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38 Revista avisa n o 51 agosto de 2012 TEMA EM DESTAQUE DESENHO: LARA CRUZ MONTEIRO DE CASTRO PARA SABER MAIS Livros Filosofia da criação: reflexões sobre o sentido do sensível, de Marly Meira. Porto Alegre: Mediação: 2003. Tel.: (51) 3330-8105. Site: www.editoramediacao.com.br Encontros estéticos: coletânea de textos, de Jorge Anthonio e Silva (org). Caixa Econômica Cultural. 2005. Tel.: (11) 3321-4400. Site: www.caixacultural.com.br Eduque Nova Escola Endereço: Avenida Bosque da Saúde, 1404 – Bosque da Saúde. CEP: 04142-082 – São Paulo – SP Tel.: (11) 5581-0123 Site: www.novaescola-eduque.com.br Direção pedagógica: Patrícia Cintra E-mail: [email protected] FICHA TÉCNICA Ao formar crianças, os educadores também são formados. Ao visitarem museus e suas percep- ções sobre vários conceitos, os professores perce- bem que a processualidade é o mapa da experi- ência estética vivenciada por eles e pelos alunos, traçada por caminhos (movimentos) que buscam na Arte, como território da invenção, encontros sen- síveis e criadores que possam afastar visões este- reotipadas ou visões reduzidas do mundo, dimi- nuindo o distanciamento entre Arte e vida. FOTO: ACERVO EDUQUE NOVA ESCOLA A segunda parte deste artigo será publicada na próxima edição. Estudando os detalhes da obra de Frida Baranek Compartilhando impressões: o que comi com os olhos? Avisa la Ed 51_completa-FIM.indd 38 18/07/12 15:30

Avisa la Ed 51 completa-FIM · da versão era o texto original de Jakob e Wilhelm ... Ela não sabia mais o que dar a essa criança. ... e porque este lhe fi cava tão bem, e a menina

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Livros Filosofia da criação: reflexões sobre o sentido do sensível, de Marly Meira. Porto Alegre: Mediação: 2003. Tel.: (51) 3330-8105. Site: www.editoramediacao.com.br Encontros estéticos: coletânea de textos, de Jorge Anthonio e Silva (org). Caixa Econômica Cultural. 2005. Tel.: (11) 3321-4400. Site: www.caixacultural.com.br

Eduque Nova EscolaEndereço: Avenida Bosque da Saúde, 1404 – Bosque da Saúde. CEP: 04142-082 – São Paulo – SP Tel.: (11) 5581-0123Site: www.novaescola-eduque.com.brDireção pedagógica: Patrícia CintraE-mail: [email protected]

F I C H A T É C N I C A

Ao formar crianças, os educadores também

são formados. Ao visitarem museus e suas percep-

ções sobre vários conceitos, os professores perce-

bem que a processualidade é o mapa da experi-

ência estética vivenciada por eles e pelos alunos,

traçada por caminhos (movimentos) que buscam

na Arte, como território da invenção, encontros sen-

síveis e criadores que possam afastar visões este-

reotipadas ou visões reduzidas do mundo, dimi-

nuindo o distanciamento entre Arte e vida.

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A segunda parte deste artigo será publicada na próxima edição.

Estudando os detalhes da obra de Frida Baranek

Compartilhando impressões: o que comi com os olhos?

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SABEMOS QUE LER DIARIAMENTE NA ESCOLA É

FUNDAMENTAL, MAS SERVE QUALQUER LIVRO? VE JA

AQUI A DISCUSSÃO A DISTÂNCIA ENTRE PROFISSIO-

NAIS DE EDUCAÇÃO SOBRE CRITÉRIOS DE ES COLHA

DE ACERVO LITERÁRIO PARA CRIANÇAS

F O R M A Ç Ã O N O S M U N I C Í P I O SF O R M A C Ã O N O S M U N I C Í P I O S

Qual é a melhorversão?

