru .............. 88 FIGURA 4.27 Samambaia-do-mangue (Acrostichum aureum) no Rio Uru ................................ 88 FIGURA 4.28 Cachoeira-da-Tomsia, local de alto valor cientfico e cnico ............................. 89 FIGURA 4.29 Poseira na mar vazante ...................................................................................... 90 FIGURA 4.30 Ambientes identificados na rea de estudo .......................................................... 94 FIGURA 4.31 Ambientes classificados de acordo com os resultados da matriz multi-critrios ... 97 FIGURA 4.32 rea de estudo em relao s demais UCs da regio .......................................... 98 FIGURA 4.33 Carta nutica n 400 sobreposta com linhas batimtricas fornecidas pelo IBGE ..103 FIGURA 4.34 Brejo prximo ao povoado de Rabeca, conhecido localmente por gap ...........104 FIGURA 4.35 Bases consideradas para a sugesto de limite interno da UC ..............................105 FIGURA 4.36 Rumo a grupos responsveis e empoderados, esquema traduzido de KELLEHER (1999) ....................................................................................................109

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

APA rea de Proteo Ambiental APP rea de Preservao Permanente apud citado em ARIE rea de Relevante Interesse Ecolgico CDB Conveno de Diversidade Biolgica CEMAM Centro de Monitoramento Ambiental do IBAMA CMG Capito-de-Mar-e-Guerra comunic. pessoal comunicao pessoal CONAMA _ Conselho Nacional de Meio Ambiente eds. editores ESEC Estao Ecolgica EstatPesca Projeto de Estatstica Pesqueira IBAMA et al. e outros FAO Organizao das Naes Unidas para Agricultura e Alimentao FLONA Floresta Nacional FUNAI Fundao Nacional do ndio GRPU Gerncia Regional do Patrimnio da Unio IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria ITERMA Instituto de Terras do Maranho IUCN Unio Mundial para a Natureza OEMA rgo estadual de meio ambiente op. cit. obra citada anteriormente orgs. organizadores PE Parque Estadual MCPAs rea marinhas e costerias protegidas MMA Ministrio do Meio Ambiente MPAs reas marinhas protegidas NOAA Administrao Atmosfrica e Oceanogrfica Nacional (EUA) RDS Reserva de Desenvolvimento Sustentvel REBIO Reserva Biolgica REFAU _ Reserva de Fauna RESEX Reserva Extrativista RPPN Reserva Particular do Patrimnio Natural SEAP Secretaria Especial de Aqicultura e Pesca (governo federal)

SEEDTUR - Secretaria de Estado Extraordinrio para o Desenvolvimento do Turismo (Maranho) SEMA Secretaria do Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Maranho) SEPPIR Secretaria Especial de Polticas de Promoo da Igualdade Racial (governo federal) SISNAMA Sistema Nacional de Meio Ambiente SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservao SPU Secretaria do Patrimnio da Unio UC Unidade de Conservao UCCMs Unidades de Conservao costeiras e marinhas UEMA Universidade Estadual do Maranho UFMA Universidade Federal do Maranho WCPA Comisso Mundial para reas Protegidas ZA zona de amortecimento ZEE zoneamento ecolgico-econmico

AVALIAO DE VARIVEIS PARA DELIMITAO DE REAS PROTEGIDAS COSTEIRAS E MARINHAS: SUGESTO DE LIMITES PARA UMA UNIDADE DE CONSERVAO COSTEIRA DE USO SUSTENTVEL NA REGIO DAS REENTRNCIAS MARANHENSES (ESTADO DO MARANHO, BRASIL) RESUMO As Unidades de Conservao (UCs) reas protegidas para conservao da natureza so importantes instrumentos para conservao da biodiversidade e dos recursos ambientais de determinada regio. Legislaes especficas para sua proteo se aplicam ao espao definido pelos seus limites. Desta forma, considerando a delimitao de uma UC como caracterstica de fundamental importncia para atingir os objetivos pelas quais a rea foi criada, buscamos neste trabalho avaliar caractersticas ambientais e scio-econmico-culturais, bem como variveis polticas e de gesto, para sugerir limites para uma Unidade de Conservao costeiro-marinha (UCCM) na regio das Reentrncias Maranhenses, com especial ateno regio do municpio de Porto Rico do Maranho. Esta poro da costa caracterizada pelo alto aporte de nutrientes, regime de macro-mars, plataforma continental larga e manguezais exuberantes, sendo a pesca artesanal a principal atividade econmica. O escopo deste trabalho foi limitado s UCCMs de uso sustentvel. Atravs de entrevistas, observaes de campo, coleta de gua e sedimento, e dados secundrios, realizaramse: 1) levantamento das UCCMs de uso sustentvel do Brasil, analisando-se as dificuldades de gesto relacionadas aos limites da rea, de acordo com seus atuais gestores; 2) discusso sobre a necessidade e vantagens de se criar uma nova UC na regio; 3) caracterizao da pesca e dos usurios diretos dos recursos pesqueiros na regio; 4) listagem das espcies de vertebrados (exceto herpetofauna) e de bentos de ocorrncia na rea; 5) classificao de ambientes locais com base em imagens orbitais e trabalho de campo; 6) amostragem de guas estuarinas para anlises fsicoqumicas; 7) consideraes referentes a questes fundirias, de pesca e de segurana da navegao. Como principais contribuies deste trabalho citam-se: a) levantamento de dados referentes a 141 UCCMs de uso sustentvel, exceto RPPNs; b) confirmao de que as UCs mais antigas tiveram menos estudos para delimitao da rea a ser protegida, em proporo inversa ocorrncia de problemas de gesto atuais. Entre as Reservas Extrativistas os estudos foram mais freqentes do que entre as reas de Proteo Ambiental; c) demonstrao de indcios de insustentabilidade da atividade pesqueira, com comprometimento social, econmico e ambiental da regio; d) indicao de ocorrncia de 89 morfoespcies de peixes, 25 de aves costeiras e 6 de mamferos, destacando-se espcies ameaadas de extino; e) elaborao e anlise de uma matriz multi-critrios, para indicar ambientes mais importantes para proteo; f) indicao de uma rea ideal para proteo, considerando apenas conceitos ambientais, e de uma rea que acreditamos ser a mais adequada para a uma UC, considerando demais variveis de gesto. Esta proposta deve ainda ser discutida juntamente com todos os grupos interessados, em um esforo consistente de conscientizao dos usurios e empoderamento dos mesmos, assim como promoo de alternativas de gerao de renda, de forma que eles percebam que os conflitos existentes s sero minimizados com a prpria participao e comprometimento da comunidade interessada em relao questo. Palavras-chave: Unidade de Conservao, limites, variveis, pesca artesanal, Reentrncias Maranhenses, Porto Rico do Maranho

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EVALUATION OF VARIABLES FOR MARINE AND COASTAL PROTECTED AREAS BOUNDARY DEFINITION LIMITS SUGGESTION FOR A MANAGED PROTECTED COASTAL AREA IN REENTRNCIAS MARANHENSES REGION (STATE OF MARANHO, BRAZIL) ABSTRACT The protected areas (PAs) for nature conservation are important tools for maintaining ecological function and biodiversity conservation in a determined region. Specific laws for their protection are applied in the defined space within their limits. Thus, considering boundaries definition as a characteristic of fundamental importance to reach the goals for which the protected area has been created, in this work we aimed to evaluate socioeconomic-cultural and environmental features, and also management and political variables for suggesting boundaries to a marine costal protected area (MCPA) in the Reentrncias Maranhenses region, with special attention to the municipality of Porto Rico do Maranho. This portion of coast is characterized for its high nutrients levels, macro-tidal regimes, large continental shelf and exuberant mangroves, and the artisanal fishing as the main economic activity. We limited the purpose of this study to the managed MCPAs. We used interviews, field observations, water and sediment samples and secondary information to reach the following goals: 1) survey on the MCPAs in Brazil, analysing the management difficulties answered by their managers related to the boundaries definition; 2) discussion whether to create a new protected area in the region and its advantages; 3) characterize the local fishery and the direct users of fishery resources; 4) make a list of vertebrates species (not including herpetofauna) and benthos species which have occurrence indication in the area; 5) classify the local environments based on orbital images and field work; 6) sample estuarine waters for physical and chemical analysis; 7) consider land tenure, fishery management and navigation safety issues. The main contributions of this work are: a) information on 141 publicly managed coastal and marine protected areas; b) confirmation that in the older protected areas there have been fewer studies on boundary definition, in inverse proportion to current occurrence of management problems. These studies have been more frequent in the Extractive Reserves than in the Environmental Protected Areas; c) indications of an unsustainable fishery, socially, economically and environmentally endangering the region; d) occurrence indication of 89 fish morphospecies, 25 of shore birds and 6 of mammals, emphasizing the ones in danger of extinction; e) elaboration and analysis of a multi-criteria matrix to indicate the most important environments for protection; f) indication of an ideal area for protection, only considering environmental concepts and indication of an area we believe would be the most suitable for a PA, considering the other management variables. Yet, this suggestion must be discussed with all the stakeholders, in a consistent effort to make aware and empower the users so that they realize that the conflicts and problems will only be minimized with stakeholder participation and commitment to the issue. Key words: Protected Area, boundaries, variables, artisanal fishery, Reentrncias Maranhenses, Porto Rico do Maranho

