Baia de Todos Os Santos

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B a a d e To dos os S an tos

Universidade Federal da Bahia reitor Naomar Monteiro de Almeida Filho vice-reitor Francisco Mesquita

editora da Universidade Federal da Bahia diretora Flvia Goullart Mota Garcia Rosa Conselho editorial titulares Angelo Szaniecki Perret Serpa Caiuby lves da Costa Charbel Nio El Hani Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotti Jos Teixeira Cavalcante Filho Maria do Carmo Soares Freitas suplentes Alberto Brum Novaes Antnio Fernando Guerreiro de Freitas Armindo Jorge Carvalho S Hoisel Cleise Furtado Mendes Maria Vidal de Negreiros Camargo

vanessa hatje Jailson B. de andradeorganizadores

Baa de Todos os SantosAspectos Oceanogrficossalvador | 2009 | edUFBa

2009 by autores direitos para esta edio cedidos edufba. Feito o depsito legal.

Capa e Projeto Grfico Gabriela Nascimento Foto da Capa Pedro Milet Meirelles artefinalizao de imagens e Grficos Gabriela Nascimento Rodrigo Oyarzabal Schlabitz reviso e normalizao Maria Aparecida Viviani Ferraz

sistema de Bibliotecas - UFBa Baa de todos os santos : aspectos oceanogrficos / vanessa hatje, Jailson B. de andrade, organizadores. - salvador : edUFBa, 2009. 306 p. : il. isBn 978-85-232-0597-3 1. oceanografia - todos os santos, Baa de (Ba). 2. Geologia fsica - todos os santos, Baa de (Ba). 3. oceanografia qumica - todos os santos, Baa de (Ba). 4. Biologia marinha - todos os santos, Baa de (Ba). 5. ecologia aqutica - todos os santos, Baa de (Ba). 6. Pescaria marinha - todos os santos, Baa de (Ba). i. hatje, vanessa. ii. andrade, Jailson B. de. Cdd - 551.46098142

editora afiliada

editora da UFBa rua Baro de Jeremoabo s/n - Campus de ondina 40170-115 - salvador - Bahia tel.: +55 71 3283-6164 Fax: +55 71 3283-6160 www.edufba.ufba.br [email protected]

Para KIRIMUR grande mar Tupinamb e baa de inspirao para ar tistas, p o etas e cientistas...

A presente obra foi viabilizada pelo financiamento do Instituto do Meio Ambiente (IMA) e da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), a quem agradecemos atravs de Elizabete Maria Souto Wagner (Diretora Geral - IMA), Sidrnio Bastos (IMA), Erica Campos (IMA), Dora Leal Rosa (Diretora Geral - FAPESB) e Robert Verhine (Diretor Cientfico - FAPESB). Agradecemos carinhosamente a ajuda de Lys Vinhaes (FAPESB), a qual foi decisiva para a elaborao deste livro. A sua atuao junto FAPESB e ao IMA e a sua interlocuo continuada com os editores e autores foi de fundamental importncia para a garantia da qualidade e cumprimento dos prazos em que trabalhamos. Os Editores agradecem especialmente a Jos Ricardo Fonseca de Arajo (RLAM), pela disponibilizaro de dados gerados em monitoramentos ambientais; a Gisele Olmpio da Rocha (UFBA), Gislaine Vieira Santos (UFBA), Vera Sales (Fundao Pedro Calmon), Daniel Tourinho Peres (UFBA) e Francisco Barros (UFBA) pela valiosa colaborao durante as vrias etapas de elaborao da obra e ao CNPq pelas bolsas de Produtividade em Pesquisa. Por fim, mas no de menor importncia, agradecemos a todos os autores cujas pesquisas so citadas nesta obra, pois sem o trabalho valioso destes professores, tcnicos e estudantes este livro no existiria.

Pr ef c ioo desenvolvimento do estado da Bahia est intimamente relacionado interao homem x meio ambiente. na regio que abriga a Baa de todos os santos (Bts), esta relao pode ser acompanhada desde o incio da formao da nao e do estado brasileiros. a Baa, ento chamada Kirimur pelos ndios que a habitavam, ofereceu a proteo que os primeiros colonizadores precisavam para se estabelecer; por sua riqueza, garantiu-lhes o sustento; por sua capilaridade, contribuiu para o acesso aos domnios distantes do litoral e, em um momento posterior, para o escoamento da produo. essa centralidade da Bts tem perpassado os sculos e a fez testemunha de ciclos econmicos e culturais que desguam na atualidade; a fez tambm sofrer o impacto nem sempre positivo desses ciclos. nesse contexto que o Governo do estado da Bahia, por meio do instituto do Meio ambiente (iMa) e da Fundao de amparo Pesquisa do estado da Bahia (FaPesB), tem dado foco para o monitoramento, a avaliao e as pesquisas multidisciplinares e articuladas da e sobre a Bts. ao longo do tempo, a Baa tem sido objeto de investigaes. no entanto, os dados esto dispersos e so, em sua maioria, restritos academia ou s agncias que fomentaram as pesquisas que os originaram. a presente publicao visa suprir essa lacuna. o livro Baa de Todos os Santos foi pensado em dois volumes: o ambiente Fsico, relacionado a oceanografia da Baa, e o ambiente humano. Para a organizao do volume ambiente Fsico, iMa e FaPesB convidaram dois pesquisadores renomados, vanessa hatje e Jailson Bittencourt de andrade, vinculados Universidade Federal da Bahia. Coube aos dois identificar e envolver os demais autores que, a partir de seus estudos e de uma busca sistemtica dos dados existentes, puderam elaborar os captulos que ora so apresentados. no conjunto, esses captulos formam o panorama atual da oceanografia da Bts. Com a publicao da Baa de Todos os Santos: aspectos oceanogrficos, iMa e FaPesB buscam democratizar o acesso s informaes sobre a Bts, estimulando seu uso na formulao de novas polticas e de novas investigaes na busca por uma gesto sustentvel da Baa e pela otimizao das decises que resultem na melhoria da qualidade de vida da populao no seu entorno. salvador, 27 de agosto de 2009.

Dora Leal Rosa Diretora Geral Fundao de Amparo Pesquisa da Bahia

Elizabeth Maria Souto Wagner Diretora Geral Instituto do Meio Ambiente

S um r io

I . I nt ro du o

Vanessa Hatje Jailson Bittencourt de Andrade

I I . Ge olo g ia

Jos Maria Landim Dominguez Ablio Carlos da Silva Pinto Bittencourt

I I I . O cea no gra fia FsicaGuilherme Camargo Lessa Mauro Cirano Fernando Genz Clemente Augusto Souza Tanajura Renato Ramos da Silva

15 25 67

V. Pesca e Pro duo PesqueiraLucy Satiko Hashimoto Soares Ana Carolina Ribeiro Salles Juliana Pierrobon Lopez Elizabeti Yuriko Muto Roberto Giannini

157 207 243 299

VI. A m bien te B entn icoFrancisco Carlos Rocha de Barros Junior Igor Cristino Silva Cruz Ruy Kenji Papa de Kikuchi Zelinda Margarida de Andrade Nery Leo

I V. A mbiente PelgicoRubens Mendes Lopes June Ferraz Dias Salvador Airton Gaeta

121

VII. Conta m in ao Q um icaVanessa Hatje Mrcia Caruso Bcego Gilson Correia de Carvalho Jailson Bittencourt de Andrade

VIII. Colab oradores

I

I n tr o d u oVanessa Hatje Jailson Bittencourt de Andrade

A Baa de Todos os Santos, conhecida como BTS (Figura 1), uma grande baa localizada nas bordas da terceira maior cidade brasileira, Salvador, capital da Bahia. Centrada entre a latitude de 1250 S e a longitude de 3838 W, a BTS apresenta uma rea de 1.233 km2, sendo a segunda maior baa do Brasil, atrs apenas da baa de So Marcos, no Maranho. No entorno da BTS h hoje um contingente populacional superior a trs milhes de habitantes. Dentre as baas da costa leste brasileira, a nica que apresenta dez terminais porturios de grande porte, um canal de entrada naturalmente navegvel e canais internos profundos, o que, desde sempre, a tm tornado um elemento facilitador do desenvolvimento da regio. Sua riqueza natural, com expressiva extenso de recifes de corais, esturios e manguezais e sua forte relao com a histria do Brasil fazem da BTS um plo turstico por excelncia. Muito se tem pesquisado sobre a BTS, mas as informaes decorrentes desses estudos, em boa parte, esto dispersas e pouco acessveis, o que torna difcil uma viso geral sobre ela. Proporcionar tal viso, com foco nos aspectos oceanogrficos, o objetivo geral deste livro. A Introduo se incumbe de apresentar a BTS ao leitor, situando-a histrica e economicamente a princpio para, em seguida, fazer uma descrio de seus aspectos fsicos mais gerais. Entre 1501, quando os portugueses cruzaram pela primeira vez a entrada da BTS, e 1590, quando o primeiro complexo urbano na borda da baa, a Cidade do Salvador, estava em pleno funcionamento, houve uma profunda mudana no entorno da BTS. Neste perodo a ndia Kirimur, grande mar interior dos Tupinamb, foi transformada e batizada na portuguesa Baa de Todos os Santos (Arajo, 2000). Naquela poca, a regio do Recncavo baiano, que abraa toda a rea da BTS e compreende vrios rios e enseadas de portes variados, era coberta por densas florestas e bosques de manguezais. A partir de 1550, entretanto, a implantao da cultura da cana-de-acar, primeira monocultura de exportao do Brasil, e a sucessiva instalao de engenhos, unidade agroindustrial mais complexa sua poca, promoveram a acelerada destruio das matas primrias. Estas matas foram utilizadas como combustvel vegetal e alimentaram todo setor de construo e reparao de embarcaes (Arajo, 2000). No final do sculo XVI havia mais de 40 engenhos instalados na regio ocupada entre So Francisco do Conde, Santiago de Iguape e Santo Amaro, constituindo um territrio reservado exclusivamente cultura da cana (Oliveira, 1997). As lavouras de subsistncia, especialmente a explorao da mandioca, desenvolveram-se ao sul desta regio, enquanto as plantaes de fumo concentraram-se a oeste (Freitas e Assis, 2009). O transporte aqutico nesta poca foi fundamental para a exportao do acar, de produtos do serto e do intenso trfico de escravos. Mais de 1400 embarcaes estavam em servio no interior da BTS, que se tornou parada estratgica das embarcaes portuguesas a caminho da ndia (Arajo, 2000).

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Figura 1. Baa de Todos os Santos, BA, Brasil (Cirano e Lessa, 2007).

