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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO CENTRO DE PESQUISA EM ALIMENTAÇÃO CAMPUS I - Km 171 - BR 285, Bairro São José, Caixa Postal 611 - CEP 99001-970 Passo Fundo/RS - Fone (54) 316-8457 / Fax (54) 316-8455 CONTROLE DE QUALIDADE DE GRÃOS E FARINHAS DE CEREAIS Material elaborado pelo Prof. Dr. Luiz Carlos Gutkoski para o IV Simpósio de Nutrição, Ciência e Tecnologia de Alimentos, realizado em Concórdia de 04 a 06 de novembro de 2009. Passo Fundo, RS, 2009

Avaliacao Qualidade de Graos Concordia 2009

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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO

CENTRO DE PESQUISA EM ALIMENTAÇÃO CAMPUS I - Km 171 - BR 285, Bairro São José, Caixa Postal 611 - CEP 99001-970 Passo Fundo/RS - Fone (54) 316-8457 / Fax (54) 316-8455

CONTROLE DE QUALIDADE DE GRÃOS E FARINHAS DE

CEREAIS

Material elaborado pelo Prof. Dr. Luiz Carlos Gutkoski para o IV Simpósio de Nutrição, Ciência e Tecnologia de Alimentos, realizado em Concórdia de 04 a 06 de novembro de 2009.

Passo Fundo, RS, 2009

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mini-curso: Controle de Qualidade de Grãos e Farinhas de Cereais 2

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................3

1 OPERAÇÕES DE PÓS-COLHEITA E MANEJO DE GRÃOS DE TRIGO DURANTE O

ARMAZENAMENTO ..........................................................................................................4 1.1 Colheita................................................................................................................4 1.2 Secagem e Limpeza ..............................................................................................4 1.3 Armazenamento....................................................................................................6 1.4 Psicrometria e Termometria .................................................................................6 1.5 Pragas e microflora em grãos armazenados.........................................................7

2 LEGISLAÇÃO DE GRÃOS E A CLASSIFICAÇÃO COMERCIAL DE TRIGO E FARINHA................8

2.1 Trigo ....................................................................................................................9 2.2 Farinha ..............................................................................................................11

3 ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO QUÍMICA DO GRÃO DE TRIGO ............................................12

3.1- Proteínas...........................................................................................................13 3.2 Carboidratos ......................................................................................................14 3.3 Lipídios ..............................................................................................................17 3.4 Enzimas..............................................................................................................17 3.5 Vitaminas e Minerais..........................................................................................19

4 PROCESSO DE MOAGEM DO GRÃO E A PRODUÇÃO DE FARINHA DE TRIGO.......................20 5 ANÁLISES EM GRÃOS E FARINHAS DE TRIGO.................................................................23

5.1 Análises físicas dos grãos e das farinhas ............................................................25 5.2 Análises físico-químicas dos grãos e das farinhas ..............................................25 5.3 Análises reológicas das farinhas ........................................................................27 5.4 Análises funcionais.............................................................................................29 5.5 Análises microscópicas.......................................................................................29 5.6 Análises microbiológicas....................................................................................29

REFERÊNCIAS.............................................................................................................29

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mini-curso: Controle de Qualidade de Grãos e Farinhas de Cereais 3

INTRODUÇÃO

O homem cultiva o trigo pelo menos há seis mil anos. No início, triturava-o entre

pedras rústicas para aproveitar a farinha. O uso do pão branco de massa fermentada é

atribuído, em primeiro lugar, aos egípcios 20 a 30 séculos antes de Cristo. Com o passar

dos tempos, aperfeiçoou-se a técnica de fabricação controlando-se melhor a fermentação.

Devido à seleção dos produtores e, mais recentemente, ao trabalho de pesquisas científicas,

a cultura do trigo ampliou-se, ocupando áreas cada vez maiores e alcançando

produtividade maior. Destacam-se como grandes produtores: China, Rússia, Estados

Unidos, Índia, Canadá, França, Turquia, Austrália, Argentina e Reino Unido.

O trigo deve ter sido uma das primeiras culturas introduzidas pelos portugueses no

Brasil. Os trigais brasileiros se anteciparam aos norte-americanos, argentinos e uruguaios,

pois o Brasil foi o primeiro país americano a exportar trigo, graças às lavouras que teve em

São Paulo, Rio Grande do Sul e outras regiões, antes do aparecimento da ferrugem.

Economicamente o trigo é sinônimo de potência agrícola e representa importante

item na balança comercial. O trigo é símbolo de alimento e religião e considerado fator de

soberania de uma nação. O Brasil se caracteriza por ser um país importador desse cereal e

vem, nos últimos anos, procurando diminuir os volumes importados através de um

aumento da produção interna. Além da produção, preocupações como segregação,

rastreabilidade, segmentação e tipificação também estão presentes nos dias atuais.

O setor moageiro de trigo é bastante antigo no Brasil, sendo hoje integrado por um

considerável número de grandes, médias e pequenas indústrias, com distribuição

geográfica bastante dispersa pelo território brasileiro, abrangendo praticamente todos os

estados da federação. A farinha obtida no processo de moagem deve ser de qualidade, o

que é determinado pelos fatores inerentes ao trigo utilizado na moagem como cultivar,

condições de cultivo, incidência de doenças e devido aos fatores que são induzidos pelo

processo de conversão do trigo em farinha, como condicionamento, ajuste dos rolos de

moagem, escolha das frações de farinha para compor o produto final, bem como maturação

e aditivação da farinha de trigo. Cada tipo de produto requer farinha com características

tecnológicas específicas para a sua elaboração, definidas através de um rigoroso controle

de qualidade do trigo e da farinha.

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mini-curso: Controle de Qualidade de Grãos e Farinhas de Cereais 4

1 Operações de pós-colheita e manejo de grãos de trigo durante

o armazenamento

1.1 Colheita

A colheita de grãos pode ser realizada tanto manual quanto mecanicamente. A escolha mais adequada depende da espécie cultivada, da extensão e da topografia da área trabalhada, das condições climáticas na época da operação, da disponibilidade de mão-de-obra ou de colheitadeiras, do nível tecnológico empregado na exploração e de outros fatores. Pode haver eficiência em qualquer das situações.

O processo de colheita é considerado de extrema importância, tanto para garantir a produtividade da lavoura quanto para assegurar a qualidade final do grão de trigo. Para reduzir perdas quali-quantitativas, alguns cuidados devem ser tomados em relação à regulagem da colhedora, lembrando que à medida que a colheita vai sendo processada as condições de umidade do grão e da palha vão variando, necessitando assim de novas regulagens. Colheita de grãos com umidade ao redor de 13% permitem uma folga de 8 a 10 mm, e rotação em 950 rpm. Para colheita de grãos com umidade ao redor de 16%, a regulagem ideal exige uma folga entre cilindro e côncavo de 6 a 7 mm e aumento da rotação do cilindro para 1100 rpm. As lavouras de trigo podem ser colhidas antecipadamente, visando escapar de chuvas na maturação plena, evitando-se o problema de germinação na espiga, dentre outros. Nesse caso, para colheita ao redor de 20% de umidade, é aconselhável a regulagem cuidadosa da colhedora. Recomenda-se, nesse caso, folga entre cilindro e côncavo de 6 mm e 1300 rpm de rotação no cilindro. Deve-se ter cuidado especial na velocidade e na localização do ar do ventilador, lembrando que tanto a palha quanto o grão estão mais pesados (Embrapa, 2004).

1.2 Secagem e Limpeza

Os grãos, apesar de características morfológicas de resistência e rusticidade específicas de cada espécie de uma forma geral, estão sujeitos ao ataque de pássaros, roedores, insetos, ácaros, microrganismos e outros animais, às danificações mecânicas, às alterações bioquímicas e às químicas não enzimáticas. Esse conjunto de fatores indesejáveis provoca perdas quantitativas e/ou qualitativas pelo consumo de reservas e modificações na composição química dos grãos, redução do valor nutritivo, desenvolvimento de substâncias tóxicas e diminuição do valor comercial. Por conseqüência, acaba comprometendo a utilização do produto para o consumo e mesmo para industrialização, caso não forem adotadas técnicas adequadas e métodos eficientes de conservação.

A pré-limpeza, limpeza e/ou seleção de grãos é realizada em máquina de ar e peneiras planas até a massa de grãos alcançar teores próximos a 1% de impurezas e/ou materiais estranhos e se adequar às respectivas Portarias do Ministério da Agricultura, acerca de Normas e Padrão Comercial.

A secagem de trigo é uma operação crítica na seqüência do processo de pós-colheita. Como conseqüência da secagem, podem ocorrer alterações significativas na qualidade do grão. A possibilidade de secagem propicia um melhor planejamento da colheita e o emprego mais eficiente de equipamentos e de mão-de-obra, mantendo a qualidade do trigo colhido. O teor de umidade recomendado para armazenar o trigo colhido é da ordem de 13%. Desse modo, todo o produto colhido com umidade superior à indicada para armazenamento deve ser submetido à secagem. Em lotes com mais de 16% de umidade, indica-se a secagem lenta para evitar danos físicos no grão. A temperatura

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máxima na massa de grãos de trigo não deve ultrapassar 60 °C, para manutenção da qualidade tecnológica do produto. Nos secadores essa temperatura é obtida mediante a entrada de ar aquecido a aproximadamente 70 °C.

A secagem artificial de grãos caracteriza-se pela movimentação de grandes massas de ar aquecidas até atingirem temperaturas na faixa de 40 a 60 °C na massa de grãos, com o objetivo de promover a secagem de grãos em reduzido período de tempo. O aquecimento do ar ambiente requer uma alta potência térmica, obtida com a combustão controlada de combustíveis. A lenha é o combustível mais usado na secagem de grãos. Recentemente, vem se difundindo o uso de GLP (gás liquefeito de petróleo) em secadores cujas condições de queima são mais controladas em relação ao uso de lenha (EMBRAPA, 2004). As condições de secagem variam para cada espécie de grão e finalidade, conforme pode ser verificado na Tabela 1.

Tabela 1 Temperatura do ar de secagem (°C), na entrada do secador, para grãos, em diferentes sistemas de secagem.*

Grão SISTEMA DE SECAGEM Estacionário Intermitente Contínuo Seca-aeração Arroz 40-45 70-115 - 60-80 Trigo, centeio, triticale 45-50 70-110 70-120 70-90 Milho, soja 50-60 80-120 90-130 79-90 Feijão 45-55 80-100 80-110 60-80 * Limites mais utilizados para grãos destinados ao consumo animal (ração) e/ou humano. É importante controlar a temperatura da massa de grãos e evitar os choques térmicos. Quanto mais longo for o período de armazenamento, mais baixas devem ser as temperaturas de secagem. Para se calcular a perda de peso, na operação de limpeza, é possível utilizar-se as seguintes fórmulas:

Q i r P i pl i

l fP i p. . . . . .

