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COLUNA/COLUMNA. 2008;7(2):153-159 Avaliação da reprodutibilidade entre duas classificações de fraturas da coluna tóracolombar e suas correlações com o tratamento Evaluation of the reproducibility between two classifications of fractures to the thoracolumbar spine and their correlations with treatment Evaluación de la reproducción entre dos clasificaciones de fracturas de la columnatoracolumbar y sus correlaciones con el tratamiento Carlos Henrique Maçaneiro 1 Ricardo Kiyoshi Miyamoto 2 Rodrigo Fetter Lauffer 2 Ribamar Volpato Larsen 3 ABSTRACT Objectives: to evaluate the reproduc- ibility and the agreement strength between the “Arbeitsgemeinschaft für Osteosyntesefragen” (AO) and Thoracolumbar Injury Classification and Severity Score (TLICS) classifi- cations for thoracolumbar spinal fractures and the correlation between these classifications and the proposed treatment. Methods: a total of 40 cases of thoracolumbar spinal fractures were distributed on CD-ROM to nine vertebral spinal surgeons, including the clinical exam and image exams. One of the surgeons was excluded for not answering to all items of the protocol. The statistical analysis was done utilizing the Cohen Kappa test for the evaluation of the agreement strength. ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE Trabalho realizado no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Joinville - IOT - Joinville (SC), Brasil. 1 Chefe do Serviço de Residência em Ortopedia e Traumatologia do Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Joinville - IOT - Joinville (SC), Brasil. 2 Médico do Grupo de Cirurgia da Coluna Vertebral do Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Joinville - IOT - Joinville (SC), Brasil. 3 Residente em Cirurgia da Coluna Vertebral do Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Joinville - IOT - Joinville (SC), Brasil. Recebido: 11/03/2008 Aprovado: 02/07/2007 RESUMO Objetivos: avaliar a reprodutibilida- de e a força de concordância entre as classificações Arbeitsgemeinschaft für Osteosyntesefragen (AO) e Thoracolumbar Injury Classification and Severity Score (TLICS) para fraturas da coluna toracolombar e a correlação entre essas classificações e o tratamento proposto. Métodos: um total de 40 casos de fraturas da coluna toracolombar foram distribuídos em CD-ROM a nove cirurgiões de coluna vertebral, incluindo o exame clínico e exames de imagem. Um dos cirurgiões foi excluído por não ter respondido todos os itens do protocolo. A análise estatística foi realizada utilizando-se o teste de Cohen Kappa para a avaliação da força de concordância. Resultados: RESUMEN Objetivos: evaluar la reproducción y la fuerza de concordancia entre las clasificaciones “Arbeitsgemeinschaft für Osteosyntesefragen” (AO) y “Thoracolumbar Injury Classification and Severity Score” (TLICS) para fracturas de la columna toraco- lumbar y la correlación entre esas clasificaciones y el tratamiento propuesto. Métodos: un total de 40 casos de fracturas de la columna toracolumbar fueron distribuidos en CD-ROM a nueve cirujanos de la columna vertebral, incluyendo el examen clínico y exámenes de imagen. Un cirujano fue excluido por no haber respondido todos los ítems del protocolo. El análisis estadístico fue realizado utilizando el teste de Cohen

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COLUNA/COLUMNA. 2008;7(2):153-159

Avaliação da reprodutibilidade entre duas classificações de fraturas da coluna tóracolombar e

suas correlações com o tratamento Evaluation of the reproducibility between two

classifications of fractures to the thoracolumbar spine and their correlations with treatment

Evaluación de la reproducción entre dos clasificaciones de fracturas de la columnatoracolumbar y sus

correlaciones con el tratamiento

Carlos Henrique Maçaneiro1

Ricardo Kiyoshi Miyamoto2

Rodrigo Fetter Lauffer2

Ribamar Volpato Larsen3

ABSTRACTObjectives: to evaluate the reproduc-ibility and the agreement strength between the “Arbeitsgemeinschaft für Osteosyntesefragen” (AO) and Thoracolumbar Injury Classification and Severity Score (TLICS) classifi-cations for thoracolumbar spinal fractures and the correlation between these classifications and the proposed treatment. Methods: a total of 40 cases of thoracolumbar spinal fractures were distributed on CD-ROM to nine vertebral spinal surgeons, including the clinical exam and image exams. One of the surgeons was excluded for not answering to all items of the protocol. The statistical analysis was done utilizing the Cohen Kappa test for the evaluation of the agreement strength.

