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Radamés
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO USP
ESCOLA DE COMUNICAO E ARTES
MESTRADO EM MSICA
RADAMS GNATTALI: - SUTE PARA QUINTETO DE SOPROS - ESTUDO ANALTICO E INTERPRETATIVO
JAMIL MAMEDIO BARK
SO PAULO
2007
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JAMIL MAMEDIO BARK
RADAMS GNATTALI: - SUTE PARA QUINTETO DE SOPROS - ESTUDO ANALTICO E INTERPRETATIVO
DISSERTAO APRESENTADA AO DEPARTAMENTO DE MSICA DA ESCOLA DE COMUNICAO E ARTES ECA, REA DE CONCENTRAO: MUSICOLOGIA, LINHA DE PESQUISA: TCNICAS COMPOSICIONAIS E QUESTES INTERPRETATIVAS, DA UNIVERSIDADE DE SO PAULO USP, COMO REQUISITO PARCIAL PARA A OBTENO DO TTULO DE MESTRE EM MUSICOLOGIA, SOB A ORIENTAO DO PROF. DR. ROGRIO LUIZ MORAES COSTA.
SO PAULO
2007
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v
Dedico este trabalho minha querida esposa Josely, que acredita no meu potencial e tornou-se minha maior incentivadora, e, ao mesmo tempo, um grande exemplo em todos os sentidos.
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vii
AGRADECIMENTOS
________________________________________________
Agradeo profundamente a todos que direta ou indiretamente ajudaram no desenvolvimento
do presente trabalho:
ao Orientador Prof. Dr. Rogrio Luiz Moraes Costa, pela sua preciosa orientao e
acompanhamento da pesquisa atravs de correes, sugestes e recomendaes, propiciando
um enorme aprendizado e evoluo na rea musical.
Thomas Hansen, por ceder a partitura editada, a qual facilitou e contribuiu para o
enriquecimento do trabalho.
ao querido professor Noel Devos, pelas valiosas e enriquecedoras aulas e apoio
incondicional.
minha querida esposa Profa Dra Josely Machado Bark, maravilhosa e dedicada pianista,
pelo apoio em todos os momentos, manifestado atravs do auxlio na redao e reviso do
trabalho, bem como da aplicao do uso correto da Lngua Portuguesa escrita.
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ix
Saber no basta, temos que aplicar o conhecimento; desejar no basta, temos que fazer.
Goethe
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RESUMO
O presente trabalho tem como principal objetivo realizar um estudo analtico e
interpretativo da Sute para quinteto de sopros de Radams Gnattali. Para introduzir e
contextualizar esse estudo, apresenta, na Primeira Parte, um levantamento biogrfico e
histrico da vida do compositor. A Segunda Parte focaliza a obra. Introduz aspectos da forma
Sute, bem como das formas caractersticas dos movimentos: Preldio, Valsa, Modinha e
Choro, alm de enumerar consideraes sobre a formao Quinteto de Sopros. Segue com o
estudo analtico da obra atravs das tcnicas de anlise musical desenvolvidas por Arnold
Schoenberg, Wallace Berry e Joaqun Zamacois. Desse estudo so levantadas informaes a
respeito da linguagem empregada, quais os elementos composicionais caractersticos
utilizados pelo compositor e como ele os manipula. Tambm de acordo com esse estudo
analtico, esto indicadas sugestes sobre a execuo da obra, apontando aspectos relevantes
da interpretao nos cinco instrumentos envolvidos. A concluso rene as informaes de
maior interesse obtidas da anlise efetuada, e de orientaes a respeito da execuo da obra.
Em anexo se encontram: relao de obras e fonografia de Radams Gnattali, a partitura e um
CD com a gravao da Sute executada pelo Quinteto de Sopros de Curitiba, grupo do qual o
autor dessa pesquisa faz parte.
Palavras-chave: Sute, quinteto, sopros, Radams Gnattali, interpretao.