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1 INTRODUO1.1 Consideraes iniciaisCrescentes taxas de degradao ambiental provocadas pelas atividades antrpicas tem tornado cada vez mais necessrio instituir reservas voltadas para assegurar a proteo da biodiversidade e dos ambientes. A criao e a implementao de reas protegidas constitui, atualmente, um dos instrumentos mais eficientes para a conservao da natureza. No Brasil estas reas recebem a denominao de Unidades de Conservao. Segundo a lei 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservao SNUC Unidade de Conservao (UC) definida como espao territorial e seus recursos ambientais, incluindo as guas jurisdicionais, com caractersticas naturais relevantes, legalmente institudo pelo Poder Pblico, com objetivos de conservao e limites definidos, sob regime especial de administrao, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteo (BRASIL, 2000). Como as Unidades de Conservao so protegidas por legislao especfica, os limites que definem estas reas so fundamentais para a gesto adequada das mesmas, de forma que os objetivos pelas quais foram criados sejam alcanados. Alm disso, a Constituio Federal determina que alteraes dos limites das UCs so permitidas somente atravs de lei (BRASIL, 1998), cuja tramitao lenta e dependente de interesses polticos. Desta forma, a delimitao das Unidades de Conservao de fundamental importncia para a gesto da rea a ser protegida. Aqui vale ressaltar que DELIMITAO est relacionado definio dos limites estabelecidos no processo de criao das UCs, o que no deve ser confundido com DEMARCAO, que a ao de implantar marcos fsicos (moures, placas, cerca, bias, etc) no permetro da UC, j como ato de gesto da rea protegida. Apesar de as UCs terem como objetivo primrio a conservao ou preservao de ambientes naturais, os processos pelos quais as mesmas so criadas envolvem aspectos diversos alm dos biolgicos, como o econmico, o poltico, o social, o cultural. Devido s particularidades de cada local, at em um mesmo pas, difcil estabelecer regras rgidas para a criao de reas protegidas. Isso muitas vezes leva a uma delimitao de rea que no garante a efetiva manuteno das caractersticas ambientais que se pretende proteger.

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Aproximadamente at a dcada de 1960, as UCs brasileiras eram criadas fundamentalmente pelos atributos cnicos, sem considerar sua importncia ecolgica. Aos poucos, recomendaes sobre atributos ecolgicos foram sendo incorporadas e consideradas para definir a rea a ser protegida (MMA, 1996) para as reas terrestres. As reas costeiras e marinhas protegidas comearam a ser criadas muito tempo depois das reas terrestres (KELLEHER, 1999; SOBEL & DAHLGREN, 2004, entre outros). O fato de, no Brasil, a primeira UC federal ter sido o Parque Nacional de Itatiaia (RJ), criado em 1937, e somente 42 anos depois, em 1979 ter sido criada a primeira UC marinha brasileira, a Reserva Biolgica de Atol das Rocas (RN), ilustrativo quanto a este descompasso. Os estudos para definio de limites de UCs em reas costeiras e marinhas envolvem as particularidades e complexidades destes ambientes, sendo recentes e escassos os trabalhos existentes, sobretudo em regies com poucas informaes cientficas, como a rea de estudo deste trabalho. Devido s caractersticas de uso e ocupao desta rea, que ser melhor apresentada na Captulo 3, limitamos o escopo o trabalho s UCs de uso sustentvel, que so aquelas onde permitido o uso direto (atividades extrativistas, agronmicas, ocupao humana, entre outras, dependendo do tipo de UC), desde que se garanta a proteo da biodiversidade e as funes ecossistmicas da rea para o futuro. Por considerarmos a importncia de diversas variveis para a delimitao e gesto das UCs de uso sustentvel, procurou-se analisar a questo por vrios aspectos, que podem ser agrupados em: ambientais (biolgicos e fsicoqumicos), scio-econmico-culturais e de gesto pblica, de forma a responder s seguintes perguntas:

1. as Unidades de Conservao costeiras e marinhas de uso sustentvel do Brasil apresentam dificuldades de gesto devido a delimitaes inadequadas da rea? 2. como delimitaramos uma UC costeiro-marinha de uso sustentvel na rea de estudo, baseando-se em critrios de diversas naturezas?

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1.2 ObjetivosO objetivo geral do presente estudo avaliar caractersticas scioeconmico-ambientais, considerando-se tambm variveis polticas e de gesto, como indicadores para a definio de limites para uma Unidade de Conservao costeiromarinha na regio das Reentrncias Maranhenses. Os objetivos especficos so: 1) levantar e analisar o processo de criao e delimitao das Unidades de conservao marinhas e costeiras de uso sustentvel no Brasil 2) obter informaes sobre a pesca na regio (locais, petrechos de pesca, espcies consideradas mais importantes, mudanas nos ltimos anos) 3) realizar estudos fsico-qumicos e biolgicos na poro costeira da rea de estudo, e scio-econmicos junto populao usuria dessa rea 4) fornecer subsdios para a gesto da UC na regio estudada, caso ela seja criada

1.3 HiptesesAs hipteses deste trabalho so: muitas das Unidades de Conservao costeiras e marinhas brasileiras apresentam dificuldades de gesto devido delimitao inadequada da rea a ser protegida possvel propor de maneira objetiva os limites de uma UC costeiro-marinha de uso sustentvel, baseando-se em variveis ambientais, polticas,

econmicas, sociais e culturais.

1.4 Organizao do trabalhoPara a apresentao deste trabalho, no captulo 2 feita uma contextualizao do assunto, definindo-se alguns conceitos e apresentado-se alguns trabalhos relacionados ao tema em questo. No captulo 3, inicialmente caracterizada a rea de estudo, seguindo-se a metodologia utilizada para cada etapa desta pesquisa. O captulo 4 dividido em cinco partes, mostrando os resultados obtidos e a discusso sobre os mesmos.

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Na primeira parte apresentada a tabela com dados de tantas UCs costeiras e marinhas de uso sustentvel do Brasil quanto foi possvel localizar. Foram feitas tambm algumas anlises quanto delimitao das UCs cujos gestores responderam a um questionrio enviado. Na segunda parte discutida a importncia de se proteger a rea de estudo atravs de uma UC, com uma breve descrio sobre outras possveis formas de proteo da natureza. A terceira parte refere-se aos dados e anlises de pesca, com uma breve caracterizao social dos pescadores, catadores de caranguejo e marisqueiras. A quarta parte apresenta caractersticas sobre os ambientes naturais da regio e a matriz multi-critrios elaborada sobre a rea em estudo, abrangendo dados das partes anteriores. Na quinta parte discute-se a delimitao da rea a ser protegida, baseando-se em observaes e nos resultados obtidos nos captulos anteriores, considerando-se ainda a percepo de gestores pblicos institucionais. A sexta parte contm consideraes finais, com breve abordagem sobre assuntos indiretamente relacionados questo central deste trabalho. No captulo 5 so destacados os principais aspectos e concluses deste trabalho, seguido de recomendaes. No final, encontram-se como Apndices alguns produtos gerados durante a construo deste trabalho, e nos Anexos esto documentos levantados que auxiliam na discusso do trabalho.