ARTigo oRiginAL / oRiginAL ARTiCLe

Trabalho realizado no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Joinville - IOT - Joinville (SC), Brasil.

1Chefe do Serviço de Residência em Ortopedia e Traumatologia do Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Joinville - IOT - Joinville (SC), Brasil.2Médico do Grupo de Cirurgia da Coluna Vertebral do Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Joinville - IOT - Joinville (SC), Brasil.3Residente em Cirurgia da Coluna Vertebral do Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Joinville - IOT - Joinville (SC), Brasil.

Recebido: 11/03/2008 Aprovado: 02/07/2007

ReSUMoObjetivos: avaliar a reprodutibilida-de e a força de concordância entre as classificações Arbeitsgemeinschaft für Osteosyntesefragen (AO) e Thoracolumbar Injury Classification and Severity Score (TLICS) para fraturas da coluna toracolombar e a correlação entre essas classificações e o tratamento proposto. Métodos: um total de 40 casos de fraturas da coluna toracolombar foram distribuídos em CD-ROM a nove cirurgiões de coluna vertebral, incluindo o exame clínico e exames de imagem. Um dos cirurgiões foi excluído por não ter respondido todos os itens do protocolo. A análise estatística foi realizada utilizando-se o teste de Cohen Kappa para a avaliação da força de concordância. Resultados:

ReSUMen Objetivos: evaluar la reproducción y la fuerza de concordancia entre las clasificaciones “Arbeitsgemeinschaft für Osteosyntesefragen” (AO) y “Thoracolumbar Injury Classification and Severity Score” (TLICS) para fracturas de la columna toraco-lumbar y la correlación entre esas clasificaciones y el tratamiento propuesto. Métodos: un total de 40 casos de fracturas de la columna toracolumbar fueron distribuidos en CD-ROM a nueve cirujanos de la columna vertebral, incluyendo el examen clínico y exámenes de imagen. Un cirujano fue excluido por no haber respondido todos los ítems del protocolo. El análisis estadístico fue realizado utilizando el teste de Cohen

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COLUNA/COLUMNA. 2008;7(2):153-159

154 Maçaneiro CH, Miyamoto RK, Lauffer RF, Larsen RV

na avaliação da classificação TLICS a reprodutibilidade interobservador se mostrou leve para as lesões do complexo ligamentar posterior e para a morfologia da fratura e quase perfeita para a avaliação da integridade neurológica. A classificação AO se mostrou com força de concordância leve. A concordância entre as opções de tratamento foi moderada. As clas-sificações mostraram uma tendência à orientação da escolha tratamento, mas não apresentaram uma correlação absoluta. Conclusões: as classificações apresentaram uma reprodutibilidade leve, enquanto a concordância para o tratamento foi moderada, o que evidencia uma escolha de tratamento baseada não apenas em critérios objetivos, mas também na experiência pessoal de cada profissional.

desCRitORes: Fraturas da coluna vertebral/classificação; Fraturas da coluna vertebral/terapia

Results: in the evaluation of the TLICS classification the inter-observer reproducibility was weak for the lesions of the posterior ligament region and for the morphology of the fracture, and almost perfect for the evaluation of the neurological integrity. The AO classification showed weak agreement strength. The agreement between the treatment options was moderate. The classifications demonstrated a tendency to the orientation of the treatment choice, but didn’t present an absolute correlation. Conclusions: the classifications presented weak reproducibility, while the agreement for the treatment was moderate, which gives evidence to a treatment choice based not only on objective criteria, but also on the personal experience of each professional.

