BACELAR - Herança de Diferenciação e Futuro de Fragmentação

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    1/32

    Dossi Nordeste I

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    2/32

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    3/32

    ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997 7

    ESTEARTIGO, observa-se o Nordeste do Brasil por sua economia,enfocando-se suas caractersticas principais, tendncias atuais e perspec-tivaseconmicas, analisando-se ainda sua insero nos contextosnacio-

    nal e mundial.

    O Nordeste aqui considerado congrega os estados que vo do Maranho Bahia, diferindo da classificao feita pela Sudene que inclui parte do estado deMinas Gerais (regio polarizada de Montes Claros).

    Apresenta-se inicialmente sucinta descrio da dinmica geral das ativida-des econmicas: a regio ser abordada em seu conjunto, utilizando-se portantodados globais referentes, em sua grande maioria, ao total regional. Num segun-do momento, a anlise ser feita com referncia s diferenciaes existentesdentroda prpria regio Nordeste, destacando-se os novos subespaos dinmicos e osfocos de resistncia a mudanas. A heterogeneidade e a complexidade da dinmicanordestina aparecero, ento, com maior clareza.

    Esforo especial ser dedicado observao das mais importantes articula-es econmicas regionais e sub-regionais. O Nordeste e seus subespaos seropercebidos, assim, em suas tendncias de ligaes com o exterior e com as de-mais regies do prprio Brasil. Sero analisados ainda os movimentos de merca-dorias e de capitais focalizando-se as dcadas de 60, 70 e 80.

    Concluir-se- com uma reflexo sobre as tendncias atuais da economianordestina e os primeiros impactos da opo brasileira por uma insero passivano mercado mundial em globalizao. Finalmente, especular-se- sobre a hip-tese do aprofundamento das diferenciaes e desigualdades internas. Da a ques-to posta no ttulo do artigo: o rumo ser o da fragmentao?

    Caracterizao inicialNa regio Nordeste (20%do territrio brasileiro) vivem 29%da populao

    do pas. Originam-se, aproximadamente, 14%da produo nacional total (medi-da pelo PIB), 12%da produo industrial e quase 21%da produo agrcola. Cabedestacar que na regio residem 23,5%da populao urbana do Brasil e 46%de suapopulao rural. O lento crescimento econmico, que durante muitas dcadascaracterizou o ambiente econmico nordestino (GTDN, 1967), foi substitudopelo forte dinamismo de numerosas atividades que se desenvolveram recente-

    Herana de diferenciao

    e futuro de fragmentaoTNIA BACELAR DEARAJO

    N

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    4/32

    8 ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997

    mente na regio, como se ver a seguir. A pobreza, porm, continua a ser umadas caractersticas mais marcantes do Nordeste, quando visto no contexto nacio-nal. um trao antigo que o dinamismo econmico das ltimas dcadas noconseguiu alterar significativamente.

    Levantamento recente do Instituto de Planejamento Econmico e Social IPEAmostra que, em 1990, dos 32 milhes de brasileiros indigentes, 17,3mi-lhes estavam no Nordeste (55%do total nacional) e mais de 10milhes resi-diam na zona rural da regio. Assim, com 46%da populao rural brasileira, oNordeste tem 63%dos indigentes brasileiros que vivem nas reas rurais. Dosindigentes urbanos do pas, quase 46% esto no Nordeste(IPEA, 1993).

    Dinamismo econmico: uma herana recente

    Apesar de vista como regio problemapela maior parte dos brasileiros, aeconomia nordestina apresentou entre 1960 e 1990 um excelente desempenho.

    Coordenado por Celso Furtado no final dos anos 50, o relatrio do Grupode Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN)que fundamentou aestratgia inicial de ao da Sudene, constatava ter sido o seu fraco dinamismonas dcadas anteriores a caracterstica mais importante da base produtiva instala-da na regio. Enquanto a indstria comandava o crescimento econmico noSudeste, o velho setor primrio-exportador implantado no Nordeste dava mos-tras de sua incapacidade para continuar impulsionando o desenvolvimento eco-nmico regional.

    Uma das propostas centrais do relatrio doGTDN

    como ficou conheci-do aquele documento era estimular a industrializao no Nordeste como for-ma de superar as dificuldades geradas pela velha base agroexportadora nordestina.

    A partir dos anos 60, impulsionadas por incentivos fiscais 34/18-Finor eiseno do imposto sobre a renda, principalmente , por investimentos de em-presas estatais do porte da Petrobrs (na Bahia e Rio Grande do Norte) e da Valedo Rio Doce (no Maranho), complementados com crditos pblicos (do BNDESe BNB, particularmente) e com recursos prprios de importantes empresas lo-cais, nacionais e multinacionais, as atividades urbanas e dentro delas, as ativida-des industriais ganham crescentemente espao no ambiente econmico doNordeste e passam a comandar o crescimento da produo na regio, rompendo

    a fraca dinmica preexistente. Entre 1967 e 1989 a agropecuria reduziu suacontribuio ao PIBregional de 27,4%para 18,9%e em 1990, ano de seca, queafetou consideravelmente a produo na zona semi-rida, tal percentual caiupara 12,1%. Enquanto isso, a indstria passou de 22,6%para 29,3%, e o setortercirio cresceu de 49,9%para 58,6%, segundo dados da Sudene para o perodo.

    No incio dos anos 60a Sudene, recm-criada, concentrou esforos e re-cursos federais na realizao de estudos e pesquisas sobre a dotao de recursosnaturais do Nordeste (em particular de recursos minerais) e na ampliao da

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    5/32

    ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997 9

    oferta de infra-estrutura econmica (sobretudo transportes e energia eltrica).Tais investimentos tiveram importante papel para o posterior dinamismo dosinvestimentos nas atividades privadas, tanto no setor industrial quanto no tercirio.

    No global, nas dcadas recentes, o Nordeste foi a regio que apresentou amais elevada taxa mdia de crescimento do PIBno pas. Vrios estudos recentesconfirmam esse comportamento. De 1960 a 1988 a economia nordestina su-plantou a taxa de crescimento mdia do pas em cerca de 10%; e entre 1965 e1985 o PIBgerado no Nordeste cresceu (mdia de 6,3%ao ano) mais que o doJapo no mesmo perodo (5,5%ao ano), segundo estudo realizado por MaiaGomes (1991).

    Usando dados que comparam o desempenho da economia brasileira noseu total com o de sua parte localizada no Nordeste, verifica-se ntida melhorianos indicadores de participao relativa dessa regio na economia do pas: entre

    1960e 1990a participao no PIBaumentou de 13,2%para 17,1%(Sudene, 1996).No total, entre 1960e 1990, o PIBdo Nordeste quase sextuplicou, passan-

    do de US$ 8,6bilhes para US$ 50bilhes (Arajo, 1992).

    Cabe salientar que quando se compara o desempenho das atividades eco-nmicas do Nordeste com a mdia nacional, verifica-se que a dinmica regionaltendeu a acompanhar as oscilaes cclicasda produo total do pas. Embora astaxas se diferenciem, as tendncias so semelhantes. O movimento de integraoeconmica comandado pelo processo de acumulao de capitais do Brasil nas lti-mas dcadas havia atingido o Nordeste e solidarizado sua dinmica econmica stendncias gerais da economia nacional, como ressaltaram em seus estudos Oli-

    veira (1990)e Guimares Neto (1989). Sob tal perspectiva, e nesse novo momen-to, uma das teses centrais do GTDNficou ultrapassada: no se verifica mais o fatode a economia do Nordeste ir mal, enquanto o Centro-Sul vai bem.A integraoprodutiva articulara a dinmica econmica nas diversas regies brasileiras.

    Naturalmente, a integrao econmica no homogeneizou as estruturas pro-dutivas das diferentes regies do pas. Permaneceram diferenciaes importantes.

    E justamente em funo das particularidades das estruturas produtivasde cada regio brasileira que o Nordeste foi menos atingido pela crise dos anos80, crise que afetou mais fortemente o setor industrial e, dentro dele, os seg-mentos produtores de bens de capital e bens de consumo durveis. Ora, tais

    segmentos no tm grande presena no tecido industrial do Nordeste. Assim, aoespecializar-se mais na produo de bens intermedirios, destinando parte im-portante s exportaes, a indstria recentemente instalada no Nordeste resistiumelhor aos efeitos da desacelerao da economia brasileira. Paralelamente, emsua poro oeste, s margens do submdio So Francisco e no vale do Au (RN),implantou moderna agricultura de gros e importantes plos de fruticultura,ambos para exportao, o que o ajuda a resistir aos efeitos da retrao da deman-da interna, podendo localizadamente melhor enfrentar a crise nacional. Confor-me dados da Sudene (1992), tambm o setor de servios tem tido desempenho

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    6/32

    10 ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997

    bastante razovel na regio, especialmente a partir da segunda metade dos anos80, apresentando taxas de crescimento anual positivas e superiores mdia dopas.

    Nordeste: mudanas no perfil produtivo

    Nas ltimas dcadas a regio promoveu mudana importante na composi-o de sua produo. Acompanha, tambm nesse ponto, as tendncias gerais daeconomia brasileira, apesar de suas especificidades locais.

    As atividades agropecurias vm perdendo peso relativo no PIBdo Brasil etambm no do Nordeste, com as atividades urbanas avanando mais nos doiscasos. No entanto, a indstria tornou-se relativamente mais importante no totalda produo brasileira (34%, em 1990) do que no Nordeste (30%).

    Dessa forma, quando visto no ambiente econmico nacional, o Nordestecontinua sendo relativamente mais importante como regio produtoraagropecuria (20%do total nacional) do que industrial (12%)ou terciria (15%),segundo dados da Sudene (1992)para o ano de 1990.

    Mudanas ocorreram, por exemplo, noperfil produtivo da agropecurianordestina: a partir dos anos 70, enquanto se reduzia a rea cultivada com algo-do, mamona, mandioca e sisal, expandia-se a que era ocupada com cana-de-acar, arroz, feijo, laranja e milho. Ao mesmo tempo algumas culturas no-tradicionais na regio, por seu valor de mercado relativamente alto, apresenta-ram peso crescente na produo regional: o caso de frutas como melo, manga,melancia, uva (nas reas irrigadas pelo So Francisco e Au), abacaxi (em man-chas favorveis do serto e agreste) alm de tomate, caf e soja (em reas favor-veis do So Francisco, do Agreste e do Cerrado, respectivamente). Tais produtosrepresentavam, em 1970, apenas 3%do valor da produo agrcola do Nordeste,crescendo para 13,5%em 1989 (Congresso Nacional, 1993).