No curso online* sobre leitura pelo profes-

sor, propusemos uma unidade de es tu-

do sobre os critérios de seleção de tex-

tos para serem lidos para as crianças. Para além

da ilustração, do tema e do gênero, o que é pre-

ciso considerar? Como selecionar o texto a par-

tir de uma apreciação literária atenta à lingua-

gem empregada?

Para iniciar a discussão, fi zemos uma pesquisa

e, depois, abrimos um fórum para discutir as justi-

fi cativas de cada voto. Foi um sucesso! Tivemos

1.283 visitas a esse fórum, com 183 comentários

em duas semanas. Foram produzidos tantos posts

que não seria possível relacionar todos os nomes

dos participantes e todos os comentários. Nesse

artigo, procuramos realizar uma síntese e resga-

tar os momentos mais importantes da conversa.

Esperamos, com a apresentação do resultado de

nosso trabalho, levar esse debate às escolas, pro-

vocando discussões que possam alimentar os mo-

mentos de refl exão e de estudo dos professores.

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*Este curso fez parte da programação de cursos a distância do Instituto Avisa Lá.

SILVANA AUGUSTO1

1 Formadora do Instituto Avisa Lá, coordenadora do curso “O coordenador pedagógico como formador em sua unidade” e professora do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, em São Paulo (SP).

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Tudo começou com uma escolha

A proposta de discussão desse Fórum de Es-

tudos teve como ponto de partida a resolução de

um problema proposto por nós. Havíamos discu-

tido nas unidades anteriores que ler histórias é

diferente de contá-las, que as crianças não apren-

dem as mesmas coisas nessas duas atividades. De-

pois, usando os conhecimentos construídos ao lon-

go do curso, convidamos a todos para ajudar a

professora Cristina a resolver o seguinte proble-

ma de planejamento:

Qual é o melhor texto para ler para as crian-

ças? Mas atenção! A escolha é pelo texto que ela

deveria ler, não contar! Nós oferecemos duas ver-

sões de uma história muito apreciada pelas crian-

ças: Chapeuzinho Vermelho.

A primeira versão não trazia o nome do autor e

apresentava um texto mais empobrecido. A segun-

da versão era o texto original de Jakob e Wilhelm

Grimm, autores de Os contos de Grimm, traduzido

por Tatiana Belink para a editora Paulus (São Pau-

lo, 1989).

A seguir, apresentamos uma comparação de

alguns trechos:

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Versão 2 (5 páginas)

Era uma vez uma meninazinha mimosa, que todo o mundo amava assim

que a via, mas mais que todos a amava a sua avó. Ela não sabia mais o que

dar a essa criança. Certa vez, ela deu-lhe de presente um capuzinho de

veludo vermelho, e porque este lhe fi cava tão bem, e a menina não queria

mais usar outra coisa, fi cou se chamando Chapeuzinho Vermelho.

– Chapeuzinho Vermelho, olha só para as lindas fl ores que crescem aqui em

volta! Por que não olhas para os lados? Acho que nem ouves o mavioso

canto dos passarinhos! Andas em frente como se fosses para a escola, e no

entanto, é tão alegre lá no meio do mato.

Chapeuzinho Vermelho arregalou os olhos, e quando viu os raios de sol dan-

çando de lá para cá por entre as árvores, e como tudo estava tão cheio de

fl ores, pensou: “Se eu levar um raminho de fl ores frescas para a vovó, ela fi -

cará contente; ainda é tão cedo, que chegarei lá no tempo certo”.

Então ela saiu do caminho e correu para o mato, à procura de fl ores. E quando

apanhava uma, parecia-lhe que mais adiante havia outra mais bonita, e ela

corria para colhê-la e se embrenhava cada vez mais pela fl oresta adentro.