Em meados do sculo XIX, por motivos diversos dentre os quais a ausncia de estradas para escoamento da produo, o fim do trfico africano e a abolio da escravatura, houve novamente uma grande mudana no cenrio do Recncavo. Surgia ento um ambiente bem mais diversificado, que incluiu a produo de fumo, de produtos alimentcios, usinas de acar e coleta de peixes e mariscos para o abastecimento local. Outra mudana expressiva no panorama do Recncavo baiano deu-se em 1950, quando a Petrobras inaugurou a pequena refinaria Landulpho Alves (RLAM) no municpio de Mataripe. Entre os anos 50 e 80 o Recncavo foi o nico produtor de petrleo no pas (Oliveira, 2003). A descoberta e a explorao do petrleo

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transformaram definitivamente a identidade da regio e impuseram uma nova organizao econmica e social, que terminou por conduzir o Governo da Bahia, nas dcadas de 60 e 70, opo pelo desenvolvimento petroqumico como modelo de crescimento econmico do Estado. Posteriormente, a criao da Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e uma srie de incentivos fiscais permitiram o desenvolvimento e a expanso industrial, com a consolidao do complexo petroqumico e do Centro Industrial de Aratu. Como resultado de todo este processo, hoje o entorno da BTS compreende uma extensa zona industrial que inclui o maior plo petroqumico do hemisfrio sul. Existem tambm trs emissrios submarinos localizados na plataforma continental adjacente, ao norte da desembocadura da baa, sendo dois destinados a efluentes industriais e um destinado ao esgotamento domstico. Reservas de leo e gs so exploradas na plataforma interna a menos de 100 km da entrada da baa. Os focos e estratgias de explorao de recursos no so permanentes. As condies de vida e de trabalho das populaes no entorno da BTS tm sido alteradas profundamente em cada um dos ciclos mencionados. Em contrapartida, o ambiente fsico da BTS, to conducente ao desenvolvimento e explorao do seu entorno e base de trabalho e renda para as populaes ribeirinhas excludas dos ciclos principais, tem sofrido os efeitos da ao antrpica. Na maior parte de sua extenso, a BTS rasa, com profundidade mdia de 6 m e profundidade mxima de 70 m, no paleovale do rio Paraguau. A geologia da BTS foi determinada, em grande parte, pela atividade tectnica, quando da separao entre a Amrica do Sul e a frica, ocupando uma rea delimitada pelas falhas geolgicas de Salvador e de Maragojipe. De uma bacia de drenagem total de 60.000 km2, mais de 90% so drenados por trs tributrios, os rios Paraguau, Jaguaripe e Suba, responsveis por uma descarga mdia anual de 101 m s-1, ou 74% da descarga fluvial total (Cirano e Lessa, 2007). O rio Paraguau, apesar de barrado pela represa de Pedra do Cavalo, 15 km montante de sua foz, o principal tributrio da BTS, seguido pelos rios Jaguaripe e Suba e de pequenos cursos dgua perifricos. A pequena descarga fluvial refletida nas caractersticas essencialmente marinhas encontradas na maior parte da baa. No seu interior, a circulao predominantemente forada pelas mars (2,7 m de altura mdia de mar), sendo que a descarga fluvial mdia inferior a 1% da vazo associada s mars na sada da BTS. A coluna dgua caracteristicamente bem misturada e condies estuarinas so observadas apenas prximo sada dos rios, em esturios com ecofisiologia complexa, os quais abrigam uma rica biodiversidade de alto interesse ecolgico e extrativista. Esses ambientes podem ser descritos de diversas maneiras e neste livro sero tratados como ambientes bentnicos e pelgicos. O ambiente pelgico refere-se coluna dgua, em interface com a atmosfera e o sedimento de fundo, sendo habitado por plncton e ncton. O ambiente bentnico

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compreende os ambientes de fundo consolidado, como recifes de corais, bem como os sedimentos inconsolidados no infra e mesolitoral, e a fauna associada a estes. Esta Introduo apresentou, brevemente, a Baa de Todos os Santos. Os prximos captulos tm os objetivos de sumarizar e examinar, de maneira compreensiva, os dados de oceanografia qumica, geolgica, fsica e biolgica que foram gerados sobre a BTS. Assim, este livro est dividido nas seguintes partes: Geologia (Captulo II); Oceanografia Fsica (Captulo III); Ambiente Pelgico (Captulo IV); Pesca e Produo Pesqueira (Captulo V); Ambiente Bentnico (Captulo VI); e Contaminao Qumica (Captulo VII). No Captulo II, o leitor encontrar uma descrio de como e quando a BTS foi formada e um panorama histrico que compreende desde o incio de sua formao at seu estgio atual. Este captulo crtico, uma vez que define as condies geolgicas a partir das quais os ambientes contemporneos se estabeleceram. O Captulo III examina as propriedades fsicas da gua, bem como as forantes da circulao e as condies meteorolgicas da regio. Neste captulo a nfase dada em reas particularmente mais susceptveis impactao antrpica, como a regio da Baa de Aratu e do rio Paraguau. No Captulo IV, so apresentados os dados fsicoqumicos que caracterizam a BTS, especialmente na regio norte da baa, onde foi realizada uma srie de estudos de avaliao da qualidade ambiental. Este captulo aborda tambm os dados sobre plncton (fito e zoo) e peixes disponveis na regio. As principais caractersticas das comunidades pesqueiras, especialmente da poro norte da baa, so discutidas no Captulo V. Neste apresentado um sumrio das atividades de pesca, incluindo os petrechos utilizados, as principais espcies e uma estimativa da produo pesqueira. O Captulo VI discute o ambiente bentnico da BTS e concentra a discusso em torno de dois ambientes extremamente ricos do ponto de vista ecolgico e altamente sensveis aos impactos antrpicos, os esturios e os recifes de corais. Finalmente, o Captulo VII apresenta uma reviso dos principais estudos sobre a contaminao por metais trao e por hidrocarbonetos realizados na BTS, e fornece subsdios para o leitor avaliar a situao de impactao da baa comparativamente a outros sistemas costeiros. Com esta estruturao, este livro pretende suprir uma demanda antiga dos rgos governamentais e da comunidade cientfica: encontrar, em uma nica publicao, dados sistematizados e meno aos principais trabalhos desenvolvidos sobre a BTS, bem como uma interpretao sobre sua atual situao. Dessa maneira, espera-se que esta publicao contribua para o desenvolvimento de novas pesquisas, para o enriquecimento de projetos em andamento e para a formulao de polticas pblicas que tenham, como finalidade, a promoo da qualidade de vida das populaes no entorno da baa, em sintonia com a preservao da diversidade dos ecossistemas da BTS.

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Re f e r n c i a sArajo, U. C. (2000) A Baa de Todos os Santos: um sistema geo-histrico resistente. Bahia Anlise & Dados, v. 9, p. 10-23. Cirano, M.; Lessa, G. C. (2007) Oceanographic characteristics of Baa de Todos os Santos. Brasil. Revista Brasileira de Geofsica, v. 25, p. 363-387. Oliveira, W.F. (1997) Evoluo Scio-Econmica do Recncavo Baiano. In: Germen/ UFBA-NIMA. Baa de Todos os Santos Diagnstico Scio-Ambiental e Subsdios para a Gesto. Parte I. Cap. 3, p. 43-56. Oliveira, F. (2003) O elo perdido. Classe e identidade de classe na Bahia. Editora Fundao Perseu Abramo, So Paulo. 115p. Freitas, A. F. G.; Assis, A. (2009) Can Velloso. Lembranas do saber viver. EDUFBA, Salvador. 179p.

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II

G e o lo g iaJos Maria Landim Dominguez Ablio Carlos da Silva Pinto Bittencourt

I nt r o d u oA Baa de Todos os Santos est implantada sobre as rochas sedimentares que preenchem a bacia sedimentar do Recncavo (Figuras 1 e 2). A bacia do Recncavo em realidade uma sub-bacia que ocupa a extremidade sul de um conjunto de bacias denominado Recncavo-Tucano-Jatob (Figura1). Uma bacia sedimentar uma regio da litosfera terrestre que experimenta, durante um determinado intervalo de tempo, um movimento descendente, denominado subsidncia. Este processo d origem a uma regio topograficamente mais baixa que termina por capturar a drenagem continental, sendo, pouco a pouco, preenchida de sedimentos que, com o passar do tempo, experimentam processos de cimentao, dando origem ento a rochas sedimentares. A subsidncia no continua indefinidamente, de modo que, eventualmente, a bacia sedimentar pode experimentar um processo denominado inverso, que resulta em soerguimento, com formao de um relevo positivo. A bacia sedimentar, em que predominava acumulao de sedimentos, passa ento a experimentar eroso, como ocorreu com a sub-bacia do Recncavo. Sobre estes remanescentes erodidos, desenvolveu-se em um tempo geolgico muito mais recente a Baa de Todos os Santos. Este captulo objetiva apresentar esta histria geolgica da Baa de Todos os Santos, desde o incio da formao da sub-bacia do Recncavo, no Cretceo inferior, h 145 milhes de anos atrs, passando pelo desenvolvimento inicial da Baa de Todos os Santos at os dias atuais. Espera-se que esta histria geolgica possa transmitir ao leitor uma ideia dos eventos a que esteve sujeita a regio, cuja sucesso permitir compreender como se formou a paisagem atual da Baa de Todos os Santos, no apenas em sua poro emersa como tambm na submersa.

A B a c ia d o Re c n ca voComo visto, a sub-bacia sedimentar do Recncavo faz parte de um conjunto de bacias com orientao geral norte-sul, formadas quando da separao entre a Amrica do Sul e a frica, processo que se iniciou por volta de 145 milhes de anos atrs, no Cretceo inferior (Silva et al., 2007). A sub-bacia do Recncavo separada da sub-bacia do Tucano, situada mais ao norte, pelo Alto de Apor, uma regio que experimentou menos subsidncia durante a evoluo destas bacias (Figura 1). O limite sul da sub-bacia do Recncavo com a bacia de Camamu representado pela falha da Barra (Figuras 2a). A leste, a sub-bacia do Recncavo limitada pela falha/alto de Salvador-Jacupe, que a separa da bacia do Jacupe (Figuras 3a). A oeste, o limite da sub-bacia do Recncavo a falha de Maragogipe (Figuras 2b e 3b). A bacia do Recncavo-Tucano-Jatob

Figura 1. (Pgina seguinte) Bacia Sedimentar do RecncavoTucano-Jatob (modificado de Magnavita et al., 2005).

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Figura 2a. Geologia do entorno (modificada de Magnavita et al., 2005) e do fundo da Baa de Todos os Santos (modificada de Bittencourt et al., 1976 e Cruz, 2008).

