AVRITZER, Leonardo. Ação, fundação e autoridade em Hannah Arendt

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Leonardo Avritzer

AO, FUNDAO E AUTORIDADE EM HANNAH ARENDT Leonardo Avritzer

Na medida em que se completam 30 anos da morte de Hannah Arendt, duas questes se tornam cada vez mais claras: Hannah Arendt foi uma das principais lsofas e pensadoras sobre a natureza do poltico na segunda metade do sculo XX e a profuso de obras sobre o seu pensamento cada vez maior (Cannovan, 1992; Villa, 1996; Benhabib, 1996; Calhoum, 1997; Villa, 2000); em segundo lugar, Hannah Arendt, nas suas principais obras, conseguiu no apenas resgatar uma dimenso da poltica relegada a um segundo plano absoluto na modernidade tardia como tambm mostrar a relevncia dessa concepo para a poltica contempornea. No entanto, medida que novos trabalhos sobre a obra de Hannah Arendt se acumulam (Villa, 1996; Benhabib, 1996; Villa, 2000; Hammer, 2002), uma antinomia ca cada vez mais clara: de um lado, o resgate da dimenso da ao entre os atenienses no contentou prpria Arendt que, ao longo da sua obra, realizou um itinerrio que a levou da Grcia Roma e de Roma nascente repblica americana; de outro lado, alguns trabalhos recentes mostram que a inspirao romano-republicana de Hannah Arendt capaz de resgatar a idia de fundao e autoridade apenas s custas dos eleLua Nova, So Paulo, 68: 147-167, 2006

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mentos mais igualitrios do conceito de ao (Brunkhorst, 2000). Assim, se o problema da Hannah Arendt de A Condio Humana que o resgate de um conceito de ao se perde na incapacidade de fundament-lo enquanto modelo de institucionalizao do presente (Taminiaux, 2000: 171), j, no caso dos escritos sobre fundao e autoridade e do encontro de Hannah Arendt com o pensamento romano, ca a impresso de que a fundamentao do conceito de ao depende de um acesso diferenciado ao passado que fundamentaria a capacidade dos indivduos de agir (Hammer, 2002: 136). H, assim, um problema no resolvido na obra de Hannah Arendt que poderia ser anunciado nos seguintes termos: se o ideal da ao ateniense baseado em uma igualdade intrnseca entre os indivduos, o ideal da fundao romana seria baseado em um pertencimento ao Senado e um acesso seletivo ao passado. Sendo assim, igualdade e hierarquia estariam em tenso nos dois momentos fundamentais da obra arendtiana. Esse artigo ir tentar reconstituir o itinerrio que levou Arendt da Grcia a Roma e analisar a inter-relao entre os dois conceitos, ao e fundao. No primeiro caso, Hannah Arendt vai a Atenas para buscar, no conceito de ao utilizado pelos gregos, o fundamento de um conceito de poltica e de pblico. Nesse empreendimento, como sabido, Arendt rompe no apenas com os modernos, mas tambm com a viso da poltica dos principais pensadores do mundo helnico, em particular Aristteles e Plato (Villa, 1996). No segundo caso, Hannah Arendt vai a Roma para tentar resgatar, nas obras de Virglio e Ccero, um conceito de autoridade que explique a facilidade da conquista do corao das massas modernas pelo totalitarismo e apontar a quebra nas sociedades modernas de uma dimenso intermediria de autoridade que permitiria ao Estado totalitrio relacionar-se diretamente com as massas. Se a descrio do itinerrio arendtiano no constitui nenhuma novidade (Taminiaux, 2000), o que iremos argumentarLua Nova, So Paulo, 68: 147-167, 2006

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neste trabalho que, longe de uma articulao coerente, esse itinerrio apresenta uma tenso que a autora s capaz de resolver, parcialmente, ao se mover novamente em direo modernidade no seu livro Da Revoluo. Este artigo ter trs partes. Cada uma delas ir dedicar-se abordagem de um conceito central e ir relacion-lo com um momento histrico resgatado por Hannah Arendt. Na primeira parte, trataremos da relao de Hannah Arendt com o pensamento ateniense e da diferenciao das trs categorias centrais para o entendimento da modernidade: o labor, a obra e a ao. Iremos discutir o que funda a ao como articialidade e a relao que Hannah Arendt estabelece, em A Condio Humana, entre a articialidade da ao e a ausncia de institucionalizao. Apontaremos os motivos (corretos, a nosso ver) que deixam Hannah Arendt ao nal de A Condio Humana insatisfeita com a forma pela qual os atenienses negavam a necessidade de institucionalizao da ao. Na segunda parte deste artigo, iremos mostrar a trajetria especicamente romana do pensamento arendtiano. Utilizaremos, como base para a recuperao de um momento romano no pensamento de Hannah Arendt, os ensaios sobre a autoridade e a liberdade e partes selecionadas do seu livro pstumo e incompleto A Vida do Esprito (The Life of the Mind). Examinaremos o elemento mais classicamente republicano da obra arendtiana, o conceito de fundao e a sua vinculao com a recuperao do conceito de autoridade. Ambos colocam o problema da vinculao da ao com um momento histrico constitutivo e expressam um entendimento do exerccio da poltica como um aumentar desse momento que seria a base do conceito arendtiano de autoridade. Iremos atribuir a tentativa arendtiana de ir a Roma, busca de uma forma de institucionalizao para o conceito de ao resgatado de Atenas. Roma, diferentemente de Atenas, conhecia o contrato e, assim, entendia o direito como vinculando o futuro. essa noo, sem a qual a idia de institucionalizaoLua Nova, So Paulo, 68: 147-167, 2006