. .

. .. . .= −

×

100

100

ou:

% quebra na limpeza = −−

×l

l i

l fonde

100

100100

. .

. .. , :

Q.i.r. = quantidade de impurezas removidas; P.i.p. = peso inicial do produto ou peso do produto sem limpeza; l.i. = percentagem de impurezas do produto, antes da limpeza; l.f. = percentagem de impurezas do produto, após a limpeza;

Para se calcular a perda de peso, na operação de secagem, podem ser usadas as fórmulas a seguir:

Q a r P p uU i

U fP p u. . . . . .

. .

. .. . .= −

×

100

100

ou:

% quebra na secagem = l -100 - U.i.

100100

×

U fonde

. ., :

Q.a.r. = quantidade de água removida; P.p.u.= peso do produto úmido ou peso do produto, antes de secagem; U.i. = percentagem de umidade do produto, antes da secagem; U.f. = percentagem de umidade do produto, após a secagem.

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1.3 Armazenamento

A operação de armazenamento caracteriza-se pela estocagem do produto realizada após a secagem e antes de sua utilização, podendo ser feita de forma convencional, quando os grãos são ensacados e dispostos em pilhas e blocos nos armazéns, e a granel, quando os grãos são armazenados in natura em silos horizontais ou verticais (Moraes et al., 1996).

Os principais aspectos que devem ser cuidados no armazenamento de trigo, uma vez limpo e seco, são as pragas que atacam os grãos, danificando-os e muitas vezes dificultando a comercialização, os fungos que podem produzir micotoxinas nocivas ao homem e a animais e os fatores que influenciam a qualidade tecnológica (Embrapa, 2004).

As perdas que ocorrem durante a recepção, secagem e principalmente na armazenagem, sempre foram grandes em nosso país. Com a redução das margens de lucro devido à implantação de sistemas de qualidade e a competitividade dos mercados tem levado a redução de qualquer tipo de perda, sendo imperioso operar com o máximo de eficiência e eficácia, reduzindo as despesas e maximizando o lucro. A evolução tecnológica tem privilegiado o setor de armazenagem de grãos através do emprego de técnicas como a psicometria, a termometria e o manejo integrado de pragas.

1.4 Psicrometria e Termometria

O ar é uma mistura de muitos gases, sendo os principais o nitrogênio (78%) e o oxigênio (21%) sendo o restante (1%), composto por dióxido de carbono e diminutas quantidades de outros gases. Diferentemente do nitrogênio e do oxigênio, a proporção de vapor de água que o ar contém pode variar em função de condições psicrométricas como entalpia e temperatura. A porcentagem de vapor d´água varia de um mínimo de 5 até um máximo de 4% em detrimento dos demais elementos da atmosfera. O ar seco é mais pesado que o ar úmido em virtude do peso molecular de seus componentes. De uma forma geral, quanto mais aquecido estiver o ar, mais vapor de água e umidade o mesmo reterá.

Psicrometria ou higrometria é uma parte da Física que trata das propriedades do ar e suas avaliações ou medidas, em particular a capacidade do ar de conter água. O termo psicrometria (do grego psychrós = “frio” + métron = “medição”) significa a medição da umidade do ar através do psicrômetro. O “psicrômetro de bulbo seco e bulbo úmido”, o mais comum dos aparelhos de psicrometria, é constituído de dois termômetros um com o bulbo úmido (em contato direto com um material muito higroscópico, em geral um cordão de algodão, embebido em água) e outro com o bulbo seco (em contato direto com o ar ambiente). Caso o ar não esteja saturado, o termômetro de bulbo úmido marcará uma temperatura mais baixa (“mais fria” - daí a utilização do termo psychrós = “frio”) do que a do termômetro de bulbo seco.

O ar que circunda o grão armazenado, ou o ar em movimento durante as operações de secagem e/ou aeração, determinará as condições em que o mesmo se encontrará no final de cada um dessas operações. Nas operações de secagem, o ar é usado para transportar calor até os grãos e carregar a água dos grãos. As características ou propriedades desse ar determinarão o quanto de secagem ocorrerá e as condições em que a operação acontecerá. Existem gráficos, denominados gráficos psicrométricos, que expressam a capacidade de retenção de vapor de água pelo ar para diferentes temperaturas.

Os gráficos psicrométricos fornecem ainda diversas outras propriedades, denominadas condições psicrométricas, ou características psicrométricas, ou parâmetros psicrométricos, tais como: peso volumétrico, pressão de vapor, temperatura de pondo de orvalho, temperatura de saturação, quantidade de energia armazenada pelo ar e a sua umidade relativa, entre outros. As principais variáveis ou características psicrométricas são: temperatura de bulbo seco, temperatura de bulbo úmido, umidade absoluta/razão de

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mistura, umidade relativa, ponto de orvalho, temperatura de saturação, entalpia, volume úmido e pressão de vapor, sendo possível, a partir de algumas dessas, quantificar todos os parâmetros necessários para os cálculos utilizados nas operações de conservação de grãos, tanto na secagem como na aeração de manutenção de qualidade dos grãos.

A partir de duas variáveis não colineares é possível ser determinado um ponto de estado, também denominado “ponto de estado higrométrico” ou “ponto de estado psicrométrico” do ar. São colineares entre si: a entalpia e a temperatura de bulbo úmido; a pressão de vapor e a umidade absoluta/razão de mistura.

A termometria consiste em um conjunto de sensores distribuídos no interior de um silo, vertical ou horizontal, conectados a um instrumento de indicação da temperatura, montado em um painel, permitindo a leitura da temperatura de cada sensor. O ponto medido pelo sensor corresponde a uma amostra inferior a 0,2 kg de grãos. Os pêndulos têm um ou mais sensores e são distribuídos estrategicamente dentro da massa de grãos, permitindo avaliar o comportamento da temperatura da massa de grãos armazenados. O número de pêndulos e sensores depende do tamanho do armazém ou silo.

A termometria tem como função operacional medir a temperatura na massa de grãos armazenados, sendo indicador do que aconteceu nos diferentes pontos de medição.

1.5 Pragas e microflora em grãos armazenados

Em condições ambientais favoráveis à atividade metabólica dos grãos (alta umidade e alta temperatura), o fenômeno da respiração é o principal responsável pela rápida deterioração de grãos armazenados. Outros fatores são: - umidade: é um fator importante, pois abaixo de 13% o grão pode ser armazenado por muitos anos com pequena deterioração. - temperatura: em baixas temperaturas há redução do metabolismo e, conseqüentemente, melhoria da conservação do grão. - aeração: o processo de aeração na massa de grãos permite a renovação do ar e pode reduzir a temperatura e a umidade do grão. - integridade do grão: o grão danificado pode hospedar maior número de esporos de fungos e de bactérias, fazendo com que a respiração seja mais rápida do que em grãos inteiros.

Uma vez armazenado, o trigo deve ser monitorado durante todo o período em que permanecer estocado. O acompanhamento de pragas que ocorrem na massa de grãos armazenados é de fundamental importância, pois permite detectar o início da infestação que poderá alterar a qualidade final do grão. Esse monitoramento tem por base um sistema eficiente de amostragem de pragas, independentemente do método empregado, e a medição das variáveis, temperatura e umidade do grão, que influem na conservação do trigo armazenado.

Para o controle de pragas indica-se o uso do manejo integrado de pragas no armazenamento que compreende várias etapas, distribuídas na forma de medidas preventivas e curativas. Entre as medidas preventivas estão: - Armazenamento de trigo com teor de umidade máximo de 13%; - Higienização e limpeza de silos, depósitos e equipamentos; - Eliminação de focos de infestação mediante a retirada e a queima de resíduos do armazenamento anterior; - Pulverização das instalações que receberão os grãos, usando-se os produtos indicados pela pesquisa. - Atenção para evitar a mistura de lotes de grãos não infestados com outros já infestados, dentro do silo ou armazém.

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Como medidas adotadas para o tratamento curativo está o expurgo de grãos. Deve-se fazer o expurgo dos grãos, caso apresentem infestação, usando o produto fosfina (Tabela 2). Esse processo deve ser feito em armazéns, silos de concreto, câmaras de expurgo, porões de navios ou vagões, sempre com vedação total, observando-se o período de exposição necessário para controle de pragas e a dose indicada do produto.

O tratamento com inseticidas químicos protetores de grãos deve ser realizado no momento de abastecer o armazém e pode ser feito na forma de pulverização na correia transportadora ou em outros pontos de movimentação de grãos. É importante que haja uma perfeita mistura do inseticida com a massa de grãos. Também pode ser usada a pulverização para proteção de grãos armazenados em sacarias na dose registrada e indicada. Para proteção simultânea de grãos às pragas R. dominica, S. oryzae e S. zeamais, indica-se fazer a mistura de tanque de um inseticida piretróide (deltametrina) com um inseticida organofosforado (pirimifós-metil ou fenitrotiom), uma vez que estes inseticidas são específicos para cada espécie-praga (Tabela 2).

2 Legislação de grãos e a classificação comercial de trigo e

farinha

O Sistema Nacional de Classificação Vegetal do Ministério da Agricultura (www.agricultura.gov.br) através do Departamento de Fomento e Fiscalização da Produção Vegetal (DFPV) possui três atividades. A primeira é a padronização de produtos vegetais, que tem por objetivo o estabelecimento de modelos-tipo, físico ou descritivo, por produto vegetal levando-se em conta a identidade, seu emprego, forma, cor, peso, tamanho, apresentação e qualidade. Com a padronização é fixado terminologia para cada produto vegetal e suas variações qualitativas e estimular a obtenção de produtos de melhor qualidade e apresentação.

A classificação de produtos vegetais é a atividade que tem por finalidade de determinar as qualidades intrínsecas e extrínsecas dos produtos vegetais utilizando os modelos-tipo fixados na padronização. Com a classificação se possibilita a seleção de produtos para diferentes usos em função da qualidade; facilita a fixação de preços através da diferenciação dos tipos; identifica os produtos inadequados ao consumo humano e animal; resguarda a economia nacional dos riscos de importação de produtos inadequados ao consumo; permite proporcionar subsídios relativos ao produto, aos órgãos públicos e privados, de pesquisa e assistência técnica.

A fiscalização da classificação de produtos vegetais é a atividade que afere a qualidade dos produtos vegetais e verifica se os mesmos foram classificados durante o processo de comercialização. As vantagens são garantir ao consumidor a qualidade do produto vegetal, proibir o trânsito e o comércio de produtos vegetais sem a respectiva classificação, dar destinação aos produtos vegetais que encontram-se inadequados ao consumo.

