72

Aviso aos navegantes

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Pesquisa FAPESP - Ed. 62

Citation preview

Page 1: Aviso aos navegantes
Page 2: Aviso aos navegantes

o www .scielo . br

As publicações científicas brasileiras estão ao alcance de suas mãos. Não importa

em que parte do mundo você esteja

SciELO - Scientific Electronic Library Online é uma biblioteca de revistas científicas disponí­vel na Internet. Uma biblioteca virtual que reúne 55 publicações científicas brasileiras. Sua interface permite o acesso fácil aos textos completos de artigos científicos, por meio das ta­belas de conteúdos dos números individuais das revistas ou da recuperação de textos por nome de autor, palavras-chaves, palavras do título ou do resumo.

A SciELO publica também relatórios atualizados do uso e do impacto da coleção e dos tí­tulos individuais das revistas. Os artigos são enriquecidos com enlaces dinâmicos a bases de dados bibliográficas nacionais e internacionais e à Plataforma Lattes no CNPq.

SciELO é produto do projeto cooperativo entre a FAPESP, a BIREME!OPAS/OMS e editores científicos brasileiros, iniciado em 1997, com o objetivo de tornar mais visível, mais aces­sível e incentivar a consulta das mais conceituadas revistas científicas brasileiras. Em 1998, a coleção SciELO Brasil passa a operar normalmente na Internet e projeta-se rapidamente como modelo de publicação eletrônica de revistas científicas para países em desenvolvimen­to, em particular da América Latina e Caribe. Ainda em 1998, o modelo é adotado pelo Chi­le e em 1999 começa a operar a coleção SciELO Saúde Pública, com as melhores revistas científicas de saúde pública ibero-americanas. Outros países estão em processo de incorpo­rar-se à rede de coleções SciELO.

O modelo SciELO destaca e valoriza a comunicação científica brasileira . Ao mesmo tempo, proporciona mecanismos inéditos de avaliação de uso e de impacto das nossas revistas cien­tíficas, em consonância com os principais índices internacionais de produção científica.

Adote a SciELO como sua biblioteca científica.

GOVERNO DO ESTADO DE

SÃO PAULO

Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico BIREME I OPAS I OMS www.fapesp.br

Page 3: Aviso aos navegantes

6 Muito se falou sobre a

vida política de Mário Covas, morto no

começo do mês. Mas pouco foi dito sobre sua

contribuição para a ciência e tecnologia de

São Paulo e do país. Pesquisa FAPESP presta sua

homenagem ao governante que melhor

soube apoiar o setor

EDITORIAL •••••••••• •••••••••••••• • • S

HOMENAGEM •• •••••••••••••••••• • • • 6

OPINIÃ0 • ••••• • •• • ••••••••••••••••• 11

ÉTICA ............................. 12

POLITICA CIENTÍFICA

E TECNOLÓGICA .................... 14

ESTRATÉGIAS . . .. . .. . . . .... .. .. . . ...... 14

CENSO CIENTÍFICO ........... .. ... .... 18

DEMANDA GARANTIDA ... . . . .. . ....... 20

CONSÓRCIO CONTRA A MALÁRIA . .... . . 21

CIÊNCIA ....•....•.....•••......••. 22

LABORATÓRIO ... . .. . .. . .. . .... . . .. . . . 22

GOLPE NO ORGULHO VÃO ............. 24

MARCADOR DETECTA CÂNCER . .. . .... . 34

ÁGUA, RIQUEZA EM EXAME ............ 35

SEM BICHOS, FLORESTA MORRE . .. . . . .. . 38

PROGRAMADOS PARA VER . ... . .. . •. . .. 44

TECNOLOGIA •••••••••••••••••••••• 48

LINHA DE PRODUÇÃO ..... . .... . ...... 48

VIGIA DE VENTOS E ONDAS . ........... 50

CARTÓRIOS NO MUNDO DIGITAL ....... 56

À PROVA DE TEMPO RUIM .. . .. . .. . .. . .. 58

TRATAMENTO COM QUALIDADE .. . ..... 60

HUMANIDADES ••••••••• • •••••••••• 62

EM BUSCA DO PENSAMENTO PERDIDO .. .. . . . .. . . .. . . . 62

AS ARMADILHAS PARA O REAL .. . ...... 65

LIVROS ••••••..... • .....•. • .. • ..••• 68

LANÇAMENTOS •••••• • ••••••••••••• 69

ARTE FINAL •••••••••• • ••••••• • ••••• 70

Capa: Hélio de Almeida, sobre foto de Michel Filho/Agência O Globo

24 A publicação do seqüenciamento quase completo do genoma humano atesta as semelhanças científicas entre as espécies

38 Pesquisa revela que o desaparecimento de animais dispersares de sementes é mais uma ameaça à Mata Atlântica

50 Grupo do lnpe estuda a formação de ciclones no Atlântico Sul e mantém um serviço de previsões meteorológicas de ventos e ondas para o mar brasileiro

62 Pesquisa recupera a evolução do pensamento científico e tecnológico português e brasileiro do século 16 a 1900

PESQUISA FAPESP • MARÇODElOOI • 3

Page 4: Aviso aos navegantes

Correção

Constatei uma incorreção na edição número 59 desta revista, na seção Política Científica e Tecnoló­gica, reportagem sobre o Programa de Políticas Públicas. Na tabela "Os já aprovados para a segunda fase", a instituição proponente do projeto do qual sou coordenador - Diag­nóstico agroambiental para gestão e monitoramento da bacia hidrográ­fica do rio Jundiaí-Mirim- é o Ins­tituto Agronômico de Campinas (SAGRSP/IAC) e não a USP, como foi publicado.

JENER FERNANDO LEITE DE MORAES Instituto Agronômico de Campinas

Campinas, SP

Revista

Sou bióloga formada no Centro de Excelência Barão de Mauá em Ribeirão Preto, SP, e estagiária de Biotecnologia da Unesp de Jaboti­cabal. Tive acesso a algumas edições desta revista e fiquei entusiasmada com o enfoque sobre tudo o que acontece no mundo da ciência.

SILVANA POMPÉIA DO VAL DE MORAES Ribeirão Preto, SP

Sou aluno do Centro Regional Universitário de Espírito Santo do Pinhal (SP), do curso de Engenha­ria Agronômica. Vendo a revista Pes­quisa FAPESP de um assinante, achei muito interessante os temas aborda­dos e excelente a apresentação deles.

G!OVANI APARECIDO GOMES Guaxupé,MG

Sou estudante de Odontologia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Quero parabenizar a revista Pesquisa FAPESP pelo seu sucesso. Leio sempre que posso, pois tenho amigos que a recebem. Seus temas são atuais, importantes e inteligentes.

ARI AzEVEDO CORTES Juiz de Fora, MG

4 · MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

CARTAS

Sou engenheiro agrônomo for­mado na Universidade Federal de Santa Catarina e gostaria de receber a revista Pesquisa FAPESP, publica­ção bastante interessante. Parabéns a toda a equipe pelo trabalho.

ALEXANDRE PARIZZOTTO Videira, SC

Parabéns ao grupo responsável pela edição da revista Pesquisa FA­PESP, que se tornou uma das minhas leituras preferidas. Numa visita a mi­nha casa, um amigo se interessou pela publicação, levou todos os nú­meros que eu tinha e gostou demais. Desde então tenho levado os novos números para ele. Seria possível ele receber regularmente a publicação?

FRANCISCO CARLOS LAVARDA Depto. de Física- Unesp/Bauru

Bauru, SP

Sou estudante da Fatec-Soro­caba/SP e me interesso por tecno­logia e pesquisa científica. Li algu­mas edições da revista Pesquisa FAPESP e me entusiasmei com as matérias publicadas. Estou inte­ressado em recebê-la regularmen­te, para usá-la na faculdade e uo meu enriquecimento profissional.

EDUARDO JOSÉ DUTRA São Roque, SP

Sou estudante de escola pública e quero participar desse universo fascinante de conhecimento e tec­nologias que se encerra no nosso país e em todo o mundo. Gostaria de receber a revista Pesquisa FA­PESP para absorver novos conheci­mentos e poder multiplicá-los em grupos de discussões. Futuramente estarei cursando Física em uma universidade pública, onde me de­dicarei à pesquisa.

RENATA MARTINS Sorocaba, SP

Gostaria de saber como receber a revista Pesquisa FAPESP, valiosa

obra de divulgação científica. Sou estudante do curso de mestrado da Universidade de Uberaba.

Charge

FRANCIELLE SOUZA PARREIRA Uberaba,MG

Lamentei que uma revista co­mo a Pesquisa FAPESP se preste a divulgar matéria de conteúdo se­xista, como a que mostra em Arte Final da edição N° 61. Ficam aqui registradas a minha decepção e a minha indignação.

MARIA DO CARMO NICOLETTI Centro de Ciências Exatas

e de Tecnologia/UFSCar São Carlos, SP

Fotos sem crédito

Na edição passada da revista Pesquisa FAPESP, a foto acima foi publicada sem o crédito: Arnaldo Moura Bezerra.

p...~~~.;,;;~;;.;..~~~F.'~-:::=::':'a:.-::! 9

Na mesma edição, a foto acima também foi publicada sem o crédi­to: Lalo de Almeida/ Agência Folha.

5

Page 5: Aviso aos navegantes

PESQUISA FAPESP ~UMA PUBLICAÇÃO MENSAL

DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE

PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE·PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR ADILSON AV ANil DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO

FLÁVIO FAVA DE MORAEI JOS~ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURICIO PRATES DE CAMPOS FILHO

MOHAMED KHEDER ZEYN NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR

PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDO RENZO BRENTANI

VAHAN AGOPYAN

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTE

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER DIRETOR ADMINISTRATIVO

PROF. DR. JOS~ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTIFICO

EQUIPE RESPONSÁVEL

CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER PROF. DR. JOS~ FERNANDO PEREZ

EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA

EDITORES ADJUNTOS MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

NELDION MARCOLIN

EDITOR DE ARTE H~LIO DE ALMEIDA

EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CitNCIA) CLAUDIA IZIQUE (POLITICA C&D

MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (ENCARTES)

EDITOR·AIIIITENTE ADILSON AUGUSTO

REPÓRTER ESPECIAL MARCOS PIVETIA

ARTE JOS~ ROBERTO MEDDA (DIAGRAMAÇÀO)

TÃNIA MARIA DOI SANTOS (DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA)

COLABORADORES ANA MARIA FlORI CRISTINA DURÁN

LUCAS ECHIMENCO OITO FILGUEIRAS ROBERTO TANAKA

SHEILA GRECCO SUZEL TUNES

FOTOLITOS GRAPHBOX-CARAN

IMPRESSÃO GRÁFICA BANDEIRANTES

TIRAGEM: 24.000 EXEMPLARES

FAPESP RUA PIO XI, N° 1500,CEP 05468-901

ALTO DA LAPA- SÃO PAULO- SP TEL. (O- 11 I 3838-4000- FAX: (O- 11 I 3838-4117

ESTE INFORMATIVO ESTA DIIPONIVEL NA HOME-PAGE DA FAPESP:

http://www.fapesp.br e-mail: [email protected]

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do FAPESP t PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRtVIA AUTORIZAÇÃO

SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONOMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

EDITORIAL

Exemplo de como apoiar a pesquisa

Quando o governador Mário Covas morreu, no dia 6 de março, sua vida pública e pri­

vada foi repassada de alto a baixo. To­das as vozes ouvidas foram unânimes em lembrar a extrema retidão com que ele se portou durante a carreira política, sua coragem na luta contra a ditadura e de como agiu, na medida certa, para reerguer São Paulo nos seis anos em que governou o Estado. Mas o que pouco se falou é de sua atuação a favor da ciência e tecnolo­gia paulista. Sem hesitação e com en­tusiasmo, Covas valorizou a produ­ção científica das universidades e institutos de pesquisa. E soube ver, como nenhum outro antecessor, a importância do trabalho dos pesqui­sadores para o desenvolvimento ple­no do país. Em outubro de 1999, du­rante cerimônia para o anúncio dos primeiros projetas aprovados no pro­grama de pesquisas em políticas pú­blicas, ele ressaltou a importância da "sintonia do sistema de pesquisa com a promoção do bem-estar e da justi­ça social". A revista Pesquisa FAPESP substitui nesta edição a seção Memó­ria pela homenagem ao homem pú­blico que sempre enxergou a ciência e tecnologia com clareza, sem subes­timar seu papel, prática tão comum em outros governantes (página 6). Exemplo que certamente será segui­do pelo governador Geraldo Alck­min, que, por formação, sempre este­ve perto e atento às coisas do setor.

A capa da edição deste mês é um exemplo perfeito de como a ciência deve servir ao bem-estar da socieda­de, como pregava Covas. Um projeto temático financiado pela FAPESP possibilitou a criação de um serviço que, certamente, já salvou muitas vi­das em toda a costa brasileira. Do in­terior de São Paulo, a partir do Insti­tuto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o matemático Valdir Inno-

centini criou um serviço de previsão de ciclones. Quando o Sistema de Previsão de Ondas, desenvolvido por ele e sua equipe, detecta o fenômeno se formando no Atlântico Sul, emis­soras de rádio, televisão e jornais do litoral brasileiro são informados para avisar a população da possibilidade da propagação de ondas gigantes nas regiões costeiras. Informados, os pes­cadores não saem para o mar e as pessoas ficam longe dos penhascos. Em duas ocasiões em 1999, os alertas do time de Innocentini ajudaram a evitar mortes. A reportagem sobre a pesquisa e este belo serviço começa na página 50.

A comemoração na divulgação do seqüenciamento do genoma hu­mano causou uma certa frustração ao fim do anúncio dos dois grupos que trabalhavam no projeto. As equi­pes de Francis Collins e Craig Venter -respectivamente, líder do consórcio público internacional e da empresa privada norte-americana Celera Ge­nomics - mapearam 95% dos genes humanos e concluíram que eles são em muito menor número do que se pensava. Temos, segundo os dados divulgados, por volta de 30 mil genes, apenas o dobro do que possuem ver­mes e moscas. Um golpe no orgulho do homo sapiens, como conta a re­portagem que detalha o grande tra­balho dos dois grupos (página 24) .

Em entrevista exclusiva à Pesquisa FAPESP (página 28), o polêmico Craig Venter esquece a decepção e joga a bola para a frente. Ele acha que o número de genes é uma excelente base para os pesquisadores seguirem adiante e tentar entender melhor como o genoma humano funciona. "Quem só enxerga os genes ou o am­biente sai perdendo", disse. "É preciso ver os dois juntos." Resta aos pesqui­sadores continuar com as mangas ar­regaçadas.

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 5

Page 6: Aviso aos navegantes
Page 7: Aviso aos navegantes

HOMENAGEM

Por um Brasil senhor de si Governador Mário Covas sempre soube que não se faz um país sem ciência e tecnologia

,;

E explicável que nas cente­nas de textos produzidos sobre o governador Má­rio Covas des- de 6 de março, ou melhor, desde

o agravamento de seu estado de saúde e conseqüente internação no Incor, em 25 de fevereiro, pra- tica­mente nenhuma palavra tenha sido escrita sobre sua influência na his­tória recente da pesquisa científica e tecnológica brasileira. Afinal, na bela biografia do personagem são tantos os elementos emblemáticos para compor o perfil de alguém que

se consagrou por inteiro à Política (com p maiúsculo), que aspectos não exatamente menos importan­tes, mas um tanto mais discretos -ou menos valorizados pelos que tentam contar dia após dia a histó­ria da política no país - termina­ram por ficar sob uma certa som­bra.

Mário Covas, no entanto, não só deu provas suficientes de visão es-

Com os amigos (é o quarto à direita, agachado) entre os atletas da Associação da Universidade Santista

Momentos depois de dizer "sim" a Lila, no altar da Igreja

Matriz de Santos,

Covas garoto (terceiro da esq. para a dir.) quando nadava no Clube Regatas Saldanha da Gama, em Santos, em 1944

em 1 9 54 L-L!.-'-"" __ .>..l. _ _:______)L.l.L

tratégica no tratamento da ciência e da tecnologia, como desenvolveu ações muito concretas em benefício dessa área, a ponto de merecer do presidente e do diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz e José Fernando Perez, em ar­tigo recente, o epíteto de "governa­dor da pesquisa". Assim, a medalha do Mérito Científico e Tecnológico, que ele instituiu em março de 2000

e distribuiu para as duas centenas de cientistas responsáveis pelo se­qüenciamento da X. fastidiosa nu­ma festa memorável, e o troféu Ár­vore dos Enigmas (escultura de Elvio Becheroni), criado na mesma ocasião e concedido aos 35 labora­tórios em que se desenvolveu o pro­jeto, são de certa maneira apenas os produtos mais visíveis de muitos de seus atos em prol da ciência e da

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2001 • 7

Page 8: Aviso aos navegantes

tecnologia à frente do governo do Esta­do de São Paulo.

No artigo de Brito e Perez são regis­trados vários outros momentos expres­sivos do apoio do governador à área de pesquisa. Em palestra no dia 13 de maio na Federação das Sociedades de Biolo­gia Experimental, o diretor científico lembrou que ao anunciar, em outubro passado, o nome dos dez primeiros cen­tros apoiados pelo programa dos Cen­tros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), Covas se declarou disposto a aumentar em 20% a dotação que é des­tinada à FAPESP.

A revista Pesquisa FAPESP, ao se reunir aos veículos que homenagearam o governador, lembra esse lado de Covas, sua sensibilidade em relação à área de C&T, manifestada inclusi­ve quando, senador, presidiu a Comissão Parlamentar Mis­ta de Inquérito, em 1991, so­bre as causas do atraso tec­nológico do país. É esse lado que o artigo de seu colabora­dor de tantos anos, Gerson Ferreira Filho, destaca. Ferrei­ra é coordenador da Unidade de Gestão Estratégica da Se­cretaria de Governo do Estado de São Paulo.

Pelas sendas do conhecimento GERSON FERREIRA FILHO

Discursando durante

campanha para a

prefeitura de Santos,

em 1960. Covas perdeu

a disputa

Como deputado, em 1968, na luta para defender o Congresso contra a interferência dos militares

Ao lado da mulher, Li la, em 1983, já como

prefeito nomeado de São Paulo

Covas esteve na linha de frente na eleição de Franco Montoro ao

......_ ____ __j'"-'---__ ..__.:.:__ ..l___JL__ __ _.._._L____J governo de São Pau lo, em 1982

Estamos escrevendo estas notas no sé­timo dia após a morte de Mário Covas. Tivemos, pois, o azo de ler e ouvir o mui­to que foi dito sobre a honestidade, a coe­rência, o exercício diário da dignidade, a coragem na adversidade, a credibilidade de quem não mentia, não prometia o im­provável, e podia dispensar adesões con­dicionais.

Do que não foi dito, porém, há algo que transcende a tudo isso: Mário Covas tinha um amor extremado pelo seu país. Amava-o mais do que a si mesmo, e, por­tanto, muito mais que ao Santos Futebol

8 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

Durante comício pelas

Diretas na Praça

da Sé, em 1984, falando para 1 milhão

de pessoas

Page 9: Aviso aos navegantes

Já doente, enfrentando uma manifestação de professores na Praça da República, em junho do ano passado

Na homenagem aos pesquisadores que mapearam a bactéria Xylella, em 2000

Com velhos com pa n hei r os na criação do lançamento do novo partido, o PSDB, em 1988

Clube. Mas o seu país, é claro, não era apenas o que se vê nos mapas e se mede nas estatísticas. Na sua visão apaixonada o Brasil era o conjunto de todos nós e as­sim, nessa sua unidade geográfica, o Bra­sil era, também, cada um de nós. Para ele, cada cidadão era um pedaço do seu país; e quem de fato amava ao seu próximo, no contexto das suas vicissitudes, e na pers­pectiva de um sentimento nacional mais amplo, não tinha saída: tinha que ter ver­gonha na cara.

Queria ser Presidente? Cremos que sim, mas não a qualquer preço, e apenas para

.. --.-~....,,.....,....--.--..~..,llir---~=-:J suas bandeiras. Para um país ~ {< mais forte, mais solidário e, por .. certo, mais senhor de si. Por ele, ~ bastava estar sendo útil onde o a

Com o presidente da FAPESP, Brito Cruz, ao lançar o Programa de Inovação Tecnológica

em Pequenas Empresas, em 1997

Cumprimentando populares, em dezembro

de 2000, na saída do lncor: coragem reconhecida

país mais precisasse; em toda a sua vida, o poder sempre foi um meio para servir, e mais nada.

Em prol das grandes causas, porém, ele era cônscio da ur­gência de um esforço coletivo, e mais que isso, diferenciado. Para um país senhor de si, hoje mais do que nunca, há que se trilhar pelas sendas do conheci­mento. Essa a explicação que intuímos para o apreço tão grande que Mário Covas tinha pelos cientistas. Amar a sua ciência (e sempre que possível, usá-la como uma alavanca) pa­rece-nos uma forma inteligente que o cientista dispõe para amar ao seu próximo, e tam­bém ao seu país.

Cremos, pois, que não corre­mos riscos ao agradecer, em nome dele, à FAPESP e aos cien­

tistas, pelo que vêm fazendo nessa direção; somos testemu­nhas de que o reconhecimen­to público aos participantes da aventura do Genoma Xy­lella foi, para Mário Covas, um dos momentos de maior felicidade pessoal durante o seu governo. Mas sentimos, também, que ele quis fazer da­quele evento um marco em fa­vor da criatividade, da solida­riedade e da persistência. •

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 9

Page 10: Aviso aos navegantes

• --......._ .._ - ,..., - .'<-

" à . . I . G . C O N F E R .

Brazilian lnternational e nome Conference

C T Ministério da Ciência e

BRASIL Tecnologia

~ c.__:::;;T

LUDWIG INSTITUTE FOR CANCER RESEARCH

Março, 26-29, 2001 -Angra dos Reis- Rio de Janeiro- Brasil Temas Abordados: Genômica em Humanos, ltamíferos, Plantas e lticróbios

Pa/estrantes Confirmados:

Sérgio Verjovski-Aimeida, Paulo Arruda, Charles Auffray, Anamaria Camargo, Luiz (amargo,

Phil ip Campbell, Paul Farrell, Terry Gaasterland, Michael Galperin, Walter Gilbert, Philippe Glaser,

Winston Hide, Jõerg Hoheisel, Tim Hubbard, Victor Jongeneel, Oli Kallioniemi, Pui-yan Kwok,

Joshua LaBaer, Rob Martienssen, Sara Melville, Gene Myers, Steve O'Brien, Ross Overbeek,

Svante Paabo, Sergio Pena, Nicole Perna, José F. Perez, John Quackenbush, Mark Ragan,

Fernando Reinach, Luis Fernando Reis, Marcelo Bento Soares, João Setubal, Andrew Simpson,

Richard Simpson, Sandra de Souza, Robert Strausberg, Mike Stratton, Marie-Anne Sluys,

Steve Tanksley, Mathias Uhlen, Julio Collado Vides, James Womack, Kurt Wuthrich.

Patrocinadores

amersham pharmacia biotech

Prazo e Taxas

A plied Biosystems

Taxa de Participação: R$200,00- Estudantes: R$ 100,00

Page 11: Aviso aos navegantes

OPINIÃO

MAYANA ZATZ

Mulheres na ciência Os difíceis caminhos enfrentados pelas pesquisadoras em todo o mundo

Quando se anunciou que eu havia recebido o prêmio Unesco/L'Oréal for Women in Sciences as perguntas dos jornalistas naci­

onais e mternacionais eram: Como é ser uma mu­lher na ciência? Quais as dificuldades que uma mulher cientista enfrenta no Brasil? Que conse­lhos você daria às jovens que querem ingressar na carreira científica?

Para surpresa geral, respondi que as dificulda­des enfrentadas na minha carreira científica foram as mesmas que um homem enfrentaria, pois nunca me

coordenadoras de projetas temáticos da FAPESP e menos de 10% dos professores titulares da Uni­versidade de São Paulo ou dos membros da Aca­demia Brasileira de Ciências são mulheres.

Será que isso ocorre porque há uma discrimi­nação contra aquelas que tentam galgar posições mais elevadas ou é uma opção das próprias mu­lheres que querem trabalhar menos após uma cer­ta idade? A participação feminina diminui após os

34 anos, que coincide com o perío­do no qual, hoje, muitas decidem ter filhos. Enfrentar a dupla jorna-

senti discriminada por ser mulher no Brasil. Mas será que isso é ver­dade para todas as pesquisadoras? Dados da Unesco mostram que apenas 5% a 10% das mulheres no mundo galgam funções de respon­sabilidade no campo das ciências.

1

' "Mesmo nos Estados Unidos

da de mãe e profissional certamen­te não é fácil e muitas não conse­guem se dedicar tanto à pesquisa como gostariam ou deveriam.

Ainda hoje, mesmo na Europa e nos Estados Unidos, as mulheres são minoritárias em ciências. Na França, são 32% no CNRS ( Conse­lho Nacional de Pesquisa) enquan­to nos Estados Unidos a participa­ção das mulheres é em média de

e na Europa, ainda somos um grupo minoritário no campo das

A meu ver, as jovens mulheres que se iniciam na carreira científica não devem abdicar da experiência fantástica de ter filhos, apesar das dificuldades de se conciliar a carrei-ra com a maternidade. Acreditar que podemos contribuir e ousar,

ciências,

-

30%, variando de acordo com a disciplina (de 10% na matemática a 48% na psicologia). De acordo com uma pesqui­sa recente (Nature, dezembro de 2000), na Itália, os homens têm três vezes mais chances de atingir posições de chefia. E dentre aquelas que são líde­res de pesquisa cerca de 40% não têm filhos.

No Brasil, de acordo com o CNPq, as mulheres constituem 43,7% das pesquisadoras, apesar de a proporção relativa diminuir com o aumento da faixa etária: 45,9% a 41,5% no grupo de 35 a 54 anos e ao redor de 30% entre 55 e 64 anos. Segun­do essa projeção, o número de mulheres vai supe­rar o de homens até o final da década. A questão é: será que isso também vai ocorrer nos postos de liderança? Quando se analisa a porcentagem de mulheres que lideram pesquisas, a desproporção sexual é gritante. Apenas 21 o/o das mulheres são

· sem medo de receber um não ao submeter um projeto de pesquisa ou um trabalho para publicação.

Se optamos pela carreira cientí-fica porque temos um verdadeiro

questionamento interior, se vibramos a cada nova descoberta ao mesmo tempo que abrimos um le­que de novas questões, se trabalhamos incansavel­mente em um problema simplesmente porque queremos compreender, porque queremos ajudar, certamente teremos nosso trabalho reconhecido mais cedo ou mais tarde. O sentimento de tentar contribuir para uma maior compreensão de um problema científico, para um mundo melhor e mais justo será certamente, independentemente de nossa posição hierárquica, a maior recompensa.

M AYANA Z ATZ é professora do Instituto de Biociências da USP e coordenadora do Centro de Estudos do Genoma

Humano (Cepid-FAPESP)

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 11

Page 12: Aviso aos navegantes

ÉTICA

LUI Z H ENRIQUE LOPES DOS SANTOS E JOSÉ FERNANDO PEREZ

Conflito de interesses: um desafio inevitável

Na exata medida em que vem crescendo a importância da pesquisa científica e tecno­lógica no contexto da vida econômica, tor­

nam-se mais freqüentes situações em que os resul­tados do desenvolvimento de projetas de pesquisa promovem ou contrariam interesses econômicos objetivos, seja dos pesquisadores neles envolvidos, seja de empresas ou instituições responsáveis por seu financiamento, ainda que parcial. Até que pon­to essa situação interfere na fidedignidade científi­ca desses resultados? Como medir o grau dessa fi­dedignidade em cada caso? Quais os parâmetros relevantes para medi-lo? Em todo o mundo, há hoje um de-

tos colaterais tenham sido adequadamente avalia­dos. Esses múltiplos interesses podem, é certo, con­vergir - mas também é certo que podem divergir. Seja como for, configura-se uma situação, bem des­crita pelo termo "potencial conflito de interesses': cujas ressonâncias tanto éticas quanto propriamen­te científicas não podem ser subestimadas.

Suponhamos que alguém seja encarregado de apitar um jogo de futebol de que participe seu fi­lho. Tratando-se de uma pessoa absolutamente ín­tegra, o potencial conflito de interesses é extremo: o

desejo de que o filho tenha sucesso pode conflitar com o desejo de con­duzir-se de maneira completamente

bate intenso e salutar sobre essas questões, envolvendo agências de fomento, publicações científicas, universidades, pesquisadores, em­presas e governos. Por exemplo, o New England Journal of Medicine, um dos mais importantes periódi­cos científicos do mundo, tem pu­blicado vários artigos a esse respeito.

" O exercício da capacidade

imparcial. Se todas as decisões de um juiz de futebol pudessem ser toma­das mediante a aplicação mecânica de regras explícitas, a existência des­se conflito, na hipótese da integri­dade do juiz, em nada poderia in­terferir no resultado final do jogo. Ocorre, porém, que muitas dessas decisões dependem de avaliações que comportam boa dose de subjeti-

de julgar pode ser i nvol unta ria mente afetado por potenciais conflitos de interesses,

Para melhor ilustrar a complexi­dade do problema e a relevância desse debate, consideremos um caso típico e ordinário. Antes de ser colo-cado no mercado, por uma empresa farmacêutica, um novo medicamen-to, pesquisas devem ser realizadas a fim de determinar se ele é realmente eficaz e se não tem efeitos colaterais nocivos. Via de regra, tais pes­quisas contam com financiamento da empresa -objetivamente interessada em demonstrar que seu produto é bom e inofensivo - e, muitas vezes, são realizadas por pesquisadores por ela empregados ou contratados- objetivamente interessados no su­cesso financeiro da empresa, de que depende, por exemplo, a manutenção de seus empregos ou a ob­tenção de futuros contratos e financiamentos. A es­ses interesses, soma-se o interesse ético e profissio­nal dos pesquisadores em realizar seu trabalho segundo a boa metodologia científica, bem como o interesse da sociedade em dispor de um produto apto a resolver problemas de saúde, mas com ga­rantias razoáveis de que os riscos de possíveis efei-

12 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

vidade e é precisamente aí que o po­tencial conflito faz sentir seus efeitos: involuntariamente, pode ser tomada uma decisão favorável ao filho, que não seria tomada em outras circuns­tâncias; ou, pelo contrário, na ânsia

de agir com isenção, o juiz pode tomar uma deci­são prejudicial ao filho, que não seria tomada em outras circunstâncias. Em suma, o potencial confli­to de interesses pode interferir no exercício da ca­pacidade de julgar do juiz, de uma maneira que não pode, por princípio, ser por ele precisamente iden­tificada, controlada ou evitada. Ainda que, de fato, não interfira, a percepção do grau de isenção de suas decisões será inevitavelmente afetada pela existência do potencial conflito de interesse.