    Por outro lado, nos anos em que a economia brasileira consolida o merca-do interno nacional e promove sua integrao produtiva, o Nordeste engata nadinmica nacional, como anteriormente ressaltado. Nessa fase, capitais privadosbuscam novas frentes de investimento em espaos localizados para alm do cen-tro mais industrializado do pas o Sudeste. Verifica-se a desconcentrao daatividade produtiva, inclusive da atividade industrial. Esse movimento atinge tam-

    bm o Nordeste (Guimares Neto, 1990; Oliveira, 1990; Fundaj, 1992). Como omovimento de desconcentrao busca tambm utilizarrecursos naturaisdispo-nveis nas diversas regies do pas, o Nordeste comparece abrigando alguns p-los importantes de desenvolvimento agroindustrial e industrial, que sero anali-sados com detalhes adiante, quando se examinarem os focos de modernidadesurgidos na regio nas ltimas dcadas. No caso da indstria, coube ao Nordesteassumir novo papel no contexto da diviso inter-regional do trabalho do pas.De tradicional regio produtora de bens de consumo no-durveis (txtil e ali-mentar, principalmente), vai se transformando nos anos ps-60 em regio indus-

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    7/32

    ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997 11

    trial mais especializada em bens intermedirios (Arajo, 1981), com destaquepara a instalao do plo petroqumico de Camaari, na Bahia, e do complexominero-metalrgico, no Maranho, alm do plo de fertilizantes de Sergipe, docomplexo da Salgema em Alagoas, da produo de alumnio no Maranho, den-tre outros.

    Nesse contexto, operfil industrialdo Nordeste mudou significativamentecom a perda da posio relativa da indstria de bens no-durveis de consumo ecom o crescimento relativo do segmento voltado produo de bens-intermedi-rios. A indstria, financiada pelos incentivos da Sudene, demonstra tal perfil:foram os segmentos produtores de insumos que receberam a maior parte dosrecursos provenientes do sistema 34/18-Finor.

    A nova base agrcola da regio tambm tem a vocao para ofertar produ-tos cujo beneficiamento se dar fora do Nordeste ou at do pas, salvo em casoscomo o das frutas tropicais, enviadas in naturapara o mercado consumidorexterno; da uva, transformada em vinho tambm no Nordeste; ou da soja, pro-cessada por agroindstrias instaladas na regio.

    Nos anos 70, quando o Estado brasileiro, a partir da estratgia definida noIIPlano Nacional de Desenvolvimento (IIPND), realizou importante programade investimentos pblicos e com ele sustentou a dinmica da economia nacionalnum contexto internacional de crise, o Nordeste tambm se incluiu nessa ten-dncia quando a Petrobrs comandou, na Bahia, a implantao do plopetroqumico de Camaari, e a Companhia Vale do Rio Doce implementou ocomplexo de Carajs, com parte do projeto localizado no Maranho. Merecem

    tambm referncia os investimentos do sistema Eletrobrs.No total da formao bruta de capital fixo, contabilizada pelo IBGE/FGV,

    que inclui investimentos da administrao pblica e das empresas do governo,verifica-se a posio do Nordeste como regio recebedora de recursos, passandode 13%do total nacional em 1970 para 17%em 1985 (superior sua participaono PIBbrasileiro).

    Finalmente, nos anos 80, quando a crise se aprofundou excluindo de seusefeitos negativos as atividades de intermediao financeira e os segmentos volta-dos para a exportao, o Nordeste tendeu a reproduzir tal padro. Entre 1975 e1990o Brasil expandiu suas exportaes, mais que as quadruplicando: passam

    de US$ 7,6bilhes de vendas anuais para US$ 31,1bilhes. O Nordeste tambmproduziu mais para o exterior, duplicando seu valor exportado, que passou deUS$ 1,5bilho, em 1975, para US$ 3bilhes, em 1990. Dentro dele, o estado daBahia merece referncia especial no s por ter acompanhado o padro nacio-nal, triplicando seu valor exportado (de US$ 525milhes para US$ 1,5bilho),mas por aumentar sua j predominante importncia no total vendido pela re-gio no mercado internacional: em 1975, sua economia gerava um tero dasexportaes nordestinas; em 1990 respondia pela metade do valor exportadopela regio.

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    8/32

    12 ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997

    No Nordeste, at mais que no Brasil, a tendncia perda de importnciados produtos bsicos e ao maior crescimento dos bens manufaturados no valorexportado tambm se verificou nesse perodo.

    No que se refere s atividades de intermediao financeira, houve excepcio-nal crescimento no Nordeste nas dcadas recentes. Enquanto a economia brasi-leira desacelerava, a atividade de intermediao financeira crescia. No Nordestetambm se observou a mesma tendncia. Enquanto nos anos 70 e 80 a economiada regio cresceu em mdia 7,6%ao ano, as atividades financeiras, bens imveis eservios s empresas, como contabiliza a Sudene (1992), expandiram-se na pro-poro de 10%ao ano.

    Como se observa do exposto, as atividades econmicas do Nordeste ten-dem, no geral, a acompanhar bem de perto as principais tendncias da economiabrasileira. Guardam, no entanto, certas especificidades importantes, algumas dasquais aparecero com destaque em outros tpicos deste trabalho.

    Uma das caractersticas importantes da economia do Nordeste o rele-vante papel desempenhado nos anos recentes pelo setor pblico. evidente que oEstado patrocinou fortemente o crescimento econmico nas diversas regiesbrasileiras. No Nordeste, porm, pode-se afirmar que sua presena foi fator fun-damental para explicar a intensidade e os rumos do crescimento econmico ocor-rido nas ltimas dcadas. Direta ou indiretamente, foi o setor pblico quempuxou o crescimento das atividades econmicas que mais se expandiram na re-gio nos anos 70 e 80. Segundo dados da Sudene(1992), atividades como bensimveis e servios s empresas; atividades financeiras; produo de energia eltri-

    ca e abastecimento de gua; servios comunitrios sociais e pessoais, destacaram-se como atividades muito dinmicas e, na maioria delas, o investimento pblicofoi fundamental. Alis, o setor pblico tem, no Nordeste, maior peso na forma-o bruta de capital fixo total do que na mdia nacional. Investindo, produzin-do, incentivando, criando infra-estrutura econmica e social, o Estado se faziapresente com grande intensidade na promoo do crescimento da economianordestina.

    A heterogeneidade econmica intra-regional

    Deve-se ressaltar que nunca houve um Nordeste economicamente homo-gneo e que, historicamente, era possvel destacar subconjuntos scio-econmi-

    cos diferenciados, em virtude de variados processos de ocupao humana e eco-nmica :

    o Nordeste que se estendia do Rio Grande do Norte at Alagoas, ondea economia aucareira e a pecuria gestavam poderosas oligarquias eincipiente burguesia industrial;

    dele j se distinguia o Cear, onde o complexo gado-algodo-agricul-tura de alimentos conformava uma oligarquia sertanejaque se expan-dia na acumulao comercial e no existia o complexo canavieiro;

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    9/32

    ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997 13

    o Nordeste de Sergipe e Bahia, caracterizado pela Fundao IBGEdu-rante certo tempo como integrante da regio Leste, era comandado porSalvador, cidade porturia e mercantil, onde desde cedo se desenvolveuuma burguesia banqueira. No campo, a cana, o cacau e as zonas decombinaes agrcolas sertanejas eram predominantes. O oeste baianoera um vazio econmico, e mesmo demogrfico, at dcadas recentes;

    o Nordeste do Piau e Maranho, mais conhecido como espao de tran-sio entre o Nordeste seco e a regio amaznica, era chamado poralguns estudiosos de meio-Norte(Melo, 1978) e at o final dos anos 50visto como rea aberta expanso da fronteira agrcola regional (GTDN,1967).

    Nas ltimas dcadas mudanas importantes remodelaram a realidade eco-

    nmica nordestina, questionando inclusive vises tradicionalmente consagradassobre a regio. Nordeste regio problema, Nordeste da seca e da misria, Nor-deste sempre vido por verbas pblicas, verdadeiro poo sem fundoem que astradicionais polticas compensatrias de carter assistencialista s contribuem paraconsolidar velhas estruturas scio-econmicas e polticas perpetuadoras da mis-ria... Essas so apenas vises parciaissobre a regio nos dias presentes. Revelamparte da verdade sobre a realidade econmica e social nordestina, mas no apre-endem os fatos novos dos anos mais recentes. No refletem a atual e crescentecomplexidade da realidade econmica regional e no permitem desvendar umadas mais marcantes caractersticas do Nordeste atual: a grande diversidade, acrescente heterogeneidade de suas estruturas econmicas.

    Embora traos gerais possam ser identificados, como j o fizemos, a per-cepo da realidade econmica nordestina exige anlise mais detalhada. Nessesentido, mister ressaltar os novos focos de dinamismo da economia regional,que convivem atualmente com as tradicionais reas agrcolas ou agropastoris daregio. Uma anlise que perceba as diferentes trajetrias econmicas dos diversossubespaos nordestinos. o que se tentar fazer no prximo tpico do trabalho.

    reas dinmicas de modernizao intensa

    Como vem se tentando demonstrar ao longo deste texto, importantesmovimentos da economia brasileira tiveram fortes repercusses na regio Nor-deste nos anos recentes. Tendncias da acumulao privada reforadas pela ao

    estatal, quando no comandadas pelo Estado brasileiro, fizeram surgir e se de-senvolver no Nordeste diversos subespaos dotados de estruturas econmicasmodernas e ativas, focos de dinamismo em grande parte responsveis pelo de-sempenho relativamente positivo apresentado pelas atividades econmicas naregio. Tais estruturas so tratadas na literatura especializada ora comofrentes deexpanso, ora comoplos dinmicos, ora como manchas oufocos de dinamismo eat como enclaves. Dentre eles, cabe destaque para o complexo petroqumico deCamaari, o plo txtil e de confeces de Fortaleza, o complexo minero-metalrgico de Carajs, no que se refere a atividades industriais, alm do plo

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    10/32

    14 ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997

    agroindustrial de Petrolina-Juazeiro (com base na agricultura irrigada do submdioSo Francisco), das reas de moderna agricultura de gros (que se estendem doscerrados baianos atingindo, mais recentemente, o sul dos estados do Maranho

    e do Piau), do moderno plo de fruticultura do Rio Grande do Norte (combase na agricultura irrigada do Vale do Au), e dos diversos plos tursticos im-plantados nas principais cidades litorneas do Nordeste.

    Pesquisa recente realizada pelos professores Policarpo Lima e FredericoKatz, da UFPE, tentou melhor identificar essas reas, caracterizando-as e anali-sando seus novos impactos e suas perspectivas de expanso (Lima &Katz, 1993).Menos por seu dinamismo e mais pelo fato de desenvolverem modernas ativida-des de base tecnolgica, merecem referncia ainda os tecnoplos de CampinaGrande (PB)e do Recife (PE).

    Oplo petroqumico de Camaari, como descrevem Lima e Katz (1993),

    constitui um dos principais pilares da crescente importncia da produo de bensintermedirios no Nordeste. Implementado ao longo dos anos 70, importou eminvestimento total de cerca de US$ 4,5bilhes e, com o programa de ampliaoprevisto, chegar a US$ 6bilhes. Esse complexo industrial foi viabilizado com aparticipao de capitais privados nacionais e multinacionais e com o suporte es-tatal (Petrobrs), contando com fontes de financiamento diversas.