Quando o lobo satisfez a sua vontade, deitou-se de novo na cama, adorme-

ceu e começou a roncar muito alto. O caçador passou perto da casa e

pensou: “Como a velha está roncando hoje! Preciso ver se não lhe falta al-

guma coisa”. Então ele entrou na casa, e quando olhou para a cama, viu

que o lobo dormia nela.

– É aqui que eu te encontro, velho malfeitor – disse ele –, há muito tempo

que estou à tua procura.

Aí ele quis apontar a espingarda, mas lembrou-se de que o lobo podia ter

devorado a vovó, e que ela ainda poderia ser salva. Por isso, ele não atirou,

mas pegou uma tesoura e começou a abrir a barriga do lobo adormecido.

E quando deu algumas tesouradas, viu logo o vermelho do chapeuzinho, e

mais um par de tesouradas, e a menina saltou para fora e gritou:

– Ai, como eu fi quei assustada, como estava escuro lá dentro da barriga do

lobo!

E aí também a velha avó saiu para fora ainda viva, mal conseguindo respirar.

Mas Chapeuzinho Vermelho trouxe depressa umas grandes pedras, com as

quais encheu a barriga do lobo. Quando ele acordou, quis fugir correndo,

mas as pedras eram tão pesadas, que ele não pôde se levantar e caiu morto.

Então os três fi caram contentíssimos. O caçador arrancou a pele do lobo e

levou-a para casa, a vovó comeu o bolo e bebeu o vinho que Chapeuzinho

Vermelho trouxera, e logo melhorou, mas Chapeuzinho Vermelho pensou:

“Nunca mais eu sairei do caminho sozinha, para correr dentro do mato,

quando a mamãe me proibir fazer isso”.

Versão 1 (2 páginas)

Era uma vez uma linda menina cha-

mada Chapeuzinho Vermelho. Um

dia, sua mãe pediu que ela levasse

uma cesta de doces para a vovó,

que estava muito doente.

E a menina partiu. Como a estrada

era muito longa, Chapeuzinho pen-

sou que não haveria problema em

desobedecer à sua mãe, e resolveu

ir pelo meio da fl oresta. Assim, che-

gava mais rápido à casa da vovó.

Algumas horas depois, passa por

ali um caçador, que estranha o ron-

co do lobo e entra na casa da ve-

lhinha. Abre a barriga da fera e

en contra a avó e a menina ainda

vi vas. Todos comemoram, menos o

lobo, que saiu correndo para nun-

ca mais voltar.

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Os textos foram apresentados de duas manei-

ras: na versão escrita e na versão lida em voz alta,

que podia ser acessada nos podcasts que fi caram

disponíveis na área do Fórum. Pedimos que todos

lessem os textos ou escutassem a leitura em voz

alta em um dos podcasts do curso e, em seguida,

escolhessem a melhor e explicassem para a pro-

fessora Cristina os motivos da escolha, argumen-

tando com ela sobre os benefícios de seguir a in-

dicação feita.

Foi M.M., de Itaguaí (RJ) que saiu na dianteira.

Ela votou na versão 2 porque tem um fi m diferen te.

Depois dela, outras postagens foram feitas ao lon-

go de toda a semana. A maioria do grupo escolheu

a versão 2 por conta do vocabulário, mais rico do

que o da versão 1, e porque a história é muito mais

detalhada. Mas também surgiram outros argumen-

tos. Procuramos fazer uma lista com a síntese de

todas as qualidades da versão 2. Concluiu-se que a

segunda versão é a melhor porque tem:

enredo diferente;

riqueza de adjetivos;

boas descrições, muitos detalhes;

bons personagens, bem caracterizados;

presença de elementos mágicos na narrativa,

cumprindo uma certa função estética;

narração dos lugares e das cenas com beleza

e simplicidade;

clareza na apresentação dos fatos ao longo

do tempo e do espaço, tem boa sequência

narrativa;

vários momentos de tensão e suspense, até o

desfecho;

bons diálogos (as crianças fazem muito uso

dele ao narrar suas histórias);

perspectiva de fomentar o pensamento críti-

co, que auxiliará na resolução de confl itos a

partir da refl exão da dualidade entre o bem e

o mal, o certo e o errado;

autoria (a versão 1 não tem autor defi nido).