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ABSTRACT
The main objective of the present research is to present an Analysis and an
interpretative Study of the Sute for Woodwind Quintet by Radams Gnattali. For the sake of
contextualization, the First Part presents biographical and historical data of the composer's
life. The Second Part focuses on the piece. It starts with aspects of the Suit and introduces the
forms involved in each movement: Preldio, Valsa, Modinha and Choro. It follows with the
Analysis of the piece according to the techniques of musical analysis developed by Arnold
Schoenberg Wallace Berry e Joaqun Zamacois. The analytical process leads up to
information about the used compositional language, the typical compositional elements, and
how the composer uses them. Furthermore, according to this analytical study, there are
suggestions concerning the performance of the piece, pointing to relevant aspects of
woodwind quintet interpretation. The conclusion gathers the most prominent information
acquired from the overall Analysis of the work, and from the suggestions on the performance
of this piece as well. As appendixes, there are a list of works by Radams Gnattali and his
phonography, the music score, and a recording on CD of the piece, performed by Wind
Quintet Curitiba, group founded by the author of this research.
Key-words: Suite, woodwind quintet, Radams Gnattali, performance.
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xv
ABREVIATURAS
AM - L maior
Am - L menor
AM7 - L maior com 7a maior
aum. - aumentada
Cm/Eb- D menor com Mib no baixo
c.- compasso
cc.- compassos
Frag. Tem.- fragmento temtico
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xvii
SUMRIO INTRODUO 1
PARTE I: RADAMS GNATTALI: DADOS BIOGRFICOS 9
1. FORMAO MUSICAL 11
2. CARREIRA NO RDIO 14
3. COMPOSITOR, REGENTE E ARRANJADOR 16
4. REFERNCIAS 21
PARTE II: SUTE PARA QUINTETO DE SOPROS 23
1. CONSIDERAES SOBRE A FORMA SUTE 25
1.1. Preldio 26
1.2. Valsa 27
1.3. Modinha 29
1.4. Choro 32
2. A FORMAO QUINTETO DE SOPROS 35
3. ANLISE 37
3.1. 1o Movimento Preldio 39
3.1.1. Anlise 41
3.1.2. Sugestes para Interpretao 46
3.2. 2o Movimento Valsa 49
3.2.1. Anlise 51
3.2.2. Sugestes para Interpretao 64
3.3. 3o Movimento Modinha 67
3.3.1. Anlise 69
xviii
3.3.2. Sugestes para Interpretao 77
3.4. 4o Movimento Choro 81
3.4.1. Anlise 83
3.4.2. Sugestes para Interpretao 91
3.5. 5o Movimento Final 93
3.5.1. Anlise 95
3.5.2. Sugestes para Interpretao 110
CONCLUSO 115
BIBLIOGRAFIA 121
ANEXOS 127
1. PARTITURA DA SUTE PARA QUINTETO DE SOPROS DE RADAMS GNATTALI
2. CD CONTENDO A GRAVAO DA SUTE PARA QUINTETO DE SOPROS DE RADAMS GNATTALI
1
INTRODUO
A abertura do sculo XX propiciou o desencadeamento progressivo de profundas
transformaes na msica ocidental decorrentes de certo esgotamento das possibilidades
expressivas do sistema tonal. As inovaes, que acabaram gerando uma grande pluralidade de
estilos, incluam uma maior liberdade formal, o desenvolvimento de uma nova complexidade
rtmica, a busca de novos timbres e texturas e a idia de emancipao da dissonncia.
Com isso houve o afloramento de movimentos modernistas no ocidente,
caracterizados pelos novos tipos de combinaes e relaes de agrupamentos sonoros. As
transformaes tcnico-estticas desencadearam choques entre os artistas de vanguarda e o
gosto musical aceito como uma verdade histrica pelas elites culturais e governantes da
poca. A apresentao de novas experimentaes em peas como Pierrot Lunaire, de
Schoenberg (1912), A Sagrao da Primavera, de Stravinsky (1913), e Parade, de Satie
(1917)1 foram duramente criticadas.
Ser moderno, independentemente de uma tendncia esttico-cultural especfica, implicava o desejo de o compositor reformular radicalmente os critrios conhecidos para escrever msica. Em geral, nos principais plos culturais europeus Paris, Milo, Berlim, Viena os compositores de vanguarda almejavam contestar as culturas oficiais preservadas pela burguesia e aristocracia, durante o sculo XIX at a ecloso da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).(CONTIER, 1992, p. 259).