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impossvel, que leva Hannah Arendt a Roma. No entanto, a integrao do pensamento romano cria uma tenso com o resgate da ao em Hannah Arendt. Essa tenso provocada pelo fato de que a pluralidade do humano e a publicidade da ao no fazem parte de uma tradio cujo conceito de fundao remete a um grupo particular, os patrcios e seus privilgios de ocupao do poder. A reside a tenso inelutvel entre Atenas e Roma, entre ao, fundao e autoridade da qual, a nosso ver, o pensamento arendtiano nunca conseguiu plenamente escapar. H ainda um terceiro momento no pensamento arendtiano que representado pelo encontro com a experincia republicana norte-americana. O movimento de Arendt em busca de um terceiro momento histrico parece ter duas justicativas: a procura de um caso que pudesse explicar o princpio da natalidade e da refundao. Os Estados Unidos seriam o caso ideal capaz de concretizar o princpio da natalidade expresso pelo no dos puritanos sociedade inglesa e sua determinao de construir uma nova ordem poltica. Mas h tambm, a nosso ver, um segundo elemento na sociedade americana que a tornou atrativa para o pensamento arendtiano. O fato de os Estados Unidos, diferentemente de Roma, constiturem um caso horizontal e, portanto, democrtico de fundao expresso no constitucionalismo. O nosso argumento, neste artigo, ser o de que, de todas as tentativas arendtianas, apenas o caso americano expressaria, simultaneamente, um elemento de participao horizontal e de fundao republicana. Essa, na nossa opinio, deve ser a tonalidade da reapropriao arendtiana da poltica.

Antigidade poltica e crtica da modernidadeOs motivos que levaram Hannah Arendt a um reexame da poltica no mundo antigo so os mais modernos possveis: de um lado, a crtica predominncia do conceito de fabriLua Nova, So Paulo, 68: 147-167, 2006

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cao no mundo moderno surge de uma crtica vigorosa ao pensamento marxiano1, Hannah Arendt, em A Condio Humana 2, estabelece uma diferena entre a naturalidade e a articialidade justamente para apresentar uma alternativa ao pensamento marxiano. H um segundo motivo absolutamente moderno que conduz Hannah Arendt ao mundo antigo: a individualizao do conceito de liberdade. A liberdade no mundo antigo uma categoria coletiva e implica a existncia de um projeto comum. Em Entre o Passado e o Futuro e, especialmente, no seu artigo A Liberdade, Hannah Arendt ir buscar um conceito de liberdade alternativo ao do liberalismo para refundar o conceito de liberdade. Nesse sentido, tanto A Condio Humana quanto Entre o Passado e o Futuro so obras cuja incurso pelo mundo antigo tem uma fundamentao eminentemente moderna. Hannah Arendt em A Condio Humana ir lanar as bases da reconstruo de um conceito de poltica atravs da diferenciao entre labor, obra e ao. A distino entre labor, obra e ao tem como pano de fundo a procura de um conceito de poltica capaz de separar a naturalidade da articialidade. Labor e obra esto no campo das atividades atravs das quais os homens ou renovam o ciclo natural da sua prpria vida ou transformam os objetos naturais. Portanto, dentro da tradio marxiana seriam as atividades capazes de

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1. Tanto o pensamento de Marx quanto o marxismo esto baseados em uma identidade entre o ato de transformao da natureza e o processo reexivo. Para essa corrente, apenas a transformao da natureza pode ser considerada um ato reexivo gerador de conscincia. Nesse sentido, Marx seria o fundador do paradigma da produo e o defensor maior da identidade entre articialidade e poltica. (Vide Marx, 1976; Habermas, 1968; Avritzer, 1996.) 2. Apesar de alguns autores, em especial Margareth Canovan, considerar As origens do totalitarismo como a obra principal de Hannah Arendt, parece-nos evidente que a construo do seu sistema losco comea com A Condio Humana. Neste artigo, iremos considerar a preocupao com o totalitarismo o elemento fundante e durador da obra de Hannah Arendt, mas iremos assumir que a partir de A Condio Humana que essa preocupao encontra uma formulao losca.Lua Nova, So Paulo, 68: 147-167, 2006