    Quanto aos seus impactos, vale registrar que em 1990 o plo petroqumicode Camaari contribuiu com 13,6%da receita tributria do estado da Bahia, sen-do de 32,8%o seu peso na receita do ICMSgerado pela indstria de transforma-o. Alm disso, concorreu para alterar estruturalmente a economia baiana (au-mentando o peso do setor secundrio de 12%, em 1960, para quase30%do PIBestadual em 1990), contribuindo tambm para a elevao das exportaes doestado. Embora as repercusses esperadas fossem maiores, o plo de Camaarirepresenta hoje uma possvel base para a esperada verticalizao da matriz indus-trial da petroqumica regional.

    Oplo txtil e de confeces de Fortaleza, por sua vez, desponta como umdos importantes centros do setor, tanto em mbito regional como nacional. Entre1970 e 1985 o nmero de estabelecimentos txteis do Cear cresceu de 155para358, enquanto os ligados confeco passavam de 152para 850. Em 1991, se-gundo o Sindicato da Indstria de Confeces do Cear, o plo cearense reuniacerca de trs mil empresas, gerava 60 mil empregos diretos e era responsvel por

    12% do ICMSdo Cear (Lima &Katz, 1993).O parque txtil e de confeces de Fortaleza competitivo nacionalmente

    e, no caso da fiao, internacionalmente, em virtude de sua atualizao tecnolgica.A abertura comercial pode ter implicaes negativas sobre a tecelagem e as con-feces, dado que nesses segmentos existe uma defasagem tecnolgica a ser su-perada.

    O encadeamento do plo cearense com a base agrcola da regio reduzi-do, devido drstica diminuio na produo de algodo no Nordeste. Contudo,

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    11/32

    ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997 15

    nos efeitospara a frenteconta-se com a perspectiva da instalao de pequenas emdias malharias que se beneficiariam das fiaes j existentes, o que j vemsendo estimulado por empresrios ligados ao setor. No que se refere ao segmen-to das confeces, h espaos para um reforo do setor de tecelagem (60%dostecidos so adquiridos fora do estado), bem como para o crescimento de unida-des fornecedoras de aviamentos e linhas (cerca de 80%destes so compradosfora) (Lima &Katz, 1993).

    O complexo minero-metalrgico do Maranhoest associado aos desdobra-mentos do Programa Grande Carajs (PGC)e ao interesse do capital multinacionalem diversificar suas fontes de abastecimento de matrias-primas. Para a monta-gem desse plo, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD)desempenhou um dospapis principais, implantando a infra-estrutura para explorao-exportao deminrio de ferro.

    Em funo desses investimentos, impactos importantes j se notavam nosanos 80: o PIBtotal do estado aumentou de US$ 2bilhes em 1980 para US$ 3bilhes em 1987, tendo o produto da indstria ampliado sua participao nototal estadual de 14,3%para 21,8%. Cortando regies anteriormente isoladas, aEstrada de Ferro Carajs(EFC)integrou-as ao circuito da produo mercantil econtribuiu para dinamizar o plo agrcola do sul do Maranho, onde a produode soja se expande.

    O projeto Celmar, que tem a CVRD como scio, destina-se a produzircelulose, em Imperatriz, com investimentos de US$ 1,2bilho, produo esti-mada em 420 mil toneladas/ano, gerando diretamente 800 empregos, e mais

    trs mil no reflorestamento, alm de cerca de 3.200empregos indiretos (Lima &Katz, 1993). Alm disso, a Estrada de Ferro Carajs ajudou a dinamizar a insta-lao de usinas de ferro-gusa e de ferroliga ao longo de sua extenso.

    O projeto da Alumartambm tem grande peso atualmente na indstriamaranhense. Trata-se de uma associao de vrias empresas, que resultou emprojeto de investimento da ordem de US$ 2bilhes para a produo de trsmilhes de toneladas/ano de alumina e 500 mil de alumnio, gerando na faseatual um milho de toneladas de alumina e 350 mil de alumnio. De forma seme-lhante ao caso da CVRD, a Alumar responsvel por significativo fluxo mensal derendimentos, pelo menos para os padres locais, na economia de So Luiz. Oprojeto criou 4.100empregos diretos, estimando-se em 1.220os indiretos, ten-

    do ainda articulaes a montante via absoro de bauxita do rio Trombetas, decal do Cear, de soda custica de Alagoas, da energia eltrica de Tucuru, almdos servios de manuteno refletidos nos empregos indiretos. As articulaespelo uso do alumnio so reduzidas, j que so exportados 95%do produto (Lima&Katz, 1993).

    O complexo agroindustrial de Petrolina-Juazeirosurgiu nos anos 70, combase na implantao de grandes projetos de irrigao. Tambm neste caso, apresena do Estado foi fundamental, uma vez que montou a maior parte da

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    12/32

    16 ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997

    infra-estrutura de captao e distribuio de gua. Constatou-se o cultivo cadavez maior de produtos de elevado valor comercial, destinados tanto venda innatura para o mercados de maior poder aquisitivo, externo inclusive, quanto aoprocessamento local em plantas industriais. Ao mesmo tempo deu-se a implanta-o de grandes projetos de mdias empresas nacionais e, mesmo, internacionais.Nessa poca, instalaram-se na rea diversas plantas industriais de ramos variados:processamento de alimentos, bens de capital, embalagens, equipamentos parairrigao, materiais de construo, fertilizantes e raes (Lima &Katz, 1993).Enquanto eram incorporados agricultura cerca de 56 mil hectares, o setor in-dustrial gerava cerca de 24 mil empregos (Galvo, 1990).

    As reas de moderna agricultura de gros se estendem dos cerrados dooeste baiano ao sul do Maranho e do Piau.

    A expanso da economia do oeste da Bahia est associada introduo e rpida expanso da soja, implantada na rea por agricultores do Sul do pas, apsavanos tecnolgicos que viabilizaram o cultivo do produto nos cerrados. Tive-ram importante papel os subsdios governamentais (Galvo, 1990) e os investi-mentos pblicos em infra-estrutura.

    Com a soja, implanta-se na regio todo um conjunto de atividades e prti-cas ligadas agricultura moderna. Entre 1980/81e 1985/86, a rea plantadacom soja expandiu-se 143vezes e a produo em 848vezes, enquanto cresciatambm a produo de arroz. No incio da atual dcada (safra de 1991/92) foramproduzidas 800 mil toneladas de gros no oeste da Bahia, especialmente soja (460mil toneladas), milho, arroz e feijo. Para o processamento da significativa produ-

    o de soja, foram instaladas no municpio de Barreiras duas plantas industriais.Nos anos mais recentes a produo de gros vem crescendo bastante (em

    1992, produziu-se no Piau e em Tocantins cerca de um milho de toneladas). Aproduo tambm se estende para o sul do Maranho.

    Essas reas no conhecem crise ou recesso. Nelas despontam atividadescomo avicultura, suinocultura, frigorificao de carnes. Comeam a se desenvol-ver tambm atividades de produo de insumos (fertilizantes, calcrio) e de equi-pamentos prprios para a agricultura.

    Oplo de fruticultura do Vale Au(RN)cresceu comandado por grandesempresas (com destaque para a Masa), que se especializam na exportao.

    Pelo exposto, pode-se inferir que as mencionadas reas so pontos de in-tenso dinamismo econmico implantados no territrio nordestino. Aspotencialidades agrcolas e minerais reveladas na regio com grande evidncia,constituem um Nordeste que no existia h poucas dcadas.

    reas tradicionais

    Ao mesmo tempo em que diversos subespaos do Nordeste desenvolvem

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    13/32

    ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997 17

    atividades modernas, em outras reas a resistncia mudana permanece sendo amarca principal do ambiente socio-econmico: as zonas cacaueiras, canavieiras eo serto semi-rido so as principais e histricas reas com tal caracterstica.Quando ocorre, a modernizao restrita, seletiva, o que ajuda a manter umpadro dominantemente tradicional. As zonas canavieiras expandiram-se muitonos anos 70, impulsionadas pelo Prolcool. Mas o crescimento se fez com basena incorporao de terras (a rea cultivada rapidamente duplica), mais do que naelevao dos padres de produtividade. Nos anos 90, com a crise financeira doEstado (velho protetor da ineficincia) e a intensificao da concorrncia, diver-sas usinas so paralisadas. Uma nova vaga de centralizao de capitais prometedeixar vivas apenas as menos resistentes mudana.

    No caso do semi-rido, a crise do algodo (com a presena do bicudo e asalteraes na demanda, no padro tecnolgico e empresarial da indstria txtil

    modernizada na regio e, mais recentemente, as polticas associadas ao PlanoReal) contribuiu para tornar ainda mais difcil e frgil a sobrevivncia do imensocontingente populacional que habita os espaos dominados pelo complexo pe-curia-agricultura de sequeiro. No arranjo organizacional local, o algodo era aprincipal (embora reduzida) fonte de renda dos pequenos produtores e trabalha-dores rurais desses espaos nordestinos. Na ausncia do produto, esses pequenosprodutores so obrigados a levar ao mercado o reduzido excedente da agricultu-ra alimentar tradicional de sequeiro (milho, feijo e mandioca), uma vez que apecuria sempre foi atividade privativa dos grandes proprietrios locais.

    No sem razo que nos momentos de irregularidade de chuvas ocorridosnos anos recentes, as tradicionaisfrentes de emergncia(como so chamados os

    programas assistenciais do governo) alistam enorme nmero de agricultores (2,1milhes de pessoas em 1993). Nessas reas, nos anos de chuva regular, os peque-nos produtores, rendeiros e parceiros produzem, mas no conseguem acumular:descapitalizados ao final de cada ciclo produtivo, so incapazes de dispor dereservas para enfrentar um ano seco. Nesse quadro, portanto, no houve mu-danas significativas, e as que aconteceram, em geral, tiveram impactos negati-vos, como o desaparecimento da cultura do algodo. Em algumas sub-regies(como no serto pernambucano) a maconha tem avanado bastante, gerandorenda ilegal mas capaz de compensar o desaparecimento da renda do algodo.De positivo, cita-se a extenso da ao previdenciria, cobrindo parte da popula-o idosa e assegurando renda (mnima, mas permanente) a muitas famlias ser-

    tanejas. Hoje, com freqncia, os velhos sustentam os jovens nessa parte doNordeste.

    Na regio cacaueira, a resistncia mudana convive na fase mais recentecom importante queda nos preos internacionais do cacau, aprofundando a crisena sub-regio. Crise ainda sem soluo nos anos 90.