No Brasil, na mesma poca, Rio de Janeiro e So Paulo eram os dois grandes plos de
desenvolvimento na rea da composio. Essas cidades ofereciam maiores oportunidades de
1 Pierrot Lunaire op. 21 (1912). Escrita por Arnold Schoenberg. Pea atonal de coloraes expressionistas.
Compreende 21 melodias para uma Sprechstimme (fala cantada), piano, flauta, clarinete e violoncelo. A Sagrao da Primavera (1913). Escrita para bal por Igor Stravinsky, com base nas lendas do folclore russo, utilizando novas estruturas de ritmo, de timbres e organizaes de alturas. Parade, ballet raliste en un tableau (1917). Escrita por Erik Satie; texto de Jean Cocteau; cenografia de Pablo Picasso; coreografia de Massime e Diaghilev. Satie incorporou msicas populares dos cafs-concertos; rudos diversos, tais como mquinas de escrever e sirenes de ambulncias.
2
trabalho, especialmente junto s emissoras radiofnicas, que necessitavam de orquestradores e
de regentes. Logo, muitos compositores originrios de diferentes regies do pas dirigiram-se
para esses dois centros, em busca do aprofundamento dos conhecimentos, de trabalho e de
maior projeo.
No Brasil, o gosto musical dominante nos principais plos culturais desse momento
histrico, incluindo So Paulo e Rio de Janeiro (dcadas de 1910 e 1920), circunscrevia-se
num repertrio calcado na tradio clssico-romntica. As obras consagradas e apresentadas
nos programas de concertos restringiam-se a compositores do passado como Bach, Haendel,
Mozart, Beethoven, Chopin, Schumann, Wagner, Brahms, Verdi e contemporneos como
Richard Strauss, Puccini, Pietro Mascagni e Gustav Mahler entre outros.
Nas dcadas de 1920 e 1930, os compositores modernistas2 liderados por Mrio de
Andrade, preocupados com o ideal de atualizao tcnico-esttica no campo musical em face
dos modernismos europeus, passaram a defender, com veemncia, a construo de um projeto
em prol da criao de uma msica brasileira nacionalista em suas especificidades rtmicas,
meldicas, timbrsticas e formais.
A msica como expresso dos imaginrios da literatura e do folclore, e a interpretao
sobre uma determinada concepo da histria do Brasil favoreceram a construo de um
programa em prol da brasilidade modernista, baseada nas pesquisas temtica e tcnica da
cultura popular.
Assim, a criao artstica brasileira das primeiras dcadas deste sculo representa a
lenta preparao para a grande revoluo da Semana de Arte Moderna de 1922, movimento
que abalou profundamente a vida cultural de So Paulo e que, pouco a pouco, atingiu todo o
pas, levantando um protesto contra o academismo dominante, pregando a modernizao das
linguagens artsticas em todas as suas modalidades.
2 Citem-se, em especial, Villa-Lobos, o compositor da Semana de Arte Moderna, Luciano Gallet e Lorenzo
Fernandez, entre outros.
3
A Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de So Paulo, em fevereiro de 1922 visava renovar a linguagem artstica abrangendo todas as artes. Na msica, os artistas apoiados pelos agentes sociais dominantes ligados burguesia agrrio-exportadora, buscavam romper com a arte tradicional (msica romntica), que envolvia tcnicas e uso de temas musicais com influncias europias. Compunha-se de exposies, conferncias sobre a esttica modernista, leituras de poemas e concertos. (CONTIER, 1985, p. 23).
Nesse contexto, Rio de Janeiro e So Paulo apresentavam um ambiente cultural
inovador e atraente para os jovens compositores. Tudo era novidade: o Modernismo de Mrio
e Oswald de Andrade, a msica de Villa-Lobos, as primeiras transmisses de rdio, os
grandes concertos. Essa efervescncia cultural atraa os jovens msicos, que sonhavam com
uma brilhante carreira nos palcos mais famosos do pas.
Um desses jovens msicos foi Radams Gnattali (27.01.1906 3.02.1988),
compositor de excelente tcnica, sobretudo no domnio da orquestrao, est inserido na
Escola Nacionalista da Terceira Gerao, juntamente a compositores como Jos Vieira
Brando, Jos Siqueira, Waldemar Henrique e Alceo Bocchino, entre outros. (MARIZ, 2000,
p. 262).
Como compositor originrio do sul do pas (Porto Alegre RS), teve sua formao
feita no contato direto com o folclore e com a msica popular, tendo trabalhado especialmente
como orquestrador especializado em msica radiofnica, o que lhe deu um raro domnio da
matria sonora, e uma especial fluncia da escrita musical.