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gerar reexo. Hannah Arendt ir buscar na Grcia, em particular na Atenas pr-socrtica, uma concepo alternativa. Ela a encontra na busca ateniense pela imortalidade e pela permanncia identicada com as atividades eminentemente polticas. Nesse sentido, o que diferenciaria o labor e o trabalho, de um lado, e ao, do outro, seria a capacidade da ao de criar permanncia: a imortalidade signica a permanncia no tempo, a vida imortal nessa terra que foi dada, de acordo com os gregos, para a natureza e para os Deuses Olmpicos. Foi em contraste com esse pano de fundo de uma vida natural sempre renovvel e de deuses imortais e eternamente jovens que estavam os homens os nicos mortais em um universo imortal mas no eterno [...] Se acreditamos em Herdoto a diferena entre os dois [nveis] era fundamental para o auto-entendimento grego e anterior articulao conceitual dos lsofos (Arendt, 1958: 18). Essa distino ser o ponto de partida para a separao entre o labor, o trabalho e a ao e permitir diferenciar as atividades humanas de acordo com a sua relao ou no com a natureza. O labor seria a atividade menos valorizada pelos gregos justamente pela sua fungibilidade absoluta. Ele envolveria as atividades de renovao do ciclo biolgico do corpo humano e, portanto, incapazes de adquirir qualquer permanncia. Sua principal caracterstica o consumo para manuteno do ciclo vital dos indivduos. So as atividades ligadas obra que, para Hannah Arendt, implicam a fabricao, e a questo a seria pensar que tipo de permanncia essas atividades produzem. Para a autora de A Condio Humana, a obra produz objetos cuja durabilidade depende da ao humana. A cadeira sem uso volta a ser um pedao de madeira. No entanto, a sua caracterstica de durabilidade que ir interessar a Arendt. Para ela, [...] a durabilidade que fornece s coisas do mundo uma relativa independncia dos homens que as produziram e as utilizam e que fornece a sua objetividade [...](Arendt, 1958: 137). possvel notar nesLua Nova, So Paulo, 68: 147-167, 2006

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sa formulao um dilogo indireto com Marx, dilogo esse que se dissocia da idia de uma objetividade a ser reapropriada pelos homens tal como o pensamento de Marx supe (Colletti, 1985). Para Arendt, a durabilidade adquirida pela fabricao humana no o problema. O problema, pelo contrrio, que a articialidade produzida pela obra limitada e deve ser colocada em contraste com a articialidade que deriva das atividades puramente humanas. Esse o itinerrio que conduz ao contraste entre a obra e a ao. O conceito de ao em Hannah Arendt um dos elementos mais originais de sua obra. Ele se situa na interseo entre a igualdade e a diferena. Para a autora de A Condio Humana, se os homens (e as mulheres) no fossem iguais, ns no seramos capazes de entender uns aos outros; se no fossemos diferentes, no teramos a necessidade de utilizar a linguagem para entendermos uns aos outros. Assim, a ao a atividade puramente articial entre os indivduo que tem como precondio a igualdade e a pluralidade. Esse conceito, que poderia ser relacionado ao de diversos outros pensadores do sculo XX, separa-se de todos eles por sua ruptura radical com a assim chamada dialtica do reconhecimento3, que substituda por uma hierarquia de lugares nos quais a pluralidade poder se expressar. Hannah Arendt rompe com uma dialtica do reconhecimento prpria ao pensamento de Hegel e Marx, de acordo com a qual, em todas as atividades humanas poderia haver um reconhecimento do outro enquanto igual, reconhecimento esse que estaria na base da cidadania (Brunkhorst, 2000). Para ela, o ato de reconhecimento do outro enquanto igual est ligado apenas s ativida-

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3. A maior parte dos conceitos de cidadania elaborados a partir do sculo XIX ir justicar a cidadania por uma dialtica do reconhecimento capaz de gerar um princpio intrnseco de igualdade. Essa chave para o entendimento da modernidade foi aberta por Hegel em sua Fenomenologia do esprito. A distino arendtiana das atividades humanas rompe com ela. (Vide Brunkhorst, 2000.)Lua Nova, So Paulo, 68: 147-167, 2006

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des puramente humanas e, portanto, no poderia fazer parte das atividades da fabricao e do labor. A ir residir a base do seu conceito de espao pblico. Uma das precursoras da recuperao do conceito de espao pblico na modernidade tardia, Arendt supe que a ao s poderia se desenrolar nesse espao. O modelo para o conceito arendtiano de ao a plis ateniense com a sua diferenciao radical entre a oikia e o pblico. A oikia, a esfera privada, o lugar da tirania, da hierarquia, do domnio de indivduos uns pelos outros. Nesse sentido, h uma desigualdade inerente oikia motivada no pelas relaes humanas e sim pela mediao exercida pela natureza que implica necessariamente violncia4. Ao mesmo tempo, o pblico arendtiano mais radicalmente igualitrio do que o espao poltico nas formulaes dos autores da dialtica do reconhecimento. A igualdade e a pluralidade so constitutivas da noo arendtiana de pblico (Canovan, 1992) atravs da qual as atividades puramente humanas ocorrem no interior de um espao constitudo em comum pelos indivduos. nesse espao que a poltica tem lugar e com a recuperao desse espao, to claramente identicado pelos gregos, que Hannah Arendt vincula a sua obra. Duas questes emergem quando pensamos na identicao arendtiana entre a poltica e a ao no mundo ateniense. A primeira delas que, se inegvel o sucesso relativo do empreendimento arendtiano de recuperao de um conceito puramente humano e plural de poltica, por outro lado, no est claro que, para a prpria Hannah Arendt, esse conceito de poltica seja suciente. Para Arendt, h uma tenso entre a capacidade grega para a ao e sua incapacidade de pensar as formas de institucionalizao dessa mesma ao. Arendt ir tentar em A Condio Humana identicar a forma de ao pol-