KeYWORds: Spinal fractures/ classification; Spinal fractures/ therapy

Kappa para la evaluación de la fuerza de concordancia. Resultados: en la evaluación de la clasificación TLICS, la reproducción entre observadores se mostró leve para las lesiones del complejo de ligamentos posterior y para la morfología de la fractura, pero casi perfecta para la evaluación de la integridad neurológica. La clasificación AO se mostró con fuerza de concordancia leve. La concordancia entre las opciones de tratamiento fue moderada. Las clasificaciones mostraran una tendencia a la orientación de la opción del tratamiento, pero no presentaron una correlación absoluta. Conclusiones: las clasificaciones presentaron una reproducción leve, mientras la concordancia para el tra-tamiento fue moderada, lo que indica una opción de tratamiento con base no solo en criterios objetivos, sino también en la experiencia personal de cada profesional.

desCRiPtORes: Fracturas espinales/ classificación; Fracturas espinales/ terapía

inTRoDUÇÃo Um sistema de classificação apresenta múltiplos pro-pósitos, entre os quais facilitar a comunicação entre profissionais, auxiliar na documentação e pesquisa mé-dicas, e principalmente associar um valor de prognóstico e tratamento para os pacientes1. Portanto, apresenta uti-lidade quando considera a gravidade da lesão e serve como base para o tratamento e avaliação dos resultados2. Muitas classificações de fraturas da coluna vertebral têm sido desenvolvidas desde 19493, cada uma delas com

características próprias que consideram a estabilidade, o mecanismo de trauma, as lesões neurológicas e liga-mentares, o conceito de colunas e a morfologia das lesões ósseas3-16, com o objetivo de compreender melhor a complexa apresentação de cada fratura e homogeneizar as condutas dos profissionais. Apesar de tantas classificações desenvolvidas, poucas são validadas antes de serem promovidas e aceitas pela sociedade médica1. Três fases são propostas na literatura para que este processo esteja completo1 (Figura 1).

Figura 1Fases da validação de uma classificação

Fonte: traduzido de: Audige L, Bhandari M, Hanson B, Kellam J. A Concept for the validation of fracture classifications. J Orthop Trauma. 2000; 19(6):404-9.

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155Avaliação da reprodutibilidade entre duas classificações de fraturas da coluna tóracolombar e suas correlações com o tratamento

Em 1994, o sistema de classificação Arbeitsgemeinschaft für Osteosyntesefragen (AO)17 para fraturas da coluna toracolombar foi introduzido por Magerl e colaboradores após uma revisão de 1445 casos de fraturas da coluna toracolombar, primariamente baseado em características morfopatológicas e critérios radiográficos. Esse sistema

Fonte: traduzido de: Magerl F, Aebi M, Gertzbein SD, Harms J, Nazarian S. A comprehensive classification of thoracic and lumbar injuries. Eur Spine J.1994;3:184-201.

TABeLA 1 - Classificação Ao “Arbeitsgemeinschaft für osteosyntesefragen”

Tipo ACompressão

Tipo BDistração

Tipo CRotação

1. Fraturas impactadas

2. “Split” (separação)

3. Explosão

1. Lesão posterior ligamentar

2. Lesão posterior óssea

3. Lesão anterior - hiperextensão

1. Tipo A + rotação

2. Tipo B + rotação

3. Cisalhamento + rotação

1. Impacção da placa terminal2. Encunhamento3. Colapso do corpo vertebral1. Sagital2. Coronal3. Pinça1. Incompleta2. Explosão-separação3. Completa1. Com rotura transversa do disco2. Associada a fratura tipo A1. Fratura transversa na vértebra (Chance)2. Lesão transversa no disco3. Associada a fratura tipo A1. Hiperextensão-subluxação2. Hiperextensão-espondilólise3. Luxação posterior1. Impactada2. Separação3. Explosão1. B1 + rotação2. B2 + rotação3. B3 + rotação1. Fratura tipo “slice”2. Fratura oblíqua

hierarquiza a lesão conforme a gravidade e apresenta-se alfanumericamente dividido em tipos (A, B e C) de acordo com o mecanismo de lesão, grupos (A1, A2, A3, B1, B2, B3, C1, C2, C3), subgrupos (A1.1, A1.2, A1.3, A2.1 etc.), e subdivisões (A1.2.3, B3.2.1 etc.) (Tabela 1).

