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Aves como subsídio para a Educação Ambiental: perfil das iniciativas brasileiras Natália Allenspach 1, 3 & Poliana Bruno Zuin 2 As aves representam um excelente subsídio para a Educação Ambiental (Argel-de-Oliveira 1996, Silva & Ma- mede 2005, Costa 2007). Os motivos são vários: elas estão presentes em todos os lugares, mesmo nas maiores metrópoles; seu colorido e vocalizações chamam a atenção e tornam prazerosa sua observa- ção; além disso, elas não causam aversão como outros animais (Argel-de-Oliveira 1996). A observação de aves em liberda- de também consiste em um hobby, que surgiu na Europa no século XVIII (Pi- vatto & Sabino 2007). Vieira-da-Rocha & Molin (2008) defen- dem o uso da observação de aves como ferramenta didática no ensino formal. Este tipo de atividade estimula a capacidade de observação e permite a sensibilização do aluno com o meio ambiente (Costa 2007). Somam-se os benefícios do contato com o meio ambiente natural: mesmo as mais breves e simples interações com a natureza produzem um aumento das funções cogni- tivas, como concentração, memória e aten- ção (Berman et al. 2008). O tema “aves” também pode ser utiliza- do na Educação Ambiental sob outros for- matos, diferentes da observação de aves. Alguns exemplos: visitas monitoradas em museus e zoológicos, criação de jogos e brincadeiras, utilização de peças taxidermizadas, palestras, ofi- cinas, exposições fotográficas, criação de cartilhas e guias de identificação de espécies. Há potencial até mesmo para aulas de cunho mais musical, em função das semelhanças entre as melo- dias dos cantos das aves e as criadas pelo homem (Baptista & Keister 2005). A identificação de aves por meio de suas vocaliza- ções também pode ser foco de trabalho específico com deficien- tes visuais. É possível encontrar na literatura uma série de experiências in- dividuais de Educação Ambiental com a temática “aves”, mas há também muitos projetos que não chegam a ser divulgados nos meios científicos. Este trabalho teve como objetivo traçar um perfil das iniciativas brasileiras que utilizam aves como subsídio para a Educação Ambiental, com foco nos seguintes aspectos: distribuição geográfica dos projetos, formação dos educadores, fontes de financiamento, grupos de aves que recebem maior en- foque, público alvo, recursos didáticos utilizados e principais de- safios e dificuldades a serem superados. Espera-se que os dados coletados possam auxiliar no planejamento de futuros projetos e iniciativas. Material e métodos A coleta de dados foi feita por meio de um questionário estrutu- rado, uma vez que não exige a presença do pesquisador e permite ISSN 1981-8874 9 771981 88700 3 6 7 1 0 0 Figura 1. Localização geográfica dos projetos cadastrados no censo. Os pontos vermelhos representam os municípios onde são desenvolvidas atividades. Os estados abrangidos foram marcados em cinza. Atualidades Ornitológicas On-line Nº 176 - Novembro/Dezembro 2013 - www.ao.com.br 50

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Aves como subsídio para a Educação Ambiental: perfil das iniciativas brasileiras

Natália Allenspach1, 3 & Poliana Bruno Zuin2

As aves representam um excelente subsídio para a Educação Ambiental (Argel-de-Oliveira 1996, Silva & Ma-mede 2005, Costa 2007). Os motivos são vários: elas estão presentes em todos os lugares, mesmo nas maiores metrópoles; seu colorido e vocalizações chamam a atenção e tornam prazerosa sua observa-ção; além disso, elas não causam aversão como outros animais (Argel-de-Oliveira 1996). A observação de aves em liberda-de também consiste em um hobby, que surgiu na Europa no século XVIII (Pi-vatto & Sabino 2007).

Vieira-da-Rocha & Molin (2008) defen-dem o uso da observação de aves como ferramenta didática no ensino formal. Este tipo de atividade estimula a capacidade de observação e permite a sensibilização do aluno com o meio ambiente (Costa 2007). Somam-se os benefícios do contato com o meio ambiente natural: mesmo as mais breves e simples interações com a natureza produzem um aumento das funções cogni-tivas, como concentração, memória e aten-ção (Berman et al. 2008).