4. Essa concepo est tambm presente na Dialtica do esclarecimento e em boa parte da teoria crtica. Sua origem provavelmente a obra de Heidegger.

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tica por ela defendida com a poltica dos conselhos operrios. No entanto, ela rapidamente percebeu que faltava tradio grega um elemento de insero da ao em uma perspectiva de futuro. Esse o motivo que leva Arendt a Roma, onde ela ir identicar o contrato e a refundao como os elementos centrais para a renovao do conceito de ao.

Da Grcia a Roma: contrato e refundaoDiversos autores j observaram a preferncia arendtiana pela tradio poltica grega quando comparada romana. Margareth Canovan em seu livro Hannah Arendt cita a seguinte armao da autora: eu gosto da antigidade grega, mas nunca gostei da antigidade romana (Canovan, 1992: 143). Essa colocao, que inspirou um conjunto de colocaes semelhantes sobre a preferncia arendtiana em relao a Atenas quando comparada com Roma (Villa, 1996), no , no entanto, completamente coerente com o sentido da obra arendtiana (Hammer, 2000: 125). Em A Condio Humana h mesmo uma passagem na qual Arendt compara a tradio poltica grega e a romana em outros termos: Ainda que seja verdade que Plato e Aristteles elevaram o processo deliberativo (lawmaking) e a construo da cidade ao nvel mais elevado possvel na vida poltica, isso no signica que eles foram capazes de alargar a experincia grega da ao e da poltica para que essa passasse a abranger o que mais tarde cou conhecido como a genialidade poltica de Roma: legislao e fundao. (Arendt, 1958: 195). A citao acima, que no uma citao isolada na obra arendtiana e que perpassa outras obras, especialmente A Vida do Esprito, suscita duas questes que procuraremos responder nessa seo deste artigo. A primeira delas o que, em A Condio Humana e na estrutura do pensamento arendtiano, coloca a necessidade de um detour a Roma? Em segundo lugar, quais so os elementos gregos e os elementos romanos no pensamento arendtiano e comoLua Nova, So Paulo, 68: 147-167, 2006

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entender a relao entre eles? Procuraremos responder nos pargrafos seguintes a ambas as questes. O problema que levou Hannah Arendt a Roma a incapacidade dos gregos de pensarem a institucionalizao da ao e da poltica. Dois elementos esto na raiz dessa incapacidade: a baixa relevncia atribuda pelos gregos atividade legislativa (Taminiaux, 2000) e a inexistncia de uma concepo de futuro entre os gregos. Hannah Arendt, como mostramos na seo anterior desse artigo, resgata entre os gregos uma concepo de poltica ligada pura articialidade das aes humanas e pluralidade humana. Esse conceito desempenha no seu pensamento o papel de reverso da idia moderna de poltica como parte da interao homem-natureza. Os gregos, na esfera pblica, estabeleciam relaes puramente humanas entre si baseada na igualdade e no uso da palavra. Se essa concepo atrativa para Arendt, ela apresenta um problema que a autora procura sanar: como institucionalizar na poltica esse tipo de ao, entendendo por institucionalizao um resultado capaz de sobreviver aos seus atores e ser renovado por outras geraes. Hannah Arendt oferece em A Condio Humana duas respostas a essa questo. A primeira delas negar a necessidade da institucionalizao. No entanto, essa resposta claramente insuciente, como diversos autores j notaram (Heller, 2000), porque a negao da institucionalidade incapaz de gerar qualquer padro de repetio continuada da ao. Da surge a necessidade de analisar a segunda resposta arendtiana, aquela que a conduz a Roma. O pensamento romano entendia o problema da institucionalizao da ao de forma diferente do pensamento grego. Em primeiro lugar, porque, para os romanos, a atividade legislativa e legal tinha um peso maior na vida poltica expressa pela idia da inviolabilidade dos contratos (pacta sunt servanda) (Taminiaux, 2000: 171). Arendt reconhece a pouca relevncia que os gregos atribuam s atividades legislativas eLua Nova, So Paulo, 68: 147-167, 2006