    Nas reas em que predominam a rigidez das velhas estruturas econmico-sociais e o domnio poltico das oligarquias tradicionais da regio, h importan-tes traos comuns. Primeiro, cabe destacar que so reas de ocupao antiga, nas

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    14/32

    18 ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997

    quais as velhas estruturas foram criando sucessivos mecanismos de preservao.A questo fundiria mais dramtica e vem se agravando. Na Zona da Mata, porexemplo, o processo de concentrao fundiria tem aumentado nos anos recen-tes, e o monoplio da cana sobre as reas cultivveis se amplia. No semi-rido,das secas, tambm verifica-se o agravamento da j elevada concentrao das ter-ras em mos de pouqussimos produtores: na seca, pequenos proprietriosinviabilizados vendem suas terras a baixos preos e os latifndios crescem, comobem explica Andrade (1988). Simultaneamente, os incentivos pecuria fortale-ceram e modernizaram tal atividade, que sempre foi a principal da unidade pro-dutiva tpica do serto e do agreste nordestino. A hegemonia crescente da pecu-ria nos moldes em que foi realizada agravou a questo fundiria do Nordeste,alm de provocar outros considerveis efeitos, como a reduo da produo dealimentos e a intensificao da emigrao rural. Na lcida afirmao do gegrafoMrio Lacerda de Melo (1980), o capim expulsa a policultura alimentar e o

    gado tange o homem. Mesmo onde a irrigao introduziu uma agriculturamoderna no semi-rido, a modernizao foi conservadora, inclusive da estruturafundiria. A base tcnica modernizou-se, a questo fundiria agravou-se (Grazianoda Silva, 1989).

    Como a estratgia brasileira das ltimas dcadas foi concentrar a expansoda agropecuria em reas novas (especialmente no Centro-Oeste), no Nordestetambm se assistiu a um grande dinamismo agropecurio e agroindustrial nooeste baiano e no sul do Maranho e do Piau; portanto, em reas da antiga

    fronteira agrcola da regio. Nos anos 60 e seguintes a proposta da reformaagrria foi abandonada na prtica pelos sucessivos governos militares e civis, apre-sentada ao pas como desnecessria em muitos fruns (inclusive nos acadmicos)com base no sucesso da ocupao de novas terras. As oligarquias nordestinas,proprietrias das reas de antiga ocupao e sempre bem situadas nas estruturasde poder, continuavam a beneficiar-se dessa opo conservadora.

    E, aps tantos anos de dinamismo econmico, a questo fundiria perma-nece praticamente intocada, apesar da misria alarmante que domina nas reasrurais do Nordeste. Segundo o Mapa da Fome feito recentemente pelo IPEA,dois teros dos indigentes rurais do pas esto no Nordeste.

    Os dados confirmam que a concentrao fundiria aumentou no Nordestenas ltimas dcadas. Em 1970 os estabelecimentos com menos de 100 hectares(94%do total) ocupavam quase 30%da rea; em 1985, essa participao caiu para28%. Ao mesmo tempo, aqueles com mais de mil hectares (0,4%do total) aumen-taram sua participao na rea total, passando de 27%em 1970 para 32%em 1985.Nesse perodo, a rea total ampliou-se de 74milhes de hectares para92milhesde hectares, de acordo com os censos agropecurios realizados pela FundaoIBGE.

    Estudo da Universidade Estadual de Campinas Unicamp destaca, para omesmo perodo, que a desigualdade da posse da terra maior que a da proprie-dade, tanto no Nordeste como no Brasil, sendo a diferena relativa maior no

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    15/32

    ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997 19

    Nordeste. Esse fato refora a hiptese de que as formas peculiares de exploraoda terra no Nordeste lhe conferem uma estrutura de posse da terra diferenciadada existente na mdia do Brasil, no sentido de elevar a desigualdade da distribui-o. Nesse contexto, um caso ilustrativo o de grandes fazendas que renemreas de posse e reas de diferentes escrituras, muitas vezes registradas comoimveis distintos para evitar seu enquadramento como latifndio por dimenso(Graziano da Silva, 1989).

    Na zona semi-rida, onde se reproduz a estrutura desigual do resto doNordeste, a situao agravada pela presena de latifndios maiores: l a reamdia de 1%dos maiores estabelecimentos (1.914hectares, em 1985) superiorao tamanho mdio desses no resto do Nordeste (1.002hectares). No semi-ridoo acesso terra feito por formas precrias (parceria, por exemplo), caracteri-zando maior instabilidade e registrando-se maior presena de posseiros em com-

    parao com as demais regies nordestinas (Graziano da Silva, 1989).Nesses espaos resistentes a mudanas, como j mencionado, as velhas

    estruturas scio-econmicas e polticas tm na base fundiria e no controle doacesso gua seus principais pilares de sustentao e de dominao (poltica eeconmica).

    Novas articulaes econmicas do Nordeste

    Busca-se examinar neste tpico as articulaes econmicas estabelecidasentre Nordeste, suas sub-regies (prioritariamente as que experimentaram maiordinamismo nas ltimas dcadas), outras macrorregies brasileiras e o resto do

    mundo.

    Ligaes econmicas do novo parque industrial

    O novo parque industrial, instalado a partir dos anos 60 com o apoio dosincentivos federais, mantm estreitas articulaes econmicas com outras regiesbrasileiras, mais particularmente com o Sudeste.

    Do ponto de vista da origem dos insumosque transforma no processo pro-dutivo e dos servios que utiliza, h forte relao com a base econmica nordes-tina, da qual adquire 66%das matrias-primas e 58%dos servios que consome. Arecente especializao nos bens intermedirios refora essa ligao. Mas o novo

    parque industrial desenvolveu tambm importante fluxo de aquisio de servi-os e insumos com o Sudeste (em especial com So Paulo). Dos servios queusa, 40%vm do Sudeste (90%desses de So Paulo); das matrias-primas queprocessa, 17%so produzidas no Sudeste(dois teros em So Paulo). Do exteriorvm apenas 10%dos insumos que aqui so transformados pela indstria (Sudene-BNB, 1992).

    No que se refere ao mercado de produtos, a relao predominantementeextra-regional, com destaque para a regio Sudeste e, dentro dela, So Paulo.

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    16/32

    20 ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997

    Das vendas realizadas pela indstria incentivada, pouco mais de um terose destina prpria regio Nordeste (36%). O destino principal o Sudeste, quecompra 44%da produo da indstria incentivada (71%dos quais adquiridos porSo Paulo). O mercado internacional participa com apenas 10%das vendas totaisdesse segmento da economia nordestina.

    A predominncia da produo de bens intermedirios est na base dessavocaopara forada nova indstria: os insumos que produz so transformados,em grande parte, onde se localiza a maior base industrial do pas (o Sudeste). Talcaracterstica ainda mais forte no segmento extrativo mineral, que destina aomercado nordestino apenas 20%de sua produo, mais uma vez exportando oexcedente predominantemente para a regio Sudeste do Brasil, que comprou53%da produo mineral da indstria instalada com os incentivos federais nasltimas dcadas.

    No complexo minero-metalrgico do Maranho, por exemplo, a priorida-de exportao marca dos empreendimentos localmente instalados. No poracaso que o Projeto Grande Carajs incluiu, alm da implantao da estratgicaferrovia de quase 900km de extenso, a construo de um porto (Ponta daMadeira, na regio de So Lus do Maranho).

    Outro exemplo dessa articulao especial com o exterior o projeto daAlumar, no Maranho, planejado para produzir anualmente 3 milhes de tonela-das de alumina e 500 mil de alumnio, de cuja produo atual exporta cerca de95%(Lima &Katz, 1993).

    O mercado extra-regional tambm tendeu a ser o destino da produo dealguns segmentos da indstria de transformao, caso de fumo (99%), borracha(88%), couros e peles (87%), material eltrico-eletrnico e de comunicaes (79%)e qumica (61%), segundo pesquisa da Sudene-BNB, 1992.

    Por outro lado, os equipamentos utilizados na montagem desse novo par-que industrial foram importados do Sudeste (49%), especialmente de So Paulo(80%), e do exterior (33%). Apenas 10%dos equipamentos foram adquiridos dasindstrias instaladas no prprio Nordeste (Sudene-BNB, 1992).

    Portanto, h novos fluxos comerciais (de mercadorias e servios) que seintensificaram nas ltimas dcadas e que articulam a indstria incentivada insta-lada no Nordeste com outros segmentos da economia brasileira e com o exterior.

    Articulaes dos modernos plos agroindustriais

    Os novos plos agrcolas tambm tm estabelecido importantes relaeseconmicas extra-regionais, em particular com o mercado internacional. A sojado oeste baiano, e agora do sul do Maranho e do Piau, destina-se em grandeparte a atender demanda externa. Estima-se que apenas o oeste baiano, at1995, produzia 1,7milho de t /ano, devendo destinar um milho de toneladasde derivados ao mercado internacional (Queiroz, 1992). As produes maranhense

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    17/32

    ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997 21

    e piauiense orientam-se basicamente para o exterior. A sub-regio nordestinaque vai do oeste baiano ao sul do Piau e Maranho tem experimentado umprocesso de ocupao comandado por agentes econmicos extra-regionais e re-cebido capitais e capitalistas predominantemente no-nordestinos, implantandoprocessos econmicos e construindo uma paisagem que se assemelha muito mais macrorregio Centro-Oeste do Brasil. Suas ligaes econmicas e semelhanasgeo-socio-econmicas com asdemais sub-regies do Nordeste so muito tnues.At os estrangulamentos continuidade de seu desenvolvimento so mais pare-cidos com os de Tocantins ou Mato Grosso do que com os do lado orientalnordestino: infra-estrutura de transporte, por exemplo. Alis, dependendo daforma como consolidar-se- a malha de transportes, sua vinculao futura com oCentro-Oeste poder ser ampliada.

    Da mesma forma, a produo agroindustrial, especialmente a associada

    irrigao, instalada tanto no vale do So Francisco (BAe PE) quanto no vale doAu (RN), desenvolve importantes articulaes econmicas extra-regionais, emparticular no que se refere ao destino de sua produo.

    Mudanas nas articulaes comerciais

    O exame da dinmica comercial da regio, particularmente as relaesestabelecidas com o mercado internacional, mostra que o Nordeste tentou acom-panhar a tendncia mais geral da economia brasileira nos recentes anos de crise,instabilidade e retrao da demanda interna: ampliar suas articulaes com oexterior. O Brasil mais que quadruplicou o valor anual de suas exportaes, pas-sando de US$ 7,6bilhes para US$ 31,1bilhes entre 1975 e 1990, segundo

    dados do BB/Cacex. No mesmo perodo, as exportaes de todas as regiesbrasileiras tiveram crescimento significativo; o Nordeste duplicou seu valor ex-portado.

