b3458 Catalogo Habitar Em Colectivo

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Arquitectura Portuguesa antes do SAAL

Departamento de Arquitectura e Urbanismo

HABITAR EM COLECTIVO: Arquitectura Portuguesa antes do S.A.A.L. Ficha Tcnica Coordenao Ana Vaz Milheiro Organizao do Catalogo e Exposio Filipa Fiza Hugo Coelho Joo Cardim Institudo por Departamento de Arquitectura e Urbanismo do ISCTE Instituto Universitrio de Lisboa Autoria Os artigos, referncias e fichas tcnicas de cada projecto foram resultado do trabalho desenvolvido para a cadeira de Historia da Arquitectura Portuguesa do 1 semestre do ano lectivo 08/09 Impresso PRINT TO FILE Tiragem 100 exemplares Agradecimentos A todos os Arquitectos, colaboradores e alunos que desenvolveram os contedos dos Projectos seleccionados, aqui apresentados . Alice Espada (secretariado do DAU) Lisboa, Maio de 2009

() todo o projecto arquitectnico moderno se funda nessa premissa radical de que a arquitectura no deve simplesmente reflectir a lgica poltica e social existente ou dominante, mas propor, atravs de novos modelos arquitectnicos, uma interveno reformadora e regeneradora.Lus Santiago Baptista, in Arq./A. N57, Maio de 2008

Nota introdutria

Habitar em Colectivo Arquitectura portuguesa antes do SAAL um trabalho colectivo realizado durante a Unidade Curricular Histria da Arquitectura Portuguesa destinada aos alunos do 4 ano do curso de Arquitectura do ISCTE. Tratou-se de desafiar os estudantes anlise da se produo de habitao plurifamiliar em Portugal entre as dcadas de 50 a 70 do sculo XX a partir de um conjunto de casos de estudo concretizados no territrio continental e algumas regies africanas. A cronologia atravessa o perodo ps I Congresso Nacional de Arquitectura de 1948 e termina com o arranque do Programa SAAL (Servio de Apoio Ambulatrio Local) desencadeado no rescaldo da Revoluo de Abril de 1974. Pretendeu iniciar os alunos numa metodologia Pretendeu-se primria de investigao, dentro de uma perspectiva muito particular, que procura transformar a Histria ministrada a futuros arquitectos num instrumento de projecto. Procedeu ao levantamento fotogrfico Procedeu-se (quando exequvel), recolha de material desenhado e memrias descritivas (o que em alguns casos, resultou no redesenho dos projectos), investigao bibliogrfica, materializao de maquetas e realizao de entrevistas com os autores dos edifcios ou seus colaboradores prximos. Este material foi compilado e reduzido num breve relatrio cujas snteses compem o essencial do trabalho aqui apresentado e que culmina na exposio e no seminrio que rene alguns dos arquitectos responsveis pelas obras estudadas.

A relevncia do tema da habitao, significativamente inscrito na agenda do I Congresso, ainda hoje reconhecida na cultura arquitectnica. No entanto, durante o perodo analisado, a habitao colectiva converteu-se num campo laboratorial excepcional para se os arquitectos portugueses que atravessaram um longo processo de transformao da cultura nacional, desde a apreenso das solues modernas e, na maioria dos casos corbusianas at evocao rossiana de alguns corbusianas, dos conjuntos mais recentes, manifesta no regresso a determinadas tipologias urbanas menos hericas e mais convencionais. Foi um momento de compreenso dos modelos internacionais, propicio a testar o seu ndice de operatividade em territrio nacional. Fazer habitao foi tambm e ao longo da segunda metade de Novecentos, um meio para construir a nova cidade portuguesa do sculo XX, por vezes cismtica em relao ao passado; outras vezes, em busca de uma monumentalidade capaz de refundar a periferia. Contudo, sempre idealista e portadora de uma mensagem socialmente reformadora. Talvez esteja aqui o seu contributo para o que ter sido depois o Programa SAAL com as suas fortes cargas ideolgica e utpica, privilegiando a participao e a mobilizao das populaes mais desfavorecidas numa escala nunca antes tentada no pas e veculo de internacionalizao da nossa arquitectura. Mais importante todavia neste trabalho foi a possibilidade de ouvir os arquitectos, conviver nos seus espaos (mesmo esporadicamente), tentando refazer os seus modos de projectar e assim iniciar uma aproximao a figuras extraordinrias da cultura arquitectnica portuguesa recente. Tambm pretendamos expressar a nossa homenagem aos arquitectos cujos edifcios revisitmos durante o semestre.

Paulo Tormenta PintoPresidente do Departamento de Arquitectura e Urbanismo do ISCTE | IUL

O processo SAAL (Servio de Apoio Ambulatrio Local), assumido pela historiografia da arquitectura portuguesa como um momento essencial do sculo XX. Para alm do debate tipolgico em torno dos programas habitacionais, brigadas de arquitectos partilharam, em infindveis reunies de comisses de moradores, o desgnio das suas obras, pressupondo a resoluo de carncias bsicas de uma franja da populao portuguesa no perodo ps ps-revolucionrio, contribuindo assim para a construo de habitao num esprito de participao sem antecedentes. Certos da importncia deste momento inaugural, importa entender toda a situao da arquitectura a montante, do curto perodo, entre os anos de 1974 e 1976, em que vigorou o despacho ministerial que permitiu o desenvolvimento das aces no mbito do SAAL. A exposio HABITAR em COLECTIVO, realizada pelos alunos do 4 ano do Mestrado Integrado em Arquitectura do ISCTE, sob orientao da Prof. Ana Vaz Milheiro, revela atravs de maquetas, desenhos, textos e filmes, 15 obras realizadas no amplo espao portugus da poca onde naturalmente se incluem os territrios ultramarinos, designadamente os africanos, de Angola e Moambique.

Esta mostra permite alcanar dois objectivos fundamentais: por um lado ajustar a investigao da arquitectura portuguesa com os pressupostos historiogrficos mais contemporneos, colocando sobre a mesma base experiencias realizadas em Lisboa, Porto, Aveiro, Olho, Setbal, Lobito, Luanda e Maputo, abrindo assim linhas de investigao sobre a arquitectura portuguesa do sculo XX e sobre os seus intervenientes, que so convidados a debater o assunto com a futura gerao de arquitectos; por outro lado, esta exposio permite ainda, consolidar a orientao cientfica das reas de Teoria e Histria da Arquitectura, onde tem vindo a ser desenvolvido um trabalho de experimentao que em muito supera a condio estritamente terica que caracteriza este conjunto de disciplinas. Atravs dos casos de estudo expostos tambm possvel estabelecer pontes com a situao arquitectnica internacional da poca, nomeadamente com a reviso do Movimento Moderno iniciada nas dcadas seguintes ao ps ps-guerra, ou seja pode ler-se no itinerrio de obras analisadas os traos de um perodo de transio, que permitir aos arquitectos portugueses iniciarem um processo de afirmao, que a par com a implementao democrtica, ir introduzir em definitivo, nas ltimas dcadas do sculo XX, a arquitectura portuguesa na primeira linha do discurso contemporneo. Mas, para l de todas as questes de ordem mais cientfica que possam nomear a propsito deste nomear-se evento, aquilo que mais se evidencia em HABITAR em COLECTIVO a expresso de um tributo realizado pelos estudantes a um conjunto de arquitectos cuja obra nos permite alicerar uma identidade, tambm ela, colectiva.

Paulo Tormenta Pinto Presidente do DAU

Prefcio

Ana Vaz MilheiroDocente do Departamento de Arquitectura e Urbanismo do ISCTE | IUL Coordenadora do Seminrio e Exposio HABITAR em COLECTIVO

Habitar em Colectivo Arquitectura portuguesa antes do SAAL trata do alojamento colectivo em Portugal entre o I Congresso Nacional de Arquitectura realizado em 1948 e a Revoluo de 25 de Abril de 1974, que provocou a criao do programa SAAL Servio de Apoio Ambulatrio Local uma inveno de Nuno Portas enquanto secretrio de Estado da habitao do II Governo Provisrio e que teria uma existncia breve, prolongando-se prolongando entre Julho de 1974 e Agosto de 1976. Durante o Congresso de 1948, realizado no rescaldo imediato da II Guerra Mundial, em torno do Problema Portugus da Habitao que se renem as 10 teses que integram o 2 tema abordado nesse evento. Arquitectos como Alfredo Viana de Lima, Francisco Castro Rodrigues ou Nuno Teotnio Pereira, os ltimos nascidos no inicio da dcada de 20 do sculo passado, so alguns dos nomes que avanam com posies filiadas no Movimento Moderno e, principalmente, em Le Corbusier talvez a figura internacional mais citada na ocasio. A racionalizao da organizao do espao residencial aliada maximizao dos sistemas construtivos da segunda era da Civilizao Maquinista, como lhe chamou Viana de Lima (1948: 215), dominava os tpicos. Dizia ento este arquitecto portuense: sol O deve penetrar todo o ano em todas as peas de habitao,

sem o qual a vida definha; o ar dever ser puro e a sensao do espao daro bem bem-estar, determinante do valor psicofisiolgico (1948: 216). No seu bloco da Av. psicofisiolgico Costa Cabral, de 1953 1953-55, no Porto, Viana de Lima ensaia uma mini-unidade de habitao corbusiana que, no unidade podendo descolar do tecido urbano preexistente, descolar-se simula a sua condio moderna evocando alguns dos seus elementos identificativos como a presena de pilotis. Uma pala recortada refora essa condio de . modernidade e de diferenciao estilstica perante os edifcios da envolvente. Para trs ficavam as primeiras experincias de alojamento para populaes de baixos recursos do Estado Novo, cujas regras tinham sido estabelecidas em 1933, caso do Bairro de Casas Econmicas Engenheiro Duarte Pacheco, em Olho, traado ainda em 1948 pelo arquitecto Eugnio Correia no mbito da Direco dos Edifcios do Sul/Seco de Construo de Casas Econmicas da DGEMN. Aqui dominava a habitao unifamiliar geminada, de um a dois pisos, e de inspirao popular. Abrangendo vrias tipologias, este bairro algarvio denotava o gosto tradicionalista do regime quando se tratava de albergar comunidades mais desfavorecidas ou de caractersticas rurais. O conjunto composto por oito arruamentos unifica em unifica-se torno da escola primria, equipamento colectivo de eleio na vida comunitria. A tendncia nacionalista que ainda representa ser posta em causa no Congresso com a necessidade em adoptar princpios reformadores. O problema tambm de carcter urbano, como Teotnio e Costa Martins apontam: face dos graves Em inconvenientes, hoje universalmente reconhecidos, da grande extenso das cidades, torna urgentemente torna-se necessrio aplicar em grande escala o princpio da construo em altura (1948: 246). Mas como altura reconhecem esta soluo no cobre todo o espectro social: considerando as caractersticas sociolgicas da considerando classe operria () e que no correspondem aos requisitos que uma grande aglomerao de fogos na mesma unidade exige; e dado ainda o carcter transitrio que preconizamos para as habitaes da mesma classe, cremos que as unidades habitacionais respectivas no podem ser desse tipo de construo (Idem). construo Uma situao de compromisso proposta por Tvora no Porto, numa rea afastada do centro da cidade, e por isso aberta experimentao. Existe na unidade residencial do Ramalde, pensada em 1952 para 6000