Figura 2b. Seo geolgica transversal subbacia do Recncavo mostrando o empilhamento das unidades estratigrficas (modificado de Magnavita et al., 2005).

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Figura 3a. Falha de Salvador limite leste da bacia sedimentar do Recncavo e da Baa de Todos os Santos.

classificada como uma bacia do tipo rifte, que se forma no incio da fragmentao/ separao dos continentes. Se esta fragmentao for bem-sucedida e culminar na efetiva separao de dois continentes, uma crosta ocenica se formar, e por ser mais densa, ocupar uma regio topograficamente mais baixa que, eventualmente, poder ser invadida pelo mar, formando inicialmente um golfo estreito. Este golfo progressivamente se alarga, medida que os continentes se separam, evoluindo desta forma para um oceano pleno e dando origem a uma bacia de margem passiva. No caso particular da bacia do Recncavo-Tucano-Jatob, sua evoluo no chegou a este estgio, j que se constitui no brao abortado de uma juno trplice,

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normalmente formada durante a fragmentao dos continentes (Mohriak, 2003). De outro lado, as bacias de Camamu e de Jacupe tiveram uma evoluo normal, chegando at o estgio de oceano franco. Deste modo, a sub-bacia sedimentar do Recncavo, durante esta sua evoluo inicial no Cretceo inferior, nunca foi invadida pelo mar. Pelo contrrio, aps a subsidncia inicial, a bacia sofreu um soerguimento da ordem de at 1.750 m (Daniel et al., 1989; Davison, 1987; Magnavita et al., 1994), ou seja, desde o final do Aptiano, h aproximadamente 115 milhes de anos atrs, a regio esteve submetida quase que continuadamente eroso.

Figura 3b. Falha de Maragogipe limite oeste da bacia sedimentar do Recncavo e da Baa de Todos os Santos.

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Hi stri a de Pree nchime nto da Bacia do Re cncavoA histria de preenchimento da bacia do Recncavo pode ser dividida em trs fases, denominadas pr-rifte, sin-rifte e ps-rifte (Magnavita et al., 2005) (Figura 1). A fase pr-rifte corresponde queles sedimentos depositados nos estgios iniciais da movimentao da litosfera que antecederam implantao do rifte propriamente dito. Nesta fase, que data do final do Jurssico, h 150-145 milhes de anos atrs, os sedimentos se acumularam em lagos rasos em um clima desrtico onde adentravam pequenos rios e, com o vento soprando, originavam campos de dunas (Figura 4a). A principal unidade sedimentar deste perodo corresponde ao Grupo Brotas, constitudo de arenitos com grandes estratificaes cruzadas e folhelhos de cor avermelhada que, nos dias atuais, afloram na poro oeste da Baa de Todos os Santos, e que podem ser bem visualizados nas belas falsias presentes ao longo do canal do rio Paraguau, entre a Baa de Iguape e a localidade de Barra do Paraguau (Figura 5a). Estes corpos de arenito constituem em subsuperfcie os maiores e mais importantes reservatrios de hidrocarbonetos da bacia do Recncavo (Scherer et al., 2007). Nesta poca, a paisagem da regio foi reminiscente, em alguns momentos, daquela que ocorre hoje nos desertos da Nambia (Figura 4b).

Figura 4a. Paleogeografia da Bacia do Recncavo durante a fase pr-rifte (modificado de Medeiros e Ponte, 1981).

A fase rifte marcada pelo aparecimento brusco de sedimentos lacustres esverdeados do Grupo Santo Amaro (Formao Itaparica), por volta de 145 milhes de anos atrs, sobre os sedimentos do Grupo Brotas. Em seo, este rifte apresentava uma geometria assimtrica (meio-graben) com a maior subsidncia ocorrendo junto falha de Salvador (falha de borda principal do meio-graben), onde se acumularam cerca de at 8 km de espessura de sedimentos (Figura 2b ). Na margem oeste, denominada de flexural, praticamente no houve subsidncia

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Figura 4b. Imagem de satlite mostrando um trecho do deserto da Nambia, um equivalente moderno de como teria sido a paisagem da Bacia do Recncavo na fase pr-rifte.

Figura 5a. Afloramento de rochas do Grupo Brotas (canal do Paraguau).

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Figura 5b. Afloramento de rochas do Grupo Santo Amaro (Saubara).

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Figura 5c. Afloramento de arenitos macios resultantes de fluxos gravitacionais na ilha do Frade.

(Figura 2). Na fase rifte formou-se um lago profundo na regio, reminiscente do que ocorre nos dias atuais no sistema de riftes do leste africano, onde um processo de rifteamento semelhante ativo (Figuras 6a e 6b). Neste lago, com algumas centenas de metros de profundidade e com fundo anxico, acumularam-se lamas ricas em matria orgnica da Formao Candeias do Grupo Santo Amaro, que hoje afloram solidificadas na poro noroeste da Baa de Todos os Santos, como, por exemplo, na localidade de Saubara (Figura 5b). Neste lago profundo adentraram, posteriormente, rios que construram deltas e, aportando sedimentos finos, ajudaram a preencher o lago (Grupo Ilhas). De tempos em tempos, abalos ssmicos desestabilizavam as frentes deltaicas, deformando os sedimentos e originando fluxos gravitacionais que, nas partes mais distais, constituram correntes de turbidez, transportando sedimentos para as partes mais profundas do lago (Magnavita et al., 2005; Cupertino e Bueno, 2005). Estas rochas incluem os arenitos macios e rochas estratificadas que afloram nas principais ilhas e no entorno da Baa de Todos os Santos (Frade, Mar, Itaparica e Base Naval de Aratu) (Figuras 5c, 5d, 7a e 7b). Na borda leste da bacia, junto falha de Salvador, devido ao elevado relevo alcanado por esta falha de borda, acumularam-se cunhas de conglomerados (Formao

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Salvador) que adentravam o lago tectnico, e que hoje afloram na localidade de Monte Serrat (Figuras 7c e 7d). Com o passar do tempo e com a diminuio da subsidncia, este lago foi progressivamente assoreado por sedimentos fluviais da Formao So Sebastio, por volta de 125 milhes de anos atrs (Figura 2). Esta formao praticamente no aflora no entorno da baa. Aps esta data, a sub-bacia do Recncavo experimentou soerguimento durante um intervalo de tempo de aproximadamente 10 milhes de anos, quando ento ocorreu a deposio da Formao Marizal, constituda de conglomerados que se acumularam na fase denominada ps-rifte (Magnavita et al., 1994; 2005). Estes sedimentos foram depositados sobre uma superfcie erosiva ondulada que se desenvolveu sobre os sedimentos da fase sin-rifte (Magnavita et al., 1994). Transcorreu ento um intervalo de tempo de aproximadamente 90-100 milhes de anos, quando predominaram processos erosivos. Na sub-bacia de Jatob, depsitos albo-aptianos (h 115-110 milhes de anos atrs), constitudos de folhelhos esverdeados e calcrios escuros, recobrem a Formao Marizal. Estes sedimentos, de origem marinha, encontram-se em altitudes em torno de 800 m e seriam correlativos da Formao Santana, da bacia

Figura 5d. Afloramento de arenitos macios resultantes de fluxos gravitacionais na ilha de Mar.

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Figura 6a. Paleogeografia da Bacia do Recncavo durante a fase rifte (modificado de Medeiros e Ponte, 1981).

Figura 6b. Imagem de satlite mostrando um trecho do sistema de riftes do leste africano (lago Tanganyika), um equivalente moderno de como teria sido a paisagem da Bacia do Recncavo durante a fase rifte.

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Figuras 7a e 7b. Afloramentos de rochas estratificadas associadas a correntes de turbidez na (a) Ilha de Itaparica e (b) proxmo Base Naval de Aratu (abaixo).

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Figuras 7c e 7d. Afloramentos de rochas da Formao Salvador (Monte Serrat).

do Araripe (Magnavita et al., 1994). Este fato tem vrias implicaes. Segundo Magnavita et al. (1994), ao final do Cretceo inferior, (i) a bacia do RecncavoTucano-Jatob encontrava-se prxima ao nvel do mar daquela poca; (ii) estes sedimentos marinhos teriam sido depositados, provavelmente a partir de uma invaso marinha vinda do norte do pas; e (iii) um soerguimento, de pelo menos 600 metros (descontados os 200 m de descida do nvel do mar eusttico, desde o Cretceo), seguido de eroso regional, de idade ainda desconhecida, afetou a bacia antes da deposio dos sedimentos mais recentes j no Mioceno. interessante notar que existe uma notvel variao de altitude entre a subbacia do Recncavo e as sub-bacias de Tucano e Jatob (Figura 8). Sedimentos da fase rifte ocorrem em mesas isoladas, com altitudes de at 1000 m, na sub-bacia de Jatob. Os sedimentos cretceos elevam-se na poro norte do sistema de bacias, cerca de 200-400 m acima das rochas adjacentes do embasamento cristalino (Figura 8). A topografia da sub-bacia do Recncavo mais reduzida, raramente ultrapassando os 200 m de altitude (Figura 8). Estas diferenas em altitude so atribudas, por Magnavita et al. (1994), a diferenas na intensidade da precipitao.

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Enquanto a sub-bacia de Jatob quase um deserto, na sub-bacia do Recncavo, o clima mais mido, o que teria favorecido um rebaixamento topogrfico maior.

O N vel de Mar Al to n o M i o cenoAps o Cretceo, o planeta experimentou um progressivo resfriamento que pouco a pouco resultou na acumulao de gelo, primeiro na Antrtica, a partir do Oligoceno (Abreu e Anderson, 1998; Zachos et al., 2001; Miller et al., 2005; Mller et al., 2008), e depois no Hemisfrio Norte, a partir do Plioceno. Uma consequncia desta acumulao de gelo foi o progressivo abaixamento do nvel do mar, ao longo do Cenozico (Haq et al., 1987; Haq et al., 1988; Abreu e Anderson, 1998; Miller et al., 2005; Mller et al., 2008). Esta tendncia de progressivo abaixamento foi interrompida no Mioceno (inferior e mdio), quando uma elevao da temperatura resultou em degelo e, portanto, em elevao do nvel do mar. A altura mxima alcanada pelo nvel do mar nesta poca ainda no est bem estabelecida, mas se situaria entre 25 e 150 m acima do nvel do mar, a depender da metodologia

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utilizada. Trabalhos mais recentes, entretanto, posicionam o nvel do mar em torno de 45-55 m acima do nvel atual (John et al., 2004). A queda do nvel do mar no Mioceno mdio/superior significativa porque est associada ao estabelecimento permanente do lenol de gelo do leste da Antrtica (EAIS East Antarctic Ice Sheet) (Zachos et al., 2001). Associado a este episdio de nvel de mar alto, houve o depsito de folhelhos marinhos fossilferos da Formao Sabi (Petri, 1972), representada por um nico afloramento no Municpio de Mata de So Joo (BA), e da Formao Barreiras. importante chamar a ateno para o fato de que, classicamente, a Formao Barreiras interpretada como sendo de origem continental (fluvial). Entretanto, trabalhos mais recentes (Arai, 2006; Rossetti, 2006; Dominguez e Arajo, 2008; Rossetti e Goes, 2009) tm demonstrado que, inclusive no Estado da Bahia, esta formao de origem marinha transicional, tendo sido depositada predominantemente em ambientes estuarinos. A Formao Sabi crono-correlata da Formao Barreiras, se que no so a mesma coisa. Aps o nvel de mar alto do Mioceno inferior/mdio, a retomada da acumulao de gelo na Antrtica e o incio do desenvolvimento dos grandes lenis de gelo no Hemisfrio Norte, a partir do Plioceno, resultaram no progressivo abaixamento do nvel do mar. J no final do Mioceno, o nvel do mar atual havia sido alcanado. Nos ltimos dois milhes de anos, durante a maior parte do tempo, o nvel do mar esteve abaixo do nvel atual (Figura 9), desencadeando um intenso processo erosivo que afetou a nossa zona costeira e favoreceu o desenvolvimento da Baa de Todos os Santos.