Em muitos aspectos, as conseqüências de um potencial conflito de interesses na pesquisa científi­ca e tecnológica são da mesma espécie. Com efeito, em vários momentos de seu trabalho, os pesquisa­dores são obrigados a tomar decisões cuja correção não se pode medir, de antemão, por nenhum con-

Page 13: Aviso aos navegantes

junto de regras precisas e explícitas- decisões rela­tivas, por exemplo, a estratégias alternativas de con­dução da pesquisa ou à determinação do valor de dados certamente relevantes, porém não inteira­mente conclusivos, ou até mesmo conflitantes en­tre si. Nesses momentos, a qualidade das decisões tomadas depende essencialmente de uma capaci­dade de julgar dos pesquisadores que se poderia chamar de "bom senso metodológico", fruto prin­cipalmente da conjugação de sua experiência com seu talento. É o exercício dessa capacidade que pode ser involuntariamente afetado por potenciais conflitos de interesses - de uma maneira que não pode, por princípio, ser por eles precisamente iden­tificada, controlada ou evitada. Também aqui, a percepção do grau de isenção das decisões tomadas pode ser afetada pela existência de potenciais con­flitos de interesses.

O modo mais simples de afastar os riscos de uma situação de conflito de interesses é impedir seu aparecimento: o pai não apitará um jogo de que participe seu filho, o pesquisador não desenvolverá um projeto cujos resultados possam contrariar seus interesses pessoais, uma empresa ou instituição não financiará um projeto cujos resultados possam

Normas da FAPESP relativas a potenciais conflitos de interesses

1) Ao apresentar um projeto à FAPESP. o pesquisador deve listar todas as fontes de financiamento, públi­cas ou privadas, com que conta ou espera contar para desenvolvê-lo.

2) O pesquisador deve consultar a FAPESP antes de aceitar qualquer apoio financeiro de qualquer outra fonte de financiamento, pública ou privada, para o desenvolvimento do projeto de pesquisa a que con­cerne o auxílio concedido.

3) Caso o desenvolvimento do projeto de pesquisa a que concerne o auxílio concedido tenha recebido apoio financeiro de qualquer outra fonte de finan­ciamento, pública ou privada, o pesquisador obriga­se a fazer referência expressa a esse apoio, com a identificação clara de sua fonte, em todas as formas de divulgação dos resultados obtidos (artigos, livros, teses, dissertações, trabalhos ou resumos apresenta­dos em reuniões, etc.).

4) Em situações em que a assessoria da FAPESP iden­tifique potenciais conflitos de interesse, poderá será exigido contratualmente que se garanta a outros pesquisadores, a órgãos ou agências governamen­tais e a associações não governamentais o direito de amplo acesso a todos os dados coligidos e procedi­mentos adotados, para eventual auditoria visando determinar se o projeto foi conduzido em consonân­cia com as exigências da boa prática científica.

contrariar seus interesses econômicos ou institu­cionais. Ocorre, porém, que essa solução pode ser demasiadamente simples, sendo no mais das vezes inviável, e até mesmo indesejável.

De fato, a recusa em apitar o jogo pode implicar seu cancelamento, de modo que os jogadores po­dem preferir correr o risco de submeter-se a um juiz involuntariamente enviesado. Analogamente, o teste clínico de um medicamento pode não ser ma­terialmente viável sem o apoio da empresa interes­sada em sua comercialização, o que poderia signifi­car a privação do acesso a um valioso instrumento terapêutico. Além disso, parece razoável que uma boa parte dos custos do processo de elaboração de um produto comercial sejam assumidos pela em­presa que lucrará com sua comercialização, e não, por exemplo, por órgãos ou agências alimentadas por recursos públicos.

Por essa razão, não nos resta senão lidar com potenciais conflitos de interesses por meio de estra­tégias mais complicadas, que muitas vezes só po­dem ser completamente definidas caso a caso. No entanto, dois princípios devem articular, em todos os casos, a formulação dessas estratégias: o princí­pio da plena informação e o princípio da plena veri­ficabilidade.

Não apenas a comunidade dos pesquisadores, mas toda a sociedade, deve ser informada sobre to­das as circunstâncias de realização de um projeto que possa acarretar a existência de potenciais con­flitos de interesse. Apenas assim poderá ser defini­do o grau de fidedignidade a priori dos resultados obtidos, que vai determinar em que medida tais re­sultados devem se submeter a tratamento crítico antes de serem incorporados como resultados cien­tificamente validados. A revista Nature, por exem­plo, passará a exigir que, dos artigos por ela publi­cados, constem todas as fontes de financiamento das pesquisas que neles resultaram.

Para que esse tratamento crítico seja possível, todos os dados e procedimentos utilizados pelos pesquisadores na realização de seu projeto devem estar disponíveis para verificação de auditores inde­pendentes, por iniciativa seja de outros pesquisa­dores, seja de órgãos ou agências governamentais, seja de associações não governamentais. A aplica­ção desses princípios em casos particulares pode não ser uma coisa simples, mas é um desafio que o perfil e a motivação de boa parte da pesquisa cien­tífica e tecnológica contemporânea nos destina a enfrentar. •

LUIZ H ENRIQUE LOPES DOS SANTOS é assessor científico da FAPESP E j osE FERNANDO P EREZ é diretor científico

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 13

Page 14: Aviso aos navegantes

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Instituto do Sem i-Árido começa a funcionar O Programa Xingó ganhou a chancela oficial que falta­va para ser reconhecido como um produtor de pes­quisa e de desenvolvimento na Região Nordeste. Em fe­vereiro, o ministro da Ciên­cia e Tecnologia (MCT), Ronaldo Sardenberg, anun­ciou a criação do Instituto do Semi-Árido, a primeira unidade de pesquisa do mi­nistério para o Nordeste. Embrião do instituto, o Programa Xingó existe des­de 1996, quando foi criado por iniciativa da Compa­nhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), do Con­selho Nacional de Desen­volvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Programa Comunidade So­lidária, além de receber o apoio de sete universidades federais e estaduais de qua­tro Estados e de outros ór­gãos de pesquisa de outras regiões. O programa utili­zou a infra-estrutura mon­tada pela Chesf na constru­ção da hidrelétrica para realizar ações de caráter multidisciplinar que pos­sam desenvolver os 29 mu­nicípios do semi-árido nor­destino. A região, que fica no trecho do Rio São Fran­cisco entre Itaparica e Xin­gó, abrange Alagoas, Bahia, Pernambuco e Sergipe, nu­ma área de 14 mil quilôme­tros quadrados, com cerca de SOO mil habitantes. Ho­je, 200 pesquisadores tra­balham em um projeto pi­loto em dez cidades nas áreas de educação, arqueo­logia e patrimônio históri-

14 · MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

co, aqüicultura, atividades agropastoris, biodiversida­de, fontes alternativas de energia, gestão do trabalho, recursos hídricos e turis­mo. Agora, com a definitiva institucionalização do pro­grama, os projetos entram numa nova fase. O investi­mento do MCT no Institu­to do Semi-Árido será de R$ 5 milhões em 2001. Isso sem contar com o apoio do Serviço de Apoio à Micro e Pequenas Empresas (Se­brae), de mais R$ 7 milhões, para organizar e capacitar os pequenos produtores. O principal objetivo é trans­formar a região num pólo turistíco, com melhorias

curso de man ipulação de plantas medicina is:

socioeconômicas. Aos pou­cos, essa meta vem sendo atingida. No ano passado, o sítio arqueológico e o reservatório da Hidrelétri­ca de Xingó atraíram 40 mil visitantes. Até o mo­mento, com a instalação de sistemas de bombeamento de água e de energização de prédios públicos, mais de 250 famílias foram be­neficiadas. Também o nú­cleo de biodiversidade au­xilia a comunidade a gerir os recursos naturais. Fo­ram criados um herbário de plantas da caatinga e uma oficina de manipu­lação para testar e produzir fitoterápicos. •

• Unesco premia Ernst Hamburger

Ernst Wolfgang Hamburger, diretor da Estação Ciência, li­gada à Universidade de São Paulo (USP), recebeu no dia 26 de fevereiro o Prêmio Ka­linga pela Popularização da Ciência, dado pela Organiza­ção das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) . Professor do :~:

Instituto de ~ o

Física da USP, ifl iii

Hamburger trabalha há 40 anos pela educação e divulgação científica. O prêmio existe desde 1951,

5

~

Hamburger: reconheci mento

patrocinado pela Fundação Kalinga, da Índia. O físico foi indicado pela Academia Bra­sileira de Ciências e escolhido por um júri internacional. Entre os premiados no passa­do houve seis ganhadores do Nobel e três brasileiros: José Reis (1974), Oswaldo Frota­Pessoa (1982) e Ennio Can­dotti (1998). Hamburger, de 67 anos, está à frente da Esta­ção Ciência há sete anos, mas sempre trabalhou com divul­gação científica. Foi, por exemplo, um dos criadores da série Minuto Científico, exibida pela TV Cultura de São Paulo, em 1997. •

• Amazônia no foco de reunião da SBPC

A Amazônia e sua imensa di­versidade biológica continuam na ordem do dia de pesquisa­dores e ambientalistas. A 7• Reunião Especial da Socieda­de Brasileira para o Progresso

Page 15: Aviso aos navegantes

Base de pesquisa na floresta amazônica: reunião especial

uma linha especial de apoio às micro e pequenas empresas mineiras e vai financiar R$ 1 milhão este ano para os pe­quenos empresários do setor. O objetivo do Programa de Apoio Financeiro às Micro e Pequenas Empresas de Base Tecnológica (Promitec) é me­lhorar as condições das em­presas emergentes e nascentes de base tecnológica. O Banco

de Desenvolvimento de Mi­nas Gerais (BDMG) partici­pará dos projetas como o agente financeiro da Fapemig. É a primeira vez que a fun­dação mineira lança um pro­grama desse tipo para pesqui­sa tecnológica. Até então, as linhas eram institucionais, to­das de custeio, sem retorno fi­nanceiro - agora não, a nego­ciação será feita diretamente com o empresário. O Promi­tec é semelhante ao Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas PIPE, criado em 1997 pela FAPESP, que dá apoio à pesquisa para inovação diretamente na em­presa, por meio da concessão de financiamento ao pesqui­sador a ela vinculado ou as­sociado. O alvo do PIPE são empresas com até 100 em­pregados, dispostas a investir na pesquisa de novos produ­tos de alto conteúdo tecnoló­gico ou processos produtivos inovadores. •

1 Medalha Instituto Butantan

O Instituto Butantan de São Paulo homenageou 25 cien­tistas e políticos que contri­buíram para o desenvolvi­mento da instituição e para o avanço das ciências biomé­dicas no Estado. A Medalha Instituto Butantan, criada em 1981, foi outorgada às personalidades no dia 19 de fevereiro. Entre elas estavam o físico e engenheiro eletri­cista José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, o médico Adib Jatene e o se­cretário da Saúde do Estado de São Paulo, José da Silva Guedes. Os candidatos são escolhidos pelo conselho da instituição e a lista de laurea­dos é divulgada em decreto do governo. A cerimônia marcou a emissão da Meda­lha Comemorativa do 1 o

Centenário do Instituto Bu-tantan. •

da Ciência (SBPC) terá como tema A Amazônia no Brasil e no Mundo e será realizada em Manaus, de 25 a 27 de abril. A idéia é debater desenvolvi­mento sustentável e futuro das pesquisas na região, ur­banização e consolidação da cidadania, desmatamento, mudança climática e as rela­ções da Amazônia com o Brasil e o mundo. Além dos simpósios e da apresentação de pôsteres, haverá a sessão especial Vivências Amazôni­cas, com relatos das experiên­cias de moradores sobre o co­tidiano da região. Esta reu­nião especial é uma parceria entre SBPC, Instituto Nacio­nal de Pesquisas da Amazô­nia (Inpa) e Universidade do Amazonas. A 53• Reunião Anual da entidade vai ocorrer entre 13 e 18 de julho na Uni­versidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador. O tema será Nação e Diversida­de- Patrimônio do Futuro. As informações sobre os dois encontros, com prazos e fi­chas de inscrição, estão no site www.sbpcnet.org.br. •

Pesquisa de Campinas mostra força

1 Fapemig cria linha de apoio a empresas

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) instituiu

Campinas será a estrela de uma grande mostra de ciência no segundo semes­tre deste ano. Onze insti­tuições de pesquisa da re­gião, além de empresas do Brasil e do exterior, estão organizando a Mostra de Ciência e Tecnologia para

Unicamp, Pontifícia Uni­versidade Católica (Puc­camp), Institúto Agronô­mico de Campinas (IAC), Instituto Biológico, Centro de Pesquisas e Desenvolvi-

o Desenvolvimento ./ ~ (Cientec 2001), que V \ I será realizada de 24 de ' agosto a 2 de setembro na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo os idealizadores do evento, o Cientec mostrará a região de Campinas como um pólo diferenciado no cenário brasileiro e latino­americano em razão da qualidade de suas institui­ções de pesquisa, como

menta em Telecomunica­ções (CPqD) e Empresa Bra­sileira de Pesquisa Agro­pecuária (Embrapa), entre outras. O Cientec terá expo­sições temáticas, debates, seminários e, paralelamente ao evento, haverá uma bolsa de negócios e convênios,

com o objetivo de estrei­tar relações entre o se­tor de pesquisa e o

produtivo. Não é para menos: a região responde por 9o/o do Produto Interno Bruto (PIB) e de 10% a 15% das pesquisas científicas realizadas no país. Os orga­nizadores querem agora atrair patrocinadores, cola­boradores e expositores. Mais informações no site www.cientec200 1.com.br. •

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 15

Page 16: Aviso aos navegantes

Banco paralisa pesquisas Uma dívida de US$ 2,5 milhões provocou a para­lisação de pesquisas do Instituto de Imunologia de Bogotá (IIB), na Co­lômbia. O centro é lidera­do pelo controverso bio­químico Manuel Patar­royo, que trabalha há mui­tos anos numa vacina con­tra a malária. O BBVA Ban­co Ganadero, da Espanha, retirou do local equipa­mentos em razão de uma dívida com a Fundação Hospital San Juan de Dios, na qual o instituto está instalado. Segundo infor­ma a revista Nature (edi­ção de 1° de fevereiro), em janeiro o banco assumiu o controle de supercompu­tadores, seqüenciadores de DNA e máquinas de resso­nância nuclear magnética usados para determinar estruturas tridimensionais de proteínas. O presidente do BBVA, José Maria Aya­la, reconhece que o IIB es­tá apenas associado à fun­dação, devedora do di­nheiro. Mas diz que, de­pois de numerosas tentati­vas de receber e de confis­car a propriedade do hos­pital, "não havia mais nada de valor para ser apreendi­do". Ayala sugeriu a Patar­royo que deixasse a asso­ciação com a fundação e fosse para outro lugar. O cientista reagiu afirmando que o banco não tinha o direito de envolver o IIB nessa briga. E argumentou que o IIB é quase todo in-

Manuel Patarroyo: vítima de

dívidas alheias

16 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

dependente da fundação que mantém o hospital e apenas o prédio e metade do salário de 20, entre 168 pesquisadores, são banca­dos pelo hospital. O insti­tuto recebeu US$ 3 mi­lhões em recursos no ano passado. A atitude do ban­co deixou revoltados estu­dantes e pesquisadores. Os jornais colombianos têm publicado cartas de leito­res pedindo para corren­tistas e investidores fecha­rem contas no BBVA. "O episódio provocou um sentimento anti-Espanha na população", conta Pa­tarroyo. Ayala afirmou que espera achar uma solução que permita devolver os equipamentos, talvez com a intervenção da Presidên­cia da Colômbia. Patarroyo tornou-se famoso quando criou uma vacina sintética a partir de proteínas do protozoário Plasmodium falciparum, mas foi critica­do pela comunidade cientí­fica ao usar uma metodolo­gia considerada duvidosa e envolver 20 mil colombia­nos em testes. O pesquisa­dor trabalha em uma nova vacina e espera fazer testes clínicos em dois anos. •

• Pós dos EUA têm mais estrangeiros

Uma análise das últimas esta­tísticas disponíveis da Funda­ção Nacional de Ciência (NSF) dos Estados Unidos revelou dois dados impor­tantes- um alentador e outro preocupante. A m elhor infor­mação é que o número de es­tudantes de pós-graduação das áreas de ciência e enge­nharia subiu 2% em 1999, depois de cinco anos de declí­nio, segundo a revista Busi­ness Week (edição de 5 de março). O curso com m elhor desempenho foi o de compu­tação, com 12% de aumento. A procura pelos cursos de en­genharia subiu 1 o/o - o pri­m eiro crescim ento desde 1983. O núm ero de estrangei­ros na pós cresceu em cerca de 8 mil e ficou em 11 O mil, enquanto o de am ericanos caiu em 1.000 e e estacionou em 300 mil. O que não agra­dou aos am ericanos foi o fato de estudantes est rangeiros com visto de permanência temporário serem os respon­sáveis pelo maior preenchi­m ento das vagas do setor. O problema é que estudantes estrangeiros normalmente voltam para seus países de origem e deixam de contri­buir para a economia do país

visitante. Na última pesquisa feita pela NSF sobre o assun­to, em 1994, descobriu-se que apenas 48% dos alunos es­trangeiros que fizeram dou­torado em ciência e engenha­ria ainda ficavam no país por um ano ou ma1s.

• UsodeDNA preocupa Austrália

O boom de negócios envol­vendo biotecnologia e pes­quisas sobre o genoma hu­mana levaram autoridades da Austrália a tomar medi­das para evitar problemas no futuro. Os australianos tem em que o seqüencia­mento do genoma, divulga­do em fevereiro, provoque uma "invasão de privacida­de" na vida dos cidadãos. Por isso, o governo começou uma pesquisa nacional para avaliar as questões éticas e legais envolvidas na questão. O objetivo é saber se a atual legislação tem meios de pro­teger os m oradores do país con tra o possível mau uso das informações genéticas. Dois grupos vão revisar as leis sobre o tema: a Comis­são para a Reforma da Legis­lação Australiana e a Comis­são de Ética em Saúde, que devem terminar o trabalho até meados de 2002. •

Page 17: Aviso aos navegantes

Ciência na web

Envie sua sugestão de site científico para [email protected]

ÁGUA SUBTERRÂNEA

W-ITI'wO--.o-ot..-~~-- .. ,,_ .. ....,.. ..... ""'.,_ ~ot------~-""""""""'"" __ ,.,_. ::,"'.:.,~·- ... ,,,.,.._.,,_, ___ -. .... _,_

Welcome to the Globin Gene Server

Proleuor Elaico zmtxu_

Fac~HG~

UERJ

www.mathsoft.com/asolve/ globin.cse.psu.edu

~·-_.. .... ...,_..... ...... _....:rrr.t ...... ~-~~ ...... ------·~-·--·-·-........---000 v:,::,.-::_:.o .. c:_.:::--=:.,""':----.;::*'- ,_,.._ ---

www.aguasubterranea.hpg.com.br

Um mar de problemas matemáticos, aparentemente insolúveis. Ótimo para quem gosta de exercícios.

Site turbinado com muitas informações, finks e algumas ferramentas (softwares) para estudar hemoglobina.

Dados sobre água subterrânea: tipos de aqüíferos, poluição, qualidade química, legislação, entre outras informações.

• Taiwan quer atrair cientistas da China

Taiwan (Formosa) e China vivem em eterna posição de alerta, tentando resolver uma pendência política de cinco décadas. Mas, agora, as auto­ridades de Taiwan querem desfazer alguns nós entre as instituições da ilha e do con­tinente. O esforço mais re­cente é para mudar regras que permitam aos pesquisa­dores da China trabalhar nas instituições insulares. Em fe­vereiro, as autoridades de Tai­wan aumentaram o tempo máximo de permanência que os pesquisadores visitantes do continente têm para ficar na ilha, de dois para três anos. Outras mudanças são esperadas, como a adoção de vistos especiais e a possibili­dade de transferência direta de dinheiro para bancos no continente, segundo afirmou para a revista Nature (edição de 15 de fevereiro) Kuan­Hsiu Hsiao, do Conselho Na­cional de Ciência de Taiwan. Os pesquisadores dizem que os vistos especiais são es­senciais para o intercâmbio. Normalmente, os visitantes do continente perdem vários

meses para obter um visto de entrada em Taiwan por causa da burocracia excessiva. •

• Italianos exigem pesquisa livre

A pressão de 1.500 cientistas da Itália levou o governo da­quele país a vol­tar atrás na deci­são de proibir até mesmo pesqui­sas com alimen­tos transgênicos (plantas geneti­camente modifi­cadas). As autori­dades decidiram proibir os estu­

Afonso Pecoraro, acusado de atrasar a pesquisa italiana em agrobiotecnologia sem nenhuma base concreta. Al­guns dias depois da divul­gação do manifesto, o go­verno voltou a permitir esse tipo de trabalho científico. Também no mês passado,

dos seguindo a Dulbecco: contra tendência de to- veto do governo

foi aprovado um conjunto de re­gras para pes­quisa, plantio e comercialização desses alimentos na Europa. A re­gulamentação precisará ser ra­tificada nos pró­ximos 18 meses por 15 países membros da UE.

dos os países da União Européia (UE) de proi­bir o cultivo de transgêni­cos. Pesquisadores de grande prestígio, como os laureados com o Nobel de Medicina Renato Dulbecco, em 1975, e Rita Levi-Montalcini, em 1986, encabeçaram um ma­nifesto, em fevereiro, exigin­do liberdade para pesquisa e contra o veto a experimen­tos com transgênicos. O prin­cipal alvo do documento foi o ministro da Agricultura,

Ocorre que al-guns países, como França, Grécia, Dinamarca, Luxem­burgo, Itália e Áustria, que­rem mais restrições para aceitar o fim definitivo do embargo. A disputa ainda parece longe do fim. •

• Orçamento da Estação Espacial encolhe

O governo do presidente nor­te-americano George Bush determinou cortes no gasto

com a Estação Espacial Inter­nacional (ISS) no final de fe­vereiro. A Nasa, agência espa­cial, já estourou em US$ 4 bilhões o orçamento da fase atual do programa. Com os cortes, a tripulação que per­manecerá no espaço cairá de sete para três astronautas, o número de vôos em 2001 será de seis e não mais oito e al­guns equipamentos deixarão de ser instalados este ano. Como as mudanças, também as pesquisas científicas terão de ser limitadas durante certo período. Técnicos da Nasa di­zem que a montagem total da ISS e sua colocação em ope­ração custarão, no total, US$ 95 bilhões e poderão levar dez anos ou mais. Apesar dos cortes na ISS, o orçamento para 2001 da Nasa não foi diminuído. Pelo contrário, cresceu 2% em relação a 2000 e ficou em US$ 14,5 bi­lhões. No começo de março, a agência anunciou também a desistência de continuar o projeto do avião X-33, um su­cessor mais barato dos ônibus espaciais. O aparelho nunca fez nenhum vôo de teste, mas consumiu US$ 912 milhões da Nasa e US$ 357 milhões da Lockheed Martin. •

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 17

Page 18: Aviso aos navegantes

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

BANCO DE DADOS

Censo científico Levantamento do CNPq radiografa grupos de pesquisa no país

Aquarta versão do Diretório dos Grupos de Pesquisa, uma espé­

cie de censo da atividade científica promovido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec­nológico (CNPq), constatou, no ano 2000, que estavam em ação no país 11.7 60 grupos de trabalho, com um total de 48.781 pesquisadores, vincu­lados a 224 universidades e instituiçõ­es, públicas e privadas. As universida­des públicas, de acordo com esse levantamento, concentram 80% dos grupos de pesquisa. Do ponto de vis­ta regional, o destaque é para o Su­deste, que abriga 57% da produção científica nacional. São Paulo segue na liderança, com 31% dos grupos de pesquisas. A Região Sul reúne 20% dos grupos; o Nordeste, 15%; o Cen­tro-Oeste, 5%, e na Região Norte, foi constatada a existência de 3% do to­tal dos grupos de pesquisa.

Na primeira versão do Diretório, publicada em 1993, foram registra­das as atividades de 4.404 grupos de pesquisa. Em 1995, esse número sal­tou para 7.271, e em 1997, na tercei­ra versão, para 8.632. O crescimento do número de grupos de pesquisa ex­pressa o aumento da base de dados que, além de estender a coleta a todas as unidades da Federação, passou a contabilizar também, a partir de 2000, as atividades de pesquisa de instituições privadas. "O Diretório cobre, atualmente, 80% da capacida­de instalada de pesquisa no país", diz Reinaldo Guimarães, consultor do CNPq e coordenador do projeto. O primeiro levantamento, realizado em

18 · MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

1993, teve uma cober­tura estimada em 40% do total dos grupos em atividade no país. A ampliação da cobertura do Diretório também foi responsável pela di­minuição da posição relativa do Sudeste no conjunto da pesquisa no país, e de São Paulo, cuja participação caiu de 40%, em 1995, para os atuais 31%.

Estratificação - Nesta última versão, apoiado em critérios de estratificação, o Diretório classifi­cou os grupos de pesquisa conforme a qualidade da produção científica, usando basicamente dois critérios: o número de bolsistas do CNPq e de docentes de pós-graduação avaliados pela Coordenadoria de Aperfeiçoa­mento do Pessoal do Ensino Supe­rior (Capes) que integravam os gru­pos. A partir desses parâmetros, foi possível distinguir os grupos de e;_ce­lência (A) e consolidados (A+B), aqueles em consolidação (C+ D) e os grupos em formação (E). De acordo com Guimarães, cerca de 10% dos grupos se enquadraram no estrato A e 20% obtiveram A+B, 40% foram classificados como C+D e 30% se en­quadraram na categoria E. Mais de 80% dos grupos considerados de ex­celência e consolidados estão locali­zados no Sudeste, principalmente nas universidades e institutos de pes­quisas paulistas. Em São Paulo, 46% dos grupos estão no estrato A+B, 42% no C+D e 12% no A.

Do total de grupos de pesquisa em atividade no Estado de São Paulo, 11,5% estão na Universidade de São Paulo (USP), 4,6% na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ),

3,1% na Universidade Estadual Pau­lista (Unesp ), 1,5% na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e 1,3% na Pontifícia Universidade Ca­tólica de São Paulo (PUC-SP), ape­nas para citar alguns exemplos.

Os grupos paulistas, ainda segun­do os dados coletados pelo Diretório, reúnem 15.129 pesquisadores; 68% com doutorado, 19% com mestrado, 9% com graduação e 4% com espe­cialização na sua área de atividade.

O mapeamento do CNPq consta­tou que 31% das pesquisas desenvol­vidas pelos 11.760 grupos em todo o país se concentram no setor de Saú­de, seguidas de perto pelo de Educa­ção, com 30%. Mais da metade dos pesquisadores têm doutorado (56,7%) e quase 65% têm artigos publicados em revistas especializadas, de circula­ção nacional e internacional, livros ou capítulos ou outras publicações.

Grupos e lideranças -A idéia de ma­pear as atividades de pesquisas no país surgiu em 1990, no Fórum de Pró-reitores de Pesquisa, estimulada por um desafio do então secretário Nacional de Ciência e Tecnologia José Goldemberg. "Ele nos pediu que apontássemos os bons grupos de

Page 19: Aviso aos navegantes

pesquisa existentes no país", lembra Guimarães, na época pró-reitor de Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) . "Não tínha­mos como identificar os bons, sem identificar todos. O projeto de um censo de pesquisa no país amadure­ceu e foi apresentado ao CNPq em 1992. O primeiro levantamento foi realizado em 1993 com três objeti­vos: preservar a memória da pesqui­sa no país, promover intercâmbio en­tre grupos de pesquisadores e subsidiar as políticas de ciência e tec­nologia no país!'

"Desde o início, defendemos a idéia de trabalhar com grupos de pesquisa como unidade de análise, apesar deste não ser um modelo tra­dicional no país, já que a relação dos órgãos de fomento é com os pesqui­sadores': diz Guimarães. O pressu­posto, ele justifica, é que os grupos de pesquisa se organizam hierarquica­mente em torno de uma liderança que será a fonte de informações para a base de dados. "Desde 1993, consi­deramos difícil estabelecer relações individuais, a começar pela identifi­cação dos líderes. Quem tem cum­prido esse papel são as autoridades máximas de pesquisa nas instituições!'

Orientados pela equipe responsável pelo projeto, os pró-reitores, supe­rintendentes, diretores ou vice-presi­dentes de pesquisa das universidades e instituições identificam os líderes de pesquisa, remetem a estes os ques­tionários e se encarregam de seu re­colhimento e envio ao CNPq.