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2 CONTEXTUALIZAO2.1 As Unidades de Conservao e importncia da delimitaoA prtica de reservar reas naturais foi recorrente em diversas sociedades, ao longo da histria da humanidade. Estas reservas teriam, entre outras motivaes, a necessidade de preservao dos recursos ambientais para a coletividade, muitas vezes reforado por mitos ou crenas, ou para uso de um grupo particular, para fins como a caa, por exemplo, ou outras formas de lazer (PAZ et al. 2006). MILLER (1997 apud PAZ, op. cit.) cita a criao de reservas h mais de 2 mil anos na ndia, na Indonsia e no Japo. A partir do sculo XIX, crescentes taxas de degradao ambiental provocadas pelas atividades antrpicas tornaram cada vez mais necessrio instituir reservas voltadas para assegurar a proteo da biodiversidade e os benefcios trazidos por ela. Atualmente, a criao e implementao de reas protegidas

constituem um dos instrumentos mais eficientes para a conservao da natureza, desde que bem selecionadas e implementadas (PRIMACK & RODRIGUES, 2001). No Brasil, as reas com objetivo especfico de conservao da natureza recebem a denominao de Unidades de Conservao, sendo um dos tipos de reas naturais protegidas, alm das terras indgenas e os territrios quilombolas, conforme disposto no Plano Nacional de reas Protegidas (BRASIL, 2006). A lei 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservao (SNUC) compilou leis anteriores e conceitos, definindo Unidade de Conservao (UC) como espao territorial e seus recursos ambientais, incluindo as guas jurisdicionais, com caractersticas naturais relevantes, legalmente institudo pelo poder pblico, com objetivos de conservao e limites definidos, sob regime especial de administrao, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteo (BRASIL, 2000). No Brasil, as UCs podem ser de 12 categorias, sendo divididas em dois grupos: as de Proteo Integral, nas quais permitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, e as de Uso Sustentvel, nas quais permitida a explorao do ambiente desde que garantindo a sustentabilidade dos recursos ambientais renovveis e dos processos ecolgicos (BRASIL, 2000). Esta variao determina procedimentos bastante diferentes, desde o processo de criao at o manejo da rea.

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Independentemente do tipo de UC, elas so criadas principalmente para a conservao ou preservao de ambientes naturais. Entretanto, os processos pelos quais as mesmas so criadas envolvem interesses diversos alm do ambiental, como o econmico, o poltico, o social, o cultural. Devido s particularidades de cada local, mesmo em um mesmo pas, difcil estabelecer regras rgidas para a criao de reas protegidas. Isso muitas vezes leva a uma delimitao de rea que no garante a efetiva manuteno das caractersticas ambientais que se pretende proteger. At certo ponto compreensvel que, devido s crescentes presses antrpicas, seguindo-se o princpio da precauo, algumas novas reas protegidas sejam delimitadas sem rigorosos parmetros biolgicos, fsicos ou sociais. No processo de criao, nestes casos devem-se prever ento estudos posteriores para que os limites da rea sejam adequados aos objetivos da proteo. importante ressaltar que a legislao que garante a proteo e estabelece as aes de manejo em Unidades de Conservao baseiam-se nos limites definidos para a rea, expressos no instrumento legal de criao ou por algum instrumento legal posterior (BRASIL, 1998; BRASIL, 2000). Isto pode ser exemplificado atravs da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), que um instrumento legal de proteo s UCs no Brasil. Segundo esta lei considerada uma forma de crime ambiental: Art. 40 - Causar dano direto ou indireto as Unidades de Conservao (...), independentemente de sua localizao: Pena - recluso, de um a cinco anos. 1. (...) 2. A ocorrncia de dano afetando espcies ameaadas de extino no interior das Unidades de Conservao ser considerada circunstncia agravante para a fixao da pena. De acordo com a lei 9985/2000, Lei do SNUC, so objetivos de UCs: manuteno da diversidade biolgica e dos recursos genticos proteo de espcies ameaadas de extino preservao e a restaurao da diversidade de ecossistemas naturais proteo dos recursos naturais e de caractersticas naturais ou antrpico-culturais

relevantes Os objetivos de cada UC variam muito dependendo do tipo de Unidade a qual a mesma pertence. No Brasil, 7 categorias de UCs compem o grupo de Uso Sustentvel (APNDICE A). A Unio Internacional para a Natureza (IUCN) adota um

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sistema, estabelecido em 1994, para padronizar a classificao das reas protegidas em todo o mundo, de acordo com o qual as UCs de Uso Sustentvel do Brasil esto enquadradas nas seguintes categorias: IV - reas para Conservao atravs de Manejo, V - reas para Conservao e Recreao de Paisagens Terrestres e Marinhas, e VI - reas para Uso Sustentvel dos Recursos (PHILLIPS, 2004). Aproximadamente at a dcada de 1960, as UCs brasileiras eram criadas fundamentalmente pelos atributos cnicos, sem considerar sua importncia ecolgica. Aos poucos, recomendaes sobre atributos ecolgicos foram sendo incorporadas e consideradas para definir a rea a ser protegida (MMA, 1996). Para a criao e ampliao das Unidades de Conservao importante que se identifiquem, dentro de um planejamento mais amplo (no mundo, no pas, no estado) as reas prioritrias para conservao. ARRUDA & S (2004) afirmam que importante que a gesto ambiental seja pensada em escala biorregional, numa abordagem ecossistmica. Considerando-se que cada UC faz parte de um sistema mundial de reas protegidas, busca-se representatividade tambm em cada bioma. No Congresso Mundial de Parques realizado na Venezuela em 1992 foi estabelecida a meta de 10% de proteo de todos os biomas do planeta at o ano de 2000. Na edio seguinte do mesmo congresso, em 2003, foi destacada a preocupao em relao aos ambientes costeiros e marinhos, com baixo percentual de reas protegidas (SHEPPARD, 2004)

2.2 As Unidades de Conservao costeiras e marinhasNos ltimos anos foram empregados esforos para o estabelecimento de reas prioritrias para conservao do pas atravs do Projeto de Conservao e de Utilizao Sustentvel da Diversidade Biolgica Brasileira (MMA, 2002), com processo de atualizao das mesmas iniciadas em 2005, mas os resultados so grandes reas que merecem ateno especial, onde no so definidos limites geogrficos exatos para esta proteo no sendo esta mesma a sua funo; no Maranho no h diagnstico de reas prioritrias para conservao no estado. A Conveno da Diversidade Biolgica, da qual o Brasil signatrio, estabelece que cada uma das Partes Contratantes deve, entre outras aes, desenvolver, se necessrio, diretrizes para a seleo, estabelecimento e

administrao de reas protegidas ou reas onde medidas especiais precisem ser tomadas para conservar a diversidade biolgica (BRASIL, 1992).

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Apesar de o mar ter sido fonte de alimentos desde os primrdios da humanidade, e posteriormente de transporte e lazer, e da grande biodiversidade marinha GRAY (1997) aponta que dos 35 filos animais atualmente existentes, 34 ocorrem em ambientes marinhos, sendo que destes quase a metade so exclusivamente marinhos as reas marinhas comearam a receber ateno quanto proteo muito tempo depois das reas terrestres (SOBEL & DAHLGREN, 2004; KELLEHER, 1999). CARR et al. (2003) apontaram vrias implicaes geradas pelas diferenas entre ambientes terrestres e marinhos, e quanto escolha de reas protegidas marinhas, alegando que alm da maior complexidade do ambiente aqutico, os dados referentes biologia e ecologia das espcies no so to abundantes quanto os estudos nos ambientes terrestres. O fato de, no Brasil, a primeira Unidade de Conservao federal ter sido o Parque Nacional de Itatiaia (RJ), criado em 1937, e somente 42 anos depois, em 1979 ter sido criada a primeira UC marinha brasileira, a Reserva Biolgica de Atol das Rocas (RN), ilustrativo quanto a este descompasso. Devido s diferentes nomenclaturas utilizadas pelos pases, instituies e organismos internacionais adotaram definies para as reas protegidas costeiras e marinhas. De acordo com a IUCN, as reas marinhas protegidas (AMPs) so: qualquer rea de terreno sub-mar ou entre-mars, juntamente com as

guas sobrepostas, a fauna e flora associada, e seus aspectos culturais e histricos, que seja reservada por lei ou outros meios efetivos, para proteger parte do seu ambiente ou o todo1 (KELLEHER, 1999). J a Conveno de Diversidade Biolgica (CDB), utiliza o termo reas costeiras e marinhas protegidas (ACMP), e as define como qualquer rea definida, inserida ou adjacente ao ambiente marinho, juntamente com as guas sobrepostas, a fauna e flora associada, e seus aspectos culturais e histricos, que seja reservada por lei ou outros meios efetivos, incluindo alfandegrios, com o efeito de que sua biodiversidade costeira e/ou marinha tenha um nvel de proteo maior que o seu entorno (BRASIL, 2002). Consideraremos neste trabalho o termo Unidades de Conservao costeiras e marinhas (UCCMs) como definido na publicao Avaliao e aes prioritrias para a conservao da biodiversidade das Zonas Costeira e Marinha: aquelas situadas na faixa que se estende desde o limite interior dos ambientes com influncia marinha at o limite do mar territorial (12 milhas), estabelecido pela1

