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São Paulo, março de 2018
AVALIAÇÃO DA POLÍTICA DE
PRORROGAÇÃO ANTECIPADA DAS
CONCESSÕES FERROVIÁRIAS
1
Equipe
Gesner Oliveira – Professor da Escola de Administração de Empresas de São
Paulo – EAESP. Presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica/CADE
(1996-2000); Presidente da Sabesp (2007-10); Ph.D em Economia pela Universidade da
Califórnia/Berkeley. Professor Visitante da Universidade de Columbia nos EUA (2006).
Fernando S. Marcato - Professor da FGV DIREITO SP. Mestre em Direito
Público Comparado pela Universidade Paris I, Panthéon-Sorbonne. Foi advogado
associado de grandes bancas de advocacia nacional e internacional. Foi Secretário
Executivo de Novos Negócios da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São
Paulo – SABESP.
Andréa Zaitune Curi – Doutora em Economia pela Escola de Economia da
Fundação Getúlio Vargas-SP. Mestre em economia pelo Instituto de Pesquisas
Econômicas da FEA/USP. Especialista na área de pesquisa econômica, com ênfase em
métodos e modelos matemáticos, econométricos e estatísticos, atuando principalmente
nas áreas de inteligência de mercado, estimação e projeção de demanda, regulação e
defesa da concorrência.
Mariana Orsini Machado de Sousa – Doutoranda em Economia pelo Insper.
Mestre em Economia pelo Instituto de Pesquisas Econômicas da Faculdade de Economia
e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Bacharel em economia pela
Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo/USP. Assessora
Econômica da Presidência da Sabesp em 2010-2011.
Este trabalho contou, ainda, com a participação do escritório Machado Meyer
Advogados, que contribuiu na elaboração e revisão de questões legais constantes das
análises. O Machado Meyer atuou por meio de seus sócios:
Mauro Bardawil Penteado – Mestre pela Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo e pela University of Virginia School of Law (LL.M.). É advogado com
ampla experiência em operações financeiras e societárias no setor ferroviário, entre outros
2
setores regulados, bem como na regulação setorial de ferrovias e transportes e logística
em geral.
Rafael Vanzella – Professor do Programa de Educação Executiva da Escola de
Direito da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, e Doutor em Direito pela Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo, tendo atendido a programas de pesquisa em
instituições universitárias estrangeiras. É advogado com vasta experiência na consultoria
regulatória e contratual no setor ferroviário e de transportes e logística em geral. Participa
ativamente da elaboração de estudos setoriais e de políticas públicas, bem como da
estruturação de projetos e negócios de infraestrutura.
3
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 5
2 PANORAMA DO SETOR FERROVIÁRIO E AVALIAÇÃO DO MODELO HORIZONTAL
(OPEN ACCESS) ....................................................................................................................................... 8
2.1 PANORAMA E EVOLUÇÃO ATUAL DA MALHA FERROVIÁRIA BRASILEIRA ......................................... 8
2.2 AMPLIAÇÃO DA CAPACIDADE FERROVIÁRIA E PLANO DE SEPARAÇÃO VERTICAL .......................... 12
3 PRORROGAÇÃO ANTECIPADA COMO MELHOR ALTERNATIVA DISPONÍVEL .......... 25
3.1 PRORROGAÇÃO SIMPLES ............................................................................................................... 26
3.2 PRORROGAÇÃO POR REEQUILÍBRIO ECONÔMICO FINANCEIRO ...................................................... 28
3.3 PRORROGAÇÃO ANTECIPADA ........................................................................................................ 30
3.4 NOVA LICITAÇÃO .......................................................................................................................... 31
4 BENEFÍCIOS DA PRORROGAÇÃO ANTECIPADA ................................................................... 36
4.1 BENEFÍCIOS SOCIOECONÔMICOS ................................................................................................... 36
4.2 EFEITOS MACROECONÔMICOS ...................................................................................................... 41
5 CONCLUSÕES ................................................................................................................................... 49
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................................... 54
ANEXO METODOLÓGICO: TAXA SOCIAL DE DESCONTO ...................................................... 56
4
SUMÁRIO DE QUADROS
QUADRO 1: CONCESSÕES FERROVIÁRIAS NO BRASIL POR CONCESSIONÁRIA ..................... 8
QUADRO 2: PRODUÇÃO DE TRANSPORTE FERROVIÁRIO, POR SUBGRUPO DE MERCADORIA
(MILHARES DE TU*) ......................................................................................................... 9
QUADRO 3: EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE ACIDENTES NAS FERROVIAS BRASILEIRAS ......... 10
QUADRO 4: EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE ACIDENTES PROPORCIONALMENTE AOS
QUILÔMETROS RODADOS ................................................................................................. 10
QUADRO 5: EVOLUÇÃO DOS INVESTIMENTOS .................................................................. 11
QUADRO 6: ESTRUTURA ABERTURA DE PROCESSO DE LICITAÇÃO .................................... 34
QUADRO 6: ESTRUTURA BÁSICA DE UMA MATRIZ INSUMO-PRODUTO ............................. 42
QUADRO 7: EXEMPLIFICAÇÃO DOS EFEITOS DE UM AUMENTO DE DEMANDA NO SETOR DE
FERROVIAS NA CADEIA NACIONAL ................................................................................... 43
QUADRO 8: ESQUEMA DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO PROVENIENTE DE UM CHOQUE SOBRE UM
DADO SETOR DA ECONOMIA ............................................................................................. 44
QUADRO 9: INVESTIMENTOS PREVISTOS CONDICIONADOS À PRORROGAÇÃO ANTECIPADA
(VALORES DE REFERÊNCIA DE MERCADO) ........................................................................ 46
QUADRO 10: EFEITOS DOS INVESTIMENTOS PREVISTOS ENTRE 2017-2027 CONDICIONADOS
À PRORROGAÇÃO ANTECIPADA ........................................................................................ 48
5
1 INTRODUÇÃO
A construção e a operação de ferrovias, como os demais serviços públicos em
rede, envolvem altos custos e exigem expertise e know-how acumulados1. Além disso, as
redes ferroviárias têm características de monopólio natural, pois não se justifica
economicamente a competição entre duas linhas férreas. A competição, quando ocorre,
se dá “intrarede”, mais precisamente entre prestadores de serviços de transporte que
venham a utilizar uma mesma rede ferroviária. Além disso, a competição mais frequente
é a intermodal, por exemplo ferrovias e rodovias, ou hidrovias e ferrovias.
Não obstante a possibilidade de competição intermodal, é importante ressaltar
que a partir de determinadas distâncias e do volume de carga transportada, a ferrovia
passa a ser a opção mais vantajosa, do ponto de vista do custo logístico, se comparada
com o modo rodoviário, por exemplo. A estrutura logística ótima de um país depende,
portanto, do modo ferroviário, que para determinadas situações é a melhor e mais
eficiente alternativa para o transporte de carga e de passageiros.
Porém, a participação ferroviária na matriz de transportes brasileira é ainda
bastante tímida e largamente superada pelo modo rodoviário. Os pacotes para o setor de
transportes, divulgados pelo Governo Federal desde 2007, confirmam a necessidade de
grandes investimentos e as carências do setor2.
A exemplo de outros setores da infraestrutura nacional (como o de
telecomunicações e de energia), o setor ferroviário também passou por um processo de
1 SUSSMAN (2000).
2 Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007 e 2011, e Plano e Investimento em
Logística (PIL) em 2012 e 2015. Todos continham grandes investimentos em ferrovias.
6
desestatização e atração da iniciativa privada. Diferentemente, porém, desses outros
setores, o setor ferroviário não se desenvolveu de maneira tão eficiente. Um dos motivos
que justificam esse déficit de investimento e abrangência dos serviços são os modelos
regulatórios adotados que até o momento não se mostraram suficientes para fomentar
todos os investimentos necessários para superar as carências do setor, nem tampouco
incentivar uma maior competitividade entre prestadores.
O setor de ferrovias tem passado por uma série de mudanças institucionais, mais
fortemente a partir de 2011. Duas mudanças propostas pelo governo federal, uma em
2012 e outra mais recente, de certa forma antagônicas, merecem destaque. Em 2012, o
governo lançou o plano de investimentos que previa a separação vertical das operações
de infraestrutura e de serviço de transporte ferroviário nas novas concessões, na tentativa
de promover a concorrência “intrarede” nos serviços ferroviários. A partir de 2015, o
governo volta atrás nesse modelo, retomando a ideia de concessões verticalmente
integradas nas ferrovias e, indo mais além, propõe que as atuais concessionárias tenham
seus contratos prorrogados para que façam investimentos em ampliação de capacidade,
tão necessários à movimentação de mercadorias, em especial para exportação.
Ambas as propostas sofreram críticas. A de separação vertical foi criticada, à
época, por elevar os custos de transação e pela falta de garantias quanto a capacidade de
pagamento da VALEC, empresa pública que ficaria responsável por comprar a
capacidade dos operadores de infraestrutura. Já o retorno ao modelo vertical e
prorrogação das atuais concessões foi criticada pelo engessamento do mercado ferroviário
nos mesmos players de sempre, sem a possibilidade de promover a concorrência tão
almejada no modelo proposto anteriormente. Ambas sofreram com críticas sobre a falta
de transparência e debate com a sociedade, agravada pela guinada ocorrida a partir de
2015 sem serem apresentadas justificativas.
O presente estudo visa esclarecer as principais vantagens e desvantagens de cada
modelo e a adequabilidade da estratégia política recentemente adotada, que prevê a
prorrogação antecipada dos contratos com as atuais concessionárias de ferrovias para a
realização de novos investimentos na malha ferroviária. Para isso, discute-se na próxima
7
seção a inviabilidade de se adotar o modelo de separação vertical das operações de
infraestrutura e de serviços de transporte ferroviário proposta em 2012, indicando que
manter o modelo regulatório atual é a melhor forma de viabilizar os investimentos em
ampliação de capacidade e redução de conflitos urbanos das ferrovias brasileiras.
Na seção 3, discute-se, em maior detalhe, as opções regulatórias, mantendo o
modelo geral de operação verticalmente integrada, que existem para se viabilizar a
realização dos investimentos necessários à malha ferroviária do Brasil. Na seção seguinte,
são estimados os principais impactos socioeconômicos e macroeconômicos dos
investimentos previstos, indicando a premência de sua realização tão logo quanto
possível. A última seção conclui as análises, reforçando a necessidade de realização dos
investimentos e da adoção da prorrogação antecipada dos atuais contratos de concessão
como melhor meio para, além de viabilizar os investimentos, modernizar os contratos e
fomentar a concorrência na prestação dos serviços de transporte ferroviário de cargas.
Este estudo foi elaborado a partir da utilização de dados públicos e de entrevistas
com a Associação Nacional de Transportes Ferroviários, integrantes do Governo Federal
e especialistas no tema. Além disso, foi utilizado material encontrado no Tribunal de
Contas da União, ANTT, Ministério dos Transportes, entre outras fontes públicas.
8
2 PANORAMA DO SETOR FERROVIÁRIO E
AVALIAÇÃO DO MODELO HORIZONTAL (OPEN
ACCESS)
Esta seção traz o panorama histórico do setor ferroviário brasileiro, apresentando
as melhorias dos indicadores após as privatizações e discute o modelo atual de concessão,
bem como o chamado modelo horizontal, avaliando sua aplicabilidade ao país.
2.1 Panorama e evolução atual da malha ferroviária brasileira
Hoje, a malha ferroviária brasileira conta com mais de 33.441 km de ferrovias,
sendo 24.894 km com bitola de 1,00 metro (Quadro 1). Destaca-se que mais de 80% do
volume transportado por ferrovias no Brasil são carvão mineral e minério de ferro
(Quadro 2).