A meta inicial era realizar levanta­mentos bianuais. "Mas, em 1999, o CNPq iniciou a implementação da Plataforma Lattes - um sistema ope­racional que integra a sua base de da­dos com os mais de 70 mil currículos Lattes e a gerência de fomento. Por isso tivemos que fazer a quarta versão em 2000." No próximo censo, em

2002, já estão previstas algumas mu­danças. "A partir da quinta versão, os líderes poderão atualizar as informa­ções de pesquisa ao longo do biênio. Hoje, só é possível fazer alterações quando a base de dados é renovada. Vamos separar a coleta de informa­ções do processo de divulgação", ele explica.

O site do CNPq, com a quarta versão do Diretório, recebeu um total de 8 mil visitas, entre dezembro do ano passado e fevereiro último, uma média de cem visitas por mês. "As in­formações reunidas nesta base de da­dos já podem orientar as políticas de fomento': diz Guimarães. •

Distribuição dos grupos de pesquisa por unidade da Federação

UNIDADES DA FEDERAÇÃO

São Paulo

Rio de Janeiro

Rio Grande do Sul

Minas Gerais

Paraná

Pernambuco

Santa Catarina

Distrito Federal

Bahia

Ceará

Paraíba

Pará

Goiás

Espírito Santo

Mato Grosso do Sul

Maranhão

Rio Grande do Norte

Amazonas

Sergipe

Alagoas

Piauí

Mato Grosso

Tocantins

Acre

Rondônia

Amapá

Brasil

Fonte: CNPq

N° DE GRU POS

3.645

1.922

1.199

1.026

701

509

417

334

330

253

224

176

163

140

109

108

101

95

75

67

53

30

28

27

27

1 1.760

% SOBRE TOTAL DE GRUPOS

31

16,3

10,2

8,7

6,0

4,3

3,6

2,8

2,8

2,2

1,9

1,5

1,4

1,2

0,9

0,9

0,9

0,8

0,6

0,6

0,5

0,3

0,2

0,2

0,2

0,0

100,00

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 19

Page 20: Aviso aos navegantes

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

INCUBADORAS

Demanda garantida Pequenas empresas vão disputar mercado de genéricos

OParque de Desenvolvimento Tecnológico (Padetec), do

Ceará, e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) estão criando incubadoras para abri­gar pequenas empresas produ­toras de medicamentos genéri­cos. As duas iniciativas são piloto, contam com o apoio do Conselho Nacional de Desen­volvimento Científico e Tecno­lógico (CNPq) e passaram a in­tegrar o Projeto Nacional de Incubadoras de Empresas de Base Tecnológica. O CNPq vai financiar a compra dos equipa­mentos e material de consumo, de acordo com Kumiko Mizuta, coordenador-geral de Pesquisa Agropecuária e de Biotecnologia

que está se instalando no Ceará. O mercado também está garantido: o governo do Estado do Ceará, que compra uma média de R$ 7 milhões em genéricos, vai absorver a produ­ção de medicamentos e garantir às novas empresas um faturamento médio de R$ 1 milhão por ano, nas contas de Afrânio Craveiro, superin­tendente do Padetec. "O governo, interessado em estimular a criação

certificados pela Unidade de Farma­cologia Clínica, a ser inaugurada no dia 23 de março deste ano, que será responsável pela realização dos testes de bioequivalência dos genéricos.

Medicamentos "órfãos"- Na UFRGS, a idéia de criar uma incubadora para a produção de genéricos e de medicamentos "órfãos" - que não estão no mercado com apresentação desejada, como, por exemplo, remé­dios sem apresentação pediátrica -surgiu há três anos, antes mesmo da regulamentação desses medicamen­tos. "A Faculdade de Farmácia já tinha laboratório industrial e pre­tendia qualificá-lo para o desenvol­

vimento de novas tecnologias e para abrigar uma incubadora que aumentasse as chances de aplicação comercial da pesquisa acadêmica", diz Paulo Mayorga, coordenador do projeto na uni­versidade.

do CNPq. Os dois contratos, já firmados, têm validade de dois anos, podendo ser prorrogados.

Medicamentos: apoio das universidades e do CNPq

A UFRGS vai investir R$ 400 mil na construção de área física, adequada às normas de produ­ção de medicamentos, para abri­gar empresas novas ou já consti­tuídas. O projeto terá uma planta para atender a medica­mentos de forma sólida (com­primidos, cápsulas, granulados, etc.) e um laboratório para o de­senvolvimento de medicamen­tos que será compartilhado pe­

A expectativa do CNPq é que os projetos contemplem toda a cadeia produtiva dos genéricos, inclusive a sintetização de princípios ativos desses medicamentos. Atualmente, apenas 15% dos princípios ativos dos genéricos são produzidos no país. As novas empresas vão produzir medi­camentos com grande demanda como o captopril, ampicilina, cefale­xina, cetoconazol e verapamil.

Mercado garantido- No Padetec es­tão incubadas 17 empresas, sete de­las com competência para produzir genéricos. O princípio ativo dos me­dicamentos será desenvolvido pela Polifarma, empresa farmacêutica

20 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

de um pólo farmacêutico no Estado, vai apoiar o start up dessas empre­sas, adquirindo os seus produtos e por meio de incentivos à produção", diz. O Padetec, que contará com R$ 750 mil do CNPq, ao longo de dois anos, pretende também estimular o desenvolvimento de empresas com capacidade de desenvolver princípio ativo de medicamentos, como é o caso da Procariri, que vai produzir o L-Zopa, utilizado no tratamento do mal de Parkinson.

Os genéricos produzidos pelas empresas incubadas no Parque de­verão chegar ao mercado em junho, quando também entrará em opera­ção a fábrica da Polifarma. Serão

las empresas incubadas. O CNPq aportará outros R$ 350 mil, ao lon­go de dois anos. "Já existem vários grupos interessados. Publicaremos o edital para a seleção das empresas até o final do primeiro semestre e as propostas serão avaliadas por sua vi­abilidade técnica e perspectivas do mercado", afirma Mayorga. A meta é sincronizar o empreendimento com as demandas do Sistema de Saúde. "Estamos buscando o apoio do Es­tado. A evolução natural é que o projeto seja um núcleo gerador de novas tecnologias, dê origem a um parque tecnológico, criando novos empregos e ampliando a receita re­~onal: •

Page 21: Aviso aos navegantes

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

GENÔMICA

Consórcio contra a malária ONSA integra rede internacional da laboratórios que vai seqüenciar o genoma do Anopheles gambiae

Os laboratórios integrados à Rede ONSA (Organização pa­

ra Seqüenciamento e Análise de Nu­cleotídeos), montada pela FAPESP, deverão participar de um consórcio internacional que realizará o seqüen­ciamento genético do genoma do mosquito Anopheles gambiae, o prin­cipal responsável pela transmissão da malária na África. Também integra­rão o consórcio a Celera Genomics, dos Estados Unidos; o Instituto Pas­teur, da França; o Laboratório Euro­peu de Biologia Molecular, com sede na Alemanha, entre outros. O proje­to tem o apoio do Programa Especial de Pesquisa e Treinamento de Doen­ças Tropicais, da Organização Mun­dial de Saúde (OMS). A cooperação brasileira foi acertada em reunião re­alizada no início de março, no Insti­tuto Pasteur, em Paris. De acordo com José Fernando Perez, diretor-ci­entífico da FAPESP, os termos da participação brasileira ainda devem ser definidos.

O projeto tem como objetivo se­qüenciar integralmente, ainda este ano, os 260 milhões de pares de base do genoma do Anopheles gambiae, utilizando a técnica shotgun, aperfei­çoada pela Celera Genomics. O iní­cio do seqüenciamento será feito pela Celera Genomics e pelo Centro Fran­cês de Seqüenciamento (Genoscope); a junção dos fragmentos do genoma será feita também pela Celera Geno­mics, e a finalização ficará sob a res­ponsabilidade do Genoscope, do Ins-

ficar novos mecanis­mos de controle do ci­clo da malária.

Anopheles gambiae: mais agressivo que o darlingi

Vetor agressivo- A ma­lária atinge, anualmen­te, 300 milhões de pes­soas, principalmente na região subsaariana, e é responsável pela morte de um milhão de crianças. O Anopheles gambiae é o seu princi­pal vetar. A incidência da doença cresce junto com a população do mosquito, que desen­volveu resistência a in­seticidas. O mosquito africano é parente pró­ximo do Anopheles dar­lingi, transmissor da doença no Brasil. "A principal diferença é que o gambiae é muito mais ávido e agressivo. Pica mais e por um maior período de tem­

tituto de Pesquisa Genômica (TIGR), entre outros. A Rede ONSA partici­pará da anotação do seqüenciamento, junto com outros sete laboratórios. O projeto também prevê o seqüen­ciamento de outras variedades de mosquito transmissor da doença, en­tre eles a do Anopheles darlingi, exis­tente no Brasil.

Três organismos integram o ciclo da doença: o ser humano, o mosqui­to do gênero Anopheles e o protozoá­rio que causa a doença, o Plasmodi­um falciparum, cujo seqüenciamento genético está em fase de conclusão, nos Estados Unidos. O seqüencia­mento do genoma do mosquito, juntamente com o do parasita Plas­modium e do hospedeiro humano permitirá aos pesquisadores identi-

po': explica Marcos Boulos, chefe do Departamento de Doenças Infeciosas e Parasitárias da Faculdade de Medi­cina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Enquanto o darlingi ataca, geralmente, no início da noite, o gambiae faz suas vítimas noite aden­tro e até o início da manhã. O resul­tado é que, aqui, o número de víti­mas é bem menor - atingiu 600 mil pessoas, em 1999, e a mortalidade é pequena. "Pelo menos 80% dos casos são benignos", diz Boulos.

A região Nordeste do Brasil já con­viveu com o Anopheles gambiae, no início do século, por volta dos anos 30. O mosquito foi erradicado, se­gundo Boulos, numa da maiores vi­tórias da Saúde Pública no país, com o apoio da Fundação Rockfeller. •

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 21

Page 22: Aviso aos navegantes

CIÊNCIA

Expansão da soja prejudica o Cerrado Destruição da ve­getação nativa, comprometimen­to de importantes bacias hidrográfi­cas, maior con­centração da pro­priedade da terra e redução dos pos­tos de trabalho agrícola são con­seqüências da grande expansão da cultura de soja no Cerrado. As conclusões estão no estudo Expan­são Agrícola e Per­da de Diversidade

Soja no Centro-Oeste: o Cerrado está apenas com 20% da área original

nascentes das três principais bacias hidrográficas brasilei­ras estão localizadas no Cer­rado': Ele sugere um macro­zoneamento ecológico-eco-nômico na região. •

• Bacilo da hanseníase é mapeado

Agora foi a vez do bacilo da hanseníase (Mycobacterium leprae), seqüenciado por pes-

quisadores franceses e britâ­nicos. O trabalho trouxe a es­perança de desenvolvimento de novos testes de diagnosti­car, mais rápidos e eficazes do que os atuais. As pesquisas sobre o bacilo são especial­mente importantes em razão do grande número de casos em todo o mundo. A cada ano, são cerca de 700 mil no­vos doentes - mais de 40 mil deles apenas no Brasil. O es­tudo revelou que o genoma da bacilo da hanseníase é muito parecido com o da tu­berculose: 93% dos genes são iguais. A principal diferença é que o de Hansen parece ter perdido metade de seus genes não essenciais (que não pro­duzem proteína). "Há um to­tal de 1.604 genes", diz Ste­wart Cole, do Instituto Pas­teur, de Paris. Com menos genes, será mais fácil identifi-car os mais importantes. •

no Cerrado: Origens Históri­cas e o Papel do Comércio In­ternacional, lançado em fe­vereiro pelo WWF Brasil (Fundo para a Natureza), em Brasília. O Brasil é o segundo maior produtor de soja do mundo e 45% dela sai do Cerrado, na região central. Dos cerca de 30 milhões de toneladas produzidas anual­mente, metade é exportada. O trabalho dos pesquisa­dores mostra que entre 1985 e 1996 houve uma redução de 19% dos postos de traba­lho no Centro-Oeste, en­quanto aumentava o número de propriedades entre 100 e 1.000 hectares. O Cerrado está com 20% de sua área original. "Queremos que o Brasil seja o maior produtor de soja e de carne bovina do mundo, mas a produção e o sistema de transportes para seu escoamento devem ser acompanhados de práticas conservacionistas", adverte o técnico do WWF Álvaro Lu­chiezi Jr. E exemplifica: "As

Bromélias são foco de Aedes aegypti

22 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

A crescente utilização de bromélias na decoração de ambientes em casas pode se tornar um problema de saúde pública. Um estudo realizado no ano passado mostrou que essa planta é um provável foco do mos­quito Aedes aegypti, trans­missor da dengue e da fe­bre amarela O professor Oswaldo Paulo Forattini, da Faculdade de Saúde Pú­blica da Universidade de São Paulo (USP), e Gisela Rita Marques, da Superin­tendência de Controle de Endemias (Sucen), da Se­cretaria Estadual de Saúde,

fizeram o alérta ao desco­brir larvas do mosquito em bromélia domesticada na cidade de Potim, a 150 qui­lômetros de São Paulo. "Atualmente, é muito co­mum ter esse tipo de plan­ta em casa", diz Forattini. Para o pesquisador, os efei­tos ainda não são sentidos em São Paulo porque a pre­sença do Aedes ainda é pe-

Bromélia: decoração pode virar foco

de mosquito

quena na capital paulista, mas crescente em outras cidades. A principal dificul­dade para prevenir o pro­blema é a questão cultural. "Qual pessoa deixa jogar in­seticida ou jogar fora as pró­prias bromélias?", pergunta Forattini. O objetivo dos pes­quisadores é alertar as au­toridades para a campanha de combate à dengue. •

Page 23: Aviso aos navegantes

• O plástico que vem da bactéria

Graças às atividades digesti­vas pouco usuais de uma bactéria, a Ralstonia eutropha, o pesquisador Alexander Steinbüchel, da Universida­de de Münster, Alemanha, conseguiu criar um biopolí­mero que deverá ser usado em implantes e instrumen­tos cirúrgicos invasivos. Co­nhecida por sua capacidade de digerir zinco e chumbo, a bactéria foi alimentada pelo cientista alemão com ácido carbônico e, como resultado dessa dieta, produziu um poliéster rico em enxofre. Como esse elemento quími­co apresenta propriedades antibacterianas, Steinbüchel acredita que o plástico pode­rá servir para diversas apli­cações médicas, nos próxi­mos anos. Cateteres e sondas feitos com o biopolímero poderiam provocar menos rejeição no organismo hu­mano, por exemplo. O estu­do sobre essa propriedade da Ralstonia foi publicado na edição de fevereiro da revista Microbiology. •

• Um camelo que bebe água salgada

Uma espécie nova de mamí­fero foi descoberta por uma expedição de pesquisadores chineses e britânicos e anun­ciada no começo de feverei­ro pelo Programa de Meio Ambiente das Nações Uni­das (Pnuma). Trata-se de um camelo diferente de to­dos os tipos conhecidos: ele bebe água salgada, tem cor­covas mais separadas e é mais peludo. Sobrevive entre as dunas de areia de Kum Tagh, no deserto entre o Ti­bete e a China, uma região tão remota que foi usada de 1955 a 1996 para testes nu-

Universo tem 13,5 bilhões de anos Um grupo de astrônomos liderados pelo francês Ro­ger Cayrel, do Observató­rio de Paris, estimou a nova idade do Universo: 13,5 bilhões de anos. Eles descobriram uma das es­trelas mais antigas da Via-Láctea, a gigante CS 31082-001, e detectaram nela a presença de urânio-238, pela análise de sua luz. "É a primeira vez que de­tectamos urânio fora do Sistema Solar", diz Beatriz Barbuy, do Instituto Astro­nômico e Geofísico da Universidade de São Paulo (IAG/USP), que partici­pou do trabalho, publica­do na revista Nature (edi­ção de 8 de fevereiro). A descoberta, feita por meio do Very Large Telescope do Observatório Austral Eu­ropeu (ESO), instalado em Paranal, no Chile, e um es­pectrômetro tipo UVES, é importante porque a pre­sença de elementos radioa­tivos como urânio e tório (este também detectado) permite calcular a idade da

cleares. Por tratar-se de um mamífero, tipo de animal muito estudado, o achado foi considerado o mais im­portante dos últimos dez

A nebulosa M 16, fotografada em 1995, fascina os astrônomos e ficou conhecida como "Pilares da Criação"

estrela: é que o decaimento dos átomos desses elemen­tos- processo pelo qual se tornam mais leves e está­veis- ocorre a uma veloci­dade conhecida. Como a desintegração do urânio é três vezes mais rápida que a do tório, sua detecção permite um cálculo mais preciso: assim, fixou-se a idade da Via.-Láctea em

anos pelos especialistas. Agora, os cientistas querem saber como rins, fígado e pulmões desses camelos re­sistem à água salgada. "Testes

12,5 bilhões de anos. "O Big Bang deve ter ocorrido mais ou menos 1 bilhão de anos antes da formação da galáxia, tendo, portanto, cerca de 13,5 bilhões de anos", estima Beatriz Bar­buy. Os cálculos anteriores, feitos pelo decaimento do tório, mostram uma gran­de grande variação - entre 10 e 18 bilhões de anos. •

Camelo e filhote descobertos no deserto entre China e Tibete

genéticos feitos com os ani­mais indicaram uma dife­rença de 3% entre os geno­mas do camelo domesticado e o do selvagem", diz John Hare, líder da expedição e criador da Fundação de Pro­teção do Camelo Selvagem. A população desses animais é estimada em cerca de mil espécimes, menor do que a dos pandas gigantes. E deve diminuir mais ainda. Fre­qüentemente, para chegar até os poços com água salga­da, a única existente na re­gião, eles têm de atravessar áreas coalhadas de minas co­locadas por caçadores. •

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 23

Page 24: Aviso aos navegantes

CIÊNCIA

BIOLOGIA

O seqüenciamento do genoma humano atesta as semelhanças científicas entre animais, plantas e bactérias e alimenta a idéia de que somos apenas uma espécie a mais sobre a Terra

CARLOS FJORAVANTI E MARCOS PIVETTA

P or um momento, o homem se sentiu peque­no. Exatamente no mesmo dia, 12 de feverei­ro, os ~ois grupos ~ue se d~gl~di_avam há ~nos pelo feito de termmar ma1s rap1do o sequen­ciamento de todo o genoma humano - o

consórcio público internacional e a empresa privada nor­te-americana Celera Genomics - divulgaram, de forma separada e em publicações distintas, a mesma e surpreen­dente notícia. Depois de mapearem cerca de 95% do có­digo genético humano, estimaram que o homem tem cerca de 30 mil genes, três a quatro vezes menos do que imaginavam. No emaranhado de dados, análises e opi­niões que recheavam as duas radiografias iniciais do nos­so genoma, impressas nas páginas da britânica Nature (consórcio público) e da norte-americana Science ( Cele­ra), esse número chamou a atenção de todos. Apenas 30 mil genes! A espécie que domina o planeta, o ser capaz de cravar sua bandeira na Lua e voltar à Terra, abriga em cada célula pouco mais que o dobro do número de genes de vermes e moscas. A reação da sociedade foi imediata. Espanto geral e piadinhas comparando o Homo sapiens a pequenos seres alados e rastejantes. Então seria essa a principal conclusão de um dos mais badalados e caros programas científicos já realizados pela humanidade?

Além dessa constatação, os dados do genoma mos­traram que os genes são distribuídos de forma irregular pelos 23 pares de cromossomas, que formam o genoma humano. Há cromossomas com alta incidência de genes e outros com pouquísimos (ver pág. 35). Também se notou a predominância de seqüências repetidas, o cha­mado DNA-lixo, cuja função ainda é pouco conhecida. Por enquanto, é interpretado como uma evidência de que nosso código genético incorporou seqüências de ou­tro seres (bactérias, por exemplo) e ainda não se livrou desse material de utilidade duvidosa. O fim de um gran­de trabalho científico pode freqüentemente produzir

24 · MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

mais dúvidas do que certezas. Foi o que se deu com o genoma humano, disseminando um efeito aparente­mente- apenas aparentemente- oposto ao que inicial­mente se esperava. À medida que se analisam as infor­mações dos dois rascunhos do nosso DNA, uma série de novas- e velhas - questões entra na ordem do dia. A se­guir, algumas delas:

O fim do começo ainda não terminou

É preciso deixar bem claro: o mapa do seqüencia­mento, tal qual ganhou as páginas da Nature e da Scien­ce, é ainda um rascunho (o segundo) do nosso DNA, embora já exibindo contornos muito próximos da for­ma final. É como se a humanidade tivesse recebido uma enorme biblioteca com um catálogo ainda precário, que não permite saber quantos livros existem em todas as estantes nem separar as obras importantes das media­nas e das quase sem valor. Nenhum dos resultados apontados pelos estudos publicados nas duas revistas é definitivo e inquestionável. Os números são provisórios e precisam ser mais bem calculados, as análises ainda carecem de refinamento e há uma série de questões em aberto. "Gerada por programas de computador, a atual configuração do genoma, com esse reduzido número de genes, é uma ótima hipótese de como deve ser o nosso DNA, mas ainda é uma hipótese': pondera Marcelo Brio­nes, professor de biologia e evolução molecular da Uni­versidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Esses senões são necessários por um motivo simples. A rigor, os pesquisadores dos dois grupos ainda não bo­taram ponto final no gigantesco trabalho a que se pro­puseram: estabelecer a ordem correta dos 3,2 bilhões de bases nitrogenadas - adenina, citosina, guanina e timina, representadas respectivamente pelas letras A, C, G e T -dispersas pelos cromossomas. Em junho do ano passa­do, já haviam anunciado a conclusão de mais de 80% do seqüenciamento do genoma humano, mas, na ocasião, não botaram no papel os seus achados. Agora, deram um

Page 25: Aviso aos navegantes

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 2S

Page 26: Aviso aos navegantes

~ :5 ~ o i< V\

N ~ c z

·~ "' z o ~ ~ < ~

~

ª ~ " < u

" ~ ~ ~-

~

~ ~ o

~ z < o ~·

~ ~ < " s ~·

~ ~

" i< z ~ ;,

~ li1 c; ~ 2 ~ ~ c ~ ~ 5 "' ~ i"

"' ~ o' < ~

" ~ z ii: <

" " ~ o t;;' ~

"' ~ ~ ê <

~

~ ~

ê ~

~

& ~ ,; -; o i< V\ o <

~ ;: dubia

Quem está na frente Exemplos de animais e plantas com genoma* maior que o dos humanos

*em bilhões de pares de bases

Fonte: DOGS - Data base of Genome Sizes

resinosa formosa rum

26 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

passo adiante. Aprimoraram o rascunho inicial e escre­veram páginas e páginas nas duas revistas científicas mais influentes do planeta sobre o que encontraram.

O consórcio público afirma ter decifrado a ordem de 94% da seqüência de bases nitrogenadas, um ponto percentual a menos do que aCelera. Ou seja, ainda há buracos consideráveis em nosso genoma - buracos que podem fazer a diferença, ainda mais quando se sabe que apenas 2% do matérial genético do homem é diferente do DNA do chimpanzé. Além disso, pouco mais de um terço dos genes identificados tem função desconhecida. O fim do começo - jogo de palavras usado por muitos cientistas para dizer que o seqüenciamento do genoma humano é a primeira etapa, não a última, da busca pela decifração de nosso DNA- definitivamente não termi­nou. Tanto que o consórcio público admite no artigo da Nature que apenas em 2003 deve ter uma seqüência do genoma com menos buracos.

A 2003 era a data prevista para a divulgação mapeamento completo do genoma. Mas,

orno aCelera se antecipou e resolveu publi­car na Science o seu trabalho, ainda que não terminado, o consórcio público também

decidiu divulgar seu material, antes do programado, na Nature, principal concorrente da revista norte-america-na. "Não podíamos deixar uma sociedade privada recla­mar o crédito de um trabalho que ela não poderia reali­zar sem se apoiar nos dados do esforço público", afirma Jean Weissenbach, diretor do Centro Nacional de Se­qüenciamento da França, justificando a atitude da inici­ativa pública. Os dados do consórcio - rede formada oficialmente por laboratórios de seis países (Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, Japão e China), mas na prática abastecida por mais nações, como oBra­sil- puderam ser usados - e de fato foram - pela Celera.

cepa grega ria bufo mays

Page 27: Aviso aos navegantes

Afinal, quantos genes temos?

Os dois artigos, da Nature e Science, situam o núme­ro de genes do Homo sapiens entre 26 mil e 40 mil. A tão comentada cifra de 30 mil genes humanos é uma espécie de média de consenso, que parece ter agradado tanto aos cientistas do consórcio público quanto aos da Celera. Antes da publicação, estimava-se que nossa es­pécie tinha cerca de 100 mil genes. Algumas previsões falavam em até 120 mil, 140 mil genes.

No entanto, há quem diga que a atual previsão de 30 mil genes é tão cristalina e indiscutível quanto o resul­tado da última eleição para presidente dos Estados Uni­dos. Eles apostam que - mais dia, menos dia -vai haver uma recontagem. Cientistas que participam de projetas genômicos no Brasil acreditam que podem existir mais genes ainda não detectados pelos modelos matemático­computacionais da Celera e do consórcio público. O to­tal, dizem, pode chegar a 50 mil, se forem considerados os chamados genes transcritos, que formam as molécu­las de ácido ribonucléico (RNA), a base da síntese das proteínas.

Andrew Simpson, coordenador do Genoma Huma­no do Câncer (GHC), projeto financiado pela FAPESP e pelo Instituto Ludwig, é um dos que sustentam essa projeção. No ano passado, sua equipe aplicou no cro­mossoma 22, um dos menores e dos primeiros a ser de­cifrado, a técnica usada pelo GHC, as ESTs ou etiquetas de seqüências expressas, que indica apenas os trechos atuantes da molécula de ácido desoxirribonucléico (DNA). Resultado: o grupo paulista encontrou 219 no­vas regiões transcritas, que parecem corresponder a cer­ca de 100 genes que ainda não haviam sido descritos. De tão relevante, a descoberta ganhou as páginas da edição de 7 de novembro de 2000 da Proceedings of the Natio­nal Academy of Sciences, dos Estados Unidos. "Nosso

4 3,6 3,6 3,3

trabalho, se continuar bem feito, pode contribuir para determinar com precisão o número de genes do geno­ma humano", comenta Simpson.

Outra indicação de que o número de genes humanos pode estar sujeito a ajustes vem da equipe paulista do recém-concluído genoma da cana-de-açúcar, que ma­peou parcialmente o DNA dessa planta e rastreou cerca de 80 mil genes (ver Pesquisa FAPESP no 59). Cruzando as informações obtidas no seqüenciamento da cana-de­açúcar com as disponíveis no GenBank, banco de dados sobre todos os genomas concluídos ou em andamento, os pesquisadores ligados ao projeto da FAPESP encon­traram- quem diria- de 200 a 1.000 genes ainda não identificados na Arabidopsis thaliana, a primeira planta inteiramente seqüenciada, no final do ano passado. Ain­da que sujeito a valores mais precisos, o resultado da comparação pode aumentar em até 5% o total de genes (25 mil) previstos na Arabidopsis. Se foram encontrados novos genes nessa planta, por que o mesmo não pode acontecer com o ser humano?

Determinismo genético versus fatores ambientais

A hipótese de o ser humano ter apenas 30 mil genes reavivou esse velho debate. Os críticos do determinismo genético, em geral pessoas e cientistas da área de huma­nas, mas também ilustres biólogos como Richard Lewon­tin, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, ga­nharam alguns reforços com a notícia da suposta escassez de genes do Homo sapiens. Com tão poucos genes, como podemos creditar tudo que somos- aparência física, pro­pensão a doenças e gostos pessoais- apenas ao DNA e re­legar a segundo plano o papel do ambiente? Críticos mais incisivos decretaram a morte do conceito de gene, como fez a Folha de·s. Paulo em um editorial logo após a publi­cação dos dados do consórcio público e da Celera.

3,3

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2001 • 27

Page 28: Aviso aos navegantes

cação do artigo de sua eqmpe, Collins participou da reumao anual da Associação Americana para o Progresso da Ciência, em São Francisco, nos Esta­dos Unidos, e insistiu em difundir a idéia-clichê de que o DNA é o "livro da vida': metáfora que Venter, também pre­sente no encontro científico, fez questão de rechaçar. Os dois, que sempre tiveram tantas divergências- acerca do patentea­mento e dos métodos de seqüenciamen­to de genes -, conseguiram acrescentar mais um item em sua lista de diferenças.

No que parece ser uma mudança de postura, Craig Venter, dono e principal cientista da Celera, certamente um dos homens que mais sonham em ganhar di­nheiro com o estudo dos genes, começou a proferir uma série de afirmações an­tibombásticas sobre o peso das seqüênci­as de As, Cs, Gs e Ts em nossa existência, após a publicação do artigo de sua com­panhia. ''A montagem da seqüência do genoma humano é apenas o primeiro e hesitante passo de uma longa e excitante jornada na direção do entendimento do papel do genoma na biologia humana", disse. Ou: "Duas falácias devem ser evita­das: o determinismo, a idéia de que todas as características de um ser são ditadas

Collins: concorrência e resultados antecipados Genômica comparativa

pelo genoma; e o reducionismo, (acreditar que) agora que a seqüência humana é totalmente conhecida é ape­nas uma questão de tempo entendermos as funções e in­terações dos genes que darão uma completa descrição causal da variabilidade humana" (ver entrevista abaixo).

