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BALAIO André Capilé para Giu

Balaio [Final]

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poesia

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BALAIOAndr Capilpara GiuALVA

O TECNOCRATA

matinada

desjejum

lazeado

ponto

ronda

vigilncia

gravataO AMADOR

turno

mscara allen

cimbra

brega

palco

balaclava frank

roa

hannya ed estlin

praia

pedalinho

paga

MORALZINHA

ALVA

O narrador explodiu pelos ares

pela noite. A platia sabe que eles

tocaram o cu aprenderam? j

dia. E toda histria tem comeo

com o suspiro dos apaixonados

claro. E sendo a cano sobre dois

que se conhecem, e instantneo embrulha

tipicamente a barriga, se o tempo,

nesse suspiro, congelado; ento,

depois que se beijam pela primeira

vez, o lxico obceca? E ouviremos,

de novo, velhos casais que se amaram?No h era uma vez, apenas fbula.

Acredita ter sentido nos olhos

dela, que tem o impacto do primeiro

toque, o brilho colorido do incio.

Aprenderam de maneira difcil

rir com sigilo, lembrando as passadas

de coraes partidos. E assim foram.

Abraaram-se firmes s lembranas.

Cada frgil momento, ela sonhou

conformada ao cavado do ombro dele.

No tinha medo. No quando dizia

que tudo ia dar certo se estivessem

juntos e o mundo era muito pouco.

Agora se perguntam se assim:como o tudo ficou to ferrugento?

E so o tema das canes grifadas:

o lugar comum, o sentimental

do tom, motivos baratos de um grato

acidente, talvez algo mais? H,

no momento de um sorriso, a abertura

de um farol na noite? So as canes,

tolas como so no feitio, que teimam

parecer nossas vidas? E cantamos

por qu? Por quem cantamos o nascer

da aurora? Vm as luzes. Repartimos

a alva. E sob o sol, que se esparrama

l da barra da manh, vo cantar

as notas que largaram: parceria.

I - O TECNOCRATApara Otvio e Anelise

Matinada

Rolava de um lado pro outro

na cama. Batia um facho de sol

que se arrastava l dos vos da persiana.Tudo estaria bem no fosse o incmodo

de ainda estar vestido com as calas

da noite anterior, mais a dormncia

dos braos encolhidos sob o corpo.Quando a apnia o acordou de um sono

convulso, levantou-se em passo curto,e trpego largou um rastro de roupas

pelo cho. Seguindo at o banheiro

deixou pra trs: a alma o riso e a brisa.Antes de entrar no chuveiro, mexeu

a pele acumulada na carcaa

curva e o meneio da cabea seguia

o prprio reflexo. Teimoso, esticava

no espelho as rugas com os dedos os mesmos

que raspava as remelas, depois coava o rego e ento media o cheiro. Finalmente, foi

ao cagatrio dar despacho e mtodo

manh, como sempre boa e simples,que aos dentes se resume pasta na escova

e ao corpo a smula de um banho quente.Repetio sem diferena, como si

a mmica de estar ali, nas linhas

da toalha, onde enfia a fina fua

na magra profecia de um dia sem crise;diverso daquela malha que no o seca,aquele felpudo sudrio desistido

no raso do bid, d-se o grosso do discurso:imagem calibrada em tom mdio,

espcie de matina sem msica.

Desjejum

Deu curso manuteno da manh

comeando o seu simples desjejum

desvendando, no prato, o mistrio de gemas

moles umedecendo o po francs.

Bebeu ch de capim limo, comeu

um brioche e sem susto, semi nu

enrolado toalha, ligou a tev

para anotar receitas do bom dia.

(A ateno dos vizinhos, soleira

da porta, no o incomodava mais desculpar dos ouvidos, o zelo; do faro

das narinas, o afeto pelo ralo?

Importa, de verdade, se algum vai

reparar suas olheiras cativas?

S interessa o que do outro, claro. E as contas

da comunidade pagas no prazo?)

lazeado

Saiu de casa com

um doce na boca.Na cara, o sorriso

de um devotado

prtico, se mescla ao barbante

da patulia. No corpo, as idias

em gestos mdios. Nos bolsos,a carteira e o analgsico a que

se apega como o crente cruz.Deus falte em dobro: a ladeira, a ladainha.ponto

Baixo e cima; e os teus ps ali no alto

(no fosse atropelar o calendrio

ou suspender a febre dos relgios).