Figura 8. (Esquerda) Relevo da Bacia do RecncavoTucano-Jatob

Figura 9. Curva do nvel eusttico do mar para os ltimos 2 milhes de anos (modificado de Miller et al., 2005).

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A o r i gem d a Ba a d e To d os os S a ntosJ h algumas dcadas, diversos autores tm postulado que a origem da Baa de Todos os Santos estaria associada a processos tectnicos atuantes durante o Quaternrio. Sampaio (1916; 1919; 1920), ao descrever abalos ssmicos que afetaram a Baa de Todos os Santos, em 1915, 1917 e 1919, conclui que estes abalos vm de longa data modelando geolgica e geograficamente a baa. Tricard e Cardoso da Silva (1968) acreditavam que a Baa de Todos os Santos resultou de deformaes tectnicas recentes, a ponto de ainda no ter influenciado a organizao da rede hidrogrfica local. Martin et al. (1986) deduziram a existncia de movimentos verticais holocnicos, com base na distribuio de depsitos quaternrios no interior da Baa de Todos os Santos. Mais recentemente, Carvalho (2000), Lessa et al. (2000), Lessa (2005) e Cirano e Lessa (2007) reafirmaram, principalmente com base em evidncias apresentadas em trabalhos mais antigos, a crena em movimentos tectnicos recentes como um dos principais fatores a modelarem a baa. Estes trabalhos, entretanto, desconsideraram o papel fundamental das variaes eustticas do nvel do mar, durante o Cenozico, e seus efeitos no modelado das paisagens costeiras. Este talvez o principal fator a determinar a origem e o modelado da Baa de Todos os Santos, que teria resultado da eroso diferencial associada a um dramtico rebaixamento do nvel de base. Tanto assim que existe uma perfeita correlao entre a altitude do terreno e a resistncia das diferentes unidades geolgicas eroso. Adicionalmente, o recente levantamento de campo de algumas centenas de quilmetros de linhas ssmicas de alta resoluo1, recobrindo toda a baa, no mostrou qualquer evidncia de movimentaes tectnicas afetando os sedimentos quaternrios que a preenchem parcialmente. Pela Figura 9, que mostra uma curva de variaes eustticas do nvel do mar, para os ltimos dois milhes de anos, ou seja, o perodo Quaternrio, possvel observar o progressivo abaixamento deste nvel, de tal modo que o nvel mdio do mar, nesta mesma poca, situava-se cerca de 30 m abaixo do nvel atual (Masselink e Hughes, 2003). Durante os ltimos 500 mil anos, com o aumento na amplitude das variaes do nvel do mar, a posio mdia deste nvel situouse em torno de -45 m, ou seja, prximo quebra da plataforma atual (ponto de cachoeira = knick point). Este rebaixamento do nvel de base desencadeou um processo de eroso e reestruturao da rede de drenagem na zona costeira. A propagao do sinal eusttico, via recuo do ponto de cachoeira pelos tributrios, resultou na ampliao e gerao de novas bacias hidrogrficas, ajustadas a um nvel de base situado na borda da plataforma (Dominguez, 2007). Tendo em vista que as rochas sedimentares da sub-bacia do Recncavo, principalmente aquelas1

Projeto Transfer Mecanismos de Transferncia de Sedimentos da Zona Costeira/Plataforma para o Talude/Bacia, durante os ltimos 120 mil anos estudo de caso a plataforma continental central do Estado da Bahia. CTPETRO/CNPq

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de granulao mais fina, so menos resistentes eroso, quando comparadas s rochas do embasamento cristalino, a tendncia dos processos erosivos de rebaixar topograficamente as reas ocupadas pelas rochas sedimentares que, deste modo, ficam circundadas pelos relevos mais altos, sustentados por litologias mais resistentes do embasamento. Este o caso da Baa de Todos os Santos. Durante o Quaternrio, nos raros intervalos de nvel de mar alto, como o que vivemos atualmente, esta regio topograficamente rebaixada foi inundada pelo mar, originando uma baa. Deste modo, a Baa de Todos os Santos uma feio transitria, presente apenas nos raros intervalos de nvel de mar alto, ocorridos nas ltimas centenas de milhares de anos (Figuras 9 e 10).

Figura 10. Curva de variaes do nvel eusttico do mar para os ltimos 450.000 anos (modificado de Miller et al., 2005). Os crculos vermelhos indicam os episdios em que o nvel do mar esteve acima ou prximo ao nvel atual.

A Baa de Todos os Santos assim o resultado de uma longa cadeia de eventos que se inicia com a separao entre a Amrica do Sul e a frica e, mais recentemente, incorpora os efeitos do progressivo resfriamento do planeta, durante o Cenozico, com a acumulao de gelo nas regies de alta latitude e o consequente abaixamento do nvel do mar. Finalmente, durante os ltimos 500 mil anos, o aumento na amplitude das variaes do nvel do mar resultou em repetidos episdios de inundao e esvaziamento da baa, com uma periodicidade de aproximadamente 100 mil anos. O contorno e a fisiografia da Baa de Todos os Santos, com suas ilhas, canais e sub-baas, foi determinado por esta histria geolgica.

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Hi st r ia evol u ti va d a Ba a d e To d os os S a n to s n o s l ti mos 120 mi l a nosApresentaremos uma reconstituio histrica tentativa da possvel evoluo recente da Baa de Todos os Santos, a partir da integrao de dados disponveis na literatura, batimtricos e outros, recentemente coletados com perfilador de subfundo em vrios setores da baa, conforme mencionado anteriormente. Na Figura 10 observa-se que, por volta de 120 mil anos atrs, o nvel do mar situava-se cerca de 6 metros acima do nvel atual. Contudo, exceo da ilha de Itaparica e vizinhanas, no existem registros de nvel de mar associados a este evento, preservados no interior da Baa de Todos os Santos. Este um dos aspectos utilizados, por alguns autores, como evidncia de atividade tectnica recente no interior da baa (Martin et al., 1986). O fato que, a maior parte da linha de costa da baa caracterizada por terraos de abraso esculpidos nas rochas sedimentares de granulao fina que caracterizam seu entorno. Raras praias arenosas esto presentes, o que, sem dvida, reflete uma notvel falta de sedimentos para a construo de terraos arenosos, que pudessem constituir testemunhos do nvel de mar alto de 120 mil anos atrs. As principais excees so a linha de costa ocenica da ilha de Itaparica, o canal de Itaparica e algumas praias de bolso, presentes aqui e acol. Nas margens do canal de Itaparica, entretanto, depsitos estuarinos arenosos, com estruturas sedimentares tpicas deste ambiente (e.g. estratificaes cruzadas em espinha de peixe, feixes de mar tidal bundles) e traos fsseis de Ophiomorpha nodosa esto presentes e testemunham este nvel de mar alto (Figura 11). Portanto, durante o mximo trangressivo de 120 mil anos atrs, a baa esteve completamente inundada, apresentando uma rea ligeiramente maior que a atual, e exibindo um padro e dinmica de sedimentao provavelmente muito semelhante ao que se verifica hoje (Cirano e Lessa, 2007). A partir deste mximo transgressivo, o nvel do mar desceu progressivamente, durante os 100 mil anos seguintes, expondo subaereamente toda a baa. Nesta poca, o rio Suba e os demais pequenos rios que hoje desguam na baa, juntamente com as drenagens oriundas do canal da sub-baa de Aratu, do canal de Madre de Deus e do canal de Itaparica, constituram-se em tributrios do rio Paraguau, que ocupava o canal de Salvador, muito provavelmente escavado por este rio, acrescentando sua bacia hidrogrfica uma rea extra adicional de pelo menos 1.233 km2, correspondente rea atual da Baa de Todos os Santos. Por volta de 20 mil anos atrs, o nvel do mar alcanou um mnimo de 120 m abaixo do nvel atual. Este perodo correspondeu ao avano mximo dos lenis de gelo no Hemisfrio Norte, e conhecido como ltimo Mximo Glacial (LGM Last Glacial Maximum). Na ocasio, a desembocadura do rio Paraguau situava-se muito provavelmente em torno desta profundidade, por analogia ao que foi verificado em outros rios menores da costa da Bahia, a exemplo dos rios Almada e Itapicuru (Dominguez, 2007).

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Figuras 11a e 11b. Testemunhos do nvel de mar alto de 120.000 anos atrs nas margens do canal de Itaparica.

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Figura 12. A Baa de Todos os Santos durante o ltimo Mximo Glacial.