Traduo da autora

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Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar. Alm deste limite exterior, situam-se as UCs localizadas na Zona Econmica Exclusiva (ZEE), ou seja, na faixa de 12 a 200 milhas (MMA, 2002). As UCCMs apresentam diversos benefcios, descritos por trabalhos em praticamente todo o mundo. SOBEL & DAHLGREN (2004), baseados tambm em outros autores, citam vrios destes potenciais benefcios, dos quais listam-se alguns: proteo da biodiversidade em todos os nveis manuteno da qualidade ambiental das reas de alimentao conteno de prticas irresponsveis de desenvolvimento promoo de abordagem ecossistmica de gesto dos recursos proteo da estrutura fsica do habitat de alguns petrechos de pesca incentivo e diversificao das oportunidades econmicas e das atividades sociais promoo do ecoturismo recuperao de estoques pesqueiros sobre-explorados aumento da biomassa do estoque desovante proteo de locais de desova promove a exportao de ovos e larvas aumento da produtividade pesqueira envolvimento da comunidade na gesto dos recursos aumento da conscincia da populao local quanto ao uso de recursos aumento de esforos de pesquisa sobre lugares mais especficos

Durante o 5 Congresso Mundial de Parques, realizado em Durban em 2003, foi proposta uma meta de se estabelecer reas de proteo em 12% dos mares de todo o mundo durante a prxima dcada (DEROSE, 2004). A 7 reunio da Conveno das Partes (COP-7) para a Conveno da Diversidade Biolgica (CDB) definiu o objetivo de, at 2012, se estabelecer e manter reas costeiras e marinhas protegidas efetivamente manejadas e ecologicamente representativas, estabelecidas atravs de sistemas regionais e nacionais, incluindo-se diferentes nveis de proteo, contribuindo para a rede mundial de reas protegidas (BRASIL, 2006). De acordo com a Lista de reas Protegidas das Naes Unidas (CHAPE et al., 2003), at aquele ano havia em todo o mundo 4116 reas protegidas costeiras e marinhas, cobrindo uma rea de 4,3 milhes de km considerando-se as reas terrestres pertencentes s reas protegidas costeiras, ou 1,64 milhes de km de

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espelho dgua marinho, correspondendo a aproximadamente 0,5% da superfcie dos mares. Como j citado, a identificao de reas prioritrias para conservao dentro de um planejamento mais amplo (no mundo, no pas, no estado) importante para a criao e ampliao das UCs. No Brasil, o Plano Nacional de reas Protegidas (BRASIL, 2006), aponta diretrizes de ao no pas, com especial ateno s reas costeiras e marinhas, indicando que o sistema representativo de reas costeiras e marinhas protegidas deve ser formado por uma rede primria de reas altamente protegidas (como as unidades de conservao de proteo integral e/ou reas de excluso de pesca dentro dos limites de unidades de uso sustentvel), e devem ser apoiadas por uma rede secundria auxiliar de reas de uso mltiplo (unidades de conservao de uso sustentvel). Em relao proteo dos ambientes costeiros e marinhos, diversos trabalhos abordam o aspecto da seleo de reas e do desenho da rede de reas a serem protegidas. Como exemplo, ROBERTS et al. (2003) sugerem que a seleo de reas de reserva seja baseada em 11 critrios relacionados integridade biolgica e produtividade dos sistemas marinhos nas escalas local e regional (QUADRO 2.1). Estes autores citam vrios trabalhos anteriores que utilizaram critrios biolgicos associados a critrios sociais e estticos, incluindo valores ecolgicos, econmicos, sociais e cientficos, importncia nacional ou internacional, e viabilidade, constatando ainda a utilizao crescente de critrios relacionados pesca (QUADRO 2.2).QUADRO 2.1 - Critrios biolgicos e relacionados funo ecolgica sugeridos por ROBERTS et al. (2003) para seleo de reas protegidas marinhas Representao biogeogrfica Heterogeneidade e representao de habitats Ameaas humanas Catstrofes naturais Tamanho (considerando funo de exportao, viabilidade, distrbios ambientais e gesto) Conectividade Habitats vulnerveis Estgios de vida vulnerveis Espcies explorveis Dependncia entre ecossistemas Servios ambientais

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QUADRO 2.2 - Critrios sociais e econmicos compilados por ROBERTS et al. (2003) para seleo de reas protegidas marinhas Valores Econmico Critrios Nmero de pescadores dependentes da rea Valor para o turismo Contribuio potencial para aumentar a proteo ou manter o valor econmico Facilidade de acesso Manuteno de mtodos tradicionais de pesca Presena de naufrgios ou artefatos culturais Valor histrico Valor recreacional Valor educacional Apelo esttico Quantidade de estudos prvios realizados Regularidade de trabalhos de pesquisa ou monitoramento Valor educacional Aceitao social / poltica Acessibilidade para educao / turismo Compatibilidade com usos existentes Facilidade de gesto Capacidade de proteo

Social

Cientfico

Viabilidade

BEGER et al. (2003) sugeriram a criao de reservas com base em dois grupos indicadores (corais e peixes), realizando estudos de ecologia de comunidades e complementaridade atravs de anlises multi-dimensionais. SALM & PRICE (1995) consideram que, apesar de ser prefervel priorizar e escolher as reas marinhas a serem protegidas, na realidade a seleo usualmente determinada por crises, como um alto grau de ameaa a uma rea considerada importante por algum motivo. De fato, KELLEHER (1999) considera que essencial que o enfoque em sistemas de reas protegidas seja complementado com outro, oportunstico, de se aproveitar circunstncias favorveis, onde haja apoio local e poltico. De qualquer forma, a delimitao de cada rea a ser legalmente protegida importante para a rede de reas protegias, e depende de estudos sobre o local. Apesar de a literatura referente s reas protegidas costeiras e marinhas ser relativamente farta em relao definio da rede de reas protegidas, conforme citado anteriormente, so poucos os trabalhos publicados sobre como cada uma destas reas devem ser ou foram delimitadas.

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Alguns autores, em obras de referncia, recomendam alguns critrios ou passos para a determinao de limites de reas protegidas costeiras e marinhas, encontrando-se sintetizados no QUADRO 2.3.QUADRO 2.3 Referncias para delimitao de UCCMs Autores NRC (2001) Critrios ou passos avaliar necessidades de conservao em mbitos local e regional definir os objetivos e metas para o estabelecimento das AMPs descrever as caractersticas oceanogrficas e biolgicas chaves na regio identificar e escolher reas que tm o maior potencial de implementao critrios biogeogrficos critrios ecolgicos extenso de ambientes naturais importncias econmica, social e cientfica significncia nacional ou internacional capacidade de implementao incorporao de mais de uma amostra de um mesmo ecossistema identificao do objetivo pesquisa de campo anlise de dados sntese de dados elaborao de um plano

KELLEHER (1999)

SALM & (1994)

CLARK

Recentemente, cada vez mais trabalhos consideram a pesca como atributo relevante para definio de AMCPs. Segundo o Conselho Nacional de Pesquisa americano (NRC, 2001), os objetivos das reas protegidas costeiras e marinhas poderiam ser agrupados da seguinte maneira: 1) proteo do ecossistema; 2) melhoria da pesca; 3) maior conhecimento e compreenso dos sistemas marinhos, e 4) melhores oportunidades de uso indireto. De acordo com ROBERTS et al. (2003), foram dois os objetivos principais para o estabelecimento da maior parte das reas protegidas marinhas: conservao e uso sustentvel dos recursos. Estes autores colocam que os objetivos de conservao incluem, entre outros: conservao da biodiversidade; conservao de espcies raras e de distribuio restrita; manuteno de diversidade gentica; manuteno / restaurao do funcionamento de ecossistemas naturais em escalas local e regional; conservao de reas vitais para estgios de vida vulnerveis. Os objetivos para usos humanos incluem: pesca (reservas como locais de aumento de produo, restaurao de estoques de espcies sobre-exploradas e salvaguarda contra erros de manejo); recreao; educao; pesquisa e atributos cnicos.