O tema “aves” também pode ser utiliza-do na Educação Ambiental sob outros for-matos, diferentes da observação de aves. Alguns exemplos: visitas monitoradas em museus e zoológicos, criação de jogos e brincadeiras, utilização de peças taxidermizadas, palestras, ofi-cinas, exposições fotográficas, criação de cartilhas e guias de identificação de espécies. Há potencial até mesmo para aulas de cunho mais musical, em função das semelhanças entre as melo-dias dos cantos das aves e as criadas pelo homem (Baptista & Keister 2005). A identificação de aves por meio de suas vocaliza-ções também pode ser foco de trabalho específico com deficien-tes visuais.

É possível encontrar na literatura uma série de experiências in-dividuais de Educação Ambiental com a temática “aves”, mas há também muitos projetos que não chegam a ser divulgados nos meios científicos. Este trabalho teve como objetivo traçar um

perfil das iniciativas brasileiras que utilizam aves como subsídio para a Educação Ambiental, com foco nos seguintes aspectos: distribuição geográfica dos projetos, formação dos educadores, fontes de financiamento, grupos de aves que recebem maior en-foque, público alvo, recursos didáticos utilizados e principais de-safios e dificuldades a serem superados. Espera-se que os dados coletados possam auxiliar no planejamento de futuros projetos e iniciativas.

Material e métodosA coleta de dados foi feita por meio de um questionário estrutu-

rado, uma vez que não exige a presença do pesquisador e permite

ISSN 1981-8874

9 771981 887003 67100

Figura 1. Localização geográfica dos projetos cadastrados no censo. Os pontos vermelhos representam os municípios onde são desenvolvidas atividades. Os estados abrangidos foram marcados em cinza.

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alcançar um grande número de pessoas, abrangendo uma ampla área geográfica (Boni & Quaresma 2005). O método con-sistiu em um web survey, ou seja, a coleta de dados de uma amostra representativa da população de interesse (Babbie 2005), realizada em ambiente online (Carneiro & Dib 2011).

O questionário (ver Anexo I) contém perguntas abertas e fechadas, estas últi-mas no formato de alternativas. Ele foi disponibilizado através do sistema Goo-gle Drive, que funciona como web host tanto para o formulário quanto para a base de dados que armazena as respos-tas. Instituições e pessoas que desenvol-vem projetos de Educação Ambiental com foco em aves (N = 49) foram con-tatadas e convidadas a responder o então chamado “I Censo brasileiro de projetos de Educação Ambiental com a temática aves”. A fim de minimizar o erro de co-bertura, ou seja, o fato de existirem pro-jetos que não foram convocados (Car-neiro & Dib 2011), o censo também foi amplamente divulgado na internet, por meio de fóruns especializados, blogs, redes sociais (Facebook, Twitter, Wikia-ves) e grupos de e-mail.

O censo foi divulgado no período de julho a novembro de 2012, sendo aceitas respostas até meados de janeiro de 2013. Ao todo, 41 projetos foram cadastrados, dos quais apenas um foi retirado da amos-tra por não se encaixar no perfil solicitado. Embora o web survey aumente potencial-mente o número de participantes, é es-perada uma elevada taxa de não resposta (Cendon et al. 2010). Das 49 instituições e pessoas contatadas diretamente, obtive-mos resposta de 14 (28,6%), responsáveis por 17 projetos.

Os dados de natureza quantitativa foram analisados por meio de estatística descri-tiva básica e foram representados grafica-mente. Os dados qualitativos foram descritos e discutidos com base na literatura.

Resultados e discussãoA maior parte dos projetos cadastrados no censo (60%) é de-

senvolvida por instituições de maior porte, como fundações, ins-titutos de pesquisa, ONGs e centros de visitantes de unidades de conservação. Vinte e três por cento dos projetos são organiza-dos por grupos de pessoas interessadas no tema, como clubes de observadores de aves. Uma parcela representativa (20%) corres-ponde a iniciativas individuais, desenvolvidas por professores, alunos de graduação (como parte de trabalhos de conclusão de curso) e apaixonados pelo tema. Há sobreposição nos dados pois um projeto é desenvolvido em conjunto por uma instituição e um grupo de pessoas.

Localização geográficaA maior parte dos projetos é realizada em escala local, mas al-

guns já desenvolveram atividades em até 15 municípios diferen-tes, por vezes atuando em mais de um estado. Ao todo os projetos cadastrados abrangem 64 municípios brasileiros, compreendendo 13 estados: Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo; e o Dis-trito Federal (Figura 1). Apenas um projeto consiste em um portal online, portanto com abrangência nacional.