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pensa o modelo romano como a forma de oferecer continuidade para a ao, isto , aquilo que mantm unidos aqueles que interagem. No entanto, apesar de fazer uso da gura do contrato para pensar o elemento de continuidade da ao, Hannah Arendt no strictu sensu uma contratualista. Ela no o porque recorre mais prpria tradio religiosa, especialmente idia da promessa encontrada no Velho Testamento para pensar o problema da continuidade da ao. Para Arendt, a estabilizao inerente idia de fazer promessas pode ser traada tanto ao pensamento romano quanto a Abrao, que mostrou a capacidade dos pactos de gerarem padres de ao (Arendt, 1958: 243). Assim, temos em Arendt duas tradies diferenciadas para pensar a maneira atravs da qual a continuidade da ao deve ser postulada. Ambas nos remetem para alm do pensamento grego que, devido ausncia de uma idia de futuro, no consegue tornar a ao mais do que um elemento exemplar do passado e do presente. Esse elemento de continuidade da ao ir se juntar a um outro da tradio romana que o da fundao. Para Hannah Arendt, Roma, diferentemente da Grcia, teve um momento de ao como fundao que foi a da criao de Roma como cidade eterna. Construda na base de acordos e promessas mtuos, a fundao de Roma era para Hannah Arendt no apenas um exemplo da exaltao de um esprito pblico, mas tambm uma forma de exaltao da tradio (Canovan, 1992: 143). No entanto, o momento de fundao para os romanos tem mais elementos do que os destacados por Arendt. A fundao constitui um ato de identidade e de grandeza a ser preservado indenidamente atravs de sucessivas tentativas de renovao (Matthes, 2000: 40). Nesse sentido, o historiador Lvio, por exemplo no apenas conta a histria, mas revela as caractersticas que a tornam susceptvel de ser renovada. Desse modo, a fundao e a refundao romana remetem ao passado ainda mais que a viso cclica de histria dos gregos.Lua Nova, So Paulo, 68: 147-167, 2006

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No difcil perceber que a forma como Hannah Arendt funda o problema da institucionalizao na sua teoria poltica altamente problemtica e est em tenso com o seu conceito de ao. De um lado, o conceito de fundao e de refundao introduz na obra arendtiana um componente mais ligado ao problema da reabilitao da tradio no mundo moderno do que dimenso da renovao da ao. A tradio romana que Hannah Arendt procura resgatar, ainda que parcialmente em Entre o Passado e o Futuro, parece responder melhor ao problema da crise da autoridade do que ao problema da institucionalizao da ao. Arendt identica a autoridade com uma forma hierrquica de relao entre os indivduos: A relao de autoridade entre o que manda e o que obedece no se assenta nem na razo comum nem no poder que manda; o que eles possuem em comum a prpria hierarquia, cujo direito e legitimidade ambos reconhecem e na qual ambos tm lugar estvel predeterminado (Arendt, 1972: 129). possvel notar que a preocupao arendtiana com a autoridade desperta um elemento diferente na sua teoria da poltica do que a sua preocupao com a recuperao da ao entre os antigos. O que leva Arendt em busca de uma recuperao do conceito romano de autoridade, e importante ressaltar que a autoridade no poderia ser um conceito grego (Villa, 1996: 159), no a tentativa de dar uma soluo para o problema da institucionalizao da ao, um dos problemas arendtianos por excelncia, e sim a tentativa de explicar a disponibilidade das massas, o outro problema arendtiano5. Assim, a primeira

5. Muitos dos intrpretes de Hannah Arendt consideram a sua preocupao com o autoritarismo o leitmotiv da sua obra. Para eles, Hannah Arendt buscou em sua obra fundamentalmente oferecer uma resposta para o fenmeno. Para Canovan, parece mais lgico dividir a obra arendtiana em duas fases: uma primeira, na qual a explicao do autoritarismo constitui o motivo fundamental, e um posterior, na qual a adaptao aos Estados Unidos gera a idia de ao, do novo comeo e da recuperao dos motivos republicanos. (Vide Canovan, 1992.) Essa verso parece mais prxima do entendimento de Young-Bruhel.

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questo importante a ser apontada em relao ao detour romano de Hannah Arendt que ele no a ajuda a solucionar o problema que leva Hannah Arendt da Grcia a Roma, qual seja, o problema da institucionalizao de uma forma de ao que um m em si mesma. Vale a pena analisar uma segunda dimenso do encontro entre o pensamento arendtiano e a prtica poltica romana, que o funcionamento das instituies polticas romanas. Se, por um lado, elas propiciavam o desenrolar da poltica em um mundo construdo em comum pelos homens livres, por outro, propiciavam algo que, de forma alguma, agradava a Hannah Arendt: a transformao do espao pblico no lugar da turba e da manipulao poltica. A passagem da Grcia para Roma entre A Condio Humana e a redao do Da Revoluo cujo centro histrico preenchido pela experincia romana e norte-americana evidencia a necessidade de dar s instituies um papel maior na ao pblica. Os romanos solucionavam o problema da manipulao da plebe atravs da distino entre a autoridade do Senado e o poder do Povo (Brunkhorst, 2000: 187). Nesse sentido, a institucionalizao poderia aparecer como uma soluo, s que o seu preo seria a substituio da igualdade pela hierarquia. Assim, parece bastante claro que no h uma complementaridade entre o itinerrio grego e o itinerrio romano da obra de Hannah Arendt, mas sim uma tenso. Isso provocado pelo fato de os dois elementos inspiradores da obra de Arendt estarem em tenso: a tentativa de recuperar a autoridade como resposta ao problema do totalitarismo, que alguns intrpretes de Arendt consideram a inspirao fundamental da sua obra (Canovan, 1992), com a tentativa de reconstruo do conceito de ao ao qual outros intrpretes atribuem centralidade (Villa, 1996). Essa tenso pode ser expressa nos seguintes termos: o conceito de [...] autoridade parece estar em conito com a convico bsiLua Nova, So Paulo, 68: 147-167, 2006