A Figura 12 mostra como teria sido a paleogeografia da baa durante o ltimo mximo glacial. O local exato de sada do rio Paraguau no talude superior ainda no conhecido for falta de detalhamento batimtrico/sonogrfico da plataforma em frente Baa de Todos os Santos. O paleorelevo desta poca de exposio subarea prontamente identificado em vrios setores da baa, como mostram as sees levantadas com perfilador de subfundo (Figura 13a). Aps o mximo glacial, o nvel do mar comeou a subir rapidamente, com taxas mdias em torno de 1 m sculo-1, mas que em alguns momentos chegaram a alcanar 5 m sculo-1. Por volta de 10 mil anos atrs, com o nvel do mar j posicionado cerca de 30 m abaixo do nvel atual, partes da baa j estavam inundadas, principalmente ao longo do canal de Salvador. Por volta de 8 mil anos atrs, o degelo j havia se encerrado, resultando em forte desacelerao das taxas de subida do nvel do mar. Data provavelmente desta poca o incio de uma sedimentao mais expressiva na baa. interessante chamar a ateno para o fato de que nesta poca o volume de gua armazenado na baa era significativamente superior ao atual, uma vez que at ento pouca sedimentao havia

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ocorrido. O Paraguau um rio que transporta muito pouco sedimento, a ponto de at hoje no ter conseguido preencher a Baa de Iguape, onde desgua, tendo construdo apenas um pequeno delta de cabeceira de baa (Carvalho, 2000). Levantamentos ssmicos recentemente efetuados mostram que sedimentos lamosos, entre 10 e 25 metros de espessura, foram depositados na metade norte da baa (Figura 13a). Estes pacotes de sedimentos finos apresentam uma geometria em clinoforma, portanto progradacional, no sentido da poro central da baa, a partir das suas margens, principalmente na metade nordeste da baa (Figura 13b). A sedimentao fina que, por assim dizer, extravasa das margens da baa, soterrou o paleorelevo existente na metade norte da baa, permitindo, localmente, o desenvolvimento de manguezais.

Figura 13. Trechos de linhas ssmicas ilustrando diversos aspectos discutidos no texto. (a) Paleorrelevo soterrado (seta) pela deposio de sedimentos finos; (b) Lajes (setas cheias) parcialmente soterradas por clinoforma (seta tracejada); (c) Laje no soterrada (seta); (d) Fundo rochoso no canal de Salvador (seta). Em todas as figuras, as linhas tracejadas horizontais apresentam espaamento equivalente a 10 m. As marcaes no topo das figuras esto espaadas em 50 m.

a

b

c

d

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Escaparam deste soterramento algumas lajes rochosas (terraos de abraso) que bordejam as ilhas da baa ou ocorrem em seu interior, testemunhas de ilhas pretritas que foram completamente arrasadas pela ao de ondas, seja em associao com o nvel do mar atual, ou em perodos de nvel do mar mais baixos (Figura 14). Nos dias atuais, este processo de arrasamento de pequenas ilhas, pela ao de ondas, ainda ocorre e pode ser visualizado nas pequenas ilhas presentes na poro noroeste da baa (Figura 15). Algumas destas lajes foram batizadas, como o caso das lajes do Ipeba e do Machadinho etc. Estas lajes, terraos de abraso parcialmente soterrados, constituem um substrato duro para uma srie de organismos marinhos, tais como moluscos, algas coralinceas e corais, que contribuem para a produo de sedimentos autctones (biodetritos) grossos (areias e cascalhos) os quais, nos mapas de fcies (veja mais adiante), aparecem como manchas isoladas, circundadas por sedimentos lamosos, na metade norte da baa e ao redor das ilhas. Trabalhos recentes mostraram que alguns destes altos fundos que sobreviveram ao soterramento pelos sedimentos finos, e se projetam acima do fundo lamoso, apresentam um recobrimento de corais ptreos vivos, a exemplo dos recifes presentes na metade nordeste da baa (Cruz, 2008) (Figuras 13b e 13c). Recifes de corais esto presentes tambm na face da ilha de Itaparica voltada para a entrada da baa, onde se desenvolveram sobre as lajes (terraos de abraso) que bordejam a ilha. A origem dos sedimentos finos que se acumularam na metade norte da baa ainda precisa ser estabelecida, uma vez que a maioria dos trabalhos at ento publicados tem se preocupado apenas em descrever os aspectos texturais do sedimento, pouco adentrando em seus aspectos composicionais. possvel que estes sedimentos finos tenham uma origem mista, que inclui: (i) componentes siliciclsticos, gerados a partir da eroso de rochas lamticas que afloraram no entorno da baa e suas ilhas, assim como nas bacias hidrogrficas dos pequenos rios que a desguam; e (ii) componentes bioclsticos, produzidos pela fragmentao das partes duras do esqueleto de organismos marinhos (moluscos, algas coralinceas etc). entrada da baa (canal de Salvador) predominam os sedimentos marinhos de natureza arenosa e composio siliciclstica, retrabalhados pela ao das fortes correntes de mar (Figura 16). Algumas destas areias podem at mesmo ter uma origem fluvial, depositadas pelo prprio rio Paraguau, em perodos de nvel de mar mais baixo, e depois retrabalhadas pelos agentes marinhos. Na poro central da baa e em trechos de seus principais canais predominam afloramentos rochosos (Figura 13d). O abaixamento do nvel relativo do mar, da ordem de 3-4 m, que afetou grande parte de costa brasileira nos ltimos 5 mil anos (Angulo e Lessa, 1997; Martin et al., 2003; Angulo et al., 2006) no parece ter tido grande influncia na sedimentao no interior da Baa de Todos os Santos.

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Figuras 14a e 14b. Exemplos de lajes rochosas/ terraos de abraso no interior da Baa de Todos os Santos. (a) Ilha do Medo e (b) Noroeste da Baa de Todos os Santos (abaixo).

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Figura 14c. Exemplo de laje rochosa/terrao de abraso no interior da Baa de Todos os Santos. Ilha de Madre de Deus.

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Figura 14d. Exemplo de laje rochosa/terrao de abraso no interior da Baa de Todos os Santos. Ilha Bom Jesus.

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Figuras 15a e 15b. Processo de arrasamento de pequenas ilhas, ao cabo do qual restam apenas lajes rochosas. Metade noroeste da Baa de Todos os Santos.

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Figura 16a. Dunas hidralicas no fundo do canal de Salvador, entrada da Baa de Todos os Santos, indicativas da ao das correntes de mar retrabalhando os sedimentos de fundo. Registro batimtrico multifeixe.

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Figura 16b. Dunas hidralicas no fundo do canal de Salvador, entrada da Baa de Todos os Santos, indicativas da ao das correntes de mar retrabalhando os sedimentos de fundo. Registro com sonar de varredura lateral.

A B a a d e To d os os S a ntos hoje s e d i m e n tos sup er fica is de fundoA histria evolutiva recente da Baa de Todos os Santos, apresentada anteriormente, nos ajuda a entender as caractersticas atuais do seu fundo marinho. A Baa de Todos os Santos j foi apontada como uma das menos conhecidas baas da costa brasileira, quanto s suas caractersticas sedimentolgico-ambientais (Mabesoone e Coutinho, 1970). Esta situao comeou a mudar a partir de 1970, com a criao, na Universidade Federal da Bahia, do Instituto de Geocincias e do Programa de Pesquisa e Ps-Graduao em Geofsica (atual Centro de Pesquisa em

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Geofsica e Geologia) que, conjuntamente, iniciaram os estudos na Baa de Todos os Santos. Um padro geral da composio e distribuio das diferentes fcies de sedimento de fundo da Baa de Todos os Santos foi apresentado por Bittencourt et al. (1976). Posteriormente, Macedo (1977) analisou alguns aspectos sedimentolgicos especficos dos sedimentos de fundo, como a sua composio faunstica; e Vilas Boas e Bittencourt (1979) analisaram a mineralogia e a qumica das argilas nelas contidas. Trabalhos com maiores escalas de aproximao, ainda relacionados caracterizao dos sedimentos de fundo, foram realizados por: (i) Bittencourt et al. (1974), Bittencourt e Vilas Boas (1977) e Leo e Bittencourt (1977) na Baa de Arat; (ii) Brichta (1977), numa pequena rea na margem oeste da baa, defronte ao canal do Paraguau; (iii) Nascimento (1977), Barros (1977) e Vilas Boas e Nascimento (1979), nas enseadas dos Tainheiros e do Cabrito; e (iv) Leo (1971), que estudou um depsito conchfero na denominada Laje do Ipeba, na parte noroeste da baa. Por fim, Lessa et al. (2000), utilizando os dados dos trabalhos acima mencionados, fizeram uma reclassificao das fcies sedimentares do fundo da Baa de Todos os Santos, baseando-se nos conceitos da Estratigrafia de Sequncias. Mais recentemente, Dias (2003), utilizando registros de sonar de varredura lateral detalhou melhor o contato entre estas fcies sedimentares, cujo mapa resultante encontra-se publicado em Cirano e Lessa (2007) As caractersticas dos sedimentos superficiais de fundo, a seguir descritas, so derivadas destas publicaes (Figura 2a). Tanto o mapa apresentado na Figura 2a, como os anteriormente mencionados no so definitivos, visto que a preciso dos contatos entre as diferentes fcies depende de trabalhos de detalhe adicionais. O quadro geral, entretanto, permanece o mesmo. Quatro fcies sedimentares principais podem ser identificadas.

F c i e s de A reia Q uar tzosaAs duas reas de maior expresso desta fcies, constituda de mais de 50% de sedimento tamanho areia, so os canais de Salvador e de Itaparica. No canal de Itaparica, os sedimentos tm colorao variando de oliva a acinzentada e possuem como principal constituinte gros de quartzo e, em parte, biodetritos. Os gros de quartzo, subangulares a subarredondados em sua maioria, apresentam-se envolvidos por uma pelcula de argila. Entre os biodetritos, predominam conchas e fragmentos esqueletais de moluscos e equinodermas e, em menor parte, de briozorios e foraminferos (raros). Fragmentos de vegetais so encontrados ao longo das bordas, notadamente na frente dos riachos e canais de mar, quando podem atingir at 25% da frao grossa do sedimento. A chamosita,

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mineral de argila rico em ferro, est presente na forma de preenchimentos de organismos, podendo, localmente, atingir os 20% da frao grossa. No canal de Salvador, os sedimentos tm colorao cinza-amarelado, e so tambm compostos dominantemente de gros de quartzo e biodetritos (20 a 50%). Os gros de quartzo apresentam-se subarredondados a arredondados, limpos e brilhantes. Os biodetritos, em sua maioria, so representados por restos de moluscos, Halimeda, briozorios e alga coralincea, e em parte por equinodermas e foraminferos (at 10%). Fragmentos de rocha (folhelho, siltito e arenito) so encontrados em alguns locais, com tamanhos de at 8 cm e, em alguns casos, recobertos por colnias de organismos calcrios. Estes fragmentos so oriundos dos afloramentos rochosos das rochas sedimentares da sub-bacia do Recncavo que afloram em trechos deste canal, como apontado anteriormente.

Fc i es de LamaEsta fcies apresenta colorao oliva-acinzentado e constituda, predominantemente, de argila (> 50%) e silte, com pouca areia. Entre os componentes biognicos, predominam moluscos e equinodermas. A Halimeda rara, embora localmente possa atingir at 20% da frao grossa. Os foraminferos esto presentes em alguns locais, com percentagens entre 3 e 10%. Fragmentos vegetais aparecem ao longo da costa norte da baa (em manguezais, desembocaduras de riachos e canais de mar). Chamosita, ocorrendo na forma de pelotas fecais mineralizadas, rara, podendo, entretanto, localmente, constituir at 70% da frao grossa. Esta fcies ocupa aproximadamente a metade norte da Baa de Todos os Santos.