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Ao se considerar ambientes costeiros e marinhos, historicamente a pesca constitui-se como principal distrbio antrpico sobre os ecossistemas, frente de poluio, degradao da qualidade de gua e mudanas climticas (JACKSON et al., 2001). Segundo a Organizao das Naes Unidas para Agricultura e Alimentao (FAO, 2000) aproximadamente 75% dos recursos pesqueiros marinhos esto plenamente ou sobre-explorados. A prpria FAO e outros recentes trabalhos, tm defendido que a abordagem ecossistmica para a pesca (EAP) a maneira mais adequada de se garantir a sustentabilidade pesqueira, buscando o bem-estar humano e do ambiente em contraposio abordagem voltada somente ao recurso sendo as reas protegidas uma das maneiras de se atingir este objetivo (GARCIA et al., 2003; PIKITCH et al., 2004; BOTSFORD et al., 1997). JOHANNES (1998b) defende que o atributo mais importante a se considerar para a delimitao das reas protegidas marinhas de reconhecer e englobar os locais de agregaes e desovas dos peixes, que devem ser estabelecidas como reas fechadas pesca. Independentemente dos critrios, cada vez mais se demonstra que a participao dos grupos interessados na rea (stakeholders em ingls) decisivo para que a criao de uma rea protegida possa ter xito, mesmo entre as reas de proteo integral. BROWN et al. (2001) comentam sobre as MPAs no Caribe, que foram criadas esperando-se que o simples manejo aumentasse a qualidade dos recursos e garantisse a sua sustentabilidade. No entanto, a deteriorao de muitos ecossistemas marinhos e costeiros nestas reas demonstrou que a simples criao e manejo no era suficiente. A causa mais determinante para isto dada como a excluso de usurios locais importantes, que se sentiram marginalizados do processo. BROWN et al. (2001) mostraram ainda que em Tobago, frente ao desenvolvimento do turismo na regio de um parque nacional marinho, os grupos sociais envolvidos com a rea foram includos na gesto atravs de informao e discusso sobre o uso dos recursos. Estes, por um lado, tiveram a oportunidade de expressar suas opinies frente a todos os outros grupos interessados e cobrar mais as aes do governo. Este, por outro lado, receberam valiosas informaes sobre a rea protegida, e tiveram oportunidade de mostrar as aes que estavam sendo feitas. A Comisso de Dados Geogrficos Federais estadunidense,

coordenada pelo NOAA, recm-lanou um manual de melhores prticas e sugestes para a definio de limites (FGDC, 2006), no qual indicam que os tcnicos a definirem os limites devem levantar e caracterizar as jurisdies e outros limites j existentes na

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regio de interesse. Aconselham ainda, com base tambm em outros autores, a: identificar efeitos ecolgicos e scio-econmicos com a proteo da rea; envolver o pblico mais o que o requerido por legislao, levantar o histrico da comunidade envolvida e considerar a realidade poltica, social e econmica das comunidades interessadas; saber como, quando e sob qual autoridade realizar as etapas de tomada de deciso; estabelecer liderana em todos os nveis (poltico, governamental, no grupo de interesse); manter a comunidade interessada informada sobre o andamento da questo. Em relao aos limites em si, sugerem: criar limites que sejam claramente identificveis e fceis de interpretar; ter sempre em mente os usurios da rea e os objetivos de proteo, e estabelecer os limites da forma mais simples possvel; desenvolver limites atravs da utilizao de termos que no causem ambigidade e que sejam precisos em relao localizao; ter especial ateno s pores dos limites que sejam mveis; se assegurar da utilizao de fontes adequadas.

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3 METODOLOGIA3.1 Caracterizao da rea de estudoO presente estudo foi realizado no municpio de Porto Rico do Maranho, localizado no litoral ocidental do Maranho, ilustrado na FIGURA 3.1.

FIGURA 3.1 Localizao geogrfica da rea de estudo

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Criado em 1997 desmembrado do municpio de Cedral, o municpio de Porto Rico do Maranho possui rea de 224 km (22.400 ha), e populao estimada de 6.380 habitantes, sendo predominantemente rural (60,17%) (IBGE, 2000), apesar de esta taxa ter decrescido consideravelmente em 1980 era de 92,2% (IBGE, 1980). Limita-se a norte com o Oceano Atlntico, a leste com o municpio de Cedral, ao sul com os municpio de Cedral e Mirinzal e a oeste com o municpio de Cururupu. O acesso sede municipal de Porto Rico do Maranho se faz pela rodovia MA-304 passando por Mirinzal, asfaltada at o entroncamento com o acesso para Cedral, a partir de onde so 17 km de estrada carrovel. Por mar, h embarcao de linha 2 vezes por semana para a capital, em viagem de aproximadamente 12 horas. O municpio est localizado nas microbacias hidrogrficas do rio Uru e do rio Catiaua rios que delimitam seus limites polticos a oeste e leste, respectivamente. De acordo com trabalho realizado para o ZEE da Floresta dos Guars (LABOHIDRO, 2001), a bacia do rio Uru tem rea de 1.011 km, permetro de 154,4 km, sendo o rio principal de 4 hierarquia, com 82,6 km. J a rea da bacia do rio Catiaua de 82,2 km, com permetro de 35,6 km, tendo o rio principal 14,6 km, sendo de 2 hierarquia. A rea de estudo est completamente inserida na Amaznia Legal brasileira (BRASIL, 2001) e na APA das Reentrncias Maranhenses quase na totalidade, pois devido a uma inflexo do limite desta APA prximo costa do municpio de Porto Rico, nesta rea que o limite desta grande UC chega mais prximo ao continente, a menos de 1,5 km (FIGURA 3.2). A APA das Reentrncias Maranhenses foi criada em 1981 pelo governo estadual por conta de suas caractersticas naturais sobretudo dos manguezais, que exercem funo primordial para a manuteno da Baixada Maranhense e para a produtividade pesqueira e pelo seu valor paisagstico. Ocupa 2.680.911,2 ha de reas terrestres e marinhas, englobando 13 municpios (MARANHO, 1991). Foi includa da lista das Reservas Hemisfricas de Aves Migratrias Continentais e rea mida de Importncia Internacional (Stio RAMSAR) em 1993 (MMA, 2006c). Geologicamente, as Reentrncias Maranhenses datam do Quaternrio Superior (formao Au), sendo de idade holocnica, onde j se processaram variaes consideravelmente abruptas de configurao geomorfolgica devido dinmica de trangresses e regresses marinhas (DIAS, 2006). Apresentam um regime

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de macro-mars, atingindo amplitudes dirias de 4 m (LABOHIDRO, 2001). O litoral muito recortado, com enseadas e esturios com manguezais densos, interrompidos por praias arenosas, dunas costeiras e restingas (DIEGUES, 2002).