QUADRO 1: CONCESSÕES FERROVIÁRIAS NO BRASIL POR
CONCESSIONÁRIA Ferrovia Larga Métrica Mista * Total
Estrada de Ferro Carajás 978
978
Estrada de Ferro Paraná Oeste
248
248
Estrada de Ferro Vitória Minas
873 22 895
Ferrovia Centro Atlântica 3 7.089 131 7.223
Ferrovia Norte Sul - Tramo Central 856
856
Ferrovia Norte Sul - Tramo Norte 745
745
Ferrovia Tereza Cristina
163
163
Ferrovia Transnordestina - FTL
4.275 20 4.295
MRS 1.613
73 1.686
Rumo Malha Norte 735
735
Rumo Malha Oeste
1.973
1.973
Rumo Malha Paulista 1.544 242 269 2.055
Rumo Malha Sul
7.223
7.223
Total 6.474 22.086 515 29.075
Fonte: Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), 2017. Nota: (*) Bitola mista
tem dimensão 1,00/1,60m.
9
QUADRO 2: PRODUÇÃO DE TRANSPORTE FERROVIÁRIO, POR SUBGRUPO
DE MERCADORIA (MILHARES DE TU*)
Fonte: ANTT. Elaboração e análise: própria. Nota: (*) Tonelada Útil transportada (TU).
Além de seu crescimento em extensão, a malha ferroviária brasileira vem
mostrando melhorias de segurança. É possível observar no Quadro 3 que a malha tem se
tornado cada vez mais segura, com redução do número de acidentes. Nos últimos dez
anos os acidentes diminuíram 61%. Além disso, a incidência de furtos e roubos no modo
10
ferroviário é menor do que no rodoviário. Proporcionalmente ao número de trens e de
quilômetros rodados, a redução foi de 53% (Quadro 4).
QUADRO 3: EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE ACIDENTES NAS
FERROVIAS BRASILEIRAS
Fontes: SAFF e ANTT. Elaboração e análise: própria. Nota: (*) O número de
acidentes por milhões de trem.km considerou valores até ago/2016.
QUADRO 4: EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE ACIDENTES
PROPORCIONALMENTE AOS QUILÔMETROS RODADOS
Fontes: SAFF e ANTT. Elaboração e análise: própria. Nota: (*) O número de
acidentes por milhões de trem.km considerou valores até ago/2016
1.596
1.068 1.070983
1.1361.026
955869 831
935
623
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Nº total de acidentes
0
5
10
15
20
25
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016*
Índice de acidentes (acidentes por milhões trem.km)
11
Além disso, nos últimos anos, houve aumento significativo dos investimentos
em transporte ferroviário, principalmente por parte das Concessionárias (Quadro 5). A
abertura dos investimentos mostra ainda que os principais investimentos privados são
com infraestrutura, vagões e superestrutura.
QUADRO 5: EVOLUÇÃO DOS INVESTIMENTOS
Fonte: ANTT, CNT e Siga Brasil. Elaboração e análise: próprias. Notas: (*)
Valores até ago/2016, (**) Vagões, locomotiva, outros veículos e equipamentos
e carros de passageiros, (***) Meio ambiente, edificações, informatização e
outros.
Apesar do desenvolvimento das ferrovias brasileiras, a participação do modo
ferroviário na matriz de transportes do país ainda é muito baixa (15% em 2015, de acordo
com a Empresa de Planejamento e Logística - EPL3). Além disso, a malha ferroviária
brasileira é menos densa que de outros países de dimensão continental, além dos trens
serem mais lentos.
Casos em que as ferrovias obtiveram sucesso no mundo envolveram aumento da
competição e ampliação dos serviços de logística ferroviária. Nos EUA, por exemplo, o
setor era muito regulado (inclusive com controle de preços) e a malha era extensa e pouco
3 Transporte inter-regional de carga no Brasil - Panorama 2015. Disponível em
http://www.epl.gov.br/transporte-inter-regional-de-carga-no-brasil-panorama-2015
0,33 0,51 0,92 0,99
2,55
1,561,08
2,302,68
1,70
1,00
1,792,02
3,36
1,90
3,23
4,934,88
5,31
6,086,50
3,64
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016*
Público Privado
R$54,63 bilhões entre 2006-15
12
produtiva. Em 1980, a competição se tornou livre, podendo-se abandonar vias pouco
atraentes e definir preços de frete. Com isso, os investimentos e produtividade cresceram
significativamente e os preços caíram.
2.2 Ampliação da capacidade ferroviária e plano de separação
vertical
Em 2012, o governo federal lançou um ambicioso plano de concessões
ferroviárias, o Plano de Investimentos em Logística (“PIL”), que continha projetos de
construção de novas linhas e de ampliação da capacidade de trechos existentes,
envolvendo cerca de 10 mil km. Foi adotado o modelo de separação vertical4, em que o
concessionário iria construir as novas linhas e vender o direito de passagem por elas. Ele
não operaria trens diretamente, mas seria o Gestor de Infraestrutura Ferroviária (“GIF”).
Para que não ficasse exposto ao risco de demanda, toda a capacidade construída seria
comprada pela VALEC, que então revenderia essa capacidade em pequenos lotes aos
Operadores Ferroviários Independentes (“OFIs”) interessados.
Segundo Pompermayer et al. (2012), o modelo proposto teria a vantagem de
promover a concorrência na prestação do serviço de transporte ferroviário e no mercado
dos usuários da ferrovia e evitar a possibilidade de discriminação dos usuários pelo
prestador do serviço. Mas também haveria algumas desvantagens. Tal modelo dificulta a
otimização operacional da malha ferroviária e dos ativos associados ao serviço de
transporte (locomotivas, vagões e terminais). Também exige contratos e procedimentos
operacionais mais rígidos e complexos. Isso aumentaria o custo do serviço em
comparação ao modelo integrado verticalmente. Conforme os autores, esperava-se que a
redução dos fretes cobrados, em razão da maior concorrência entre operadores
ferroviários, mais que compensasse o aumento de custos pela operação não integrada.
4 Para o qual não foi realizada uma análise de impacto regulatório (AIR).
13
Pinheiro (2014) também chamou atenção para o provável aumento de custos em
uma operação desverticalizada, em especial devido ao aumento do desgaste dos trilhos
em função de diferentes tipos de vagões usados pelos operadores independentes, que não
teriam a preocupação de minimizar os custos totais da operação, apenas os da operação
dos trens. Segundo o autor, o Reino Unido teria sido um dos principais motivos para a
falha do modelo adotado na década de 1990 para o sistema de trens de passageiros, além
dos custos por atrasos serem imputados ao operador da infraestrutura. O autor argumenta
que:
“Como é virtualmente impossível desenhar e garantir a
execução de um contrato com suficientes salvaguardas para impedir
ou compensar todas essas internalidades, na prática faz mais sentido
a opção pela verticalização, arranjo institucional em que as
internalidades não estão presentes e por isso oferece a melhor solução
do ponto de vista da eficiência e da promoção do investimento no caso
das ferrovias. Assim, não surpreende que o modelo verticalmente
integrado de infraestrutura–transporte seja amplamente favorecido
internacionalmente.
Um exemplo desse tipo de resultado – internalidades e
Tragédia dos Comuns – é o ocorrido no setor ferroviário do Reino
Unido após se separar a gestão da infraestrutura do transporte de carga
e passageiros. Os operadores dos trens tendiam a utilizar um grande
número de trens, na medida em que seus lucros não eram afetados,
pelo menos diretamente, pelos danos causados às vias e era a
operadora dos trilhos quem deveria pagar compensações por atrasos.
Com dezenas de operadores de trens em atividade, era do interesse de
cada um deles agir dessa maneira, dado que os demais assim agiam.
O gestor da infraestrutura, por outro lado, não tinha incentivo para
investir, uma vez que as obras provocavam atrasos e multas e a sua
remuneração não era proporcional à qualidade das vias, até porque
esta não dependia apenas do que a gestora fazia, mas também da
forma de operar dos transportadores. Como se sabe, o fracasso desse
14
modelo levou ao seu abandono em 2001, menos de dez anos após o
início das mudanças regulatórias.”
Apesar disso, o sistema de trens de passageiros do Reino Unido opera atualmente
no modelo desverticalizado, revisado após o insucesso inicial, com uma empresa estatal
assumindo a operação da infraestrutura e uma série de padronizações para reduzir os
conflitos de interesse entre operadores de trens entre si e com o gestor das linhas. Em
outros países algum modelo de separação vertical também foi aplicado, como: na
Alemanha, majoritariamente de transporte de passageiros; na Austrália, nos subsistemas
mais voltados para o transporte de cargas industrializadas; e nos EUA, que também conta
com boa parte de cargas industrializadas transportadas nas ferrovias.
A separação vertical, com ou sem privatização, foi amplamente difundida na
Europa e na Austrália. Na Europa, o modelo predominante foi o das empresas estatais
verticalmente integradas. Nos anos 1980, a separação vertical materializou o desejo
europeu de aumentar a eficiência das estatais e torná-las financeiramente independentes5.
O caso de referência de separação vertical combinada com privatização foi o da
Grã-Bretanha. O modelo adotado foi o de separação vertical com introdução de alto grau
de competição. O modelo, porém, teve que ser alterado, pois a administradora da malha,
que era inicialmente privada, veio a falir em 2001, passando a ser uma entidade pública
sem fins lucrativos. A antiga companhia, chamada Railtrack, operava como monopolista,
mas era regulada pelo Estado. A Railtrack era responsável pela coordenação do horário
de operação dos trens, bem como pela manutenção e segurança das malhas. Até a falência
da Railtrack, os contratos da administradora com terceiros, tal como empresas de
5 GÓMEZ-IBÁÑEZ (2006).
15
engenharia que prestavam serviços de manutenção, não eram regulados6. Apesar do caso
britânico ser uma referência na privatização com separação vertical, a falência do gestor
de sua malha passou a desencorajar outros países a privatizarem a gestão da malha
ferroviária7.
A Suécia, por sua vez, manteve a administradora da malha nas mãos do Estado8.
A França também promoveu a separação vertical, mas manteve todas as companhias sob
o controle Estatal, sem qualquer forma de competição9. O modelo francês figura como o
principal exemplo de separação vertical pública, também adotado por outros países, como
a Finlândia.
Seguindo o mesmo movimento, as diretivas da União Europeia passaram a
incentivar e promover a separação vertical. As primeiras diretivas visavam garantir acesso
livre e preços não-discriminatórios10. Ainda assim, a regulação europeia deixou grande
espaço para a escolha de vários modelos. As normas europeias não exigiam nem a
privatização nem a separação completa. Diversos mecanismos de separação vertical
foram admitidos, até mesmo a simples introdução de um chinese wall11. Passou a ser
possível, portanto, manter a companhia integrada, como foi o caso alemão, promovendo
6 GÓMEZ-IBÁÑEZ, op. cit. p. 42.
7 DURÇO, op. cit. p. 75
8 GÓMEZ-IBÁÑEZ, op. cit. p. 45
9 SCHAPIRO op. cit. p. 32.
10SCHAPIRO op. cit. p. 28-29
11 SCHAPIRO op. cit. p. 183
16
apenas a separação intragrupo, através da criação de subsidiárias diferentes para
infraestrutura e operação.
Não é possível, portanto, afirmar, com base na análise da experiência
internacional realizada até aqui, que o modelo de separação vertical seja melhor ou pior
que o modelo de integração vertical, nem tampouco que há um único modelo para
promover essa separação. Porém, em que pese os benefícios concorrenciais que a
separação vertical pode trazer, esta é mais difícil de ser implementada do que em geral se
supõe. A separação vertical precisa conviver com o risco de um surgimento modesto de
novos operadores, pois esses dependem de uma indústria de material rodante
desenvolvida, tendo ainda que cumprir com padrões técnicos, por vezes, de exigência
elevada.
Nesse particular, seria desejável que, ao promover a separação vertical, o
governo incentivasse o desenvolvimento da indústria de material rodante através de uma
política industrial consistente. Desverticalizar sem reduzir as barreiras à entrada de novos
operadores e usuários pode mitigar a possibilidade de aumento da concorrência e o
surgimento de oligopólios no lado da operação da malha.