Fcies de A reia/Cascalho Bio detrticoEsta fcies apresenta uma colorao acinzentada, sendo constituda de mais de 50% de componentes biognicos. Compe-se principalmente de restos de moluscos, equinoderma e Halimeda, e, em menores percentagens, de alga coralincea e foraminferos (raros). Gros de quartzo, quando presentes, so finos e subangulares. A argila, subordinada, est sempre presente em percentagens inferiores a 30%. A chamosita rara. Como discutido anteriormente, esta fcies ocorre sob a forma de manchas isoladas na fcies de lama ou no entorno das principais ilhas da baa.

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F c i es M i staCom colorao oliva-acinzentado, caracterizada pela mistura, em diferentes propores, de trs componentes: areia quartzosa, lama e biodetritos, sem exceder, nenhum deles, os 50%. No canal do rio Paraguau e na parte central da baa, esta fcies constituda por uma mistura com maiores percentagens de areia quartzosa e lama, com poucos componentes biognicos. Os gros de quartzo so de granulao fina a mdia, subangulares a subarredondados, alguns apresentando um filme envoltrio de xido de ferro. Entre os componentes biognicos, sobressaem-se os moluscos. Fragmentos de vegetais aparecem em propores que variam de 3 a 20%. J na parte central da baa, a fcies mista apresenta maiores percentagens de componentes biognicos, representados predominantemente por moluscos, Halimeda e equinodermas, com alguns foraminferos. Em sua maioria, esses materiais apresentam-se desgastados, corrodos e perfurados. A chamosita aparece em percentagens de 3 a 15% da frao grosseira. Os teores de matria orgnica nos sedimentos de fundo da Baa de Todos os Santos so variveis. Os maiores teores esto associados fcies de lama (3-6%). A decomposio desta matria orgnica gera o gs metano que, quando presente no sedimento, cria o efeito de cobertor acstico, impedindo a penetrao das ondas acsticas no sedimento, conforme mostrado na Figura 17. A fcies de areia quartzosa, presente na entrada da Baa de Todos os Santos, a que apresenta os menores teores de matria orgnica (menos de 1%). Nos levantamentos ssmicos foi a nica fcies em que no se constatou a presena de gs no sedimento. As demais fcies, inclusive a fcies de areia quartzosa no canal de Itaparica, apresentam teores de matria orgnica entre 1 e 3%. Nestas fcies tambm foi detectada a presena de gs no sedimento.

Figura 17. Exemplo de linha ssmica de alta resoluo com presena de gs no sedimento (indicado pelas setas).

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Co n sid era es Fi na i sCharles Lyell, em seu influente livro Princpios de Geologia (Lyell, 1830), descreve a Geologia como a cincia que investiga as sucessivas mudanas que tiveram lugar nos reinos da natureza orgnico e inorgnico; ela investiga as causas destas mudanas e as influncias que elas exerceram na modificao da superfcie e na estrutura externa de nosso planeta. Este captulo foi escrito tendo como inspirao esta abordagem de Lyell. Esperamos ter transmitido ao leitor que uma determinada paisagem, como a Baa de Todos os Santos, o resultado de uma longa herana geolgica, uma longa cadeia de eventos, com contingncias geo-histricas, desempenhando um papel fundamental no seu modelado. Uma histria que comea com a separao entre a Amrica do Sul e a frica, h cerca de 145 milhes de anos atrs, e incorpora os efeitos do progressivo resfriamento do planeta, durante o Cenozico, e as dramticas mudanas do nvel do mar, durante o Quaternrio. Como diria o prprio Lyell (1830), como a condio atual das naes o resultado de muitas mudanas antecedentes, algumas extremamente remotas e outras recentes, algumas graduais e outras sbitas e violentas, tambm o estado do mundo natural o resultado de uma longa sucesso de eventos, e se ns desejarmos expandir nossa experincia da presente economia da natureza, devemos investigar os efeitos de suas operaes em pocas pretritas.

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III

O ce a n o g ra f i a F s i caGuilherme Camargo Lessa Mauro Cirano Fernando Genz Clemente Augusto Souza Tanajura Renato Ramos da Silva

I n tr o d u oBaas costeiras constituem um tipo particular de esturio com morfologia condicionada por processos de subsidncia e tectonismo (Kjerfve, 1994). Apesar de receberem a contribuio de vrias bacias de drenagem, algumas de expresso regional, a subsidncia, condicionada por falhas geolgicas, quase sempre oculta os contornos dos vales fluviais afogados, e gera morfologias variadas. As baas so normalmente maiores que esturios tpicos e abrigam vrios subsistemas estuarinos sada dos cursos fluviais afluentes. Assim sendo, so por vezes chamadas de sistemas estuarinos, como proposto inicialmente por Pritchard (1952). Como sistemas estuarinos, a circulao de gua nas baas influenciada por trs forantes: i) os gradientes da superfcie livre da gua, tambm denominados gradientes barotrpicos, associados variao do nvel do mar (oscilaes de mar e inframareais) e dos rios; ii) os gradientes de densidade ou baroclnicos, associados s diferenas longitudinais de densidade geradas pela progressiva diluio ou concentrao da gua salgada esturio adentro; e iii) a tenso de cisalhamento do vento na superfcie da gua, causando uma transferncia de momento do vento para as camadas mais superficiais da coluna dgua. Os motores da circulao, e de certo modo inclusive a prpria mar astronmica, sofrem variaes sazonais, interanuais e interdecenais, podendo gerar uma infinidade de cenrios dinmicos, modos de circulao e mecanismos de troca de massa entre as baas e o oceano, ou mesmo entre os diferentes segmentos da baa (Elliot, 1976). A Baa de Todos os Santos (BTS) (Figura 1) um sistema estuarino tpico, com morfologia condicionada por movimentos tectnicos em uma rea delimitada pelas falhas geolgicas de Salvador e de Maragogipe. A BTS recebe a descarga de trs grandes bacias de drenagem, associadas aos rios Paraguau, Jaguaripe e Suba, alm de outras 91 pequenas bacias que geram um efeito de descarga difusa durante os meses midos. As caractersticas morfolgicas da baa causam variaes da altura de mar j a partir da sua entrada. A complexidade da dinmica da mar aliada distribuio espacial dos pontos de descarga de gua doce, s diferenas climticas existentes no eixo leste-oeste (entre Salvador e Cachoeira) e contrastante sazonalidade pluviomtrica entre as bacias de drenagem criam regies com caractersticas particulares de circulao de gua. Apesar de sua importncia no contexto socioeconmico do Estado (abriga 1 oito dos dez portos e terminais martimos existentes no Estado da Bahia) e da execuo de monitoramentos oceanogrficos, desde 1947, havia at o incio deste sculo apenas uma publicao cientfica voltada para a oceanografia fsica da BTS (Wolgemuth et al., 1981). Os monitoramentos iniciais estiveram atrelados s1

Porto de Salvador, Porto de Aratu, Base Naval, Terminal Ford, Terminal Moinho Dias Branco, Terminal USIBA, Terminal TRANSPETRO, Porto de So Roque do Paraguau.

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Figura 1. (Direita) Localizao de feies de interesse na BTS.

atividades porturias, com as primeiras informaes sistematicamente coletadas envolvendo o monitoramento do nvel dgua para a produo de tbuas de mar. Estes registros foram feitos pela antiga Diretoria de Hidrografia e Navegao (DHN) do Ministrio da Marinha, tendo sido iniciados em 1947 na Base Naval de Aratu. Entre 1963 e 1974, tambm sobre a responsabilidade da DHN, foram realizadas as primeiras campanhas correntomtricas para a confeco de cartas de corrente para os portos de Aratu, Madre de Deus e Salvador. A primeira investigao de cunho cientfico s foi realizada no incio da dcada de 1980, com um estudo sobre a massa dgua e a concentrao de sedimentos em suspenso na BTS e no canal de So Roque (Wolgemuth et al., 1981). Ainda no canal de So Roque, informaes sobre o campo de correntes, salinidade e temperatura, foram coletadas como subsdio a investigaes da geoqumica dos sedimentos em suspenso. Esforos de modelagem numrica do fluxo dgua na BTS foram iniciados por Montenegro Neto (1998), aplicando o modelo Princeton Ocean Model, para avaliar a influncia dos ventos na circulao do corpo central da baa. Esta iniciativa foi seguida pelo CRA (2001) e por Xavier (2002), com uma extensa modelagem da circulao barotrpica, utilizando o modelo SisBAHIA. Para a implementao do modelo, foi utilizada a mais completa srie de dados oceanogrficos coletada na BTS at o momento, obtida em 1999 no mbito do Projeto de Saneamento da Baa de Todos os Santos (Programa Bahia Azul), patrocinado pelo Governo do Estado da Bahia. Monitoramentos simultneos da meteorologia e dos campos de corrente, presso, salinidade, temperatura e densidade foram executados em dezenas de estaes oceanogrficas em perodos mido e seco, gerando um conjunto de dados posteriormente analisado por Xavier (2002) e Cirano e Lessa (2007). A avaliao da descarga fluvial na BTS foi feita pelo CRA (2001) e por Lima e Lessa (2002). Lima e Lessa (2002) calcularam pela primeira vez a curva hipsomtrica e o volume da baa, os quais foram posteriormente aferidos por Bonfim et al. (2003), junto a uma avaliao do balano hdrico na BTS. O impacto da descarga da represa de Pedra do Cavalo (rio Paraguau) na circulao e estrutura termohalina foi avaliado por Genz (2006) e Genz et al. (2008), ao longo do segmento oeste da baa, envolvendo o canal de So Roque, a Baa de Iguape e o baixo curso do rio Paraguau. Mais recentemente, a importncia da estrutura termohalina e da componente baroclnica do fluxo na circulao da BTS foi avaliada por Pereira e Lessa (2009), ao investigar a estrutura de fluxos estacionrios no canal de Cotegipe. Este captulo pretende apresentar o estado do conhecimento sobre a circulao de gua na BTS e particularmente em alguns de seus setores mais importantes ou impactados pela ocupao urbano-industrial. Para tanto, sero utilizadas informaes e dados publicados na literatura tcnica e cientfica, bem como informaes de campo e de modelagem, ambos inditos, obtidos e gerados pela UFBA.