habitantes e influenciada pelo bairro lisboeta de Alvalade da autoria de Faria da Costa , grande liberdade na implantao dos edifcios que recorrem a uma configurao em banda, no excedendo os 3 pisos, prxima portanto da tradio moderna dos siedlungen da Europa Central, com os seus traados regulares e as fachadas brancas. Do Ramalde dir Nuno Portas na revista Arquitectura (n71, 1961), j em tom crtico: era ainda a primeira e legtima e at necessria oportunidade de () erguer o nosso bairro Siemens, de contrapor ao esprito acanhado e pequeno burgus de Alvalade h pouco terminado, um mtodo funcionalista, com a sua subordinao declarada exposio das fachadas, o seu conceito de terreno livre e de core, num zoning definido letra (2005a: 128). Considerava assim um pequeno Considerava-o avano face realidade arquitectnica portuguesa. igualmente ao modelo moderno que Castro Rodrigues recorre em 1952 quando, em Lisboa, no escritrio que partilha com Joo Simes e Huertas Lobo, sede das ICAT (Iniciativas Culturais Arte e Tcnica) e de onde saem os novos nmeros da Arquitectura, recebe uma encomenda da famlia Marques Seixas para um bloco habitacional a ser construdo na cidade angolana do Lobito. Castro Rodrigues desconhece ainda o territrio onde se fixar dois anos depois para integrar os quadros da Cmara Municipal local. Nesse conjunto, denominado Casa Sol, onde entrega as fachadas interveno artstica de Manuel Ribeiro de Pavia, interpreta as lies tropicais da arquitectura moderna brasileira, que vai acompanhando nas revistas internacionais e com a qual sente uma particular empatia. A sua principal preocupao adaptar a configurao moderna ao clima africano, introduzindo sistemas de ventilao cruzada e principalmente assegurando o ensombramento das fachadas atravs de varandas pronunciadas. O bloco estabelece algumas novidades no panorama colonial de ento ao propor uma circulao partilhada entre os moradores, provavelmente de origem metropolitana, e os serviais recrutados entre a populao africana. Com este edifcio, Castro Rodrigues impunha uma marca de grande qualidade ao Lobito que se reflectiria nas obras que posteriormente construiu nesta mesma cidade porturia. Ainda no continente africano, Pancho Guedes, em Loureno Marques (hoje Maputo), realiza em 1956 a sua obra-prima: o Leo que Ri, uma pequena unidade prima:

corbusiana sobre pilotis, com seis apartamentos, alojamentos mnimos para criados na cobertura e acessos em galeria. Pancho um arquitecto desalinhado deste discurso moderno portugus de perfil ortodoxo, traando j uma proposta de sntese entre o moderno corbusiano mais autntico recebido atravs da sua formao sul sul-africana e a prpria cultura africana. Desta combinao irrompe uma forma pessoalssima de surrealismo arquitectnico que exprime atravs dos seus cerca de 25 estilos individuais (mais tarde acrescentar outros), onde se destaca o stiloguedes. O Leo que Ri, com os seus dentes afiados moldados no beto, os seus murais decorativos, executados pelo pedreiro Gonalves, e as serralharias delicadas, sadas das mos do arteso Feliciano, consubstancia as particularidades deste estilo tornando Pancho num dos mais originais arquitectos portugueses da segunda metade do sculo XX. O seu grande feito superar o funcionalismo e usar a arte como meio privilegiado de aco dos arquitectos. A meio dos anos 60, quando se sente j integrante pleno do Team 10, exigir como manifesto: I claim for architects the rights and liberties I that painters and poets have held for so long (2007: 146). Nessa mesma dcada de 60, Ferno Lopes Simes de Carvalho, um dos trs arquitectos portugueses a colaborar directamente com Le Corbusier, constri na Quilunda, em Angola, entre 1960 e 63, seis moradias , rurais. Recuperando uma velha tipologia corbusiana que recorre abobada pr pr-fabricada em beto, Simes de Carvalho desenha uma expressionista casa funcional e moderna de um nico piso. Uma vez mais, os sistemas de ventilao obrigam a solues engenhosas como o recurso a grelhagens nas fachadas. O arquitecto dedicar-se-ia elaborao de planos urbansticos, ia fundando em Luanda o respectivo Gabinete de Urbanizao da Cmara Municipal onde dirigiu a equipa responsvel pelo Plano Director da Cidade entre 1961 e 1966. Participaria igualmente na concepo de bairros populares de grande escala como o dos pescadores, na ilha de Luanda, para o qual projectaria 500 fogos com o arquitecto Jos Pinto da Cunha (1963 (1963-66). Em Lisboa, a imagem progressista da Av. do Brasil ganha um contorno definitivo com a implantao perpendicular via dos blocos habitacionais do Montepio Geral de 1954 1954-62 desenhados por Jorge Segurado. Este arquitecto da velha gerao, nascido no final do sculo XIX e que se destacara na cultura

portuguesa desde os anos 30, seria tambm responsvel, com Filipe Figueiredo, das torres do cruzamento das Avenidas de Roma e EUA que sugeriam a importncia de uma implantao higienista (determinada a partir de uma franca exposio solar) do edifcio face ao traado urbano das ruas. Durante a sua participao no Congresso, Segurado tinha alis acusado o grande nmero de famlias que vivem mal alojadas em casas mal orientadas em relao aos raios benficos do Sol (1948: 230). Na Av. do Brasil, os oito Sol blocos residenciais guardam uma certa distncia entre si e erguem do cho libertando o plano trreo cidade. erguem-se So unidos por uma faixa construda de equipamentos, pequenos servios e uma galeria de cobertura ondulada que comprova a filiao internacional do conjunto. No mesmo quadro estilstico de cunho internacionalista encontram-se encontram duas realizaes no bairro lisboeta dos Olivais Norte, cujo plano realizado por uma equipa de projectistas ao servio do Gabinete de Estudos de Urbanizao da Cmara Municipal, destinado a 8.500 habitantes, distribudos por uma rea de 40 hectares, onde se encontram Sommer Ribeiro ou Pedro Falco de Cunha entre outros. Tratam dos quatro blocos Tratam-se habitacionais dos arquitectos Cndido Palma de Melo e Artur Pires Martins (1960 (1960-64) e dos edifcios em banda de Pedro Cid e Fernando Torres (1963). Destinando-se a faixas econmico econmico-sociais diferenciadas, estes dois exemplos demonstram como foram recebidas em Portugal as solues tipificadas pelo International Style. O primeiro caso corresponde transposio dos ensinamentos de Le Corbusier e das suas unidades de habitao, para blocos dirigidos a famlias relativamente numerosas e de classe mdia como comprovam as reas generosas dos apartamentos, a manuteno, por exemplo, de uma zona para acolhimento, em regime permanente, de pessoal domstico ou a existncia de garagens privadas. A continuidade com modelos de vida instalados na sociedade portuguesa contrasta aqui com o recurso galeria de distribuio e a existncia na cobertura de servios comuns ao condomnio, caso dos estendais de roupa. As bandas da dupla Cid/Torres retomam a organizao em duplex do fogo, definido a partir de reas mnimas mas extremamente funcionais, privilegiando a repartio comer/estar (piso inferior) e dormir (piso superior). As bandas so compostas pela sobreposio de mdulos que compem o apartamento, alcanando

os quatro pisos. A galeria superior de distribuio apresenta-se como uma rea de convivncia comum, se que remete para a rua area explorada em Londres pelo casal Smithson Esta apreenso revela o contacto Smithson. com novas fontes arquitectnicas entre os arquitectos portugueses, o que tambm pode ser comprovado pela anlise, em paralelo, da evoluo dos temas que vo ocupando as pginas das duas principais publicaes que ento acompanham a vida profissional na metrpole: as revistas Arquitectura, recentemente reformada com a presena no seu quadro editorial de Carlos Duarte, Frederico SantAna, Jos Daniel SantaRita, Nikias Skapinakis e Nuno Portas e a Binrio, dirigida por Manuel Tanha Tanha. Dentro j de um movimento crtico excessiva radicalizao abstraccionista destes conjuntos habitacionais surgem nos anos 60 apropriaes que se deslocam do modelo francfono liderado por Le Corbusier para o revisionismo italiano. Este processo reflecte-se com igual intensidade no desenho dos se edifcios como na estratgia de ocupao urbana que as suas implantaes deixam transparecer. Tanto o Bloco E no Bairro da Pasteleira, no Porto, dos arquitectos Sergio Fernandez e Pedro Ramalho (1964 (1964-73), como as cinco Torres Vermelhas de Carlos Loureiro e Lus Pdua Ramos, em Aveiro (1968 (1968-75), remetem para modelos mais organicistas no tratamento volumtrico que do s tipologias em banda e em torre com que trabalham. Estas transitam directamente do Movimento Moderno para uma abordagem mais realista que se manifesta na explorao das qualidades texturais dos materiais. Significativamente, os dois projectos recorrem plasticamente ao revestimento em tijolo vermelho e definio dos elementos estruturais em beto. Na Pasteleira, os desnveis que separam as zonas funcionais dentro do apartamento procuram exactamente reflectir as novas tendncias, o que tambm acontece nas janelas esquinadas das Torres de Aveiro. A transio da dcada de 60 para a de 70 traz para Portugal um novo entendimento sobre as estruturas urbanas e a concepo de grandes reas residenciais. Nesse sentido, o Plano Geral de Urbanizao de Chelas (1968), em Lisboa, de Francisco Silva Dias, executado ao servio da Repartio de Planeamento do Gabinete Tcnico de Habitao da Cmara Municipal, o Plano do Alto do Restelo, tambm de iniciativa municipal ainda que desenvolvido no escritrio lisboeta de Nuno

Teotnio Pereira (Nuno Portas, Pedro Botelho, Joo Pacincia, 1973), ou o Conjunto da Bela Vista, em Setbal (1974), projectado por Jos Charters Monteiro e Jos Sousa Martins, vo constituir um corpo de realizaes urbanas com identidade diferenciada das anteriores, simulando o regresso a uma monumentalidade e a uma nova conscincia histrica. No Restelo, como explica ento Nuno Portas, () a aposta est muito mais no que une os elementos de um ambiente urbano do que naquilo que os separa e, como aquela que foi a caracterstica da Cidade Histrica, era difcil que no resultassem dela () certas caractersticas morfolgicas que, pelo menos, superficialmente, se podem aparentar com alguns traados de bairros antigos das colinas da Cidade ou com o ambiente arquitectnico das ruas modernistas do tempo e influncia de Cassiano Branco () (1974, 2005b: 26). O retorno a uma linguagem que parecia ressurgir novamente dos siedlungen holandeses, germnicos ou austracos, iedlungen decorria, na verdade, de uma pequena revoluo que lvaro Siza iniciara no bairro pescador de Caxinas, em Vila do Conde, logo em 1970, ao revestir homogeneamente todas as superfcies retornando assim ao abstraccionismo das primeiras vanguardas e omitido a verdade dos materiais que marcara a dcada anterior. Os mesmos princpios plsticos aplicavam quer ao aplicavam-se Conjunto Habitacional da Zona N de Chelas, Pantera Cor-de-Rosa de Gonalo Byrne e Antnio Reis Cabrita Rosa (1972), quer aos Cinco Dedos de Vtor Figueiredo (1973), nas suas proximidades. As solues programticas todavia, no poderiam ser mais distintas. Se Byrne e Reis Cabrita se inspiram directamente em Gallaratese complexo residencial na periferia de Milo onde Aldo Rossi deixou a sua marca construindo um novo monumento habitao colectiva , deixandose influenciar principalmente pelos blocos de Carlo Aymonino, Aymonino Figueiredo expe a sua predileco por volumetrias lmpidas e de grande presena paisagstica. Nos dois casos, a monumentalidade funciona como um meio de dignificar um programa destinado a populaes em processo de realojamento, evitando assim conotaes de cunho pejorativo. Por ltimo, em Setbal, Charters Monteiro, ex ex-aluno e tradutor de Aldo Rossi, e Jos Sousa Martins encenam uma ltima , utopia antes da revoluo. Sob a influncia de Rossi, tentam reproduzir uma nova cidade para os operrios

da indstria pesada que caracteriza ainda a produo econmica de Setbal, com praas e galerias para convivncia social. Monteiro escrever mais tarde no JAJornal Arquitectos sob a direco de Michel Toussaint, Arquitectos, no ano da morte de Rossi: Ao conceito de lugar, da sua fixao e exclusividade, [Rossi] associa tambm o conceito de ptria: ptria ptria-lugar que pode ser to s uma cidade, uma rua ou mesmo uma janela; o que no impede que se possa ser, igualmente, cosmopolita (1997, 2005c: 199). cosmopolita este desejo que se expe poeticamente para os futuros operrios da Bela Vista. A histria est todavia a mudar. A revoluo concretiza e as necessidades de concretiza-se alojamento transformam uma vez mais. transformam-se