Observa-se que há maior ocorrência de projetos no Sul e Sudeste do país. Nenhum projeto foi amostrado na região Norte e há poucos representantes nas regiões Nordeste e Centro-Oeste. É difícil avaliar se isto é resultado de um erro de cobertura do web survey ou se efe-tivamente existem poucas iniciativas nestas regiões.

Figura 2. Ano de criação dos projetos.

Figura 3. Público alvo dos projetos.

Figura 4. Faixa-etária do público abordado pelos projetos. Crianças (0 – 12 anos), Adolescentes (13 – 17 anos), Jovens (18 – 25 anos), Adultos (26 – 59 anos) e Terceira idade (60 anos ou mais).

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Ano de criaçãoO projeto mais antigo amostrado foi

criado em 1990 e continua em atividade. A maior parte dos projetos nasceu nos úl-timos anos (Figura 2), demonstrando um crescente interesse pela utilização das aves como subsídio para a Educação Ambien-tal. Trinta e dois projetos continuavam em andamento até o momento da aplicação do questionário, quatro encontravam-se em fase de planejamento e três já haviam sido finalizados. Um projeto foi declarado “pa-ralisado por falta de recursos”.

Público alvoO público escolar é foco de 87,5% dos

projetos, mas grande parte deles trabalha si-multaneamente com outros públicos, como visitantes, turistas e interessados em geral (Figura 3). Também foram citados trabalhos específicos desenvolvidos com a comunida-de rural (N = 3), monitores ambientais (N = 4), professores (N = 1), universitários (N = 3) e projetos que procuram atingir pessoas que mantêm aves em cativeiro (N = 1).

A distribuição das faixas etárias atin-gidas pelos projetos é bastante equitativa (Figura 4), com muitos projetos trabalhan-do mais de uma faixa etária (muitas vezes todas) ao mesmo tempo.

Locais onde as atividades são realizadasOs locais mais utilizados para realizar as

atividades dos projetos são parques e pra-ças localizados na área urbana, escolas e unidades de conservação. Além das opções de resposta oferecidas no questionário, que podem ser observadas na Figura 5, também foram citados: campus de universidades (N = 3), assentamentos rurais (N = 2), atrativos turísticos (N = 1), centros culturais (N = 1), áreas particulares (N = 1) e locais de grande circulação como shopping e supermercados (N = 1). A pergunta não se aplicava a dois dos projetos, uma vez que consistiam na pro-dução de material didático.

Escolha das aves como tema principalOs motivos que levaram à escolha das

aves como tema principal dos projetos amos-trados no web survey são os mais variados. A maioria das respostas menciona “o encanto que elas despertam em todos”, sua “vistosi-dade, abundância e potencial carismático” e destacam o fato do grupo ser “fácil de ser encontrado e que atrai a atenção de todos”. Como Argel-de-Oliveira (1996), Costa (2007), Silva & Mamede (2005) e muitos outros autores já afirmam, as aves são um excelente grupo para trabalhar a Educação

Figura 5. Locais onde são realizadas as atividades dos projetos.

Figura 7. Recursos utilizados durante as atividades dos projetos.

Figura 6. Aves que recebem maior destaque nos projetos.

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Ambiental em função de seus atributos ca-rismáticos, sua diversidade, abundância e facilidade em serem observadas.

Como conteúdo escolar, o tema aves foi citado dentro da “abordagem da classifica-ção dos vertebrados”. Já a importância da interdisciplinaridade do tema, destacada por Vieira-da-Rocha & Molin (2008), foi ob-servada na seguinte resposta: “por oferecer múltiplas possibilidades para se trabalhar conteúdos e atitudes das pessoas a respeito da relação ser humano e ambiente”.

Os responsáveis pelos projetos apresentam grande preocupação em promover a conser-vação, em função da “cultura que existe na região de caça e captura de aves”. Além disso, as aves são “a classe que mais sofre com o tráfico de animais silvestres”. De fato, as aves são os animais mais encontrados no comércio ilegal, representando mais de 80% das apreensões do IBAMA (RENCTAS 2001). Um dos projetos amostrados no web survey trabalha especificamente com a ques-tão do tráfico de aves silvestres, e ressaltou como motivo da escolha do tema a “alta incidência de infrações administrativas pu-nidas com multa”.