Através da lei 9.972 de 25 de maio de 2000 foi instituída a classificação de produtos vegetais e resíduos de valor econômico, e regulamentado pelo decreto 3.664 de 17 de novembro de 2000, afirmando que é obrigatória, em todo o território nacional, a classificação de produtos vegetais seus subprodutos e resíduos de valor econômico:

I - quando destinados diretamente à alimentação humana;

II - nas operações de compra e venda do Poder Público;

III - nos portos, aeroportos e postos de fronteiras, quando da importação.

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2.1 Trigo

A classificação comercial do trigo é realizada de acordo com o Regulamento Técnico de Identidade e de Qualidade para a Classificação do Trigo, de acordo com a Instrução Normativa da Secretaria de Apoio Rural e Cooperativismo (SARC) nº 7 de 15 de agosto de 2001.

Objetivo do presente regulamento é definir as características de identidade e de qualidade para fins de classificação de grãos de trigo provenientes das espécies Triticum aestivum L. e Triticum durum L.

Para efeito do Regulamento, considera-se peso do hectolitro a massa de 100 litros de produto, expressa em quilogramas, determinada em balança para peso específico; Umidade, o percentual de água encontrado na amostra do produto em seu estado original e efetuada de acordo com a norma ISO 712/1985; Grãos chochos, os grãos que se apresentam desprovidos parcial ou totalmente do endosperma, devido ao incompleto desenvolvimento fisiológico e que vazam através da peneira com 33 cm de diâmetro, 5 cm de altura de borda, 0,72±0,02 mm de espessura de chapa e com crivos oblongos de: 1,60±0,02 mm de comprimento por 9,50±0,02 mm de largura; Lote, a quantidade de produtos com as mesmas especificações de identidade, qualidade e apresentação, processados pelo mesmo fabricante ou fracionador, em um espaço de tempo determinado, sob condições essencialmente iguais; Número de Queda (Falling Number), a medida indireta da concentração da enzima alfa-amilase, determinada em trigo moído pelo método 56-81B, da American Association of Cereal Chemists (1995), sendo o valor expresso em segundos; Alveografia, teste que analisa as propriedades de tenacidade (P), de extensibilidade (L) e o trabalho mecânico (W), necessários para expandir a massa, expresso em Joules (J), sendo determinado pelo método 54-30A, da American Association of Cereal Chemists (1995).

O trigo da espécie Triticum aestivum L. poderá ser classificado em 4 (quatro) classes: Trigo Brando, Trigo Pão, Trigo Melhorador e Trigo para outros usos, definidos em função das determinações analíticas de Alveografia (Trabalho Mecânico) e Número de Queda (Falling Number), conforme a Tabela 3.

O trigo da espécie Triticum durum L. poderá ser classificado em 2 (duas) classes: Trigo Durum, desde que o seu Número de Queda (Falling Number) seja maior ou igual a 250 segundos, e Trigo para outros usos, caso o seu Número de Queda (Falling Number) seja menor que 250 segundos.

A determinação da classe do trigo somente será efetuada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ou pela Pessoa Jurídica responsável pela classificação se o interessado solicitar e, desde que seja possível a identificação e separação do seu lote dentro do armazém, sendo, neste caso, obrigatório informar o resultado no laudo e no Certificado de Classificação do Produto. O ressarcimento das análises a que o subitem correrá por conta do detentor do produto.

O trigo proveniente tanto da espécie Triticum aestivum L. como da espécie Triticum durum L. será classificado em 3 (três) tipos, expressos por números de 1 (um) a 3 (três) e definidos em função do limite mínimo do peso do hectolitro e dos limites máximos dos percentuais de umidade, matérias estranhas e impurezas, e de grãos avariados (com exceção de grãos germinados e grãos esverdeados), conforme a Tabela 4. O trigo será classificado fora de tipo quando o produto não atender, em um ou mais aspectos, às especificações de qualidade previstas para tipo.

Será desclassificado o produto que apresentar uma ou mais das seguintes características, sendo proibida a sua comercialização para a alimentação humana, tais

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como: mau estado de conservação, aspecto generalizado de mofo e/ou fermentação, odor estranho de qualquer natureza, impróprio ao produto, substâncias nocivas à saúde, resíduos de produtos fitossanitários, teor de micotoxinas e outros contaminantes, acima do limite estabelecido por legislação específica vigente, presença de insetos vivos no produto já classificado e destinado diretamente à alimentação humana.

Sempre que julgar necessário, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ou a pessoa jurídica responsável pela classificação poderá requerer análise laboratorial prévia do produto suspeito de contaminação, visando se certificar de sua impropriedade para o consumo humano. As análises laboratoriais serão realizadas por laboratórios credenciados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com o respectivo ônus para o detentor do produto.

A retirada ou extração de amostras em lotes do produto, ensacado ou a granel, obedecerá aos critérios estabelecidos pela NBR 5425/85, da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT e suas normas complementares. Previamente à amostragem, deverão ser observadas as condições gerais do lote do produto e em caso de verificação de qualquer anormalidade, tais como: presença de insetos vivos ou a existência de quaisquer das características de desclassificação (odor estranho, mau estado de conservação, aspecto generalizado de mofo, entre outras). Tabela 3 Limites de tolerância para o enquadramento em classe de trigo

Classe Trabalho mecânico (W) (10 -4 Joules)

Número de Queda (segundos)

Trigo Melhorador ≥ 300 ≥ 250 Trigo Pão ≥ 180 e < 300 ≥ 200 Trigo Brando ≥ 50 e < 180 ≥ 200 Trigo para outros usos < 50 < 200 Trigo Durum - < 250 Tabela 4 Limites de tolerância para o enquadramento em Tipo de trigo

Grãos Avariados (%, máximo) Tipos Peso do Hectolitro

(kg, mínimo)

Umidade (%,

máximo)

Matérias Estranhas e Impurezas

(%, máximo)

Danificados por Insetos

(a)

Danificados pelo Calor, Mofados e Ardidos (b)

Chochos, Triguilho e Quebrados

(c)

Total de Avariados (a+b+c)

1 78 14 1,00 0,50 0,50 1,50 1,50 2 75 14 1,50 1,00 1,00 2,50 3,50 3 72 14 2,00 1,50 2,00 5,00 7,50

As amostras coletadas deverão ser homogeneizadas, reduzidas e acondicionadas em 3 (três) vias, com peso de, no mínimo, 1 kg (um quilograma) cada, devidamente identificadas, lacradas e autenticadas. Uma via será entregue ao interessado, duas vias (amostra de trabalho/revisão e de contraprova) ficarão com a pessoa jurídica responsável pela classificação, para a determinação do tipo. Para a determinação de classe, deverão ser retiradas mais 3 (três) vias com peso de, no mínimo, 2 kg (dois quilogramas) cada, devidamente identificadas, lacradas e autenticadas, sendo que uma via será entregue ao interessado e as outras duas vias (amostra de trabalho/revisão e de contraprova) ficarão com a pessoa jurídica responsável pela classificação.

O Certificado de Classificação será emitido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ou pelas pessoas jurídicas devidamente credenciadas pelo mesmo, de acordo com a legislação vigente. No Certificado de Classificação deverão constar, além das informações estabelecidas no Regulamento Técnico específico, as

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discriminações dos resultados de todas as análises efetuadas e dos percentuais encontrados para cada determinação de qualidade do trigo, bem como as informações conclusivas (enquadramento em tipo e em classe, quando solicitado) que serão transcritos do seu respectivo laudo de classificação. Tabela. Força de glúten predominante (W) de cultivares de trigo indicadas para o RS.

W de 50 a 149 x 10 –4 J W de 150 a 199 x 10 –4 J W maior que 200 x 10 –4 J BRS 177 Pampeano Rubi BRS 179 BRS 120 Granito BRS Angico BRS 194 Onix BRS Buriti BRS Camboatá Jaspe BRS Figueira BRS Camboim Safira BRS Louro BRS Guatambu BRS 49 BR 15 BRS Timbaúva BRS 119 BR 23 BRS Umbu BRS Guabiju BRS Canela Embrapa 16 BRS Tarumã Embrapa 40 Embrapa 52 CEP 27 Missões BR 18 Terena CEP 24 Industrial W de 50 a 149 x 10 –4 J: indicadas para uso nas indústrias de bolos, biscoitos e bolachas. W de 150 a 199 x 10 –4 J: indicadas para uso doméstico, confeitarias e indústrias de massas e, em mesclas, para panificação. W maior que 200 x 10 –4 J: indicadas para uso doméstico e para as indústrias de massas e de panificação. Fonte: Embrapa Trigo (2005).

2.2 Farinha

A Norma Técnica referente à farinha de trigo, portaria nº 354 de 18 de julho de 1986 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária-Anvisa foi revogada passando a vigorar a Resolução Normativa número 263 de 22 de setembro de 2005 e regulamenta o uso de produtos de cereais, amidos, farinhas e farelos da Anvisa.

A partir da publicação da Instrução Normativa número 8 de 2 de junho de 2005 pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a comercialização de farinha de trigo no Brasil é regida por este Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade.

A farinha de trigo orgânica, não orgânica ou proveniente de trigo geneticamente modificado destinada ao mercado interno e à importação é classificada de acordo com a Instrução Normativa número 8 de 2 de junho de 2005 em:

a) Farinha Integral – produto elaborado com grãos de trigo (triticum aestivum L) ou outras espécies de trigo do gênero Triticum por meio de trituração ou moagem e outras tecnologias ou processos a partir do processamento completo do grão limpo, contendo ou não o germe com no máximo 2,5% de cinzas (base seca), 100 mg de KOH/100g do produto de acidez graxa, 15% de umidade e no mínimo 8% de proteína bruta.

b) Farinha Tipo 1. Produto elaborado com grãos de trigo (triticum aestivum L) ou outras espécies de trigo do gênero Triticum por meio de trituração ou moagem e outras tecnologias ou processos com no máximo 0,8% de cinzas (base seca), 50 mg de KOH/100g do produto de acidez graxa, 15% de umidade e no mínimo 7,5% de proteína bruta e que 95% do produto passe através de peneira com abertura de malha de 250 µm.

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c) Farinha Tipo 2. Produto elaborado com grãos de trigo (triticum aestivum L) ou outras espécies de trigo do gênero Triticum por meio de trituração ou moagem e outras tecnologias ou processos com no máximo 1,4% de cinzas (base seca), 50 mg de KOH/100g do produto de acidez graxa, 15% de umidade e no mínimo 8,0% de proteína bruta e que 95% do produto passe através de peneira com abertura de malha de 250 µm.