Uma área que sai em alta com a pu­blicação das seqüências presentes em nosso DNA, por mais que as analogias tendam a jogar por terra o antro­pocentrismo humano, é a genômica comparativa. Já se sabia que o tamanho do genoma- a quantidade de pa­res de bases- não guarda relação com o status evoluti­vo de um organismo. Um protozoário, a Amoeba dubia, tem 670 bilhões de pares de bases em seu genoma- 220 vezes maior que o humano. E não é só esse ser que bate

Francis Collins, principal coordenador do trabalho do consórcio público do genoma humano, não acompa­nhou Venter no discurso moderado. Dias após a publi-

ENTREVISTA

CRAI G V ENTE R

Forças equivalentes O ambiente pode ser tão determinante quanto os genes

Pode-se não gostar do irrequieto Craig Venter, o fundador da Celera Genomics, a empresa norte-america­na que publicou no mês passado sua versão do genoma humano na revis­ta Nature enquanto o consórcio pú­blico fazia o mesmo nas páginas da Science. Mas é impossível ignorar sua influência nos destinos da pesquisa genômica nos últimos dez anos. Em 1992, inconformado com a burocra­cia dos NIH (National Institutes of Health) dos Estados Unidos, ele deci­diu fundar um instituto de pesquisa genômica. Nascia em Rockville, no Estado de Maryland, a meia hora da capital, Washington, o TIGR (The Institute for Genomic Research), que

28 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

se tornou um produtivo centro de es­tudos e seqüenciamento.

Em 1998, Venter começou a es­crever definitivamente seu nome na história da genômica. Nessa data, fundou aCelera, também em Rock­ville, com um propósito claro: esta­belecer a ordem correta dos 3 bilhões de pares de bases que formam o ge­noma humano num prazo máximo de três anos, bem menos tempo do que o inicialmente proposto pelo consórcio público internacional, que planejava atingir esse nível apenas em 2005. A entrada da Celera- uma companhia disposta a impor um rit­mo frenético nas pesquisas e, assim, ganhar dinheiro com suas descaber-

tas - causou muita polêmica e acir­rou o debate ético. Mas, sem dúvida, fez o consórcio público rever o seu cronograma de trabalho. De 2005, o consórcio passou a prometer o se­qüenciamento completo para 2003.

Com a chegada de 2001, pode-se dizer que aCelera cumpriu a sua pro­messa, ainda que não de forma inte­gral. A empresa publicou uma versão do genoma humano, que ainda con­tém buracos e não é a definitiva - a exemplo do que ocorreu com o tra­balho do consórcio público. Duas se­manas após divulgar parcialmente os dados de seu rascunho do genoma -só tem acesso integral às informa­ções da Celera quem virar assinante do banco de dados da empresa -, Venter deu a seguinte entrevista a Marcos Pivetta, por telefone:

• A revelação de que o genoma huma­no tem menos genes do que o esperado é uma notícia boa ou ruim? - Bem, não é necessariamente nem uma coisa nem outra. Mas diria que é uma boa notícia porque agora sabe-

Page 29: Aviso aos navegantes

o Homo sapiens. Até o cachorro, nosso melhor amigo, deixa o homem para trás: o Canis familiares deve ter uns 100 milhões de pares a mais que seus donos.

ossa quantidade de genes, depois das no­vas projeções rebaixada para 30 mil, tam­bém deixou de ser, por si só, motivo de orgulho para a espécie. A popular mosca­da-fruta (Drosophila melanogaster) tem

mais de 13 mil genes; o verme Caenorhabditis elegans, 19 mil; e a Arabidopsis, 25 mil. Sem falar na cana-de-açúcar, mapeada parcialmente em São Paulo e já com cerca de 80 mil genes. Para quem acredita que o homem é um ser único, as más notícias brotam de todos os lados. Segundo o consórcio público, os cromossomas humano e do camundongo apresentam muitas semelhanças: há no mínimo 200 segmentos com pelo menos dois genes comuns e na mesma ordem. "As comparações com o camundongo vão ajudar a identificar novos genes hu­manos", diz Sandro José de Souza, co-ordenador de bioinformática do Ge-noma Humano do Câncer.

Na genômica comparativa, o DNA do ser humano é colocado lado a lado com o de outros organis-

mos qual é a resposta (para o núme­ro de genes). É uma ótima base para os pesquisadores seguirem adiante.

• Mas isso quer dizer que vai ser mais fácil ou difícil entender o genoma?

mos. As conclusões podem ser surpreendentes. "Gene­ticamente, nós nos parecemos mais com as plantas do que com os fungos, diferentemente da filogenia, que põe as plantas e os fungos juntos", comenta Carlos Fre­derico Martins Menck, do Instituto de Ciências Bio­médicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP). Após analisar 120 genes de reparo de DNA- os guar­diães do genoma, que consertam os danos que ocor­rem nessa molécula -, ele e sua equipe encontraram notáveis semelhanças e, ao mesmo tempo, nítidas dife­renças entre os genomas do homem, animais, levedu­ras (fungos), bactérias e plantas (cana-de-açúcar e Arabidopsis).

Um mesmo gene pode ser encontrado em diversas espécies, mas as plantas, por exemplo, podem ter genes só encontrados no homem ou típicos de bactéria - ou não ter genes indispensáveis a outros organismos. "O pior é quando a gente não encontra nada nessas com­parações de genoma. Nesses casos, temos de procurar

novamente até ter a certeza de que não existe nada em comum mesmo", comenta Valéria Rodrigues de Oli­veira, da equipe de Menck. No final do ano passado, ela encontrou pela primeira vez um gene de reparo de

- Ironicamente, o baixo número de genes mostra que a biologia é mais complicada do que muitas pessoas gostariam que fosse. Muita gente pensava na base de "um gene, uma proteína, uma função biológica, uma doença". Mas as coisas não funcio­nam dessa forma. Acho que o se­qüenciamento do genoma ajuda a demonstrar algo que muitos de nós já sabíamos, mas não tínhamos a no­ção da extensão dessas complicações. A biologia ainda é a mesma de antes de seqüenciarmos o genoma. Só que agora temos uma melhor avaliação de sua complexidade.

ra está fazendo. Nunca foi. Nosso ob­jetivo é ajudar o resto da comunidade científica, farmacológica e farmacêu­tica a entender como usar o genoma humano para desenvolver melhores diagnósticos e terapias. Esse é nosso único objetivo, desenvolver novos tratamentos para as doenças.

citando. Espero que eu conconde com isso (rindo). Há muitos termos diferentes usados para qualificar o genoma: livro da vida, fotografia da humanidade. O código genético não é o retrato de um ser humano, não é um dicionário da vida. Ele tem im­portantes partes de nossa história, importantes instruções para nossas células, sobre como modificá-las. Mas você não pode ir em um cro­mossoma e encontrar lá as instruções para fazer o coração, o cérebro. Essa discussão tem a ver com a questão anterior, sobre a complexidade do ser humano. A informação está nos ní­veis seguintes, nas interações entre as proteínas, entre as estruturas das cé­lulas. Tudo isso não está diretamente codificado no nosso DNA.

• Menos genes no ser humano quer di­zer menos genes para serem patentea­dos. Como a Celera vê essa questão? - Isso é irrelevante. Patentear genes não é uma parte-chave do que a Cele-

• O genoma ainda pode ser considera­do o "livro da vida"? O senhor concor­da com os pesquisadores que dizem que as informações do genoma são um duro golpe no determinismo genético? - Sou uma das pessoas que você está

• Daqui para a frente, a influência do ambiente vai ser reavaliada no apare­cimento de doenças? - Nossos estudos mostram que, de uma forma geral, os genes e o ambien­te têm provavelmente a mesma im­portância. Em cada doença, em cada

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 29

Page 30: Aviso aos navegantes

bactéria em humanos - o mesmo que, depois se viu, funciona em cloroplastos, compartimentos das células vegetais em que se realiza a fotossíntese. "A troca de genes entre organismos é muito mais in­tensa do que pensávamos", afirma Menck. "Genomas são misturas de ge­nomas."

maiores do que entre dois indivíduos de raças distintas.

A notícia, obviamente, é boa e contri­bui- espera-se- para diminuir o precon­ceito racial. Mas não se pode interpretá-la de forma errada. Sim, somos todos extre­mamente parecidos no interior de nosso DNA. Mas isso não quer dizer que cada grupo étnico não tenha predisposições genéticas específicas, o que pode aumen­tar ou diminuir a ocorrência de certas moléstias nessas populações. Causada por uma modificação na hemoglobina, resultante de alterações em um gene, a anemia falciforme tem, por exemplo, maior ocorrência na população negra. Já

A questão das raças

As duas seqüências quase completas do genoma humano trouxeram novas evidências de que, pelo menos do ponto Menck:"Genomas são de vista genético, não há diferenças sig- misturas de genomas"

nificativas que justifiquem a noção de raça para qualificar seres humanos. O genoma de uma pessoa é igual em 99,99% de sua com­posição quando confrontado com o DNA de qualquer outro indivíduo na face da Terra -branco, preto, ama­relo ou de origem indígena. ACelera estima que as di­ferenças entre o genoma de duas pessoas se resumam a 1.250 pares de bases com "letras" distintas. O artigo da empresa afirma que as diferenças genéticas entre pesso­as que pertencem a uma mesma etnia podem até ser

o outro tipo de anemia, a talassemia, também provocada por alterações genéticas beta, apre­senta maior incidência em indivíduos de origem medi­terrânea. "Em alguns casos, pessoas de diferentes etnias podem ter respostas distintas para uma mesma droga. Isso tem de ser levado em conta na hora de se desenvol-

ENTREVISTA

condição humana, há um equilíbrio diferente da influência desses dois fa­tores. A biologia molecular provou que o ambiente é realmente uma par­te essencial da vida, da biologia. Eles não são separáveis. As pessoas que só enxergam os genes ou apenas o am­biente saem perdendo. Tem de ser os dois juntos por definição.

• O senhor acha que essa idéia é aceita pela maioria dos pesquisadores? -Isso é algo que eu não tenho como assegurar. Eu esperaria que sim. Mas suspeito que ainda seja necessário mui­to tempo para as pessoas absorverem toda essa informação. Eu tive a opor­tunidade de pensar sobre isso muito mais do que a maioria das pessoas.

• O que vem depois do genoma? -Vem todo o resto da biologia. Não há um passo único que vai resolver tudo. Temos de integrar toda a infor­mação para entender a biologia.

• Muita gente tem falado do proteoma

30 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

ver medicamentos", diz Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano e pesquisadora do Instituto de Biociências da USP.

como o passo seguinte da genômica? - Temos grandes pesquisas em de­senvolvimento na separação e se­qüenciamento de proteínas. Estamos construindo a maior unidade do mundo de seqüenciamento de pro­teínas. Temos feito pesquisas na ~rea de proteômica há um bom tempo.

• Como o senhor compara os dados da Celera e do consórcio público? -Achamos que o consórcio público fez um grande trabalho. Mas o banco de dados da Celera é substancial­mente mais acurado. Nossa seqüên­cia está numa ordem mais correta, algo que o consórcio público ainda vai demorar dois ou três anos para fazer. Uma coisa é ter as partes da se­qüência, outra é colocar tudo na or­dem certa e obter a seqüência correta dos genes. É por isso que o banco de dados da Celera é tão popular entre os cientistas. Eles sabem, de longe, que temos o melhor dado.

• Quantos assinantes tem o banco de dados da Celera?

-Até ontem (l o de março), tínha­mos 37 assinantes, incluindo grandes escolas de medicina e instituições acadêmicas, como o Rockfeller Insti­tute. Cientistas de todo o mundo, do Instituto Karolinska (da Suécia) , do Instituto Max Planck, confiam na nossa informação.

• Esse número de assinantes já é sufi­ciente para o senhor? - A Celera tem apenas dois anos e meio. Nesse tempo, seqüenciamos a Drosophila melanogaster (mosca-da­fruta), o genoma humano e agora o do camundongo. Tudo isso em dois anos e meio. Já temos um número substancial de assinantes. Estamos apenas no começo. Estamos esperan­do o Brasil assinar nosso serviço.

• Pesquisadores brasileiros, a maioria financiada pela FAPESP, produziram uma grande quantidade de dados so­bre o genoma humano, um milhão de ESTs de regiões codificadoras de genes. Como o senhor avalia a qualidade des­sas informações?

Page 31: Aviso aos navegantes

Matéria-prima para as ciências

Embora não sejam a versão final do genoma humano, os dois rascu­nhos do nosso DNA con­têm dados em quantidade e qualidade suficientes pa­ra impulsionar pesquisas nas mais variadas áreas por anos e anos. "Agora vamos poder fazer a me­dicina do século 21", diz Briones:"Uma ótima Sérgio Danilo Pena, pro- hipótese sobre nosso DNA"

fessor da- Imunologia da

Anamaria:"Ainda temos muitos genes para encontrar"

Ribeirão Preto. "Grupos do mundo inteiro vão divul­gar trabalhos usando as in­formações das sequências:'

Assim que saíram os artigos da Science e Natu­re, o físico Murilo da Sil­va Baptista, do Instituto de Física da USP, ligou para os biólogos que co­nhecia. Não os deixou em paz até conseguir a se­qüência completa do cro­mossoma X, um dos me­nores. Seu plano: estudar padrões de organização

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor do Centro de Análise e Tipagem de Genomas do Hospital do Câncer A.C. Ca­margo, em São Paulo.

da molécula de DNA e ci­clos de repetição de códons, conjunto de três bases que forma aminoácidos, componentes das proteínas.

É uma matéria-prima abundante também para enge­nheiros, especialistas em computação, matemáticos e fi­lósofos. "Nos próximos meses, vamos começar a sentir o impacto do genoma, talvez de forma diluída", prevê Mar­co Antonio Zaga, da Faculdade de Medicina da USP de

A comprovação da existência de uma regra que con­trola a ocorrência de códons pode ajudar a prever quan­do um deles deve aparecer novamente. "O genoma hu­mano é um terreno extremamente fértil e só precisamos pôr as sementes", diz o físico, que, no ano passado, en­controu esses padrões de repetição ao analisar os geno-

- Não tenho conhecimento especí­fico sobre as ESTs humanas produzi­das no Brasil. Mas sei que outras se­qüências de ESTs, as primeiras que foram conseguidas em seus país e que foram produzidas em colaboração com o meu instituto (TIGR, The Ins­titute for Genomic Research), eram de alta qualidade. Os cientistas brasilei­ros fizeram um grande trabalho no seqüenciamento do primeiro patóge­no de plantas (a Xylella fastidiosa).

• No Brasil, os pesquisadores têm fala­do mais no estudo do transcriptoma do que no do proteoma nos próximos anos, diferentemente do que ocorre no exterior. Por que isso está acontendo e qual a importância do transcriptoma? - É um termo que ninguém reco­nhece, até onde eu saiba, como um termo válido do ponto de vista cien­tífico. É por isso que não se ouve mui­to falar dele. Acho que nunca usei essa palavra nesse sentido. As pessoas estão estudando o RNA todo o tem­po. É um intermediário que pode ajudar com algumas indicações sobre

"O baixo número de genes mostra

que a biologia é mais complicada do que

muitas pessoas gostariam que fosse"

as variações nas proteínas, mas ele não pode dizer com grande precisão o que acontece com as proteínas.

• O senhor considera então muito mais importante o estudo do proteoma do que do transcriptoma? -Minha posição é adotar uma visão holística da biologia. Tento não fazer julgamentos ... Você não teria nenhu­ma proteína no corpo sem o RNA e nenhum RNA sem o genoma. Tudo é importante e precisa ser estudado e entendido. A maior parte da biologia ocorre no nível das proteínas. As pes­soas medem RNA para geralmente tentar adivinhar quanta proteína existe. Agora, temos novas técnicas

para medir as proteínas diretamente. Mas ainda há interesse acadêmico em medir o RNA em alguns lugares. As duas técnicas são muito importantes.

• O senhor acha que os softwares usa­dos para seqüenciar o genoma huma­no também podem ser usados no estu­do das proteínas? - Estamos desenvolvendo novos softwares para lidar com proteínas, mas entendê-las está totalmente ba­seado em entender o genoma. Quan­do se lida com um sistema integrado, todos os componentes são necessários. Mas definitivamente vamos precisar de novos e melhores softwares e com­putadores.

• Tudo o que foi publicado na Nature e na Science sobre o genoma humano fez o senhor mudar alguma de suas crenças mais íntimas, como em Deus, no destino ou na evolução humana? -Não. Nenhuma das minhas cren­ças mudou. Ainda sou a mesma pes­soa. Apenas me dei ainda mais conta das complexidades da biologia.

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 31

Page 32: Aviso aos navegantes

mas da drosófila e da bactéria Mycoplasma genitalium. São sistemas com regras próprias, mas que, sabe-se lá por quê, apresentam características matemáticas em comum com a oscilação dos índices econômicos das bolsas deva­lores e com o comportamento de partículas atômicas car­regadas eletricamente, o chamado plasma.

A era pós-genômica: transcriptoma e proteoma

Com o trabalho de determinação da ordem dos 3 bi­lhões de pares de bases já bem encaminhado, a nova onda na área genômica - ou pós-genômica - é o estudo do proteoma, o conjunto de proteínas de um organismo. Como se sabe, os genes produzem proteínas, as molécu­las que formam as células e os tecidos, cujo excesso ou falta pode causar doenças. Muitas moléculas conhecidas são proteínas: hemoglobina, insulina, hormônios e neu­rotransmissores como a dopamina e a serotonina - sem mencionar as enzimas, indispensáveis para as reações químicas. As proteínas representam cerca de 90% do peso seco do sangue, 80% dos músculos e 70% da pele.

No homem, o estudo da interação das proteínas pro­mete ser uma tarefa ainda mais complicada do que o de­ciframento do genoma. Um dos motivos: ninguém tem uma idéia muito clara do tamanho do nosso proteoma. Ao contrário do DNA, idêntico em qualquer parte do corpo, as proteínas produzidas num tipo de célula não são as mesmas encontradas em outras. Como o homem tem cerca de 100 trilhões de células, desta vez será difí­cil chegar logo a um número de consenso. Desde já, as estimativas vão de 100 mil a um milhão de proteínas. Tanto o consórcio público quanto a Celera já come­çaram a pesquisar nesse campo. No Brasil, há poucos grupos especializados. Fora de São Paulo, um dos úni­cos é o Centro Brasileiro de Serviços e Pesquisas em Proteínas da Universidade de Brasília (UnB).

Para alguns cientistas, a corrida rumo ao proteoma é inevitável, mas está ocorrendo de forma precipitada. "Deveríamos fazer diferente", afirma Simpson. Antes de se debruçar sobre as proteínas, dizem, convém entender o transcriptoma, o conjunto de genes que por serem ex­pressos geram moléculas de RNA, necessárias para a síntese de proteínas. Quando conseguem demonstrar que uma região do DNA é transcrita, os pesquisadores comprovam que ali há um ou mais genes. A Iniciativa para Validação do Transcriptoma Humano, um recém­iniciado projeto conjunto da FAPESP e do Instituto Ludwig, pretende encontrar 4 mil genes transcritos nos próximos dois anos. Trinta e um laboratórios partici­pam do projeto, orçado em US$ 1 milhão. "Para nós, o fato de aCelera e o consórcio público não terem termi­nado todo o trabalho foi uma ótima notícia", afirma Anamaria Aranha Camargo, do Ludwig, uma das coor­denadoras do Transcriptoma Humano. ''Ainda temos muitos genes para encontrar e validar."

32 • MARÇO DE2001 • PESQUISA FAPESP

Entre cidades e desertos

em todos aderiram aos gráficos, tabelas e longos relatos científicos para entender o genoma humano. Bob Waterson, diretor do Centro de Genoma da Universidade de Washington em St. Louis, Estados

Unidos, não hesitou em lançar mão de metáforas com o propósito de deixar clara a irregularidade com que os genes se distribuem ao longo dos cromossomas huma­nos (ver tabela). "Em algumas regiões, os genes estão bastante amontoados, como os prédios nas cidades': disse ele. "Há também grandes desertos, onde o DNA­lixo pode ser encontrado, e cada região contém infor­mações únicas sobre a história de nossa espécie". Esse cenário contrasta fortemente com o genoma de outras espécies, como a Arabidopsis, o C. elegans ou a Drosophi­la - bem mais uniformes, esparramando-se em subúr­bios, com uma distribuição relativamente regular de ge­nes nos cromossomas.

Os centros urbanos, densos em genes, são constituí­dos predominantemente por blocos de duas bases nitro­genadas, guanina e citosina, G e C. Já os desertos ou DNA-lixo são ricos em adeninas e timinas, A e T. Em cada cromossoma, há longos trechos de GC, um com uma densidade de 60% e outro somente com 30%, por exemplo. Nunca ocorrem de modo padronizado e cons­tituem o que Waterson chama de vizinhanças, com so­taques distintos.

"É como se as regiões de genes e o DNA-lixo tives­sem feito um acordo, de modo que os primeiros ocu­passem as cidades, e o outro, os desertos", diz Eric Lan­der, diretor do Centro de Pesquisa do Genoma do Whitehead Institute, Estados Unidos. Próximqs às cidades, há trechos nos quais somente as bases G e C se

Page 33: Aviso aos navegantes

repetem 30 mil vezes ou mais. São as ilhas CpG, pouco representadas ao longo do genoma, que ajudam a regu­lar as funções dos genes.

Outra peculiaridade: cada gene humano pode origi­nar, na média, três proteínas, mais que as dos vermes e das moscas. É uma decorrência do chamado splicing al­ternativo, no qual as partes de uma proteína podem ser rearranjadas de modo diferente- ABC, CBA ou BAC, no caso hipotético de apenas três elementos-, como pe­ças de um brinquedo de montar. Esse processo é possí­vel porque os genes estão espalhados ao longo do DNA e as regiões que codificam proteínas não são necessaria­mente contínuas.

A espécie humana também expandiu as famílias de proteínas. Calcula-se que cerca de 60% das famílias de proteínas humanas contenham mais elementos que em qualquer outra espécie. E a maioria dos grupos de pro­teínas está associada a funções fisiológicas mais desen­volvidas nos vertebrados. O artigo da Science lista 247 genes reguladores do desenvolvimento ou associados ao sistema nervoso, à interação de proteínas, a moléculas de sinalização ou a respostas do sistema imunológico, no homem, na Drosophila, no C. elegans, na levedura e na Arabidopsis- com soberba vantagem para nós.

refinamento é evidente: só o organismo humano, entre os estudados, produz os genes da interleucina, um tipo de anticor­po. Também temos cerca de três vezes mais que as drosófilas e os vermes um

grupo de proteínas que regula a resposta a infecções, as imunoglobulinas, ausentes em fungos e plantas. E te­mos pelo menos dez genes que pertencem a quatro fa­mílias de proteínas envolvidas na produção de mielina, o revestimento dos nervos; as drosófilas têm apenas um desses genes, e o C. elegans, nenhum.

A análise do genoma detectou a presença de rema­nescentes de uma migração que ocorreu nos primeiros ancestrais vertebrados. Como tinham poucas defesas contra parasitas invasores, as bactérias podiam tornar-se resistentes no interior dos organismos. O resultado des­sa coexistência é que o genoma humano abriga cerca de 200 genes que parecem provir de bactérias ou de geno­mas intermediários de vírus, embora não se descarte in­teiramente a hipótese que as bactérias possam também ter furtado genes de ancestrais vertebrados. De acordo com o artigo da Nature, cerca de metade do genoma de­riva dos chamados elementos transponíveis ou transpo­sons - genes que saltam de um ponto a outro do cro­mossoma ou mesmo de um cromossoma para outro e regulam a função de outros genes.

Outro ponto interessante é o que os cientistas estão chamando de "mania de colecionar quinquilharias", em contraste com outras espécies. A quantidade de lixo acumulado em nosso genoma excede o de espécies mais

antigas, com exceção da ameba. Há repetições em meta­de de nosso genoma, muito mais que na Arabidopsis (11%), no C. elegans (7%) e na drosófila (3% ). "Esse fato sugere que fomos muito lerdos ao fazer a limpeza de casa", compara Arian Smit, bioinformata do Institu­to de Biologia de Sistemas. Calcula-se que a drosófila te­nha limpado a casa há cerca de 12 milhões de anos, en­quanto os mamíferos há 800 milhões. •

Lógica peculiar Nem sempre os maiores cromossomas

contêm mais genes, nem os menores, menos

CROMOSSOMO TAMANHO* NÚMERO DENSIDADE (EM MILHÕES DE GENES** (GENES POR DE PARES MILHAO DE OE BASES) PARES OE BASES)

1 220 2.453 11

2 240 1816 7

3 200 1611 8

4 186 1145 6

5 182 1366 7

6 172 1467 8

7 146 1219 8

8 146 940 6

9 113 1018 8

10 130 1027 7

11 132 1586 12

12 134 1342 10

13 99 582 5

14 87 873 10

15 80 804 10

16 75 995 12

17 78 1210 15

18 79 472 6

19 58 1409 23

20 61 697 11

21 33 286 8

22 36 641 17

X 128 992 7 y 19 104 5

Total 2907*** 26.383 9

*Estimativa. ** Considerando a estimativa mais baixa de genes humanos, na qual se incluem 328 genes que a Celera ainda não conseguiu associar a nenhum dos cromossomas humanos. *** Incluindo os 75 milhões de pares de bases que a Celera ainda não conseguiu associar a nenhum dos cromossomas humanos.

Fonte: Science

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2001 • 33

Page 34: Aviso aos navegantes

CIÊNCIA

MEDICINA

Marcador detecta câncer Proteína pode identificar câncer de bexiga com precisão em exame de urina

Com o objetivo de saber, já no momento do diagnóstico,

qual será a evolução da doença em cada paciente - o que simplifica a escolha do tratamento -, o urologis­ta Marco Aurélio Silva Lipay, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp ), estudou a glicoproteína CD44 como marcador molecular para câncer de bexiga. Substância que participa da arquitetura dos tecidos e une as membranas das células- como o cimento numa parede -, ela já é usada em diagnósticos de câncer de rim e mama.

Segundo Lipay, cujo estudo foi financiado pela FAPESP, o câncer de bexi­ga é o quarto de maior in­cidência nos Estados Uni­dos, onde se diagnosticam cerca de 50 mil novos ca­sos por ano. No Brasil, a estimativa oficial foi de 7.550 novos casos em 1999, "mas ela pode estar subestimada".

Quando a glicoproteína CD44 não está expressa num tecido, é si­nal de que há uma desorganização na estrutura dele, que as células co­meçam a desprender-se desorde­nadamente. Como o câncer é uma doença de multiplicação desorde­nada de células, supõe-se que a falta de um elemento integrador, como a CD44, aponte para um prognóstico ruim, pois o grau de agressividade do câncer está diretamente relacio­nado à produção de células metas-

34 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

táticas, que se desgarram do tumor original.

Ainda em fase experimental, o método da CD44 depende de biópsia - retirada de uma amostra da região afetada para análise. Lipay pretende aumentar a sensibilidade do teste e torná-lo não invasivo, detectando a expressão ou ausência da CD44 na urina. Coletada a urina, é feita uma centrifugação, para obter as cé­lulas que desca­maram da mu­cosa interna da bexiga. O RNA

Lipay e Mônica: objetivo é ter um poo/ de marcadores tumorais

Análise de célula superficial da bexiga com CD44 expressa (no alto) e ausente (ao lado)

(ácido ribonucléico) dessas células é extraído e amplificado por reação em cadeia de polimerase. Se a CD44 esti­ver expressa, o RNA que promove sua produção também será amplifi­cado pela reação.

Alterações genéticas - Lipay diz que o gene que codifica a glicoproteína CD44 está mapeado no braço curto do cromossoma 11. "Existem outros marcadores de tumor de bexiga em estudo. O ideal seria termos um úni­co marcador." O câncer de bexiga

começa geralmente na mucosa e, no momento do diagnóstico, é impos­sível saber se o paciente vai ficar cu­rado ou não. "O câncer é uma doen­ça genética no nível somático: ou seja, antes que a doença se manifes­te, a célula passa por diversos passos de alterações moleculares", explica.

A geneticista Mônica Vanucci Nunes Lipay, que orientou o proje­to juntamente com o urologista Flávio Hering, ambos da Unifesp, acrescenta: "Fatores não genéticos, como o tabagismo, podem interferir no processo, facilitando essas alte­rações. O câncer é uma doença de

múltiplos passos. Se um indivíduo tiver uma alteração genética que indique uma tendência de desenvol­ver a doença, mas não for exposto a agentes agressores, pode ser que nunca venha a desenvolver o câncer".

Lipay continuará em sua linha de pesquisa rumo à criação de um pool de marcadores tumorais que repre­sentem o quadro real do paciente. •

O PROJETO

Estudo da Expressão da Glicoproteína CD44 Padrão, por Técnica lmunohisto­química, como Fator Prognóstico na Neop/asia Urotelial da Bexiga

MODALIDADE Auxílio a projeto de pesquisa

COORDENADOR FLAVIO LUIZ ÜRTIZ HERING - Unifesp

INVESTIMENTO R$ 36.043,75

Page 35: Aviso aos navegantes

CIÊNCIA

GEOLOGIA

I

Agua, riqueza em exame O maior reservatório de água da América do Sul pode ter excesso de radioatividade

Oimenso manancial de águas subterrâneas Aqüífero Guara­

ni, uma riqueza pouco divulgada dos quatro países do Mercosul, tem sido objeto de estudos que devem facilitar sua preservação e aproveitamento se­guro pelas populações da vasta re­gião que cobre. A qualidade da água é considerada boa em muitas áreas, mas o físico Daniel Marcos Bonotto, professor de Geoquímica no Institu­to de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), em Rio Claro, aponta al-

Mar oculto

guns problemas. Em diversos poços, ele encontrou teores excessivos de elementos radioativos, rádio e radô­nio, associados a câncer pulmonar e estomacal. Outra conclusão é que nas zonas de menor profundidade o ma­nancial está sendo contaminado por dejetos de suinocultura, mineração de carvão e produtos tóxicos de ori­gem industrial ou agrícola. "Percebe­mos até um aumento de nitrato nas águas de um poço em Ribeirão Preto, e a fonte são esgotos não tratados:'

Um dos maiores reservatórios subterrâneos do mundo, o Aqüífero Guarani estende-se sob uma área de 1,2 milhão de quilômetros qua­drados, dois terços dela no Brasil -partes dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do

o" o " "' .. "

Sul, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul - e o restante no noroeste da Argentina, leste do Pa­raguai e norte do Uruguai. Equivale ao território somado de Peru, Espa­nha, França e Grã-Bretanha.