Ana Vaz Milheiro Lisboa, Maio de 2009

Bibliografia citada FIGUEIRA, Jorge/ NUNES, Jorge / MILHEIRO, Ana Vaz / GRAA DIAS, Manuel (Editores). Antologia JA 1981-2004. JAJornal Arquitectos, n218-219, Janeiro-Junho 2005c, Lisboa: Ordem dos Arquitectos GUEDES, Pancho. Manifestos, Ensaios, Falas, Publicaes. Lisboa: Ordem dos Arquitectos, 2007 . PORTAS, Nuno. Arquitectura(s) : histria e crtica, ensino e profisso, Porto: FAUP Publicaes, 2005a PORTAS, Nuno. Nuno Portas Prmio Sir Patrick Abercrombie - Prize 2005 Lisboa: Ordem dos Arquitectos, 2005b 2005. SINDICATO NACIONAL DOS ARQUITECTOS. Actas do I Congresso, Lisboa: SNA, 1948 ,

ColaboradoresAlunos da Cadeira de Histria da Arquitectura Portuguesa 08/09 Autores dos trabalhos realizados sobre os projectos apresentados neste catlogo

Eugnio Correia

Pedro Cid / Fernando Torres

Bairro Eng. Duarte PachecoAna Filipa Perna ; Celine Vicente Fernando Tvora

Edifcios em Banda em Olivais NorteCelso Raposo ; Francisco Pimentel ; Mauro Cristvam; Rui Cabral Sergio Fernandez / Pedro Ramalho

Unidade Residencial de RamaldeAna Santos ; Bruno Ferreira; Frederico Dionsio ; Susana Anastcio Francisco Castro Rodrigues

Bloco E da PasteleiraFlvia Falco; Hugo Coelho; Ricardo Carreiro; Tiago Cruz Carlos Loureiro / Lus Pdua Ramos

Casa SolCarlos Vala; Joo Cavaco; Joo Oliveira; Maria Marques; Mikheila Garrochinho ; Tnia Santos; Vanessa Belchior Viana de Lima

Torres VermelhasAndreia Cunha ; Manuel Fernandes Nuno Teotnio Pereira / Pedro Viana Botelho / Joo Pacincia

Bloco Costa CabralCarlos Vala; Joo Cavaco; Joo Oliveira; Maria Marques; Mikheila Garrochinho ; Tnia Santos; Vanessa Belchior Jorge Segurado

Bairro do ResteloAna Alves; Catarina Tavares; Edgar Jesus; Mrcio Lameiro; Patrcia Piteira Gonalo Byrne / Antnio Reis Cabrita

Blocos Habitacionais na Av. BrasilBrbara Varela; Nuno Mendes; Dlia Paulo Pancho Guedes

Pantera Cor de RosaChristopher Silva; David Pereira; Gonalo Leite; Liliana Vieira; Lus Ribeiro Jos Charters Monteiro / Jos Sousa Martins

Leo que RiAndr Cruzeiro; Dbora Flix; Ivan Jorge; Salvador Menezes Simes de Carvalho

Conjunto da Bela VistaAmlcar Nunes ; Duarte Santana ; Joana Pinto ; Leni Farenzena Vtor Figueiredo

6 Moradias em QuilundaAna Balona; Diana Catarino; Ely Cardoso Artur Pires Martins / Cndido Palma de Melo

Conjunto Habitacional Cinco DedosEduardo Filho

Blocos Habitacionais em Olivais NorteFilipa Fiza; Joo Cardim; Teresa Duro; Teresa Mendes; Aude Choppinet; Stijn Coppieters

* Todas as imagens e desenhos no referenciados foram cedidos pelos autores dos artigos.

HABITAR em COLECTIVO

Arquitectura Portuguesa antes do S.A.A.L.

Instituto da Habitao e da Reabilitao Urbana

1948-53Eugnio CorreiaBairro Eng. Duarte PachecoOlho Portugal

Olho situa-se no litoral do Algarve, entre Faro e Tavira, junto Ria Formosa. Por se volta do sculo XVI, instalou-se aqui uma armao de pesca de atum que atraiu se algumas dezenas de pescadores de Faro, acompanhados pelas famlias. Olho tem como ncleo primitivo o Bairro do Barreto, constitudo inicialmente por casas de palha que pertenciam aos pescadores. S em 1715 foi autorizada a primeira habitao em alvenaria. Aps o terramoto de 1755 a cabana foi, cada vez mais, dando lugar casa de pedra. A cidade de Olho conhecida como a cidade cubista, devido aos volumes cbicos que compem as habitaes as aoteias, os mirantes, os terraos e as varandas, que caracterizam as habitaes e a paisagem urbana , sobretudo no seu ncleo primitivo, com a sua estreiteza nas ruas de matriz marcadamente arbico arbicoislmica. Tal se deve ao facto de os pescadores terem navegado pelo Mediterrneo, estabelecendo assim intensas relaes com o litoral marroquino, de onde tero trazido as influncias que se repercutiram nas formas arquitectnicas das suas casas, cbicas e caiadas de branco. Isto explica a razo pela qual Olho constitui o nico exemplo de povoamento moderno e ocidental com caractersticas vincadamente mouriscas, sem nunca ter sido na verdade um povoamento rabe. Influncias do mediterrneo e do norte de frica conferem conferem-lhe caractersticas prprias e adaptadas ao clima. A aoteia o terrao ladrilhado, rodeado por uma platibanda baixa, utilizado para a secagem de frutos e cereais (abbora, feijo, etc.) aparece em algumas casas algarvias, assumindo em Olho formas invulgares, sendo o seu acesso feito normalmente por escadas exteriores. Estas partem muitas vezes de um ptio murado e terminam numa guarita ou pengaio. A construo divide em . divide-se componentes de forma cbica de dimenses sucessivamente menores e distribudas por vrios nveis. Os nveis mais altos prendem com as necessidades prendem-se de observao do mar e das embarcaes. Vivendo da pesca e da agricultura, o ncleo antigo de Olho, com as suas habitaes de carcter prprio, reflecte um compromisso entre estas duas actividades. A habitao social em Olho foi um tema constantemente tratado ao longo do sculo XX. Um dos primeiros bairros sociais do pas, o Bairro dos Pescadores do arquitecto Carlos Ramos, foi construdo nesta cidade em 1925. Outro deles, na Fuseta, encontra-se em processo de classificao patrimonial. excepo dos se 022

concelhos de Lisboa e Porto, a autarquia de Olho era, na dcada de 1990, a segunda principal entidade locatria do pas, tendo produzido no ltimo sculo conjuntos habitacionais de cariz social muito diversos, tanto em relao aos contextos em que foram edificados, como em relao aos resultados obtidos. Na primeira metade do sc. XX, a instalao da indstria de conservas de peixe fez de Olho uma vila rica e extremamente produtiva. Infelizmente, na ltima metade de novecentos, a decadncia da indstria conserveira e da prpria pesca empobreceu a vila que, no entanto, foi elevada a cidade em 1985. Devido a esta quebra na indstria piscatria, principal fonte de rendimento da grande maioria da populao local, muitas famlias entraram em crise econmica, causando uma forte onda de pobreza. Com esta recesso econmica, o Estado promoveu a construo de inmeros bairros sociais. Um desses bairros actualmente designado por Bairro da Cavalinha. O Bairro da Cavalinha foi iniciado em 1948 existem dados de que j estaria construdo em 1953 pelo arquitecto Eugnio Correia (1897 (1897-1985), integrado na Seco de Construo de Casas Econmicas da Direco dos Edifcios do Sul, departamento da DGEMN (Direco Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais). Localizado no limite de Olho, junto da Estrada Nacional 125, constitudo por 100 fogos com trs tipologias. Embora fosse considerado uma interveno de habitao social, diferenciava-se de outros bairros pelo facto de pretender albergar se essencialmente trabalhadores do Estado, onde cada tipologia era destinada a diferentes extractos sociais. A tipologia de rs-do-cho destinava a funcionrios cho destinava-se camarrios e a agentes de autoridade; a de primeiro andar com trs janelas a oficiais superiores; e a de primeiro andar com quatro janelas a comerciantes e a industriais. No entanto, a grande maioria das habitaes pertence primeira tipologia. se A arquitectura deste bairro inspira-se no ncleo histrico da cidade, onde so visveis fortes caractersticas de uma arquitectura de influncias mouriscas. A aoteia e o seu acesso por escadas exteriores fazem deste modo parte integrante da composio. O bairro constitudo por habitaes geminadas que so agrupadas duas a duas ou quatro a quatro, respeitando sempre a simetria. As divises tm reas mnimas e o p direito da habitao aproximadamente de 2,7 metros, embora as dimenses das divises se alterem consoante a tipologia da habitao. Todas as divises so dotadas de iluminao natural atravs de uma janela. O material de construo a pedra e o calcrio, e para os acabamentos foi utilizado o tijolo-burro. As fachadas foram originalmente caiadas de branco, tal . como as casas tpicas de Olho, embora hoje em dia muitas delas tenham sido revestidas a azulejo. A tipologia de rs-do-cho tem um quarto; a tipologia de primeiro andar com trs cho janelas tem trs quartos; e a tipologia de primeiro andar com quatro janelas tem quatro quartos. As escadas traseiras que levam aoteia so partilhadas pelos vizinhos, estando separadas apenas por um corrimo de ferro, criando oportunidade para uma maior aproximao entre a vizinhana e proporcionando um sentimento de pertena comum. Todas as habitaes tm um quintal lateral, onde os moradores podem cultivar, e nas frentes pequenos canteiros e bases para vasos servem para embelezar as suas casas. As caixilharias dos vos so em madeira, e as portas contm um postigo. A casa tem uma entrada principal e outra de servio nas traseiras. As dimenses das paredes so adaptadas ao clima, tal como as habitaes tradicionais, tendo as exteriores 50 centmetros de espessura e as interiores 30 centmetros. Este bairro equipado com duas escolas, originalmente divididas por sexos. Os edifcios das escolas so compostos por quatro salas de aula, duas casas de banho para os alunos e duas para os professores. Possuem tambm dois gabinetes laterais.