    Dentro da regio, o estado do Maranho intensificou fortemente seus la-os econmicos com o mercado externo, passando de um modesto valor expor-tado de US$ 5,7milhes em 1975, para US$ 443milhes em 1990. No mesmoperodo, os estados do Piau e de Sergipe quintuplicaram suas vendas ao merca-do internacional, e os da Bahia e do Cear triplicaram-nas. As exceescorresponderam aos estados de Alagoas e de Pernambuco, que exportaram em1990valor menor do que o de 1975 (Sudene, 1996).

    Mais uma vez seguindo a tendncia geral da economia brasileira, as rela-es comerciais do Nordeste com o resto do mundo se do cada vez menos pelavenda dos chamados produtos bsicos e mais por ofer ta de produtossemimanufaturados e manufaturados.

    Embora na pauta nordestina os produtos semimanufaturados (30,1%)te-nham tido, em 1990, maior peso relativo que o mesmo item na pauta brasileira(16,5%), o crescimento das relaes com o exterior via venda de manufaturadosno caso do Nordeste notvel: enquanto no total das exportaes do Brasil os

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    18/32

    22 ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997

    manufaturados passavam de um tero para pouco mais da metade (54,7%)daparticipao nas vendas externas entre 1975 e 1990, na pauta do Nordeste o pesorelativo desses itens cresceu de 12,9%para 44,9%. Apenas o Sudeste e o Sul,

    dentre as demais regies, apresentaram maior volume na venda de manufatura-dos (64,3%e 47,4%, respectivamente).

    Para avaliar os fluxos comerciais inter-regionais, e portanto visualizar me-lhor as tendncias desse tipo de relao econmica entre o Nordeste e os demaisespaos do pas, as informaes so insuficientes. O comrcio por vias internas(especialmente rodovias) predominante no Brasil, e as pesquisas disponveisno so atualizadas. No caso do Nordeste a Sudene estimou, para 1980, que dasexportaes totais do Nordeste, um tero se destinou ao mercado internacionale dois teros a outras regies brasileiras. Desse total,97%transportados por viasinternas e apenas 3%por cabotagem. Das importaes totais, apenas 18%vieramdo exterior e, dos 82%originados em outras regies do pas, 85%chegavam porvias internas (Sudene, 1985).

    Os saldos comerciais do Nordeste tm-se mostrado historicamente positi-vos nas relaes com o exterior e altamente negativos nas trocas inter-regionais.As importaes de outras regies (especialmente do Sudeste) eram quase cincovezes maiores que o valor importado do exterior em 1980, enquanto as exporta-es para o resto do pas no chegavam a representar duas vezes o valor dasmercadorias mandadas para o mercado internacional.

    Portanto, o Nordeste surge predominantemente como regio-mercado(so-bretudo para o Sudeste) quando visto no contexto nacional. E isso tendnciacrescente, pois nos anos 50 as compras efetuadas de outras regies representa-vam 1,2vezes as vendas do Nordeste para o resto do pas. No perodo 1975-1980tal relao havia aumentado para 2,5vezes (Sudene, 1985).

    Os dados da Sudene para 1980j revelavam uma economia baiana forte-mente orientada para o mercado nacional: quase 70%das vendas do Nordestepara outras regies brasileiras tinham origem na Bahia, cuja economia represen-tava, na poca, pouco menos de 40% do PIBregional. Todavia, essa forte tendn-cia surgiu mais recentemente, posto que na dcada anterior o estado da Bahiarepresentava apenas 25%nas exportaes inter-regionais do pas (Sudene, 1985).

    Embora com percentuais bem mais modestos, o estado do Cear demons-

    trava tendncia semelhante, pois sua participao nas vendas nordestinas para oresto do Brasil passava de 3,5%em 1975 para 9%em 1980, ano em que se classifi-cou como o segundo exportador regional para o mercado nacional. O inversoacontecia com Pernambuco, que perdera seu papel de intermedirio atacadista.Sua participao nas exportaes inter-regionais caiu de 30,3%para 8,4%no mes-mo perodo (embora sua economia fosse 20%do total nordestino).

    Como as reas dinmicas recentemente instaladas repercutiram com maiorintensidade nos espaos maranhenses, piauienses, cearenses, baianos e sergipanos,o mais provvel que a articulao comercial dessa parte mais ocidental do Nor-

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    19/32

    ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997 23

    deste com o Centro-Oeste e com o Sudeste tenha se ampliado, como vinhaacontecendo nos anos 70.

    No que se refere ao subespao compreendido pelos estados do Rio Gran-de do Norte, Paraba, Pernambuco e Alagoas, a menor articulao comercialcom o resto do pas, surgida como tendncia na dcada anterior, no parece tersido revertida nos anos 80 luz dos dados disponveis sobre a composio edinamismo de suas atividades econmicas.

    Integrao via movimento do capital produtivo

    O movimento do capital produtivo, por sua vez, tambm atingiu o Nor-deste ao se intensificar no espao do Brasil ao longo das ltimas dcadas. Orelatrio que precedeu criao da Sudene, analisou corretamente que um dosproblemas nordestinos, nos anos 40 e 50, era a forte emigrao de capital produ-

    tivo em direo ao Centro-Sul, medida que o dinamismo industrial daquelaregio abria oportunidades para rentveis investimentos (GTDN, 1967). A partirdos anos 60, a rpida intensificao do movimento de oligopolizao da econo-mia brasileira e o papel de correia de repasse desempenhado pelos incentivosfederais aplicados no Nordeste como menciona Oliveira (1981) atuaram nosentido de alterar a orientao desse fluxo econmico, invertendo-o.

    A crescente presena de grandes grupos empresariais no Nordeste, comotambm ocorre em outras regies, no se restringe ao setor industrial. Na cons-truo civil (impulsionada pelo Sistema Financeiro de Habitao SFHe porprogramas de obras pblicas importantes) e nos complexos agroindustriais (liga-

    dos especialmente produo de gros, frutas e pecuria) sua recente presena marcante. Paralelamente, tambm na atividade comercial o capital tem se centra-lizado, a oligopolizao se firmado e grandes cadeias de magazines e supermer-cados se fizeram presentes no Nordeste, como acontecera em diversas regies dopas.

    Cabe destacar, no entanto, que a presena do grande capital na regio jera muito seletiva, tanto espacialmente quanto nas atividades econmicas para asquais se dirigira. Dados referentes s mil maiores empresas no pas demonstramque, em 1990, Bahia (46%), Pernambuco (18%)e Cear (11%)concentravam amaior parte (75%)dessas empresas. Do ponto de vista setorial, a indstria detransformao produtora de bens intermedirios, em especial a indstria qumi-

    ca, tem destaque na atrao de tal tipo de empresas: das 105 grandes empresassediadas na regio, cerca de 35so empresas industriais produtoras de bens inter-medirios e dessas, 23so indstrias qumicas (Guimares Neto, 1993). Outrossegmentos que merecem referncia so as indstrias de alimentos e as dedicadas produo txtil.

    Aspecto relevante a ser destacado diz respeito ao controle do capital nomoderno segmento industrial instalado no Nordeste com o apoio dos incentivosfederais. Dados disponveis em pesquisa (Sudene-BNB, 1992) demonstram que a

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    20/32

    24 ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997

    recente expanso industrial no produto da ao de investidores locais. Aocontrrio, a maioria das empresas incentivadas fazia parte de grandes gruposeconmicos, em sua maioria extra-regionais. Alm disso, a pesquisa constatouque tais grupos dirigem e controlam os empreendimentos de maior porte daindstria incentivada, enquanto os empresrios nordestinos concentram seu con-trole sobre empreendimentos de menor porte. grande o controle do capitalpor grupos privados ou por sistemas de empresas estatais com sede no Sul e noSudeste (Guimares Neto &Galindo, 1992).

    Portanto, a articulao inter-regional via fluxo de capital produtivo am-pliou, nas ltimas dcadas, as relaes do Nordeste com outras regies do pas ecom o exterior.

    Tendncias nacionais atuais e o Nordeste

    Como a economia do Nordeste havia aprofundado sua insero no con-texto nacional, o entendimento das suas atuais tendncias remete necessaria-mente compreenso do que se passa no pas como um todo.

    Num contexto mundial marcado por importantes transformaes, o am-biente econmico brasileiro sofreu grandes mudanas nos anos 90. Dentre asprincipais destacam-se intensa e rpida poltica de abertura comercial, priorizao integrao competitiva, reformas profundas na ao do Estado e implementaode um programa de estabilizao que j dura trs anos. Paralelamente, o setorprivado promove, tambm de forma intensa e rpida, uma reestruturao pro-dutiva.

    Nesse contexto, novas foras atuam, umas concentradoras, outras no.Dentre as que atuam no sentido de induzir desconcentrao espacialdestacam-se: a abertura comercial podendo favorecer focos exportadores, as mudanastecnolgicas que reduzem custos de investimento, o crescente papel da logsticanas decises de localizao dos estabelecimentos, a importncia da proximidadedo cliente final para diversas atividades, a ao ativa de governos locais oferecen-do incentivos, entre outras. Enquanto isso, h foras atuando no sentido daconcentrao de investimentosnas reas mais dinmicas e competitivas do pas.Atuam nesse sentido, em especial, os novos requisitos locacionais da acumulaoflexvel, como melhor oferta de recursos humanos qualificados, maior proximi-dade com centros de produo de conhecimento e tecnologia, maior e mais

    eficiente dotao de infra-estrutura econmica, proximidade com os mercadosconsumidores de mais alta renda.

    Autores como Carlos Pacheco (1996)chamam a ateno tambm para oscondicionantes da reestruturao produtiva, em particular para a forma comovem se dando a insero internacionaldo Brasil, especialmente no que diz res-peito s estratgias das grandes empresas frente ao cenrio da globalizao daeconomia mundial. Tais autores constatam que, ao contrrio do que se poderiaesperar, a globalizao refora as estratgias de especializao regional (Oman,

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    21/32

    ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997 25

    1994). A nova organizao dos espaos nacionais tende a resultar por um lado,da dinmica da produo regionalizada das grandes empresas (atores globais) e,por outro, da resposta dos Estados nacionais para enfrentar os impactos regionaisseletivos da globalizao.

    Nos anos 90 tende-se a romper o padro dominante no Brasil das ltimasdcadas, quando a prioridade era dada montagem de uma base econmica queoperava essencialmente no espao nacional embora fortemente penetrada poragentes econmicos transnacionais e lentamente desconcentrava atividades paraespaos perifricos do pas. O Estado nacional desempenhava, como ocorreu noNordeste, um papel ativo no processo, tanto por suas polticas explicitamenteregionais e de corte setorial/nacional (mas com impactos regionais diferencia-dos) quanto pela ao de suas estatais.

    No presente, as decises dominantes tendem a ser as do mercado, dadas acrise do Estado e as novas orientaes governamentais e empresariais. Embora astendncias ainda sejam recentes, os estudos realizados tm convergido para sina-lizar, no mnimo, para a interrupo do movimento de desconcentrao do desen-volvimentona direo das regies menos desenvolvidas.