Em 2005, um novo sistema de classificação conhecido como Thoracolumbar Injury Classification and Severity Score (TLICS)18 foi introduzido por Vaccaro e colaboradores após uma revisão de 127 casos de fraturas da coluna toracolombar por 40 cirurgiões experientes de 15 instituições distintas. É primariamente baseado em três variáveis (morfologia da fratura, integridade do complexo ligamentar posterior e comprometimento neurológico) divididas em subgrupos aos quais são atribuídos pontos de acordo com o com-prometimento de cada uma dessas variáveis (Tabela 2). A proposta de tratamento é influenciada e direcionada pela soma desses pontos.

Os objetivos deste estudo são os seguintes: avaliar a concordância interobservador da Classificação AO, levando-se em consideração os tipos e os grupos; avaliar a concordância interobservador da classificação TLICS, levando-se em consideração a morfologia da fratura, o exame neurológico e o complexo ligamentar posterior; realizar uma avaliação da concordân- cia interobservador do tratamento proposto, consi-derando-se as opções cirúrgica e não-cirúrgica; e correlacionar as duas classificações à indicação do tratamento, levando-se em consideração a opção cirúrgica e não-cirúrgica.

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156 Maçaneiro CH, Miyamoto RK, Lauffer RF, Larsen RV

TABeLA 2 - Classificação TLiCS “Thoracolumbar injury Classification and Severity Score”

Morfologia da lesão

Compressão

Translação / rotação

Distração

Integridade do Complexo Ligamentar Posterior

Intacto

Suspeito / indeterminado

Lesado

Envolvimento Neurológico

Intacto

Raiz

Medula / cone medular

Cauda equina

Qualificador

Explosão

Qualificador

Completa

Incompleta

Pontos

1

1

3

4

Pontos

0

2

3

Pontos

0

2

2

3

3

Fonte: traduzido de: Vaccaro AR, Lehman RA, Hurlbert RJ, Anderson PA, Harris M, Hedlund R, et al. A new classification of thoracolumbar injuries: the importance of injury morphology, the integrity of the posterior ligamentous complex, and neurologic status. Spine. 2005;30(20):2325-33.

MÉToDoSUm total de 40 casos de fraturas da coluna toracolombar atendidos pelo Grupo de Cirurgia de Coluna Vertebral do IOT-Joinville-SC foram distribuídos em CD-ROM para nove cirurgiões de coluna vertebral com experiência mínima de dez anos, incluindo oito ortopedistas e um neurocirurgião, em nove instituições distintas. Um dos cirurgiões foi excluído por ter preenchido o protocolo de forma incompleta, o que inviabiliza a análise com o teste Cohen Kappa. Os casos clínicos incluíram a anamnese, o exame físico e exames complementares de imagem: radiografias padrão em ântero-posterior e perfil, tomografias e ressonância nuclear magnética (Figura 2). Foram apresentados os seguintes exames de imagens: radiografias (raios-X) e tomografia axial computadori- zada (TAC) em 25 casos (62,5%); radiogra-fias e ressonância nuclear magnética (RNM) em dois casos (5%); e todos os exames (raios-X, TAC e RNM) em 13 casos (32,5%).

Todos os pacientes apresentavam-se esqueleticamente maduros, vítimas de trauma e sem doenças sistêmicas com comprometimento ósseo. Não foram incluídas fraturas patológicas.