O manancial é estimado em 50 mil quilômetros cúbicos de água do­ce - suficientes para o mundo todo por dez anos. Seu uso para consumo humano deve basear-se em estudos que atestem a potabilidade ou apon­tem a necessidade de prévio trata­mento. No Brasil, as pesquisas sobre esse manancial se desenvolveram so­bretudo a partir dos anos 70 pelo De­partamento de Águas e Energia Elé­trica (DAEE) do Estado.

PERU

OUJM

. o Tereslna o Nalal

BRAS I L · -"""" 0 ° RK~e

o- Ma<~ O

MATO GROSSO GOtAs: BAHlA ~tv=ju ~

o PMmas

o

Maior reserva de água subterrânea da América do Sul, o Aqüífero Guarani se estende por quatro países. No Estado de São Paulo, abastece indústrias e moradores de cerca de 400 municípios.

MATO GROSSO DO SUL

~ . '·· • .] GRUPOTUBARÃO

GRUPO PARANÁ "'-""...:.....""--' ....

,a•.

SÃO PAULO

FORMAÇÃO SERRA GERAL

'------'' AQÜ[FERO GUARANI

'------'' GRUPO PASSA-DOIS - EMBASAMENTO CRISTALINO

Fonte: Journal of Hidrology 29,165· 179

-o .. " -~·

" o

500 1000km

R;o Grande MINAS GERAIS

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 3S

Page 36: Aviso aos navegantes

Mas ainda faltam dados hidrogeológicos mais preci­sos sobre essas reservas. Por isso, o Brasil e demais países do Mercosul iniciam em 2001 um projeto para apro­fundar estudos e criar um modelo de gestão do uso das águas do aqüífero e sua pro­teção ambiental. O projeto é apoiado pelo Fundo Mun­dial para o Meio Ambiente (Global Environment Faci­lity-GEF) e contará até 2005

Bonotto: análises, cu idados no uso e controle do Mercosul

ção do DAEE em São Paulo e Araraquara e da Compa­nhia de Pesquisa de Recur­sos Minerais (CPRM) em São Paulo e Porto Alegre. A pesquisa também levou em conta informações geradas em trabalhos do gênero conduzidos no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) sob a coordenação do professor Aldo da Cunha Rebouças, considerado uma das maio­

com investimento de US$ 25 milhões dos países envolvidos.

do um investimento de US$ 47,7 mil para compra de equipamentos e modernização do laboratório.

Radiação e poluição- Bonotto dedi­ca-se desde 1991 à investigação ra­diométrica - detecção de radioati­vidade - do aqüífero, com o apoio do Conselho Nacional de Desenvol­vimento Científico e Tecnológico ( CNPq) do Ministério da Ciência e Tecnologia, da Agência Internacio­nal de Energia Atômica (AIEA), em Viena, e da FAPESP, que já liberou recursos para três projetos, incluin-

Os sinais de radiação tornaram­se evidentes depois de nove anos de trabalho de campo (ver quadro) . O pesquisador coletou e analisou qui­micamente, por três vezes, 80 amos­tras de águas subterrâneas de poços tubulares do aqüífero em quase 70 municípios de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catari­na e Rio Grande do Sul. A seleção dos poços foi feita com a colabora-

·-

As medições e os cuidados necessários

No caso do urânio, Daniel Bo­notto constatou que a radioativida­de medida nas 80 amostras de água analisadas é bem inferior ao nível máximo recomendado, o que ates­ta a potabilidade da água em rela­ção aos isótopos de urânio 238 e 234. Mas em algumas amostras en­controu metais pesados, como o cádmio, considerado cancerígeno e identificado na água de um poço de 124 metros de profundidade, usada para abastecimento pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Naquele ponto, o teor de cádmio excedia em mais de 20 vezes o limi­te m áximo de concentração estabe­lecido pela Norma Técnica Especi­al (NTA-60) sobre águas de consumo alimentar no Estado de

36 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

São Paulo, aprovada pelo Decreto Estadual n? 12.486.

De radônio, o pesquisador en­controu níveis elevados nas águas da maioria dos poços analisados. Como não há no Brasil legislação sobre ingestão de radônio, Bonotto comparou os resultados com o li­mite de 300 pCi/1 (picoCuries por litro) proposto em 1991 pela Agên­cia de Proteção Ambiental dos Esta­dos Unidos (Usepa). Mais da meta­de dos poços analisados, inclusive alguns usados para consumo hu­mano, ultrapassavam esse limite.

Havia teores elevados de radônio em águas de poços de Maringá (3.303 pCi!l), Londrina (2.453 pCi/1) e Cornélio Procópio (2.408 pCi/1), no Paraná, mas nenhum de­les era usado para consumo da po-

res autoridades no assunto.

Precauções - Para Rebouças, os da­dos podem não ser representativos, dada a possibilidade de contamina­ção em laboratório. Acha conve­niente coletar nova série de amos­tras de cada poço, para comprovar as análises. Bonotto não crê na pos­sibilidade de contaminação em la­boratório e avalia que, no caso do rádio, os valores encontrados po­dem estar até subestimados, devido a perdas que ocorrem no processo.

pulação. Em São Paulo, no entanto, águas de poços usados para consu­mo humano revelaram níveis dera­dônio superiores ao limite estabele­cido pela legislação internacional em Fernandópolis (2.902 pCi/1), São José do Rio Preto (1.272 pCi/1), Ca­tanduva (1.272 pCi/1), Lins (1.516 pCi/1) e Ribeirão Preto (718 pCi/1).

Bonotto tranqüiliza com uma ressalva: a meia-vida - tempo de desintegração de metade da quanti­dade original - do radônio é de no máximo quatro dias e, quando a água é tratada ou mesmo apenas armazenada em piscinas, como acontece freqüentemente, há um processo de aeração que diminui os teores de radônio, eliminando os riscos da radiação. Aldo Rebouças acrescenta: como o tempo de vida do radônio é muito curto, até a água ser ingerida pelas pessoas o gás já desapareceu. De qualquer

-

.-

Page 37: Aviso aos navegantes

De qualquer modo, como os re­sultados parciais mostram que ova­lor de referência do rádio é alto em muitos municípios, isso pode signifi­car o comprometimento do uso das águas do aqüífero para consumo hu­mano em algumas lo-

dade superior a 1.000 metros. Pelo menos 200 municípios paulistas são abastecidos total ou parcialmente pelo aqüífero, também usado em ir­rigação e indústrias de alimentos, bebidas e têxteis.

calidades. Bonotto considera fundamen­tal um controle radio­métrico efetivo pelos órgãos sanitaristas res­ponsáveis pela distri­buição de água à po­pulação e a definição das regiões onde é apropriada para con­sumo, para banhos ou para agricultura.

Água na superfície

Para ele, a amos­tragem é boa e repre­sentativa, mas acha preciso analisar a água dos 15 mil po­ços tubulares que já captam águas do Aqüífero Guarani, muitos em profundi-

·--... ......... ....,.Assunção

·~

forma, ele concorda que é preciso fazer tra­tamento no caso das águas que são retiradas dos poços e canaliza­das imediatamente pa­ra as redes de distribui­ção. E, mesmo assim, segundo o pesquisador da Unesp, mesmo quan­

ARGENTINA

do o radônio desaparece das águas armazenadas em reservatórios ou piscinas, pode ficar o chumbo radio­ativo, que é um dos seus filhos.

Como o radônio está alto, Bo­notto suspeitou que o elemento que lhe dá origem, o rádio, poderia estar alto também e fez outra coleta de amostras de águas nos 80 poços. As análises confirmaram a suspeita em alguns poços, com teores de rádio superiores até quatro vezes o limite máximo estabelecido pela legislação brasileira para a radioatividade alfa

-- Limite do aqüífero

Ponto de amostragem •

O 50 150 250 km ----- 34°­Fonte: laury Medeiros Araújo e outros, Universidade Federal do Paraná (UFPR)

46°

total emitida por elementos radioa­tivos, entre eles o rádio 226.

Bonotto explica que o rádio tem alto grau de radiotoxicidade, gran­de tendência de fixar-se nos ossos, longa meia-vida de 1.622 anos e grande potencial de produzir dano biológico por ser emissor de radio­atividade alfa. Segundo ele, a máxi­ma concentração de rádio 226 nas águas, sugerida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), é de 1 Bequerel por litro (Bq/1). O critério empregado no Brasil é baseado na

Bonotto preocupa-se ainda com a exploração abusiva do aqüífero: "Se perfurarem muito ou tirarem água em demasia, pode ocorrer acomodação de terreno". Assim, a utilização de águas subterrâneas tem de ser dosada: "Te­mos de fazer um estudo para saber o quanto de água pode ser retirado da reserva, principalmente porque as bacias de extração são concentradas em alguns locais e em outros não". •

OS PROJETOS

O Rádio no Aqüífero Guarani

INVESTIMENTO

R$ 18.000,00

Comportamento Geoquímica do Radônio em Águas Subterrâneas da Bacia Sedimentar do Paraná

INVESTIMENTO

R$ 11 .000,00

MODALIDADE

Auxílio a projeto de pesquisa

COORDENADOR

D ANIEL M ARCOS BONOTTO- Unesp de Rio Claro

Portaria n° 36 de 19 de janeiro de 1990 do Ministério da Saúde, que estabelece o valor de referên­cia de O, 1 Bq/1 (cerca de 2, 7 pCi/1) para a radioatividade alfa total e de 1 Bq/1 para a atividade beta total.

Os teores encontrados nas amostras de alguns poços estão acima dos limites sugeridos pela

OMS e bem superiores ao valor máximo de 0,1 Bq/1 para a radioa­tividade alfa total na água- no qual o rádio se inclui- estabelecido pela legislação brasileira. Em São Paulo, o pesquisador constatou, por exemplo, que o teor de rádio num poço em Catanduva é de 1,8 Bq/1, quase 20 vezes acima do nível per­mitido pela legislação brasileira. Num poço em Monte Alto o teor de rádio é de 0,7 Bq/1, em Ribeirão Preto de 0,5 Bq/1 e em São Simão de 0,5 Bq/1.

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2001 • 37

Page 38: Aviso aos navegantes
Page 39: Aviso aos navegantes
Page 40: Aviso aos navegantes

Imitando essa es­tratégia, Galetti e as alunas Eliana Cazeta e Cecília Costa fizeram frutos artificiais com massa de modelar para verificar alterações no comportamento das Erva-de-passarinho: estratégia Olho-de-cabra: imitando fruta

rimento demonstra, pela primeira vez, que a fragmentação de uma floresta afeta a proba­bilidade de um fruto ser disperso por uma ave, dependendo da cor do fruto e de onde

aves que comem frutos de plantas arbustivas. Distribuíram frutos artificiais brancos, vermelhos e pretos - cores dos frutos que as aves comem - nas bordas e no inte­rior dos fragmentos de mata. Esco­lheram a faixa de sub-bosque por­que nela, de mata mais baixa, cerca de 85% das plantas são dispersas por aves ou morcegos e só 15% por um mecanismo da própria planta­como o de explosão, que joga a se­mente longe. Na faixa de árvores al­tas - como o jequitibá ( Cariniana legalis), com 30 a 40 metros de altu­ra - os animais só dispersam as sementes de metade das espécies: na outra metade a dispersão é feita pelo vento ou pela própria planta.

"Os resultados", diz Galetti, "mos­traram que as matas maiores tiveram

Os fragmentos Foram estes os oito fragmen­

tos de Mata Atlântica estudados no interior do Estado por Galetti e sua equipe:

• Parque Estadual do Morro do Diabo, em Teodoro Sam­paio. É o maior dos fragmentos, com 35.000 hectares e preserva sua fauna completa, inclusive onças.

• Estação Ecológica de Cae­tetus, em Gália, perto de Bauru. Tem cerca de 2.100 hectares e fauna quase inalterada, menos cutias e onças.

• Fazenda Barreiro Rico em Anhembi, Piracicaba. São cerca de 1.800 hectares, tem muita ca­ça, mas é baixa a densidade de cutias e não há antas.

• Fazenda Mosquito, no Pon-

40 · MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

O passarinho da erva: interação delicada

mais frutos bicados e removidos que as menores, indicando uma provável diminuição da dispersão de sementes por aves em fragmentos pequenos. Além disso, frutos pretos são menos bicados pelas aves no interior da mata do que na borda, enquanto para os frutos vermelhos não há dife­rença entre borda e mata. Esse expe-

tal do Paranapanema, perto de Presidente Prudente, com cerca de 2.000 hectares. Tem toda a fau­na preservada.

• Mata São José, em Rio Cla­ro. São 230 hectares, sem cutia nem anta, com poucos exempla­res de macaco-prego ( Cebus apella) e sagüi ( Callithrix aurita)

• Mata de Santa Genebra. Re­serva Municipal de Campinas com 250 hectares. Não tem cutia nem anta, só macaco-prego e bu­gio (Aloutta fusca).

• Mata do Ribeirão Cachoei­ra, em Campinas, com cerca de 230 hectares. Só tem bugio.

• Fazenda Igurê, em Gália. Cerca de 320 hectares, sem cu­tias nem antas, mas com aves dispersaras como tucanos (fa­mília Ramphastidae) e arapon­gas (Procnias nudicolis).

a planta está localizada no ambiente. Por isso, espera-se que fragmentos pequenos possuam mais arbustos com frutos pretos na borda que matas pouco alteradas. Ninguém imaginava que a fragmentação flo­restal pudesse afetar diferentemente as espécies de sub-bosque dependen­do da cor do fruto':

Efeito de borda - Esse experimento simples aponta um fator de risco importante para a regeneração de fragmentos florestais : o efeito de borda. Galetti explica que, quando a mata é fragmentada, suas bordas re­cebem muito mais vento e insolação que o interior, o que diminui muito a umidade, entre outros impactos. Isso facilita a invasão de espécies exóticas, não nativas da mata. Oca­pim, por exemplo, não ocorre den­tro da mata preservada, onde não tem como competir pela luz. O ca­pim que invade a borda, contudo, impede a regeneração da mata nes­se local. E o ciclo prossegue: quanto mais luz na borda, menos umidade, mais invasão do capim ou de outras espécies exóticas. Esse processo de estrangulamento da mata original pode levar muitos fragmentos flo­restais a desaparecer em menos de cem anos.

O ataque mais ou menos agressi­vo do efeito de borda sobre um fragmento depende de muitas va­riáveis, o que requer um estudo de manejo específico em cada área. "Em fragmentos que têm planta­ções de eucalipto no entorno há menos efeito de borda que nos ro­deados por cana-de-açúcar ou pas­to. Isso porque os eucaliptos barram a ação do vento, que pode derrubar muitas árvores na borda. Como não há regeneração na borda por causa

Page 41: Aviso aos navegantes

do capim, o fragmento vai diminuindo cada vez mais."

A quantidade de variá­veis ambientais encontrada foi um tanto frustrante para a equipe: "Procurávamos um padrão sobre os efeitos da fragmentação na dispersão de sementes para as matas semidecíduas de São Paulo, na busca de soluções para seus problemas. Embora existam alguns padrões d a­ros, como é o caso do jatobá, as variáveis de cada fragmen­to são tantas que cada área respondeu de uma maneira. Cada fragmento tem seu his­tórico único de perturbação, tipo de entorno - café, cana ou eucalipto -, pressão de caça e ou­tras perturbações".

Manejo contínuo - Em suma, se não houver animais para fazer o trabalho gratuito de dispersão de sementes, para recompor uma floresta e man­tê-la auto-sustentável, será preciso replantar espécies e também reintro-

duzir os bichos. Galetti acrescenta que os frag­mentos precisam ser manejados continua­mente: inserir no ambiente animais dispersares como a cutia e controlar a caça, por exemplo, pode fazer a po­pulação animal aumentar demais e causar outro impacto na cadeia ali-

Os frutos e seus semeadores Cor, tamanho e outras carac­

terísticas do fruto são importan­tes para que se identifiquem os dispersares de sementes. Galetti revela que frutos dispersos por aves são em geral vermelhos ou pretos e adoçicados, como o do pau-viola ( Citharexyllum miri­anthum) e a pitanga (Eugenia spp.), ou gordurosos, como a bi­cuíba (Vi rola spp.). Os dispersos por mamíferos são quase sempre doces, amarelos, cheirosos e pol­pudos, como o araçá ( Campoma­nesia spp.) e o bacupari (Rheedia gardneriana). E os dispersos por morcegos são verdes, com cheiro forte e de fácil captura em vôo: fi­go (Ficus spp.) e chapéu-de-praia ( Terminalia cattapa). Existem até os adaptados à dispersão por for-

Murta: do gênero da pitanga

migas, como a mamona (Riccinus communis) e o capixingui ( Cro­ton spp.), que têm uma pequena recompensa olerosa ( elaiosso­mo) para os insetos. E há frutos que nem precisam de animais pa­ra dispersar suas sementes: usam o vento para isso, pois são dota­dos de asas ou plumas, como o araribá ( Centrolobium tomento­sum), o jequitibá ( Cariniana le­galis) e o cedro ( Cedrella fissilis).

Castanheira-do-pará: em trabalho duro e paciente, cutia perfura a blindagem da casca e permite a dispersão das sementes

~ .. "' ~ " !ii 5

~

mentar. "Uma vez que ocorreu a perturbação da mata, fica difícil re-fazer a natureza."

E no Brasil há pou­ca gente qualificada para o manejo adequa­do de fragmentos flo­restais: "Não existem nas universidades cur-

sos que formem os que nos Estados Unidos são chamados wildlife ma­nagers, dedicados ao manejo da vida silvestre. Quem acaba fazendo o ma­nejo é o biólogo ou o engenheiro florestal. Todas as unidades de con­servação deveriam ter um grupo de pesquisadores dedicados ao manejo local. Sem manejo adequado, estare­mos perdendo cada vez mais nossa biodiversidade. Isso mostra um campo de trabalho gigantesco para biólogos nessa área, muito mais que na biotecnologia".

Ao comparar seu estudo com o Projeto Dinâmica Biológica de Frag­mentos Florestais (PDBFF), tocado desde 1979 na região Norte pelo Ins­tituto Nacional de Pesquisa da Ama­zônia (Inpa) e a Smithsonian Insti­tution dos Estados Unidos, Galetti aponta uma diferença: o PDBFF re­moveu partes da floresta e deixou blocos simétricos de 1, 10, 100 ou 1.000 hectares isolados da mata con­tínua, enquanto em São Paulo a frag­mentação é muito mais caótica e mais antiga, com matas isoladas há 100 ou 150 anos. "Primeiro, a onda do café derrubou quase todas as ma­tas, principalmente porque o acesso

PESQUISA FAPESP · MARÇODE2001 • 41

Page 42: Aviso aos navegantes

era muito fácil, numa região pla­na. Depois, vieram os ciclos da cana e do eucalipto. Um fragmen­to isolado num mar de cana não tem como receber sementes e per­de diversidade com o tempo."

O projeto abrangeu oito frag­mentos: quatro com cerca de 300 hectares e quatro acima de 1.000 hectares (ver quadro) .

No Cerrado, outro ecossiste­ma que- como a Mata Atlântica - consta da lista das 25 áreas de biodiversidade mais ricas e amea­çadas do planeta, segundo a orga­nização preservacionista Conser­vation International, o biólogo considera a situação menos grave quanto à reprodução das espécies que na mata semidecídua. "Mui­tas plantas do Cerrado têm re­produção vegetativa, não depen­dem só dos frutos. Se são cortadas, rebrotam ou lançam uma raiz longa e geram outro indivíduo adiante, enquanto na floresta a maioria das árvores cortadas não rebrota".

Galetti comenta que dispersão de sementes é uma linha de pesquisa muito nova no país. Ele, que douto­rou-se na Universidade de Cam­bridge, Inglaterra, com um estudo de dispersão de sementes de palmito (Euterpe edulis) na Mata Atlântica, também estudou na Indonésia a dis­persão feita pelos ursos e calaus (aves de várias espécies e gêneros, semelhantes aos tucanos). Na volta, obteve o incentivo da FAPESP para iniciar em 1997 o atual projeto, que deverá concluir em julho. Em 1998, ao tornar-se docente do Departa­mento de Ecologia da Unesp em Rio Claro, montou com a professora Pa­trícia Morellato, do Departamento de Botânica, o Grupo de Fenologia e Dispersão de Sementes.

Além do grupo de Galetti, pou­cos no Estado dedicam-se à área. Wesley Rodrigues Silva, do Instituto de Biologia da Universidade de Campinas, e Jean Paul Metzger, do Instituto de Biociências da Universi­dade de São Paulo (IB-USP), coor­denam projetas no programa Biota-

42 · MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

Ga letti: nova fronteira da ciência a explorar

FAPESP. Ainda rio IB-USP, José Car­los Motta Jr. reúne pesquisadores dedicados ao assunto.

Para atrair mais interessados na área, Galetti e Wesley Silva organiza­ram o Terceiro Simpósio Internacio­nal de Frugivoria e Dispersão de Se-

OS PROJETOS

Frutos e Frugívoros em Florestas Semi­decíduas: Estrutura da Comunidade e Impacto na Dispersão de Sementes em Fragmentos Florestais em São Paulo

MODALIDADE

Programa de Apoio a Jovens Pesquisadores

COORDENADOR

MAURO RODRIGUES GALETII - Instituto de Biociências da Unesp em Rio Claro

INVESTIMENTO

R$ 104.087,00

Demografia e Ecologia da Dispersão de Sementes de Bertholletia excelsa HBK (Lecythidaceae) em Castanhais Silvestres da Amazônia Oriental

MODALIDADE

Auxíl io a projeto de pesquisa

COORDENADOR

CARLOS EDUARDO DA SILVA PERES - USP

INVESTIMENTO

R$ 72.138,19

mentes, reunido de 6 a 11 de agosto passado na estância de São Pedro e que teve mais de 300 par­ticipantes de 30 países. Ali, o gru­po de Galetti apresentou 15 tra­balhos e o prêmio de melhor pôster foi concedido ao trabalho de duas pesquisadoras do IB-USP sobre a dispersão da castanha-do­pará pelas cutias.

Cutias e castanhais - O trabalho foi feito em terra indígena caia­pó, no sudeste do Pará, como parte do Projeto Pinkaiti. Claúdia Baider trabalhou com demogra­fia e dispersão de sementes, para tese de doutorado, e Maria Luisa da Silva Pinto Jorge fez mestrado sobre área de vida, atividade diá­ria e densidade populacional de cu tias. Orientadas por Carlos Au­

gusto da Silva Peres, do IB-USP, pes­quisaram num dos poucos casta­nhais ainda não explorados na Amazônia, a cerca de duas horas de barco da aldeia de A'Ukre, perto da cidade de Redenção.

A floresta do castanhal estudado é aberta, com matas de palmeiras, bambus e cipós. Tem cinco meses de estação seca e em metade dela não cai uma gota de chuva. Cláudia diz que a maior parte das castanheiras está em aglomerados, o que pode re­sultar do padrão de dispersão das sementes pela cutia. A cutia come as castanhas, mas enterra algumas se­mentes, que acabam germinando. Ela leva frutos em todas as direções e pode percorrer grandes distâncias, mas distribui a maioria das semen­tes relativamente perto das árvores.

O fruto, que pesa entre 800 gra­mas e 1,5 quilograma, é formado por uma casca lenhosa como madei­ra recoberta por outra de cortiça. É extremamente duro e a cutia leva de 40 a 50 minutos para roer um bura­co nele até chegar às castanhas. A castanha-do-pará é importante para a economia extrativista da Amazô­nia, mas sua extração desenfreada ameaça a sobrevivência das cutias e dos próprios castanhais. •

Page 43: Aviso aos navegantes

ANpROlEC endeavor

FLORIAN Q001

~I{J JJ\ C:J 0 J\jJ\l As Novas

Perspectivas do Empreendedorismo

e da Inovação Tecnológic~

na América Latina 29 e 30 de Março de 2001

das 8:30 às 18:00 hs Florianópolis, SC - Brasil

Costão do Santinho Resort www.costao.com.br Estrada Vereador Onildo Lemos, 2505 - Praia do Santinho

Participam deste evento renomados profissionais do mercado nacional e internacional, líderes industriais, representantes do governo e de entidades voltadas para o desenvolvimento econômico e tecnológico.

Painelistas e participantes terão a oportunidade de discutir e aprender sobre as novas perspectivas de investimento em empreendimentos nascentes e as tendências tecnológicas que guiarão o desenvolvimento da região.

Para mais informações e inscrições: www.endeavor.org.br

Realização

endeavor

Page 44: Aviso aos navegantes

CIÊNCIA

MATEMÁTICA

Programados para ver Animais mostram aos computadores como identificar objetos

SUZEL TUNES

Oque se pode aprender com animais tão distintos quanto

uma salamandra, um gato ou uma aranha? Cientistas da Universidade de São Paulo em São Carlos estão aprendendo a ver. O estudo de mo­delos biológicos tem sido indispen­sável para desvendar os segredos de uma das mais complexas atribuiçõ­es do cérebro - a visão -, que de­pois se pretende ensinar a um com­putador. Há avanços tanto na teoria quanto na prática. Podemos ainda estar longe de Hal, o sagaz compu­tador de 2001, Uma Odisséia no Es­paço ou mesmo dos andróides qua­se humanos de Blade Runner, mas o Grupo de Pesquisa em Visão Ciber­nética já exibe neurônios virtuais, que criam vida própria dentro do ambiente virtual e podem ser con­trolados, de acordo com as regras inferidas da pesquisa com células reais. É o caminho para se fazer o inverso: entender, a partir do mo­delo matemático, como os neurôni­os naturais interagem entre si -uma tarefa quase impossível pelos meios habituais, pois os neurônios em laboratório só podem ser estu­dados isoladamente.

O conhecimento acumulado pe­la equipe tem servido para o desen-

44 · MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

volvimento de projetos aplicados. Já permitiu a construção de um olho mecânico, concluído no ano passa­do, com base no sistema visual de uma aranha. Na medicina, subsidia o desenvolvimento de um sistema de diagnóstico de leucemia, que deve ser concluído em quatro anos.

O coordenador do grupo, Lucia­no da Fontoura Costa, engenheiro eletrônico com especialização em Física, tem prestado consultaria para indústrias nacionais e estran­geiras. Dois exemplos: para a He­wlett Packard do Brasil, criou um sistema de controle de qualidade de monitores de vídeo, e para a In­telligent Network, dos Estados Unidos, um programa de reconhe­cimento de padrões e inteligência artificial em redes de computado­res e Internet.

Laranjas e maçãs- As aplicações prá­ticas da visão computacional, nos mais diversos setores, são imensas e atraem o interesse de empresas e uni­versidades em todo o mundo. Esti­ma-se que, no exterior, essa área mo­vimente cerca de US$ 5 bilhões, mesmo que os mecanismos de visão computacional ainda sofram limita­ções. Máquinas de inspeção visual já podem, por exemplo, reconhecer bo­lachas quebradas entre bolachas in­teiras, mas ainda têm dificuldades em distinguir objetos de contornos semelhantes, como laranjas de maçãs ou rostos masculinos de femininos.

Conscientes da estratégica im­portância dessa área de pesquisa, o grupo sediado em São Carlos con-

solidou-se como um dos mais pro­fícuos do Brasil, com base na mul­tidisciplinaridade. Fazem parte da equipe especialistas em Computa­ção, Matemática, Física, Engenharia Eletrônica e Mecânica. Há também neurocientistas, médicos, psicólo­gos e até filósofos. A maioria deles já completou o doutorado, de modo que pode parecer estranho que uma aranha ou uma salaman­dra ensine a um grupo de qualifica­dos Homo sapiens algo sobre uma capacidade inata e aparentemente tão simples quanto a visão. Afinal, ver parece exigir menos esforço do que fazer cálculos ou tomar decisõ­es, por exemplo.

Não é bem assim. "Há uma ten­dência a considerar a visão como um processo simples e a imagem que vemos como uma impressão di­reta do mundo ao nosso redor", diz Costa, que coordenou o recém-en­cerrado projeto Pesquisa em Visão Cibernética, financiado pela FA­PESP. "Na realidade, a visão é um processo refinado, que requer cerca de metade da capacidade do córtex cerebral de um prima ta e consiste na passagem da imagem física para a

Page 45: Aviso aos navegantes

interpretação." Trata-se de um con­junto de processos capaz de identifi­car e localizar os objetos existentes no mundo a partir da informação visual captada por sensores - uma habilidade que nem as máquinas mais sofisticadas ainda conseguiram conquistar, enfim.

Forma e função - Costa tem certeza de que encontrará na natureza as so­luções para o desafio de ensinar uma máquina a ver. "Se comparássemos o sistema nervoso a uma máquina", diz ele, "o programa da visão estaria todo codificado nos neurônios." As­sim, o primeiro passo da pesquisa consiste no conhecimento e na clas­sificação das células nervosas. ''Antes de criar um bom modelo matemáti­co-computacional, é preciso conhe­cer a anatomia e fisiologia dessas cé­lulas e desvendar a relação entre suas formas e funções", comenta. O cére­bro humano tem centenas de tipos de neurônios e tudo indica que essas diferenças sejam determinadas por interações internas e externas ao in­divíduo, uma vez que nosso material genético não é suficiente para justifi­car um número tão vasto de formas.