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ca arendtiana sobre o que uma poltica verdadeiramente autntica (Villa, 1996: 158). Nesse sentido, o itinerrio romano de Arendt no lhe permite oferecer uma sada para como institucionalizar o conceito de ao por ela resgatado. Duas respostas possveis se colocam para o problema: a primeira , como prope Dana Villa, considerar que o objetivo arendtiano mostrar que a poca de vigncia do conceito de autoridade foi do momento romano ao Iluminismo e assim indicar o que seria um conceito ps-autoritrio da poltica. Essa concepo, ainda que atraente, no parece corresponder plenamente aos objetivos da autora de Entre o Passado e o Futuro. A segunda possibilidade procurar mostrar, com Hannah Arendt e contra Hannah Arendt, que a articulao histrica possvel entre ao e fundao se d na prpria modernidade. Essa articulao pode ser feita atravs do conceito de natalidade, isto , do novo comeo. Na ltima seo desse artigo, iremos defender tal posio a partir de uma apropriao seletiva da obra Da Revoluo.

Natalidade e novo comeo polticoO conceito de natalidade ocupa um lugar seminal na obra arendtiana, estando presente em todos os seus trabalhos e ocupando cada vez mais o centro de cada um deles. O seu signicado o da indeterminao da ao desencadeada por um novo nascimento e, conseqentemente, pela possibilidade sempre aberta de instaurar-se um novo comeo na poltica (Bowen-Moore, 1989: 22). J na parte nal da Origem do Totalitarismo, a autora nos diz que o comeo a capacidade suprema do indivduo e que, politicamente, ele equivale liberdade humana (Arendt, 1951: 479). Mas ser em A Condio Humana, em Da Revoluo e em A Vida do Esprito que o conceito de natalidade ser articulado tanto na sua dimenso privada quanto na sua dimenso pblica. O conceito de natalidade, na sua dimenso privada, expressa o fato de que cada novo nascimento dene aLua Nova, So Paulo, 68: 147-167, 2006

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condio humana enquanto nica. Na medida em que cada novo nascimento nico, ele tambm um novo comeo. Essa dimenso agostiniana6 do pensamento de Hannah Arendt expressa a idia de indeterminao da trajetria humana no domnio privado. Mas no campo do pblico que o conceito de natalidade adquire sua dimenso plena. Seu principal objetivo dentro da estrutura da obra poltica de Hannah Arendt negar a idia de irreversibilidade da ao. Toda ao seria irreversvel e o sentido das diferentes aes imutvel se no fosse possvel descongelar uma ao j concluda. O conceito de natalidade ir desempenhar esse papel ao permitir um novo comeo. Ele tambm ir associar ao e biograa, na medida em que uma das suas caractersticas retirar da ao a sua anonimidade. Hannah Arendt identicou a idia de natalidade em Origens do Totalitarismo e em A Condio Humana com um episdio poltico especco, a revoluo hngara de 19567. Na sua anlise sobre os episdios de 1956, Hannah Arendt defende a natalidade contra a institucionalizao. Para ela, a grandeza do evento no poderia car limitada aos seus doze dias de durao. Pelo contrrio, ele deveria ser avaliado pela grandeza e pela tragdia que desencadeou. O elemento central da anlise arendtiana sobre a Hungria a maneira pela qual o agir coletivo se destaca do continuum da histria. Um conjunto de estudantes realiza uma manifestao e, no dia seguinte, vai at a radio de Budapeste pedir a divulgao de um manifesto de 16 pontos. A polcia poltica presente no prdio tenta dispers-los, mas h uma

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6. Em seu livro A Cidade de Deus, Santo Agostinho coloca a questo do novo comeo ao armar que o homem tem no apenas a capacidade para realizar o novo comeo, mas que ele prprio o novo comeo. (Vide Bowen-Moore, 1989: 24.) 7. O texto de Hannah Arendt sobre a Revoluo Hngara acabou sendo publicado como um posfcio a uma das edies de Origens do totalitarismo publicado pela Georg Allen and Unwin em 1966.