FIGURA 3.2 Localizao da rea de estudo em relao APA das Reentrncias Maranhenses da regio e Amaznia Legal

O clima quente e mido, com temperatura mdia anual maior que 27C e mdia de temperatura mensal sempre maior que 18C, umidade relativa do ar maior que 82% e pluviosidade entre 2000 e 2400 mm (GEPLAN, 2002). A pluviosidade apresenta uma variao sazonal bem marcada perodo chuvoso de fevereiro a maio e o perodo seco de setembro a novembro causada pela complexa dinmica da circulao atmosfrica, combinado a latitude e a maritimidade (LABOHIDRO, op.cit.). Os ventos alsios de nordeste dominam durante a estao chuvosa, enquanto que, os alsios de sudeste dominam na estao seca (NIMER, 1979 apud

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LABOHIDRO, op.cit.). Os ventos apresentam velocidade mdia na ordem de 0,8 m/s e 3,6 m/s, mas a partir de julho, a velocidade do vento tende a aumentar podendo atingir valores superiores a 5 m/s na rea litornea, soprando em rajadas freqentes. Neste perodo, a atividade pesqueira fica reduzida devido instabilidade do mar (LABOHIDRO, op.cit). A temperatura mdia das guas superficiais mais prximas costa varia em torno de 26 a 28C, com salinidade entre 14 UPS (poca chuvosa) e 33 UPS (poca de estiagem) (LESSA, 1986 apud ALMEIDA et al., 2006). No mar aberto as correntes de mar atingem velocidade de at 1,6 ns ao largo das reentrncias (DHN, 1972 apud STRIDE, 1992), onde h tambm influncia da Corrente das Guianas, que corre em direo a noroeste. Na costa da rea de estudo, entre a Baa de Cum e a Baa dos Lenis, a corrente tem sentido WSW-SW perpendicular costa durante a enchente, e N-NE durante a vazante, sendo o fluxo da enchente significativamente mais forte que o da vazante (STRIDE, op.cit.).

3.2 Mtodos e anlise dos dadosO presente estudo envolveu levantamento de dados primrios e secundrios de diversas naturezas, a partir dos quais foi montada uma matriz multicritrios (item 3.2.8). Para subsidiar a elaborao desta matriz, bem como para contextualizar o assunto, foram coletados dados relativos a :

3.2.1 Levantamento de informaes sobre as UCs costeiras e marinhas do Brasil, com nfase no processo de delimitaoComo o Cadastro Nacional de Unidades de Conservao, determinado pelo Art.50 do SNUC (BRASIL, 2000), deficiente quanto aos dados sobre as UCs (DANTAS, 2006), primeiramente foi realizado um levantamento de UCs costeiras e marinhas de uso sustentvel, nas esferas federal, estadual e municipal atravs de pesquisa bibliogrfica, stios da Internet e consulta aos gestores de UCs, com base no trabalho de PEREIRA (1999). No foram includas as Reservas Particulares do Patrimnio Natural (RPPNs) pela dificuldade de levantamento de informaes sobre a maioria delas e por no serem adequadas para o estudo em questo. Foram levantados: o instrumento legal de criao, a rea da UC e endereo da instituio responsvel pela Unidade tanto quanto possvel.

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Foram enviados questionrios (APNDICE B) s administraes das UCs listadas, a fim de se analisar os decretos e objetivos de criao, verificar se houve estudos para delimitao da rea e se existem, atualmente, problemas de gesto relacionados delimitao da rea. Procurou-se saber tambm os tipos de ambientes protegidos pela UC, a fim de confirmar se a rea se localiza na zona costeira ou marinha, j que as informaes disponveis so muitas vezes imprecisas quanto localizao. A partir dos formulrios respondidos os dados foram tabulados e analisados com auxlio o programa computacional JMP verso 3.2.6 (SAS, 1995).

3.2.2 Etnoconhecimento sobre a pesca na regioNa regio a pesca praticada de maneira artesanal, onde o conhecimento tradicional o principal instrumento da atividade. Segundo MARQUES (1993) apud COSTA-NETO (2002), os pescadores portam o saber e o saber-fazer relacionados com a estrutura e a funo dos ecossistemas aos quais esto vinculados. De acordo com FERNANDES-PINTO (2002), os estudos etnoictiolgicos (conhecimento humano em relao aos peixes) tm mostrado que as comunidades tradicionais pesqueiras possuem conhecimentos ricos em detalhes e muitas vezes concordantes com as observaes cientficas de diversas naturezas (taxonomia, biologia, ecologia). Como as informaes cientficas sobre a regio em estudo so escassas, a utilizao de informaes da populao local usuria da rea so de grande valia (JOHANNES, 1998a; ASWANI & LAUER, 2006). Inicialmente foram realizadas entrevistas no-estruturadas2 junto comunidade local, preferencialmente com pessoas mais experientes no local, a fim de perceber: as espcies mais capturadas, locais de pesca e motivos, formas de pesca praticadas (petrechos, poca, esforo, horrios), ciclo de vida e cadeia alimentar das espcies mais capturadas. Posteriormente foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com um pblico maior e mais diverso, ou seja, os grupos sociais que tivessem alguma relao com a rea. Pretendeu-se verificar a percepo quanto a reas protegidas e, na rea em estudo, levantar locais importantes a serem protegidos e limites dessa proteo.2

Seguindo a denominao utilizada por Fernandes-Pinto (2002), considerou-se: a) entrevistas casuais: :realizadas de maneira informal, sem um contexto de entrevista; b) entrevistas no-estruturadas: realizadas sem um roteiro, mas onde existe um contexto de entrevista, informando-se e o entrevistado disto; c) entrevistas semi-estruturadas: seguem um roteiro temtico pr-estabelecido

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Alm disso, foram elaboradas questes especficas para: usurios extrativistas (pescadores, marisqueiras e catadores de caranguejo), usurios no-extrativistas (donos de embarcao, revendedores de pescado, turistas, dono de empreendimento turstico), pessoas diretamente envolvidos com a Colnia de Pescadores, gestores pblicos institucionais (prefeitura, governo do estado, IBAMA) e pesquisadores cientficos (APNDICE C). Esta etapa foi auxiliada por 7 alunos de graduao do curso de Cincias Aquticas da UFMA (FIGURA 3.3).

FIGURA 3.3 Entrevista sendo realizada com catador de caranguejo

Aos

pescadores,

aps

as

entrevistas,

ou

ainda

em

outras

oportunidades, era solicitado que eles fornecessem informaes sobre a biologia de alguns peixes, conforme questionrio semi-estruturado (APNDICE D) Em relao amostragem, acreditamos que entre os pescadores o tipo de pescaria (considerando tambm a extrao de bivalves ou crustceos) realizada seria o fator mais determinante para as respostas, tendo em vista uma reunio inicial com os mesmos. Como no h levantamentos no municpio ou na Colnia sobre a porcentagem de cada tipo de pesca entre os pescadores, definimos o objetivo de aplicar o questionrio com 5 pescadores de cada arte de pesca, incluindo marisqueiras e catadores de caranguejo. Para a escolha dos entrevistados procurou-se selecionar os mais experientes, a partir de indicaes da prpria comunidade. O mesmo critrio foi utilizado para os revendedores de pescado e donos de embarcao. J entre os usurios, representantes da Colnia de Pesca e gestores, j que a quantidade de pessoas era reduzida, entrevistou-se o mximo possvel de pessoas que tivessem de

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conhecimento de fato da rea de estudo, a fim de garantir representatividade das respostas. Foram realizadas tambm atividades coletivas, de forma a construir em grupo algumas idias. Em uma reunio aberta, em abril de 2006, no qual compareceram cerca de 120 pessoas, entre pescadores, marisqueiras e dirigentes da Colnia de Pescadores, aps explicaes iniciais sobre o presente trabalho, foi solicitado aos presentes que, em grupos, ilustrassem um mapa mental do esturio, indicando locais de pesca e outros de importncia por determinada razo. Um integrante de cada grupo apresentou ento este trabalho para os demais, para troca de idias. Posteriormente, foi provocada uma tempestade de idias sobre ambientes e espcies que eram importantes e que deveriam receber algum tipo de proteo. Os participantes tambm foram provocados a pensarem sobre a reproduo e dieta das espcies citadas anteriormente. A partir destes dois passos anteriores mapa mental e tempestade de idias foi feito ento um novo mapa, melhorado a partir dos anteriores (FIGURA 3.4).