Reconhecemos que apenas essa lista das qua-

lidades do texto a ser lido para as crianças nos

auxiliava a defi nir importantes critérios para es-

colher melhor os textos que vamos ler em sala

de aula. No entanto, sabemos que nem todos os

textos que costumam ser oferecidos às crianças

possuem tantas qualidades. Mas não paramos por

aí. Outros debates surgiram, enriquecendo mui-

to a nossa discussão.

Deve-se evitar a leitura de certos trechos

de histórias que mencionem morte e outros

temas mais difíceis?

Quem trouxe essa questão foi N., de Porto Ale-

gre (RS). Embora tenha gostado da versão 2, ela

fi cou em dúvida porque pensou o seguinte:

Não gostei da parte que relata a cena de

uso de arma, mesmo que branca, para abrir

a barriga de um animal. Essa cena, até eu fi quei cho-

cada. Imagino uma criança. Penso que em épocas

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Os textos foram apresentados de duas manei-

ras: na versão escrita e na versão lida em voz alta,

que podia ser acessada nos podcasts que ficaram

vários momentos de tensão e suspense, até o

desfecho;

bons diálogos (as crianças fazem muito uso

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em que não havia tanta violência, as crianças até

poderiam não estabelecer relações, mas hoje a vio-

lência está tão presente no dia a dia das pessoas,

das crianças e dos animais.

O assunto que N. trouxe foi tão interessante

que chamou a atenção de outras pessoas. E. de

Natal (RN), por exemplo, escreveu:

No que diz respeito à violência abordada na

versão 2, concordo que o assunto deve ser

discutido com o grupo, observando o que pensam e

que alternativas sugerem para o problema. Penso

que questões como essas não devem ser camufl a-

das na tentativa de se poupar as crianças, pois elas

estão imersas em um mundo onde não há apenas

paz e amor. Acredito que os textos literários tam-

bém têm essa fi nalidade: fornecer elementos para

lidarmos com nossos confl itos internos e externos.

J., de São Paulo (SP), se animou com a discus-

são e trouxe a seguinte refl exão para o debate:

Há uma coleção de Contos de Fadas da Lan-

dy editora que traz vários contos russos (três

volumes), celtas, indianos e chineses. Da Compa-

nhia das Letras, há contos e lendas da Europa Me-

dieval e também Africanos. Toda e qualquer histó-

ria retrata sempre uma época em que fora escrita.

Pensando nos contos, que representam histórias

tradicionais orais de vários lugares por volta dos

séculos XVII a XIX, tragédia e violência são caracte-

rísticas dos costumes e das culturas de um deter-

minado lugar e período. Como podemos interferir

nisso? Os estúdios da Walt Disney adaptaram al-

guns contos de fadas justamente por achá-los mui-

to violentos. Mas para quais crianças? E se pensar-

mos que as mulheres e as crianças trabalhavam

em fábricas por quase quatorze horas diárias? O

primeiro conto de fada a ser fi lmado foi Branca de

Neve, em 1937, pré-Segunda Guerra Mundial. Mas

quando modifi camos uma história, fazemos isso

com a intenção de proteger nossos alunos? Mas a

vida de cada um não é real, há sempre alguém

para protegê-los de algum sentimento? Tenho uma

preocupação quanto à moral da história. Deixo

sempre em aberto e realizo muitas perguntas para

insistir no debate e, às vezes, termina com uma

pergunta. Temos que buscar as discussões. Aliás,

as crianças deveriam ter aula de fi losofi a para re-

fl etir sobre a vida. A literatura promove o pensa-

mento crítico, o conhecimento, às vezes o conforto

para algumas respostas da inquietação do ser hu-

mano ou não.