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O edifcio tem ao centro um espao que era destinado cantina, com cozinha prpria. Existem ainda dois ptios cobertos e uma rea de recreio extensa e vedada. Hoje conhecido como Bairro da Cavalinha, devido existncia de uma horta com o mesmo nome, tem como designao oficial Bairro Eng. Duarte Pacheco, Ministro das Obras Pblicas no governo de Salazar. este nome que prevalece entre os primeiros moradores. A construo do Bairro teve como objectivo principal conferir aos habitantes uma base digna de integrao social, motivando assim para o seu motivando-os trabalho, promovendo o bem-estar no dia-a-dia e procurando mant dia mant-los produtivos para o bem nacional. Pertenceu numa primeira fase ao Instituto Nacional do Trabalho e Previdncia Direco Geral da Previdncia e Habitaes Econmicas, sendo transferido para o Fundo Fomento da Habitao que aps a sua extino passou a operar no IGAPHE (Instituto de Gesto e Alienao do Patrimnio Habitacional do Estado), que actualmente se decomps em Direco Regional da Cultura de cada uma das regies do pas. Para a compreenso deste bairro, necessrio observar experincias anteriores neste domnio, nomeadamente o Bairro dos Pescadores de Carlos Ramos, baseado num funcionalismo racional. Este bairro tem patentes todas as caractersticas das casas tpicas de Olho, e a sua construo reflecte uma atitude em sintonia com alguns dos pensamentos expressos por Raul Lino no seu livro A Nossa Casa (1918), que um marco na reflexo sobre a prtica arquitectnica no domnio da arquitectura domstica. Raul Lino valoriza uma postura baseada no entendimento do stio, na reinveno dos materiais tradicionais e na importncia da vivncia domstica, propondo um conceito moderno e inovador de obra global que contemplava todos os aspectos da habitao pensados em conjunto, desenvolvendo-a a partir do interior para o exterior. Relacionamos ento estes dois a nomes com a arquitectura do Bairro das Casas Econmicas Eng. Duarte Pacheco, por um lado pelas caractersticas de extrema semelhana com o Bairro dos Pescadores, e por outro pelas aplicaes tericas defendidas por Raul Lino. Todos os bairros econmicos posteriores ao dos Pescadores tm caractersticas semelhantes, seguindo o enquadramento arquitectnico da ainda vila de Olho. Em 1948, com a realizao do I Congresso Nacional de Arquitectura, os arquitectos reuniram-se e reivindicaram a implementao da arquitectura moderna e a soluo se do problema da habitao, fundamentada numa tomada de conscincia da necessidade de produzir obras verdadeiras e contemporneas sem se perder o vector da tradio e das razes da arquitectura portuguesa. Keil do Amaral torna-se o defensor das bases para a construo de uma perspectiva de metodologia projectual diferente, teoricamente racional mas sem perder a linha contnua de saberes da construo popular, utilizando uma linguagem simples e equilibrada, e apelando a Uma Iniciativa Necessria1 de recolha e classificao dos elementos prprios da arquitectura portuguesa nas diferentes regies do pas, com vista publicao de uma obra de vasta e criteriosa documentao, que permitisse um debate srio e cientfico sobre a problemtica da arquitectura de cariz nacional. Simultaneamente, Fernando Tvora publica o ensaio O Problema da Casa Portuguesa, falando claramente da arquitectura moderna, mas fazendo a ponte , para a casa popular que fornece grandes lies quando devidamente estudadas pois fornece ela a mais funcional e a menos fantasiosa, numa palavra aquela que est mais de acordo com as novas intenes2. Analisando a arquitectura do bairro em estudo, verifica uma preocupao na sua verifica-se integrao com a envolvente, principalmente atravs da inspirao nas construes locais. As tipologias de cada habitao encontram agrupadas entre encontram-se si. As plantas so de grande simplicidade, racionalidade e funcionalidade e a prpria construo respeita a tradio. O facto de existir uma poltica em que os habitantes pagavam uma renda at cobrirem integralmente o custo da sua

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habitao, traduziu-se numa maior identificao dos moradores com o bairro, se contribuindo para a sua manuteno e segurana.

1 ttulo de

um artigo de Keil do Amaral que deu origem ao incio da elaborao do Inqurito Arquitectura Popular em Portugal, cf. Francisco Keil do Amaral, Uma Iniciativa Necessria, Arquitectura, Lisboa, 2 srie, n. 14, Abril de 1947.2 Fernando

Tvora, O Problema da Casa Portuguesa, in Luiz TRIGUEIROS, Fernando Tvora, 1993, p.13

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Planta de implantao do bairro

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1952-60Fernando TvoraUnidade Residencial de RamaldePortoPortugal

Fernando Tvora (1923-2005), nascido na cidade do Porto, cresceu no seio de uma 2005), antiga famlia da nobreza do norte de Portugal, dividindo sua infncia e a juventude entre os solares familiares do Minho e da Bairrada; e as praias da Foz 1. Foz Recebe uma formao na tradio das Belas-Artes, terminando o curso de Artes, arquitectura no ano de 1952. A este propsito dizia: tive uma educao clssica e Eu conservadora. Quer dizer que entrei para a Escola enamorado pela Vnus de Milo e sa fascinado por Picasso2. O Estado Novo de Oliveira Salazar inicia, nos anos 30, as grandes obras de infra infraestruturas, nas quais os arquitectos, pela mo de Duarte Pacheco Ministro das Obras Pblicas , vo ver reforada a sua importncia, ao aceitarem a procura, por , parte do regime, de uma linguagem arquitectnica que traduzisse uma identidade nacional. O desenvolver desta temtica resume-se, na maior parte dos casos, a uma se, colagem de componentes histricas nas novas edificaes, sem qualquer correspondncia realidade regional e vernacular que era suposto servir de exemplo. A cultura arquitectnica portuguesa contempornea, que se inicia no princpio dos anos 50, afasta-se desta problemtica e procura introduzir a se arquitectura moderna em Portugal. Na Escola de Belas Artes do Porto, Tvora teve como principal professor Carlos Ramos, um arquitecto de Lisboa que veio a ter um papel fundamental na sua formao, pela implementao na escola de uma nova metodologia, moderna, dando-lhe a conhecer o purismo racionalista e a realidade internacional, citando, lhe entre outros, Walter Gropius. Esta era uma poca em que se caminhava . entre modelos de templos romanos, da arquitectura italiana e alem e ainda, por fim, modelos da arquitectura brasileira e racionalista3. Nos ltimos anos da sua licenciatura surgiram as referncias a Le Corbusier e arquitectura brasileira moderna, que comeava a chegar a Portugal atravs de algumas publicaes, nomeadamente o livro Brazil Builds, que testemunha a exposio homnima realizada no MoMA de Nova Iorque em 1943. O trabalho de arquitectos como Lcio Costa e Oscar Niemeyer causaram um enorme deslumbramento em Tvora. A arquitectura brasileira, bem como a Carta de Atenas, assumiam-se como exemplos de um caminho alternativo, sendo neste contexto se que Tvora desenvolve o seu CODA, com o projecto A Casa sobre o Mar (1952). Em Portugal continuava a discutir-se a problemtica da casa portuguesa, se 028

questionando-se a existncia de uma esttica de carcter nacionalista na se construo, o que ia ao encontro dos pressupostos do regime. Os arquitectos que defendiam esta posio apoiavam-se nos livros de Ral Lino, A Nossa Casa (1918), A Casa Portuguesa (1929), e Casas Portuguesas (1933), para argumentarem contra o internacionalismo presente no Movimento Moderno. A dicotomia entre o apelo das correntes internacionais e o respeito que Tvora mantinha pela arquitectura de tradio popular foi um ponto central do seu desenvolvimento como arquitecto, levando-o com 24 anos a redigir, em tom de o manifesto, O Problema da Casa Portuguesa. Neste ensaio aborda as questes da . caracterizao, da continuidade e do enraizamento da nossa arquitectura, defendendo a sua necessria modernidade, considerada condio indispensvel para que fosse validamente portuguesa. Afirma que os arquitectos portugueses no souberam colher dela [da arquitectura vernacular] qualquer fruto, pois a Histria vale na medida em que pode resolver os problemas do presente e na medida em que se torna um auxiliar e no uma obsesso4. durante este perodo que a arquitectura portuguesa inscreve a sua marca no contexto internacional e com Tvora que () acerta primeiro o passo com a Europa. Este facto permite, por outro lado, evocar a universalidade da sua obra e superar a questo da localidade ou seja, do excesso de conotao com a sua condio portuguesa5. Tvora tem a oportunidade de consolidar a sua linha de pensamento quando assiste ao Congresso de 1948, onde se defende a utilizao dos princpios da Carta de Atenas, desde que aplicados de acordo com as realidades nacionais. Ainda neste , congresso foram sentenciados certos regionalismos formais, manifestando respeito pela essncia dos materiais. A cpia ou mera imitao do passado foi tambm altamente condenada, por privarem a arquitectura moderna da sua verdadeira expresso e adaptao ao seu prprio tempo, rejeitando a ideia estereotipada da casa portuguesa. Em 1951, assiste ao VIII CIAM (Hoddesdon onde v confirmadas Hoddesdon), as suas preocupaes com uma arquitectura moderna capaz de se identificar com os valores formais e espaciais da tradio construtiva. A este propsito relatar, mais tarde, que aquele era o congresso do Le Corbusier de Chandigarh, da arquitectura hind, desse grande espao cheio de manifestaes espontneas 6. , espontneas No princpio da sua carreira possvel verificar a dificuldade com que tenta aliar os seus princpios tericos com a prtica arquitectnica, pois nos seus primeiros projectos serve-se de um vocabulrio vincadamente racionalista. disso exemplo o se Bairro Residencial de Campo Alegre (1949), onde procura a construo de uma paisagem nitidamente urbana: Eu via nesta soluo do Campo Alegre como um acto Eu perfeitamente portuense, capaz de produzir um grande impact 7. A estes projectos, impact nunca realizados, segue-se a Unidade Residencial de Ramalde. se Datado de 1952-60, este projecto rompe com a estrutura morfolgica do 60, quarteiro. O plano foi executado luz da Carta de Atenas como explica Tvora: um Atenas, plano moderno, e moderno implica continuidade de espaos, edifcios abertos plano abertos, pensado com o objectivo de permitir o mnimo de vida prpria 86. Neste sentido, permitir prpria podemos encontrar paralelismos entre este plano e outros anteriores, como o Bairro das Estacas, em Lisboa (1949-1955) de Formosinho Sanchez e Ruy d`Athouguia , onde encontramos semelhanas ao nvel da relao que o interior , da habitao estabelece com o espao verde envolvente. De acordo com os princpios defendidos nos CIAM para um complexo habitacional exemplar, este conjunto inclua, para alm da habitao, servios pblicos desde um centro comercial a equipamentos escolares e a um parque polidesportivo livremente dispostos, dos quais nenhum chegou a ser construdo. Neste esquema de organizao urbana, o trfego automvel perdia importncia medida que se aproximava de uma rua pedonal arborizada, que ligava a casa, o parque, o centro comercial e restantes edifcios pblicos. Segundo Marta Quinaz, Tvora criou