A teoria não é original. No fim do século 19, o médico espanhol Santiago Ramón y Cajal (1852-1934), pioneiro no estudo de tecidos neurais, atribuía a própria inteligên­cia humana à forma dos neurônios. Cajal ganhou, com o italiano Camil­lo Golgi (1843-1926), o Prêmio No­bel de Medicina e Fisiologia de 1906 e passaria à história como criador qa neurociência moderna, mas seu in­teresse pela forma neuronal não re­ceberia maior atenção no decorrer do século 20.

No Brasil, a chamada neuromor­fometria continuaria como um cam­po de pesquisa praticamente inédito até que o Grupo de Visão Cibernética iniciasse seus estudos de como a for­ma pode influenciar no comporta­mento dos neurônios. "A definição da forma de um neurônio pode estar di­retamente ligada ao estabelecimento de conexões sinápticas. Células mais complexas, com maiores arboriza­ções dendríticas, conectam-se a um número maior de células. Um dos nossos objetivos é obter parâmetros que possam classificá-las", diz Costa.

O estudo concentrou-se em dois tipos de neurônios, as células gan-

glionares e as piramidais, o primei­ro da retina de gato e da salamandra e o outro de rato. Como o laborató­rio do grupo no Instituto de Física de São Carlos não trabalha com animais, as imagens de neurônios reais foram enviadas por parceiros da pesquisa, como o Departamento de Fisiologia da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, e a Universidade Federal do Rio de Ja­neiro (UFRJ).

A partir das imagens reais, anali­sadas por métodos estatísticos e de computação gráfica, é que os pesqui­sadores construíram os sistemas neu­ronais virtuais. Com eles, podem co­nhecer melhor o funcionamento dos neurônios, fundamentais à visão, e simular situações reais. É a chamada visão cibernética, a expressão que os pesquisadores adotam por essa área representar a interface entre a visão biológica e a computacional.

Simulações- Mas o que se quer re­almente é gerar neurônios realistas, estatisticamente semelhantes aos naturais. Para chegar lá, o primeiro - e talvez mais difícil - desafio é es­tabelecer padrões de classificação. O

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 45

Page 46: Aviso aos navegantes

que faz um neurônio da célula gan­glionar da retina do gato distinguir­se de qualquer outro? Foi preciso escolher um conjunto de medidas que representassem cada grupo de neurônios, como tamanho, largura, orientação e ângulos dos segmentos dos dendritos, as ramificações desse tipo de célula. Segundo Costa, a es­colha desses parâmetros ainda é um problema aberto, que deve levar em conta o que se quer estudar.

A questão da extração de medi­das, ponto-chave da criação do sis­tema nervoso virtual, também é fundamental para o de­senvolvimento de um mecanismo visual ciber­nético. A partir de uma cena qualquer, o com­putador terá de captar a imagem que lhe interes­sa- como faz o olho bi­ológico - e dela extrair os atributos (ou medi­das) necessários para seu reconhecimento. O segredo é saber que medidas são es­sas capazes de transformar a ima­gem em eficientes algoritmos (mo­delos ou expressões matemáticos) de identificação. No meio de um grupo de pessoas, por exemplo, o que torna homens e mulheres esta­tisticamente diferentes entre si? Al­tura, comprimento de cabelo, ângu­los das feições? O que ao animal parece instintivo, o computador terá de aprender passo a passo.

O olho da aranha - Desenvolver um sistema de reconhecimento mais efi­ciente foi o objetivo de um dos pri­meiros trabalhos práticos realizados pelo Grupo de Pesquisa em Visão Cibernética, a construção de um olho mecânico. O trabalho começou em 1993, quando Costa voltou do doutorado no King's College, de Londres, e terminou no ano passa­do. O modelo utilizado foi o sistema visual de várias espécies de aranha saltadora, da família Salticidae, esco­lhida por ter a visão bastante evolu­ída. Segundo Costa, essa espécie

46 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

possui o sistema visual mais desen­volvido entre os invertebrados ter­restres e, incluindo os aquáticos, só perde para o polvo. Além disso, con­segue detectar segmentos de reta, uma habilidade ideal para o desen­volvimento de um olho mecânico, por facilitar o armazenamento das informações.

Olhar seletivo - O trabalho começou com a observação do comporta­mento da aranha. Presa diante de uma tela de computador, ela assistia a imagens de hipotéticas presas e

predadores e os pesquisadores ob­servavam suas reações.

Costa agora reconhece que esse tipo de abordagem tinha uma falha: a observação humana é subjetiva, ou seja, diferentes observadores po­dem chegar a diferentes conclusões. Por isso, logo o trabalho se sofisti­cou, com a inclusão de um estetos­cópio eletrônico. Colocado sobre o abdome da aranha, o aparelho me­diu os micromovimentos abdomi­nais- onde fica o coração desse ani­mal - e obteve uma medição mais objetiva da resposta aos estímulos. Os pesquisadores observaram que a aranha saltadora era capaz de reco­nhecer, rapidamente, se a imagem projetada na tela era de outra ara­nha ou não.

A retina da aranha saltadora, com a forma alongada como a de um bumerangue e a capacidade de se mexer, enquanto a córnea perma­nece fixa (ao contrário do olho hu­mano), serviu de modelo para a cri­ação de um protótipo de olho mecânico que detectasse retas com

grande eficiência para reconhecer objetos de imediato. Essa aborda­gem levou também à interpretação do reconhecimento de retas como sendo um problema de otimização matemática.

Outra aplicação prática da pes­quisa de visão cibernética envolveu aplicações experimentais nas estaçõ­es ferroviárias de Londres, num tra­balho em colaboração com o King's College. Trata-se de um sistema de estimativa de densidade populacio­nal, para monitorar áreas onde se agrupam multidões. Como numa

multidão aparecem ape­nas pedaços de corpos, o computador não chega a reconhecer seres huma­nos individualmente. A técnica é baseada em di­ferenças de padrões de textura. Imagens de bai­xa densidade de pessoas tendem a apresentar textura grossa, enquan­to imagens mais densas

apresentam texturas mais finas. Desse modo, as imagens são classifi­cadas em diferentes categorias de texturas. Depois, empregam-se esta­tísticas dessas classes para estimar o número de pessoas.

Computador também escolhe - Ainda mais surpreendente é o programa que avalia a percepção visual, um atributo ainda pouco conhecido dos cientistas e bastante influenciado pelo ambiente, contexto sociocultu­ral e emoções. "A imagem da TV é enviada aos aparelhos com perda de qualidade", exemplifica Costa. "Se nossa percepção fosse linear, basta­ria medir a imagem original, tirar a diferença e estabelecer padrões de qualidade." Mas a imagem pode ter distorções e ainda assim ser agradá­vel. Um modelo adequado para ava­liar a qualidade das imagens teria de ser capaz de considerar as sutilezas do sistema visual humano.

Foi exatamente isso o que o computador fez. No ano passado, os pesquisadores convidaram um

Page 47: Aviso aos navegantes

grupo de 20 pessoas de diferentes segmentos sociais a atribuir notas a cerca de 50 imagens. A partir das notas, associadas a medidas como dimensões, contraste e cor, os es­pecialistas elaboraram um algoritmo que permitisse ao computador avali­ar outras imagens. Em seguida, com­pararam os dois julgamentos. Hu-

Atualmente, o grupo de São Carlos trabalha num programa de diagnóstico semi-automático de leu­cemia, em colaboração com os he­matologistas Marco Zago, da Facul­dade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, e Sérgio Martins, do Hemocentro também de Ribeirão. O objetivo é criar um software de

manos e máquinas ~r--------------, apoio ao médico para valorizaram pontos ~ o reconhecimento de como qualidade ar- ~ células anormais, dis-tística e originalida- j tintas por alterações de, atributos direta- ~ de formato. "Primeiro, mente relacionados ~ o computador precisa com o contexto cul-tural. A maior sur­presa: as notas dadas pelos humanos e em seguida pelo mo­delo computacional mostraram-se bas­tante parecidas.

~ "

Respostas rápidas - Como as ima­gens ficavam na tela por poucos se­gundos, uma justificativa possível para a incrível concordância é que tenham sido avaliadas medidas mais primitivas. No ser humano, a infor­mação visual passa primeiro pela base do lobo occipital, região do córtex cerebral localizada próximo à nuca e responsável pelo reconheci­mento de segmentos de reta, que faz o processamento primário da infor­mação visual. Se a imagem ficasse na tela por mais tempo, a informação caminharia para regiões cerebrais mais influenciadas pelas emoções e contextos culturais, o que poderia causar distorções em relação à avali­ação do computador. Segundo Cos­ta, esse detalhe não inviabiliza uma possível aplicação do experimento, sobretudo para a avaliação de con­teúdos visuais que devem provocar impacto ou agradabilidade imedia­ta, como outdoors, páginas de Inter­net ou mesmo anúncios publicitári­os de televisão. "Um dos benefícios dessa pesquisa é a identificação da importância específica dos diversos atributos visuais no processo de per­cepção", diz ele.

Um neurônio virtual e Costa: pessoas e máquinas com gostos semelhantes

OS PROJETOS

Pesquisa em Visão Cibernética

MODALIDADE

Programa de Apoio a Jovem Pesquisador

INVESTIMENTO

R$ 81.300,00 mais US$ S.OOO,OO

Desenvolvimento e Avaliação de Métodos Originais e Precisos em Análise de Formas e Imagens e Visão Computacional

MODALIDADE

Projeto temático

INVESTIMENTO

R$ 325.000,00 mais US$ 130.000,00

COORDENADOR

LUCIANO DA FONTOURA C OSTA -

Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo

separar os tipos de célula do sangue, reconhecer os leucócitos e só então fazer as medições", diz Costa. Hoje, o diagnóstico é feito de forma visual - e um tanto subjetiva.

Facilidades - Costa acredita que o diagnóstico ficará não apenas mais rápido, mas também mais preciso e objetivo. "Certos tipos de leucemia associam-se a alterações morfoló­gicas bastante típicas, como anor­malidades na forma do núcleo e citoplasma da célula", comenta. Por esse motivo, parece possível rela­cionar rapidamente a forma da cé­lula com o tipo de doença e, cru­zando o resultado com os dados clínicos, tomar decisões ainda mais

precisas na forma de tratamento.

Recentemente, o grupo de São Carlos integrou-se ao Pro­jeto Genoma Hu­mano do Câncer. Uma de suas tare­fas, já definidas, é aplicar técnicas de processamento de . . .

sma1s e Imagens, reconhecimento de padrões, inteligên­cia artificial e mi­

neração de dados na análise das informações obtidas nesse projeto financiado em conjunto pela FA­PESP e pelo Instituto Ludwig.

Parte dessa trajetória de oito anos está reunida no recém-lançado Sha­pe Analysis and Classification: Theory and Practice, escrito por Costa em parceria com Roberto Marcondes César Jr., do Instituto de Matemática e Estatística da USP de São Paulo, a convite da editora norte-americana CRC Press. Olhando para a frente, a dupla de pesquisadores pretende agora avançar em pesquisas de visão cibernética com aplicações em análi­se de imagens de microscopia, inspe­ção visual e reconhecimento de fa­ces, a partir do projeto temático recém-assinado, a ser desenvolvido nos próximos três anos. •

PESQUISA FAPESP · MARÇODE2001 • 47

Page 48: Aviso aos navegantes

TECNOLOGIA

LINHA DE PRODUÇÃO

Mais luz nos ambientes, com menos despesas Só há 12 países que não têm re­gulamentação pa­ra impor um pa­drão de eficiência energética aos pré­dios - e o Brasil está entre eles. Num país onde a luz natural é abun­dante o ano todo, a grande maioria das edificações usa durante o dia forte iluminação artifi­cial e consome uma energia que come­ça a escassear. "Já O Rio de Janeiro iluminado: pouco aproveitamento da luz natural há 30 anos a luz solar é alternativa comum nos Estados Unidos e na Eu­ropa. É incompreensível que o Brasil, que possui condi­ções privilegiadas para ex­plorar esse recurso, não o faça", diz Louise Land Bitten­court Lomardo, pesquisado­ra da Coordenação dos Pro­gramas de Pós-Graduação de Engenharia ( Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em sua tese de doutoramento, ela aponta três parâmetros usa­dos em normas estrangeiras: potência de iluminação por metro quadrado, proporção de janelas na fachada e transmissibilidade térmica das paredes. Louise compara as legislações aplicadas nos Estados Unidos, na Jamaica e em Portugal e aponta medi­das simples para os projetos arquitetônicos que economi­zam energia. A partir desse trabalho, a Coppe asssinou um convênio com as univer­sidades alemãs de Colônia e Berlim, para instalar o Nú-

48 · MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

cleo de Referência em Pré­dios de Alto Rendimento. O principal objetivo do acordo entre os institutos é desen­volver tecnologias de uso da energia solar. •

• Aparelho alerta contra excesso de velocidade

Um pequeno aparelho insta­lado no painel do carro é a novidade para evitar o ex­cesso de velocidade, ato res­ponsável por grande parte dos acidentes de trânsito e por severas baixas nos bol­sos dos motoristas multados nesse tipo de infração. Cha­mado de V-Set, o aparelho foi desenvolvido pela Con­trol Ware, empresa recém-

emancipada da incubadora de empresas do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (CDT) da Uni­versidade de Brasília (UnB). A concepção do produto é do desenhista industrial Adriano Braum, que usou o V-Set como trabalho de gra­duação na UnB, e do enge­nheiro elétrico Rudi Van Els, professor do curso de Enge­nharia Mecatrônica da uni­versidade e dono da empre­sa. O aparelho emite sinais sonoros e visuais após o mo­torista ter ultrapassado o li­mite de velocidade escolhi­do por ele entre as teclas 60, 70 ou 80 km/h. O aparelho está disponível aos consumi­dores em uma loja de auto-

V-Set: motorista escolhe, nas teclas, a velocidade-limite

som de Brasília, em fase de teste comercial. "Estamos agora captando recursos para iniciar a produção em série do V-Set", explica Eis. A em­presa possui também, em fase de conclusão, um tacógrafo digital, aparelho que registra a velocidade, ignição e outras informações de um veículo. •

• DuPont licencia tecnologia genética

A empresa Artemis Pharma­ceuticals, de Colônia, Alema­nha, obteve licença da Du­Pont norte-americana para aplicações da tecnologia Cre-Iox de genômica funcio­nal - que permite extrair ge­nes selecionados de células de ratos, desligando uma função biológica. Essa tecnologia é um instrumento para o estu­do dos genes, sobretudo os relacionados a doenças hu­manas, em tecidos e órgãos específicos. "A licença obtida, em combinação com outras tecnologias relativas à genô­mica funcional que estabele­cemos, ajuda a criar uma pla­taforma otimizada para a identificação rápida da fun­ção do gene in vivo em rela­ção a determinada doença", declarou o presidente da Artemis, Peter Stadler. •

• Softwares melhoram a agricultura chinesa

Dois softwares desenvolvidos em Campinas vão ajudar a agricultura chinesa a ter me­lhor desempenho e produti­vidade. A empresa Soluções Informatizadas de Referên­cias Agropecuárias (Sira) fe­chou um acordo com o gru­po chinês Beijing Lupeng Technology no valor de US$

Page 49: Aviso aos navegantes

Fertilidade: em mandarim

SOO mil para exportação dos softwares Laboratorial e Fer­tilidade. Com eles é possível acompanhar qualquer cul­tura desde o plantio até a co­lheita. "Eles são ferramentas que ajudam a entender as necessidades da cultura a partir da análise do solo, in­dicando as dosagens certas de fertilizantes", explica Ro­berto Barducci Camargo, um dos quatro sócios da em­presa. O primeiro contato com os chineses aconteceu em 1997 numa missão da Sociedade para Promoção da Excelência de Software Bra­sileiro (Softex), entidade à qual a Sira está associada. "Durante esses anos os chi­neses fizeram vários testes com os softwares e consegui­ram aumentar os teores de açúcar na uva e melhoraram a produtividade da batata e do algodão." Agora, com contrato assinado, a Sira pre­para o software para exporta­ção, traduzindo-o para o di­aleto mandarim. •

• Minirrobô pode fazer manobra em moeda

Cientistas do centro de pes­quisas Sandia National La­boratories, dos Estados Uni­dos, comunicaram estar desenvolvendo um robô mi­núsculo, que é possivelmente o menor já construído e con­segue manobrar sobre uma

Usinas de álcool utilizam tese que ganhou prêmio Antes tarde do que nunca. Esse ditado bem que pode­ria servir para um novo sis­tema de obtenção de álcool anidro apresentado, em 1987, na tese de doutorado do engenheiro de alimen­tos Antonio José de Almei­da Meirelles, que só agora está sendo utilizado por al­gumas usinas de álcool da região de Ribeirão Preto. Meirelles também ganhou, em 1989, o prêmio Jovem Cientista instituído pelo Conselho Nacional de De­senvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A

nova técnica substitui o ci­cloexano pelo etilenoglicol no processo de desidrata­ção do álcool, ou seja, a re­tirada da água do álcool hi­dratado (etanol) que se transforma em anidro e é usado como combustível misturado à gasolina. "As vantagens do etilenoglicol são a economia de mais de SOo/o de energia elétrica no processo de destilação, a melhor qualidade do álcool, que deixa de ser contami­nado pelo cicloexano, e o fato de não ser inalável pe­los trabalhadores da usina",

Esteiras e três baterias de relógio fazem o minirrobô se movimentar

moeda. Alimentado por três baterias de relógio, ele anda sobre esteiras e tem dois mo­tores, microprocessador e sensor de temperatura. Ed Heller, que desenvolveu a parte microeletrônica, prevê que, em sua evolução, o ro­bozinho possa executar tare­fas difíceis hoje feitas por ro­bôs bem maiores, como localizar e desarmar minas terrestres ou detectar armas químicas e biológicas. Hei­ler explica que o avanço na miniaturização foi obtido a partir do uso de componen­tes eletrônicos isolados, em

vez de dispositivos miniatu­rizados prontos. Os compo­nentes são montados em módulos sobre um substrato de vidro. Operado pela San­dia Corporation, empresa do grupo Lockheed Martin, o centro de pesquisas que de­senvolve o robô trabalha sob contrato para o Departa­mento de Energia dos EUA .•

• Plástico tem poder de auto-regeneração

Microcápsulas com um a­gente químico "cicatrizante" e um catalisador são inseri-

< i5

~

afirma Meirelles, hoje pro­fessor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp. O motivo de as usinas usarem somente agora a nova técnica está li­gado à extração de energia elétrica do bagaço de cana. As usinas usam a energia e vendem o excedente para as companhias de distri­buição. Atualmente, as no­vas variedades de cana ren­dem menos bagaço. Assim, a hora é de economizar na produção para se atingir patamares anteriores de energia elétrica. •

das num composto matriz. Se ocorre alguma fissura no material, as cápsulas ali se rompem e liberam o agente, que entra em contato com o catalisador e inicia um processo de polimerização, preenchendo a falha. O no­vo material plástico foi de­senvolvido em pesquisa coor­denada por Scott White, pesquisador e professor de engenharia aeronáutica e as­tronáutica da Universidade de Illinois, nos Estados Uni­dos. "Ele pode ser usado onde um polímero sintético atua hoje", disse White, se­gundo o informativo The Daily Illini Online. Com essa capacidade de auto- regene­ração, o material feito com polímeros sintéticos teria o tempo de vida útil aumen­tado. Como o custo de pro­dução previsto ainda é mui­to alto, as aplicações mais prováveis seriam em setores mais sofisticados, como a indústria aeroespacial. O uso de plásticos auto-regenerá­veis é também um sonho antigo da indústria auto­mobilística. •

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2001 49

Page 50: Aviso aos navegantes
Page 51: Aviso aos navegantes
Page 52: Aviso aos navegantes

CAPA

17 de dezembro de 2000: mapa indica direção e altura das ondas, com

mais de 3 metros, no sul do país

de ventos acima de 15 metros por se­gundo, equivalentes a 54 km/h, pro­duzem a grande maioria das ondas que chegam às praias.

Ciclones acoplados- Innocentini conta que algumas vezes o ciclone tropical, quando em fase de enfraquecimen­to, é absorvido por um extratropi­cal, que se intensifica rapidamente. Foi o que aconteceu entre 24 e 26 de outubro de 1999, com o ciclone tro- ~ug picai Irene. Ele se '" originou na costa ~

;:;;

da África, atraves- o ~

sou o Atlântico, ul- !;:

trapassou parte da ~ costa da Flórida, seguiu para o norte

25° -~-- ------"tt

309 __ _

W--~

4

e estava perto de Nova York, perden­do força, quando juntou-se a um ex­tratropical que esta­va ao largo da costa canadense. Depois da junção, formou­se uma região com pistas enormes e velocidade de quase 20 m/s (72 km/h).

As ondas se pro­pagaram em direção sul pelo Atlântico e

Telas do site do lnpe: previsões de ondas e ventos (no alto) e mapa para clicar em certos pontos litorâneos

pesquisador. Ele e sua equipe fize­ram um trabalho de reconstituição do episódio com a aplicação de um modelo de geração e propagação de ondas. Com base em equações ma­temáticas, formu­ladas para quanti­ficar os processos físicos que influem nas ondas, o mo­delo combina vá-

chegaram com muita energia ao ar­quipélago de São Pedro e São Paulo­o pequeno conjunto rochoso brasi­leiro situado 950 quilômetros a nor­deste da costa do Rio Grande do Norte, onde a Marinha mantém uma esta­ção científica desde 1998. Dois pesqui­sadores que estavam na ilha Sudoeste, onde foi instalada a estação, só sobre­viveram porque foram para o farol lo­cal, único ponto a salvo, mas as ondas destruíram os ninhos das aves e dani­ficaram parte da infra-estrutura da es­tação e os instrumentos de pesquisa.

O fenômeno é raro: "Só acontece uma ou duas vezes por década", diz o

52 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

rias informações, principalmente as relativas aos ven­tos de superfície, e calcula a evolução da altura das ondas em cada ponto do oceano.

Agitação no mar - Embora faltassem observações sobre as ondas que che­garam ao arquipélago para confirmar o modelo, o trabalho - Vagas no Litoral Norte do Brasil Geradas por Furacões: Caso 24 de Outubro de 1999- mostra as ondas sendo geradas no extremo norte do Atlântico, cruzando o Equa­dor, propagando-se para o litoral nor­te brasileiro e atingindo o arquipélago. Pelos resultados do modelo, esse ci-

5 6 7 8 11 12

clone extratropical gerou ondas com mais de 8 metros de altura em mar aberto próximo da Península Ibérica, do norte da África e dos Açores, que terminaram por chegar ao Brasil.

Apesar das previsões do site do Inpe, ainda há naufrágios e outros desastres. Em 14 de dezembro do ano passado, por exemplo, os pesquisado­res fizeram um alerta: nos dias 16 e 17 e na semana seguinte haveria intensa agitação marítima nos litorais de Santa Catarina, Paraná e São Paulo.

resultado é que, na­quele final de semana, um veleiro que saíra de Angra dos Reis de­sapareceu no domin­

go, 17, e só foi encontrado à noite no litoral sul do Paraná com apenas um dos três tripulantes. Segundo relato do sobrevivente, o veleiro foi tom­bado duas vezes por ondas muito al­tas, que lançaram ao mar os outros tripulantes, considerados navegado­res experientes.

No mesmo final de semana, em Ilhabela, um barco naufragou na Ponta dos Castelhanos com 13 pes­soas, das quais 12 foram salvas. E, no Rio de Janeiro, 21 pessoas ficavam isoladas em três ilhas: o resgate foi

Page 53: Aviso aos navegantes

4 10

feito por helicóptero, pois o mar esta­va agitado demais.

Matemático formado pela USP, onde fez mestrado em Meteorologia, Innocentini doutorou-se na universi­dade inglesa de Reading em 1986. Em 1989, começou a trabalhar no Inpe e, ao visitar o instituto de pesquisas da Marinha em Arraial do Cabo, técnicos dali falaram da neces­sidade de se fazer a previsão de ondas no país. Era preciso superar um

li

l i

li

li

li Ir 1: l i

1: l i l i l i

Modelo de ondas é repassado ao Peru

A Marinha de Guerra do Peru conta desde o ano passado com um modelo de previsão de ondas para todo o Pacífico, implantado por Valdir Innocentini e baseado na tecnologia desenvolvida pelos técnicos no Inpe. O objetivo é sa­ber em detalhes como acontecem os ciclones no Pacífico e ter um modelo de previsão de ondas para as pequenas bacias, diz Fernando Vegas Castafi.eda, tenente da Divi­são de Hidrografia e Navegação da marinha peruana. Ele chefia

12 1 4 16 18 20 22 24

grande atraso, atestado nesta frase na página do Inpe na Internet: "Embora a previsão da agitação marítima ge­rada pelo vento através de técnicas objetivas tenha se iniciado no final dos anos 50, o interesse de pesquisa­dores brasileiros por este assunto pa­rece ter sido despertado apenas no fi­nal dos anos 80".

A previsão era importante para o litoral fluminense, freqüentemente atingido por fortes e inesperadas res-

uma m1ssao de quatro pessoas que chegou ao Brasil em 3 de ja­neiro último para um estágio de seis meses no Inpe e na USP.

Os peruanos receberam nossa tecnologia e conseguiram ficar à frente do Brasil, comenta Inno­centini. É que o modelo de previ­são de ondas deles foi inserido no projeto Naylamp (El Nino Anual Y las Amostras Médias del Pacífi­co) - proposto para estudar o efeito do fenômeno El Nino na costa peruana com financiamen­to de US$ 5 milhões do Banco Mundial. Essa verba permitiu comprar seis bóias bem equipa­das (duas são de reposição) por

17 de dezembro de 2000: ventos com velocidade de mais de 18 m/s (70 km/h} atingem Santa Catarina

sacas. É comum que as pessoas saiam de barco para pescar em algumas ilhas e, quando chega a ressaca, com ondas e ventos muito fortes, não consigam voltar. Por isso, mesmo barcos grandes de 30 a 50 pés ( 1 O a 15 metros de comprimento) naufra­gam, há mortes e a Marinha é obriga­da a fazer resgates com helicóptero.

Além dos naufrágios, Innocentini constatou que, quando as ondas es­tão muito altas, operações rotineiras nos portos e nas plataformas de pe­tróleo tornam-se difíceis e há alto ris­co de acidentes.

Modelo avançado- Os problemas pro­vocados por ciclones extratropicais acontecem principalmente entre o Rio Grande do Sul e o Espírito Santo, mas, até o trabalho da equipe do Inpe, o máximo que se fazia era estudar as marés. "Os pesquisadores do Instituto Ocenográfico da Universidade de São Paulo (USP) coletam dados em Ilha Comprida para os estudos das va­riações de altura do mar e na Escola Politécnica da USP, na capital, os en­genheiros fazem projetos que de­mostram os efeitos das ondas em

U$ 250 mil cada uma e equipa­mentos de informática para im­plementar os modelos numéricos de previsão de ondas.

As quatro bóias em atividade contam com sensores que me-dem as ondas detalhadamente, 1

além de diversos parâmetros me­teorológicos e oceanográficos. Os pesquisadores peruanos preten­dem, com essas informações, es­tudar e desenvolver métodos pa-ra as previsões do fenômeno El Nifio, que altera periodicamente a situação meteorológica normal 1

no Oceano Pacífico e provoca de­sastres como inundações e nau­frágios na costa peruana.

--

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 53

Page 54: Aviso aos navegantes

CAPA

diversas localidades da costa brasileira. Mas nin­guém trabalha com pre­visão de ondas geradas pela ação do vento, na faixa de período de 1 a 30 segundos, que é a va­riação de tempo possível entre a passagem de duas ondas", diz Innocentini.

são de ondas para o Me­diterrâneo.

Por isso, entre 1992 e 1994, ele trabalhou num projeto de pesquisa pre­cursor do atual e também

lnnocentini: modelo permite pôr as previsões no site 72 horas antes

Em 1997, Innocentini começou a coordenar o atual projeto temático e, com os recursos obti­dos, pôde contar com uma equipe de cinco pesquisadores, além de estações de trabalho (computadores poten­tes) de última geração conectadas à Internet.

financiado pela FAPESP. Nele, desen­volveu um modelo numérico de on­das baseado em trabalhos publicados em revistas internacionais, para pre­ver a agitação marítima provocada pelos ventos. Contudo, teve dificulda­des para aferir se o modelo funciona­va bem e se as previsões eram confiá­veis, porque não havia dados sobre os fenômenos da costa brasileira.

Mais tarde, o oceanógrafo italia­no Luigi Cavaleri, pesquisador do Is­tituto Studio Dinamica Grandi Mas­sa, de Veneza, Itália, forneceu dados coletados no mar Mediterrâneo refe­rentes a um mês de medidas de ven­tos e ondas. A partir daí, Innocentini e o pesquisador Ernesto dos Santos Caetano Neto, do IPM da Unesp de Bauru, criaram o modelo de previ-

Vasco da Gama quase descobriu o Brasil

D epois de estudar o diário de bordo da expedição de Vasco

da Gama que descobriu o caminho marítimo para as Índias, a equipe do Inpe conseguiu, com seu mode­lo matemático, reconstruir as con­dições meteorológicas da viagem ao longo da costa oeste africana -especialmente as tempestades en­frentadas na transposição do Cabo da Boa Esperança (até então cha­mado Cabo das Tormentas), tanto na ida como na volta.

O diário de bordo do navegador português, em parte publicado em 1998 na biografia Vasco da Gama feita pela francesa Genevieve Bou­chon, tem uma lacuna proposital entre 22 de agosto e 27 de outubro de 1497, dias consumidos na chama­da Volta ao Largo: os navios se afas­taram da África e se aproximaram muito da então oficialmente desco­nhecida costa brasileira. Era segredo militar - os espanhóis e outros não podiam conhecer esse caminho.