Tabela. Limites de tolerância para a farinha de trigo

Tipos Cinzas

(máx)

Granulometria Proteínas (min)

Acidez graxa (mg KOH/100g produto)

(max)

Umidade (max)

Tipo 1 0,8% 95% de passar em peneira de 250 µm.

7,5% 50 15%

Tipo 2 1,4% 95% de passar em peneira de 250 µm.

8,0% 50 15%

Integral 2,5% - 8,0% 100 15%

Granulometria: método AACC no 66-20. Acidez graxa: método AOAC no 939-05 e AACC no 02-02A. Umidade: método AACC no 44-15A. Cinzas: método AACC no 8-12. Proteínas: método AACC no 46-13 e NIR ICC no 159.

Tabela 5 Composição química da farinha de trigo. COMPONENTES (%) FARINHA DE TRIGO Umidade 12 a 15% Proteínas 07 a 15 % Lipídios 0,8 a 1,3% Fibra bruta 0,3 a 0,6% Açúcares 1,3 a 2,1% Cinza 0,4 a 2,0% Carboidratos 72 a 78%

Em sua composição, tem como ingrediente obrigatório a farinha de trigo aditivada com ferro e ácido fólico (a partir de julho de 2004) e como ingredientes opcionais glúten de trigo vital e ou farinha de soja enzimaticamente ativa (máximo 1%) e outros que vierem a ser autorizados. Quanto às características físico-químicas deve ser observado a granulometria (95% do produto deverá passar através de peneira com abertura de malha de 250 µm), teor de cinzas, acidez graxa e umidade (no máximo em 15%).

A farinha de trigo deverá ser obtida a partir de grãos de trigo sadios, limpos e em perfeito estado de conservação, obedecendo as normas de Boas Práticas de Fabricação e de higiene estabelecidos pela Anvisa e MAPA.

3 Estrutura e composição química do grão de trigo

O grão cereal é um fruto-semente denominado cariopse, em que a parte do fruto está aderido à semente. A cariopse é formada por uma cobertura do fruto, o pericarpo, o qual rodeia a semente e se adere fortemente a ela. Esta por sua vez é constituída pelo embrião e pelo endosperma, cercados pelas camadas de hialina e testa.

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As cariopses dos cereais se desenvolvem dentro de coberturas florais que, na realidade, são folhas modificadas. Estas se chamam glumas e formam parte da palha. Em arroz e na maioria dos cultivares de cevada e de aveia, as coberturas florais envolvem as cariopses tão firmemente que permanecem aderidas a elas após a colheita e se constituem na casca destes grãos. Em trigo, milho, centeio e sorgo os grãos se desprendem facilmente da casca durante a colheita, sendo denominados de grãos desnudos (HOSENEY, 1991).

O grão de trigo tem tamanho entre 4 e 7 mm, cor variável, formato oval e as extremidades arredondadas. Numa das extremidades encontra-se o germe e na outra, os tricomas. Ao longo do lado vertical nota-se uma reentrância, conhecida como "crease". A presença deste sulco é um fator que dificulta e particulariza o processo de moagem do trigo, pois uma simples abrasão para a retirada do farelo e do germe não seria viável.

HOSENEY (1991) cita que o grão de trigo é dividido em duas partes: pericarpo e semente. O pericarpo é composto pelas camadas de epiderme, hipoderme, células finas, células intermediárias, células cruzadas e células tubulares. A semente é formada pelo endosperma e pelo germe, os quais estão recobertos pelas camadas de testa, hialina e aleurona. Botanicamente a aleurona é parte do endosperma, mas no processo de moagem ela faz parte do farelo.

Como nos demais alimentos originários de plantas, a composição química dos diferentes grãos de cereais, expressa em base seca, varia consideravelmente (Tabela 6). Variações são encontradas nas quantidades relativas de proteínas, lipídios, carboidratos, grupos de pigmentos, vitaminas e minerais. A quantidade dos elementos minerais presentes também varia grandemente. Os cereais são caracterizados por apresentar conteúdos relativamente baixos de proteínas e altos de carboidratos. Os carboidratos consistem essencialmente de amido (no mínimo 90%), dextrinas, pentosanas e açucares.

Os vários componentes não estão uniformemente distribuídos nas diferentes estruturas do grão (BECHTEL, 1989). O pericarpo e a camada de aleurona são ricos em fibra, pentosanas e cinzas. O germe é rico em proteínas, açúcares e constituintes minerais. O endosperma contém amido e menores teores de proteína, gordura e cinzas em comparação com as frações germe, pericarpo e aleurona.

Tabela 6 Composição química de grãos cereais. Cereal Energia

(Kcal) Proteína Nx5,83

Lipídios %

Carboidratos (%)

Ca (mg)

Fe (mg)

B1 (mg)

B2 (mg)

Niacina (mg)

Trigo 332 13,0 2,0 70 37 4,1 0,45 0,13 5,4

Arroz 357 7,5 1,8 77 15 1,4 0,33 0,05 4,6

Milho 356 9,5 4,3 73 10 2,3 0,45 0,11 2,0

Cevada 332 11,0 1,8 73 33 3,6 0,46 0,12 5,5

Centeio 319 11,0 1,9 73 38 3,7 0,41 0,16 1,3

Aveia 388 16 7,5 68 60 5,0 0,50 0,15 1,0

Fonte: AYKROYD & DOUGHTY, 1970.

3.1- Proteínas

A quantidade e a qualidade das proteínas é determinada por fatores ambientais e genéticos. As proteínas de trigo não são balanceadas nutricionalmente, pois um terço é ácido glutâmico e 10-15% prolina. A lisina é o primeiro aminoácido limitante. Albuminas e globulinas são melhores nutricionalmente.

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Gliadinas e gluteninas são as responsáveis pelas características funcionais da massa. Formam o glúten, responsável pelos benefícios no fabrico de pães, massas e biscoitos. Gliadinas (prolamina) apresentam peso molecular médio (40.000) e são responsáveis pela coesividade da massa (pegajosas). As gluteninas (glutelina) apresentam alto peso molecular (acima de 100.000) e dão o comportamento elástico na massa (retorna após a deformação), ou seja, propriedade de resistência à extensão. A diferença entre gliadinas e glutelinas está relacionada com as ligações dissulfeto (S-S). Nas gliadinas, as ligações são intramoleculares e resulta em baixo peso molecular e baixa elasticidade. Nas glutelinas também ocorrem ligações intermoleculares, o que justifica o alto peso molecular e a elasticidade.

Proteínas do trigo

SolúveisSolúveis Insolúveis

Globulinas (7%) Albuminas (9%) Gliadinas (42%) Gluteninas (42%)

A elasticidade é a propriedade de resistir a uma força de distensão e a tendência de retornar a forma original após cessada a força, sendo responsável pelo formato do produto. Extensibilidade é a propriedade de distensão no sentido da força aplicada e a permanência na posição final, sem rompimento da estrutura, sendo responsável pelo volume do produto. A força do glúten é produto da elasticidade pela extensibilidade e determinam a melhor utilização do trigo e de suas farinhas.

As forças de repulsão ou de atração são baixas nas proteínas formadoras do glúten e as cargas estão livres para interagir entre si durante a mistura da massa. Ao adicionar água à farinha, os grupos polares das proteínas ficam expostos e rodeados de moléculas de água. A mistura fornece energia para que as cadeias entrem em contato formando a estrutura de rede que é o glúten. A maneira como ocorre esta interação não está elucidada e existem várias teorias a respeito:

- Teoria das ligações sulfidril-dissulfeto (Beckwith & Wall);

- Teoria das concatenações sulfidril-dissulfeto por biossíntese (Greenwood & Ewart);

- Teoria da agregação por forças de ligações secundárias (Bernardin & Kasarda);

- Teoria da agregação por forças de ligações secundárias e pontes dissulfeto (El-Dash).

O glúten forma uma rede com características viscoelásticas, ou seja, que tem a capacidade de se deformar parcialmente sem se romper. Isso é necessário nos produtos de panificação, onde o gás gerado pelas leveduras (fermento biológico) deve ser retido pela massa para que ela se expanda e se obtenham produtos aerados e leves.

3.2 Carboidratos

São compostos orgânicos formados por carbono, hidrogênio e oxigênio que podem ser classificados em mono-, di-, tri-, oligo- e polissacarídios. No grão de trigo os principais açúcares encontrados são glicose, frutose, maltose, sacarose, rafinose. São muito importantes no processo de panificação, nas etapas de fermentação e cozimento. Na fermentação eles constituem o substrato para a ação das leveduras, que transformam os

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açúcares no gás carbônico que faz crescer a massa. Os açúcares não transformados na fermentação participam na etapa de cozimento do pão, produzindo cor e aroma pela reação de Maillard e de caramelização.

A distribuição dos carboidratos pelas diferentes frações pode ser facilmente entendida se pensarmos do ponto de vista biológico. O farelo, que é a parte mais externa, é formado por fibras com a função de impermeabilizar parcialmente e proteger o grão. O germe contém uma proporção de açúcares livres muito mais alta que as demais frações pois precisa para o crescimento e germinação do embrião. Na germinação, o sistema enzimático completa o seu desenvolvimento e isto possibilita a utilização do amido, presente no endosperma, como fonte de energia, até que a planta possa fabricar seu próprio substrato através da fotossíntese.

Celulose e hemicelulose são os polissacarídeos estruturais. São os principais componentes das paredes celulares e, juntamente com a lignina (polímero não carboidrato), formam a fibra alimentar insolúvel. As hemiceluloses são uma categoria que agrupa diferentes compostos como as pentosanas, gomas e mucilagens.

O principal polissacarídeo da parede celular do endosperma do trigo é a pentosana, constituída principalmente de xilose, arabinose. Esse componente tem grande capacidade de absorver água e suas funções em panificação são muito estudadas. O amido é um polissacarídeo de reserva e o principal encontrado no grão de trigo (64% do peso do grão), sendo constituído de dois componentes principais, a amilose e a amilopectina. A amilose é uma molécula linear composta por 250 a 300 unidades de D-glicopiranose ligadas uniformemente por pontes glicosídicas alfa-1,4, que conferem forma helicoidal à molécula. O segundo componente, a amilopectina, é constituído por no mínimo mil unidades de glicose, também unidas por ligações alfa-1,4. No entanto, há pontos de ramificação, onde existem ligações alfa-1,6. Esse tipo de ponte constitui cerca de 4% das ligações totais, ou seja, aproximadamente uma a cada 25 unidades de glicose no amido. Devido a essas diferenças estruturais, a amilose é mais hidrossolúvel que a amilopectina, e essa característica pode ser usada para separar esses dois componentes. A amilose reage com o iodo e forma um complexo azul-escuro; a amilopectina produz cor azul-violácea ou púrpura. A maioria dos amidos tem proporções semelhantes de amilose e amilopectina: em média 25% da primeira e 75% da segunda. Em certos amidos cerosos ou glutinosos a proporção de amilose pode ser pequena (menos de 6%) ou nula.