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espaos de transio entre o domnio pblico e o privado, devolvendo populao em geral uma parcela de cidade9. Seguindo uma ideia de acolhimento num ambiente de intimidade colectiva, Tvora prope a continuidade como caracterstica fundamental do espao pblico, organizado para ser apropriado pelo Homem. Entendia o territrio como um todo. Os espaos que ligam os edifcios foram tratados com o mesmo rigor arquitectnico presente nos espaos construdos e no como parte excedente do plano. se heliotrmico Os blocos habitacionais dispem-se paralelamente, seguindo o eixo orientao nascente-poente das fachadas , o que permite uma iluminao , natural constante no interior das habitaes. No desenvolvimento de uma segunda fase, nota-se outra inteno: a de quebrar o montono paralelismo, criando se pequenos ncleos entre os blocos. O conjunto edificado do bairro foi construdo em trs fases, sendo as duas primeiras da responsabilidade de Fernando Tvora. Iniciativa da Federao das Caixas de Previdncia, a Unidade Residencial de Ramalde constituiu constituiu-se, numa primeira fase, por um grupo de blocos de habitao de renda econmica. Foram construdos 186 fogos, distribudos por 11 blocos de edifcios com trs pisos cada. Existem trs tipologias: T2 (78 fogos), T3 (96 fogos) e T4 (12 fogos). Os apartamentos organizam-se segundo o esquema de direito/esquerdo. No se interior, todas as divises esto dispostas de modo a possibilitar uma correcta iluminao e ventilao, no existindo corredor de distribuio. A zona de estar est voltada para a fachada principal, exposta a poente, e prolongada por uma varanda que se debrua sobre os espaos verdes exteriores. J as zonas de servio cozinha e quarto de banho esto juntas e voltadas a nascente com ligao a uma varanda recuada, de apoio, onde foi prevista a instalao de um tanque de lavagem de roupa e de uma conduta de recolha de lixos comum, ligada a uma caixa de lixos instalada na cave, que acedida a partir do exterior. O quarto de banho encontra encontrase ao lado da cozinha e comunica com a varanda atravs de uma pequena janela elevada. Os quartos situam-se no lado contrrio entrada do apartamento, se permitindo maior intimidade, e so acedidos por um pequeno trio. Devido a um rigoroso controlo da escala, que tem como objectivo responder s necessidades bsicas para um espao habitvel, de modo a seguir as intenes do Movimento Moderno. Os espaos interiores no tm a inteno de ser confortveis, respondendo apenas s funes bsicas dirias. De modo a maximizar as reas, os arrumos encontram-se junto ao tecto no trio dos quartos, e no trio de entrada se usado um armrio de parede onde esto todos os quadros de controlo de consumo , que resguarda a sala de estar em relao entrada do apartamento. , Esta primeira fase aquela que responde melhor aos objectivos pretendidos por Tvora, destacando-se as paredes claras e as varandas pintadas com as cores se primrias. No lado poente da primeira fase foi depois projectado outro tipo de habitaes, com um programa definido, no pela Federao das Caixas de Previdncia, mas pelo GAM (Grmio dos Armazenistas de Mercearia). Em frente a este terreno e a uma cota mais baixa, foi mais tarde construda a zona desportiva da Unidade Residencial de Ramalde. As 60 habitaes previstas foram distribudas em agrupamentos horizontais de 4 fogos tipo A, com ou sem cave e verticais de 6 fogos tipo B, com cave conseguindo-se desse modo um bom aproveitamento do terreno e uma um indispensvel variedade de volumes ao longo do arruamento 10. O tipo A arruamento constitudo por uma cozinha, trs quartos, um quarto de banho, um vestbulo, uma sala de estar e uma de jantar, que se abre sobre um pequeno jardim; o tipo B constitudo por uma cozinha, dois quartos, um quarto de banho, uma sala comum que comunica com uma ampla varanda possibilitando vida ao ar livre e uma arrecadao na cave. As casas do tipo A sero mobiladas com armrios previstos As

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tanto nos quartos como nas cozinhas e cada um ter o seu fogo de sala colocado de forma tal que permita um bom aquecimento de toda a moradia 11. moradia Dadas as condies de terreno foi possvel a construo de uma variante: nas superfcies em que se impe elevar a cota actual do terreno foi considerada a variante superfcies tipo A, com cave; nas restantes as habitaes implantadas de acordo com o terreno e portanto desligadas do perfil do arruamento, evitando-se assim escavaes que de se outro modo seria necessrio realizar e respeitando-se, na medida do possvel, o relevo se, existente (...) Os desnveis entre a cota do arruamento e a cota da implantao sero vencidas com rampas ou escadas, o que no impede o considerar em todas as considerar-se moradias do tipo A o jardim j citado que constitua o prolongamento exterior da sala de estar12. Numa segunda fase, concluda em 1960, estava prevista a construo de 234 fogos, distribudos por trs tipologias. No entanto, com o evoluir da construo, esses nmeros foram modificados. Passaram ento para 240 fogos T2 (36 fogos), T3 (108 fogos) e T4 (96 fogos) , aumentou-se tambm o nmero de pisos em relao se primeira fase variando os volumes entre trs e quatro pisos e a cobertura passou a ser feita com telhado de duas guas. Em relao s fachadas, inverteram inverteramse as cores da primeira fase, passando estas a ser coloridas, e as varandas deixadas em beto aparente. se A distribuio das casas fez-se de acordo com um Plano Parcial fornecido pela Cmara Municipal do Porto, integrando o conjunto j iniciado da Unidade Residencial de Ramalde. Nota-se, no entanto, a inteno de criar pequenos ncleos se, cujo ambiente conta com a variao de pisos entre as construes. Este plano prev construes em fiadas paralelas, orientadas segundo o eixo heliotrmico, tal prev como as construes da 1 Fase. Entre os blocos distribuem espaos verdes de boas distribuem-se dimenses13. As tipologias diferenciam-se pelo nmero de quartos, se pois que os princpios gerais de distribuio em plantas, de partido plstico e de construo, so em tudo comuns. Alm dos quartos em nmero varivel, cada fogo conta ainda com uma sala comum, uma cozinha e um quarto de banho, peas que se prolongam para o exterior por meio de duas varandas, uma em cada frente. A distribuio das vrias peas, o seu dimensionamento e a sua iluminao e ventilao naturais, so, dum modo geral, correctos, dado o carcter econmico das construes, que implica solues sbias, simples e multiplicveis14. A nvel construtivo adoptou-se um princpio que os Servios Tcnicos das se Habitaes Econmicas da Federao das Caixas de Previdncia j vrias vezes tinham posto em prtica. Este consiste numa base com fundaes em beto ciclpico e alvenaria de pedra no havendo assim a necessidade de remoo de uma grande quantidade de terras , numa estrutura mista de tijolo furado e beto, , nas paredes exteriores, e numa estrutura de tijolo macio nas paredes interiores, enquanto que a estrutura horizontal composta por lajes de beto. A impermeabilizao das paredes feita com argamassa hidrofugada, com acabamento a massa de areia fina. Na cobertura foram aplicados feltros asflticos, atingindo-se desse modo estruturas muito ligeiras em que os materiais se comummente usados respondem a todas as necessidades: matria de Em acabamentos, nada apresenta o Projecto que seja digno de meno especial dada a normalidade dos materiais e dos processos adoptados15. As caixilharias exteriores so em madeira macacauba, funcionando com um sistema , de guilhotina que desliza no sentido descendente para uma reentrncia na parede, visvel a partir do exterior. No interior utilizou-se diversos materiais conforme a se natureza de cada diviso: os pavimentos de tacos de pinho nas zonas de estar e de dormir, e os de lambris de marmorite nas zonas hmidas, nas varandas e nas escadas de acesso. Os armrios dos quartos tambm foram pensados no projecto,

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sendo de madeira e embutidos na parede divisria. Nas guardas das varandas foram exploradas as potencialidades estruturais e plsticas do beto vista, tirando partido dos veios marcados pelas cofragens juntamente com elementos metlicos. Do ponto de vista plstico, as solues adoptadas reflectem o interesse de Tvora em dotar os edifcios de uma expresso sbria e serena, o que se reflecte na adaptao do ritmo da fachada de modo a conseguir manter uma simetria compositiva. Hoje em dia alguns dos aspectos fundamentais poca para a definio do projecto foram deturpados. Devido falta de manuteno, as guardas metlicas das varandas esto degradadas e algumas foram substitudas por elementos diversos. Os soalhos de pinho degradaram-se, sendo substitudos por pavimentos se, de outros materiais. O sistema de guilhotina aplicado nas janelas revelou pouco revelou-se eficiente, sendo substitudo por outros sistemas de caixilharia. As varandas de apoio da cozinha foram transformadas num espao interior atravs de marquises. O sistema de recolha de lixo, ento inovador, foi desactivado devido sua m utilizao. A pintura das fachadas exteriores, principalmente os blocos edificados na segunda fase, foi substituda por outras cores. desleixo dos espaos exteriores O permanece16. Os princpios adoptados neste projecto foram bastante discutidos ento, hoje bastante aplaudidos por muitos mas ainda fortemente repudiados por alguns, que, em nosso entender, garantia de que possua certas qualidades que, esperamos, o tempo no vir destruir17.

1 Luiz TRIGUEIROS, 2 Fernando

Fernando Tvora, 1993, p.23 Tvora, in Luiz TRIGUEIROS (op. cit.), p.23 3 Fernando TVORA, Arquitectura, n. 123, 1971, p. 52 4 Fernando TVORA, O Problema da Casa Portuguesa, 1945, p.12 , 5 Ana Vaz MILHEIRO, A Minha Casa um Avio, 2007, p.94 6 Fernando TVORA, in Luiz TRIGUEIROS (op. cit.), p.26 7 Nuno PORTAS, Arquitecto Fernando Tvora: 12 anos de actividade profissional, Arquitectura, n.71, 1961, p.13 8 Cf. nota 6 9 Marta QUINAZ, Da folha raiz: Janurio Godinho, Fernando Tvora, lvaro Siza Vieira: um passeio pelo mundo orgnico, 2005, p.105 10 Memria Descritiva e Justificativa do plano do G.A.M., 1952 , 11idem 12idem 13 Memria Descritiva e Justificativa H.E. F.C.P., 2 fase 14idem 15idem 16 Nuno PORTAS (op. cit.), p. 15 17 Cf. nota 13

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1963

1963

construo

PLANO PROPOSTO DA UNIDADE RESIDENCIAL DE RAMALDE, 1952

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ALADO poente

PLANTA de conjunto tipo 3

6 71 . sala comum _ 16,9m2 2 . cozinha _ 5,8m2 3 . quarto de banho _ 3,9m2 4 . rea de circulao _ 5,6m2 5. varanda _ 2,8m2 6. varanda _ 5,6m2 7. quarto _ 13,5m2 8. quarto _ 12,6m2 9. rea de circulao comum _ 9,7m2