Se pertence ao varejo do cardume

(somado um, na multido dos dentes,

querias mesmo te bastar ausente),

no ver sorrisos d o tom da smula.

E ento, suspende a peste dos relgios?

Vou te dizer que pode at ser vlido

(no fosse atropelar o calendrio,

teu dia valeria o mel do cio).

Se tua vida seguisse a mido,

o que esperar do coro dos contentes?

Toma tino. Se o mar deu peixe, pegue.

Ronda

Criou freqncia em cartrios pra ler

jornais e revistas de variedades.

Ouve as histrias das recepcionistas

se interessa pelas de perna curta,

e as estrbicas guardam algum charme.

Baba no vocabulrio e no treme.

Se abisma com modos de fala gil

e segura. Quando dizem bolachas?

dizem como quem reza. Bota f.

ao v-las com os dentes no biscoito,

percebe que na queda dos farelos

a caspa se mascara nos jalecos.

D-se conta que hora de comer

e desiste de lev-las ao mar.

vigilncia

Estou plantado aqui faz algum tempo.

Mesmo que o muro nos divise, escuta;

possvel. Exige esforo mtuo

(no muito) para ouvir cisnes e garas,

patos e gansos s vezes pessoas,

quem sabe? O ar, aqui, bom. O clima

varia. Eu, no. Sabe como ,

ouo sem que me percebam. Sou pouco

notvel. Pode ser o tom. Decerto,

peso no . O nome talvez seja

pomposo, sim. Questo de classe e no

h diferena evidente; depende

do ponto onde se mira, claro. Veja

bem, porteiros h, por todo lugar.

(Desculpa, voc no pode ficar

mais nas dependncias do condomnio;

j deu a hora. S consentida

a permanncia de espectros sabidos.

Estranhos no so permitidos, nem

crianas. Oi? No; nem os mortos sabem

ao certo o que se passa l nos fundos).

Gravatas

Cada histria, suas ranhuras. Nenhuma letra garrancha, se estivermos tranqilos na baia. Anota, guarda a nota esgarada nem todo rosto cabe em cdulas, se trinca e h quem se trinque por trinta dinheiros.

Esgar, nenhum se passamos como quem sabe o limpo da gua no barro. Uma histria se conta por dvidas, no por ofender os dedos, e bisa a maquilagem de compndios. A mandbula, por saber nem dvidas, desafina o mnimo delrio que incendeia plantas baixas escaras por se esconder nos gravatas.

II - O AMADOR

Turno

Muita vez no incio. A coisa tem de acontecer ali mas no de imediato naquele espao, no primeiro lance antes de tomar, absoluto, o equilbrio. Domar-se por domar, escolher um lado do giro.

Mscara Allen

Aqueles olhos meigos, meio jururus,

me embalam como as tetas rgidas? E eu penso

os nervos que eu rocei com as unhas destrudas;

que abocanhei, tocando a lngua, algumas vezes,

o suave refugo da ossuda mandbula?

Vale, a barriga, quanto pesa ou escria?

O que motiva o movimento da histria:

a gorjeta cacete de um velho avarento,

ou o malho que encurva o caralho punheta?

Ondula o duro pbis: o molejo largo

de coxas universitrias, ou rebu,

que se mistura ao Gabriela, mal pintado

em unhas gastas? Quem me lambe a pele seca

quando em runas me apresento pra rotina?

Cimbra

O quanto durar um dirio de recusas, minha insistncia canina para uma vida menor, terei tempo de tomar tuas costas como convite partida no sem antes lamber-lhe a gua nas espaldas, meu monumento cimbra.

Brega

No fira a tola telha oh! bem talhado

teu gesto de afago, na palma, rspido.

Se a flama amansa, maneja escolado;

no v por ir, co fiel. (Ento, fico?)

Se sussurro, ou suspiro, em teu ouvido,

estranha; no diz nada. Eu nada falo.

Lido na lida e laboro no lido;

no vem troar de mim, seno me rasgo.

Para expurgar tal gosto vil do amargo,

abro o peito. Dentro j combati

de um tudo que podia ter vivido:

do amor mais extenso, o aceno mais largo.

Toma, carrega de mim mais um trago.

A cano brega. E a paixo, bandida?