Outro aspecto que motivou a escolha das aves como tema é a existência de “mitos e lendas envolvidos”. Um dos projetos é de-dicado exclusivamente às aves de rapina, pois “são um grupo que sofre preconceitos diversos devido aos seus hábitos alimentares e comportamento”. Esta motivação demonstra a importância de conciliar os saberes populares e os científicos por meio da Edu-cação Ambiental (Oliveira-Jr & Sato 2006).

Aves que recebem mais destaqueOs grupos de aves que recebem maior enfoque nos projetos (Figu-

ra 6) são respectivamente as aves do Cerrado (45%), as aves urbanas (42,5%) e as aves da Mata Atlântica (35%). Aves da Amazônia não foram citadas, uma vez que nenhum projeto realizado em domínios deste bioma foi amostrado pelo web survey. Além das opções dispo-níveis no questionário, também foram citadas as aves limícolas (N = 2) e aves associadas às matas ciliares (N = 1).

Dentre os projetos, 35% trabalham com espécies-bandeira. As 26 espécies citadas encontram-se na Tabela 1. Metade delas sofre algum tipo de ameaça, segundo a IUCN (2012).

Recursos utilizados nas atividadesOs recursos mais utilizados (Figura 7), na maioria das vezes

simultaneamente, são: recursos multimídia (82,5%), guias de campo e outros materiais de referência (82,5%) e a observação de aves ao ar livre (75%). Seis projetos utilizam aves taxidermi-zadas e coleções de ovos e ninhos; cinco projetos utilizam pios (apitos especiais que emitem sons de aves) e dois projetos desen-volvem atividades baseadas na observação de aves em cativeiro. Outros recursos citados foram: jogos educativos, atividades lúdi-cas, manifestações artísticas (apresentações musicais e teatrais), meios de comunicação e comedouros para aves.

Prevendo a importância da observação de aves em liberdade nas atividades dos projetos, foram inseridas no questionário perguntas

específicas sobre o acesso a binóculos, câmaras fotográficas e grava-dores de som. Estes materiais são considerados necessários por 82% dos projetos, no entanto a maioria tem dificuldade em disponibilizá--los. Binóculos fazem falta em 75% dos projetos. Gravadores de som em 70%. No caso das câmaras fotográficas, embora também sejam raramente disponibilizadas pelos projetos, 47,5% deles declararam que os alunos têm condições de trazer seu próprio equipamento. Isso provavelmente ocorre porque câmaras digitais se tornaram mais acessíveis nos últimos anos. Além disso, a pesquisa não discriminou câmaras comuns de equipamento profissional.

EducadoresEm 20% dos projetos há somente um educador envolvido nas

atividades. Mas em mais da metade dos casos o número varia entre dois e cinco (Figura 8). Em 73% dos projetos há pelo menos um educador com formação superior.

Sobre a remuneração dos educadores, em apenas 35% dos projetos eles são assalariados e/ou autônomos. Em 17,5% dos projetos existem educadores que recebem bolsa ou algum tipo de auxílio financeiro. Os números não são precisos uma vez que um mesmo projeto pode manter educadores com diferentes tipos de remuneração, mas 70% dos projetos se valem também de educadores voluntários (Figura 9).

Fontes de recursosDos 40 projetos, 19 contam com algum tipo de financiamento,

4 dos quais apenas parcialmente. Dos projetos com apoio finan-ceiro, 10 recebem financiamento de órgãos privados e 7 de órgãos públicos. Além disso, 7 projetos declararam receber doações em dinheiro, e 4 recebem doações de materiais.

DesafiosA principal dificuldade relatada é a falta de recursos financeiros e

equipamentos. Em segundo lugar vêm as dificuldades em integrar

Figura 8. Número de educadores que atuam nas atividades dos projetos.

Figura 9. Remuneração dos educadores dos projetos.

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as atividades de Educação Ambiental às atividades dos alunos nas escolas (uma vez que o público escolar é foco da maioria dos pro-jetos). Há incompatibilidade com a grade horária dos alunos ou o cronograma da escola, baixa frequência em atividades que não são consideradas “obrigatórias” e dificuldades logísticas para levar os alunos até locais mais apropriados para realizar as atividades. Em seguida, uma grande reclamação é a quase completa inexistência de materiais didáticos específicos sobre o assunto, que forneçam subsí-dios para um melhor embasamento das atividades.