Mas não é uma bela questão para se pensar?

Depois desse post a discussão pegou fogo! C., de

São José do Rio Preto (SP), concordou com N., e

muitas pessoas se posicionaram com a mesma

preocupação trazida por elas. Justamente por ser

a questão tão polêmica é que é importante ouvir

e pensar sobre outros pontos de vista.

Foi com esse espírito que L., de São José do

Rio Preto (SP), também se manifestou. Ela refl etiu

sobre algumas questões:

O que é um bom texto literário para crian-

ças? Acredito que seja aquele texto que es-

tabeleça uma relação signifi cativa para a criança,

que proporcione situações de prazer, de descober-

tas, de emoções, de cultura e também uma amplia-

ção de visão de mundo. Um bom livro deve fazer

pensar, interagir, deve aguçar a curiosidade, esti-

mular o imaginário, deve promover o conhecimen-

to crítico e refl exivo da criança. O que fazer quan-

do um texto traz trechos violentos. Ler ou não ler?

Hoje, independente da situação social ou cultural,

a violência está em evidência. Já dei aulas em es-

colas de periferia, onde muitas dessas crianças já

conviveram ou ainda convivem com as mais diver-

sas situações de violência, tanto dentro de casa

quanto fora dela. Por inúmeras vezes, os alunos

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me relatavam cenas ou acontecimentos violentos

que eles presenciavam. Eram relatos que me dei-

xavam mui to impressionada. Já para as crian-

ças era uma coisa normal, fazia parte do cotidiano

daquele determinado bairro. Quando um texto

traz algum trecho violento, independente se sua

clientela tem um maior ou menor contato com a

situação citada acima, acredito que deve ser lido

e até levantar uma discussão sobre o assunto – o

que é certo, o que é errado etc. Com isso, aprovei-

tamos para trabalhar valores, atitudes, caráter,

ou seja, tudo aquilo que já é trabalhado no coti-

diano de uma sala de aula, para que a criança te-

nha exemplos do que é ser um bom cidadão.

M., de São José do Rio Preto (SP), conseguiu

expressar o que N. estava pensando, dizendo o

seguinte:

Concordo que as crianças, hoje em dia, so-

frem e são bombardeadas com cenas de

violência, mas acredito que a escola não tenha

que dar uma extensão muito grande a isso, aca-

bando por banalizar, virar algo comum. Tem que

haver uma sistematização desse tipo de diálogo.

Sinceramente, não sei como agir ou conduzir um de-

bate com esse assunto, principalmente com crian-

ças, por isso prefi ro evitar. Procuro sempre trazer

para meus alunos notícias, assuntos e exemplos de

cidadania que possam melhorar suas vidas. A valo-

rização da paz não é feita através da violência mas

da própria vida em paz.

Esse vai e vem de argumentos é muito impor-

tante para que a discussão avance. Nesse caso, o

fórum foi tão signifi cativo, tivemos tantas posta-

gens, que nem todo mundo conseguiu ler e consi-

derar todas as opiniões. Por isso, destacamos aqui

nessa breve síntese algumas ideias que não foram

muito desenvolvidas, como a da Ana Carolina (Lili),

formadora do Avisa Lá. Lili concordou em parte

com E., mas utilizou um argumento diferente:

Essa questão da violência dos contos de fa-

das muitas vezes causa certo mal-estar. Não

foi à toa que muitos escritores e estudiosos de his-

tórias tradicionais e da educação se debruçaram

sobre essa questão. Bruno Bettelheim, psicólo-

go radicado nos Estados Unidos da América, foi

um deles. Algo que ele defende é que os contos,

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violência, mas acredito que a escola não tenha

de

clientela tem um maior ou menor contato com a

situação citada acima, acredito que deve ser lido

e até levantar uma discussão sobre o assunto – o

que é certo, o que é errado etc. Com isso, aprovei-

tamos para trabalhar valores, atitudes, caráter,

ou seja, tudo aquilo que já é trabalhado no coti-

diano de uma sala de aula, para que a criança te-

nha exemplos do que é ser um bom cidadão.