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reao de uma massa indistinta de indivduos que, ao ser atacada pela polcia poltica, reage e toma as suas armas. Os trabalhadores nas fbricas cam sabendo do episdio e se juntam a essa massa de indivduos. O exrcito, ao ser chamado, nega-se a intervir e, com isso, a revoluo est em movimento. Para Hannah Arendt, [...] no foram os programas ou o manifesto que jogaram qualquer papel. O que desencadeou a revoluo foi o puro momento do agir em comum da populao como um todo cuja demanda era to bvia que dispensa uma formulao mais especca (Arendt, 1966: 496). Ou seja, o elemento central do que Arendt identica como ao durante a Revoluo Hngara o agir em concerto, por um certo momento. O fato de que todos os episdios duraram doze dias para ela absolutamente irrelevante diante do fato, de importncia superior, que a demonstrao pblica de que o autoritarismo pode ser derrotado pela ao concertada da populao. H um segundo elemento de importncia seminal de suas reexes sobre a Hungria que a valorizao positiva do papel dos conselhos. Hannah Arendt resgata uma discusso que pertence tradio marxiana, mas com uma interpretao radicalmente distinta. Para ela, os conselhos operrios so a mesma organizao, com mais de cem anos de vida, que surgiu sempre que se permitiu ao povo por alguns dias, por algumas semanas, ou meses desempenhar as suas atividades polticas, sem um governo (ou programa partidrio) imposto por cima (Arendt, 1966: 497). A colocao arendtiana difere da marxiana em um aspecto mais evidente que a negao de qualquer elemento partidrio no entendimento dos conselhos (Sitton, 1992). Mas ela difere da interpretao marxiana em um segundo aspecto ainda mais relevante: para Arendt os conselhos no eram conselhos operrios e sim conselhos revolucionrios ou de bairro. Na sua anlise sobre os conselhos hngaros, ela diferenciou os conselhos revolucionrios dos conselhos deLua Nova, So Paulo, 68: 147-167, 2006

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trabalhadores. A sua ateno esteve voltada para as funes polticas dos primeiros. Para ela, os conselhos revolucionrios eram uma resposta tirania poltica e, ao mesmo tempo, uma alternativa a um sistema representativo baseado em faces: [...] assim se a origem histrica do sistema de partidos se assenta no parlamento e nas suas faces, [por outro lado] os conselhos emergem exclusivamente das aes e das demandas espontneas do povo e no fazem parte dele ideologias preconcebidas ou qualquer teoria sobre a melhor forma de governo (Arendt, 1966: 499). Ou seja, Hannah Arendt apresenta, na sua anlise sobre os conselhos hngaros, uma alternativa tanto ao problema da representao quanto concepo marxiana de conselhos operrios. O que ela busca com a sua concepo desvincular a poltica de elementos estratgicos de disputa do poder e vincul-la ao ato de ao coletiva. Para ela, os conselhos assumiam um papel vago no modo moderno de pensar a ao para alm da faco. Esse papel signica pensar a poltica como uma categoria que v alm dos partidos e que gere elementos comuns de ao. A forma como Hannah Arendt recorreu gura dos conselhos revolucionrios hngaros para pensar a reconstruo da poltica contempornea foi criticada pelos mais diversos intrpretes. Canovan arma que, para a maior parte dos intrpretes, a posio da autora sobre conselhos parece no ser realista (Canovan, 1992: 237). Benhabib considerou a sua abordagem antimoderna, especialmente na forma como ela nega a representao (Benhabib, 1996: xviii). Parece-me que possvel diferenciar duas dimenses no resgate arendtiano dos conselhos hngaros: a primeira dimenso seria a crtica representao, que tem como objetivo resgatar a ao da dimenso da disputa do poder. Evidentemente, Hannah Arendt parece ter ido longe demais nessa tentativa, j que ela no atribui nenhum papel representao ou institucionalizao na sua teoria dosLua Nova, So Paulo, 68: 147-167, 2006

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conselhos. Os conselhos seriam natalidade ou o surgimento do novo contra a institucionalidade. No entanto, h uma segunda dimenso nessa abordagem que tem permanecido obscura, que a do papel dos conselhos no interior de um possvel marco institucional. Hannah Arendt abordou essa questo parcialmente, mas tocou em um elemento que faz parte da poltica deliberativa nos dias de hoje: a busca por elementos de ao poltica que no sejam estratgico-deliberativos (Cohen, 1997). Essa busca, no entanto, deve ser coadunada com elementos institucionais que dem a esses conselhos uma permanncia maior. Permitam-nos mostrar que podemos encontrar alguns desses elementos se conciliarmos a idia de conselhos com a idia de nova ordem secular que aparece em Da Revoluo. Em Da Revoluo, o argumento sobre o novo comeo rearticulado por Hannah Arendt. Nessa obra, escrita nos anos 1960, Hannah Arendt vai falar de um novo comeo absoluto isento de violncia e de coero que emerge das promessas e da deliberao comum. O novo comeo arendtiano em Da Revoluo est espalhado no tempo e tem como paradigma histrico a revoluo americana. Esta concebida como um ato consciente de negao baseado, em primeiro lugar, na capacidade de dizer no a uma ordem poltica estabelecida e fundar uma outra ordem. Nesse sentido, a revoluo americana comeou com o no dos puritanos, que embarcaram no Mayower, ordem poltica e social inglesa. No foi nenhuma teoria teolgica, poltica ou losca, mas sua prpria deciso de deixarem para trs o velho mundo e se aventurarem em um empreendimento inteiramente seu, que deu origem a uma seqncia de atos e acontecimentos em que teriam perecido seno tivessem [...] descoberto a gramtica elementar da ao poltica [...] cujas regras determinam o nascimento e o ocaso da ao poltica (Arendt, 1971: 170). O nascimento ou novo comeo um ato pragmtico originadoLua Nova, So Paulo, 68: 147-167, 2006