Seguem abaixo alguns comentários mais específicos com rela-ção aos desafios encarados:• “devido ao volume de atividades, são necessários dois bolsis-tas, que devido às características econômicas da região, não são atraídos com facilidade e quando o são, não permanecem por muito tempo no projeto”• “nem toda comunidade percebe a importância do projeto e questiona a não canalização do recurso (apesar de não ser pú-blico) para obras de infra-estrutura, segurança e outros...”• “no momento o desafio é colocar o projeto em prática, fazê-lo sair do papel, pois apesar de pertencermos a um órgão público, ainda não possuímos apoio financeiro”• “falta de preparo de professores e alunos para a visita monito-rada que deveria ser planejada pelo professor como uma aula ao ar livre e não um simples passeio”• “turma muito grande para realização de aulas em campo (cerca de 35 crianças e adolescentes); a amplitude da faixa etária das crian-ças atendidas (6 a 16 anos) foi um desafio constante aos professores, que precisam propor atividades e linguagens diferenciadas”• “o principal desafio do projeto foi construir uma relação de confiança com a comunidade que enxergava a floresta como fon-te de recurso ilimitado (...)”• “o nosso principal desafio é fazer com que o público alvo se interesse pelas aves mas não estimule o tráfico e comércio ilegal de aves”• “dificuldade em se mudar as atitudes do público participante (...), e a visão humana de que podem ter um animal em cativeiro, mesmo sendo um animal divertido como o papagaio”

ConclusõesApesar do esforço despendido para contatar os responsáveis

por projetos e divulgar o questionário, é importante ressaltar que os dados aqui apresentados remetem a uma amostra dessas inicia-tivas. Por definição, um censo se refere a uma coleta de dados que atinge praticamente toda uma população (Babbie 2005). Embora esta palavra tenha sido utilizada durante a aplicação dos ques-tionários para incentivar a participação, na prática os resultados remetem a um survey, ou seja, a uma amostra representativa da população de interesse.

A ideia de trabalhar o tema “aves” dentro do contexto da Educação Ambiental não é nova. Um dos projetos amostrados foi criado no início de década de 90. Em geral, as aves são escolhidas como foco dos projetos por serem carismáticas, muito diversas e abundantes. A facilidade na sua observação também é um aspecto importante, uma vez que a maioria dos projetos prioriza atividades ao ar livre.

Grande parte dos projetos trabalha predominantemente com o público escolar. Daí a dificuldade em realizar atividades em áreas preservadas, geralmente mais afastadas das cidades. Talvez por isso as aves urbanas sejam foco (embora não exclusivo) de quase metade dos projetos. No entanto, isto não se reflete na escolha das espécies-bandeira. Observa-se uma preferência por espécies

menos comuns, mais raras ou ameaçadas. Entre as poucas exce-ções estão o bem-te-vi (Pitangus sulphuratus), o joão-de-barro (Furnarius rufus) e o sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris), aves muito abundantes nas cidades.

Os dados demonstram que apenas metade das iniciativas conta com algum tipo de financiamento, o que foi citado como uma das maiores dificuldades enfrentadas. A falta de verba por vezes im-pede a contratação de profissionais e a aquisição de equipamen-tos, como binóculos. Muitos alunos trazem suas próprias câmaras para auxiliar nas atividades de observação de aves, mas a falta de binóculos consiste em um entrave para muitos projetos.

É preciso destacar o papel dos voluntários, que são responsá-veis e/ou apoiam as atividades de 70% dos projetos. Estas pesso-as são apaixonadas pelas aves e se preocupam com sua conserva-ção. Esta paixão é uma característica imprescindível na Educação Ambiental, e as aves parecem ter o poder de despertar este senti-mento nas pessoas.

Esperamos que este estudo inspire a criação de novos projetos de Educação Ambiental com esta temática. Infelizmente, ainda há na literatura uma imensa lacuna com relação à disponibilidade de mate-rial de apoio para os educadores que desejam trabalhar o tema aves no Brasil, principalmente de um ponto de vista regional. Por isso, apontamos a necessidade de realizar mais pesquisas, principalmente com relação aos aspectos didáticos e pedagógicos.

Referências bibliográficasArgel-de-Oliveira, M.M. (1996) Subsídios para a atuação de biólogos em Educação

Ambiental. O uso de aves urbanas em Educação Ambiental. Mundo Saúde 20(8): 263-270.