    Alguns estudiosos chegam a mencionar a reconcentrao para o caso daatividade industrial (Campolina Diniz & Crocco, 1996). Mesmo sem ir to lon-ge, estudo recente da Confederao Nacional da Industria, com base em dadosda Fundao Getlio Vargas, confirma a hiptese de que, no mnimo, se inter-rompeu a desconcentrao e, entre 1990 e 1995, a regio Sudeste no s deixa deperder posio relativa da produo nacional trajetria que percorrera nas duas

    ltimas dcadas como volta a ganhar importncia na economia brasileira(pas-sando de 60%a 63%seu peso no PIBdo Brasil), o mesmo acontecendo com osestados de So Paulo e do Rio de Janeiro, as duas maiores bases econmicas dopas. O Nordeste volta a perder posio (CNI, 1996), o que confirmado porrecentes estimativas da Sudene (1996).

    No caso da indstria, estudos e dados recentes permitem pressupor a ten-dncia concentrao do dinamismoem determinados espaos do territrio bra-sileiro. Estimativas do PIB industrial por macrorregio, elaboradas pelo Ipea,constatam que nos anos 90 as regies Sudeste e Sul deixam de perder posiorelativa na produo industrial nacional e voltam a ampliar sua presenaem talatividade no contexto do pas, o mesmo acontecendo com o estado de So Pau-

    lo, onde historicamente se concentrara a indstria brasileira. O Nordeste, porsua vez, reduz seu peso na indstria nacional de 12%em 1990, para 8%em 1994,segundo a mesma fonte.

    Tambm identificando forte tendncia concentrao espacialdo dinamis-mo industrial, trabalho elaborado pelo economista Campolina Diniz (1994), daUFMG, localizou os atuais centros urbanos dinmicos do pas em termos de cres-cimento industrial. Constatou que a grande maioria deles se encontra numpolgonoque comea em Belo Horizonte, vai a Uberlndia (MG), desce na direo de

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    22/32

    26 ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997

    Maring (PR)at Porto Alegre (RS)e retorna a Belo Horizonte via Florianpolis(SC), Curitiba (PR), e So Jos dos Campos (SP). O Nordeste abriga cerca de 15%

    desses centros dinmicos, dos quais 80%esto no Sudeste-Sul. certo que as conseqncias espaciais de polticas importantes como a de

    abertura comercial e a de integrao competitiva comandada pelo mercado, alia-das a aspectos relevantes da poltica de estabilizao (cmbio valorizado, juroselevados e prazos curtos de financiamento) tm impactado negativamente vriossegmentos da indstria instalada no Brasil e afetado especialmente o Sudeste(So Paulo, em particular).

    evidente tambm que algumas empresas de gneros industriais mais mo-de-obra intensivos tm buscado se relocalizar no interior do Nordeste, para com-petir com concorrentes externos (principalmente com os pases asiticos), atra-

    das pela superoferta de mo-de-obra e baixos salrios, alm da possibilidade deflexibilizar as relaes de trabalho (adotando subcontratao, por exemplo).

    Tais fatos, porm, no alteram significativamente as tendncias e as prefe-rncias locacionais identificadas pelos estudos, j mencionados, de CampolinaDiniz. Tendncias e preferncias que beneficiam as regies mais ricas e industria-lizadas do pas (Sudeste e Sul). Por sua vez, Haddad (1996) tem chamado aateno para o reforo dado pelo Mercosul a essa tendncia de arrastar o cresci-mento industrial para o espao que fica abaixo de Belo Horizonte.

    No momento em que a poltica governamental opta por promover rpidae intensa abertura comercial, cabe analisar as tendncias das exportaes brasilei-

    ras, da perspectiva regional. Dados disponveis demonstram que 82% (em 1995)das exportaes do Brasil se originam nas regies Sul-Sudeste. Esse percentualera de 68%em 1975 e passara para81,5%em 1990 (Campolina Diniz, 1994). Omaior dinamismo no perodo ps-abertura acelerada verifica-se na base exporta-dora da regio Sul, que amplia sua presena no total vendido pelo pas ao exteriorde 21,5%em 1990, para 24,5%em 1995. Tendncia oposta verificada no Nor-deste, que respondia por 17% das exportaes brasileiras em 1975, cai para 9,6%em 1990 e para 9,1%em 1995, apesar do dinamismo de segmentos com tendn-cias exportadoras, como a indstria de papel e celulose (BA), qumica (NE-Orien-tal), alumnio (MA),fruticultura (vales do So Francisco e do Au) e a soja (Bahia,Piau e Maranho).

    Uma reflexo particular merece o Mercosul. O comrcio brasileiro com osdemais pases do bloco aumentou intensamente nos ltimos anos. O valor dastrocas do Brasil com o Mercosul cresceram de US$ 1,7bilhes em 1985, US$ 3,6bilhes em 1990, US$ 8,7 bilhes em 1993 para alcanar US$ 13,1bilhes em1995, incremento de 50%apenas entre 1993 e 1995. No mesmo perodo, as ex-portaes nordestinas para o Mercosul cresceram 84%e as importaes 64%, masem valores muito pequenos: US$ 420milhes de exportaes e US$ 478milhesde importaes. Tal dinamismo geral est encobrindo diferenciaes, uma vezque razovel supor:

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    23/32

    ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997 27

    deve-se promover uma articulao comercial mais intensa dos outrospases do Mercosul com o Sul-Sudeste brasileiro;

    em termos de investimentos, deve-se favorecer investimentos cruzadose associaes de empresas instaladas no Sudeste e no Sul com os demaispases do bloco. Assim, o movimento de integrao produtivaque bus-cava o Nordeste e o Norte nas dcadas anteriores, tende agora a seredirecionar para o Mercosul. Vale lembrar que o PIBdo Mercosul (semo Chile e sem o Brasil) mais que o dobro do PIBdo Nordeste e doNorte brasileiros juntos.

    No que se refere s tendncias do investimento no pas, as informaesdisponveis no permitem mais que esboar algumas possibilidades referentes futura distribuio espacial da atividade econmica no contexto brasileiro. Emrelatrio recentemente elaborado para o Ipea, Guimares Neto (1996)examinaalgumas informaes, notadamente o levantamento do Ministrio da Indstria,Comrcio e Turismo sobre as intenes de investimentos industriais da iniciativaprivada, alm de indicadores da ao de alguns bancos oficiais relativos ao finan-ciamento dos investimentos.

    O exame de parte relevante dessas informaes permite destacar o carterespacialmente seletivodos investimentos industriais que privilegiam alguns espa-os especficos nas regies, tornando-as extremamente heterogneas na medidaque no se difundem. Os dados mostram claramente uma diviso de trabalhoentre as regies brasileiras, pois importante parcela dos segmentos produtivosque definem a dinmica da economia nacional tende, mais uma vez, a se concen-

    trar nas regies onde teve incio e se consolidou a indstria moderna brasileira.Enquanto isso, os segmentos mais leves da indstria, de menor densidade decapital, procuram as regies de menor nvel de desenvolvimento e, seguramente,de menor custo de mo-de-obra.

    Em termos macrorregionais, os dados do Ministrio da Indstria, Comr-cio e Turismo antes referidos revelam que dos US$ 73,4bilhes dos investimen-tos que podem ser regionalizados at o ano 2000e cujos investidores poten-ciais podem ser identificados cerca de 64,3%devero se concentrar no Sudeste(sendo 28,2%em So Paulo); 17,6%, no Nordeste; 9,4%, no Sul. No caso nordes-tino, mais de metade dos investimentos previstos destinam-se a um nico esta-do: a Bahia. E isso sem mencionar a provvel instalao de uma montadora de

    veculos naquele estado.

    Na anlise da distribuio regional dos investimentos segundo os segmen-tos produtivos mais importantes, Guimares Neto destaca que h, sem dvida,uma diviso espacial de trabalho que induz os investimentos dos grupos metal-mecnico, automobilstico e qumico segmentos bsicos da chamada indstriapesada para o Sudeste e, simultaneamente, possibilita industria de mineraisno-metlicos, geralmente de padro de localizao mais desconcentrado, e se-tores txtil, calados, produtos alimentares e bebidas, papel e celulose, alm da

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    24/32

    28 ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997

    indstria eletro-eletrnica e material de comunicaes, por razes muito espec-ficas (Zona Franca de Manaus), para as demais regies.

    A tendncia parece ser, com base nos dados do Ministrio da Indstria,Comrcio e Turismo, o avano, no futuro imediato, da consolidao dos seg-mentos bsicos e estratgicos no Sudeste. De outro lado, percebe-se o fortaleci-mento de especializaesem outros estados que, embora fora da regio industrialtradicional, conseguiram, atravs de fatores os mais diversos (recursos naturais,fortes incentivos regionais, condies de infra-estrutura) atrair segmentos especfi-cosque definem subreas dinmicas e modernas, muitas vezes em contextos nosquais prevalecem, ainda, subreas tradicionais e estagnadas.

    Deve-se ressaltar que a diviso do territrio brasileiro em macrorregies,cada vez mais, esconde mais que revelaa realidade do pas. No que se refere ao

    grande investimento industrial, fica ntida uma grande seletividade espacial,notadamente quando orientado para as demais regies que no o Sudeste. NoNordeste, essa escolha seletivaest tendendo a privilegiar o estado da Bahia.

    Relativamente atuao dos bancos oficiais, as informaes mais interes-santes, pela importncia relativa dos recursos envolvidos, referem-se aos aprova-dos pelo BNDESpara investimentos nos prximos anos. Os dados do seu ltimorelatrio, que indicam a distribuio regional dos recursos aprovados, demons-tram estar havendo, a partir de 1991, crescimento gradativo dos valores investi-dos. De fato, as aprovaes passam de US$ 3,8bilhes em 1991, para US$ 9,7bilhes em 1995.

    Em meio a essa tendncia ascendente do total das aprovaes, o Nordesteperde posiorelativa (caindo de 24%para 15%a sua participao entre 1991 e1995), embora seu peso no total ainda continue, na maior parte dos anos, similarou um pouco maior que sua participao na gerao do produto interno do pas(BNDES, 1996). O Sudeste, embora registre menor percentual na participaodos recursos aprovados do que a sua participao na economia nacional, mostrauma tendncia ascendente entre 1991 e 1995, que se torna bem mais patentequando so considerados os valores absolutos dos recursos aprovados. O mesmoocorre no Sul, com a particularidade de que a regio registra, em todo perodo,percentual bem maior do que a sua contribuio na gerao do produto internodo pas.

    Em sntese, os indicadores sobre os investimentos privados em curso indi-camgrande seletividadena escolha dos espaos nos quais se daro os investimen-tos no pas. As atividades mais estratgicas e que definem a dinmica da econo-mia nacional esto se concentrando no Sudeste; os demais segmentos da in-dstria, de menor densidade de capital, marcam presena em alguns estados es-pecficos e em certos pontos de seus territrios (os focos de competitividade).Tal tendncia no parece estar sendo compensada pelo financiamento dos ban-cos oficiais.