Hidrólise do amido: a alfa- amilase (alfa-1,4-glicano hidrolase), enzima presente no suco pancreático e na saliva e no próprio grão hidrolisa o amido rompendo aleatoriamente as ligações glicosídicas alfa-1,4. Assim, a amilose dá origem a urna mistura de glicose, maltose e amilopectina, ou seja, de oligossacarídeos ramificados e não ramificados que contêm pontes alfa-1,6. A ação hidrolítica da alfa-amilase sobre as ligações alfa-1,4 da amilopectina continua até que se aproxime um ponto de ramificação. Como essa enzima não tem capacidade de hidrolisar ligações alfa-1,6, a reação termina, deixando fragmentos de polissacarídeos conhecidos como dextrinas, produto da hidrólise incompleta.

A beta-amilase (beta-1,4-glicano-maltoidrolase) produz seus efeitos retirando unidades de maltose das extremidades não redutoras das moléculas dos polissacarídeos. O produto final, no caso da beta-amilase, é a maltose quase pura. A beta-amilase digere as ligações 1,4 das extremidades para o centro. A hidrólise do amido pode ser facilmente acompanhada pela reação com iodo, que muda sucessivamente do azul-escuro para o púrpura, para o vermelho e para a ausência de reação.

Gelatinização e retrogradação do amido: os amidos formam dispersões coloidais e não soluções verdadeiras. Se uma suspensão de amido em água fria for acrescentada à água fervente e mexida, os grânulos opacos se dilatarão e finalmente se romperão, produzindo-se uma mistura translúcida. Se essa dispersão coloidal for razoavelmente concentrada,

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formará uma geléia dura quando esfriar. O amido tem muitos empregos comerciais, servindo de goma na fabricação de papéis e tecidos e em lavanderia. Serve de matéria-prima para a fabricação de xaropes, dextrose, dextrinas e adoçantes com alto teor de frutose. A temperatura de gelatinização do amido de trigo é de 52 a 63 °C, apresentando 24% de amilose em sua composição, em média.

Figura 1 Polímeros amilose e amilopectina do amido

Durante o processo de panificação ocorre uma série de interações complexas entre os componentes da massa, com influência sobre o resultado final. Normalmente é mais enfatizada a função do glúten, levando a pensar que o amido é apenas um coadjuvante inerte dentro da estrutura protéica. No entanto, ele tem funções importantes em cada etapa do processo. No preparo da massa, o amido tem influência sobre a absorção de água pela farinha. A capacidade e a velocidade de absorção de água pelo amido dependem do seu teor de grânulos danificados e também do tamanho dos grânulos. A medida que prossegue a mistura, os grânulos de amido vão ficando incrustados na matriz protéica do glúten que se desenvolve.

Na fermentação têm relevância os grânulos danificados, que são susceptíveis à ação enzimática. Durante este período, as enzimas amilolíticas (alfa e beta-amilases) agem sobre os polímeros de amilose e amilopectina, produzindo açúcares que são necessários para garantir a continuidade do processo de fermentação; nessa etapa prossegue o desenvolvimento do glúten, formando um filme contínuo e elástico, capaz de reter o gás produzido.

No cozimento, todo amido participa e não apenas os grânulos danificados. A temperatura de gelatinização do amido é mais alta que a temperatura de coagulação do glúten, esta ocorre primeiro, liberando a água que será absorvida pelo amido na gelatinização. Como o conteúdo de água no sistema é limitado, a gelatinização é parcial. Os grânulos de amido gelatinizados ficam susceptíveis ao ataque enzimático, que ocorre até o momento em que se atinge a temperatura de inativação da alfa-amilase. Nesta etapa o amido é muito importante, pois os açúcares produzidos na fermentação já foram praticamente esgotados e sua reposição se faz pela ação enzimática sobre o amido, o que permitirá que o produto apresente cor e aroma depois de cozido. Os grânulos inchados de amido protegem a matriz protéica e sustentam a estrutura do glúten, impedindo que ela colapse, mantendo o volume do pão.

No resfriamento do pão, ocorre o fenômeno da retrogradação do amido, que contribui para a estabilidade da estrutura final do pão. No pão recém cozido e resfriado, as moléculas de amilose estão associadas e imobilizadas num firme gel retrogradado, não podendo participar das reações subseqüentes. É a vez então das moléculas de amilopectina começarem a se associar, pelo entrelaçamento de suas ramificações. Isto diminui a flexibilidade do gel e parece ser a causa do endurecimento do miolo à medida que o pão envelhece.

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3.3 Lipídios

Os lipídios são substâncias que formam um grupo heterogêneo de compostos relacionados direta ou potencialmente com os ácidos graxos. Têm a propriedade de serem relativamente insolúveis na água (hidrófobos). São apolares e, portanto, solúveis em solventes orgânicos não-polares como éter, clorofórmio, benzeno e hexano. São substâncias formadas predominantemente da esterificação do glicerol por ácidos graxos, podendo se apresentar nas formas de tri, di ou monoglicerídios. Os ácidos graxos são ácidos orgânicos que possuem uma cadeia longa de carbono e hidrogênio e o grupo carboxílico terminal, podendo ser insaturado, quando possui uma ou mais ligas duplas, e saturado, sem ligações duplas na cadeia. Os ácidos graxos apresentam uma região polar (COOH) e outra apolar (R), o que os torna capazes de estabilizar duas fases imiscíveis. Os mono e diglicerídios, por possuírem uma razoável polaridade, também apresentam essa capacidade emulsificante.

Os lipídios de cereais consistem de glicerídios de ácidos graxos, principalmente o ácido palmítico (C 16:0), oléico (C 18:1) e linoléico (C 18:). Contém ainda fosfolipídios, como a lecitina, e também glicolipídios. Nos cereais, os ácidos graxos saturados constituem de 11 a 26% do total e os insaturados, 72 a 85%. O conteúdo de lipídios no trigo varia de 2 a 3%, distribuindo-se pelas diversas partes do grão. O germe contém 6 a 11% de lipídios, o farelo de 3 a 5% e o endosperma de 0,8 a 1,5%. Aos contrários dos lipídios do farelo e do germe, constituídos basicamente de triglicerídios, os lipídios do endosperma são cerca de 30% de triglicerídios e o restante de fosfo e glicolipídios. Esses lipídios polares encontram-se ligados principalmente ao amido e ao glúten.

No grão inteiro as enzimas e os lipídios não entram em contato e por isso, quando ocorre alguma degradação enzimática, ela é atribuída à ação de microrganismos. A partir do momento em que o trigo é moído, esse contato acontece e a farinha pode apresentar problemas de deterioração. A farinha contém os lipídios do endosperma e, em quantidades variáveis segundo o grau de extração, também os lipídios do germe e da camada de aleurona.

Quanto maior a quantidade de lipídios na farinha, mais rápida a sua deterioração, daí a perecibilidade da farinha integral. A deterioração pode ocorre pela rancidez hidrolítica, causada pela enzima lipase que produz glicerol e ácidos graxos e aumenta a acidez graxa da farinha; também pela rancidez oxidativa, onde a enzima lipoxigenase (lipoxidase) catalisa a peroxidação de ácidos graxos polinsaturados pelo oxigênio. A velocidade da rancidez oxidativa é diminuída pela ação dos antioxidantes naturais como os tocoferóis, presentes na farinha de trigo.

3.4 Enzimas

As enzimas são proteínas que possuem atividade catalítica. Elas podem ser definidas como substâncias orgânicas, formadas no interior de células vivas, mas capazes de agir também fora das células, sendo responsáveis pelo metabolismo. As enzimas são proteínas que devido ao seu poder de ativação específico e de conversão de substratos em produtos, tem atividade catalítica. As reações catalisadas por enzimas se verificam também em alimentos podendo influir de forma positiva ou negativa na sua qualidade. Elas são compostos facilmente destruídos pelo calor (temperatura acima de 70ºC ), por agitação intensa, por substâncias químicas. Quanto à ação, a teoria mais aceita é a de que a enzima e a substância sobre a qual vai agir (chamada substrato) formam um composto intermediário que, posteriormente, sofre um desdobramento, regenerando a enzima. Veja um esquema que mostra a ação catalítica da enzima:

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Figura 2 Ação catalítica das enzimas (modelo chave-fechadura).

O trigo contém um sistema enzimático próprio, normalmente inativo durante o armazenamento, desde que o grão esteja seco e livre de contaminação por insetos e fungos. Quando se aumenta a quantidade de água no grão e, principalmente, quando ele é transformado em farinha, as enzimas começam a atuar e a modificar as características deste produto. O trigo contém uma série de enzimas diferentes, podendo agir sobre diversos substratos, como os carboidratos, proteínas, lipídios e outros componentes menores.

As amilases são as principais enzimas da farinha de trigo e transformam o amido em açúcares fermentescíveis. A beta-amilase encontra-se na farinha de trigo em quantidades estáveis, porém a alfa-amilase varia com a cultivar de trigo e com a sanidade e manejo do grão. A atividade enzimática medida pelo aparelho número de queda é um bom indicador para avaliar o grau de atividade das enzimas amilolíticas e de outras enzimas do trigo como as proteases. Quando a farinha é extraída de um trigo de baixo número de queda, sua atividade enzimática é alta e não somente a atividade amilolítica.

A baixa atividade enzimática de uma farinha tem correção relativamente fácil, podendo ser adicionado suplemento enzimático tanto no moinho como durante a produção dos produtos de panificação. A alta atividade enzimática, normalmente relacionada à presença de trigo germinado, é de resolução mais difícil, devendo ser realizada a mescla com trigo de baixo número de queda ou a adição de inibidores que devem ser tão específicos quanto às enzimas.

Além das enzimas amilolíticas, as celulases, que atuam sobre a celulose, as pentosanas e as gomas do trigo também são importantes. As celulases geralmente estão presentes na camada que compõem o farelo, sendo eliminadas na moagem e, por isso, não tem influência sobre a farinha, exceto quando se utiliza a farinha integral.