Palco

Foi de verdade que tremi, assim, um tipo de laje bamba. De querer por querer, entreguei dados, cartelas, os pinos. A um fio de revirar todo tabuleiro, dei por cabelo e lngua em todos os turnos. Ludo sem jogo, o palco nosso vem. Querem-nos p e luzes, vem. Vem, dana comigo, mais uma vez, a prxima noite e nenhuma danao vai nos tirar o tino.

Balaclava Frank

Estava a saltitar ao largo e sbito

comeou a chover e ventar muito.

Me disse: "canivetes te sadam".

Canivetes no so cordiais; furam

as cabeas, mesmo as duras. E veio

o dilvio (tinha tufo e tudo);

quando corri pra te encontrar, entrou

em cena, assim, do nada, to sincrnico

com o cu, o engarrafamento. Foi

num repente que vi uma manchete:

"O CARNAVAL VAI SER UMAI JESUS!"

(No h ciclones no Rio, tampouco

dilvios na Bahia - e so notcias

ruins que movimentam os bons dias.

Se quer saber, rendem assunto em festas,

te enturma nos melhores grupos; tipo

assim, impedem os maiores micos,

mas do margem aos menores vexames

o que importante, se humanizam.)

Tive um colapso; leve, um breve surto.

Com amor, o mundo acaba em purpurina.

Roa

No s por superfcies, se arma trana do arame, num varal de manhs e lminas, a

angua guarda do sol. Me espera. Te espero. Seco de sede e goma, no h guaia que

ampare um cambaio contrativa do golpe. Lenos, no ar?

hannya ed estlin

levo seu corao comigo (o trago em

meu peito) nunca estou sem ele (onde

quer que eu v, voc vai junto, meu bem;

eu, por mim, faa o que fizer, te basta,

meu dengo) temo algum destino (

minha sina, doura) eu quero mundo

algum (h maravilha, meu planeta,

genuna) assim voc tudo

o que a uma lua tenha sentido e

tudo o que um sol cantar ser voc.

aqui jaz, ningum sabe, o mais profundo

segredo (c est: a raiz da raiz;

e do broto o boto; e o firmamento

do cu de uma rvore chamou-a vida,

tornou-se alta, alm do que a alma espera

ou a mente oculta) e isto de admirar.

o que sustenta estrelas apartadas?

levo seu corao (trago em meu peito).

Praia

para Mariano Marovatto

Amanh pode dar sol

e ns temos tudo a ver:

msica, livros, cinema,

miniaturas de temas,

entre ns vai tudo bem.

Eu no vou te aborrecer

com a tv fora do ar.

Os nossos melhores planos,

eu te conto e voc ri.

Talvez d certo pra ns,

vamos ver no que vai dar.

Vamos tentar outra coisa,

mas isso vemos depois. A

nossa praia logo ali.

(Coragem, meu bem; pacincia.

As aves voam bem por l.)

Pedalinho

Estamos bem, no se ocupe.

Nossa sintonia fina.

Metemos bronca. Sincrnicos:

as mos no volante e os ps

nos pedais. No h engano

sobre ser feliz. breve.

Breve e violento, o tempo

insiste ser em silncio.

Vai, s catadupas, ver

o que nos faz mais precrios:

o sopro que, em pouco, expira.

Chega calma, como a barca

rola; e ento, se ela te toca,

lambe tua pequena taca.

Paga

Descobrir-nos pelo no, no nos diz; quando muito, em cada caco de pele que sobrevive

faca, e comemos, nos d de achar vantagem no avesso. O averso em descobrir-nos pelo no, o que menos seduz, nos dizer com o mnimo, com o necessrio, e s. Um rol de desastres j penduramos. Nenhum penhor vai perder-nos no pela paga menor.

MORAZILNHA

Me pego a pensar numa antiga fbula rabe

ou seria malaia chinesa ou tupi; importa?

E assim falava a velha fbula, o sique:

Vinha a centopia, que adorava os mais caros sapatos

mas nunca os usava. (No que interesse o dado,

pois, dotando a narrativa de elementos inteis,

o principal da questo, quando revelado, torna-se

surpreendente e, seguindo as regras, pelo poder

de conciso da imagem mental criada no fim,

um dedo de prosa acaba valendo um brao.)

De volta aos sapatos. Ia a centopia serelepe,

quando um orangotango para, olha e pergunta:

"Dona Centopia, quanta habilidade. Me diga,

como faz para andar com tal charme e elegncia nos ps?"

Ficou pregada a vida toda ao cho.