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C l i m a e Bala no HdricoDe acordo com os dados da estao meteorolgica de Ondina (Salvador), o clima na entrada da BTS (canal de Salvador) tropical-mido, com mdias anuais de temperatura, precipitao e evaporao de 25,2 oC, 2.100 mm e 1.002 mm, respectivamente (INMET, 1992). Ocorre, no entanto, um marcante ciclo sazonal em diversas variveis climatolgicas, como indica a distribuio das mdias mensais apresentadas na Figura 2 e na Tabela 1.

Temp eratura e pre sso atmosf r icaOs ciclos sazonais climatolgicos das temperaturas mdia, mxima e mnima, e da umidade relativa, esto apresentados na Figura 2a. As temperaturas mximas atingem valores mais altos, nos meses de janeiro, fevereiro e maro, ao redor de 30 oC. Elas esto principalmente associadas maior quantidade de radiao solar incidente durante o vero do Hemisfrio Sul. As temperaturas mnimas climatolgicas ocorrem nos meses de julho, agosto e setembro, entre 21 oC e 22 oC, associadas menor quantidade de radiao incidente e entrada de frentes frias provenientes do sul. A umidade relativa climatolgica atinge seu mximo em maio (83%), coincidindo com o mximo de precipitao. A presso atmosfrica, de acordo com a Tabela 1, alcana um valor mximo de 1.011,5 mb, em julho, e um valor mnimo de 1.006,2 mb, em dezembro, resultando em uma variao anual mdia de 5,3 mb. Esta amplitude prxima ao valor de 6,5 mb, relatado no projeto PROMARLAM (PETROBRAS/FUSP, 2005) para a altura do harmnico anual na srie temporal proveniente da estao meteorolgica da RELAM, entre julho de 2003 e julho de 2004. Dada a estreita relao existente entre a presso atmosfrica e o nvel mdio do mar, estes valores sugerem que oscilaes anuais do nvel mdio marinho na BTS devem ser de aproximadamente 0,06 m.

Prec i pi tao e Evap oraoAs menores precipitaes (300 mm), quando cerca de 40% da precipitao mdia anual produzida (Figura 2b). A maior intensidade de precipitao registrada at o momento ocorreu em abril de 1966, com 367 mm de chuva em menos de 24 horas. A precipitao mais elevada no outono pode estar associada a fenmenos regionais e remotos, com diversas escalas espaciais e temporais. O fenmeno mais importante a convergncia de ar mido dos ventos alsios de leste que se instala

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a

Figura 2. Climatologia mensal (a) da umidade relativa (barras) e temperaturas mximas, mdias e mnimas e (b) da precipitao (barras) e evaporao registradas pela estao meteorolgica de Ondina, para o perodo de 19611990 (INMET, 1992).

b

sobre toda a costa leste do Nordeste (Molion e Bernardo, 2002). Chuvas mais intensas esto normalmente associadas a anomalias positivas da temperatura da superfcie do mar (TSM) do Atlntico Sul, prximo costa do Nordeste, que propiciam um maior transporte e convergncia de umidade para a regio. As variaes dos ventos alsios de leste, associadas modulao da Alta Subtropical do Atlntico Sul (Rao et al., 1993), e a interao de ventos locais com os ventos alsios tambm podem produzir chuvas intensas, quando h formao de brisa terrestre de oeste no perodo da noite (Kousky, 1980). As chuvas no leste da regio Nordeste, no perodo de junho a agosto, so frequentemente produzidas por perturbaes ondulatrias dos ventos alsios. Estas perturbaes, comumente chamadas de Distrbios Ondulatrios de Leste, so provocadas pela interao de ventos de sul associados com sistemas frontais com os alsios (Yamazaki e Rao, 1977). Outro importante fenmeno remoto, na gerao de precipitao sobre a BTS, a propagao de sistemas frontais de sul, ou de seus

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Tabela 1. Normais Climatolgicas (1961 a 1990) para a estao de Ondina Salvador (Fonte INMET). Temperatura (oC) Med. max 29,9 30,0 30,0 28,6 27,7 26,5 26,2 26,4 27,2 28,1 28,9 29,0 28,2 Med. min 23,7 23,9 24,1 22,9 23,0 22,1 21,4 21,3 21,8 22,5 22,9 23,2 22,7 Max. abs 33,6 34,4 34,7 32,8 31,5 31,8 30,6 31,3 29,8 32,2 32,1 32,5 34,7 Min. abs 21,8 21,9 22,3 21,2 21,3 20,3 19,8 19,9 20,2 20,9 21,0 21,4 19,8 Med. 26,5 26,6 26,7 25,2 25,2 24,3 23,6 23,7 24,2 25,0 25,5 26,0 25,2 Precipitao (mm) Max. 24 hs 130,8 159,0 100,9 367,2 208,4 217,5 97,8 86,1 123,7 178,0 126,5 104,0 Dia Ano 12/88 06/80 16/69 27/71 22/66 03/78 14/90 22/71 19/89 27/90 24/64 31/90 Dias chuva 13 15 18 21 24 23 23 20 16 14 14 14 18 Vento Dir. E SE SE SE SE SE SE SE SE SE SE/NE E SE Vel. (m/s) 2,1 2,0 2,0 2,3 2,3 2,3 2,5 2,4 2,4 2,3 2,3 2,2 2,2

Meses

PA (mb) 1006,3 1006,3 1005,8 1006,6 1008,3 1010,4 1011,5 1011,4 1010,4 1008,2 1006,7 1006,2 1008,2

UR (%) 79,4 79,0 79,8 82,2 83,1 82,3 81,5 80,0 79,6 80,7 81,5 81,1 80,8

PT (mm) 102,4 122,1 148,0 326,2 349,5 251,0 184,9 134,1 109,5 123,0 119,0 130,6 2100,2

Insol. (h) 245,6 226,4 231,1 189,7 174,3 167,2 181,2 202,6 211,4 228,0 213,6 224,7 2495,8

JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ ANO

PA = presso atmosfrica, UR = Umidade Relativa, PT = precipitao total, Insol = insolao.

vestgios, que atingem a regio (Kousky, 1980). Alguns desses sistemas tornam-se quase-estacionrios, com orientao na direo NO-SE, caracterizando uma zona de convergncia de umidade e precipitao, denominada Zona de Convergncia do Atlntico Sul (ZCAS). A convergncia de umidade, alta nebulosidade e precipitao da ZCAS est diretamente associada s fortes chuvas da Amaznia, durante o vero e o incio do outono (Kodama, 1993; Nogus-Paegle e Mo, 1997). A variabilidade de sua posio, mais ao norte ou ao sul, depende de diversos fatores, entre eles, a TSM do Atlntico Sul, visto que a ZCAS tende a se estabelecer sobre as guas mais quentes (Chaves e Nobre, 2004). O perodo seco na BTS est associado intensificao da Alta Subtropical do Atlntico Sul, que inibe a propagao das frentes frias pelo litoral, e presena de vrtices ciclnicos de altos nveis da troposfera (VCAN) centrados na regio nordeste. Os VCAN provocam movimento descendente de ar frio e seco no seu centro, com cu claro e ausncia de chuva, e movimento ascendente de ar quente e mido em sua periferia, com nebulosidade e chuva. Eles atuam sobre a regio no vero, outono e primavera, mas principalmente no ms de janeiro, permanecendo ativos por um perodo de horas a at duas semanas (Gan e Kousky, 1986; Rao e Bonatti; 1987).

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Devido maior umidade do ar, ao maior nmero horas de insolao e altas temperaturas, o ms com maior evaporao o ms de janeiro, com um mximo de quase 95 mm. Por outro lado, com menos horas de insolao e maior umidade do ar, a evaporao atinge seu mnimo em abril e maio (Figura 2b e Tabela 1).

Ven tosA direo preferencial dos ventos neste setor da costa brasileira de ENE no vero e ESE no inverno, de acordo com a climatologia do Atlntico tropical, publicada por Servain et al. (1996). Esta situao de fato semelhante aos dados mdios na estao de Ondina, onde os ventos, no perodo de 1961 a 1990, foram preferencialmente de SE (Tabela 1). Devido localizao da estao, estes valores esto mais prximos de caracterizar o padro de circulao elica em mar aberto do que dentro da BTS. Cirano e Lessa (2007) mostram que os ventos dentro da BTS sofrem acelerao e um desvio no sentido horrio, simulando um giro ciclnico. A Figura 3a apresenta um segmento de dados sinticos de vento, registrados no vero e no inverno de 1999 (CRA, 2001), em trs estaes entre a entrada da BTS (Mar Grande) e o setor central (Itaparica e ilha dos Frades, localizadas cerca de 22 km adentro da baa). Observa-se claramente na situao de vero o aumento progressivo de velocidade entre Mar Grande e ilha dos Frades (Figura 3a), onde as velocidades mdias mximas so cerca de 3 m s-1 maiores que em Mar Grande. A direo dos ventos, na Figura 3b, oscila com um ciclo diurno devido ao das brisas, sendo que nos momentos de ventos mais fortes, no meio da tarde, a direo na ilha dos Frades desviada em cerca de 30o, para o norte, em relao direo em Mar Grande. Analisando-se todo o registro de 15 dias obtido pelo CRA (2001), verifica-se que no vero os ventos apresentaram direo mdia de 96 em Mar Grande, 110 em Itaparica e 111 na ilha dos Frades, ou seja, provenientes de E em Mar Grande e ESE nas duas estaes mais internas. Neste mesmo trajeto, a velocidade mdia aumentou, de 4,7 m s-1 em Mar Grande para 5,5 m s-1 em Itaparica, e para 6 m s-1 na ilha dos Frades. As velocidades mximas dirias registradas na ilha dos Frades chegam a ser duas vezes maiores do que as registradas em Mar Grande. No inverno, os dados do CRA (2001) mostram comportamento similar, com os ventos mdios rotacionados em cerca de 30, no sentido horrio, entre as estaes costeiras (Mar Grande e Rio Vermelho) e Itaparica (Figura 3d). As velocidades mdias em Itaparica (Figura 3c), no entanto, no indicam acelerao to ntida quanto no vero. Os dados de vento, de uma forma geral, devem ser avaliados com cautela, pois a orografia local pode bloquear parcialmente os ventos vindos de determinadas direes. Isto poderia explicar, por exemplo, o pequeno grau de

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Figura 3. Variao da velocidade (m s-1) e direo do vento nas localidades de Mar Grande, Itaparica e ilha dos Frades (ver localizao na Figura 1). Dias 07 a 08 de janeiro (a e b) e 30 de maio a 01 de junho de 1999 (c e d).

correlao da velocidade no inverno entre o registro de Itaparica e as estaes costeiras, aparentemente protegidas dos ventos de N e NNE. A variabilidade diurna causada pelas circulaes de brisa pode ser observada atravs de medidas simultneas de vento feitas nas localidades de ilha dos Frades, Itaparica e Mar Grande durante o Programa Bahia Azul (CRA, 2001) (Figura 3). Os ventos seguem um padro dirio de fortes brisas marinhas de sudeste, que se iniciam de manh e intensificam-se tarde, e de brisas continentais calmas de

a

b

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c

d

nordeste, que se iniciam noite e acentuam-se de madrugada. As brisas so mais comuns no vero (Figura 3b), quando a ausncia de fenmenos de grande escala, como os sistemas frontais, permite a produo de aquecimento/resfriamento diferencial entre a superfcie aqutica e o continente. A Figura 4, obtida de uma imagem de satlite do dia 3 de maro de 2009, ilustra um caso tpico de nuvens convectivas sobre as regies continentais, cuja formao inibida sobre as superfcies aquticas mais frias. Por outro lado, durante o perodo noturno, o resfriamento do continente gera a brisa terrestre, que eventualmente converge com os ventos

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Figura 4. Imagem do sensor MODIS do Satlite Terra para 03 de Maro de 2009 12:45 UTC, mostrando a nebulosidade que se forma sobre o continente, associada ao sistema de brisa martima (http://rapidfire. sci.gsfc.nasa.gov).

alsios de leste. Esta convergncia pode causar maior movimento ascendente e, com isso, formar precipitao noturna, o que caracterstico em toda a extenso da costa leste do Nordeste (Kousky, 1980; Molion e Bernardo, 2002).