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PLANTA TIPO 2

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Cristina Salvador, 2005

1952Francisco Castro RodriguesCasa SolLobitoAngola

Francisco de Castro Rodrigues (n. 1920), entrou na Escola de Belas Artes de Lisboa em 1940, no curso de arquitectura, onde foi colega de Conceio Silva e Formosinho Sanchez, entre outros, aprendendo a disciplina numa orientao beaux , arts, habitual na poca, e que contraria todas as ideias modernas que vinham , timidamente nascendo. No atelier do arquitecto Paulo Cunha, onde estagiou ao lado de Manuel Costa Martins, Castro Rodrigues faz a sua primeira abordagem a uma arquitectura tropical e sua adaptao aos microclimas das regies coloniais, estudando problemas de insolao e humidade. Em 1944, j no Gabinete de Urbanizao Colonial, realizou o primeiro Plano Urbanstico para a cidade do Lobito em Angola, afirmando, a propsito do trabalho desenvolvido neste gabinete, que os planos eram feitos a metro, para o Presidente da Repblica Craveiro Lopes oferecer ao Lobito na sua viagem. Como afirma Ana Vaz Milheiro no seu ensaio sobre Castro Rodrigues e Pancho Guedes, este processo de trabalho demonstra o grau de impreciso com que este lida o arquitecto que na metrpole projecta para as colnias antes de 1947 1. 1947 Entre 1945 e 1948 pertenceu ao MUD (Movimento de Unidade Democrtica), desenvolvendo uma campanha de oposio ao Estado Novo que culminou em 1949 na candidatura de Norton de Matos presidncia da Repblica. O seu atelier em Lisboa funciona como centro de discusso de arquitectura moderna: no escritrio da rua Dr. Alexandre Braga, que [Castro Rodrigues e Joo Simes] partilham com Jos Huertas Lobo, que se preparam os novos nmeros da Arquitectura, servindo de sede para as ICAT, cujo papel reformista se resume edio da revista. Deste escritrio sairo projectos conjuntos para Angola, Cabo Verde e So Tom e Prncipe entre 1946 e 19532. Esses projectos denotam uma clara preocupao do ponto de vista de aspectos como a exposio solar e a ventilao. Um dos exemplos em que se ensaiaram os dispositivos de ensombramento calculados atravs de um aparelho inventado por Armnio Losa foi na Casa Sol, habitao colectiva construda em 1952, que Castro Rodrigues desenha, a partir de Lisboa, para o Lobito, a pedido da famlia Marques Seixas que a tinha adquirido trs lotes de terreno3. Um dos primeiros contactos que estabelece com a arquitectura internacional brasileira, que muito o influenciar, surge quando participa com Francisco Keil do Amaral na Comisso de Exposies do Sindicato Nacional de Arquitectos, nomeadamente na Exposio de Arquitectura Contempornea Brasileira montada 036

na Sociedade Nacional de Belas Artes, que acompanha o III Congresso da Unio Internacional dos Arquitectos, realizado em Setembro de 1953 no Palcio Foz, em Lisboa. Castro Rodrigues fica fascinado com a arquitectura de Lcio Costa e Oscar Niemeyer, sendo o edifcio do Ministrio da Educao e Sade Pblica, no Rio de , Janeiro, uma importante referncia das ideologias da altura. Ainda em 1953, Castro Rodrigues contratado para ir trabalhar como arquitecto na Cmara Municipal do Lobito, aguardando 11 meses pela autorizao para residir em Angola. Entretanto, prepara dois nmeros seguidos da revista Arquitectura, o duplo 50-51 e o 52, dedicados em grande parte a Le Corbusier e a Roberto Burle Marx, respectivamente. Quando parte para o Lobito, numa comisso de quatro anos que acaba por se prolongar at 1987, Castro Rodrigues tem a possibilidade de corrigir certas falhas do seu plano urbanstico atravs de uma srie de linhas de actuao faseadas, chegando ainda a tempo de acompanhar a construo da Casa Sol. Este conjunto integra-se numa grande praa denominada Lus de Cames, devido existncia no se local de uma esttua do poeta, e dividido em trs blocos distintos, sendo o central reservado a apartamentos e os de topo a moradias. O bloco dos apartamentos tem trs pisos, dois deles de tipologia T2 compostos por uma grande sala com portas amovveis para os quartos e um passa-pratos para a cozinha , sendo o ltimo piso reservado aos empregados com apenas um , quarto, uma instalao sanitria e uns pequenos arrumos , e acessvel atravs de uma escada prpria, tal como acontecia com os apartamentos principais. As moradias so de tipologia T4, compostas no rs-do-cho por uma garagem, uma cho cozinha e sala comum, e no primeiro piso pelos quartos. A estrutura do edifcio de apartamentos aporticada em beto armado. O rs-do do-cho, composto por uma colunata, recua, permitindo uma zona de passagem abrigada. O arquitecto tentou tambm tirar partido das varandas para proteger do sol e utilizou grelhas para permitir uma melhor ventilao. Chama-se ao bloco poente Casa Sol por este integrar um painel de azulejos da se autoria do pintor Manuel Ribeiro de Pavia, com a representao de um sol e um antlope. Este painel foi intitulado O Sol um Touro, pois em frica sol queima o como um touro fere4. No bloco a nascente foi tambm colocado um painel, com uma lua, e intitulado A Lua Embruxada, mas que ao contrrio do anterior no chegou a dar nome ao bloco. Esta integrao das artes plsticas na arquitectura no foi inovadora em territrio angolano: j na aerogare de Luanda, do arquitecto Keil do Amaral, foi integrado um painel de grafite do pintor angolano Neves e Sousa. Castro Rodrigues interessou-se por esta integrao , explorando essa relao se em vrias obras. Durante uma conversa com o arquitecto, este esclareceu que a obra de Ribeiro de Pavia no vem rematar uma parte do edifcio, mas que parte integrante do projecto. Num esprito igualmente progressista, o arquitecto tentou no mesmo bloco de habitao integrar criados e patres, mas tal atitude foi chumbada pelo delegado de sade. No entanto, como um dos proprietrios era o Presidente da Cmara Municipal, o comandante Pina Cabral, o projecto foi aprovado. Em 1970-73, com as aberturas dos acessos zona alta do Lobito, o arquitecto 73, projectou o bairro municipal do Alto do Liro, em processo de auto , auto-construo. Esta rea proporcionava qualidades climatricas especiais em relao zona baixa, mantendo uma diferena de menos dois graus de temperatura e menos 20% de humidade relativa. O bairro permitiu criar em dois anos fogos para 7200 famlias de nativos, dando-lhes condies de habitao e resolvendo os problemas de lhes insalubridade. Castro Rodrigues refora a importncia dos planos urbansticos para a concepo do tecido urbano: o urbanismo o que vai compilar todas as disciplinas necessrias o

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para o controlo do espao arquitectnico5. Para alm dos planos urbanos, o arquitecto foi preenchendo o Lobito com estruturas fundamentais, numa linha moderna, tais como o Edifcio da Cmara (1962), o Mercado Municipal e o CineEsplanada Flamingo (1963), a nova Aerogare e o Lobito Sports Club (1964), o Liceu (1966), entre muitos outros. Projectou ainda vrias infra infra-estruturas, nomeadamente espaos pblicos e respectivo mobilirio urbano, como o caso do Jardim Joo de Deus (1955), da passagem desnivelada junto ao bairro central comercial, das Portas do Mar e do Monumento aos Heris (1963). Uma das maiores preocupaes de Castro Rodrigues foi a adaptao dos edifcios s condies do terreno e ao clima da regio: a arquitectura deve adaptar sempre deve-se natureza6. Em 1988, o Arquitecto do Lobito, como ficou conhecido, regressou a Portugal, deixando para trs uma cidade povoada com a sua arquitectura de esprito moderno.

1 Ana 2 Ana

Vaz MILHEIRO, As coisas no so o que parecem que so Opsculo 15, 2008, p.5 so, Vaz MILHEIRO, (op. cit.), p.4 3 Francisco Castro RODRIGUES (fonte directa) 4 idem 5 idem 6 idem

Arquivo Francisco Castro Rodrigues

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Joo Cardim

1953-55Viana de LimaBloco Costa CabralPortoPortugal

Alfredo Viana de Lima (1913-1991) nasceu em Esposende e finalizou o curso na 1991) Escola de Belas Artes do Porto em 1938. Concorreu trs anos mais tarde obteno do diploma de arquitecto, expressando o seu interesse pelas ideias e pela obra de Le Corbusier. ainda em 1941 que viaja por diversos pases europeus Blgica, . Espanha, Frana, Holanda e Sua , tomando conscincia da maneira como os , problemas da Arquitectura e do Urbanismo estavam a ser encarados internacionalmente. Participa nos quatro ltimos CIAM (Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna), tendo sido nomeado no oitavo Hoddesdon, 1951 delegado em Portugal, criando o CIAM Porto. Em 1948, Viana de Lima apresenta, no I Congresso Nacional de Arquitectura, a tese intitulada O Problema Portugus da Habitao, ttulo idntico a um dos temas , escolhidos pela comisso executiva, onde expressa que os princpios orientadores da Carta de Atenas deveriam ser aplicados em Portugal para responder s necessidades habitacionais da poca. A par deste acontecimento, fulcral para o desenvolvimento da arquitectura no nosso pas, surgiram anteriormente dois grupos as ICAT (Iniciativas Culturais de Arte e Tcnica) em Lisboa, e a ODAM (Organizao dos Arquitectos Modernos) no Porto, da qual Viana de Lima foi fundador em 1947. Ambos os grupos defendiam a actualizao da profisso e a divulgao da arquitectura moderna atravs de exposies e conferncias. O Congresso de 1948 o culminar das transformaes que iam ao encontro de um papel social mais activo da arquitectura, bem como de uma interveno escala do territrio, e que encontrava a sua expresso nos princpios plsticos e ideolgicos do Movimento Moderno. Defendendo o alojamento colectivo em altura em oposio moradia unifamiliar com quintal , privilegiando os espaos pblicos e separando o trfego pedonal do , automvel, os arquitectos modernos do ps-guerra, assumindo como guerra, assumindo-se solucionadores dos problemas humanos, comprometiam na construo racional comprometiam-se de habitao segundo a Carta de Atenas, providenciando um sistema de vizinhanas onde era possvel compartilhar as alegrias e tristezas mas s na medida compartilhar em que isso interesse prpria famlia.1 Segundo Viana de Lima, substituir a construo singular pela construo em altura no destri nem apaga o esprito no individualista, pelo contrrio, a famlia vive a sua vida e os laos familiares estreitam estreitam-se (...) A intimidade, a unidade familiar, o isolamento mantm mantm-se, mas sem o esprito 042

egosta que prevalece na construo individual, onde cada um pretende acumular barreiras que o separem do resto do mundo, progressivamente esquecido dos mais elementares princpios de fraternidade humana.2 Viana de Lima contribuiu determinantemente na actualizao do panorama arquitectnico portugus, recuando vinte anos e explorando as origens do Movimento Moderno nas villas de Le Corbusier , procurando aplicar os Cinco , Pontos para uma Nova Arquitectura nos seus projectos, como numa das suas mais importantes obras no campo da habitao unifamiliar, a casa na Rua Honrio de Lima (1939-43), onde anuncia um assumido radicalismo moderno, que no entanto 43), s surge publicada outros vinte anos depois, na revista Arquitectura de Maro de 1962, pela mo de Nuno Portas, que a considera detentora de uma posio muito destacada (...) [na] histria do movimento moderno no nosso pas 3. pas Em 1953 prope, para a rua Costa Cabral, um plano de quatro blocos de habitao colectiva imagem das Units de Le Corbusier, mas de menor escala, do qual s foi , construdo um. Do ponto de vista urbano surge, em pleno acordo com os ideais modernos, um edifcio autnomo afastado em relao rua, criando um espao exterior ajardinado que protege os habitantes da circulao automvel. O bloco constitudo pela cave, pelo rs-do-cho, ligeiramente elevado, e por seis cho, andares, sendo o ltimo recuado. O primeiro piso, e os outros at ao quinto, avanam em consola, suspensos e suportados por pilotis que no cumprem, no entanto, a sua funo primordial, a de permitir a livre circulao dos habitantes pelo piso trreo. A fachada, simtrica, modulada pela estrutura de beto vista, preenchida por superfcies de tijolo burro. Deste elemento esttico que o bloco no seu todo, destaca-se a escultrica e expressionista pala de entrada apoiada num se nico pilar central, marcando o acesso ao edifcio. A organizao espacial estruturada a partir de uma rua interior que se desenvolve conjuntamente com acessos verticais, um pouco semelhana da soluo de Le Corbusier para o bloco de Marselha. Existem cinco apartamentos em cada andar, do primeiro ao quinto piso, correspondentes a trs tipologias dois T1, um T2 e dois T3. No rs-do-cho encontramos apenas quatro apartamentos T3, cho bem como no piso da cobertura. A casa das mquinas dos elevadores, bem como os depsitos de gua, ficam situados sobre a cobertura do sexto andar. O edifcio consegue harmonizar a tcnica e a esttica atravs do valor plstico da sua estrutura em beto armado vista, conjugando os dois vectores estruturantes do Movimento Moderno o estrutural e o funcional , ligados ideia da mquina, , perfeita tanto na sua funo como no seu aspecto. Em Portugal, este novo sistema construtivo baseado no beto armado comeava gradualmente a implementar implementar-se de forma significativa, tornando-se parte do lxico construtivo dos arquitectos que se procuravam implementar a esttica moderna. O sistema de vigamentos foi realizado de forma a ficar integrado na espessura dos pavimentos e das divisrias. O acesso aos vrios pisos faz por dois elevadores, faz-se alm da escada de servio, executada tambm em beto armado e contendo as bocas-de-incndio. As paredes exteriores so constitudas por panos duplos de incndio. tijolo com caixa-de-ar e a impermeabilizao feita pela parte exterior do pano de ar tijolo interior. O tijolo burro vidrado usado como material de acabamento em todos os panos exteriores, onde se abrem pontualmente ou em comprimento os vos. As varandas salientes e a rea da escada de servio, bem como a divisria que separa o hall das garagens, so revestidas a tijolo de vidro. A madeira de casquinha aplicada em toda a esquadria exterior. O granito o material de revestimento das colunas exteriores e a pintura a branco mate usada em toda a caixilharia, bem como nas paredes exteriores onde no aplicado o tijolo vidrado. Relativamente ao interior, este sobressai pela proporo e detalhamento dos espaos, onde o passa-pratos entre cozinha e zona de comer a uma das inovaes