54 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

No trabalho Possíveis Dificul­dades que Acompanharam a Via­gem de Vasco da Gama à Índia, a equipe do Inpe explica que "a des­coberta do caminho das Índias pe­los navegantes portugueses no sé­culo 15 foi o resultado de ·várias expedições malsucedidas no Ocea­no Atlântico". Daí surgiu a estra­tégica Volta ao Largo, manobra em que a frota guinava para sudoeste depois das ilhas de Cabo Verde: "Embora essa viagem fosse mais longa, era mais rápida, pois as ve­las inflavam com os ventos do se­tor oeste do anticiclone subtropical que as empurravam ao extremo sul do continente africano". Além dis­so, evitavam-se as calmarias próxi­mas do golfo da Guiné, bem como os ventos do flanco direito do anti­ciclone subtropical que se opõem à navegação rumo ao sul.

A rota traçada por Vasco da Ga­ma utilizou a Volta ao Largo pela primeira vez na história da navega-

Isso permitiu desenvol­ver um modelo numérico mais avançado, inicialmente baseado nas informações de dois órgãos norte­americanos - National Centers for Environmental Prediction (NCEP) e

ção a vela no Atlântico Sul. Ao ru­mar para sudoeste, os navios se aproveitaram da corrente do Brasil e dos ventos do flanco esquerdo do anticiclone subtropical do Atlânti­co, "evitando numerosas dificulda­des que encontrariam no percurso ao largo da costa africana."

Restava um grande obstáculo, confirmado pela equipe: "A maior barreira para as expedições era o Cabo da Boa Esperança, onde ciclo­nes extratropicais são bastante in­tensos e geram extensas regiões

Page 55: Aviso aos navegantes

National Oceanic andAtmosphericAd­ministration (Noaa). Isso foi necessário porque, para fazer uma boa previsão em qualquer parte da costa brasileira, era preciso ter dados de todo o Oce­ano Atlântico, desde o Canadá e a Grã-Bretanha até as Ilhas Malvinas, pois as ondas que chegam à costa do Brasil são geradas acima da latitude de 40 graus, no Atlântico Norte, e abaixo de 40 graus no Atlântico Sul, em pontos próximos aos pólos.

A equipe concluiu, em 1998, um sistema próprio de previsão de ondas para o Atlântico: o Modelo Atmosfé­rico de Área Limitada (Maal), que abrange a costa brasileira. Nele, tra­balham com equações dos movi­mentos atmosféricos, usam dados -

com ventos fortes e ondas gigantes em mar aberto': O trabalho relata um caso recente com ondas acima de 5 metros geradas por um ciclone no Atlântico Sul que se deslocou para o Cabo da Boa Esperança.

''A expedição de Vasco da Gama foi surpreendida no Cabo da Boa Esperança em novembro de 1497 por uma grande tempestade na via­gem de ida às Índias e quase toda a expedição naufragou nessa região na volta, em março de 1499, prova­velmente devido a intensos ciclo-

O PROJETO

A Dinâmica da Cic/ogênese sobre o Atlântico Sul

MODALIDADE

Projeto temático

COORDENADOR

VALDIR INNOCENTINI- Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (lnpe)

INVESTIMENTO

R$ 39.230,05 e US$ 265.933,34

pressão atmosférica, umidade relati­va, etc. - de várias fontes e prevêem todos os parâmetros meteorológicos, incluindo os ventos que ocorrem 10 metros acima da superfície. Com os ventos previstos pelo modelo atmos-

ÁSIA

férico é possível saber ~z - os locais de geração, ;) ~ propagação, refração e ~ dissipação das ondas

por todo o Atlântico.

Rotas de Gama: estudo mostrou que na ida era preciso afastar-se da costa

nes migratórios de oeste." Na verdade, os navegadores já sabiam dos peri­gos e planejaram entrar na região depois de outubro, para evitar o pior.

Os pesquisadores do Inpe senti­ram as dificuldades dos navegantes portugueses ao analisar o que acon­tece rotineiramente no Cabo da Boa Esperança e ao estudar um evento específico entre 11 e 14 de junho de 1999, quando dois ciclones geraram ventos e ondas no local. Um deles estava acompanhado de ventos de superfície com velocidade que ul­trapassava 20 metros por segundo (72 km/h), suficientes para produ­zir ondas com altura acima de 5 metros em uma extensa região.

Atualmente os pesquisadores já fornecem informações sobre ventos e ondas que ocorrem diariamente no Atlântico e fazem previsões com até 72 horas de antecedência para toda a costa brasileira, especificamente para o litoral norte de São Paulo. As infor­mações são divulgadas pela TV Van­guarda, do Vale do Paraíba, e pelo site do Inpe. No futuro, Innocentini e equipe pretendem implementar um modelo de ondas mais adequado para o mar raso (com menos de 50 metros de profundidade), que deverá gerar informações ainda mais deta­lhadas de propagação nas regiões costeiras - primeiro do litoral norte paulista e depois de toda a costa bra­sileira. Um trabalho que deverá con­tribuir ainda mais para evitar aci­dentes e abrirá novos campos de utilização - como facilitar a atraca­ção de navios e até ajudar surfistas a escolher a praia. •

Além da experiência e da bravu­ra dos navegantes, foram as velas la­tinas idealizadas pelos sábios da Es­cola de Sagres que ajudaram os aventureiros a atravessar o mar, diz lnnocentini. "As velas latinas eram panos triangulares, capazes de im­pulsionar os navios em direção per­pendicular ao vento. Dessa forma os navegantes tinham condições de vencer os alísios de nordeste que impediam o retorno a Portugal."

Ele lembra ainda que os astrô­nomos e matemáticos da Escola de Sagres desenvolveram tabelas com a declinação dos astros, bem como eficientes instrumentos de navega­ção, como o astrolábio e a balesti­lha, usados para medir a posição dos astros e determinar a posição da embarcação. E conclui: "Todo esse desenvolvimento ocorreu devi-do à necessidade de novas técnicas, pois as então conhecidas foram de­senvolvidas para navegar no Medi­terrâneo e eram inadequadas para o Atlântico" - o Mar Tenebroso, como era chamado na época.

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • SS

Page 56: Aviso aos navegantes

TECNOLOGIA

INFORMÁTICA

Cartórios no mundo digital Projeto do PIPE resulta em software para registro e organização de papéis

U m programa inédito capaz de ser utilizado em qualquer

computador promete um futuro melhor para os setores que traba­lham com o arquivo de documentos como cartórios, órgãos públicos e câmaras municipais, por exemplo. O aplicativo vai automatizar boa parte do até então dispendioso e compli­cado processo de arquivamento, or­ganização e atualização de certidões, processos, atas e outros tipos de pa­péis documentais que contam a his­tória e registram a vida dos cidadãos, das empresas e do poder público. A partir de um scanner, o novo progra­ma vai registrar os papéis, principal­mente aqueles antigos feitos com máquinas de escrever, e colocá-los na tela de um computador que tenha a bem disseminada base Windows, da Microsoft.

Pertencente à família dos reco­nhecedores automáticos de caracte­res, conhecidos pela sigla OCR, do inglês Optical Character Recognition, o novo software está sendo prepara­do pela empresa paulistana Carta Consultaria por meio de um projeto do Programa Inovação Tecnológica em Pequena Empresa (PIPE) da FA­PESP. Num primeiro momento, a versão que deverá chegar até o final do ano ao mercado será dedicada às funções de um cartório. Esses esta­belecimentos são importantes emis­sores e depositários de certidões e es­crituras e recebem por dia muitas solicitações de informações. Só na cidade de São Paulo, os cartórios re­alizam uma média de 7 mil buscas de

56 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

documentos durante todos os dias. Ao final do mês, são 140 mil consul­tas. Uma situação que ainda não conta com ferramentas eficazes para a busca de arquivos em sistemas de computação.

Substituir documentos - Para se ter uma idéia do que representa o avan­ço do novo programa, bem mais es­pecializado que os seus congêneres, o conteúdo de várias salas com papéis poderia ficar empilhado num pu­nhado de disquetes. É um parâmetro ainda difícil de ser atendido, porque o programa de OCR da Carta Consul­taria não pretende, de forma alguma, substituir todos esses documentos. Legalmente, isso ainda não é possível. Cabe-lhe ordenar e facilitar o acesso a todos esses papéis, tanto por parte do funcionário da repartição, quanto na disponibilidade de um serviço me­lhor ao público. Dessa forma, docu­mentos de papel que circulam nesses locais poderão ser rapidamente transformados em documentos digitais.

Sakamoto, gerente de projetos da Carta. A empresa é uma consultaria de sistemas computacionais, princi­palmente nas áreas de documenta­ção, geoprocessamento e mapeamen­to. Durante a fase de elaboração do software, a Carta teve a colaboração importante, na forma de consultaria, do Instituto de Matemática e Estatís­tica da Universidade de São Paulo (IME-USP), por meio do departa­mento de Ciência da Computação. "Munido das informações repassadas pelo pessoal do IME, que incluíam um protótipo e indicavam a possibi­lidade técnica real para o produto, par­timos para os estudos de pesquisa de mercado, definindo a viabilidade tam­bém financeira para o lançamento de um novo software': conta Sakamoto.

Primeiro alvo- A prospecção de mer­cado permitiu identificar que os do­cumentos armazenados em cartório

o o o

mereCiam ser o pnme1ro acervo a ter uma versão para o produto. Mes­mo que recentemente esses estabele­

cimentos já possuam as vanta-O desenvolvi­

mento do produ­to teve a coorde­nação de Felício

~ gens do arquivo digital, a maior Wil'í- :..1 parte dos docu-

mentos perma-nece armazena-

~-• • ... •

Page 57: Aviso aos navegantes

da em livros típicos. E to­da vez que se exige uma alteração no conteúdo, por exemplo, é preciso refazer todo o documen­to. "É um trabalho de re­digitação muito grande", justifica Sakamoto. Mas por que dedicar-se a um produto específico, se já existiam poderosos pro-gramas OCR comerciais? "Consultamos alguns res-ponsáveis de cartórios so-

CARTA CONSULTOR!

bre os produtos disponí­veis no mercado e eles afirmaram que o desem­

Sakamoto:"Nossa inovação é a pré-seleção do documento"

Impressão antiga - Ao tra­tar-se de documentos an­tigos, entretanto, a histó­ria muda. Com todos os seus borrões, carimbos manchas e a típica impre­cisão gráfica das antigas máquinas de escrever, até mesmo os programas OCR comerciais mais ga­baritados não conseguem uma eficácia satisfatória. "Fizemos alguns testes com documentos recentes já digitalizados e o melhor dos softwares existentes atingiu 90% e o nosso

penho desses produtos é fraco, por isso desistiram de usá -los."

Tipos de papéis - A inovação do siste­ma OCR da Carta é a especialização, porque os OCRs comuns não permi­tem uma pré-seleção da estrutura de documentos. "Escolhemos algumas categorias de papéis e, assim, ganha­mos no desempenho': explica Routo Terada, professor de Ciência da Com­putação da USP e um dos principais consultores envolvidos com o projeto.

O novo programa, portanto, co­meçou a ser desenvolvido partindo dos problemas existentes no merca­do a ser atingido. "Aproveitamos a experiência do IME e desenvolvemos uma ferramenta bem mais versátil", explica Junior Barrera, pro­fessor do IME-USP.

A etapa a seguir exigiria um longo e paciente processo de programação e de testes que, por fim, tomaria qua­se 80% de todo o período dedicado ao projeto iniciado em 1997.

Conceitos digitais- Do ponto de vista técnico, existem diversas maneiras de um programa de computador fazer a transformação das imagens, captadas pelo scanner, em caracteres de texto. Na prática, basta entender que os conceitos matemáticos e de geome­tria, seguidos depois por regras de esta­tística, são utilizados, neste caso espe­cífico, para mapear e trabalhar sobre cada pequenino trecho dos documep­tos pré-digitalizados. Para a funcio-

nalidade do computador, qual­quer imagem não passa de um

acúmulo seqüencial de números.

98%. Num segundo documento, mais antigo e gerado por máquina de escrever, o índice do programa co­mercial era muito ruim, cerca de 60%, enquanto o nosso chegou aos 90%", conta Sakamoto, satisfeito.

Na reta final da preparação do programa, a Carta faz os últimos acertos técnicos e dedica-se ao traba­lho de marketing e de formatação do produto destinado aos cartórios. Os técnicos acham difícil calcular núme­ros sobre possíveis vendas e o fatura­mento previsto. Mas pode-se estimar facilmente o seu potencial de utilida­de. Dentro de um universo de 5 mil municípios em todo o país, é correto imaginar que exista pelo menos um cartório em cada uma dessas locali­dades. Um mercado carente de ino­vações eficazes para o arquivo e a or­ganização de documentos. •

O PROJETO

Aplicação de Aprendizagem por Computador e Morfologia Matemática em OCR de Documentos

MODALIDADE

Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE)

COORDENADOR

fEUCIO 5AKAMOTO - Carta

INVESTIMENTO

R$ 75.000,00

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 57

Page 58: Aviso aos navegantes

TECNOLOGIA

CONSTRUÇÃO CIVIL

À prova de tempo ruim

Cem anos - Suas pesquisas produzi­ram indagações que deram forma ao projeto. Juntando os dados teóri­cos do assunto, Martinez imaginou reunir alumínio às resinas conheci­das para uso em impermeabiliza­ção. Ele buscava um material metá­lico resistente à corrosão aliado a uma característica familiar aos en­genheiros, a de adesão viscoplástica - capacidade de os materiais per­manecerem ligados mesmo em con­dições adversas.

Novo impermeabilizante reúne resíduos de estireno e aparas de alumínio

Aconstrução civil ganha um novo tipo de impermeabili­

zante. O produto leva o nome de resina-compósito e é formado por dois tipos de resíduos industriais. O primeiro é originário da produ­ção do estireno- um produto quí­mico utilizado na indústria de plástico e já presente em resinas para a construção civil. O outro é uma apara de folha de alumínio, material usado na parede interna dos cabos telefônicos junto com um revestimento de plástico. A for­mulação do novo produto e os tes­tes que aprovaram a ação imper­meabilizante foram realizados em um projeto do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) financiado pela FAPESP. O estudo conjunto foi realizado entre a Es­cola de Engenharia de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP) e a empresa Athena Engenharia da mesma cidade.

Coordenado pelo professor Fazal Hussain Chaudhry, do Departamen­to de Hidráulica da EESC, o projeto chega ao final e espera a confirmação dos pedidos de patentes realizados no Brasil e nos Estados Unidos com a in­termediação técnica e financeira do Núcleo de Patentes e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP.

Consertos demais - A concepção do produto nasceu da experiência do engenheiro Celso Martinez Junior, dono da Athena. Formado em enge­nharia civil na USP, em 1980, ele concluiu mestrado em 1986 e vol-

58 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

tou-se para a aplicação de novos materiais em impermeabilização, preocupado com a freqüente neces­sidade de reparos em estruturas: "Sempre me incomodou o fato de que boa parte das estruturas imper­meabilizadas, nas construções civis, sofria de uma crônica de faz-e-refaz, sem uma solução definitiva".

Com o surgimento do PITE, Martinez procurou Chaudhry, seu

O passo seguinte foi decisivo. Martinez conversou com o profes­sor José Alexandrino de Sousa, da área de estudos de polímeros da Universidade Federal de São Carlos

Apl icação em duas etapas, primeiro a camada de estireno e depois a lâmina de alumínio

antigo professor na USP, para ver se conseguia transformar uma idéia em produto. "Na verdade, a idéia é antiga - descobrir um meio de rea­proveitar resíduos industriais-, mas eu pensava em gerar um novo sistema para coberturas, nem pensava em novos produtos", conta Martinez.

Por estudar processos de imper­meabilização, Martinez sabia que os produtos usados no mercado precisavam ser melhorados. "Os re­sultados analisados não correspon­diam às exigências técnicas e era preciso usar algum outro material para tornar o produto mais eficien­te", lembra o engenheiro.

(UFSCar), que indicou um gerente de uma empresa produtora de alu­mínio (nome mantido em segredo). Foi assim que ele teve acesso a um compósito especial - a lâmina de alumínio revestida de plástico que tem na durabilidade sua principal característica. "Nós estamos usando as aparas desse alumínio por apre­sentar uma vida útil de uns cem anos", explica.

Camada de resina - A etapa seguinte foi testar o compósito. De forma ru­dimentar, usando um maçarico, Martinez soldou duas metades de uma lâmina de compósito para mol-

Page 59: Aviso aos navegantes

dar um sistema de impermeabiliza­ção junto com uma camada de resina de estireno (disponível no mercado) aplicada sobre uma pequena placa de concreto. Ele deixou este teste piloto exposto a intempéries e começou a estudar os resultados. Constatou que, apesar da construção rudimentar, a peça teve a estrutura preservada: "Não houve descolamento do com­pósito e os raios ultravioleta não conseguiram arruinar a camada de polímero na emenda das duas meta­des, conservando a integridade da impermeabilização':

Testes exaustivos -Com a ajuda de Chaudhry, começou a nova etapa do trabalho. O primeiro grande teste foi a co­bertura de um corre­dor do Departamento de Engenharia Civil da própria UFSCar. Com os recursos obtidos da FAPESP, Martinez e Chaudhry puseram em ação um soprador térmico capaz de emi­tir ar a 500°C, o sufici­ente para amolecer o plástico e promover a junção das mantas de compósito sem danifi­car a essência - a fatia de alumínio presente

O PROJETO

Avaliação da Reciclagem de Resíduos Industriais Derivados da Síntese do Estireno, da Alumina e do Alumínio Metálico com Vistas à sua Aplicação na Proteção de Coberturas de Construções Civis

MODALIDADE

Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE)

COORDENADOR

FAZAL HUSSAIN (HAUDHRY -

Departamento de Hidráulica da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP

INVESTIMENTO

RS 16.025,00 e US$ 399,00

resultados anteriores foram confir­mados", relata Chaudhry.

Para comprovar a eficiência do novo produto em relação a impac­tos, os corpos-de-prova foram sub­metidos, segundo os padrões con­vencionais, a choques causados por um tubo cilíndrico de 2,5 kg lança­do de 1,10 m de altura. "Então constatamos que, além de funcio­nar bem naquilo que deveria ser sua função básica, a vedação, o con­junto resina-compósito mostrou ser resistente e durável", afirma Martinez.

Sucesso em obras - O novo proces­so já foi usado em várias obras na

cidade de São Carlos. "Os resultados estão disponíveis. Nenhum problema ocorreu nas aplicações realizadas por técnicos da Athe­na. Uma das obras é uma laje de 440 m2 que recebeu uma ca­mada de argila ex­pandida para confe­rir proteção térmica ao conjunto", explica Martinez.

Para Chaudhry,

no interior da lâmina. Martinez:"Melhoramos o estireno Também fizeram uti lizado na impermeabilização"

Chaud hry: a apara de alu mínio tem boa ca pacidade de aderência

além das vantagens técnicas, o novo mate­rial tem o mérito de envolver controle am­biental, ao promover a reciclagem de mate­corpos-de-prova (amos-

tras) para testes nos laboratórios do (DEMa) Departamento de Enge­nharia de Materiais da UFSCar, sob supervisão do professor Elias Hage Junior. Nos primeiros testes, produ­ziram-se simulações para três condi­ções ambientais -luz, calor e chuva­feitas por meio de equipamento pro­vido de uma lâmpada de xenônio, para simular radiação solar, e de as­persão de água. Desse modo, foram simuladas condições de envelheci­mento equivalentes a cinco anos. De­pois, Martinez e Chaudhry rompiam os corpos-de-provas e analisavam as modificações ocorridas no material.

"Os resultados foram muito bons. Nenhuma emenda - o ponto mais crítico no material - se rom-peu", diz Martinez. Ainda era o iní­cio. Desenvolveu-se outro conjunto de corpos-de-prova destinado a uma nova série de testes, agora para simular condições de um dia de ve­rão com sol intenso e em seguida chuva, o que foi feito com jatos de ar quente a 75°C por um minuto e meio, seguidos de jatos d'água a 25°C por seis segundos. "Fizemos testes equivalentes a cinco anos de exposição e de novo, não encontra­mos nenhum problema: todos os

riais (aparas de alumínio e resíduos de estireno) que normalmente são incinerados e acabam deixando o ar poluído.

Enquanto esperam a confir­mação das patentes, Martinez e Chaudhry trabalham para tornar viável a nova tecnologia. "Estamos trabalhando em duas frentes: uma comercial, para definir estratégias de mercado, outra para tornar a idéia operacional." Para isso, bus­cam financiamento para comprar equipamentos e construir uma fá­brica modelo de onde sairá o novo impermeabilizante. •

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 59

Page 60: Aviso aos navegantes

TECNOLOGIA

BIOMATERIAIS

Tratamento com qualidade Método desenvolvido na Unesp garante implantes dentários mais eficientes

U m processo inédito para trata­mento da superfície do titânio

que serve de matéria-prima para im­plantes dentários ganhou inovações importantes no Instituto de Química (IQ) da Universidade Estadual Pau­lista (Unesp) no campus de Araraquara. A nova técnica, mantida em segredo por es­tar em fase de patenteamen­to, garante uma melhor in­tegração entre o implante e o osso. Ela vai permitir aos fabricantes dos pinos que sustentam o dente implanta­do um adicional de qualida­de nos seus produtos.

Sob a coordenação do professor Antônio Carlos

ção de ossos, há pelo menos 20 anos. Para aprofundar o conhecimento desse material na área odontológica, Guastaldi teve como base o projeto de auxílio à pesquisa financiado pela FAPESP Estudo das Propriedades Me­cânicas e de Corrosão do Titânio e das suas Ligas Aplicadas como Biomateri­al e a colaboração de vários projetos de mestrado e doutorado.

As pesquisas partem da princi­pal característica do titânio, que é ser um material muito reativo em presença de oxigénio e portanto ca-

O grande desafio dos pesquisado­res da Unesp-Araraquara é desenvol­ver um processo que permita a alte­ração das características da camada oxidada. O objetivo é ter uma respos­ta mais adequada dos implantes e das próteses aos requisitos essenciais para um bom uso como biomaterial: ser biocompatível e biofuncional, ter bioadesão e preço compatível com a realidade brasileira.

Ligação sintética - "A nossa preocu­pação é promover uma mudança na superfície do titânio tornando-o um suporte apropriado, com área específica para se depositar a hidro­xiapatita, um material sintético se­melhante à parte inorgânica do osso, que faz a ligação entre o im-

Guastaldi, as pesquisas co- Pino de titânio aumentado 35 vezes Detalhe do pino ainda sem revestimento meçaram há quatro anos, acompanhando o desen­volvimento do uso do titâ­nio como biomaterial. Para Guastaldi, o biomaterial é definido como qualquer substância ou combinação de substâncias que não se­jam drogas ou fármacos, de origem natural ou sintética. Eles são usados por qual­quer período de tempo, co-mo parte ou sistema com- Implante revestido com hidroxiapatita Detalhe do implante aumentado 2 mil vezes pleto, na substituição de tecidos, órgãos ou funções do corpo. Para que a coexistência não desen­cadeie reações adversas ou incontro­láveis nos sistemas biológicos, o ma­terial estranho ao corpo humano deve ser biocompatível.

O titânio já é usado como bio­material na ortopedia, na substitui-

60 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

paz de oxidar-se rapidamente. Com isso, na superfície do metal forma­se um óxido, com grande estabili­dade termodinâmica, que dificulta as reações químicas posteriores. Mesmo assim o titânio é usado com sucesso para aplicação como bio­material.

plante e o osso, fenômeno este de­nominado osseointegração", explica Guastaldi.

"As nossas pesquisas direcio­nam-se por um caminho completa­mente diferente do que é realizado no resto do mundo", diz ele, acres­centando apenas que o segredo da

Page 61: Aviso aos navegantes

técnica está em promover mutações sutis na superfície do titânio.

Mesmo as soluções mais moder­nas têm limitações. ''A olho nu, os implantes dentários parecem perfei­tos': diz Guastaldi. "Mas quando sub­metidos aos sistemas eletrónicos de análise, como a microscopia eletróni­ca de varredura com ampliações de 35 a 10 mil vezes, constatam-se im­perfeições na superfície dos materiais utilizados que poderão comprometer a tão desejada osseointegração."

Uma das conseqüências é a aber­tura de frestas milimétricas nas peças implantadas. Nessas frestas, as subs­tâncias existentes na saliva favorecem o crescimento de uma placa bacteria­na, responsável pela corrosão indu­zida por microrganismos, compro­metendo dessa forma o desempenho do biomaterial implantado.

Para dar conta desses desafios necessita-se do conhecimento de química básica e química de mate­riais. Com essas preocupações e ne­cessidades, Guastaldi formou uma equipe, chamada de Grupo de Bio­materiais, que inclui químicos, den­tistas, farmacêuticos, engenheiros de materiais e matemáticos.

Estudo pioneiro - O primeiro estudo de titânio no Grupo de Biomateriais foi do químico Ivan Ramires com sua tese de doutorado Estudo dos Mecanismos de Corrosão Empregan­do-se Espectroscopia de Impedância Eletroquímica dos Biomateriais: Ti­tânio e Ligas Metálicas à Base de Ti­tânio, que teve bolsa da FAPESP. Ele

O PROJETO

Estudo das Propriedades Mecânicas e de Corrosão do Titânio e das suas Ligas Aplicadas como Biomaterial

MODALIDADE

Auxílio a projeto de pesquisa

COORDENADOR

ANTÓNIO CARLOS GUASTALDI- Instituto de Química da Unesp-Araraquara

INVESTIMENTO

R$ 1 3.1 73,27 e US$ 34.475,00

Guastaldi: superfície inovadora

investiga, com o auxílio do matemá­tico Jorge Capela, os mecanismos de corrosão e os tipos de filmes for­mados na superfície do material, quando estes estão em contato com meios que simulam a agressividade da saliva.

A química Luci Cristina de Oli­veira estuda em sua tese de douto­rado Modificação da Superfície do Titânio e da Liga Ti-6Al-4V para Im­plantes Dentários, também com bol­sa da FAPESP, a modificação da su­perfície dos materiais, com posterior incorporação de fosfato de cálcio que pode formar a hidroxiapatita, responsável pela osseointegração.

Técnica de plasma - Outro químico, Anselmo Colombo de Alencar, ini­ciou em 1998 seu doutoramento com o tema Estudo das Modificaçõ­es na Superfície do Ti c.p. - Titânio Comercialmente Puro e da Liga Ti-6Al-4V Usados como Biomateriais Utilizando-se Deposição por Plas­ma Spray, com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Ci­entífico e Tecnológico (CNPq). Ele utilizou a técnica de plasma spray que é uma das formas usadas para o recobrimento de implantes metáli­cos com gases ionizados por meio de aspersão térmica.

Nessa técnica, o pó do metal que se deseja depositar no material a ser tratado é aspergido junto com uma chama de plasma (o quarto estado da matéria) por meio de uma pisto­la de alta temperatura e impulsiona­do pelo gás argónio que é inerte. As­sim, o pó metálico é direcionado e fundido na superfície do titânio. O resultado é aumento da durabilida­de do revestimento e a melhora da biocompatibilidade.

O problema, em todos os casos, é a instabilidade ou a pouca longevi­dade do processo de aderência dos depósitos de metal. "Com isso", ex­plica ele, "as peças do implante e os depósitos apresentam propriedades mecânicas diferentes e conseqüente­mente trabalham com módulos de elasticidade diferentes: ou seja, em vez de atuarem em movimento har­mónico, reagem de modo antagóni­co durante os movimentos de mas­tigação, levando o implante ao o " msucesso.

Interesse empresarial - A equipe de Guastaldi espera finalizar os testes dos novos implantes de titânio ao longo deste semestre. "Pode ser que demore até mais, mas vamos tomar todos os cuidados para que a desco­berta tenha aplicação prática de for­ma rápida", diz.

Guastaldi informa também que a empresa brasileira Conexão Siste­mas de Prótese, fabricante de mate­rial para implantes dentários, está interagindo com o Grupo de Bio­materiais e tem grande interesse nos resultados comentados pelos pes­quisadores. Depois de ter o método completamente testado e a patente registrada no Brasil e em outros países, processo que terá o apoio da FAPESP, os pesquisadores da Unesp devem negociar o repasse da tecno­logia para a Conexão. A empresa tem grande interesse em fabricar pe­ças para implantes que proporcio­nem maior segurança e qualidade. Se tudo der certo, novos pinos den­tários estarão no mercado odonto­lógico em 2002. •

PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2001 • 61

Page 62: Aviso aos navegantes

HUMANIDADES

H ISTO RIA

Em busca do pensamento perdido

Pesquisa recupera evolução das idéias científicas de Portugal e do Brasil

Como se articulava o pensa­mento científico e técnico

português e brasileiro na época do Renascimento? Com a dificuldade de encontrar referências para pes­quisa no período, em 1989, o profes­sor Roberto de Andrade Martins, do Grupo de História e Teoria da Ciência, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), decidiu fazer um levantamento sobre o as­sunto. Curiosamente, deparou com um farto material e, em 1991, come­çou a desenvolver uma base de da-

62 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

dos informatizada. Trata-se do gi­gantesco projeto Lusodat, que conta com o apoio da Fundação de Ampa­ro à Pesquisa do Estado de São Pau­lo (FAPESP), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( CNPq) do Brasil e também da Commission on Biblio­graphy and Documentation of the In­ternational Union of History and Philosophy of Science.

"O projeto começou pouco am­bicioso", admite o pesquisador. "Eu achava inicialmente que haveria me­nos de mil livros científicos publica­dos em Portugal e no Brasil ante­riores a 1822 e o projeto, em um primeiro momento, iria apenas até a Independência do Brasil", explica. "Desse período existem, na verdade, 7 mil livros", revela. Para sua surpre-

sa, até agora o pesquisador e sua equipe de seis pessoas já registraram mais de 80 mil itens, em um período de pesquisa que foi ampliado do Re­nascimento para 1900. O trabalho ainda não está concluído e, segundo os cálculos de Martins, poderá ser finalizado com a catalogação de mais de 100 mil publicações que, posteriormente, serão colocadas à disposição pela Internet.