M., de São José do Rio Preto (SP), conseguiu

expressar o que N. estava pensando, dizendo o

seguinte:

Concordo que as crianças, hoje em dia, so-

frem e são bombardeadas com cenas de

violência mas acredito que a escola não tenha

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com toda a sua complexidade, possibilitam que as

crianças entendam e encontrem um lugar para

muitos sentimentos “pouco aceitos”, como a raiva,

o ciúme, a inveja... Histórias muito brandas não as

ajudariam a identifi car-se; ao contrário, poderiam

até causar um mal-estar, pois elas não encontra-

riam um espelho, um espaço para dialogar com

aquilo que sentem.

Pois bem, as histórias originais, embora tenham

passagens como a da morte do lobo, podem não

soar violentas, no sentido estrito da palavra. Por

outro lado, como disse Lili, se de fato for essa a

ideia, não temos de lidar com isso? O importante é

saber que tudo isso se passa na história, não na

vida real. E é justamente porque as crianças têm o

plano simbólico para elaborar esses sentimentos é

que não necessitam vivê-lo dessa forma no plano

real. Além do mais, o que realmente é importante

para a criança nessas histórias é a segurança de

que no fi m tudo vai dar certo e que elas serão pro-

tegidas. Certamente esse tema é mais forte para

elas do que o modo como o lobo mau morre.

Por fi m, diz Lili:

Esse pensamento vai ao encontro de outro

tema que ronda a educação: Para que serve

a leitura de literatura, afi nal? Será que precisamos

sempre encontrar um porquê, uma correspondên-

cia para os assuntos estudados em sala de aula?

Ou a literatura serve-nos para pensar sobre a vida,

sentir, emocionar-se, descobrir-se? E olhem só...

esse assunto também está relacionado ao modo

como apresento, leio e o que faço depois de ler

histórias para os alunos, não é?

O trabalho a partir de diferentes versões de

uma mesma história

Essa discussão sobre as versões diferentes da

história da Chapeuzinho levou o grupo a pensar

sobre a importância de se ler diferentes versões

como parte do trabalho de língua portuguesa.

Lançamos o convite, então: Vamos desenvolver

essa ideia? O que vocês acham que as crianças

podem aprender em um possível projeto que apre-

sente diferentes versões de uma mesma história?

Por que um trabalho como esse poderia ser bom?

T., de São José do Rio Preto (SP), disse:

Como a profa Cristina está fazendo um pla-

nejamento de uma possível sequência didá-

tica, por que não apresentar as duas leituras às

crianças em momentos distintos e confrontar com

elas as semelhanças e diferenças existentes entre

as duas versões?

Muita gente concordou com a ideia dela. Outras

participantes do fórum trouxeram novas versões da

mesma história, com fi nais diferentes, com estilos

diferentes... e essa diversidade só alimentou a dis-

cussão sobre a importância de se apresentar dife-

rentes versões para ajudar as crianças (e a nós mes-

mos, por que não dizer?) a reconhecerem o que é

um bom texto literário, as qualidades de cada um.

M.C., de Goiânia (GO), também achou que es-

se poderia ser um caminho:

Estudar os autores das obras literárias é

muito bom, mas também estudar as obras

dos autores desconhecidos é intrigante e aguça

a nossa imaginação, pois são textos sensacionais.

de

vida real. E é justamente porque as crianças têm o

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com toda a sua complexidade, possibilitam que as

crianças entendam e encontrem um lugar para

muitos sentimentos “pouco aceitos”, como a raiva,

o ciúme, a inveja... Histórias muito brandas não as

ajudariam a identifi car-se; ao contrário, poderiam

até causar um mal-estar, pois elas não encontra-

riam um espelho, um espaço para dialogar com

aquilo que sentem.