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funcionais, e pelos materiais de construo aplicados segundo as convenes dos modelos modernos. Um destes exemplos a utilizao de grandes superfcies envidraadas, mostrando preocupao com a iluminao natural. As paredes interiores dos apartamentos so construdas em tijolo, sendo as instalaes sanitrias e as cozinhas revestidas parcialmente a azulejo e o pavimento revestido a mosaico hidrulico. O mrmore usado em todo o pavimento e paredes da entrada principal, enquanto na entrada de servio, nas escadas e nas zonas de servio, o cho revestido a marmorite, sendo as juntas preenchidas com tiras de metal. O pavimento da cave feito em betonilha e o tijolo prensado usado como material de revestimento no terrao do sexto andar e em todas as varandas, onde a impermeabilizao feita segundo sistemas modernos. O parquet de madeira utilizado nos restantes pavimentos interiores. Em todas as habitaes, com excepo dos apartamentos T1, existem pequenos quartos de banho de servio para alm dos principais. Tambm na cave, alm dos arrumos, existe um sanitrio reservado aos servios do jardim. No que respeita circulao do ar, todos os quartos de banho e sanitrios interiores possuem chamins de ventilao, que assegurada tambm nas cozinhas, que no caso dos apartamentos mais pequenos, surge integrada na sala de jantar. A ventilao da escada de servio feita por janelas basculantes, e os tectos so estucados e construdos de forma a assegurarem o respectivo isolamento. Viana de Lima foi sempre uma personalidade bastante activa no plano arquitectnico portugus, procurando garantir a actualizao da arquitectura nacional e a insero dos ideais ticos modernos na procura em garantir o direito habitao, quer em meio urbano quer em meio rural. Prova disso foi o convite para organizar, em 1956, juntamente com Fernando Tvora, o grupo portugus que participou no CIAM X. Subordinado ao tema do Habitat essencialmente em Habitat, contexto urbano, Viana de Lima contrape que os CIAM no podem ignorar se que pretendem que as suas propostas sejam realmente universais 4, defendendo a universais posio do arquitecto, no como o ditador que impe a sua prpria forma, mas o o homem natural, simples, humilde, que se dedica aos problemas dos seus semelhantes no para se servir, mas para os servir, criando assim uma obra talvez annima mas apesar de tudo intensamente vivida5.

1Viana de 2

Lima, O Problema Portugus da Habitao, in Jos Sommer RIBEIRO [dir.], Viana de Lima: Arquitecto 1913-1991, 1996, p.39 idem 3 Nuno PORTAS, 1941 - Casa Unifamiliar, no Porto, na R. Honrio de Lima, Arquitectura, n.74, 1962, p.30 4 Viana de LIMA [et. al.], X Congresso CIAM, 1956, Representao Portuguesa, Arquitectura, n.64, ], 1959, p.24 5 idem

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1954-62Jorge SeguradoBlocos habitacionais na Av. do BrasilLisboaPortugal

Jorge de Almeida Segurado (1989-1990) foi um arquitecto cujo perodo de 1990) produo mais acentuado se situa entre o final dos anos 20 e o final dos anos 30 do sculo XX. Uma poca caracterizada por uma forte mudana europeia que Portugal pretendia acompanhar. Diplomado pela ESBAL em 1924, trabalhou no atelier de Tertuliano Marques, ao lado de Pardal Monteiro enquanto este era arquitecto-chefe da Caixa Geral de Depsitos, na DGU (Departamento de Gesto Urbanstica), na DGEMN (Direco Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais) e como consultor na Cmara Municipal de Cascais. Nomeou Jos Lus Monteiro como seu mestre que, enquanto seu professor, o reteve na cadeira de projecto devido ao seu exame final, no qual apresentava um projecto de uma habitao aportuguesada, nascido aps a leitura de A Nossa Casa (1918), de Raul Lino. Durante o seu percurso fez uma visita de estudo pela Europa que o marcou profundamente. Passou pela Holanda, Alemanha, Blgica e Frana, tendo contactado com a obra de arquitectos como Willem Dudok e Walter Gropius. Pretendia conhecer o modernismo europeu, bem como observar e estudar as solues em altura para a habitao, que vinha sendo praticada nesses pases. Quando regressou a Portugal conseguiu convencer Duarte Pacheco a subscrever o projecto de construo em Lisboa de um bloco de cem habitaes para intelectuais e artistas. No entanto, o veredicto de Salazar em relao ao projecto foi negativo, pois este considerava que a construo em altura era prpria de pases bolchevistas e uma fonte de destabilizao social. Em Portugal optava por optava-se modelos de baixa densidade os subrbios jardim compostos por moradias unifamiliares isoladas. O ambiente reformista da ascenso do Estado Novo afectou tanto o planeamento urbano do pas principalmente o da capital como a poltica de incremento das obras pblicas. A preocupao dos arquitectos com os problemas da cidade um tema moderno que teve incio no sculo XIX e resoluo prtica no sculo XX atravs de uma gerao que, confrontada com as grandes transformaes e reformas do sculo anterior, procurou dar resposta s necessidades habitacionais e sociais emergentes, atravs da articulao das vertentes esttica e funcional. Segurado fez parte desta gerao que actuou como parte integrante do regime juntamente com personalidades especialmente dotadas, como Pardal Monteiro, 050

Cristino da Silva, Cottinelli Telmo, Cassiano Branco, entre outros , podendo ser considerado tanto um tcnico como um artista. Esta gerao recorreu a diversos modelos mas preconizou em comum o racionalismo europeu e a preocupao com o tema do urbanismo. de referir o I Congresso do Sindicato Nacional dos Arquitectos, realizado em 1948, que constitui o momento crucial de viragem para toda esta gerao no sentido da modernidade. Nesse Congresso, enquanto Cottinelli Telmo se debruou apenas sobre o tema da habitao, j Jorge Segurado e Jacobetty Rosa incidem mais sobre a relao entre a arquitectura, a habitao e a cidade. Segurado teve uma participao bastante activa na sociedade da poca em que viveu. A sua primeira obra como arquitecto, em 1926, partiu de uma composio clssica. Tratava-se de um edifcio de habitao ainda existente no Largo de Santos, se em Lisboa. Em 1931 fez equipa com Carlos Ramos e Adelino Nunes num concurso para novos edifcios de liceus. Da sua obra podemos ainda destacar a sua residncia na Encosta da Ajuda que ganhou o prmio Valmor de 1947 , o Plano de Urbanizao da Praia do Cabedelo (1933), o Mercado de Faro (1936), o projecto da Feira Popular de Lisboa (1944-53), a Capela de S. Gabriel em Vendas Novas (1951), a 53), Pousada Infante D. Henrique, em Sagres (1956). Colaborou na Exposio do Mundo Portugus de 1940, sendo o responsvel pelo ncleo das Aldeias Portuguesas. Projectou os Pavilhes Portugueses para as Exposies de Nova Iorque e de S. Francisco em 1939. Foi autor de diversos monumentos em colaborao com o escultor Diogo de Macedo. No entanto, a sua obra ficar sempre associada a dois edifcios pblicos marcantes do primeiro modernismo portugus: o Liceu D. Filipa de Lencastre (1932-36) e a Casa da Moeda (1933-41), com a colaborao de Antnio 41), Varela. Tambm importante a sua obra escrita, da qual Casas Econmicas (1934) e A Soluo Vertical na Habitao Colectiva e os seus Aposentamentos (1948) so dois marcos do seu pensamento terico urbanstico. A cidade vista como obra de arte e como um organismo funcional so as mximas que Jorge Segurado segue desde os anos 30. Mesmo em vises mais futuristas, demonstrou sempre um sentido funcional, como na proposta do ascensor para o Castelo de So Jorge (1929) ou a utpica Cidade Olmpica para a zona do Campo Grande (1934). Segurado movimentou-se sempre entre a vontade de construir um se mundo novo e o forte vnculo que o ligava ao passado. No final da sua vida dedicou-se sobretudo histria da arte, sendo autor de inmeros trabalhos, entre se os quais se destaca um estudo sobre Francisco de Holanda, editado em 1970. Sendo um dos seus ltimos trabalhos de grande volume, os Blocos de Habitao do Montepio Geral, na Avenida do Brasil, so a coroa de glria da obra habitacional de Segurado. Correspondem a um desenvolvimento conceptual puramente moderno, confirmando tanto o modelo terico apresentado em 1934 numa palestra sobre casas econmicas, como a sua apresentao no Congresso de 48. Os edifcios esto inseridos na clula 3 do conjunto de Alvalade. A proposta inicial foi apresentada em 1955, mas foi principiada apenas em Abril de 1960. Desta constavam oito blocos de apartamentos de oito pisos assentes sobre pilotis, afastados 10 metros entre si. O projecto, iniciado em 1954, foi realizado em conjunto com o seu filho, Joo Carlos Segurado. A sua aprovao camarria prolongou-se at 1962. A verso construda composta por oito blocos de sete se pisos, limitados a norte pela Avenida do Brasil, a poente, por dois blocos de habitao, a nascente por construes baixas, e a sul pela Rua Aprgio Mafra e por uma orla de construes marginais. Os blocos esto dispostos perpendicularmente aos arruamentos principais, orientados segundo um eixo nascente-poente, que permite uma melhor distribuio de luz para o interior. Estes blocos eram destinados a funcionrios do Montepio Geral, enquadrados num regime cooperativo. Do ponto de vista funcional, a concepo pretende facilitar o