Na maioria desses países, o modelo desverticalizado foi imposto por regulação
governamental. A exceção são os EUA, onde após a desregulamentação do setor houve
uma restruturação, com a consolidação de corredores centrais e linhas alimentadoras e a
especialização das empresas nas diversas etapas da operação ferroviária. Com isso,
apareceram não apenas os operadores independentes de trens, como empresas que
arrendavam locomotivas e vagões, assim como prestadores de serviço de manutenção dos
ativos.
Mas o caso americano é um tanto distinto dos demais. Até a década de 1970 as
companhias ferroviárias eram fortemente reguladas, com controle de preços e
obrigatoriedade de prestação de serviços. Mas, com a mudança das economias regionais
e, consequentemente, do fluxo de mercadorias, diversos trechos ficaram ociosos, com a
competição do transporte rodoviário, mais rápido e flexível em muitos casos, se acirrando.
17
Isso provocou a ociosidade de diversos trechos, numa malha já bastante extensa e, em
alguns corredores, com mais de uma rota ferroviária disponível. A desregulamentação do
setor era uma necessidade para se evitar a falência de diversas empresas. E, como havia
poucos casos em que essas empresas poderiam abusar do seu poder de monopólio, pela
grande capacidade de tráfego disponível na rede, a regulação de monopólio natural não
era tão necessária. A desverticalização foi uma opção dos operadores, que passaram a se
especializar em suas respectivas operações.
Ao analisar os casos de sucesso de implantação do modelo de separação vertical
nas ferrovias, observa-se a presença de pelo menos uma das seguintes características:
a) Serviço já bastante padronizado e com grades de horários rígidas,
como no transporte de passageiros ou de contêineres (com cargas
industrializadas); e
b) Infraestrutura ferroviária com capacidade ociosa, isto é, linhas férreas
com disponibilidade para permitir maior número de trens circulando,
assim como pátios de recomposição e terminais.
Como o modelo desverticalizado reduz a flexibilidade operacional, ao exigir
regras de horário e de especificações técnicas para os trens circularem na malha, há uma
redução da capacidade operacional de tráfego nas linhas férreas. Com horários rígidos
para os trens entrarem e saírem da linha, perde-se a oportunidade de otimizações pontuais
da capacidade da linha. Mais impactante é que, para evitar que o atraso eventual de um
trem provoque um efeito em cascata na grade de trens seguintes, as janelas de circulação
alocadas a cada trem são mais longas que o que poderia ser adotado em um modelo
verticalmente integrado.
Em operações de passageiros, as grades horárias já são razoavelmente rígidas,
com janelas de circulação com folga para acomodar os eventuais atrasos sem impactar os
trens posteriores. A implantação de um modelo desverticalizado nessas condições não
traria grandes impactos de custo e de perda de capacidade de malha. Em operações de
trens de contêineres, as grades horárias também são rígidas, ainda que em menor grau que
18
as de passageiros, o que permite a separação vertical sem grandes impactos no que se
refere à grade de trens.
Já na operação de cargas a granel, de menor valor agregado e usualmente
maiores estoques nos terminais e pontos de transbordo, a rigidez da grade horária não é
importante. A desverticalização provocaria redução da capacidade de tráfego das linhas
férreas. Não por acaso, nos EUA, em que há importante participação de cargas a granel
na ferrovia, a desverticalização só foi possível devido à enorme capacidade de tráfego
não utilizada do sistema. Em muitas rotas, há mais de uma linha férrea disponível para os
embarcadores de carga. Não se observa operações desverticalizadas em sistemas
ferroviários com alta utilização da capacidade de tráfego, como os de minério de ferro na
Austrália, o Indiano e o Chinês.12
O sistema ferroviário brasileiro atende, em quase sua totalidade, cargas a granel
de baixo valor agregado, conforme dados da subseção anterior. Dos cerca de 30 mil km
de extensão, um terço sequer está em operação por absoluta falta de interesse dos
embarcadores de carga; um terço opera com alguma capacidade ociosa, mas com baixa
competitividade frente ao modo rodoviário, pelo alto custo operacional da operação
ferroviária em linhas construídas em meados do século passado (ou mesmo antes); e um
terço opera no limite da capacidade de tráfego. Nesse último grupo estão os principais
corredores ferroviários de exportação. Em alguns portos, o volume de produtos agrícolas
exportados é mais que o dobro do que chega a eles pela ferrovia. O restante acaba
chegando por rodovia, reconhecidamente menos eficiente para o transporte desse tipo de
produto a longas distâncias.
12 Na China, um dos motivos para o governo promover a construção de trens de alta velocidade
foi liberar capacidade de tráfego nas linhas férreas tradicionais para os trens de carga, então sobrecarregadas
com a demanda por transporte de passageiros.
19
A conclusão que se chega é que o sistema ferroviário brasileiro parece não
reunir, no atual conceito, as condições necessárias para ser interessante implantar o
modelo de separação vertical. Nos trechos em que há capacidade ociosa e que se poderia
adotar uma grade de trens rígida, não há demanda de embarcadores de carga, pois o custo
total de transporte considerando frete, tempo de viagem, segurança e flexibilidade, da
ferrovia seria superior ao da rodovia. Além disso, a regulação atual já permite que
operadores ferroviários independentes operem nos trechos com capacidade ociosa das
concessões existentes, e, até então, não houve qualquer interesse por tais trechos ociosos.
Adicionalmente, a indústria de material rodante é incipiente, que poderia alugar as
locomotivas e vagões necessários.
Nos trechos em que há demanda reprimida por transporte ferroviário, a
implantação do modelo desverticalizado reduziria a capacidade de tráfego de trens,
reduzindo o volume transportado. Assim, antes de se desverticalizar a operação, seria
necessário ampliar a capacidade desses trechos. E, foi isso o planejado em 2012 pelo
governo federal, em que diversos trechos das concessões existentes deveriam ser
devolvidos para serem relicitados no novo modelo, em que o novo operador de
infraestrutura faria os investimentos em ampliação de capacidade.
Pela legislação brasileira, para se encampar um contrato de concessão, isto é, o
governo reassumir os serviços objetos da concessão, assim como os ativos envolvidos,
sem o consentimento do concessionário, é necessário que seja comprovado claro
benefício ao interesse público. Além disso, é necessário indenizar o concessionário pelos
investimentos realizados e não depreciados e amortizados. A encampação levaria,
provavelmente, os concessionários a entrarem na justiça contra o processo de
encampação. Mesmo que aceito, seria bastante provável que se arrastasse por anos, em
especial devido à definição do valor de indenização. Por tal razão, o governo optou por
negociar a devolução dos trechos incluídos no PIL 2012, mas as negociações pouco
evoluíram até 2015, quando o governo lançou um novo plano.
Mesmo que fossem bem-sucedidas essas negociações, a disparidade entre a
demanda e oferta por transporte de carga nos acessos aos principais portos de exportação
20
de grãos (Santos, Paranaguá e Rio Grande) indica que o modelo de separação vertical
ainda não seria adequado. Com base nos projetos de engenharia para expansão de
capacidade de alguns desses trechos (projetos então pouco desenvolvidos em 2012),
observa-se que o custo das obras não se justifica para ir além de determinados patamares.
Conforme a Consulta Pública nº 010/2016, promovida pela Agência Nacional de
Transportes Terrestres (ANTT), a linha tronco da ALL-MP deverá ter sua capacidade
expandida para que o volume de cargas movimentada salte de pouco mais de 30 milhões
de toneladas ao ano para mais de 70 milhões de toneladas ao ano. Porém, pelos estudos
de demanda, ainda haveria mais cargas a serem transportadas por essa ferrovia, mas os
investimentos necessários a atender esse volume adicional não se mostram viáveis
economicamente. Ou seja, mesmo com os investimentos previstos, ainda não haveria
capacidade ociosa para ser interessante implantar o modelo de operação desverticalizada.
Nas demais linhas de acesso aos portos, a viabilidade econômica da ampliação de
capacidade deve ser parecida, não sendo possível atender toda a demanda. A saída para
isso é construir novas linhas férreas e mesmo novos corredores de exportação, como os
planejados em direção ao norte do país. Mas, novamente, deve-se avaliar a viabilidade
econômica de tais investimentos em virtude dos custos e riscos envolvidos em projetos
green-field.
Outro ponto negativo do modelo de separação vertical da operação ferroviária é
quanto ao custo fiscal que impõe ao governo, em comparação ao modelo adotado nos
anos 1990. O GIF, que operaria apenas vendendo capacidade de tráfego aos OFIs, teria
menos conhecimento sobre a demanda por transporte ferroviário, por não ter contato com
os embarcadores de carga. Os OFIs teriam esse contato. E, por existirem vários OFIs,
dificilmente eles teriam um mapeamento da demanda agregada como os concessionários
atuais têm, ficando cada OFI com seu nicho de mercado. Sem a possibilidade de ter bom
conhecimento da demanda, os potenciais investidores nas novas concessões, como GIF,
enxergariam elevado risco de demanda, pelo menos em comparação a uma concessão no
modelo vertical.
21
Para remediar essa maior exposição ao risco de demanda que o GIF estaria
sujeito, o governo federal propôs, em 2012, assumir esse risco, com a VALEC (empresa
estatal construtora de ferrovias) comprando toda a capacidade disponibilizada pelo GIF.
A VALEC então revenderia as parcelas de capacidade a cada OFI interessado. O governo
teria de arcar com os eventuais custos de descasamento entre a capacidade comprada e a
efetivamente vendida pela VALEC, além dos custos administrativos dessas
comercializações.
Para complicar a situação, no PIL 2012 haviam trechos a serem devolvidos e
reconstruídos, com a reconhecida baixa demanda por transporte. Mesmo que se
transferisse a totalidade das cargas rodoviárias no mesmo corredor para a ferrovia, ainda
seria em volume insuficiente para justificar o investimento em uma nova linha férrea. Isso
agravaria o descasamento entre a capacidade que a VALEC iria comprar e conseguir
vender. Adicionalmente, não foram críveis, aos potenciais investidores, as garantias
apresentadas pelo governo para que a VALEC tivesse capacidade financeira para honrar
os pagamentos das compras de capacidade dos GIFs.
Questão crucial nas concessões administrativas diz respeito às garantias de
pagamento da contraprestação devida ao parceiro privado. Diferente de uma concessão
comum (regida pela Lei 8.987/95 e cuja remuneração do privado advém exclusivamente
de tarifas cobradas dos usuários) ou mesmo de uma concessão patrocinada (onde a
remuneração do parceiro privado é composta de pagamento de tarifas e contraprestação
pública), na concessão administrativa a remuneração do parceiro privado é
exclusivamente pública. Apesar de a VALEC ser uma empresa pública dependente de
recursos fiscais, o governo adotou o modelo de concessão simples para o PIL 2012, pois
os projetos seriam remunerados exclusivamente pelo pagamento de tarifas (ainda que
majoritariamente pagas pela VALEC).
A VALEC, por ser empresa estatal, está sujeita ao regime de direito privado e,
consequentemente, qualquer execução contra ela não se sujeitará ao mecanismo de
22
precatórios, previsto no artigo 100 da Constituição Federal13, o que certamente torna mais
célere o procedimento de execução em caso de não pagamento da contraprestação.
Ademais, o fato de que a VALEC seria a centralizadora das receitas arrecadadas
junto aos operadores ferroviários e usuários da malha, asseguraria um montante de
recebíveis que poderiam ser alienados fiduciariamente em garantia aos parceiros privados
que iriam construir e operar a malha.
Entretanto, se esses valores não fossem suficientes para garantir os pagamentos
da contraprestação ou mesmo gerar receitas para que a VALEC possa honrar seus
compromissos de pagamento junto aos parceiros privados, certamente seria preciso uma
garantia por parte da União para oferecer segurança à esses parceiros privados e aos
bancos que os financiassem.