"O motivo básico da pesquisa foi estudar as raízes científicas e técni­cas do país", conta Martins. "Obvia­mente, precisávamos incluir a histó­ria da ciência e técnica de Portugal." O pesquisador observa que, ao con­trário dos países mais desenvolvi­dos, no Brasil e em Portugal há uma lacuna quando se trata de saber que gênero de informações científicas

Page 63: Aviso aos navegantes

circulava naquele rico período his­tórico.

"É bastante fácil descobrir o que se publicou nas revistas dos países mais desenvolvidos no século 19 sobre qualquer tema da física, por exemplo, utilizando os elementos bibliográfi­cos existentes", observa ele. "Mas, sal­vo algumas poucas exceções, as publi­cações portuguesas ou brasileiras não estão presentes", completa.

forma, dá para se acompanhar o processo histórico dos dois países", observa o pesquisador. "Permite ainda a compreensão dos fatores econômicos, sociais, políticos, que influenciaram o desenvolvimento científico e técnico", explica ele.

Foi a partir de então que o perío­do de pesquisa foi ampliado até 1900. Acrescente-se aos 7 mil livros, publicados do século 15 até 1822,

terminam o grau de publicações re­lacionadas com o período histórico que se vivia", diz o pesquisador. "Em torno de 1760, por exemplo, com a reforma pombalina e a expulsão dos jesuítas, em Portugal, mudou o sis­tema educacional", conta. "Pouco depois, foi criada a Academia das Ciências de Lisboa, e a produção científica cresceu como nunca", conclui ele. "Já no Brasil, se obser-

varmos o período da procla­mação da República verifica-Pesquisa ampla - O levanta­

mento feito por essa equipe da Unicamp é amplo. São do­cumentos primários e secun­dários sobre todos os assuntos científicos- da medicina, quí­mica e zoologia à farmácia, veterinária, antropologia, as­tronomia, navegação e artes militares, só para citar alguns. Eles procuram apenas os tra­balhos de autores portugueses e brasileiros, inéditos ou publi­cados em qualquer país e idio­ma. Ficaram de fora obras es­trangeiras sobre Portugal e Brasil e referências sobre lite­ratura de ficção, obras jurídi­cas, religiosas e discursos. Há, no entanto, uma exceção entre os textos religiosos. Trata-se da tradução do Evangelho feita pelos portugueses para o chi­nês e para o japonês, no século 16. "Ela determina o domínio lingüístico dos portugueses daquela época e entra no gêne­ro filologia", explica Roberto de Andrade Martins.

I G mos, claramente, uma queda ~~~~~---===~================~==~ de 30o/o na produção, que

Geografia do passado: ciência ligada ao histórico

Se, inicialmente, a pesquisa In­

cluiu apenas livros impressos até 1822, a partir de 1993 a abrangên­cia do levantamento foi ampliada, incluindo bibliografia secundária, manuscritos do período, mapas, fo­lhetos e teses, artigos de periódicos e dados biográficos sobre os autores das obras incluídas no banco de da­dos, entre outras.

A partir de 1994, ampliou-se ainda mais a pesquisa, que passou a conter informações históricas e uma cronologia sobre o período. "Dessa

mapas, manuscritos e artigos de re­vistas e as referências sobre aquele período sobem para 20 mil itens. "De 1823 a 1900 devem existir uns 70 mil itens e outros 10 mil com in­formações biográficas, literatura se­cundária, dados históricos, entre outros", calcula o pesquisador. Isso explica por que eles não prossegui­rão a pesquisa pelo século 20 aden­tro. "A partir daí explode o número de obras publicadas e seria um tra­balho insano", lamenta.

"Encontramos fases interessan­tes da produção científica que de-

ainda não conseguimos ex­plicar", compara Martins.

Falta de estudos globais- Esse trabalho é inédito e facilita­rá, com certeza, a vida dos pesquisadores sobre qualquer um dos gêneros catalogados. Até então, no Brasil, existiam poucos estudos e, normal­mente, sobre assuntos especí­ficos. Há os antigos estudos globais editados por Fernan­do de Azevedo e por Mário Guimarães Ferri e Shozo Mo­toyama, por exemplo. Mais recentemente, os grupos de História da Universidade de São Paulo (USP) e de Geoci­ências da Unicamp realiza­ram estudos sobre o desen­volvimento de algumas instituições importantes no século 19. Também há estu­dos sobre a química nos sécu-

los 18 e 19 e sobre a história da ma­temática. A Casa de Oswaldo Cruz tem realizado um trabalho de pes­quisa de fontes de medicina. O Mu­seu de Astronomia e Ciências Afins realizou levantamento de arquivos no Rio de Janeiro. "Mas cada um procura coletar informações para seus estudos específicos, sem fazer um levantamento sistemático das fontes de pesquisa disponíveis", ob­serva Martins. "Até agora não havia sido planejada, no Brasil, uma pes­quisa tão abrangente quanto a desse projeto", completa o professor.

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 63

Page 64: Aviso aos navegantes

O pesquisador in­forma que em Portu­gal a situação não é muito diferente, em­bora exista uma tradi­ção mais longa de es­tudos sobre a história das ciências e das téc­nicas. ''Apesar de bons estudos sobre temas es­pecíficos ou personali­dades mais conheci­das, nunca foi possível ter uma visão global da produção do gêne­ro naquele país", com­pleta ele.

ça Philosophica Contra a Opinião do Vulgo: Que a Natureza Não Faz o Homem Senão a Indústria. De João Cointha, foi impresso em Lisboa em 1566.

Não é tarefa fácil Martins: desejo de revelar as raízes cient íficas e técnicas do país

"É uma obra filo­sófica de autor francês (Jean Cointhe), mas traduzida para o por­tuguês e publicada em Portugal, por isso foi incluída no nosso pro­jeto", esclarece Mar­tins. A Biblioteca do Rio possui três exem­plares dessa obra- um deles, da Real Biblio­pesquisar, juntar e or-

ganizar esses milhares de referên­cias bibliográficas. O trabalho da equipe da Unicamp consiste em buscar informações tanto em obras de referência impressas (como bi­bliografias, catálogos, estudos his­tóricos) quanto na consulta direta a bibliotecas e arquivos. Primeiro, eles usam obras encontradas por meio de bibliografias de bibliogra­fias, pela consulta de fichários de bibliotecas ou por meio de citações achadas em outras obras. Depois, procuram cada um dos itens seleci­onados no banco de dados para ve­rificar se já não fora registrado. "Se já existir, acrescentamos as novas informações", diz ele. Caso contrá­rio, é criado um novo registro e as informações são digitadas.

Material precário- Dificuldade maior, no entanto, é manusear todo esse material, dado o estado precário em que se encontram as bibliotecas do país. Andrade Martins lembra, por exemplo, que a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro guarda um ver­dadeiro tesouro histórico. "A insti­tuição recebeu todo o acervo da fa­mília real portuguesa", observa o pesquisador. "Mas há muito mate­rial deteriorado, atacado por insetos e cupins", avisa Martins.

Os pesquisadores da Unicamp não se deslocam até Portugal para

64 · MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

consultar seus arquivos - o traba­lho é feito por meio da análise dos catálogos da instituição. Mas Mar­tins conta que, no fim do século 19, na Biblioteca Nacional de Lis­boa foi feito um inventário de todo o acervo. "Nós dispomos de cópia desse material, é ainda a melhor fonte de informações sobre o acer­vo antigo da Biblioteca Nacional de Lisboa", conta ele. "As bibliote­cas de Portugal, incluindo a Nacio­nal, estão informatizando tudo, mas começando pelas obras que vão sendo adquiridas", afirm~ o professor.

Ainda assim, Andrade Martins encontrou algumas preciosidades na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro que não parecem existir em Portugal. Uma das apontadas pelo pesquisador é Paradoxo ou Senten-

O PROJETO

Projeto Lusodat

MODALIDADE

Auxílio a projeto de pesquisa

COORDENADOR

ROBERTO DE A NDRADE M ARTINS -

Grupo de História e Teoria da Ciência, da Unicamp

INVESTIMENTO

R$ 19.665,00

theca, foi trazido ao Brasil quando a famíla real portuguesa fugiu para o país em 1808. Além desses exempla­res, de acordo com o pesquisador, sabe-se que há outro na Universida­de de Harvard.

Outra obra daquela biblioteca que merece citação, segundo Mar­tins, é De Regimine Cibi At que Po­tus, et de Caeterarum Rerum Non Naturalium Usu Nova Enarratio (Nova Narrativa Sobre o Regime dos Alimentos e Bebidas, e do Uso de Ou­tras Coisas Não Naturais), de Henri­que Jorge Henriques, impresso em Salamanca (Espanha) em 1594 -vale observar que, na época, Portu­gal ainda se encontrava sob o domí­nio da coroa espanhola.

"Essa é uma grande obra médi­ca (444 páginas), de autor portu­guês, muito rara", observa. Os exemplos citados pelo pesquisador são das mais importantes obras en­contradas na pesquisa do século 16. "Mas poderiam ser citados mais exemplos, como as teses filosóficas do século 18, colecionadas por Dio­go Barbosa-Machado, muitas das quais só existem no Rio", ressalta ele. Pelos cálculos de Martins, com a inclusão de todo o material pes­quisado na Internet, o projeto só será encerrado em 2005. Informa­ções sobre o Lusodat: www.ifi.uni­camp.br/-ghtc/datab.htm •

Page 65: Aviso aos navegantes

HUMANIDADES

LITERATURA

As armadilhas para o real Estudos analisam como são relações sociais nas obras de Clarice Lispector

Os textos de Clarice Lispector ( 1920-1977) são material vas­

to para deleite tanto de formalistas quanto de conteudistas, mas a recep­ção crítica, via de regra, tem preferi­do analisar a forma aos aspectos sociais. Na contramão dessa linha, estão as teses de douto­rado de Luiz Antonio Magalhães, Lugar-co­mum e Percepção em Clarice Lispector, e de Maria Angela Bacellar, Clarice Lispector e as Fi­gurações da Mulher -projetas financiados pela FAPESP.

e elaborar um roteiro de longa-me­tragem que privilegie a enunciação é o desafio de Maria Angela Bacellar, pesquisadora da área de cinema na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA­USP). "O narrador clariciano é de ex­trema modernidade e consciência, desprezar esse aspecto no cinema é negar uma parte significativa da re­volução da escritora", observa.

O primeiro desafio dos dois pes-

ali, fez referências a outros textos, como os de Felicidade Clandestina, Onde Estiveste de Noite?, A Hora da Estrela, A Paixão Segundo G.H. e as crônicas de A Descoberta do Mundo. "O lar é o local onde se enraíza o ha­bitual, o costumeiro, como mostra Clarice. É o ambiente do sabido, do previsível, em que estão dispostos objetos que somem aos nossos olhos, porque habituados, já cegos de tanto vê-los. Mas eis que surge a

Se a obra toda de Clarice é um "romance de educação existencial" (termos do crítico Alfre­do Bosi), e a palavra é importante para com­preender os seus com­plexos e abstratos escri­tos, isso não é tudo. "O estudo das relações so­ciais não foi totalmente explorado pela crítica. A antropologia, a sociolo­gia e a história são fun­damentais para enfren­

Clarice Lispector: donas de casa rebeldes em romances de crítica social sutil e oculta

tar o desafio interpretativo de uma obra tão rica como a de Clarice", ex­plica Magalhães, pesquisador de teo­ria literária da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Na obra de Clarice, donas de casa vivem os seus momentos de rebeldia, epifania. Observar essas personagens

quisadores foi selecionar o corpus do trabalho. Clarice deixou uma vasta obra, que abrange de romances, con­tos e crônicas a livros infantis. Ma­galhães resolveu expandir sua pes­quisa para além do volume de contos Laços de Família. Ele analisou o ro­mance A Maçã no Escuro, mas, aqui e

literatura para provar que pedra é pedra e reinventar a vida", alerta.

Em A Hora da Estrela, livro pu­blicado em 1977, temos a protago­nista Macabéa. A carência da perso­nagem é total: ela é descrita como feia; não é branca, nem preta, é par­dacenta; tuberculosa; nordestina vi-

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 65

Page 66: Aviso aos navegantes

vendo no Rio de Janeiro. Segundo o narrador, ela era "uma incompeten­te para a vida", "tão jovem e já com ferrugem". Macabéa reúne em si a pobreza econômica, física, intelec­tual. Esse contexto de miséria pare­ce um prato cheio para incentivar uma leitura social, mas essa é uma armadilha que Magalhães quer evi­tar. Os pesquisadores, Magalhães e Maria Angela, seguem os conselhos críticos do mestre Antonio Candi­do: o social não deve ser tomado de fora, exteriormente, mas como fator da própria construção artística.

"O proselitismo dogmático é la­mentável em qualquer esfera, so­bretudo na literatura, cuja função é filtrar os céus da poeira ideológica tanto quanto possível. Não descar­to a crítica feminista, que procura analisar a presença das figuras fe­mininas, tão marcantes na obra de Clarice. Mas, por vezes, concordo que há exageros", destaca Maga­lhães. "O trabalho de Olga de Sá, A Escritura de Clarice Lispector, já ob­servou os caminhos e descaminhos, entre outros, desse tipo de crítica da obra de Clarice Lispector", ob­serva Maria Angela.

Clarice no cinema - Para Magalhães, as adaptações cinematográficas da obra de Clarice se nortearam por um viés realista. Embora elogie a versão de A Hora da Estrela, pelas mãos de Suzana Amaral em razão das belas e sensíveis interpretações, Magalhães faz suas ressalvas. "É di­fícil não perceber o quanto a obra perde em complexidade e densida­de com a eliminação do narrador, Rodrigo SM, e de seu embate com a linguagem e a vida, com a lin­guagem como momento de vida e morte", analisa.

A pesquisadora Maria Angela Bacellar concorda com Luiz Antonio Magalhães quanto à simplificação do roteiro ao eliminar os questiona­mentos do narrador. "Ao não en­frentar a questão do narrador, faz-se uma opção por um cinema conven­cional, clássico até. E o cinema é, ou

66 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

deveria ser, o palco privilegiado para a concretização de alguns procedi­mentos narrativos da literatura mo­derna, como o fluxo de consciência", aponta. "Há pressões de mercado que impedem um tratamento alter­nativo da linguagem cinematográfi­ca. Perde-se muito com isso, porque Clarice é antes de tudo uma escrito­ra moderna, instigante. Desprezar

abandonando a família (Os Laços de Família) ou têm um final de heroí­nas trágicas (como ocorre com a protagonista de Os Obedientes).

Maria Angela já havia trabalhado com adaptações cinematográficas em sua dissertação de mestrado, A Chave - Uma Adaptação para o Ci­nema Baseado em Três Contos de Lygia Fagundes Telles, defendida em 1995, na ECA-USP. Mas sentia que o desafio maior era o de fazer uma tradução intersemiótica em uma obra mais complexa, como a de Cla­rice. Antes de entrar nos roteiros propriamente ditos, Maria Angela faz um estudo minucioso de algu­mas traduções intersemióticas da li­teratura para o cinema, tais como: A Hora da Estrela, de Suzana Amaral, O Corpo, de José Antonio Garcia, e Clandestina Felicidade, curta de Marcelo Gomes.

Seria possível dar conta dos movimentos internos das persona­gens somente através de recursos visuais? Para conseguir atingir esse

A jovem e enigmática escritora: suas personagens femininas vivem experiências-limite e são tidas pelos homens como loucas

esse aspecto é reduzir a sua ol:ira a um romance do século 19", observa Maria Angela.

Para preencher essa lacuna, Ma­ria Angela diz estar fazendo um ro­teiro de longa-metragem "à mar­gem do mercado e de qualquer tipo de convenção". No projeto, ela se propõe a fazer a roteirização de dez contos de Clarice Lispector que apresentam mulheres como prota­gonistas. O que une tantas histórias são os perfis femininos. Trata-se da figura da dona de casa que, subme­tida a um cotidiano medíocre e ba­nalizado, existencialmente se revela. Mulheres que vivem a experiência­limite e são tidas como loucas (é o caso de A Imitação da Rosa) que re­tornam à normalidade (Amor), rompem as convenções socw1s,

estado, a pesquisadora tem se ser­vido, sobretudo, das teorizações modernas do escritor e teórico Gé­rard Gennete e tem se inspirado em várias produções de Ingmar Bergman. "Seus filmes são cinema em estado puro", diz.

Mistérios de Clarice - A obsessão de Clarice pelo tema das relações fami­liares teria a ver com a sua própria experiência de vida, de raízes russas e judaicas, mas apaixonada pelo Nordeste brasileiro? "Escrever é pro­curar entender, reproduzir o irre­produzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador", aspecto de autoconhecimento, como definia a escritora em várias de suas crônicas.

Como atestam os biógrafos,

Page 67: Aviso aos navegantes

Clarice Lispector nasceu em Tchet­chelnik, Ucrânia (ex-URSS), em 1920. "Cidade tão insignificante, que não cabe no mapa", lembrava Clarice. Recém-nascida, veio para o Brasil com os pais, que se estabe­leceram no Recife. Em 1934, a fa­mília transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde Clarice fez o curso ginasial e os preparatórios. Já na época da Faculdade Nacio­nal de Direito da Universi­dade do Brasil, causa polê­mica com o seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem, recusado, na épo­ca, pela editora José Olym­pio. Publica-o, no ano se­guinte, pela editora A Noite e recebe o Prêmio Graça Aranha. Em 1944, vai com o marido para Nápoles, onde presta ajuda num hospital de soldados brasi­leiros que integravam a Força Expedicionária Bra­sileira. Voltando para o

"Ciarice Lispector, ao ana lisar o que estamos cegos de tanto ver,

porque habituados, reinventa a vida'~ diz Luiz Magalhães

OS PROJETOS

Lugar-comum e Percepção em Clarice Lispector

MODALIDADE Bolsa de doutorado

COORDENADOR LUIZ ANTONIO MAGALHÃES- Unicamp

INVESTIMENTOS RS 12.000,00

Clarice Lispector e as Figurações da Mulher

MODALIDADE Bolsa de doutorado

COORDENADOR MARIA ANGELA SILVA BACELLAR - ECA- USP

INVESTIMENTOS RS 12.000,00

Brasil, escreve O Lustre, publicado em 1946. Depois de longas estadas na Suíça e nos Estados Unidos, a escritora fixa-se no Rio até a sua morte.

Esse misto de lugares, origens religiosas, influências, a sofrida perda da mãe aos nove anos, as vi­agens pelo mundo com o marido diplomata, essa vida itinerante te-

ria relação com a obra em que· o tema da família aparece de manei­ra obsessiva? "Sem dúvida que sim. O movimento que talvez te­nha vindo do estruturalismo de riscar a presença do autor da obra já vem sendo revertido. O processo de entender o autor real também pode ajudar muito a compreender a obra em si, o que está dentro e em torno dela", fala.

Mas o pesquisador ressalta os pe­rigos dessa via-crúcis entre au­tor/vida/obra. O risco é cair no bio­grafismo, explicar a obra por fatos da vida do autor. "Coisas absurdas foram feitas no passado, como pro­por que a dicção ficcional de Ma­chado de Assis vinha da sua gaguei­ra ou a conclusão de que Augusto dos Anjos teria sido um assassino

em potencial para escrever o que es­creveu", explica.

No cinema, algumas adaptações têm corrido esse risco. Maria Angela Bacellar ressalta o filme de Marcelo Gomes, que mistura ficção e biografia. "Trata-se de uma livre adaptação do conto 'Felicidade Clandestina', onde se mesclam referências biográficas, ob­tidas sobretudo na recente biografia Clarice, Uma Vida que se Conta, de Nádia Batella Gotlib (1995)", explica.

A vida reinventada - Magalhães afir­ma que escrever algo novo sobre Clarice Lispector - uma das autoras mais estudadas de nossa literatura­é um desafio proporcional à obra. O crítico alerta para a necessidade de democratizar os textos de Clarice e relê-los sobre novos ângulos, sobre­tudo em tempos de globalização. "Uma obra rica, plural, como a de Clarice, tem sempre algo a render, porque engendra e dissemina senti­dos que permitem enorme gama de exploração. Servindo tanto para ler o desencantamento do processo de globalização hoje, quanto esse mun­do fundado num tipo de racionali­dade que recalca aspectos como a sensualidade e sensibilidade, contrá­rios à lógica", acredita.

No momento, Maria Angela Ba­cellar finaliza os roteiros. Teremos no­vas adaptações da obra de Clarice em breve no cinema? "Pretendo, antes de mais nada, terminar a tese e defender o trabalho. Não me importo com o que vier além disso. Já tenho tido uma re­cepção positiva em seminários e en­tre pesquisadores, que acham insti­gante a proposta de roteirizar textos da Clarice, mas tenho plena consci­ência de que estou na contramão do cinema de apelo comercial", explica.

Magalhães também redige a versão final da tese. Ele pretende publicar trechos do trabalho, no formato de artigos ou ensaios. E, mais do que isso, espera contribuir para "prolongar o máximo possível na inteligência e na sensibilidade dos que o lêem o im­pacto da obra de arte", o que consi­dera tarefa primeira do crítico. •

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 67

Page 68: Aviso aos navegantes

ANA FRANCISCA PONZ!O

O diálogo das artes entre Ocidente e Oriente Livro analisa influência de tradições cê nicas japonesas em nossa cultura

Em 1986, quando se apre­sentou no Brasil pela primeira vez, Kazuo

Ohno provocou grande im­pacto em espectadores e artis­tas da dança e do teatro. Mes­mo escapando à compreensão, o butô interpretado por um de seus mestres precursores passou a influenciar inúmeros criadores brasileiros, além de gerar igual quantidade de equívocos. Contudo, apesar das apropriações e interpretações superficiais, essa expressão japonesa aqui também ganhou estudio­sos, entre os quais Christine Greiner, que, hoje, de­tém um conhecimento singular sobre o assunto.

Desde 1998, quando publicou Butô, Pensa­mento em Evolução, resultante de sua tese de dou­torado em semiótica, Greiner dispôs-se a gerar uma bibliografia pioneira e referencial no Brasil. Com o recém-lançado O Teatro Nô e o Ocidente, a autora amplia as vias de acesso ao butô ao buscar nas tradições cênicas do Japão os germes de um processo evolutivo que se estende até hoje.

Em seu novo livro, Greiner se debruça sobre o diálogo entre Japão e Ocidente, procurando com­preender as influências que tal intercâmbio conti­nua a provocar na criação contemporânea. Num complexo jogo de encaixes, a autora tece confluên­cias a partir de uma obra emblemática: At the Hawk's Well ou O Poço da Mulher Falcão, como é geralmente traduzida a primeira peça de dança do dramaturgo irlandês William Butler Yeats, que em 1916 foi coreografada pelo japonês Mishio Ito. A escolha de tal eixo, segundo Greiner, deve-se às correspondências que o texto e a dança da obra de Yeats/Ito estabelecem com a estrutura do teatro nô tradicional e a dramaturgia ocidental.

Antes de analisar a coreografia de I to para a pe­ça de Yeats, Greiner vasculha origens, encontran­do as primeiras relações da estética japonesa com a dança ocidental em meados do século 19, nos conceitos proferidos pelos poetas Baudelaire,

68 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

O Teatro Nô e o Ocidente

Christine Greiner

Mallarmé e Valéry. Em se­guida, a autora se detém no teatro nô, ressaltando um

Escrituras Editora/ dos elementos mais enigmá-FAPESP ticos para a compreensão 136 páginas RS 1 s,oo dos conceitos de tempo e es-

paço orientais - o ideogra­ma "ma". Presente tanto no teatro nô quanto no butô, o "ma" é tido como o vazio pleno, onde tudo pode acontecer. Transmitida inte-gralmente apenas por atares

experimentados, a noção de "ma" não deve ser confundida com o nada ou a inexistência.

Curioso, no livro de Greiner, é a constatação fi­nal de que Michio Ito parece ter se identificado muito mais com as inovações que a dança ociden­tal propunha em sua época do que com as tradi­ções cênicas de sua própria cultura. Pioneiro na integração da estética japonesa com a dança mo­derna ocidental, Ito decidiu estudar dança depois de ver Nijinsky dançar em Paris. Naquele fervi­lhante início de século, também Isadora Duncan impressionou o coreógrafo japonês, que logo ru­mou para a Alemanha, onde estudou no Instituto Dalcroze ao lado de precursores expressionistas, como Mary Wigman.

Ao coreografar At the Hawk's Well, Ito colocou em prática o vocabulário estético que construiu, a partir do cruzamento entre Oriente e Ocidente. No entanto, Greiner verifica a fragilidade do mé­todo deIto, que possuía um conhecimento super­ficial sobre o teatro nô. Assim como I to, a geração seguinte de coreógrafos japoneses teria no expres­sionismo alemão o mais vigoroso elo com a dan­ça ocidental. Por essa ponte, a autora chega ao butô, procurando iluminar tanto o entendimento dessa expressão quanto as suas relações com a dança contemporânea ocidental.

ANA FRANC ISCA PONZIO é crítica de dança dos jornais Valor Económico, Folha de S.Paulo e da revista Bravo.

Page 69: Aviso aos navegantes

Sistema Físico-Metafísico dos Cometas Museu de Astronomia e Ciências Afins José Monteiro da Rocha 251 páginas I R$ 20,00

Um livro fascinante, na medida em que é um testemunho dos primeiros passos da astronomia brasileira. Escrito em 1759 pelo padre jesuíta português José Monteiro da Rocha, reúne as observações feitas pelo

religioso quando da passagem do cometa de Halley por Salvador, fenômeno natural que confirmava as teorias desenvolvidas por Isaac Newton sobre a gravitação. Impressionado, o jovem escreveu este tratado que, na época, não foi publicado. O livro só é vendido na loja do Museu. Informações: (21) 580-7010, ramal242.

Sinfonia Inacabada Boitempo Antonio Carlos Mazzeo 203 páginas I R$ 20,00

Já é tempo suficiente de se começar a fazer análises críticas sérias sobre a esquerda brasileira e sua atuação entre os anos 70 e 80, coincidentes com os anos de chumbo da ditadura militar. Isso é o que se propõe Antonio Carlos Mazzeo nesse perfil

impressionante da construção da teoria da revolução em terras brasileiras. Baseado em ideais do Komintern, a Internacional Comunista, o movimento nacional queria construir uma revolta em etapas. O livro ainda mostra a influência internacional sobre os nossos socialistas.

Integração do Aluno com Deficiência: Perspectiva e Prática Pedagó.gica Unesp Publicações Ricardo José Manzini (organização) 139 páginas I R$ 10,00

Este livro resultou de um curso de especialização em educação especial, ministrado na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp, e reúne estudos sobre o tema

da integração do aluno deficiente no ensino comum e os desafios a serem vencidos por pais e educadores no trato desses estudantes especiais. Entre os muitos artigos que compõem essa obra estão temas como: a integração de alunos deficientes sob o ponto de vista do diretor da escola; dificuldades de professores de pré-escola na integração de estudantes especiais; entre outros.

REVISTAS

Psicologia USP

lJtJIIIt Moniro IAile -.. ...... s......-._

Psicologia USP 2000- número 2- volume 1 1

A publicação semestral do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo traz um dossiê especial sobre um pioneiro da psicologia social no Brasil, Dante Moreira Leite, homenageado com artigos de Ecléa Bosi, Geraldo José de Paiva, Maria Luisa Sandoval

Schmidt e Tatiana Freitas Stockler das Neves. De quebra, a revista oferece quatro textos escritos por Dante Moreira Leite, entre esses um sobre a realidade americana na literatura. Ainda: um artigo sobre o sonho e a literatura no mundo grego e a visão do louco de rua pela literatura.

REVISTA LATINOAMERICANA DE PU,COPATOLOGIA FUNDAMENTAL

Revista Latino Americana de Psicopatologia Fundamental 2000- número4- volume III

Editada trimestralmente pelo Laboratório de Psicopatologia do Núcleo de Psicanálise da PUC-SP e o da Unicamp, o número mais recente desta revista traz os seguintes estudos: Subjetividade, Tempo

e Psicanálise, de Joel Birman; Psicoterapia e Empirismo, de Durval Mazzei Nogueira Filho; O Estupor Melancólico e o Estupor Maníaco, de Rubens Coura; Ideologia e Psicopatologia, uma Discussão Fenomenológica Transcultural, de Virgínia Moreira; Depressão e Melancolia, de Cassandra Pereira França; Reflexões sobre o Sofrimento, de Eugene Minkowski.

ESTUDOS DE

Sociologia

9 Estudos de Sociologia Número 9

A nova edição da revista semestral do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da FCL-Unesp, de Araraquara, traz entre seus artigos: Mariátegui e a Ocidentalização da Política, de Ricardo Bao; Direitos Reprodutivos, Políticas

de Saúde e Gênero, de Lucila Scavone; A Informação e a Comunicação no Capitalismo Contemporâneo, de Alain Herscovici; O Chile de Lagos, o Desafio de um Novo Curso Democrático, de Alberto Aggio; Um Modelo Social para a Mulher Operária, de Michel Ralle; e A Revolução Nacional Isebiana, de Virgílio Roma de Oliveira Filho.

PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2001 • 69

Page 70: Aviso aos navegantes

CÉLLUS

- Corno vão as pesquisas com o fogo? -Mais ou rnenos ... Falta desenvolver urna metodologia de uso.

70 • MARÇO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

Page 71: Aviso aos navegantes

~ ....-.-.::;; GOVERNO DO ESTADO DE

SÃO PAULO

Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico

ltJAPESP Rua Pio XI, 1500 - Alto da Lapa 05468-901 - São Paulo - SP Tel.: (11) 3838-4000 www.fapesp.b r

Page 72: Aviso aos navegantes