As proteinases do trigo não têm grande importância em panificação e também não se encontram em grandes quantidades nas farinhas, a menos que sejam derivadas de grãos germinados. As enzimas proteolíticas atuam sobre as ligações peptídicas, sendo indesejável uma ação excessiva sobre o glúten. O resultado alcançado é similar ao uso de agentes redutores, embora a atuação seja totalmente diferente. A presença pode ser importante em casos de farinhas muito fortes que produzam massa muito dura e pouco extensível. Seu uso é particularmente útil na produção de biscoitos doces, quando se deseja uma massa extensível para evitar deformações após o corte e para biscoitos cracker, onde a extensibilidade propicia boa textura e também bom volume. Quando se torna necessário suplementar a quantidade de proteinases da farinha, utilizam-se enzimas fúngicas de Aspergilllus orizae ou A. niger.

Entre as enzimas lipolíticas têm-se as lipases e as lipoxigenases. As lipases são esterases que hidrolisam as ligações ésteres dos lipídios liberando ácidos graxos livres no grão ou na farinha de trigo aumentando a acidez graxa. A presença de ácidos graxos insaturados não afeta significativamente a panificação, a menos que sejam oxidados.

A lipoxigenase catalisa a peroxidação dos ácidos graxos insaturados e os lipoperóxidos produzidos nesta reação oxidam outros compostos, como tocoferóis, ácido ascórbico e carotenódides. Esses últimos são os que mais nos interessam, pois a oxidação desses pigmentos torna a farinha mais branca. No trigo, a lipoxigenase está concentrada no

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germe, mas existe em quantidade muito pequena. A soja é uma boa fonte dessa enzima, sendo usada em adição ao trigo, quando necessário, na forma de farinha de soja enzimaticamente ativa para branquear a farinha de trigo.

3.5 Vitaminas e Minerais

As vitaminas e minerais são compostos orgânicos presentes nos alimentos. Exercem funções essenciais para manutenção do metabolismo normal, desempenham funções fisiológicas específicas. As vitaminas estão classificadas em lipossolúveis - vitaminas insolúveis em água e solúveis em lipídeos e solventes lipídicos - A, D, E e K.; vitaminas hidrossolúveis - vitaminas do complexo B (tiamina, riboflavina, niacina, ácido pantotênico, piridoxina, biotina, ácido fólico, cianocobalamina) e vitamina C. As necessidades diárias das vitaminas e dos minerais, em indivíduos sadios, estão publicada em tabelas na forma de Dose Diária Recomendada - DDR.

Todos os cereais contêm vitaminas do grupo B, mas são completamente desprovidos de vitamina C (a menos que o grão seja germinado) e vitamina D. O milho amarelo difere do milho branco e de outros grãos cereais em conteúdo de pigmentos carotenóides, que no corpo humano são convertidos em vitamina A. O trigo também contém pigmentos amarelos, porém estes não são precursores de vitamina A. O óleo do germe de cereais é rico em vitamina E (HOSENEY, 1991). Os cereais são nutricionalmente pobres em cálcio e a concentração deste elemento como dos demais minerais é grandemente reduzida durante a moagem. No processamento, pericarpo, aleurona e germe, estruturas que são ricas em minerais e vitaminas, são parcial ou totalmente eliminadas (BECHTEL, 1989).

Na farinha, os teores de vitaminas e minerais são menores, variando conforme o grau de extração. Algumas vitaminas são mais sensíveis e seu conteúdo diminui também sob condições inadequadas de estocagem ou no cozimento do pão. O valor nutricional da farinha é afetado por um grande número de variáveis. Sua melhoria pode ser buscada por vários caminhos como seleção ou modificação de cultivares de trigo, alteração de práticas agronômicas, alteração da taxa de extração de farinha, fortificação. BETSCHART (1988) afirma que o caminho mais simples e mais efetivo para melhorar o valor nutricional da farinha de trigo é através do aumento da taxa de extração e/ou uso de farinha de trigo integral. Um estudo bastante consistente sobre a influência da moagem no valor nutritivo de grãos cereais: centeio, trigo, arroz, milho e sorgo foi realizado por PEDERSEN & EGGUN (1983a, 983b, 1983c, 1983d, 1983e). Trigo foi moído em moinho de rolos Brabender e separado em peneiras de 235, 440, 530, 660, 840, 1280, 1720 e 2100µ, obtendo farinhas com taxas de extração entre 100 e 66%.A moagem causou um decréscimo nas concentrações de lisina, arginina, ácido aspártico e alanina, mas aumentou os teores de ácido glutâmico e prolina. Os demais aminoácidos não foram afetados pela moagem. A lisina, aminoácido mais limitante na farinha de trigo, diminuiu de 2,57 para 2,18, o que indica uma redução no valor nutricional com o aumento da taxa de extração. A digestibilidade aumentou com a diminuição da taxa de extração, ocorrendo o inverso com o valor biológico. A utilização líquida de proteína não foi afetada. A proteína utilizável diminuiu de 8,0 para 4,7 g 100g-1 de grãos de trigo quando comparado taxas de extração de 100 e 66%, ocorrendo um aumento na energia digestível. Uma das conclusões dos autores é que a moagem de trigo em baixas taxas de extração de farinha não somente diminui os nutrientes em quantidades consideráveis para o consumo humano, mas também torna a mesma muito mais pobre em valores nutritivos quando comparado com a farinha integral.

Além de reduzir a quantidade de nutrientes, as baixas taxas de extração também diminuem o valor nutricional da farinha e dos produtos de panificação. BETSCHART (1989) sugere que pães e outros produtos de panificação deveriam ser formulados contendo proteínas de alta qualidade. Entretanto as formulações que incluem as frações de alta

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qualidade nutricional de grãos de trigo e de outros cereais normalmente resultam em produtos de baixa aceitação sensorial. Os nutrientes presentes em pães elaborados com farinha integral estão em quantidades iguais ou superiores aos pães elaborados com farinhas enriquecidas. Embora a porcentagem de minerais absorvidos seja menor na farinha integral, a quantidade total de minerais disponíveis é maior devido a sua maior concentração. As vitaminas solúveis em gordura também não são afetadas pela presença de camadas externas na farinha, exceto a vitamina E. A autora concluiu que as quantidades adicionais de nutrientes presentes, somado aos efeitos fisiológicos da fibra alimentar tornam as farinhas de alta extração muito recomendáveis para o consumo humano.

4 Processo de moagem do grão e a produção de farinha de trigo

A moagem do trigo é um processo que vem se aprimorando desde a Idade da Pedra, na busca de melhores artifícios para separação do endosperma amiláceo dos demais constituintes do grão, porém a técnica muito pouco mudou. Da história do trigo faz parte a moagem por meio de golpes com pedra, os moinhos de pedra, os moinhos de bolas e os atuais bancos de cilindros. O processo de moagem do trigo compreende uma diminuição gradual no tamanho das partículas, primeiro entre os rolos de quebra, corrugados e por último entre os rolos de redução, lisos. Esta separação é possível devido as diferentes propriedades físicas do farelo, do germe e do endosperma. O farelo é resistente devido o seu alto conteúdo de fibra enquanto o endosperma é friável. O germe, em função de seu alto conteúdo de óleo, forma flocos ao passar entre os rolos de redução. Além destas diferenças físicas, as partículas das várias partes do grão de trigo diferem em densidade. Isto torna possível sua separação pelo emprego de correntes de ar. As diferenças em friabilidade do farelo e do endosperma são acentuadas pelo condicionamento do trigo, que envolve adição de água até um nível ótimo de umidade, realizado antes da moagem. A adição de água endurece o farelo e amacia o endosperma, facilitando ainda mais a separação das frações (POMERANZ, 1987). Tabela 7 A moagem de trigo no Brasil e no estado do Rio Grande do Sul. Dado Brasil RS Número de moinhos 191 94 (74) Capacidade moagem 15 milhões 1,3 milhões Moagem efetiva 10 milhões 1 milhão Produção de farinha 7,6 milhões 719 mil Produção de trigo 5,8 milhões 2,3 milhões

A separação, realizada por peneiras, sassores e purificadores é empírica e não quantitativa. O processo de moagem resulta na produção de várias farinhas e resíduos, que podem ser combinados em diferentes formas para produzir os vários tipos de farinhas. Após a moagem, os resíduos ainda contêm algumas partículas de endosperma enquanto que as farinhas ainda apresentam algumas partículas de germe e de farelo (Pomeranz, 1987). O grau de separação ou de refinamento do endosperma é refletido pelo rendimento de moagem da farinha, geralmente referido como taxa de extração. Uma farinha padrão tem aproximadamente 72% de extração, enquanto farinhas patentes são obtidas com extrações inferiores a 40%. Taxas de extração de 80% tem sido usadas para preservar os nutrientes do trigo para o uso alimentar sem causar grandes alterações na cor da farinha e na qualidade de panificação(AYKROYD & DOUGHTY, 1970). O grau de separação ou de refinamento do endosperma é refletido pelo rendimento de moagem da farinha, geralmente referido como taxa de extração. Uma farinha normal tem aproximadamente 72 a 76% de extração, enquanto farinhas para massas são obtidas com extrações inferiores a 45 %. Taxas de extração de 80% têm sido usadas para preservar os nutrientes do trigo para o uso alimentar sem causar grandes alterações na cor da farinha e na qualidade de panificação (Tabela 8).

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Com a diminuição da taxa de extração verifica-se uma menor quantidade destas frações na farinha. O farelo é a fração que sofre maior redução, seguido por germe e endosperma. Em farinhas de baixo grau de extração, as quantidades de farelo e de germe são mínimas.

Tabela 8 Composição química das frações do grão de trigo

Determinação Grão (%) Germe (%) Farelo (%) Endosperma (%) Umidade 12,0 11,0 13,0 15,0 Proteínas 12,5 24,0 12,0 11,0 Lipídios 2,2 10,0 4,0 1,0 Carboidratos 72,0 47,0 45,0 76,0 Cinzas 1,8 4,3 8,0 0,4

Fonte: Pomeranz, 1987.

Além das características próprias do grão, como dureza e peso específico, os diagramas de moagem são determinados, também, por aspectos desejados nos produtos finais, como composição, cor, granulometria, cinzas e umidade. Da moagem do trigo resultam duas partes que derivam das regiões estruturais do grão, que são farelo (pericarpo ou casca + periferia do grão + germe) e a farinha (endosperma amiláceo). As etapas do processamento do trigo são: recepção e armazenamento do trigo, limpeza, condicionamento, moagem, estocagem e embalagem da farinha. A recepção e o armazenamento já foram abordados em tópico específico.

Tabela 9 Proporção de farelo, germe e endosperma em farinhas de diferentes taxas de extração

Taxa de extração (%) Fração 100 85 82,5 80 Farelo 12,0 3,4 2,0 1,4 Germe 2,5 1,9 1,7 1,6 Endosperma 85,5 79,7 78,8 77,0

Fonte: Kent, 1983.