Mesmo que o PIL 2012 tivesse se concentrado nos trechos em que a demanda
justificasse o investimento em novas ferrovias, haveria elevado custo fiscal. Uma vez
construída uma linha férrea, sua capacidade nominal é disponibilizada imediatamente.
Mas a demanda por transporte ferroviário tem caráter crescente, acompanhando o próprio
crescimento econômico da região. Assim, projetos de novas ferrovias consideram a
demanda potencial de 10, 20 ou até 30 anos à frente. Com isso, nos primeiros anos da
concessão das novas linhas, a capacidade disponibilizada pelos GIFs seria
consideravelmente superior à demanda por transporte ferroviário, provocando alto déficit
na operação da VALEC.
13 Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e
Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de
apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de
pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
23
Já no modelo de operação verticalmente integrada, o governo não precisa se
preocupar com o risco de demanda, pois o concessionário teria boa capacidade de
gerenciar esse risco, por estar em contato direto com os embarcadores de toda a área de
influência da ferrovia. O concessionário também assumiria o custo de operar em níveis
baixos de utilização da capacidade nos primeiros anos da concessão, pois tem a
perspectiva de ser recompensado nos anos futuros. Coincidentemente ou não, em 2015,
com o agravamento da situação fiscal brasileira, o governo lançou novo plano de
investimentos em ferrovias em que o modelo vertical foi retomado.
Assim, considerando:
a) que o sistema ferroviário brasileiro não reúne as características
encontradas em países cujo modelo de separação vertical foi
implantado com sucesso em suas ferrovias – serviços de trens
padronizados e com grandes horários rígidas, e capacidade ociosa
nas linhas férreas; e
b) que o custo fiscal para ampliação, em capacidade e em extensão, da
rede ferroviária brasileira no modelo desverticalizado seria
substancialmente maior que no tradicional;
Conclui-se que o modelo de separação vertical das operações de
infraestrutura e de serviços não seria, em princípio, o mais adequado para o sistema
ferroviário brasileiro.
Cabe ainda destacar que ele não foi formalmente avaliado, não houve análise de
impacto regulatório (AIR) que avaliasse tal modelo como o mais adequado para as
ferrovias brasileiras. Conforme o relatório de auditoria aprovado pelo Acórdão 1205/2015
– Plenário do TCU, no processo nº 019.059/2014-0:
“151. A escolha desse modelo de operação para os novos
contratos de concessões ferroviária não foi devidamente motivada
pelo Poder Executivo e carece de mais transparência e objetividade.
24
Não há registros de que a decisão tenha sido subsidiada por
estudos técnicos consistentes e bem fundamentados.
152. Ademais, apesar da alta materialidade dos
investimentos e do extenso período contratual previsto, não há
estimativas dos benefícios que serão gerados com a adoção do novo
modelo, bem como dos custos e subsídios necessários para sua
implantação e operação, ao contrário do recomendado pelas
referências consultadas.” (TCU, 2015, grifo nosso)
25
3 PRORROGAÇÃO ANTECIPADA COMO MELHOR
ALTERNATIVA DISPONÍVEL
A necessidade de ampliar a extensão e capacidade do sistema ferroviária
brasileiro é reconhecida. Para estender a malha, construindo novas linhas, especialmente
na direção das regiões Centro-Oeste e Norte do país, a licitação de novos contratos de
concessão é a opção mais evidente. Mas para ampliar a capacidade das linhas existentes
que estão sobre demandadas, como as de acesso aos portos, é necessário considerar os
atuais contratos de concessão, que permanecem vigentes por cerca de 10 anos ainda. A
mesma condição se aplica para a execução de investimentos de redução de conflitos
urbanos. Nem os investimentos em ampliação de capacidade nem os de redução de
conflitos urbanos estão previstos nos contratos de concessão atuais, isto é, os
concessionários não têm a obrigação de executá-los. E, tampouco há o interesse dos
concessionários em fazê-los, dado o prazo, até o término dos contratos atuais, insuficiente
para a recuperação dos investimentos, além dos riscos envolvidos.
Aguardar o término dos contratos para então relicitá-los, incluindo a obrigação
dos investimentos nos novos contratos, não é uma opção viável, pois significaria adiar
esses investimentos e todos os benefícios associados. Além disso, dado o maior
conhecimento que os concessionários atuais têm, e terão no momento da nova licitação,
sobre os custos e riscos dessas operações, é altamente provável que eles venham a ser os
ganhadores dos novos contratos.
Rescindir os contratos atuais para relicitá-los, o que permitiria incluir a
obrigação dos investimentos, é tampouco uma opção recomendável, dado o elevado risco
de judicialização que levaria a atrasos nas novas licitações e consequente atrasos na
captura dos benefícios associados aos investimentos. Como mencionado na seção
anterior, é altamente provável que os concessionários atuais contestem judicialmente a
encampação pelo poder concedente das atuais concessões, que, mesmo que seja acatada
pela justiça, tende a tomar bastante tempo nos processos de indenização. Em tais
condições, há ainda o risco de os potenciais licitantes perceberem alto risco nas novas
26
licitações e não entrarem ou no mínimo serem menos agressivos em seus lances,
provocando perdas à Administração Pública. Isso tornaria ainda mais provável que os
vencedores dessas novas licitações sejam os atuais concessionários. Não se deve
desprezar, ainda, os custos de transação associados à realização de uma nova licitação e
a demora para realizá-la.
Resta, então, adequar os atuais contratos para tornar viáveis esses investimentos.
Algumas opções para isso são: i) prorrogação simples; ii) prorrogação por reequilíbrio
econômico financeiro; e iii) prorrogação antecipada. As próximas subseções avaliam as
principais vantagens e desvantagens de cada uma delas. Expõe-se, ainda, alguns riscos
adicionais que a opção “nova licitação após o fim dos contratos atuais” traria, mesmo já
sendo evidente que isso adiaria os investimentos necessários nas malhas das concessões
ferroviárias atuais.
3.1 Prorrogação Simples
Em relação às concessões de serviço público, o art. 175, parágrafo único, inciso
I, da Constituição admite a prorrogação, nos termos fixados no respectivo contrato. Nesse
sentido, a Lei de Concessões previu expressamente que a prorrogação de contratos de
concessão é matéria contratual, de modo que as condições para a sua realização devem
ser obrigatoriamente estabelecidas no contrato de concessão, segundo art. 2314, inciso XII,
da Lei de Concessões e, há semelhante previsão no art. 34-A15, §2°, inciso I, da Lei n°
10.233/2001.
27
Além disso, a prorrogação contratual nas concessões de serviço público é um ato
jurídico bilateral. Nesse sentido, demanda manifestação de vontade e avaliação da
conveniência de sua manutenção de ambas as partes.
A prorrogação simples, também denominada de prorrogação para ampliação do
tempo do contrato, é aquela em que a data do término do contrato é transferida para
momento posterior, mantidas as demais características da relação jurídica. Portanto, na
prorrogação simples evita-se o advento do termo contratual e garante-se a permanência
do ajuste tal como originalmente contratado ou com alterações mínimas de conteúdo.
Nesta modalidade, descarta-se a possibilidade de repactuar o conteúdo
contratual. Em outras palavras, não há obrigatoriedade de novos investimentos e o
contrato permanece inalterado. Essa alternativa regulatória dificulta e inviabiliza a
fiscalização e regulação do Poder Concedente acerca dos níveis de investimentos,
uma vez que não está prevista expressamente a obrigação direta de investir pela
Concessionária, a qual por conseguinte poderá alegar que não está condicionada
contratualmente ao seu cumprimento. Ela apenas teria mais incentivos a fazer os
investimentos em ampliação de capacidade pela perspectiva de recuperar os
investimentos e ainda obter algum lucro com isso. Para os investimentos em redução
de conflitos urbanos, a situação atual pouco mudaria.
A única vantagem em se optar pela prorrogação simples seria a de ela consistir
em uma alternativa à nova licitação ao final do contrato atual e, nesse sentido, evitaria
dificuldades emergentes da indenização devida à Concessionária como decorrência das
parcelas não amortizadas ou depreciadas nos investimentos em bens reversíveis. Por
outro lado, não seria possível modernizar, desde logo, os Contratos, incorporando
os progressos regulatórios e tecnológicos verificados duas décadas após o momento
de sua celebração.
Em outras palavras, trata-se de uma alternativa que, em termos de impacto
regulatório, não se justifica, ante à ausência de vantagens efetivas em comparação
sobretudo à modalidade da prorrogação antecipada.
28
3.2 Prorrogação por Reequilíbrio Econômico Financeiro
A manutenção do equilíbrio econômico financeiro dos contratos administrativos
é garantia consagrada no ordenamento jurídico brasileiro. O art. 37, inciso XXI, da
Constituição garante aos particulares o direito à manutenção das "condições efetivas da
proposta" apresentada durante o processo licitatório. Neste sentido, fica claro o
comprometimento da Administração diante dessas condições. Ademais, os arts. 57, § 1°16,
e 58, §§ 1° e 2°17, da Lei de Licitações dispõem, respectivamente, sobre a prorrogação de
prazos contratuais e modificação unilateral do contrato pela Administração.
Destarte, garante-se o equilíbrio econômico financeiro para a prorrogação de
prazos contratuais nas seguintes hipóteses: (i) alteração do projeto ou especificações pela
Administração; (ii) superveniência de fato excepcional ou imprevisível estranho à
vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato;
(iii) interrupção da execução do contrato ou diminuição do ritmo de trabalho por ordem
e no interesse da Administração; (iv) aumento das quantidades inicialmente previstas no
contrato, nos limites permitidos por esta Lei; (v) impedimento de execução do contrato
por fato ou ato de terceiro reconhecido pela Administração em documento
contemporâneo à sua ocorrência; e (vi) omissão ou atraso de providências a cargo da
Administração, inclusive quanto aos pagamentos previstos de que resulte, diretamente,
impedimento ou retardamento na execução do contrato, sem prejuízo das sanções legais
aplicáveis aos responsáveis.
Ademais, o art. 65, inciso II, alínea “d” da Lei de Licitações regula a alteração
dos contratos administrativos e novamente estabelece a tutela ao equilíbrio econômico-
financeiro na hipótese de superveniência de "fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de
29
consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou
ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea
econômica extraordinária e extracontratual". Logo adiante, no §5° do mesmo art., prevê
a revisão dos preços contratados em caso de criação ou alteração de tributos ou outras
disposições legais que neles repercutam (fato do príncipe).
A recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato é ato
vinculado da Administração Pública. Por esse motivo, tão somente a decisão pelos
procedimentos e pelas formas de recomposição se encontra no campo de
discricionariedade, motivo pelo qual deve-se considerar todas as alternativas possíveis e
igualmente legítimas e, em seguida, pautar a escolha pela máxima efetividade do interesse
público.
A construção doutrinária aponta que a prorrogação por reequilíbrio econômico-
financeiro é alternativa jurídica recomendada para se prolongar a duração do contrato, de
modo que o concessionário possa obter ganho pecuniário suficiente para restabelecer o
equilíbrio econômico-financeiro previamente pactuado. Isto porque, tal equação é
formulada tendo como parâmetro um prazo previamente estipulado, o prazo de duração
do contrato, cláusula obrigatória do contrato, segundo art. 55, inciso IV, da Lei de
Licitações. Caso haja o desequilíbrio dessa equação, a prorrogação do prazo garante a
continuidade da fruição das vantagens legitimamente contratadas.
A prorrogação por reequilíbrio econômico-financeiro pode ser vantajosa para o
interesse público quando, por exemplo, evita o aumento de tarifas a serem pagas pelo
usuário do serviço público ou quando não implica no desembolso de valores pela
Administração Pública.