Bal an o Hdr icoO balano entre precipitao e evaporao na entrada da BTS, como indicado na Figura 2b, consideravelmente positivo ao longo de quase todo o ano. No entanto, esta condio altera-se rapidamente para o interior da baa, pois o clima torna-se progressivamente mais rido (Figura 5). O gradiente de precipitao de aproximadamente 15 mm.km-1 at a cidade de So Flix, no rio Paraguau (Figura 1), onde a precipitao mdia de 1.139 mm (SEI 1999). Neste setor mais interno da BTS, o balano hdrico mdio anual torna-se negativo (-40 mm) e o clima efetivamente semirido em Feira de Santana (100 km costa adentro), onde as taxas anuais de evaporao e precipitao so de 1.243 mm e 909 mm, respectivamente (CEPLAB, 1979).

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Considerando a variabilidade regional das taxas de precipitao e evaporao, Cirano e Lessa (2007) estimaram que a rea da BTS, delimitada pelo zero hidrogrfico (ou nvel de referncia das cartas nuticas), recebe anualmente uma mdia de 2,42 x 109 m3 de gua doce de origem atmosfrica, e perde por evaporao um total 0,92 x 109 m3. Os autores adicionaram ainda, como perda, um volume de 0,21 x 109 m3 associado evapotranspirao nas reas de manguezal. O balano final resulta em uma descarga mdia anual de aproximadamente 41 m3 s-1. Este valor desigualmente distribudo ao longo do ano, de acordo com a sazonalidade das

Figura 5. Mdias climatolgicas mensais para o balano hdrico espacial das taxas de precipitao e evaporao na regio da Baa de Todos os Santos (Localizao das estaes Figura 1).

chuvas na regio, sendo provvel que nos meses midos ocorram vazes mdias mensais prximas a 80 m3 s-1. As mdias climatolgicas publicadas pelo INMET (1992) indicam que os meses de janeiro, fevereiro, agosto, setembro e outubro podem eventualmente apresentar balano hdrico negativo. Situaes como esta tm influncia no campo de densidade das guas da baa, e reflexos na circulao, como ser visto adiante.

D e s carga de gua do ceA BTS recebe a descarga de uma rea de drenagem correspondente a 61.110 km (Lima e Lessa, 2002), sendo que 92,1% (56.300 km2) esto associadas ao rio Paraguau. O restante distribudo entre as bacias do rio Jaguaripe (2.200 km2 ou 3,6% da rea total), do rio Suba (660 km2 ou 1,1% da rea total) e dos pequenos cursos dgua perifricos (1.950 km2 ou 3,2% da rea total).2

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O rio Paraguau o principal contribuinte de gua doce para a BTS, e tem uma descarga mdia de 92,5 m s-1 (mdia de 1947 a 2003). O valor que chega BTS , no entanto, regulado pela barragem de Pedra do Cavalo, localizada 16 km montante da Baa de Iguape (Figura 1) e em operao desde 1986. Devido variabilidade climtica natural, a descarga do rio Paraguau, ou vazo afluente represa, no perodo de 1987 a 2003, foi de 75,8 m3 s-1, quase 20% menor do que a mdia histrica. J a descarga mdia da represa neste perodo foi de 62,4 m3 s-1, ou 82% da descarga fluvial. Este valor corresponde a 54% do total da descarga fluvial mdia anual para a BTS, sendo seis vezes superior do rio Jaguaripe e treze vezes maior que a dos rios Suba e Traripe juntos (Tabela 2). A utilizao de vazes mdias anuais mascara a variabilidade de descarga, a qual foi considervel no rio Paraguau desde a construo da represa de Pedra do Cavalo. Entre outubro de 1986 e setembro de 2003 (ano hidrolgico de 1987 a 2003), vazes nulas ocorreram durante 22% do tempo de operao do reservatrio. Vazes constantes, entre 50 m s-1 e 60 m s-1, por um perodo de 4 a 5 horas, eram seguidas pelo fechamento completo das comportas (Genz, 2006). A vazo mxima de operao do reservatrio 1.600 m s-1, valor este que evita a inundao das cidades de So Flix e Cachoeira. A reteno de gua no reservatrio, durante o perodo de enchentes, causa uma forte alterao do hidrograma de cheia natural do rio (Genz et al., 2008), achatando o seu pico e estendendo a durao do perodo com vazes relativamente elevadas. No caso de cheias excepcionais, vazes maiores que 1.600 m s-1 podem ser liberadas, o que ocorreu uma nica vez em dezembro de 1989, com a descarga de at 5.726 m s-1 (causando a inundao das cidades jusante).Tabela 2. Valores de descarga das principais bacias de drenagem da BTS. Rio Paraguau 1 afluente defluente Suba/Traripe Au Jaguaripe Dona Pequenas bacias Mdia geral1

Q mxima (m3 s-1) 5.034 8.302 1.600 (5.726) 198 112 369 134 58

Q mdio (m3 s-1) 92,5 75,8 62,4 4,8 2,7 9,0 3,3 33,7 115,9

Perodo 1947/2003 1987/2003 1987/2003 1987/2003 1987/2003 1987/2003 1987/2003 -

Genz (2006); CRA (2001); Paraguau defluente.

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As pequenas bacias hidrogrficas que afluem BTS foram estudadas pelo CRA (2001) para melhor estimar a contribuio de gua doce para a baa. As bacias foram agrupadas em setores (Figura 6), respeitando-se a proximidade e as caractersticas de solo e cobertura vegetal. Foram selecionadas 96 bacias hidrogrficas, tendo como critrio a existncia de drenagem com comprimento mnimo de 1,5 km, totalizando uma rea de 1.713 km. O valor mediano da rea de drenagem das pequenas bacias de 8,2 km (mnimo de 2 km), sendo que apenas cinco bacias possuem mais de 50 km (mximo de 316 km - Setor 7). A descarga mdia de gua doce para todos os setores foi estimada em 33,7 m s-1, com vazo mnima de 10,7 m s-1 e mxima de 57,8 m s-1 (Tabela 3). Os valores obtidos, por sua magnitude, destacam uma significante contribuio difusa no entorno da BTS. importante salientar que a contribuio efetiva de gua doce dos rios Jaguaripe e Dona para a BTS bastante limitada, devido localizao da desembocadura prxima ao mar, no extremo sul da ilha de Itaparica. Alm disso, caractersticas geomorfolgicas e hidrodinmicas (Xavier, 2002) permitem considerar o setor sul da BTS, alm da Ponte do Funil, como um segmento mais individualizado, de comunicao relativamente mais restrita com o setor central da baa. Assim sendo, a descarga mdia anual, para o principal setor da BTS (delimitado pelas bacias marginais na Figura 6), estimada em 103,6 m3 s-1.Tabela 3. Vazes mxima, mdia e mnima por setor contorno da BTS (CRA, 2001). rea Setor 1 2 3 4 5 6 7 8 Total (km) 157,0 93,3 138,4 110,1 349,0 233,2 454,2 177,8 1.713 Mxima 7,8 4,4 5,9 5,1 17,3 5,5 4,0 7,7 57,8 Vazo (m3 s-1) Mdia 5,1 2,8 4,2 3,0 8,8 3,1 2,4 4,4 33,7 Mnima 1,45 0,90 1,18 1,13 2,90 0,91 0,87 1,39 10,73

Figura 6. (Pgina seguinte) Setores de agrupamento das bacias hidrogrficas do contorno da BTS (CRA, 2001).

Devido sazonalidade climtica do Estado, apresentada anteriormente, o perodo de maior descarga das bacias de drenagem afluentes BTS no coincidente (Figura 7). As bacias perifricas, assim como a bacia dos rios Jaguaripe e Suba, so costeiras e apresentam pico de descarga no outono. J a bacia do rio

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Figura 7. Descarga fluvial mdia mensal afluente BTS, proveniente do rio Paraguau e das bacias costeiras, as quais incluem as bacias perifricas e os rios Traripe, Suba e Au (os rios Jaguaripe e Dona no foram includos). A distribuio sazonal da vazo das bacias perifricas foi considerada a mesma da chuva da estao de Ondina.

Paraguau, que cobre 9,9 % da rea do Estado e atravessa trs cintures climticos, tem pico de descarga no vero, perodo de maior precipitao na cabeceira localizada no interior do Estado. A Figura 7 mostra a distribuio mdia mensal da vazo do rio Paraguau e das bacias costeiras (excetuando-se os rios Jaguaripe e Dona). Observa-se que a vazo combinada da drenagem do rio Suba/Traripe com a drenagem difusa tem a mesma ordem de grandeza daquela do rio Paraguau, sendo mais importante de abril a julho, quando o rio Paraguau est com vazes menores.

Va z o f l uvi al e m eteri caO balano hdrico mdio anual, calculado por Cirano e Lessa (2007), considerando a precipitao, evaporao e evapotranspirao no domnio da BTS, foi de 41 m3 s-1. No entanto, se for excludo o setor da BTS ao sul da Ponte do Funil, o volume mdio anual de gua meterica despejado sobre o espelho dgua passa a ser de 2,20 x 109 m3; a evaporao passa a ser de 0,87 x 109 m3 e a evapotranspirao 0,14 x 109 m3. Desta forma, o balano entre ganhos e perdas resulta em um saldo mdio de 1,18 x 109 m3 no ano, que corresponde a uma v