Os cirurgiões receberam os artigos originais que descrevem detalhadamente as duas classificações17-18, além de um protocolo de pesquisa (Tabela 3), que foi preenchido de forma individual.

Figura 2(Paciente 18) 23 anos, trauma automobilístico, dor lombar de forte intensidade, neurológico íntegro

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157Avaliação da reprodutibilidade entre duas classificações de fraturas da coluna tóracolombar e suas correlações com o tratamento

A concordância interobservador da classificação AO foi realizada entre os três tipos (A, B e C) e entre os nove grupos (A1, A2, A3, B1, B2, B3, C1, C2, C3). Não foram levados em consideração os 25 subgrupos (A1.1, A1.2, A1.3, A2.1, etc.) e as 55 subdivisões (A1.2.3, B3.2.1 etc.).

A concordância interobservador da classificação TLICS foi realizada entre as três variáveis (morfologia da fratura, lesão do complexo ligamentar posterior e comprometimento neurológico), separadamente.

A concordância interobservador do tratamento cirúrgico ou não cirúrgico foi analisada, assim como a correlação entre as classificações e a opção de tratamento.

A análise estatística foi realizada com o uso do teste Cohen Kappa (κ) para determinar a concordância interobservador, os valores para interpretação foram utilizados conforme orientação da literatura (Landis e Koch)19 e são apresentados na Tabela 4.

Não há consenso sobre os valores κ que devem ser considerados aceitáveis para os sistemas de classificação de fraturas20-21, entretanto, sugere-se um valor κ > 0,5520,22.

TABeLA 4 - Força de concordância segundo o Coeficiente Kappa(κ)

Coeficiente Kappa(κ)

< 0,00

0.00 – 0.20

0.21 – 0.40

0.41 – 0.60

0.61 – 0.80

0.81 – 1.00

Força de Concordância

Sem concordância

Desprezível

Leve

Moderada

Grande

Quase perfeitaFonte: traduzido de: Landis JR, Koch GC. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics 1977;36:207-16.

ReSULTADoSClassificação aOOs 40 casos foram avaliados por oito observadores, o que proporcionou 320 respostas. À exceção do grupo B3, que não foi citado nenhuma vez, todos os outros

TABeLA 5 - Correlação Ao x tratamentoTipo

A

B

C

Total

55,5% (178/320)

18% (57/320)

26,5% (85/320)

% cirúrgica

45% (81/178)

91% (52/57)

98% (83/85)

Figura 3Correlação entre a Classificação AO e o tratamento cirúrgico

grupos foram citados em pelo menos 12 oportunidades, sendo mais comum o A3, em 30% dos casos. As fraturas foram classificadas mais freqüentemente como tipo A (55,5%), seguidas pelo tipo C (26,5%). O tipo C obteve recomendação cirúrgica em 98% dos casos, enquanto as do tipo B em 91%. O tipo A recebeu tratamento cirúrgico em 45% dos casos, divididos conforme se segue: 4% A1, 1% A2 e a grande maioria pertencendo ao grupo A3 (40%) (Tabela 5 e Figura 3). A concordância interobservador obtida foi κ=0,396 (tipo) e κ=0,325 (grupo), com nível de significância α=0,05 e P<0,001. Os subgrupos e as subdivisões não foram avaliados.

TABeLA 3 - Protocolo de pesquisa

Caso 1

Caso 2

Caso ...

Caso ...

Caso 39

Caso 40

Classificação Ao

Tipo grupo Subgrupo

Classificação TLiCS

Morf.* CLP** neur.***

operar?

Sim/não

*Morfologia; **Complexo ligamentar posterior; ***comprometimento neurológico

Classificação TLICSOs mesmos 40 casos foram avaliados pelos oito obser-vadores, o que nos proporcionou 320 respostas em cada uma das três variáveis. A morfologia das fraturas apresen-tou concordância interobservador de κ=0,258,e as mais comuns foram por compressão (40%). O comprometimento neurológico apresentou concordância de κ=0,859, e o exame neurológico intacto foi o mais freqüente (82%). A avaliação da integridade do complexo ligamentar posterior apresentou concordância κ=0,318 e foi considerado intacto em 50% dos casos (Tabela 6).