Por fim, cabe mencionar que tal espécie também não inaugura nova relação
jurídica, mas apenas adia o termo do contrato e não depende de qualquer autorização
legal, editalícia ou contratual. Nada obstante, a prorrogação por reequilíbrio deve estar
vinculada meramente à extensão de prazo para atender às finalidades públicas. Ou seja,
tal opção permite a inclusão de obrigatoriedade de investimentos nos contratos
30
atuais, seja para ampliação de capacidade como também de redução de conflitos
urbanos. Porém, como na prorrogação simples, não permitiria a modernização dos
Contratos, incorporando os progressos regulatórios e tecnológicos verificados duas
décadas após o momento de sua celebração.
3.3 Prorrogação Antecipada
Em 13 de setembro de 2016, foi publicada Lei n° 13.334/16, a qual converteu a
Medida Provisória n° 727/2016 e criou o PPI, ação do atual Governo Federal para o setor
de infraestrutura como um todo, cuja finalidade é ampliar e fortalecer as parcerias entre
o Estado e a iniciativa privada na estruturação de investimentos.
Alinhando-se a estas diretrizes de política pública, em 05 de junho de 2017,
houve a conversão da Medida Provisória n° 752/16 em Lei n° 13.448/17 para viabilizar a
incorporação de tecnologias, serviços e investimentos nos contratos de concessão, quando
for o caso, adaptando-os às melhores práticas regulatórias.
O art. 4°, inciso II, da Lei n° 13.448/17 define a prorrogação antecipada como
“alteração do prazo de vigência do contrato de parceria, quando expressamente
admitida a prorrogação contratual no respectivo edital ou no instrumento contratual
original, realizada a critério do órgão ou da entidade competente e de comum acordo
com o contratado, produzindo efeitos antes do término da vigência do ajuste”. Destaca-
se que o instituto da prorrogação antecipada incide sobre o contrato de parceria, categoria
legalmente positivada nessa lei.
O art. 6° da Lei n° 13.448/17 estabelece que a prorrogação antecipada ocorre por
meio da inclusão de investimentos não previstos no instrumento contratual vigente,
conforme o caso. Estão excluídos os contratos de parceria que, à época da solicitação da
prorrogação antecipada, encontrarem-se temporalmente antes da metade ou acima de
90% (noventa por cento) do decurso do prazo originalmente pactuado. Além disso, o
parceiro privado deverá atender, quanto à concessão ferroviária, às metas de produção e
de segurança.
31
A prorrogação antecipada será formalizada mediante termo aditivo ao contrato
de parceria, contendo o novo cronograma de investimentos e os mecanismos que
desestimulem eventuais inexecuções ou atrasos por parte dos parceiros privados, tais
como o desconto anual de reequilíbrio e o pagamento de outorga adicional.
Além das exigências gerais, as concessões ferroviárias ficam ainda sujeitas a
requisitos específicos estabelecidos no art. 9° da Lei n° 13.448/17, entre os quais se
destacam: (a) os investimentos em nível de aumento da capacidade instalada, quando
couber; (b) a melhoria dos parâmetros de qualidade dos serviços; e (c) a garantia de
capacidade de transporte a terceiros, mediante direito de passagem, tráfego mútuo e
exploração por operador ferroviário independente, sem prejuízo da remuneração da
concessionária pela capacidade contratada.
Ou seja, a prorrogação antecipada permite tanto a inclusão da
obrigatoriedade dos investimentos nos contratos de concessão quanto a atualização
das cláusulas contratuais, visando, principalmente, a melhoria da transparência de
informações e a promoção da concorrência na prestação dos serviços de transporte
ferroviário.
3.4 Nova Licitação
Conforme acima mencionado, esta seção tem como objetivo demonstrar os
custos de transação de realização de uma nova licitação, seja em um cenário de rescisão
antecipada dos contratos de concessão, seja na expiração dos contratos.
A licitação constitui um procedimento administrativo vinculado mediante o qual
a Administração Pública, assegurando iguais oportunidades a todos os interessados, busca
a seleção da proposta mais vantajosa. Nesse procedimento, existem duas fases: Fase
Interna (arts. 38 a 42 da Lei de Licitações) e Fase Externa (art. 43 da Lei de Licitações).
Na Fase Interna, são praticados os atos necessários à definição da licitação e do
contrato no âmbito da Administração, não se exteriorizando perante terceiros. Serão
praticados os seguintes atos destinados a: (i) verificar a necessidade e a conveniência da
32
contratação de terceiros; (ii) determinar a presença dos pressupostos legais para a
contratação (inclusive a disponibilidade de recursos orçamentários, na hipótese de
contratos orçamentados ou ante à necessidade de indenizações decorrentes dessa
alternativa regulatória); (iii) determinar a prática dos atos prévios indispensáveis à
licitação (quantificação das necessidades administrativas, avaliação de bens, elaboração
de Projeto Básico, etc.); (iv) definir o objeto do contrato e as condições básicas da
contratação e (v) verificar a presença dos pressupostos da licitação, definir a modalidade
e elaborar o instrumento convocatório da licitação. Conclui-se a fase interna com a edição
do ato convocatório da licitação ou com a contratação direta, desde que cumpridos os
pressupostos de dispensa ou inexigibilidade de licitação.
Na Fase Externa, realizam-se os atos destinados diretamente a selecionar aquele
que poderá oferecer a proposta mais vantajosa. Essa fase da licitação será processada e
julgada, nos termos do art. 43 da Lei de Licitações, pelas seguintes etapas: (i) fase de
divulgação destinada a dar ciência aos terceiros da existência da licitação (para
participação da licitação ou fiscalização da sua regularidade); (ii) fase de proposição
destinada à formulação de propostas pelos interessados em participar da licitação; (iv)
fase de habilitação destinada à Administração verificar se os interessados possuem
condições de satisfazer as obrigações que pretendem assumir e (v) fase de deliberação
destinada à revisão dos atos praticados e avaliação da conveniência e legalidade do
resultado.
Dessa forma, percebe-se que o procedimento licitatório é marcado por atos
administrativos preordenados, que combinam planejamento orçamentário de recursos
financeiros, custos de transação e análise detalhada dos documentos coletados voltados
para à plena satisfação do interesse público.
Em se tratando de licitação de concessão de serviço público, ou de serviço
público precedido de obra pública, adicionalmente aos dispositivos da Lei de Licitações
se aplicam os requisitos estabelecidos pela Lei de Concessões. Como providências
necessárias e prévias ao início da fase externa da licitação de uma concessão, a ANTT
deverá:
33
(i) providenciar minimamente os elementos de projeto básico, ou anteprojeto,
os quais são necessários para assegurar a viabilidade técnica e o adequado
tratamento do impacto ambiental do empreendimento, bem como para
avaliar o custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução
(art. 6°, inciso IX, da Lei n° 8.666/93). Assim, para os novos investimentos
almejados nos trechos ferroviários a serem concedidos, a ANTT deverá
contratar, por meio de outro procedimento licitatório, prévio àquele
visando à outorga da concessão de serviço público, ou de serviço público
precedido de obra pública, uma consultoria especializada na elaboração de
tais documentos que embasam tanto a decisão administrativa quanto o
novo instrumento convocatório;
(ii) obter a licença ambiental prévia dos novos investimentos, assim
considerada a licença do órgão ambiental competente para autorizar os
novos investimentos em atenção ao seu impacto de degradação em
contrapartida da observância de certas medidas mitigadoras. Para tanto, a
licença ambiental prévia será precedida de estudo de impacto ambiental, o
qual, no caso da implantação de ferrovias, geralmente consiste na espécie
mais complexa, que é o EIA/RIMA. Após a contratação e elaboração do
anteprojeto, por conseguinte, a ANTT deverá utilizá-lo para contratar
outra consultoria especializada na elaboração do EIA/RIMA;
(iii) prever dotação orçamentária específica para indenização dos bens
reversíveis não amortizados/depreciados, devida à atual Concessionária,
conforme detalhamos abaixo; e
(iv) elaborar o edital e a minuta de contrato de concessão, documentos que
poderão ser preparados igualmente por meio da assessoria de consultores
especializados a serem contratados.
Alternativamente à contratação de consultores, a ANTT poderá realizar PMI
com fundamento nos arts. 21 da Lei de Concessões e 31 da Lei n° 9.074/1995. Pelo PMI,
a ANTT autorizará empresas interessadas a elaborar os estudos de viabilidade e demais
documentos necessários à abertura do processo licitatório. Nada obstante, a obtenção de
34
tais materiais por meio de PMI não dispensará a agência da necessidade de analisar e
escrutinar esses mesmos materiais, sendo que, na hipótese de diversos autorizatários, o
próprio procedimento de escolha dos estudos mais adequados poderá recomendar a
contratação de empresa especializada a tal providência.
QUADRO 6: ESTRUTURA ABERTURA DE PROCESSO DE LICITAÇÃO
Tomadas as providências sumarizadas acima, a ANTT deverá iniciar a fase
externa da licitação mediante a realização de consulta pública minimamente das minutas
de edital e contrato, nos termos dos arts. 18 e 32 da Lei de Concessões, bem como
promover audiência pública (uma pelo menos), com antecedência mínima de 15 (quinze)
dias úteis da data prevista para publicação do edital, nos termos do art. 39 da Lei de
Licitações.
Observa-se assim que a opção por uma nova licitação, além de adiar a
realização de certos investimentos e adiar a necessidade de se reconhecer a forma
devida para amortização e depreciação dos investimentos já realizados e não
Publicação do Chamamento Público
Autorização dos Interessados
Elaboração de Estudo de Viabilidade
Técnica, Econômica, Jurídica e Ambiental
Elaboração de Minutas de Contrato e
Edital
Entrega dos Estudos e Minutas de Contrato e
Edital
Aprovação dos Estudos e Minutas de
Contrato e Edital
Audiência Pública (Princípio da Oralidade)
Consulta Pública (Princípio da Formalidade)
Publicação do Edital
Possibilidade de
controle prévio e
suspensão do Edital
pelo TCU
35
contemplados no plano original de investimentos, guarda inúmeras complexidades,
atinentes às providências prévias de divulgação do instrumento convocatório.
Vale mencionar, ainda, duas atuações cabíveis do TCU nos procedimentos
licitatórios, nos termos da Instrução Normativa n. 27/1998. Essas atuações consistem em:
(i) controle preventivo para publicação do edital e (ii) controle posterior à publicação do
edital.
Na primeira situação, o TCU busca evitar potenciais falhas e irregularidades,
inclusive acompanhando processos e atos administrativos na medida em que são
executados, atuando significativamente antes da publicação do edital de licitação de
concessão. Na segunda situação, publicado o edital, o TCU pretende verificar a existência
de impropriedades ou irregularidades, determinando aos órgãos competentes a adoção de
medidas necessárias para adequar o edital aos parâmetros legais.
Independente das manifestações e recomendações fornecidas pelo TCU com
relação à publicação ou não do edital, é inevitável a criação de mais um desafio que
demandará tempo de análise e verificação do TCU, o que poderá comprometer a
sincronização da nova licitação com a prestação de serviços em curso, bem como a
realização de investimentos capazes de promover melhorias nas estradas de ferro e nos
seus entornos.
Trata-se, portanto, de procedimento que exigirá uma robusta mobilização e
dispêndio de recursos por parte da Administração Pública para viabilizar tal projeto, que
tem, além de tudo, chances de não selecionar outro concessionário com condições de
operar em níveis de maior ou mesmo igual qualidade que a concessionária atual
demonstra.
A assunção desse risco, portanto, deve ser considerada pelo elaborador e
tomador de decisão relativa à política pública, sob pena de ferir o interesse público e
colocar em risco a continuidade da prestação de serviços públicos que têm inúmeros
impactos econômicos e socioeconômicos diretos na formação do produto nacional.
36
4 BENEFÍCIOS DA PRORROGAÇÃO ANTECIPADA
O objetivo desta Seção é apresentar os benefícios sociais e macroeconômicos em
antecipar os investimentos no setor ferroviário.