Tabela 10 Composição química proximal e valor energético de farinha de trigo de

diferentes taxas de extração. Tipo farinha Integral 1700 1050 812 630 550 405 Taxa extração(%)* 100 95 85 80 76 72 <70 Umidade 13,20 12,60 13,70 14,70 14,20 13,70 13,90 Proteínas(Nx 5,7) 11,73 11,23 11,23 11,09 10,58 9,84 9,84 Lipídios 2,00 1,90 1,75 1,65 1,54 1,13 0,98 Carboidratos 60,97 62,85 67,19 67,09 69,04 70,76 70,93 Fibra alimentar 10,30 9,93 5,22 4,78 4,10 4,10 4,00 Minerais 1,80 1,49 0,91 0,69 0,54 0,47 0,35 Energia (kcal) 316 320 330 333 338 338 338 * estimada em função da porcentagem de cinzas. Fonte: SOUCI et al., 1989.

Limpeza: essa etapa tem como finalidade a retirada de materiais estranhos (palha, outras sementes, sujidades, etc.) por meio de seleção por tamanho, forma, densidade e propriedades físicas e dos grão de trigo. Nessa etapa, também são retirados grãos atacados por insetos, murchos, chochos, quebrados, etc. que interferem diretamente no rendimento da farinha. A limpeza também pode interferir na qualidade da farinha de trigo, ocasionando

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alterações no teor de cinzas, na cor, etc. Portanto, para um mesmo lote de trigo, quanto melhor a eficiência do processo de limpeza, melhor será a qualidade do produto final.

Condicionamento: tratamento físico (adição de água) realizado com os objetivos de o obter uma separação eficiente do farelo e endosperma, aumentar a eficiência de moagem, pois o farelo torna-se mais elástico e o endosperma é enfraquecido facilitando a separação, reduzir o consumo de energia e preparar o grão para as condições ótimas de moagem. trigo muito duro 17% de umidade trigo duro 16% de umidade trigo semi-duro 15-16% de umidade trigo mole 14-15% de umidade

No condicionamento, o trigo é umedecido e deixado descansar cujo tempo varia com o tipo de grão e temperatura de condicionamento (6-48 horas) para que a água penetre de forma uniforme e equilibrada no grão. A umidade do grão é o fator mais importante e a quantidade adicionada pode ser calculada:

% de Água= 100 - umidade do trigo

100 - umidade desejada- 1) x peso da amostra(

Sem o condicionamento adequado, o farelo torna-se quebradiço, tendo como efeito uma farinha com alto teor de cinzas e coloração escura. O condicionamento tem também um efeito secundário, mas não menos importante, que é a redução da carga microbiológica do grão, pela adição de 200 ppm de cloro à água utilizada.

Moagem: a moagem do grão de trigo é realizada de dentro para fora do grão. Ocorrendo a partir da quebra do grão que, com sua porção interna exposta, tem o endosperma “raspado” sucessivamente. Os equipamentos utilizados para esse fim são denominados bancos de cilindros, constituídos por grandes cilindros metálicos, emparelhados horizontalmente e que giram no sentido do fluxo do trigo, porém com velocidades de rotação diferentes. As seqüentes quebras do grão e pulverização do endosperma amiláceo são realizadas por moinhos de rolos que podem ser lisos ou raiados (com reentrâncias diagonais, paralelas entre si).

Grão Rolos de Quebra Peneiragem

Purificador

Rolos de Redução

(middling)

FARELO

FARINHA

Moagem

Figura 3 Esquema do processo de moagem de trigo. São várias as etapas de moagem para que o trigo chegue ao produto final. A

primeira etapa da moagem é a trituração ou ruptura, que consiste na quebra dos grãos por moinhos com rolos raiados. Da quebra do grão originam-se, no mínimo, três produtos, um grosseiro com endosperma agregado ao farelo, grandes grânulos de endosperma e uma pequena quantidade de farinha. Normalmente são executadas de 4 a 6 triturações, dependendo do tipo de trigo a ser moído produzindo o efeito de corte para abrir o grão e raspar o endosperma, com mínima produção de pó do farelo. Os rolos giram a uma

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velocidade diferencial, o mais rápido a 1,85:1 a 2,5:1 e de 500-550 rpm. O outro rolo gira a 200-220 rpm. O número de passagens depende da grau de extração requerida. 4 passagens → 72-74% 4 passagens + batedor de farelo → 74-76% 5 passagens + batedor de farelo → 76-78%

Rolos corrugados e velocidade diferencial produz efeito de corte e cisalhamento. O rolo lento mantém o material enquanto o rápido raspa o endosperma.

A etapa de redução tem como objetivo purificar e minimizar os grânulos de endosperma (sêmola) com fragmentos de farelo. Para essa separação são utilizados rolos lisos. Na verdade os rolos são finamente corrugados e giram a velocidade diferencial de 1,25:1 a 1,5:1 e são realizadas de 4 a 10 passagens seguidas de peneiragem da farinha.

Na etapa de compressão, a sêmola que restou da redução é convertida em farinha, ou seja, é efetuada uma nova redução das partículas para obtenção da granulometria ideal ao produto final. Para isto, são utilizados rolos lisos.

Separação: após as etapas de trituração, o produto passa por uma peneiração em equipamentos denominados plansifters para separação das diferentes partes (grânulos do endosperma, farinha e casca agregada a partes do endosperma). Após a separação, a farinha segue para a armazenagem, os grânulos de endosperma seguem para purificação e a casca agregada ao endosperma volta às outras etapas de trituração. Os peneiradores são compostos pela armação, mecanismo do peneirador e tela de peneiramento. Armação e mecanismo: peneiradores centrífugos e peneiradores planos. A tela de peneiramento pode ser de metal (número de mesh é usado para indicar tamanho), seda (tecidos de forma que os orifícios não mudam com o tempo de uso), nylon (pode alterar a abertura com o tempo de uso (GG, PE, X,XX), poliéster (para farinha de granulometria de 296-77 µm).

Purificação: nesta etapa a sêmola passa por equipamentos denominados sassores, que efetuam a separação por peneiração e diferença de densidade. O produto limpo que sai do sassor vai para a etapa de redução. O sassor usa o princípio da densidade e resistência do ar para separar as partículas de mesmo tamanho de farelo do de endosperma. Entre os controle do purificador está a velocidade de alimentação, tamanho dos orifícios, movimento e inclinação da peneira, fluxo de ar.

Estocagem e embalagem da farinha: o método mais simples de empacotamento é formado por um recipiente vertical com dispositivo que segura o saco ao ser enchido de farinha. A seguir o peso é aferido e o saco vedado. O sistema pode ter todas as operações de enchimento automatizadas. O tipo de embalagem varia com a capacidade final (1 kg, 5 kg, 50 kg) e a embalagem pode se de juta, algodão, papel ou polietileno.

Antes da embalagem, a farinha deve passar pelo entoleter, que consiste em um rotor que gira a alta velocidade (2.900 rpm). O impacto da farinha nas paredes destrói ovos e larvas de insetos presentes.

5 Controle de qualidade de grãos e farinhas de trigo

Qualidade de farinha de trigo significa coisas diferentes para cada usuário final. De acordo com Michaelis (dicionário da língua portuguesa) qualidade é atributo, condição natural, propriedade pela qual algo ou alguém se individualiza distinguindo-se dos demais, maneira de ser, essência; grau de perfeição, de precisão, de conformidade a um certo padrão; categoria, espécie, tipo.

De modo geral, qualidade de farinha de trigo pode ser definida como a capacidade de produzir uniformemente um produto final atrativo, a um custo competitivo, sob as

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condições impostas pela sua unidade processadora. Existem dois grupos básicos de fatores que determinam a qualidade da farinha de trigo:

Matéria-prima: cuja qualidade é resultados da combinação de variedade (genótipo) e as condições de cultivo – umidade e fertilidade do solo, clima (temperatura, queda de chuvas, geada, etc.) e incidência de doenças.

Processo: na conservação do trigo em farinha, alguns aspectos devem ser observados e mantidos dentro e limites razoáveis para que a qualidade seja preservada. Dentre eles estão: as condições de processamento (condicionamento do trigo, ajuste dos rolos de moagem, etc.,escolha da mescla de trigo, escolha das frações de farinha que comporão o produto final, maturação do trigo/farinha, aditivação, etc.).

A qualidade da farinha de trigo pode ser avaliada com base em diversas características mensuráveis que a experiência tem indicado serem relevantes para a qualidade do produto final. Cada tipo de produto requer farinha com características tecnológicas específicas para sua elaboração. Dentre essas características estão, essencialmente, a força da farinha, a qual está associada, principalmente, ao conteúdo e à qualidade das proteínas formadoras de glúten, e a atividade de alfa-amilase, particularmente nas farinhas usadas na produção de pão. Portanto, a qualidade da farinha de trigo tem sido avaliada com base em diversas características mensuráveis relevantes para a qualidade do produto final.

Tabela 11 Principais características avaliadas e a influência no grão de trigo e na farinha.

INFLUÊNCIAS CARACTERÍSTICA TRIGO FARINHA

PH e Peso de mil grãos Armazenamento e extração da farinha

Não avaliado

Defeitos, impurezas e matérias estranhas

Conservação e grau de extração da farinha

Não avaliado

Teor de umidade Conservação e extração da farinha Conservação Teor de cinzas Grau de extração Cor da farinha Cor Não avaliado Aspecto

do produto final Teor de glúten úmido e seco Potencial reológico Absorção da água e força da farinha Falling Number Não avaliado Poder fermentativo Farinografia, entensografia e alveografia

Não avaliado Absorção de água, resistência ao trabalho mecânico, tolerância à

fermentação e potencial tecnológico. Granulometria Não avaliado Velocidade de absorção de água Colorimetria Não avaliado Cor dos produtos finais Microscopia e microbiologia Sanidade Sanidade/ Shelf Life

É importante ressaltar que nenhum dado analítico é conclusivo por si só nas determinações das características de um trigo/farinha. O máximo de resultados obtidos permite obter informações do perfil da amostra de trabalho. Somente a análise no produto final permite tirar conclusões. Algumas determinações analíticas são de suma importância na avaliação parcial da qualidade de um trigo, farinha ou produto final e também servem para orientar procedimentos a serem tomados na conversão do trigo em farinha (umidade, cinzas). As diferentes análises podem ser agrupadas em físicas, físico-químicas, reológicas, funcionais, microscópicas e microbiológicas. Dentre estas estão:

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5.1 Análises físicas dos grãos e das farinhas

Peso do hectolitro (PH). O peso do hectolitro é determinado pelo uso do uso de balança Dallemolle e expressa a massa de 100 l de trigo, em quilograma. A medida de PH remonta a épocas em que os cereais eram vendidos pelo volume e onde uma massa de maior volume conduzia a um melhor rendimento de farinha. Trata-se de um método simples, rápido e permite informar sobre impurezas e grau de extração. O PH do trigo é influenciado por uma série de fatores, eles se completam ou se contrariam, e nem todos são fatores de valor.