A Figura 4 evidencia a correlação entre a pontuação obtida com a soma das três variáveis e o tratamento.

Tratamento cirúrgicoApresentou concordância interobservador κ=0,536, com nível de significância α=0,05 e P<0,001. As indicações ficaram divididas em 68% (217) tratamentos cirúrgicos e 32% (103) não cirúrgicos.

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COLUNA/COLUMNA. 2008;7(2):153-159

DiSCUSSÃoSistemas de classificação são úteis para profissionais que estão interessados não apenas no tratamento, mas também em compreender os mecanismos envolvidos na fisiopatologia da lesão23. Nas fraturas da coluna toracolombar muitas variáveis estão envolvidas em descrever a anatomia e a fisiopatologia, o que torna incompletos aqueles sistemas desenvolvidos com simplicidade e, ao mesmo tempo, muito complexos e de difícil reprodutibilidade aqueles sistemas que se utilizam dos mínimos detalhes. Apresenta-se aqui a dificuldade na escolha entre sistemas simples, que omitem informações, e sistemas complexos, que não permitem aos profissionais emitirem a mesma opinião. Muitos autores têm participado deste processo evolutivo tentando agrupar e avaliar, da melhor forma possível, os dados que direcionam a uma padronização de classificação, compreensão e tratamento. Wood et al.23, em um estudo com 31 casos clínicos e 19 observadores, realizaram a avaliação interobservador entre a classificação AO e a classificação desenvolvida por Denis8. Obteve-se uma reprodutibilidade moderada para os três tipos e também para os nove grupos AO. Os quatro tipos propostos por Denis mostraram-se com moderada reprodutibilidade, enquanto os 16 subtipos obtiveram resultados desprezíveis (Tabela 7).

Figura 4Correlação entre a pontuação TLICS e o tratamento cirúrgico

TABeLA 7 - Comparação da força de concordância (κ) entre as classificaçõesestudosÖner20

Wood23

Vaccaro24

Presente estudo

AoTipos: κ=0,31 (Rx + TAC)Tipos: κ=0,28 (Rx + RNM)

Tipos: κ=0,475 Grupos: κ=0,537

Tipos: κ=0,396Grupos: κ=0,325

TLiCS

Morf: κ=0,33Neuro: κ=0,91CLP: κ=0,35

Morf: κ=0,258Neuro: κ=0,859CLP: κ=0,318

DenisTipos: κ=0,45 (Rx + TAC)Tipos: κ=0,39 (Rx + RNM)

Tipos: κ=0,606Subtipos: κ=0,173

Morf: morfologia; Neuro: comprometimento neurológico; CLP: complexo ligamentar posterior

Öner et al.20, em um estudo com 53 fraturas e cinco observadores, encontraram uma reprodutibilidade leve para a classificação AO e moderada para a classificação de Denis. Apresentaram também uma divisão em dois grupos: o primeiro com pacientes que apresentavam radiografias e TAC e o segundo com pacientes que apresentavam radiografias e RNM. A classificação AO mostrou-se com força de concordância leve nos dois grupos, enquanto a classificação de Denis mostrou-se moderada no primeiro grupo (r-X e TAC) e leve no segundo grupo (Tabela 7). Vaccaro et al.24, em um estudo com 71 casos e cinco observadores, encontraram um coeficiente de concordância leve para a morfologia da fratura, quase perfeito para o comprometimento neurológico, leve para as lesões do complexo ligamentar posterior e também leve quando considerada a somatória dos pontos (Tabela 7). Os resultados obtidos no presente estudo se mostraram semelhantes aos da literatura (Tabela7).