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    25/32

    ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997 29

    Outro ponto importante a se observar atualmente a tendncia de locali-zao de investimentos em infra-estrutura econmica e nos desenvolvimentoscientfico e tecnolgico. Isso porque, dentre osnovos elementosportadores decapacidade de atrao de atividades e investimentos, especialmente no que dizrespeito s atividades industriais, vm sendo freqentemente apontadas a exis-tncia de mo-de-obra qualificada e a presena de competentes centros de ensi-no e pesquisa cientfica e tecnolgica.

    Como bem destaca Haddad (1996), no resta dvida de que, no conjuntodo panorama nacional, o potencial locacional de reas do Sul-Sudeste para atrairos novos investimentos , em quantidade e qualidade, bem maior que o encon-trado no Norte, Nordeste e Centro-Oeste brasileiros. Tornam-se particularmenteatraentes nesse novo contexto cidades mdias daquelas regies, localizadas pr-ximas a eixos de transportes e, portanto, dotadas de boas condies de acessibi-

    lidade (importante em tempos de abertura comercial e globalizao intensas).Ainda segundo Haddad, a geografia industrial dos grandes projetos de investi-mentos privados, anunciados no perodo posterior ao Plano Real, revelam evi-dncias inequvocas de que tais projetos (especialmente os de montadoras deveculos) tendem a se concentrar no Sudeste-Sul (de Belo Horizonte para bai-xo), justamente nas reas dinmicas apontadas por Campolina Diniz.

    Se, do ponto de vista das tendncias de mercado, os espaos mais atraentestendem a estar situados em reas concentradas no Sul-Sudeste, do ponto de vistados restritos investimentospatrocinados pelo governo federal era de se esperarao efetiva no sentido de evitar a ampliao de disparidades j gritantes noBrasil e assegurar a compatibilidade entre insero na globalizao e integrao

    dos diversos espaos do pas. Mas os dados parecem sinalizar para tendncia afortalecer(ao invs de contrabalanar) a concentraode novas atividades e denovos investimentos em certos focos competitivos. Essa uma das orientaescentrais do Programa Brasil em Ao, no qual o governo federal define os 42projetos prioritrios de investimentos para o binio 1997-98, com recursos quetotalizam R$ 54,4bilhes, destacando-se obras prioritrias de infra-estrutura.

    Para o que interessa nesse trabalho, tomem-se os projetos de infra-estru-tura que tm capacidade de definir articulaes econmicas inter-regionais ouinternacionais e, portanto, capazes de influir na organizao territorial do Brasilem tempos de globalizao. Os demais so projetos importantes, mas de impac-to localizado, restritos a uma ou outra regio do pas (a exemplo da concluso deXing, com impacto no Nordeste). Por sua vez, de grande importncia para amodelagem territorial do Brasil, fica fora dessa anlise o Programa de Desenvol-vimento das Telecomunicaes (Paste), por no ter sido apresentado com o de-talhe da localizao regional de seus investimentos (orados em R$ 16 bilhespara o binio) e o Programa de Recuperao de Rodovias, tambm sem localiza-o definida no documento oficial.

    Os projetos prioritrios de infra-estrutura econmica, estratgicos para a fu-tura organizao territorial do Brasil, revelam algumas caractersticas importantes :

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    26/32

    30 ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997

    tm uma opo prioritria clara pela integrao dos espaos dinmicosdo Brasil ao mercado externo, em especial ao Mercosul e ao restante daAmrica do Sul, consistente com a opo brasileira de promover aintegrao competitiva. Essa orientao estratgica secundariza aintegrao interna;

    priorizam dotar de acessibilidade osfocos dinmicosdo Brasil (agrcolas,agro-industriais, agropecurios ou industriais), deixando em segundoplano as reas menos dinmicas, ou os tradicionais investimentos aut-nomos, pelos quais o Estado patrocina infra-estruturas que potencializamdinamismo econmico futuro. Na opo atual, o Estado segue o mer-cado, enquanto com os investimentos autnomos se antecipam a ele.Na opo do Brasil em Ao, o governo busca ampliar a competitividadede espaos j competitivos;

    concentram os investimentos no Sul-Sudeste, na fronteira Noroeste, eem pontos dinmicos do Nordeste e do Norte, seguindo os espaosque vm concentrando maior dinamismo nos anos recentes.

    Os espaos mais dinmicos atraem projetos federais de infra-estrutura (queampliam sua acessibilidade) com investimentos da ordem de R$ 5,7bilhes, en-quanto os demais ficam com apenas R$ 195milhes para o binio 1997-98, ouseja, apenas 3%do total.

    Outro investimento igualmente estratgico, face aos novos paradigmastecnolgico e produtivo e s novas condies de concorrncia num mercadomundial em globalizao, o destinado a gerao e difuso de conhecimentos

    cientficos e tecnolgicos e a formao de recursos humanos qualificados. Locaisbem dotados desses atributos so apontados como atrativos para investimentos.

    Cabe destacar que o dispndio em C&Trealizado no Brasil nos anos 90continua muito baixo (0,7%do PIB) quando comparado aos pases do G7e aalguns tigres, que despendem entre 2e 3%de seus PIBspara promover os desen-volvimentos cientfico e tecnolgico. Por outro lado, dados relativos a 1994 re-velam que, no Brasil, 82%do gasto total em C&Tainda cabem ao setor pblico(sendo 57%de responsabilidade do governo federal, 17%dos governos estaduaise 8%das estatais).

    Por sua vez, das 158 instituies de pesquisa cadastradas pelo CNPq,81%

    eram de natureza pblica, metade delas localizadas em uma nica regio: o Su-deste. O Nordeste abriga 20%das instituies cadastradas (50%das quais em doisestados: Pernambuco e Bahia). Como se percebe, histrica a concentraoespacial dos centro produtores de conhecimento no pas (IPEA/DPRU/CGPR,Nota Tcnica, 1996).

    O ltimo levantamento efetuado pelo CNPq registrava sete mil grupos depesquisa ativos no pas no primeiro semestre de 1995,fortemente concentrados noSudeste(69%), especialmente em So Paulo (40,7%do total nacional). Um inte-

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    27/32

    ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997 31

    ressante indicador de concentrao o que revela que em apenas cinco estados(So Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Paraba) a parti-cipao no total dos Grupos de Pesquisa do pas maior que a participao

    desses estados no PIBdo Brasil (IPEA/DPRU/CGPR, Nota Tcnica, 1996).Considerando a produo desses grupos no binio 1993-94, constata-se

    uma distribuio espacial ainda mais concentrada no Sudeste considerando-se adistribuio dos grupos de pesquisa. A regio responde por 85,5%dos artigospublicados em peridicos nacionais e estrangeiros por pesquisadores do Brasil.

    A distribuio espacial dos produtos e processos tecnolgicosdesenvolvidosrevela, mais uma vez, forte concentrao no Sudeste (com destaque para Rio deJaneiro e So Paulo). Por sua vez, a distribuio das patentes outorgadas paraprodutos gerados por grupos de pesquisa no Brasil mostra que, exceo de PEe DF, nenhuma outra unidade da Federao fora do Sudeste e Sul conseguiu tal

    intento.Finalmente, em termos financeiros, dados fornecidos pelo CNPq para 1994

    (ltimo disponvel) revelam que a alocao regional dos investimentos em C&Tconfirma a Unio tender a fortalecer, tambm nesse campo, os mais fortes aoconcentrar seus financiamentos nas bases cientfica e tecnolgica instaladas noSudeste brasileiro (62%do total, contra apenas 9%no Nordeste, dos quais 1/3sem Pernambuco).

    O papel esperado do Estado o de contrabalanar, com sua presena, arelativa ausncia de investimentos privados, e no se concentrar onde o enteprivado j prefere se localizar, onde o dinamismo conduzido pela lgica do mer-

    cado j mais intenso, onde os novos fatores de competitividade j so abundan-tes. A preocupao que deriva de tais fatores refere-se ao destino das chamadasreas no-competitivas. No Nordeste, muitas delas abrigam significativo contin-gente de pessoas (como o grande espao semi-rido no passvel de abrigar focosde agricultura irrigada, ou seja, 95%da rea total dessa sub-regio nordestina).

    Como ficou evidenciado pelas anlises at aqui procedidas, no Brasil dosanos recentes, j no novo contexto de abertura, predomnio da integrao com-petitiva e estabilizao, parece se confirmar a tendncia a interromper adesconcentrao espacial do crescimento que ocorria nos anos 70e 80,quando a an-lise feita em escala macrorregional. Essa interrupo vem sendo comandada

    pelo mercado e referendada pelas polticas pblicas federais de corte nacional/

    setorial. Em termos regionais, sobrevivem instrumentos e polticas herdados dopassado, com reduzida capacidade de impactar as realidades regionais e contra-por-se s novas foras que tendem a se consolidar.

    A ausncia de explcitas polticas regionais por parte do governo federalabriu espao deflagrao de umaguerra fiscalentre estados e municpios, quebuscam contribuir para consolidar alguns focos de dinamismoem suas reas deatuao. A combinao desses dois fatos, vai deixando grandes reas do pas margem: so os ditos espaos no-competitivos.

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    28/32

    32 ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997

    Por sua vez, as tendncias provveis dos investimentos sugerem que, apsa fase de modesta desconcentrao, poder ocorrer no futuro imediato um pro-cesso de concentrao espacialdo dinamismo econmico em algumas sub-regies(focos dinmicos) do pas.

    A concluso preocupanteque emerge das observaes e anlises aqui apre-sentadas a de que, muito provavelmente, a insero do Brasilna economiamundial globalizada tende a ser muito diferenciada, segundo os diversossubespaos econmicos desse amplo e heterogneo pas. Tal diferenciao tendea alimentar a ampliao de histricas e profundas desigualdades. Certamenteno se repetiro as formas pelas quais se materializaram essas desigualdades aolongo do sculo XX, mas provavelmente se observar aumento da heterogeneidadeno interior das macrorregies. Essa umaforte tendnciapois o prprio estilo decrescimento da economia mundial profundamente assimtrico, como supe

    Pacheco (1996), e aos atores globais interessam apenas os espaos competitivosdo Brasil. Espaos identificados a partir deseus interesses privados e no dos inte-resses do Brasil.

    Rumo fragmentao?

    Face ao exposto, parece evidente que as tendncias recentes atuam nosentido de aprofundar as diferenciaes regionais herdadas do passado e, desta-cando osfocos de competitividade e de dinamismo do restodo pas, fragmentar oBrasil para articul-los economia global. A aguda crise do Estado e o tratamen-to no-prioritrio concedido ao objetivo da integrao nacional, nos temposatuais, sinalizam nessa direo.