Na dcada de 30, Radams trabalhou na Rdio Clube do Brasil (RJ), na Rdio
Mayrink Veiga (RJ), na Gazeta (RJ), na Cajuti (RJ) e na Transmissora (RJ), na qual iniciou
sua carreira como arranjador. Em 1936, foi inaugurada no Rio de Janeiro a PR8, Sociedade
Rdio Nacional, que comeou discretamente, sem muitas novidades na programao. No
entanto, foram requisitados os melhores talentos musicais do mercado: Radams Gnattali,
4
Iber Gomes Grosso, o violinista Clio Nogueira e o baterista Luciano Perrone. Durante os
trinta anos em que trabalhou na Rdio Nacional, Radams foi um inovador; abriu espaos
para novos maestros e arranjadores, valorizou a msica instrumental e foi o responsvel pela
incluso da orquestra na msica popular brasileira.
Mesmo desenvolvendo grande parte de suas atividades no rdio, Radams no
abandonou seu lado de compositor erudito e concertista. Ele mesmo afirmava: Amo a msica
popular, mas, se pudesse, trabalharia exclusivamente sobre a msica erudita. (GNATTALI,
Disponvel em: http://www.fbn.br/. Acesso: 5 mar. 2004).
Inmeras composies suas eram requisitadas por intrpretes e maestros famosos.
Alm da diviso de sua obra em erudita ou popular, convm distinguir dois perodos em suas
composies srias. O primeiro de 1931 a 1940 cujas caractersticas so: folclorismo
direto, resqucios de estilo de Grieg e do jazz. No segundo perodo, a partir de 1944,
observam-se progressiva libertao da msica norte-americana, folclorismo transfigurado
essencial, maior simplicidade e instrumentao sofisticada. (MARIZ, 2000, p. 265).
Gnattali transitava com desenvoltura entre o popular e o erudito. Sua liberdade o fez
viajar entre diversos estilos, pois era um msico indiferente s barreiras e aos preconceitos.
Segundo ele, msica no tem definio; uma arte completa e independente de definies
literrias. S pode ser definida com a prpria msica. (BRESSON, 1979, p. 25).
Deixou obras primas entre quatrocentos ttulos. Dentre elas destacam-se as
Brasilianas, quatorze Concertos para piano e orquestra, Concerto para violoncelo e
orquestra, quatro Concertos para violo e orquestra, Concerto para violino e orquestra,
Concerto para saxofone e orquestra, Sute para pequena orquestra, Concerto para
Harmnica de boca e orquestra, Concerto para Acordeon e orquestra, entre outros.
A presente pesquisa pretende estudar a Sute para Quinteto de Sopros de Radams
Gnattali (1971). A idia investigar como o compositor utiliza os elementos folclricos
5
dentro da linguagem erudita, uma vez que essa dicotomia entre o popular e o erudito
caracterstica idiomtica do compositor. Prope avaliar como so manipulados os elementos
universais da msica do sculo XX para a formao quinteto de sopros na msica brasileira.
O presente trabalho tem como objetivos especficos:
a) Analisar a Sute para Quinteto de Sopros de Radams Gnattali, que compreende os
seguintes movimentos:
I. Preldio II. Valsa III. Modinha IV. Choro V. Final
b) Procurar compreender e identificar os fatores de ordem tcnica utilizados na composio;
c) Investigar possveis aspectos unificadores nas sees ou movimentos da obra;
d) Fundamentar o aspecto interpretativo da obra atravs da sua anlise.
E como objetivos gerais:
a) Valorizar a msica brasileira atravs da divulgao da obra de um compositor
representativo;
b) Complementar, atualizar e enriquecer a literatura atual sobre quinteto de sopros,
adicionando a ela conhecimentos e informaes sobre essa formao ainda pouco explorada
pelos compositores brasileiros;
c) Possibilitar o uso dessa pesquisa para auxiliar na didtica da msica de cmera;
d) Contribuir para os estudos de interpretao das obras para quinteto de sopros.
O trabalho se justifica pela crescente importncia em valorizar a produo nacional
nos meios acadmicos brasileiros. No setor musical, especificamente nos ltimos anos, a
partir da implantao dos cursos de ps-graduao, tem-se tentado resgatar as informaes
sobre a vida e a obra de compositores brasileiros que deram inestimvel contribuio nossa
6
msica. E neste contexto que se enquadra Radams Gnattali, exemplo inquestionvel no
cenrio musical brasileiro.