A prorrogação antecipada está atrelada à obrigação de realização de
investimentos nas linhas ferroviárias das atuais concessões. Adicionalmente, permite a
arrecadação de outorga pelo governo. Com a alocação de maiores montantes para a
ampliação de capacidade e redução de conflitos urbanos, o resultado natural são
benefícios tanto de ordem social como econômica.
Estes benefícios se dão na forma de reduções nos custos de transporte para os
usuários, no número de acidentes e na emissão de poluentes pela ótica socioeconômica.
Já do ponto de vista macroeconômico, há ganhos relacionados a indução da atividade
econômica provocada pela demanda por insumos, isto é, impactos direto e indireto em
outros setores, e na mão de obra causada pelo aumento nos investimentos. As subseções
a seguir apresentam em detalhes esses impactos, e suas respectivas metodologias de
cálculo.
4.1 Benefícios Socioeconômicos
Os benefícios socioeconômicos de realizar os investimentos necessários à
ampliação de capacidade e eficiência da malha ferroviária são relacionados à:
(i) migração de carga do modo rodoviário para o ferroviário, devido
à maior capacidade da linha férrea;
(ii) redução do custo de transporte ferroviário em relação ao atual,
devido à maior eficiência operacional propiciada pelos
investimentos;
(iii) redução da emissão de poluentes devido à migração de cargas da
rodovia para a ferrovia;
37
(iv) redução de acidentes, também devido à migração de cargas para a
ferrovia;
(v) postergação de investimentos nas rodovias, pelo menor tráfego de
caminhões após a migração de cargas para a ferrovia;
(vi) melhoria da qualidade de vida da população pelos investimentos
em conflitos urbanos.
Como se observa, são benefícios auferidos pelos usuários das ferrovias, dada
a redução no custo do transporte, e pela sociedade como um todo, resultado das
externalidades positivas da menor emissão de poluentes e diminuição no número de
acidentes. Vale lembrar que a prorrogação antecipada da concessão permitiria à
concessionária realizar investimentos para a ampliação de capacidade e a eficiência da
malha ferroviária sob a expectativa de maior prazo de retorno, incentivando-a a realizar
esses investimentos já. Caso contrário, a concessionária não tem incentivos em realizar
os investimentos, pois não vislumbraria o seu retorno, de modo que só seriam realizados
após a celebração do próximo contrato de concessão.
Os investimentos na malha ferroviária trazem inúmeros benefícios que podem
ser estimados caso sejam realizados agora. Primeiro, é importante destacar que a redução
da tarifa não é o objetivo principal da antecipação da prorrogação do contrato, mas sim
as externalidades socioeconômicas que essa conduta traz. No entanto, também se trata de
um fator positivo, pois é uma transferência de bem-estar do concessionário para o usuário.
Assim, a realização dos investimentos resultaria em aumento da capacidade da malha
ferroviária e, consequente, aumento de eficiência, o que geraria incentivo para reduzir a
tarifa.
Na estimação desses benefícios, deve-se considerar os dois cenários: (i) um em
que não ocorre a antecipação da prorrogação, isto é, que os investimentos serão realizados
considerando o prazo atual de execução da concessão, iniciando-se um novo contrato de
concessão após o atual, ou seja, benefícios são incrementais; e (ii) o cenário almejado, de
antecipação da prorrogação, no qual o prazo para o fim da concessão já é postergado no
atual momento. Supondo que a negociação ocorra em 2018 e seja implementada no ano
38
seguinte, os benefícios começariam a ser auferidos já em 2019 e durariam até o final da
concessão. Mas, para avaliar os ganhos da antecipação, deve-se considerar os benefícios
apenas até o momento em que eles ocorreriam no cenário de relicitação dos contratos
após seu término.
Em resumo, o aumento na capacidade ferroviária e a redução da tarifa de frete
do transporte ferroviário iria gerar incentivos para a utilização desse modo em detrimento
do rodoviário. Atualmente, o custo do transporte ferroviário já é menor do que o
rodoviário, no entanto, ainda existem limitações na infraestrutura que inviabilizam sua
maior utilização. Dessa forma, ao ampliar a capacidade da malha ferroviária e reduzir o
custo de frente, haveria também maior demanda pelo transporte via ferrovia.
A partir dessa hipótese, é razoável supor que ocorreria uma substituição do modo
rodoviário pelo ferroviário, ainda que de forma parcial. Em outras palavras, parte da carga
que atualmente é transportada por caminhões passaria a ser transportada, pelo menos em
determinados trechos, por ferrovias, de forma a garantir maior rapidez e segurança e
menor custo no trajeto. A migração geraria externalidades positivas para toda a sociedade.
A título de exemplo, para transportar o mesmo volume de carga o caminhão emite
cerca de 4,4 vezes mais CO² do que o trem18. Assim, caso parte da carga passe a ser
transportada por ferrovias as emissões de poluentes reduziriam drasticamente,
beneficiando a todos.
Outro aspecto relevante se refere à mobilidade. Em áreas urbanas, a circulação
de caminhões gera muitas vezes interrupção e congestionamentos em ruas e avenidas, por
esse motivo, por exemplo, caminhões são proibidos de circular em determinados horários
18 Fontes: Ministério das Cidades, Departamento Nacional de Trânsito - DENATRAN – 2015;
ANTT e ANTF; e http://www.antf.org.br/releases/o-meio-ambiente-agradece/.
39
em São Paulo. Assim, com a migração para o transporte ferroviário, o número de
caminhões circulando reduziria e, consequentemente, os congestionamentos
diminuiriam. Além disso, o transporte ferroviário é mais seguro que o rodoviário, tanto
em termos de acidente como em roubos de carga. Mais de 1,0% da frota de caminhões
sofre acidentes na estrada, ao passo que acidentes com trens são bastante raros. Além
disso, acidentes envolvendo caminhões tem um custo médio de R$ 45 mil19, ou seja,
haveria um benefício econômico na redução de acidentes com diminuição desses gastos.
Os investimentos em redução de conflitos urbanos trazem também benefícios
específicos às cidades em que serão feitos. Já reduzidos em comparação ao modo
rodoviário, haverá redução de acidentes ferroviários, como os que ocorrem em passagens
em nível. Também deve ocorrer redução de congestionamento urbano pela menor
interrupção das ruas e avenidas com a passagem de trens. E, nos casos de retirada da linha
férrea de dentro das cidades, haverá também redução de ruído, que traz como efeito
indireto a valorização imobiliária.
Em termos quantitativos, estima-se que os investimentos permitirão o aumento
do volume de cargas transportado pelas ferrovias em cerca de 40 milhões de toneladas
por ano20. Esse volume, ao migrar da rodovia para a ferrovia, auferirá uma redução dos
19 Fontes: Ministério das Cidades, Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), 2015;
ABCR, 2015. Disponível e: http://www.abcr.org.br/Conteudo/Secao/41/acidentes+de+trafego.aspx; e
IPEA, 2015, Relatório “ACIDENTES DE TRÂNSITO NAS RODOVIAS FEDERAIS BRASILEIRAS
CARACTERIZAÇÃO, TENDÊNCIAS E CUSTOS PARA A SOCIEDADE”.
20 Segundo informações prestadas pelas concessionárias envolvidas na prorrogação antecipada
das concessões.
40
custos de transporte em torno de 30%21. Adicionalmente, menos caminhões trafegarão
pelas rodovias, reduzindo proporcionalmente a emissão de poluentes e de acidentes.
Considerando uma taxa de desconto de 9,57% ao ano,22 tais benefícios
teriam um valor presente em torno de R$ 10 bilhões, em 2018, sendo 75,0% o
benefício direto da redução de custo de transporte pela migração de cargas da
rodovia para a ferrovia. Os benefícios para a sociedade em geral, pela redução de
acidentes, congestionamentos e poluição responderiam pelos 25% restantes.
Tratam-se de impactos relevantes apenas pela antecipação dos investimentos. Se não
realizados já, esses ganhos ocorrerão apenas daqui a cerca de 10-15 anos, após os
novos contratos de concessão serem implementados.
Importante ressaltar que são benefícios externos aos concessionários,
capturados pelos usuários e pela sociedade. Os concessionários também obterão
benefícios com a realização dos investimentos, na forma de maior excedente do
produtor. Porém, parte do excedente obtido será transferido ao poder concedente,
na forma de pagamento de outorga. Na opção de se relicitar os contratos daqui a dez
anos, os valores de outorga a serem arrecadados será menor, pelo menor valor presente
das receitas a serem obtidas pelos novos concessionários, devido ao menor prazo. Riscos
associados à viabilização da manutenção da produção de alguns usuários importantes das
ferrovias, em especial os do setor de mineração, também podem levar à uma redução
adicional do valor de outorga a ser arrecadado daqui a dez anos em comparação a uma
renovação das concessões já. Vale lembrar, por fim, que benefícios daqui a dez anos
valem menos que benefícios no tempo presente.
21 Estimado pela diferença média entre o frete rodoviário e o frete ferroviário nas principais
cargas a serem afetados pelos investimentos previstos, como soja, milho e açúcar.
22 Ver Anexo Metodológico.
41
4.2 Efeitos Macroeconômicos
Nesta seção é realizada uma análise dos impactos macroeconômicos na cadeia
produtiva nacional dos investimentos a serem realizados com a prorrogação antecipada
do contrato de cinco concessões de quatro concessionárias, através da metodologia da
Matriz Insumo-Produto (“MIP”) do IBGE. Essa metodologia considera que a economia
constitui um sistema integrado de diversos setores interdependentes. Assim, os impactos
sofridos por um setor influenciam os demais setores em maior ou menor grau,
dependendo da importância relativa de suas relações na economia.
Esse sistema de interdependência foi desenvolvido pelo economista Wassily
Leontief por meio de uma tabela de insumo-produto (Guilhoto, 2011). Os setores da
economia compram e vendem uns para os outros e, em geral, um determinado setor
interage com alguns outros apenas. A metodologia desenvolvida por Leontief mostra
como as diferentes atividades se interligam direta ou indiretamente, caracterizando o
equilíbrio entre a oferta e a demanda da economia.
Em um sistema econômico, a parcela da produção total utilizada por outros
setores produtivos é denominada de consumo intermediário. A produção que é consumida
pelas famílias, pelo governo, pelos investimentos ou exportada representa a demanda
final. Esses dois componentes constituem a demanda total (Quadro 7).
42
QUADRO 7: ESTRUTURA BÁSICA DE UMA MATRIZ INSUMO-PRODUTO
Fonte: HIRATUKA, et al. Importância Sócio-Econômica da Cadeia de Serviços de Saneamento Básico
no Brasil, 2009
Dessa forma, é realizada uma estimativa dos efeitos diretos e indiretos (inclusive
efeito renda) na cadeia produtiva em termos de produção, massa de renda, emprego e
arrecadação de impostos de um aumento da produção nacional relacionada aos
investimentos nas ferrovias propostos pelas Concessionárias nos Planos de Negócios das
suas Concessões.
O racional é que um aumento nos investimentos da malha ferroviária (efeito
direto) aumenta a produção de outros segmentos para fazer frente à elevação inicial
gerada pelos recursos alocados. Setores fornecedores de insumos vão produzir mais para
atender a essa nova realidade, de modo que um choque positivo gera um efeito em cadeia,
com um efeito maior do que o choque inicial (efeito indireto). O choque inicial, ocorrido
em função do aumento dos investimentos no setor ferroviário, tem impacto sobre os
rendimentos do trabalho e, por conseguinte, sobre o consumo das famílias (efeito renda),
caracterizando um impacto do aumento da produção sobre os salários e,
consequentemente, sobre o consumo.
Em síntese, o efeito direto ocorre nos setores ligados aos investimentos previstos
em função do aumento de demanda nestes, o efeito indireto ocorre pelo aumento do
43
consumo dos insumos necessários para atender a maior demanda nesses setores, como,
por exemplo, um aumento na demanda no setor de construção vai gerar aumento de
demanda por insumos para esse setor, como cimento, asfalto, brita etc. Finalmente, o
efeito renda é consequência do impacto sobre o consumo de diversos bens e serviços pelas
famílias, em função do aquecimento econômico, dado que trabalhadores precisam ser
contratados para atender a demanda adicional dos setores direta e indiretamente afetados
pelos investimentos (Quadro 8).