    Pelo que j possvel apreender, Furtado (1992)chegou a mencionar aconstruo interrompidada nao brasileira. A insero seletivapromovida pelasnovas tendncias tero como contra-face da mesma moeda, o abandono dasreas de excluso(ditas no-competitivas). Poderia estar sendo traado, assim, oroteiro da fragmentao brasileira. E pelo que j se observa no Nordeste, a re-gio acompanhar a tendncia geral, num espao em que a herana de desigual-dade muito grave.

    No Brasil, a emergncia de focos de um novo tipo de regionalismo, intituladoparoquialismo mundializadopor Vainer (1995), sinaliza nessa direo. So locaisde grande dinamismo recente, dotados dos novos fatores de competitividade

    que montam sua articulao para fora do pas e tendem a romper laos de solida-riedade como resto, passando a praticar polticas explcitas de segregao contraemigrantes (nordestinos, na maioria dos casos), vindos de reas no-competiti-vas. Buscam, assim, evitar manchar a ilha de Primeiro Mundo que julgam cons-tituir (Vainer, 1995).

    O futuro parece apontar, especialmente quanto ao Nordeste, para oaprofundamento da heterogeneidade herdada do passado recente. E tendero ase ampliar as diferenciaes dentro das macrorregies, cada uma delas podendo

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    29/32

    ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997 33

    conter distintos tipos de sub-regies, como: sub-regies de reas dinmicas, sub-regies em processo de reestruturao, sub-regies estagnadas ou sub-regies e reasde potencial pouco utilizado.

    importante considerar que o desenvolvimento regional recente, sobretu-do na fase de desconcentrao da segunda metade dos anos 70 at a primeira dosanos 80, reforou a heterogeneidade de cada macrorregio, tornando mais ntidase mesmo maior as diferenas entre as sub-regies de cada grande regio. Tambmneste aspecto, o Nordeste acompanhou e continua a acompanhar o Brasil.

    A heterogeneidade crescente vai consolidando dinmicas particulares nointerior dos diversos estados do Nordeste. Em Pernambuco e no Rio Grande doNorte, por exemplo, o dinamismo das reas de fruticultura (de Petrolina ou dovale do Au) contrasta com a passividade com que se assiste crise das reas doantigo complexo gado-algodo (embora geograficamente as duas estejam prxi-mas, nos dois estados). O dinamismo do oeste baiano contrasta com a lentidocom que se buscam alternativas ao cacau, na parte oriental-sul do estado. Com aferrovia Norte-Sul e a hidrovia do So Francisco, e sem a ferrovia Transnordestina(tal como est previsto no Brasil em Ao), a poro ocidental dinmica do Nor-deste amplia suas chances de interao privilegiada com o Centro-Oeste e Sudes-te. E isola-se, crescentemente, o Nordeste oriental.

    Rumamos, agora, para aprofundar as diferenciaes pr-existentes, cadaum olhando para si prprio, cada subespao buscando suas prprias definies emontando suas articulaes. Os atores globais tambm faro suas escolhas.Rumamos fragmentao?

    Referncias bibliogrficas

    AFFONSO, Rui & SILVA, Pedro Luiz Barros (orgs.). Desigualdades regionais e desen-volvimento. So Paulo, Fundap/Unesp, 1995.

    ANDRADE, Manoel Correia. A terra e o homem no Nordeste. So Paulo, Atlas, 1988.

    ARAJO, Tania Bacelar.A industrializao do Nordeste: intenes e resultados. Comuni-cao apresentada no Seminrio Internacional sobre Disparidade Regional. Recife:Frum Nordeste, 1981.

    ___________. Nordeste, Nordestes. So Paulo,Teoria e Debate, jul./set. 1992.

    ___________. Nordeste, Nordestes, que Nordeste? In: AFFONSO, R.B &SILVA,P.L.B (org.). Desigualdades regionais e desenvolvimento (federalismo no Brasil). SoPaulo, Fundap/Unesp, 1995, p. 125-156.

    BRANDO, Maria de Azevedo. A regionalizao da grande indstria do Brasil: Recifee Salvador na dcada de 70. So Paulo, Revista de Economia Poltica, v. 5, n. 4, 1985.

    BRASIL - Congresso Nacional. Desequilbrio econmico inter-regional brasileiro. Relat-

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    30/32

    34 ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997

    rio Final da Comisso Mista sobre o Desequilbrio Econmico Inter-Regional Brasi-leiro, 1993.

    BUARQUE, Srgio et al. Integrao fragmentada e crescimento da fronteira norte. In:Desigualdades regionais e desenvolvimento. So Paulo, Fundap/Unesp, 1995.

    CANO, Wilson. Desequilbrios regionais e concentrao industrial no Brasil: 1830-1970.So Paulo, Global /Unicamp, 1985.

    CAMPOLINA DINIZ, Cllio.A dinmica regional recente da economia brasileira e suasperspectivas. Braslia, IPEA, 1994.

    CAMPOLINA DINIZ, Cllio &CROCCO, Marco Aurlio. Restruturao econmicae impacto regional: o novo mapa da indstria brasileira. Belo Horizonte, Revista NovaEconomia, v. 6, n. 1, jul. 1996.

    CARVALHO, Inai M. Nordeste: discutindo transformaes recentes e novas questes. For-taleza, UFCE/NEPS/Mestrado em Sociologia, Srie Estudos e Pesquisas n. 17, 1989.

    CNI. Departamento Econmico. Economia brasileira comparaes regionais. Rio deJaneiro, CNI, n. 2, 1996.

    CONGRESSO NACIONAL. Comisso Especial Mista sobre Desigualdades Regionais.Desequilbrio econmico interregional brasileiro. Relatrio Final. Braslia, 1993.

    DUARTE, Renato. Crescimento econmico: dinmica e transformao da economianordestina na dcada de 70 e nos anos 80. Revista Econmica do Nordeste, Fortaleza,BNB, v. 20, n. 4, p. 339-375, out./dez. 1989.

    FUNDAJ. Fundao Joaquim Nabuco. Desenvolvimento desigual da economia brasileira.Recife, 1992 [mimeo].

    FURTADO, Celso. Brasil: a construo interrompida. So Paulo, Paz e Terra, 1992.

    GALVO, Olmpio. Impactos da irrigao sobre os setores urbanos nas regies de Juazeiroe Petrolina. Texto Para Discusso n. 226. Recife, CME/PIMES/UFPE, 1990 [mimeo].

    GRAZIANO DA SILVA, Jos (coord.) A irrigao e a problemtica fundiria do Nor-deste. Campinas-SP, Instituto de Economia/Proni, 1989.

    GTDN. Uma poltica de desenvolvimento econmico para o Nordeste, 2ed. Recife, Sudene,1989.

    GUIMARES NETO, Leonardo. Introduo formao econmica do Nordeste. Recife,Massangana, 1989.

    _______________. Desigualdades regionais e federalismo. In: AFFONSO, R.B. &SIL-VA, P.L.B. (org). Desigualdades regionais e desenvolvimento. So Paulo, Fundap/Unesp,1995, p. 13-59.

    GUIMARES NETO, Leonardo &ARAJO, Tania Bacelar. Nordeste: a persistncia dapobreza (relatrio de pesquisa para estudo sobre a pobreza do Brasil). Campinas-SP,Unicamp, 1991 [mimeo].

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    31/32

    ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997 35

    GUIMARES NETO, Leonardo &GALINDO, Osmil. Quem controla o que na inds-tria incentivada do Nordeste. Cadernos IPPUR/UFRJ. AnoVI, n. 1, dez. 1992.

    HADDAD, Paulo R. A questo regional no Brasil do sculo XXI: a longa e recalcitrantepersistncia dos desequilbrios de desenvolvimento no espao econmico. Campinas-SP,Seminrio Brasil Sculo XXI, 1988 [mimeo].

    _________. Para onde vo os investimentos? So Paulo, Gazeta Mercantil, 16-18fev.1996.

    IPEA Instituto de Pesquisas Economia Aplicada. O mapa da fome: subsdio formula-o de uma poltica de segurana alimentar. In: PELLIANO, Anna Maria (coord.).Braslia, IPEA, maro 1993.

    _________. Nota tcnica sobre gesto em C&T. Braslia, IPEA, 1996 [mimeo].

    LIMA, Policarpo &KATZ, Frederico. Economia do Nordeste: tendncias recentes das reasdinmicas. [s.l.], 1993 [mimeo].

    MAIA GOMES, Gustavo. Uma estratgia para acelerar o desenvolvimento do Nordeste.Texto para Discusso n. 233. Recife, CME/PIMES/UFPE, 1991.

    MELO, Mrio Lacerda de. Os Agrestes. In: Srie Estudos Regionaisn.3. Recife, Sudene,1980.

    __________. Regionalizao agrria do Nordeste. In: Srie Estudos Regionais n.1. Reci-fe, Sudene, 1978.

    OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma re(li)gio, 3 ed. Rio de Janeiro, Paz e

    Terra, 1981.

    ___________. A metamorfose da arribao: fundo pblico e regulao autoritria naexpanso econmica do Nordeste. Novos Estudos Cebrap, n. 27, 1990.

    OMAN, C. Globalizao/regionalizao: o desafio para os pases em desenvolvimento.Revista Brasileira de Comrcio Exterior, n. 39, abr./jun. 1994.

    PACHECO, Carlos Amrico. Desconcentrao econmica e fragmentao da econo-mia nacional. Campinas-SP, Revista Economia e Sociedade, n, 6, p. 113-40, jun. 1996.

    QUEIROZ, Luiz N. de. Corredores de transportes para os cerrados baianos. In:Cartada CPEn. 12, Salvador-BA, 1992.

    SANTOS FILHO, Milton (coord.). O processo de urbanizao do oeste baiano. Recife,Sudene, 1992.

    SILVA, Antonio Braz de Oliveira et al. Produto Interno Bruto por unidade da Federao.Braslia, IPEA, Texto para Discusso n. 424, 1995.

    STORPER, Michael. Industrialization, economic development and the regional questionin the Third World: from import substitution to flexible production. So Paulo, Pionei-ra, 1991.

  • 7/23/2019 BACELAR - Herana de Diferenciao e Futuro de Fragmentao

    32/32

    36 ESTUDOSAVANADOS 11 (29), 1997

    SUDENE Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste. Importaes e exporta-es do Nordeste do Brasil 1974/80. Recife, Sudene, 1985.

    _________. Produto e formao bruta de capital no Nordeste do Brasil - 1965/91. Recife,Sudene, 1992.

    _________. Boletim conjuntural. Recife, Sudene, 1996.

    SUDENE-BNB. Relatrio de pesquisa sobre o desempenho da indstria incentivada noNordeste. Recife, Sudene, 1992.

    VAINER, Carlos. Regionalismos contemporneos. In: A Federao em perspectiva: en-saios selecionados. So Paulo, Fundap, 1995.

    Tania Bacelar de Arajo, economista, professora da Universidade Federal dePernambuco (UFPE).