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quotidiano dos seus habitantes atravs da distribuio e organizao das reas comuns, dos apartamentos e dos servios. Jorge Segurado ponderou as condies scio-econmicas dos moradores atravs de um estudo baseado no rendimento dos chefes de famlia face ao nmero de pessoas de cada agregado. A preocupao com os acessos e a distribuio do bairro foi uma questo to importante quanto a sua implantao. Os pilotis surgem para prolongar o espao pblico para usufruto dos habitantes da cidade, devolvendo-o ao peo. A auto o auto-suficincia destas unidades residenciais reforada pela funo dada cobertura em terrao, atravs de infra-estruturas de utilidade comum (do condomnio), como uma zona de estruturas lavagem, e pelas galerias de lojas destinadas ao consumo dirio. As galerias, construdas com elementos de beto pr-fabricado em forma de arco abatido, fabricado lembram as arcadas das antigas praas, animando o espao urbano. O recurso caixilharia de alumnio e a grandes vos envidraados oferece uma total transparncia s entradas dos blocos. Esto em total contacto com os espaos verdes, dando-lhes uma maior utilidade, e por meio de um contnuo arborizado lhes estes espaos so protegidos da movimentada e ruidosa Avenida do Brasil. Todos os edifcios so abrangidos por aquecimento central e por um sistema de condutas para recolha de lixos. Nas fachadas, a utilizao do azulejo amarelo segue uma tradio da arquitectura portuguesa, tendo esta questo gerado uma grande polmica com a Cmara de Lisboa, aquando da aprovao do projecto. O projecto usa cinco tipologias em bloco: A e B blocos habitacionais paralelos avenida; C variante dos primeiros, localizada no topo nascente; G e L edifcios trreos tambm paralelos via, afectos ao comrcio; e por duas tipologias de habitao H-1 e H-2 inicialmente assim previstas, verificando algumas verificando-se variantes na primeira, por resposta s necessidades. O tipo de habitao maior, H H-1, possui as seguintes divises: pequeno hall ou vestbulo, sala comum com varanda, trs quartos com armrios encastrados, instalao sanitria, cozinha/copa/despensa, quarto da criada com uma instalao sanitria. O tipo menor, H-2, possui um vestbulo, uma sala comum, pequena cozinha, um quarto de 2, cama, instalao sanitria e cozinha corresponde habitao da porteira. Todas as tipologias so compostas por duas entradas, uma principal e outra de servio. Todos os blocos dos tipos A e B apresentam uma cobertura em terrao, destinada a varanda e zona de lavagem; em alguns existe cave, no caso do primeiro bloco no sentido do Campo Grande Av. Gago Coutinho, esta existe e destinada ao arquivo do Montepio Geral (arrumos). Os blocos da tipologia A possuem uma caixa de escadas com elevador; no primeiro piso a entrada principal recuada e a habitao da porteira; os restantes pisos contm vestbulo, escritrio, sala de estar com varanda, antecmara, corredor, trs quartos, duas instalao sanitria, uma das quais completa, sala de jantar, quarto e instalao sanitria da criada, despensa/cozinha/copa pertencendo assim tipologia H-1 com a variante de mais uma instalao sanitria e um escritrio. As 1 tipologias habitacionais repetem-se duas vezes por piso. se Os blocos da tipologia B possuem duas caixas de escadas com elevadores e consequentemente duas entradas principais e uma habitao para a porteira; os restantes pisos contm vestbulo, sala de estar/jantar com varanda, dois quartos com armrio, instalao sanitria, corredor, para distribuio dos quartos, despensa, cozinha e armrio. uma variante do tipo H-1, sem um quarto nem aposentos para 1, a criada. Esta tipologia habitacional repete-se quatro vezes por piso. se A tipologia C possui uma caixa de escadas com elevador; no primeiro piso apresenta no lado esquerdo uma tipologia H-1, excepo da varanda e, do lado 1, direito a habitao da porteira, tipo H-2; nos restantes pisos o lado esquerdo 2; apresenta uma tipologia H-1 e o lado direito uma tipologia H sem um quarto 1 H-1 em cada piso.

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De conotao corbusiana podemos destacar a elevao do edifcio, a cobertura em terrao, a estrutura de beto em grelha perfurada e, utilizada como elemento plstico e definidor de espao, a caixa de escadas. O conceito base o mesmo do bloco prottipo da Unit de Marselha. No entanto, os blocos de Segurado no possuem galeria comercial num piso intermdio, mas sim nos edifcios trreos existentes entre eles, aproximando-se mais, a nvel formal, da Unit de Firminy. se Jorge Segurado, em diversas comunicaes como no I Congresso Nacional de Arquitectura de 1948 (A Habitao Vertical e os Aposentamentos na Habitao Colectiva) e no XXI Congresso Internacional de Habitao e Urbanismo de 1952 (Casas Econmicas) refere-se bastante economia, circulao e higiene se enquanto funes prioritrias para a resoluo de questes urbansticas. Significa isto que, nos seus projectos, a paisagem, os ventos predominantes e a orientao solar so os pontos de partida para o desenho. O tema da habitao, fulcral ao longo de todo o sculo XX, fruto de uma abordagem racionalista do Movimento Moderno, patente nos CIAM (Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna). Neste mbito, a defesa terica do Bloco Habitacional Colectivo por parte de Segurado comea a partir do projecto para o Bloco dos Artistas (1931), consolidando-se mais tarde, aps o I Congresso Nacional de 1948. As suas teorias se foram testadas em algumas das suas realizaes, durante o mesmo perodo, como o caso dos projectos para os Blocos de Habitao Colectiva do Bairro Sacor, do Bairro Operrio da Companhia das guas e ainda o projecto, aqui apresentado, dos Blocos da Avenida do Brasil.

nota: cf. Andreia GALVO, O Caminho da Modernidade: A Travessia Portuguesa, ou o Caso da Obra de Jorge Segurado como um exemplo de Complexidade e Contradio na Arquitectura, 1920-1940, 2003

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Arquivo Pancho Guedes

1956-58Pancho GuedesLeo que RiMaputo Moambique

O Amncio dAlpoim Miranda Guedes o responsvel por toda a obra, esse o arquitecto que consegue enfrentar as chatices com os clientes, as complicaes da obra (). Depois h o Pancho Guedes, que outro tipo que pinta, que faz desenhos, que um bocado irresponsvel. E depois h o professor [em ingls] Guedes, que o professor de arquitectura em Joanesburgo, que viaja, anda por todo o lado.1 Quando se fala no arquitecto Pancho Guedes, fala- de vrias personalidades, -se reunidas na mesma pessoa, mas que desempenham diferentes papis na vida do arquitecto. Segundo Pancho todos ns temos vrios nomes 2. O prprio arquitecto todos nomes considera que habitam em si vrios heternimos. Existe o Pancho Guedes, o pai, o inventor de todas as obras de arte3, que no distingue entre pintura, escultura e arquitectura; o Amncio Guedes, o esprito de Pancho Guedes, revelado internacionalmente pela primeira vez () nas pginas da Architectural Review4; e, finalmente, o A. dAlpoim Guedes (A. dA.M. Guedes), . professor director do Departamento de Arquitectura na Universidade de Witwatersrand () o filho de Pancho Guedes, o executante, o responsvel por toda a obra excepto o beto armado na verdade, o Guedes Real5. Nasceu em 1925, em Lisboa, e passou a sua infncia e adolescncia em vrios pases que faziam parte das colnias portuguesas, como So Tom e Moambique, e pela ex-colnia inglesa da frica do Sul. Cresceu a viajar e a conhecer diferentes colnia culturas, e esse estilo de vida acabou por ter reflexo na sua arquitectura, diferenciando-se dos outros arquitectos portugueses do seu tempo. se Iniciou o curso de arquitectura em 1945, na Universidade de Witwatersrand em Johannesburg, e durante o seu percurso como estudante, Pancho conhece o , trabalho de Frank Lloyd Wright atravs de um livro, In The Nature of Materials (1942), escrito por Henry-Russell Hitchcock, que o vai influenciar bastante no princpio da , sua carreira. Pancho recorda esta experincia: Frank Lloyd Wright () pareceu-me Frank um arquitecto extremamente curioso e diferente6. Pancho s contacta com Portugal na idade adulta, em 1953, quando veio fazer o exame de equivalncia a Lisboa. Depois de terminar o curso viajou bastante, viu muitas obras no s de arquitectos, mas tambm de pintores e escultores , que se vo reflectir na maneira singular como pensa e trabalha os seus projectos. Uma das suas viagens mais marcantes foi a ida a Barcelona, onde ficou encantado com 058

Antoni Gaud, considerando-o uma experincia nica7. Outras influncias marcantes foram Pablo Picasso, Salvador Dal, Juan Mir Oscar Niemeyer e Le Mir, Corbusier, que Pancho v como sendo um maluquinho (). Era um tipo com uma um ambio furiosa8. Uma das particularidades da obra de Pancho Guedes a criao do seu prprio estilo arquitectnico, o Stiloguedes onde se insere o Leo que Ri , que o arquitecto define da seguinte maneira: [O Stiloguedes tem umas plantas Stiloguedes] absolutamente racionais, depois os cortes e os alados que so diferentes. Tem dentes, tem bicos, escorregam umas coisas das outras ()9. E como que surgem estas formas? Inspiro-me em pinturas, em esculturas, em toda a vitalidade do me movimento moderno em arte. No dadasmo, no surrealismo ()10. Alm do Leo que , Ri (1956-58), outras obras foram feitas segundo este estilo: a Casa Leite Martins 58), (1951-53), o Prometeu (1951-53), as Casas Gmeas de Matos Ribeiro (1952 53), (1952-53), a Padaria Saipal (1952-54), a Garagem Otto Barbosa (1953 (1953-55), e a casa gorda e agarrada ao cho (1954). Mais tarde na sua vida, Pancho foi convidado por Alison e Peter Smithson para ir a uma reunio do Team 10 em Royaumont, em 1962. Eu conheci esses arquitectos Eu [Alison e Peter Smithson] quando fui a Inglaterra em 1960. Levava uma caixa de fotografias a preto e branco, o Leo que Ri j estava feito. Eles acharam uma coisa extraordinria11. O Team 10 era um grupo de arquitectos que tinham entrado em conflito com as vrias posies e pensamentos dos CIAM (Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna), e com a sua maneira de expor as ideias. Nestes seus encontros, os membros do Team 10 mostravam os seus projectos, discutindo discutindo-os segundo os seus pontos de vista prprios e a sua maneira distinta de ver a arquitectura. Pancho relembra o grupo como sendo () uma estrutura muito mais livre do que tinham sido os CIAM. Havia discusses vigorosas, havia gritos, as pessoas zangavam-se. () O Team 10 era um grupo que estava interessado em gente que desenhava coisas um bocado especiais12. No ncleo inicial do grupo estavam Aldo van Eyck, Georges Candilis, Jacob Bakema, Alison e Peter Smithson, Rolf Gutmann, John Voelker, Bill Howell e Shadrach Woods. Esta foi uma fase importante na vida . do arquitecto pelo esprito existente nestes encontros. Nos territrios coloniais portugueses a actividade criativa cultural e artstica, nos anos 50, 60, e 70, foi nica. Em Portugal vivia-se um regime ditatorial que afectava se os territrios luso-africanos, enquanto noutras colnias sob o domnio de outros , pases j se vivia um regime democrtico, casos do Gana, independente em 1957, da Nigria, em 1960, da Serra Leoa, em 1961 e da Gmbia, em 1965 (todas ex excolnias inglesas); da Costa do Marfim, do Nger e do Alto Volta, em 1960 (ex (excolnias francesas); do Burundi e do Ruanda, em 1962 (ex (ex-colnias belgas). Em Moambique, os anos 50 foram primordiais na viragem e no entendimento de uma nova arquitectura que abandona as vises acadmicas da poca anterior. Uma terceira gerao de arquitectos modernos, criada nas escolas de Lisboa e do Porto, opta por fugir de um pas que se mantinha muito margem do que acontecia fora das suas fronteiras, e muda-se para o continente africano juntando a vrios se juntando-se arquitectos a formados, como Carlos Ivo e Pancho Guedes. Uma aprendizagem acadmica distinta o que os separa dos colegas portugueses, marcando assim uma diferena radical entre eles. Com a influncia da arquitectura moderna internacional, existiu uma releitura da esttica, adaptada a um contexto tropical, aparecendo linguagens extremamente pessoais como as de V