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da capacidade humana de dizer no a uma ordem poltica. Esse elemento foi partilhado pelas revolues hngara e americana. Mas h, tambm, em Da Revoluo a nfase em um novo elemento na revoluo americana que permite uma maior institucionalizao da ao. Esse elemento a fundao de um novo corpo poltico estvel (Arendt, 1971: 196) e sua atualizao. Para Hannah Arendt, a importncia do republicanismo nos Estados Unidos que ele permitiu no apenas a instituio do novo mas tambm a sua permanncia em uma base distinta da romana, isto , atravs do constitucionalismo e de uma tradio de direitos que atualiza o ato fundacional que antecedeu a existncia do prprio governo (Arendt, 1971: 200). Nesse sentido, a possibilidade de sempre voltar ao momento fundador foi, no caso dos Estados Unidos, atualizada no instituto da tradio de direitos e da reviso constitucional rompendo com a hierarquia prpria tradio romana. Temos, assim, os dois elementos necessrios para uma nova interpretao da relao entre ao e institucionalizao em Hannah Arendt. De acordo com essa interpretao, a ao mantm a sua centralidade como o elemento central da poltica moderna. ela, entendida como interao puramente humana, que abre espao para novos comeos e novos experimentos. Esse conceito de ao articula-se com a idia de conselhos entendidos no como a alternativa representao e sim como alternativa concepo exclusivista da representao que torna os partidos a nica forma de mediao poltica. Os conselhos cumpririam o papel fundamental no mundo moderno de propiciar uma deliberao que no esteja completamente vinculada a interesses pr-determinados. Eles cumpririam o papel de abertura nas formas de mediao entre o indivduo e a poltica institucionalizada. Com isso, cria-se a possibilidade de uma forma distinta de ao passvel de institucionalizao e capaz de atualizar os elementos fundacionais da primeira modernidaLua Nova, So Paulo, 68: 147-167, 2006

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de. dessa maneira que podemos entender o legado arendtiano, trinta anos aps a morte da autora, como detendo uma enorme relevncia, ainda que com a necessidade de ser reinterpretado. Em um momento no qual a renovao das possibilidades polticas mais urgente do que nunca, a obra de Hannah Arendt parece ter muito a dizer sobre como reconstituir o poltico na modernidade tardia.

Leonardo Avritzer professor do Departamento de Cincia Poltica da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG

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AO, FUNDAO E AUTORIDADE EM HANNAH ARENDT LEONARDO AVRITZER medida que se completam 30 anos da morte de Hannah Arendt, a autora comea a se destacar como uma das principais lsofas e pensadoras sobre a natureza do poltico na segunda metade do sculo XX. Sua principal contribuio ao conceito de poltica o resgate de um conceito de ao como a instaurao do novo. Diversos autores j apontaram a inspirao greco-ateniense do empreendimento arendtiano. Este artigo pretende mostrar que, alm da inspirao greco-ateniense que levou ao conceito da novidade da ao, a obra de Hannah Arendt tambm possui uma inspirao romano-republicana necessria para

Resumos / Abstracts

pensar a institucionalizao de novas formas de ao. O texto pretende mostrar que as duas dimenses esto em uma posio de tenso na obra arendtiana, e que essa tenso encontra uma soluo parcial nos escritos arendtianos sobre a repblica nos Estados Unidos.Palavras-chave:

Hannah Arendt; Ao; Fundao; Autoridade.

ACTION, FOUNDATION AND AUTHORITY IN HANNAH ARENDT Thirty years after Hannah Arendts death, the author is considered one of the best political theorists of the 20th century. Hannah Arendt main contribution to political theory is her concept of action and its role in the redenition of the political realm, in particular, the way it has inserted the idea of new beginning into modern politics. Many authors have already pointed out the Athenian inspiration of Hannah Arendts concept of the political. In this article, it is shown that Hannah Arendt has been inspired not only by the Greek tradition but also by a Roman tradition concern with the issue of institutionalization of political action. However, the text shows that both dimensions instead of being complementary stand in a tension within her oeuvre and that this tension only nds a partial solution in the Arendtian writings on the American revolution.Keywords: Hannah

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Arendt; Action; Foundation; Authority.

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