Pois bem, as histórias originais, embora tenham

passagens como a da morte do lobo, podem não

soar violentas, no sentido estrito da palavra. Por

outro lado, como disse Lili, se de fato for essa a

ideia, não temos de lidar com isso? O importante é

saber que tudo isso se passa na história, não na

vida real E é justamente porque as crianças têm o

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Estudar a autoria permite que nossos alunos se-

jam autores de sua própria história.

J. concordou e achou que é muito importante

para a própria formação do leitor, dá autonomia

para escolher o que vai ler:

Há tanta produção para ser analisada e re-

escrita... mas difi cilmente vimos, na esco-

la, o aluno desenvolver a sua autonomia em rela-

ção às suas produções e quanto às leituras de

gêneros. Nós precisamos dialogar mais com os

alunos sobre as suas escolhas como leitores, e

acreditar nisso. Muitas vezes queremos “contro-

lar” todos os passos dos alunos e acabamos en-

gessados. E depois de anos nesse modo, quan-

do proporcionamos o debate, o argumento,

isso não acontece, pois se olham, insegu-

ros. Ainda estão na dualidade entre o certo

e o errado. Então começamos a descons-

truir esse “padrão”, para a conquista da

segurança e autonomia, mas isso leva-

rá muito tempo. Os professores de lite-

ratura deveriam “olhar” para dentro de

cada aluno e enxergar um escritor e

um leitor em potencial.

S., professora de Assis (SP), trouxe

mais elementos para validarmos es se tra-

balho. Ela afi rma:

“Convidaria meus alu nos a

comparar versões diferen-

tes. A comparação de versões de

um mesmo texto deveria consistir

em uma prática usual do leitor. Ela

permite estabelecer critérios de es-

colha e realizar indicações literá-

rias. Nesse trabalho, as com parações

seriam inicialmente coordenadas pelo profes-

sor, que faria intervenções para que os alunos

atentassem para outros aspectos da obra, além

dos que normalmente levam em conta. Incentiva-

ria também a pensarem sobre o que está escrito

nesses textos. Como eles começam e terminam?

Quais as palavras diferentes que o autor utiliza?

Desse modo, ela desloca a discussão para além

do debate apenas moral e faz com que as crianças

refl itam sobre aspectos linguísticos e estilísticos

dos textos, condição fundamental para formar es-

critores na escola2.

Aprendendo com a experiência

N., de Porto Alegre (RS), deu uma versão mais

sofi sticada da história de Chapeuzinho Vermelho e

avaliou que a atividade foi um desafi o. Ela traba-

lhou com as duas versões apresentadas no fórum.

Depois, pediu aos alunos que prestassem bastante

atenção. Ao término da leitura, ela perguntou a

eles qual das duas histórias haviam gostado mais.

Eles disseram que gostaram mais da versão 2. N.

fi cou curiosa e quis saber o porquê. Responderam:

porque é bem mais explicada;

é maior que a outra;

é marcante;

é mais real.

Sobre a conclusão de seu trabalho, N. nos con-

tou: Eu que havia achado a versão mais complexa

muito forte e violenta para as minhas crianças, de-

vido ao fato de elas viverem numa comunidade

violenta e sofrerem vários tipos de violência, fi quei

um pouco chocada e pedi a elas que contassem a

2 Uma das vencedoras do prêmio Professor Nota 10, organizado pela Fundação Victor Civita, em 2011, realizou um projeto com diferentes versões do conto Chapeuzinho Vermelho com turmas de 1o ano. O objetivo era fazer os alunos avançar em suas hipóteses de escrita e ampliar seu repertório de textos literários, contribuindo para a formação do gosto e da apreciação estética. Para saber mais sobre o trabalho, acesse:<http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-1/reescrita-textos-literarios-alfabetizacao-inicial-677955.shtml>.

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