QUADRO 8: EXEMPLIFICAÇÃO DOS EFEITOS DE UM AUMENTO DE
DEMANDA NO SETOR DE FERROVIAS NA CADEIA NACIONAL
Elaboração Própria.
Assim, o efeito total resultante é, então, decomposto em três:
(i) Efeito direto, que corresponde ao choque inicial aplicado;
(ii) Efeito indireto, que é representado pelo impacto do choque inicial sobre
as variáveis dos setores acionados; e
(iii) Efeito renda, decorrente dos impactos do choque inicial sobre os
rendimentos do trabalho e, por conseguinte, sobre o consumo das
famílias.
EFEITO DIRETOInvestimento em
ferrovias
EFEITO INDIRETO
Insumos para a construção
(elos anteriores)
Construção de
ferrovias
EFEITO RENDA
Contratação de mão de obra para os setores direta e indiretamente afetados
44
O Quadro 9 resume a decomposição desse impacto.
QUADRO 9: ESQUEMA DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO PROVENIENTE DE UM
CHOQUE SOBRE UM DADO SETOR DA ECONOMIA
Elaboração Própria.
A partir das informações contidas na Matriz de Insumo-Produto, é possível obter
multiplicadores de impacto, que são medidas de quanto se gera na economia nacional em
termos de produção, emprego, massa salarial, impostos indiretos e valor adicionado em
decorrência de um estímulo monetário em um setor específico. A metodologia permite
analisar a configuração do novo equilíbrio da economia a partir do choque exógeno
inicial.
Para a presente análise, foram considerados os investimentos de quatro
concessionárias nas suas respectivas concessões:
1. Vale: Estrada de Ferro Vitória a Minas (“EFVM”) e Estrada de Ferro
Carajás (“EFC”)
2. VLI Logística: Ferrovia Centro-Atlântica (“FCA”)
3. Rumo: Malha Paulista
4. MRS: Malha Sudeste
Esses investimentos estão condicionados à efetivação da prorrogação antecipada
das concessões, inclusive aqueles com o intuito de redução dos conflitos urbanos e que
são adquiridos no mercado doméstico. Os materiais/produtos que são importados não são
considerados, pois afetam a economia de outros países, impactando apenas
marginalmente a economia brasileira. Todos os investimentos considerados estão
condicionados à prorrogação antecipada do contrato das concessões dessas ferrovias. Os
Efeito Direto
• Impacto sobre a Demanda Final de um ou mais setores
Efeito Indireto
• Impacto sobre o consumo intermediário
Efeito Renda
• Impacto do aumento da produção sobre salários e, consequentemente, sobre consumo
45
investimentos foram classificados em sete grupos de acordo com os setores da matriz de
insumo-produto:
(i) Caminhões e ônibus: reposição de caminhão comboio;
(ii) Cimento: engloba compra de cimento para reparos de edificações e
instalações.
(iii) Construção: obras de melhoria e adequação em edificações
existentes, serviços de modernização de sinalização e obras para redução
de conflitos urbanos.
(iv) Máquinas e equipamentos: renovação de frota de locomotivas, de
equipamentos de via permanente e equipamentos industriais;
(v) Maquinas, aparelhos e materiais elétricos: reforma de sistemas
elétricos, compra de geradores, ar condicionado, etc;
(vi) Material eletrônico e equipamentos de comunicações: compra de
material para modernização de sinalização, detecção de incêndio, CFTV,
etc;
(vii) Produtos de metal - exclusive máquinas e equipamentos:
modernização de torres metálicas, de vagões de apoio e cabines de
Equipamentos de Grande Porte (“EGP’s”).
Os valores dos investimentos a preços de 2017 para cada um desses subgrupos,
entre 2017 e 2027, estão resumidos no Quadro 10. Cabe mencionar que no Plano de
Negócios das Concessionárias constam adicionalmente, os investimentos de parâmetros
de desempenho, necessários para preservar, prolongar a vida útil dos bens, buscar a
modernização do serviço, visando manter sua prestação adequada. Já considerando os
investimentos em conflitos urbanos no grupo “Construção”, estão previstos um total de
R$ 12,4 bilhões de 2017 a 2027, de investimentos condicionados à renovação. Desse total,
quase 60% destina-se ao setor de construção.
46
QUADRO 10: INVESTIMENTOS PREVISTOS CONDICIONADOS À
PRORROGAÇÃO ANTECIPADA (VALORES DE REFERÊNCIA DE MERCADO) Grupo de investimentos
(em R$ milhões) 2017-2027
Participação no total
Cimento 30,7 0,25%
Produtos de metal - exclusive máquinas e equipamentos
102,8 0,83%
Máquinas e equipamentos, inclusive manutenção e reparos
2.259,2 18,20%
Máquinas, aparelhos e materiais elétricos 40,7 0,33%
Material eletrônico e equipamentos de comunicações
433,8 3,50%
Automóveis, camionetas e utilitários 3,3 0,03%
Caminhões e ônibus 1,2 0,01%
Outros equipamentos de transporte 2.344,1 18,89%
Construção 7.195,4 57,97%
Total 12.411,2 100,00%
Fonte: Plano de Negócios das Concessionárias. Elaboração própria.
O exercício, assim, consistiu em fazer refletir em cada um dos setores destacados
no Quadro 10, o montante do investimento naquele setor entre 2017 e 2027, a preços de
2017.23
Na prática, o exercício realizado a partir da MIP24 consistiu em aumentar a
demanda de alguns setores da economia, no montante total de R$ 12,4 bilhões
(impulsionada pelo investimento no setor de ferrovias) e mensurar seus impactos diretos
e indiretos na economia como um todo. Esse acréscimo de produção foi realizado
respeitando as proporções descritas no Quadro 10.
Dessa forma, o valor bruto da produção no setor da “Construção” foi elevado em
R$ 7,2 bilhões, no de “Material eletrônico e equipamentos de comunicações” em R$
23 Apesar de os investimentos serem previstos no plano de negócios em cada ano entre 2017 e
2027, eles foram estimados aos preços de insumos observados em 2017. Não cabe, entretanto, considerar
qualquer taxa de desconto para estimar o valor presente desses investimentos na análise aqui desenvolvida,
pois os efeitos serão calculados sobre o PIB, a preços de 2017, em cada ano.
24 A matriz insumo-produto utilizada neste estudo foi estimada a partir da metodologia
apresentada por Guilhoto & Sesso (2005). A matriz utiliza as tabelas de Usos e Recursos das Contas
Nacionais publicadas pelo IBGE em sua construção, as quais contêm 110 produtos e 56 setores.
47
433,8 milhões, e assim sucessivamente. Tais valores são inseridos em uma matriz de
multiplicadores de impacto, que calcula o efeito desses no total da economia. Cada um
dos setores mencionados acima apresenta multiplicadores específicos de acordo com sua
relação com os demais setores.
Por exemplo, a partir dos multiplicadores de impacto obtidos pela MIP, tem-se
que para cada R$ 1 milhão de aumento de demanda no setor de construção, existe um
impacto positivo na economia 3,1 vezes maior, isto é, gera em valor agregado de R$ 3,1
milhões, além de seus efeitos sobre emprego, massa de renda e impostos.
Os resultados para a análise da MIP são apresentados no Quadro 11.
Considerando os investimentos tratados acima, foi identificado um choque positivo
nesses setores, que se propagam pelos demais setores a partir de seus efeitos
multiplicadores, e geram um incremento na economia como um todo (produção nacional)
de R$ 42,6 bilhões. A maioria desse incremento ocorrerá no setor industrial (R$ 26,9
bilhões).
Esses investimentos teriam potencial de gerar quase 700 mil postos de trabalho,
principalmente na indústria e no setor de serviços. Este aumento, por sua vez, permitiria
uma expansão da massa salarial da ordem de R$ 7,1 bilhões. Esses aumentos totais da
demanda e dos empregos na economia têm potencial de gerar um incremento da
arrecadação de tributos de cerca de R$ 3,1 bilhões.
48
QUADRO 11: EFEITOS DOS INVESTIMENTOS PREVISTOS ENTRE 2017-2027
CONDICIONADOS À PRORROGAÇÃO ANTECIPADA Resultados Investimentos Total Agropec. Indústria Serviços
Produção (R$ milhões)
Total 42.583,4 1.278,4 26.872,6 14.432,4
Produção direta 12.411,2 0,0 12.411,2 0,0
Produção indireta 12.988,0 93,3 7.539,7 5.355,0
Produção efeito-renda 17.184,2 1.185,1 6.921,7 9.077,4
Empregos (unidades)
Total 696.863 77.647 300.707 318.509
Empregos diretos 199.459 0 199.459 0
Empregos indiretos 172.198 6.023 48.578 117.596
Empregos efeito-renda 325.207 71.624 52.670 200.913
Salários (R$ milhões)
Total 7.051,1 206,3 3.672,9 3.171,9
Salários diretos 2.025,6 0,0 2.025,6 0,0
Salários indiretos 2.123,1 14,2 903,2 1.205,7
Salários efeito-renda 2.902,4 192,1 744,1 1.966,3
Tributos (R$ milhões)
Total 3.070,9 66,4 2.279,4 725,0
Elaboração própria.
Assim, se a prorrogação antecipada das concessões não ocorrer, tais benefícios
só poderiam vir a ser capturados, em tese, após 2027 em uma nova licitação, sendo crível
se supor que os investimentos de possíveis novos concessionários não atingiriam o
mesmo patamar.
49
5 CONCLUSÕES
O setor de ferrovias tem passado por uma série de mudanças institucionais, mais
fortemente a partir de 2011. Duas mudanças propostas pelo governo federal, uma em
2012 e outra em 2015, de certa forma antagônicas, mereceram destaque.
O Estudo apresentou as principais vantagens e desvantagens dos modelos
indicados pelo governo federal para a realização de novos investimentos na malha
ferroviária brasileira e a respectiva adequabilidade da estratégia política adotada em cada
um dos modelos.
• Modelo de separação vertical
Em 2012, o governo lançou o plano de investimentos que previa a separação
vertical das operações de infraestrutura e de serviço de transporte ferroviário nas novas
concessões, na tentativa de promover a concorrência “intrarede” nos serviços ferroviários.
Adotou-se o modelo de separação vertical25, em que o concessionário iria
construir as novas linhas e vender o direito de passagem por elas. Ele não operaria trens
diretamente, mas seria o Gestor de Infraestrutura Ferroviária (“GIF”). Para que não
ficasse exposto ao risco de demanda, toda a capacidade construída seria comprada pela
VALEC, que então revenderia essa capacidade em pequenos lotes aos Operadores
Ferroviários Independentes (“OFIs”) interessados.
25 Para o qual não foi realizada uma análise de impacto regulatório (AIR).
50
O modelo proposto teria a vantagem de promover a concorrência na prestação
do serviço de transporte ferroviário e no mercado dos usuários da ferrovia e evitar a
possibilidade de discriminação dos usuários pelo prestador do serviço.
Por outro lado, tal modelo dificulta a otimização operacional da malha
ferroviária e dos ativos associados ao serviço de transporte (locomotivas, vagões e
terminais). Também exige contratos e procedimentos operacionais mais rígidos e
complexos. Isso aumentaria o custo do serviço em comparação ao modelo integrado
verticalmente.
Haveria também um provável aumento de custos em uma operação
desverticalizada, em especial devido ao aumento do desgaste dos trilhos em função de
diferentes tipos de vagões usados pelos operadores independentes, que não teriam a
preocupação de minimizar os custos totais da operação, apenas os da operação dos trens.
Dessa forma, o modelo desverticalizado pode elevar os custos de transação.