Teor de impurezas. Expressa a porcentagem de material estranho, de grãos murchos e quebrados, danificados pelo calor e danificados totais, em relação à quantidade inicial de amostra. Em sentido global, impurezas são todos os elementos de uma amostra de cereal que não seja o cereal base, sendo as impurezas constituídas pelos grãos e os materiais estranhos em formas diversas. Tabela 12 Classificação de grãos de acordo com valores de peso hectolítrico. Classificação Peso hectolítrico (kg/hl) Extrapesado ≥ 84 muito pesado 80-83 Pesado 76-79 Médio 72-75 Leve 68-71 muito leve 64-67 extra-leve 60-63

Fonte: Williams et al. (1988).

Granulometria. Esta determinação é uma exigência da Anvisa para definir as características físicas das farinhas e está relacionada com a velocidade de absorção de água. Normalmente, o tamanho das partículas fino acelera a taxa de hidratação. A determinação é realizada pelo uso de agitador de peneiras (plansifter) e o resultado é influenciado pelo movimento das peneiras, carga relativa, umidade da farinha, umidade e temperatura ambiente.

Cor. A cor da farinha está diretamente relacionada ao grau de extração do produto, ou seja, quanto mais periférica a farinha, mais próxima ao marrom será sua tonalidade, e ao tipo de trigo utilizado na moagem. Então se pode dizer que, para uma mesma mescla de trigo, quanto mais escura a farinha, mais periférica ela é e maior é o seu teor de cinzas. A cor pode ser controlada por padrões de pekar ou por colorímetros. O colorímetro Hunter Lab e Minolta são os mais utilizados e apresenta os resultados em diversas faixas de cores, no sistema L, a e b. L: mede a intensidade e varia de 0 a 100, sendo o 0 preto total e 100 branco total; a+: tonalidade predominante para o vermelho; a-: tonalidade predominante para o verde; b+: tonalidade predominante para o amarelo; b-: tonalidade predominante para o azul. Além do colorímetro, comumente é utilizado um método bastante tradicional, denominado pekar para verificação de presença de fragmentos de farelo de trigo. Consiste em uma lâmina de farinha úmida e mantida em estufa por tempo determinado.

5.2 Análises físico-químicas dos grãos e das farinhas

Umidade. O conteúdo de umidade do grão e da farinha tem importância econômica direta, por ser inversamente proporcional à quantidade de matéria seca. Além disso, durante a estocagem, a umidade é o principal fator que governa a conservação da qualidade. Há vários métodos para determinação de umidade que se baseiam na secagem de uma porção de amostra e determinação pela diferença de peso, que podem ser convencionais (estufa) ou rápidos (infravermelho, condutividade). Também vêm sendo muito utilizados métodos rápidos, baseados na reflectância da radiação do espectro infravermelho próximo (NIR),

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que permite a determinação de outros componentes além da umidade.

Figura 4 Aparelho NIR e balança infravermelho para a determinação de umidade.

Cinzas. Para farinhas originárias de um mesmo trigo, aquelas de mais alta extração apresentam maiores teores de matéria mineral (cinzas), quando comparadas àquelas de mais baixa extração. Assim, o teor de cinzas é utilizado como parâmetro de avaliação do tipo de farinha de trigo ou grau de extração. Além disso, a quantidade de matéria mineral, muitas vezes, pode interferir na cor do produto final. Há vários métodos utilizados para determinação do teor de cinzas, sendo a maioria deles baseada na queima total das matérias orgânicas presentes em uma determinada porção de produto.

Glúten. Todos os grãos contêm proteínas, mas somente a proteína do trigo possui a habilidade de formar glúten, que é um filme elástico, responsável pela retenção do gás produzido durante a formação da massa. A habilidade da farinha de trigo de formar uma massa requerida para produção dos diferentes produtos derivados do trigo (pães, massas, biscoitos, bolos, etc.), depende das propriedades de suas proteínas, particularmente das proteínas precursoras do glúten (gliadina e glutenina). Essas proteínas, insolúveis em água, correspondem à cerca de 85% das proteínas totais da farinha. Para determinação do conteúdo do glúten (quantidade) é realizado um teste de lavagem, com a retirada total do amido, proteínas solúveis e etc. Este teste pode ser feito manualmente ou por equipamentos automáticos (Glutomatic-Perten).

Número de queda. O teste é destinado à determinação da atividade das enzimas amilolíticas presentes na farinha de trigo. É um parâmetro importante para definir a utilização da farinha de trigo. O teste é fundamentado na rápida gelatinização do amido presente em uma suspensão aquosa de farinha de trigo, quando submetida a um tratamento térmico, com subseqüente liquefação do gel formado pela ação da α-amilase presente na amostra. Portanto, a atividade da α-amilase é determinada usando o amido da própria amostra como substrato. O resultado obtido é o Falling Number, ou Número de Queda, que é expresso em segundos, e representa o tempo necessário para a haste do viscosímetro imergir na solução aquosa de farinha após a gelatinização e liquefação. Quanto maior for o Falling Number, menor é a atividade das enzimas amilolíticas na farinha.

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Figura 5 Aparelho de Falling Number.

5.3 Análises reológicas das farinhas

Farinografia. O farinógrafo é um aparelho que simula o processo de mistura, medindo e registrando a resistência da massa durante os sucessivos estágios de seu desenvolvimento. Assim, tem-se o comportamento da massa durante a mistura e a sobremistura (mistura excessiva). A partir desse aparelho obtém-se a absorção de água que é quantidade de água requerida para que a massa atinja a consistência ótima, o tempo de desenvolvimento da massa, que é o tempo necessário para que a massa atinja o máximo de sua consistência, a estabilidade, ou tempo que a massa permanece consistente durante o batimento (500 UF) e índice de tolerância à mistura (ITM), que é o quanto a massa perde de consistência após cinco minutos de atingida sua consistência máxima.

Fonte: Miranda, 2002.

Figura 6 Farinógrafo Brabender e curva farinográfica.

Tabela 14 Classificação da qualidade da farinha determinada por farinografia. Classificação tempo

desenvolvimento (minutos)

estabilidade (minutos)

tolerância à mistura (UF)

muito fraca ≤ 2,0 ≤ 2,0 ≥ 200 fraca 2,1-4,0 2,1-4,0 150-199 média força-fraca 4,1-6,0 4,1-7,0 50-99 média força-forte 6,1-8,0 7,1-10,0 50-99 forte 8,1-10,0 10,1-15,0 50-99 muito forte ≥ 10,1 ≥ 15,1 ≤ 49

Fonte: Williams et al (1988).

Extensografia. Esse equipamento foi desenvolvido para complementar as informações

Tabela 13 Classificação da qualidade de grãos de acordo com os valores de número de queda

Classificação Falling Number (segundos)

Alta atividade enzimática

≤ 200

Atividade enzimática ideal

201 – 350

Baixa atividade enzimática

≥ 351

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fornecidas pelo farinógrafo, medindo e registrando a resistência da massa à extensão, enquanto ela é esticada a uma velocidade constante. As massas a serem analisadas no extensógrafo são preparadas no farinógrafo com a consistência de 500 UF (consistência ideal) em tempo padronizado. Então, é a massa é ajustada ao peso de 150 g, boleada, cilindrada e mantida em câmara, com temperatura e umidade relativa controladas, por tempos diferentes de descanso (45, 90 e 135 min) que representam os tempos de fermentação da massa. Os parâmetros avaliados são: resistência à extensão (R), que representa a resistência que a massa apresenta à extensão após 5 minutos do início do estiramento, a resistência máxima (Rm), que representa o máximo valor de resistência que a massa apresenta, e a extensibilidade (E), que é o quanto a massa pode ser esticada sem que se arrebente.

Alveografia. Equipamento similar ao extensógrafo, porém com extensão da massa em duas direções (biaxial), por uma bolha esférica, ao contrário de outros métodos que realizam a expansão uniaxial. Esse tipo de deformação está associado à expansão da célula de gás (alvéolo) durante o crescimento da massa. Assim, a deformação da massa durante o teste do alveógrafo assemelha-se muito à deformação que ocorre na massa durante a fermentação e crescimento de forno. O alveógrafo registra curvas de extensão, sob pressão de um volume de ar determinado, de massas teste tensionadas até a quebra. A hidratação realizada é constante, mesmo que o teor de absorção de água da farinha testada varie, ou seja, a massa é preparada com uma quantidade fixa de água, não importando sua consistência. Essa condição no método de teste tem sido criticada em muitos estudos. Os parâmetros avaliados no alveograma são a tenacidade (P), que é a resistência que a massa oferece ao estiramento (como a de uma bexiga ao enchimento), a extensibilidade (L), que é a capacidade de estiramento da massa sem que ela se rompa, a configuração de equilíbrio da curva (P/L) e o trabalho de deformação ou força (W), que caracteriza a força da farinha representada pelo trabalho de deformação de uma massa obtida em condições definidas.

Fonte: Miranda, 2002.

Figura 7 Alveógrafo Chopin e curva alveográfica. Tabela 15 Classificação da farinha determinada por alveografia (W). Classificação Força do Glúten (10-4 J) Muito fraca ≤ 50 Fraca 51-100 Média 101-200 Média forte 201-300 Forte 301-400 Muito forte ≥ 401

Fonte: Williams et al. (1988).

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mini-curso: Controle de Qualidade de Grãos e Farinhas de Cereais 29

5.4 Análises funcionais

Determinam a qualidade de uso final da farinha para produtos de panificação, biscoitos, bolos e massas alimentícias. O teste de panificação é realizado de acordo com o método 10-10B da AACC a partir de 100 g de farinha. Permite avalia a qualidade da farinha de trigo e outros ingredientes. O teste de biscoitos é realizado de acordo com o método 10-50D da AACC para biscoitos tipo semi-duros (Sugar cookie) e permite predizer a qualidade da farinha de trigo.

5.5 Análises microscópicas

Realizadas de acordo com as exigências da Anvisa e permite avaliar a presença de fragmentos de insetos e sujidades macroscópicas e microscópicas.

5.6 Análises microbiológicas

Realizadas de acordo com as exigências da Anvisa para avaliar a presença de bolores, fungos e bactérias. Os limites de contaminação permitido pela legislação brasileira em farinhas de trigo e subprodutos estão apresentados na tabela 16.

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