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Costa, R.G.A. (2007) Observação de aves como ferramenta didática: algumas consi-derações pedagógicas. Atualidades Ornitológicas 137: 4-7.

IUCN (2012) The IUCN Red List of Threatened Species. Version 2012.2. Disponí-vel em: <http://www.iucnredlist.org>. Acesso em: 15 de janeiro de 2013.

Oliveira-Jr, S.B. & M. Sato (2006) Educação ambiental e etnoconhecimento: par-ceiros para a conservação da biodiversidade de aves pantaneiras. Ambiente e Educação 11: 125-137.

Pivatto, M.A. & J. Sabino (2007) O turismo de observação de aves no Brasil: breve re-visão bibliográfica e novas perspectivas. Atualidades Ornitológicas 139: 10-13.

RENCTAS (2001) 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico de Animais Silvestres. Disponível em: <http://www.renctas.org.br/files/REL_RENCTAS_pt_final.pdf>. Acesso em: 23 de abril de 2013.

Silva, M.B. & S.B. Mamede (2005) Grupos de observadores de aves e mamíferos como estratégia para a conservação da biodiversidade do cerrado, p. 55-58. In: I Congresso regional de educação ambiental para a conservação do cerrado. Quirinópolis, GO.

Vieira-da-Rocha, M.C. & T. Molin (2008) A aceitação da observação de aves como ferramenta didática no ensino formal. Atualidades Ornitológicas 146: 33-37.

1Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva – DEBE, Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Rod. Washington

Luiz, km 235, CEP 13565-905. São Carlos, SP, Brasil.2 Docente do Curso de Especialização em Gestão

Ambiental do Departamento de Engenharia Civil - DECiv, Universidade Federal de São Carlos - UFSCar

3 E-mail: [email protected]

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Tabela 1: Espécies-bandeira utilizadas pelos projetos. A última coluna indica a categoria de risco de extinção em que a espécie se encontra, segundo a IUCN (2012).

Família / Espécie Nome popular IUCN

CRACIDAE

Ortalis guttata Aracuã

DIOMEDEIDAE

Thalassarche chlororhynchos Albatroz-de-nariz-amarelo Em perigo

Thalassarche melanophris Albatroz-de-sobrancelha Em perigo

Diomedea exulans Albatroz-gigante Vulnerável

Diomedea dabbenena Albatroz-de-tristão Criticamente em perigo

PROCELLARIIDAE

Procellaria aequinoctialis Pardela-preta Vulnerável

Procellaria conspicillata Pardela-de-óculos Vulnerável

CICONIIDAE

Ciconia maguari Maguari

CATHARTIDAE

Sarcoramphus papa Urubu-rei

PSITTACIDAE

Anodorhynchus leari Arara-azul-de-lear Em perigo

Amazona vinacea Papagaio-de-peito-roxo Em perigo

Amazona aestiva Papagaio-verdadeiro

TROCHILIDAE

Thalurania glaucopis Beija-flor-de-fronte-violeta

FURNARIIDAE

Furnarius rufus João-de-barro

TYRANNIDAE

Pitangus sulphuratus Bem-te-vi

TURDIDAE

Turdus rufiventris Sabiá-laranjeira

THRAUPIDAE

Tangara seledon Saíra-sete-cores

Tangara fastuosa Pintor-verdadeiro Vulnerável

Tangara cyanocephala Saíra-militar

EMBERIZIDAE

Sicalis flaveola Canário-da-terra-verdadeiro

Sporophila hypoxantha Caboclinho-de-barriga-vermelha

Sporophila ruficollis Caboclinho-de-papo-escuro Quase ameaçada

Sporophila palustris Caboclinho-de-papo-branco Em perigo

Sporophila cinnamomea Caboclinho-de-chapéu-cinzento Vulnerável

Sporophila melanogaster Caboclinho-de-barriga-preta Quase ameaçada

FRINGILLIDAE

Euphonia violacea Gaturamo-verdadeiro

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1) Nome do Projeto:

2) Localização:Cidade(s) / Estado(s) - incluir toda a área de abrangência do pro-jeto

3) Contato do responsável pelo projeto(E-mail ou telefone)

4) O projeto tem um site próprio? Qual o endereço (URL)?