Os dados que se apresentaram mais próximos da concor-dância perfeita se referem ao comprometimento neurológico, mas não pode ser inferida grande importância a este achado, uma vez que, diferentemente dos outros dados, não depende da avaliação isolada de cada observador, mas da informação clara e objetiva que foi fornecida pelos autores na anamnese e no exame físico de cada paciente na apresentação do caso clínico. Apenas sete casos apresentavam lesão neurológica, dos quais cinco Frankel A, um Frankel B e um caso Frankel C. A força de concordância foi perfeita (κ=1 com nível de significância α=0,05 e P<0,001) nos casos sem lesão neurológica ou Frankel C, embora se apresentasse leve (κ=0,31 com nível de significância α=0,05 e P<0,001) na avaliação isolada dos outros seis casos (Frankel A e Frankel B).

A associação entre a pontuação obtida com a classificação TLICS e o tratamento proposto na literatura foi concordante em 75% dos casos. Quando se avaliou os resultados entre um e três pontos, 59% (97/195) optaram pelo tratamento conservador, e quando se avaliou entre cinco ou mais pontos, 97% (120/123) optaram pela cirurgia. Na situação intermediária, ou seja,

TABeLA 6 - Correlação entre a classificação TLiCS e a força de concordância segundo o coeficiente Kappa

Morfologia κ=0,258*

Integridade do complexo

ligamentar posterior

κ=0,318*

Envolvimento neurológico

κ=0,859*

Pontos

1

2

3

4

0

2

3

0

2

3

Quantidade

40,63% (130/320)

18,75% (60/320)

25,31% (81/320)

15,31% (49/320)

50% (160/320)

17,5% (56/320)

32,5% (104/320)

82,81% (265/320)

10,94% (35/320)

6,25% (20/320)*Nível de significância κ=0,05, com P<0,001

158 Maçaneiro CH, Miyamoto RK, Lauffer RF, Larsen RV

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COLUNA/COLUMNA. 2008;7(2):153-159

quatro pontos, 90% se mostraram ser casos cirúrgicos. Nosso resultado se mostrou diferente da literatura24, que aponta 96,4% de concordância entre a classificação e o tratamento proposto. Mostrou também uma tendência à indicação cirúrgica em lesões que foram classificadas com menos de 5 pontos, contrariando mais uma vez a orientação do artigo original24.

A classificação AO mostrou-se com forte tendência ao tratamento cirúrgico quando classificada como grupo A3, tipos B e C, reservando-se o tratamento conservador para grande parte dos grupos A1 e A2.

Não se deve esquecer a ausência de alguns exames complementares nos casos selecionados, o que, de alguma forma, pode ter prejudicado a avaliação dos observadores. Entretanto, cabe lembrar que os pacientes foram avaliados

clinicamente em um serviço de urgência e emergência em traumatologia por profissionais experientes e que esses exames foram considerados suficientes para que os pacientes fossem submetidos a um tratamento adequado, sem prejuízo de resultados.

ConCLUSÃo A força de concordância interobservador segundo o coeficiente Kappa (κ) apresentou-se como leve para as duas classificações avaliadas neste estudo, enquanto a força de concordância em optar pelo tratamento, conservador ou cirúrgico, mostrou-se moderada e evidenciou uma tomada de decisão baseada não apenas em critérios objetivos, mas com forte influência da experiência pessoal de cada profissional.

ReFeRÊnCiAS1. Audigé L, Bhandari M, Hanson B,

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Correspondência

Carlos Henrique Maçaneiro

R. Blumenau, 316

Joinville (SC), Brasil

CEP: 89204-251

Tel: + 55 (47) 3433-2020

E-mail: [email protected]

Agradecimentos - Os autores agradecem aos colegas observadores que contribuíram com o desenvolvimento deste estudo e também ao Dr. Luis Carlos Daquino que contribuiu na realização da análise estatística.

159Avaliação da reprodutibilidade entre duas classificações de fraturas da coluna tóracolombar e suas correlações com o tratamento