Uma outra desvantagem do modelo constatada foi a não mitigação do risco
associado à falta de garantias do arranjo, levando em consideração a capacidade de
pagamento da VALEC, empresa pública que ficaria responsável por comprar a
capacidade dos operadores de infraestrutura.
O presente estudo conclui, no que tange ao modelo de separação vertical :
a) que o sistema ferroviário brasileiro não reúne as características
encontradas em países cujo modelo de separação vertical foi
implantado com sucesso em suas ferrovias – serviços de trens
padronizados e com grades horárias rígidas, e capacidade ociosa nas
linhas férreas; e
b) que o custo fiscal para ampliação, em capacidade e em extensão, da
rede ferroviária brasileira no modelo desverticalizado seria
substancialmente maior que no tradicional;
51
Portanto, o modelo de separação vertical das operações de infraestrutura e
de serviços não seria o mais adequado para o sistema ferroviário brasileiro.
• Prorrogações das atuais concessões
A partir de 2015, o governo retoma a ideia de concessões verticalmente
integradas nas ferrovias e, indo mais além, propõe que as atuais concessionárias tenham
seus contratos prorrogados para que façam investimentos em ampliação de capacidade,
tão necessários à movimentação de mercadorias, em especial para exportação.
A prorrogação estaria atrelada à obrigação de realização de investimentos nas
linhas ferroviárias das atuais concessões. Adicionalmente, permite a arrecadação de
outorga pelo governo. Com a alocação de maiores montantes para a ampliação de
capacidade e redução de conflitos urbanos, o resultado natural seria benefícios tanto de
ordem social como econômica.
A crítica acerca do retorno ao modelo vertical e prorrogação das atuais
concessões é decorrente do engessamento do mercado ferroviário nos mesmos players de
sempre, sem a possibilidade de promover a concorrência tão almejada no modelo
proposto anteriormente. Entretanto, os benefícios advindos das prorrogações podem ser
maiores que a promoção de novas licitações.
1) No que diz respeito à prorrogação antecipada dos contratos, conclui-se
que essa permite tanto a inclusão da obrigatoriedade dos investimentos
nos contratos de concessão quanto a atualização das cláusulas
contratuais, visando, principalmente, a melhoria da transparência de
informações e a promoção da concorrência na prestação dos serviços de
transporte ferroviário. Considerando a economicidade dos atos
administrativos, nos termos do art. 70 da Constituição, a prorrogação
antecipada se mostra alternativa que melhor se adequa e atende ao
interesse público.
52
2) Em termos quantitativos, estima-se que os investimentos permitirão o
aumento do volume de cargas transportado pelas ferrovias em cerca de 40
milhões de toneladas por ano . Esse volume, ao migrar da rodovia para a
ferrovia, auferirá uma redução dos custos de transporte em torno de 30% .
Adicionalmente, menos caminhões trafegarão pelas rodovias, reduzindo
proporcionalmente a emissão de poluentes e de acidentes.
3) Considerando uma taxa de desconto de 9,57% ao ano, tais benefícios teriam
um valor presente em torno de R$ 10 bilhões, em 2018, sendo 75,0% o
benefício direto da redução de custo de transporte pela migração de cargas
da rodovia para a ferrovia.
4) Os benefícios para a sociedade em geral, pela redução de acidentes,
congestionamentos e poluição responderiam pelos 25% restantes. Tratam-se
de impactos relevantes apenas pela antecipação dos investimentos. Se não
realizados já, esses ganhos ocorrerão apenas daqui a cerca de 10-15 anos,
após os novos contratos de concessão serem implementados.
5) Importante ressaltar que são benefícios externos aos concessionários,
capturados pelos usuários e pela sociedade. Os concessionários também
obterão benefícios com a realização dos investimentos, na forma de maior
excedente do produtor. Porém, parte do excedente obtido será transferido ao
poder concedente, na forma de pagamento de outorga. Na opção de se
relicitar os contratos daqui a dez anos, os valores de outorga a serem
arrecadados serão menores, pelo menor valor presente das receitas a serem
obtidas pelos novos concessionários, devido ao menor prazo.
Os benefícios socioeconômicos de realizar os investimentos necessários à
ampliação de capacidade e eficiência da malha ferroviária são relacionados à:
6) migração de carga do modo rodoviário para o ferroviário, devido à maior
capacidade da linha férrea;
7) redução do custo de transporte ferroviário em relação ao atual, devido à
maior eficiência operacional propiciada pelos investimentos;
53
8) redução da emissão de poluentes devido à migração de cargas da rodovia
para a ferrovia;
9) redução de acidentes, também devido à migração de cargas para a ferrovia;
10) postergação de investimentos nas rodovias, pelo menor tráfego de caminhões
após a migração de cargas para a ferrovia; e
11) melhoria da qualidade de vida da população pelos investimentos em conflitos
urbanos.
Estes benefícios se dão na forma de reduções nos custos de transporte para os
usuários, no número de acidentes e na emissão de poluentes pela ótica socioeconômica.
Já do ponto de vista macroeconômico, há ganhos relacionados a indução da
atividade econômica provocada pela demanda por insumos, isto é, impactos direto e
indireto em outros setores, e na mão de obra causada pelo aumento nos investimentos.
Foi identificado um choque positivo nesses setores, que se propagam pelos
demais setores a partir de seus efeitos multiplicadores, e geram um incremento na
economia como um todo (produção nacional) de R$ 42,6 bilhões. A maioria desse
incremento ocorrerá no setor industrial (R$ 26,9 bilhões).
Esses investimentos teriam potencial de gerar quase 700 mil postos de trabalho,
principalmente na indústria e no setor de serviços. Este aumento, por sua vez, permitiria
uma expansão da massa salarial da ordem de R$ 7,1 bilhões. Esses aumentos totais da
demanda e dos empregos na economia têm potencial de gerar um incremento da
arrecadação de tributos de cerca de R$ 3,1 bilhões.
Assim, se a prorrogação antecipada das concessões não ocorrer, tais benefícios
só poderiam vir a ser capturados, em tese, após 2027 em uma nova licitação, sendo crível
se supor que os investimentos de possíveis novos concessionários não atingiriam o
mesmo patamar.
54
REFERÊNCIAS
BOARDMAN A.E. et al. Cost-benefit analysis: concepts and practice. Pearson
Education, Inc: New Jersey, USA – 4th ed. 2011; ISBN-13: 978-0-13-700269-6.
PINHEIRO, A.C. e FRISCHTAK, C.R.. Gargalos e soluções na infraestrutura do
transporte. Editora FGV. ISBN: 978-85-225-1473-1.
DURÇO, Fábio Ferreira. A regulação do setor ferroviário brasileiro: monopólio
natural, concorrência e risco moral. Dissertação de Mestrado da Escola de Economia de
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false/2/false .
56
ANEXO METODOLÓGICO: TAXA SOCIAL DE
DESCONTO
Em estudos de viabilidade socioeconômica de projetos de investimento, é
comum se utilizar a chamada “taxa social de desconto” (TSD), que representaria o quanto
a sociedade estaria disposta a abrir mão de seus recursos financeiros no momento
presente, para auferir os benefícios do projeto no futuro (Boardman, 2011). Em mercados
perfeitos essa taxa se iguala à taxa de juros real da economia. Em mercados imperfeitos,
entretanto, os indivíduos percebem taxas distintas para diferentes situações.
Dentre os métodos mais usados para se definir a TSD a partir da taxa de juros da
economia, destacam-se o da taxa social de preferência intertemporal, equivalente à taxa
de juros que os consumidores abririam mão de consumir no presente para poupar, e o da
taxa marginal de retorno de investimentos privados, equivalente ao retorno mínimo em
projetos de investimento privado. Há também o método de média ponderada entre estes
dois.
Para o cálculo do primeiro, toma-se a taxa nominal de juros de algum título
público (de preferência o com maior volume de emissões), descontam-se os impostos
incidentes sobre aplicações financeiras de pessoa física, para determinar o retorno
nominal líquido de se poupar, e desconta-se a inflação do período. No segundo caso,
toma-se novamente a taxa de um título público e estima-se qual o retorno necessário que
um investimento privado precisaria gerar para, após pagar os impostos, se igualar ao
rendimento do título, e depois se desconta a inflação.
Em linhas gerais, o primeiro método assume que os recursos usados para projetos
de investimento foram retirados do consumo, isto é, deslocaram consumo; e o segundo
assume que tais recursos deslocaram outros investimentos privados. O método de média
ponderada assume uma combinação entre ambos, de que parte dos recursos viriam de
postergação de consumo e parte da postergação de investimentos privados. Mas qual seria
a proporção mais adequada para os projetos de investimento no Brasil?
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Para estimar a TSD para o Brasil, pode-se tomar o rendimento dos títulos do
Tesouro Nacional. Um dos mais representativo é o “Tesouro IPCA+ 2035 (NTNB
Princ)”, com vencimento em 2035, pagando a taxa de juros de 5,07 % ao ano (a.a.) mais
a inflação do período medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Considerando que a inflação deverá ficar em torno da meta do Banco Central, em 4,5%
a.a., o rendimento nominal desse título será de 9,57% a.a.26
Para calcular a taxa social de preferência intertemporal, primeiro se desconta do
retorno nominal bruto os impostos incidentes sobre a pessoa física, que para aplicações
acima de 720 dias a alíquota é de 15%, chegando ao retorno nominal líquido de 8,13%
a.a. Em seguida, se desconta a inflação, para chegar à taxa real líquida de 3,48% a.a. Para
calcular a taxa marginal de retorno de investimentos privados, toma-se o retorno bruto
do título e divide-se por um menos a alíquota total de tributos incidentes sobre o lucro
empresarial, que para empresas do lucro real com lucro apurado acima de R$ 240 mil por
ano é de 25% do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) mais 9% de Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), considerando entidades não financeiras, ou seja,
divide-se 9,57% por (1 – 25% – 9%.), chegando ao retorno mínimo nominal de 14,50%
a.a.. Descontando-se a inflação tem-se o retorno mínimo real de 9,57% a.a.
Assim, conforme a literatura econômica discutida em Boardman et al (2011), a
TSD brasileira estaria entre 3,48% a.a. e 9,57% a.a. O valor mais baixo é associado ao
fato de recursos financeiros serem retirados do consumo para se realizar o projeto,
enquanto o mais alto retira recursos de outros projetos de investimento. Como a maioria
dos projetos envolve gastos no curto prazo e benefícios no longo prazo, é mais
conservador utilizar a taxa mais elevada, pois ela penaliza mais os benefícios (assim como
os custos) ocorridos nos anos finais da vida útil do projeto. Dessa forma, se mesmo na
26 Repare que o rendimento real do título não é 5,07% a.a., mas 4,85%, calculado pela fórmula
r = (i – m) / (1+m), onde r é a taxa de juros real, i é a taxa de juros nominal e m é a inflação.
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TSD mais elevada o projeto se mostrar viável, haveria maior segurança ao tomador de
decisão de que o projeto é efetivamente benéfico à sociedade. Assim, foi considerada a
TSD de 9,57% a.a. como referência neste estudo.
Convém lembrar que a TSD não deve ser confundida com o custo médio
ponderado de capital (normalmente chamado pela sigla desse termo em inglês: WACC).
A TSD é o custo de capital enxergado por toda a sociedade. O WACC vale para cada
empresa e projeto. Apesar de a TSD aqui calculada se balizar no retorno marginal de
projetos privados, ela tende a ficar abaixo dos WACC calculados para os projetos
privados no Brasil. As principais diferenças se devem à percepção de risco associada a
cada projeto ou negócio. Para a sociedade como um todo, pela diversificação e maior
capacidade de absorver os custos de riscos específicos, a taxa de juros será naturalmente
menor. Adicionalmente, pela teoria da taxa marginal de retorno de projetos privados, o
termo “marginal” se refere ao último projeto privado viável em comparação a uma taxa
de retorno de baixo risco. Por isso considera-se que a base do cálculo deva ser a taxa de
retorno de um título público, fazendo-se os ajustes quanto a tributos e inflação.