5) Em que ano o projeto foi criado? Em que fase se encontra atualmente?planejamento / andamento / finalizado

6) Público alvo:Marque quantas opções forem necessárias

Alunos de escolas (ensino infantil, fundamental ou médio) Visitantes / Turistas Outro:___________

7) Faixa etária do público alvo:Marque quantas opções forem necessárias

Crianças (0 - 12 anos) Adolescentes (13 - 17 anos) Jovens (18 - 25 anos) Adultos (25 - 59 anos)

Anexo I. Questionário online

I Censo Brasileiro de Projetos de EducaçãoAmbiental com a temática “Aves”

Este censo faz parte de uma pesquisa que pretende traçar o perfil das iniciativas que utilizam aves como subsídio para a Educação Ambiental. Incluem-se todos os projetos - em andamento ou já finalizados - realizados no território nacional. Podem ser iniciativas de órgãos públicos ou privados, professores, clubes de observação de aves, museus, zoológicos e demais entidades interessadas. Os resul-tados estarão disponíveis a todos os participantes, resguardadas quaisquer informações confidenciais.

Em caso de dúvidas ou sugestões, favor entrar em contato com Natália Allenspach (e-mail: [email protected]), Univer-sidade Federal de São Carlos - UFSCar.

Terceira idade (mais de 60 anos)

8) Local onde as atividades são realizadas:Marque quantas opções forem necessárias

Parques e praças (área urbana) Unidades de Conservação Escolas Museus Zoológicos / Aquários Nenhuma das alternativas: o projeto consiste em livro / mate-rial didático Outro: ______________

9) Por que as aves foram escolhidas como tema principal do projeto?

10) Qual grupo de aves recebe maior enfoque?Marque quantas opções forem necessárias

Aves urbanas Aves marinhas Aves de rapina Aves do Cerrado Aves da Caatinga Aves da Amazônia Aves da Mata Atlântica Aves dos Pampas Aves do Pantanal Outro: __________________

11) Recursos utilizados ao longo das atividades:Marque quantas opções forem necessárias

Observação de aves ao ar livre (birdwatching)

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Observação de aves em cativeiro Aves taxidermizadas, ovos e ninhos coletados Recursos multimídia (apresentações, fotos, gravações sonoras, filmes) Pios (apitos especiais que emitem sons de pássaros) Guias de campo e outros materiais de referência (inclusive internet) Outro: ___________________________

12) O projeto trabalha com alguma espécie-bandeira? Qual?

13) Quantos educadores trabalham diretamente nas ativida-des do projeto?Considere apenas os últimos 12 meses

14) Qual é o grau de escolaridade dos educadores?Marque quantas alternativas forem necessárias

Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Superior Pós-graduação Outro: ________________

15) Qual a área de formação dos educadores?Inclusive para os que ainda não concluíram o curso

Biológicas (biólogos, veterinários, ecólogos, zootecnistas, etc) Turismo e Hotelaria Pedagogia Outro: _______________________

16) O projeto conta com algum tipo de financiamento?Marque quantas alternativas foram necessárias

Não Sim, parcialmente Sim, integralmente Financiado por órgãos públicos Financiado por órgãos privados Recebe doações em dinheiro Recebe doações de materiais Outro: ______________________

17) Sobre a remuneração dos educadores:Marque quantas alternativas foram necessárias

Consiste em trabalho voluntário Recebem bolsa e/ou auxílio São assalariados Outro: ____________________

18) Os alunos têm acesso a binóculos?

Não Sim, eles mesmo trazem Sim, o projeto disponibiliza (mas não são suficientes) Sim, o projeto disponibiliza para todos os alunos Binóculos não são necessários para realizar as atividades do projeto. Outro:____________________

19) Os alunos têm acesso a câmeras fotográficas?

Não Sim, eles mesmo trazem Sim, o projeto disponibiliza (mas não são suficientes) Sim, o projeto disponibiliza para todos os alunos Câmeras fotográficas não são necessárias para realizar as ati-vidades do projeto. Outro: _________________________

20) Os alunos têm acesso a gravadores de som?

Não Sim, eles mesmo trazem Sim, o projeto disponibiliza (mas não são suficientes) Sim, o projeto disponibiliza para todos os alunos Gravadores de som não são necessários para realizar as ativi-dades do projeto. Outro: _______________________

21) Descreva sucintamente quais os principais desafios e/ou dificuldades enfrentadas ao longo do projeto.

22) Gostaria de acrescentar alguma informação que conside-re relevante?

Atualidades Ornitológicas On-line Nº 176 - Novembro/Dezembro 2013 - www.ao.com.br 57