FIGURA 3.4 populao da sede do municpio (pescadores, marisqueiras, gestores locais) no incio da reunio em maro/2006

Em maio de 2006, alguns dos pescadores e marisqueiras mais experientes e que haviam se mostrado mais interessados na reunio anterior foram convidados a uma nova atividade coletiva. Nesta oportunidade, escrevemos em pequenos cartes os ambientes e espcies citados como mais importantes na reunio anterior. Foi solicitado a eles que descrevessem mais sobre as reas e perodos de

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reproduo, dieta e predadores essas informaes foram sendo imediatamente escritos nos cartes. Depois, os cartes foram organizados sobre uma superfcie, de forma a representar uma teia ecolgica. Trs grupos de animais ameaados de extino no Brasil e que no haviam sido citados quelnios marinhos (Testudinae), mero (Epinephelus itajara) e peixe-boi (Trichechus manatus manatus) foram posteriormente trabalhados quanto a algumas informaes. (FIGURA 3.5). A partir destes dados, foi apresentada aos participantes uma imagem de satlite CBERS da regio, impressa em tamanho A1 (60 x 60 cm, aproximadamente), onde foi solicitado aos mesmos que indicassem as localidades recm-citadas e a aquelas desenhadas no mapa da reunio anterior (FIGURA 3.6).

FIGURA 3.5 Pescadores e marisqueiras construindo uma representao dos elementos importantes e da cadeira trfica

FIGURA 3.6 Reconhecimento dos locais levantados previamente na imagem de satlite impressa

No dia seguinte, embarcamos com trs dos participantes do dia anterior, munidos da imagem de satlite impressa e GPS, para georreferenciamento dos pontos indicados (FIGURA 3.7). Os dados foram tabulados e analisados com auxlio o programa computacional Excel 2002 e ArcGIS 9.0.

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FIGURA 3.7 Trajeto embarcado realizado com pescadores para observao e georreferenciamento dos locais indicados anteriormente

3.2.3 Espcies indicadoras

A inteno inicial do estudo era de se trabalhar com espcies-chaves, por acreditar que direcionar o foco de conservao s mesmas uma maneira de manuteno das comunidades em que esto inseridas (MILLS et al., 1993). No entanto, como h poucos estudos de ecologia de comunidades aquticas na regio, optou-se por trabalhar com espcies indicadoras. Este tipo de abordagem, comumente utilizado em estudos de conservao ambiental em reas terrestres, tem sido utilizado tambm em ambientes aquticos de forma a indicar mudanas no ambiente a partir de uma ou algumas espcies (RAY & MCCORNICK-RAY, 2004; KAMUKURU et al., 2004). Foram escolhidas, baseando-se em informaes dos pescadores locais (item 3.2.2.) e dados de literatura (IBAMA/CEPENE, 2004; STRIDE, 1992), trs espcies de peixes para serem analisadas quanto captura e ao tipo de pesca realizado. Foram selecionadas: a pescada g (ou boca-mole) Macrodon ancylodon (Scianidae) por ser a

espcie mais capturada em volume no municpio em questo (IBAMA/CEPENE,

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2004), sendo importante para consumo da populao local, e ser um dos principais componentes da dieta de espcies maiores, como serra e pescada amarela a pescada amarela Cynoscion acoupa (Scianidae) por ser a espcie de maior

valor comercial (IBAMA/CEPENE, 2004), principalmente devido exportao de sua bexiga natatria, tendo uma alta importncia econmica para a regio. Tambm pela questo tecnolgica, j que as embarcaes mais potentes da regio so voltadas a esta pescaria. o mero Epinephelus itajara (Serranidae) por ser uma espcie ameaada de

extino (BAILLIE et al.) e cuja captura est proibida (IBAMA, 2002). A ocorrncia desta espcie poderia indicar uma medida especial de proteo.

Em um dia fixo por semana, no principal porto do municpio (Porto da Pedreira), foram medidos, tantos quantos possveis, os espcimes capturados destas trs espcies; pesando-se a captura total de cada uma destas espcies por embarcao. Estes dados foram coletados no perodo de setembro de 2005 a setembro de 2006, a fim de se inferir informaes sobre a biologia e ecologia destas espcies. Ressalta-se que o objetivo deste procedimento no foi estabelecer o volume de pescado do municpio, j que h outros locais de desembarque do pescado e o acompanhamento no dirio, sendo esta tarefa j exercida pelo Projeto da Estatstica Pesqueira, coordenado pelo IBAMA. Foram ainda coletados dados sobre o tipo de embarcao, petrecho, local e esforo de pesca de todas as embarcaes que desembarcaram a produo naquele porto. Com este procedimento objetivou-se obter maiores informaes sobre a pesca na regio, analisar a utilizao dos petrechos de pesca em relao legislao vigente e levantar maiores informaes sobre os principais locais de pesca na rea de estudo. Para a obteno destes dados foram utilizados formulrios (APNDICE E), aplicados junto aos pescadores por voluntrios alunos de Ensino Fundamental e Mdio do municpio coordenados por uma professora e um pescador local, que foram treinados para este fim. Essa estratgia foi positiva no sentido de estimular os jovens da prpria comunidade a se preocuparem mais pela principal atividade econmica da regio e pela pesquisa cientfica. Foi tambm uma maneira de garantir real comprometimento quanto execuo da tarefa, no havendo remunerao financeira para a mesma. Alm disso, ao se trabalhar com pessoas da prpria

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comunidade, o trabalho divulgado pelas mesmas no mbito familiar e social (FIGURAS 3.8 e 3.9).

FIGURA 3.8 parte dos jovens da populao local que realizaram trabalho de anlise do pescado desembarcado

FIGURA 3.9 g (Macrodon ancylodon) desembarcada sendo medida

3.2.4. Percepo das pessoas envolvidas com a rea proposta para criao de Unidade de ConservaoRecentemente, muitos autores tm concordado que a eficcia de uma Unidade de Conservao depende fortemente do processo de esclarecimento populao usuria da rea a ser protegida, e tambm das informaes fornecidas por este grupo (por exemplo KELLEHER, 1999; SOBEL & DAHLGREN, 2004). Assim, foram realizadas reunies com pescadores, marisqueiras, catadores de caranguejo, revendedores locais de pescado, representantes da Colnia de Pescadores e da Prefeitura Municipal a fim de: a) determinar o interesse da populao quanto criao da rea protegida, esclarecendo-a sobre os direitos e deveres dos usurios (requisito para realizar o projeto na regio) b) informar sobre este trabalho, solicitando a colaborao dos mesmos c) construo de idias de forma conjunta sobre os principais produtos extrados da regio, locais de reproduo, desova e pesca, conflitos e objetivos almejados de uma possvel rea protegida a ser criada, conforme descrito no item 2.2.2. Na sede do municpio foram realizadas 4 reunies no perodo de janeiro a junho de 2006, das quais as trs primeiras foram abertas e a ltima foi por convite aos pescadores e marisqueiras que haviam demonstrado grande interesse na reunio anterior.

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As duas primeiras reunies tiveram carter informativo. A partir da terceira, procurou-se levantar junto as usurios da rea as informaes referentes ao item c) acima. Foram realizadas reunies tambm nos povoados Catiaua, Rabeca, Porto Grande e Engenho, e entrevistas no povoado de Remanso nos dias 04 e 05 de julho de 2006, com os mesmos objetivos, e a fim de verificar se a percepo dos moradores dos povoados diferia significativamente em relao queles da sede municipal (FIGURAS 3.10 e 3.11).

FIGURA 3.10 Localizao dos principais povoados e portos do municpio

FIGURA 3.11 Reunio no povoado de Rio Grande

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3.2.5 Levantamento de caractersticas fsico-qumicas do esturioCom base em informaes fornecidas pelos pescadores, foram selecionadas trs reas estuarinas que so importantes pontos de pesca (pesqueiros), denominadas de P1, P2 e P3, e duas reas estuarinas em que no se pesca (ruins de peixe), denominadas de P4 e P5. Foram tambm selecionados 3 pontos (P6, P7, P8) localizados em: mar aberto, projeo de terra e canal (FIGURA 3.12 e QUADRO 1). Foram coletados e dados de: a) gua: profundidade, turbidez, temperatura, pH, salinidade, pigmentos e oxignio dissolvido (OD) b) sedimento: granulometria, nitrognio, fsforo, matria orgnica

FIGURA 3.12 Pontos de coleta de gua e sedimentos

QUADRO 3.1 locais de coleta de gua e sedimento Pontos coleta P1 P2 P3 P4 P5 Sapo Birib Poseira do den em frente Poseira do Come-P Cabeceira do Parnamirim 23M 0548184 W 23M 0545867 W 23M 0545096 W 9796070 S 9803202 S 9799242 S de Denominao local Coordenadas UTM (SAD 69)

23M 0545319 W 9796658 S 23M 0543759 W 9794668 S

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P6 P7 P8

mar aberto em frente Ponta do Birib Canal do Birib

23M 0547372 W 23M 0566397 W 23M 0547394 W

9792022S 9798504S 9805086S

Para leitura da temperatura, salinidade e condutividade foi utilizado o aparelho YSI Model 33, do pH, o Checker pocket-size pH meter e Hanna HI9142, com leituras profundidade mxima, meia-altura desta na coluna dgua e superfcie. A gua para anlise de pigmentos e oxignio dissolvido foi coletada com uma garrafa de van Dorn (FIGURA 3.13) . Para a anlise de pigmentos foram feitas coletas de gua superfcie e na profundidade da transparncia. J para a anlise do oxignio dissolvido as coletas foram feitas no fundo (prximo profundidade mxima) meia-altura desta, e superfcie.O sedimento foi coletado arrastando-se uma draga de fundo do tipo Gibbs a partir da proa da embarcao (FIGURA 3.14). As amostras (exceto aquelas para anlise de oxignio dissolvido) foram mantidas em gelo desde a coleta at o laboratrio. Nas amostras para determinao de OD, logo aps a coleta foram adicionados os reagentes MnCl2 (670g/L) e NaOH + NaI (320g/L).

FIGURA 3.13 Garrafa de van Dorn para coleta de gua a diferentes profundidades

FIGURA 3.14 Draga de Gibbs para coleta de sedimento de fundo

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Para os pontos P1 a P5 foram realizadas duas coletas no perodo de estiagem e duas no perodo de chuvas. As primeiras coletas de cada estao foram realizadas no dia seguinte lua nova (mar de sizgia), e as segundas coletas de cada estao sero realizadas em mar de quadratura, nos mesmos perodos de mar diria (preamar/vazante). O calendrio das coletas apresentado no QUADRO 3.2. Para os pontos P6, P7 e P8 foi realizada uma nica coleta no dia 02/07/2006, com mar vazante.QUADRO 3.2 calendrio das coletas de gua e sedimento Data Estao chuva Mar mensal Mar diria preamar/vazante preamar/vazante preamar/vazante preamar/vazante sizgia Quadratura sizgia quadratura de 04/set/2005 estiagem 11/dez/2005 Estiagem 30/mar/2006 chuvosa 07/mai/2006 chuvosa

3.2.5.1 Anlise de pigmentos fotossintetizantes

As amostras foram filtradas a vcuo (bomba Millipore) em filtros de fibra de vidro (Whatman), com cerca de 0,45m de porosidade e 47mm de dimetro. A concentrao de clorofila a foi determinada atravs de espectrofotometria. Para os clculos de clorofila total (mg.m-3), so aplicadas as equaes apresentadas por STRICKLAND & PARSON (1972) apud AMINOT (1983). Clorofila a total (mg.m-3) = 11,6 . Ab665 - (1,31 . Ab645 + 0,14 . Ab630 + Ab750) . v . V-1 . L-1onde: Ab = leitura da absorbncia da luz para os diferentes comprimentos de onda (630, 645, 665 e 750nm) v = volume (mL) de acetona a 90% V = volume da amostra filtrada (L) L = caminho ptico da cubeta (cm)

Para estimar a clorofila a ativa, adota-se o mtodo de LORENZEN (1967) apud AMINOT (1983), o qual recomenda a aplicao de cido clordrico (HCl) 1N nos extratos aps a leitura para deteco da clorofila a total, efetuando-se novas leituras apenas, nos comprimentos de onda de 665 e 750nm.

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Clorofila a ativa (mg.m-3) = A . K .onde:

665a -

Ab665d) . v . V-1 . L-1

A = coeficiente de absoro da clorofila a (11,0) K = ndice de correo (2,43) v = volume (mL) de acetona a 90% V = volume da amostra filtrada (L) L = caminho ptico da cubeta (cm) Ab665a = leitura da absorbncia da luz em 665nm antes da acidificao Ab665d= leitura da absorbncia da luz em 665nm depois da acidificao

3.2.5.2 Clculo de oxignio dissolvido Em laboratrio, fez-se a titulao com tiossulfato de sdio

(Na2S2O3.5H2O), utilizando-se 1 mL de amido como indicador. Para a estimativa de oxignio dissolvido na amostra utilizou-se a seguinte frmula (AMINOT, 1983):

O2 (mg/L) = (mL Na2S2O3 gasto x normalidade Na2S2O3 x 8000) / (mL amostra titulada x (vol. do frasco 4 / vol. do frasco))

3.2.6 Caracterizao da macrofauna bntica de infralitoralA coleta foi realizada da mesma maneira que o sedimento, explicado no item 3.2.5. Os procedimentos a seguir seguem os descritos por MOCHEL (1995). Assim que coletado, o material foi anestesiado com 350 mL soluo de MgCl (10%). Em terra, o material foi lavado com mangueira e peneirado em malhas de 0,5 e 1 mm, sendo ento fixados em formaldedo 4%. Em laboratrio os animais foram identificados e conservados em lcool 70%.

3.2.7 Processamento de imagens orbitais e geoprocessamentoO sensoriamento remoto e o geoprocessamento constituem-se em ferramentas de grande auxlio na gesto ambiental (BONETTI FILHO, 1996; HAINESYOUNG et al., 1993). Foram levantadas diversas bases de informao, listadas a seguir: imagem do orbital CBERS, passagem do dia 20/06/2006 (rbita/ponto 221/61),

disponvel pelo INPE (2006) imagens STDM relativas s cartas SA-23-V-D, SA-23-Y-B, SA-23-Z-A, SA-23-X-C,

disponveis pelo Projeto Brasil em Relevo (EMBRAPA, 2006) batimetria da costa norte digitalizada, disponibilizada pelo CEMAM/IBAMA

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base de municpios do IBGE cartas nuticas 40 e 400, produzidas pela Marinha do Brasil limites das Reservas Extrativistas de Frexal e Marinha de Cururupu,

disponibilizados pelo IBAMA (2006)

Estas bases foram georreferenciados pelos pontos coletados em campo (datum SAD 69). As imagens foram processadas com auxlio do programa computacional SPRING 4.1, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e os demais dados foram espacializados e analisados com auxlio do programa computacional ArcGIS 9.0.

3.2.8

Elaborao de matriz multi-critrios

Atualmente diversos programas computacionais so utilizados para auxiliar processos de tomada de deciso nos ambientes marinhos e costeiros (h vrios disponveis em http://www.ebmtools.org). Inicialmente, a proposta deste

trabalho era utilizar o programa computacional MARXAN, que foi criado justamente para auxiliar no processo de delimitao de reas protegidas, especialmente as marinhas, satisfazendo a critrios ecolgicos, sociais e econmicos (BALL & POSSINGHAM, 2000). Entretanto, uma base de dados mnima necessria para alimentar os programas, e exigem conhecimento razovel de informtica e geoprocessamento (W HEELER, 2006), sendo de difcil uso sem orientao especfica. A ausncia de estudos prvios mais aprofundados de diversos grupos animais na regio no permite tampouco realizar uma avaliao ponderada numa matriz de impactos como realizado para delimitao da ZA de Abrolhos, por exemplo (MARCHIORO et al., 2004). Utilizamos ento, para definir os locais prioritrios para a conservao na rea de estudo, uma das metodologias empregadas na seleo de reas a serem protegidas, descrita a seguir. oportuno citar que, enquanto na literatura abordada a seleo de reas em uma regio ou um pas, neste trabalho o objetivo era levantar locais de maior importncia para a conservao, de forma a inser-las na UC proposta tanto quanto possvel. Foi elaborada uma matriz multi-critrios, baseando-se na informao dos extrativistas locais (pescadores, marisqueiras e catadores de caranguejo), usurios da rea e gestores, observaes in loco e consulta a especialistas.

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A matriz contm nas linhas os ambientes, e nas colunas, os critrios considerados relevantes para a rea em questo. Em cada ambiente, dado um valor a cada critrio, de acordo com objetivo proposto. Esses valores so somados para cada ambiente e com