Desde o incio do sculo XX, com o Quinteto em Forma de Choros(1928)3 de Heitor
Villa-Lobos, essa formao vem exercendo crescente interesse sobre os compositores
brasileiros. No incio, com o emprego de temas folclricos brasileiros em contextos
harmnico-meldico-rtmicos oriundos da Europa. Depois, com ateno para as rupturas
produzidas por influncia de Mrio de Andrade e a Semana de Arte Moderna e para as
mudanas polticas, ideolgicas, culturais e estticas que se seguiram em ritmo acelerado at a
dcada de 90, alguns compositores brasileiros regularmente dedicaram uma parcela
considervel de sua fora criadora a essa formao.
Fato interessante a ser observado que, apesar dos compositores brasileiros dedicarem
substancial e extensa produo msica de cmera, h poucas obras escritas para quinteto de
sopros, especificamente. Isso confere ao trabalho carter original e indito, visto que estuda
obra designada a uma formao pouco utilizada na histria da msica brasileira.
A anlise da Sute para Quinteto de Sopros de Radams Gnattali ser realizada
segundo os seguintes autores:
- SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da composio musical. Traduo: Eduardo
Seincman. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1991.
3 O Quinteto em Forma de Choros(1928) de Villa-Lobos, pioneiro para essa formao dentro da msica
brasileira, foi composto na mesma poca da srie de Choros. A palavra choro, que hoje significa uma forma musical especfica, era usada para denominar um conjunto musical de instrumentos tpicos que tocavam msica popular. Os Choros de Villa-Lobos so seqncias de momentos musicais diferentes, inspirados na msica popular. O Quinteto em Forma de Choros possui 4 momentos musicais diferentes, em que a presena da msica popular mais espiritual, materializando-se atravs do carter de cada um desses momentos: o clima melanclico inicial lembra as serestas e modinhas, o 2o momento preserva o carter de jogos e danas infantis,o 3o momento volta ao carter do incio, e o 4o momento apresenta o carter movimentado do choro, tal como conhecido nos dias atuais. (RODRIGUES, Lutero. Libreto de Quinteto de Sopros de Curitiba. 1 CD. Curitiba: Elysium, 1996).
7
Este livro apresenta inicialmente a fundamentao terica da chamada sintaxe
musical classificando as idias musicais de acordo com sua importncia e funo. Assume
que a compreenso da forma musical est na percepo de unidades menores motivos e
suas variaes, bem como a lgica e a coerncia da correlao entre as mesmas. Na segunda e
terceira partes coloca a aplicao dessa fundamentao na anlise, tanto das pequenas formas,
quanto das grandes. Apesar do ttulo do livro se referir Composio Musical,
perfeitamente aplicvel Anlise Musical, pois aborda, didtica e profundamente, o detalhe e
o todo de um repertrio bsico destinado a todos os estudiosos da msica.
- BERRY, Wallace. Structural functions in music. Mineola: Dover Publications, 1987
Este livro estuda a estrutura de elementos fundamentais dentro da msica como a
tonalidade, textura e ritmo atravs de um sistema conceitual e analtico, elaborando
didaticamente suas funes e configuraes estruturais.
O autor desenvolve e analisa a idia de hierarquia entre as vozes, suas regies e inter-
relaes.
Quanto textura, apresenta qualificao e quantificao das vozes dentro de uma
composio; sua densidade, interdependncias ou independncias. Investiga a textura ligada ao
ritmo e ao estilo.
O ritmo e mtrica; seus conceitos fundamentais, suas funes dentro da msica e
critrios sobre acentuaes nas composies.
Alm da parte terica, todos os captulos mostram exemplos prticos e analisados das
obras significativas dos grandes mestres da msica do Barroco ao sculo XX.
8
- ZAMACOIS, Joaqun. Curso de Formas Musicales. Barcelona: Editorial Labor S.A., 1979.
Este livro possibilita a compreenso e anlise de obras segundo o conceito tradicional
de forma musical. Uma composio no mais que um conjunto organizado de idias
musicais. E essa organizao constitui sua forma. Atravs de exemplos significativos da
histria da msica universal, analisa cada tipo formal paralelamente a sua contextualizao
histrica. Assim, apropriado para desenvolver um curso terico-analtico de formas musicais
juntamente com o estudo da histria da msica. Em suas colocaes, rene objetividade e
profundidade de informao.
As tcnicas de anlise sero utilizadas em conjunto, sem priorizar uma sobre a outra,
mas sim procurando a complementao entre as mesmas. Atravs de tais abordagens sero
relacionados os elementos necessrios para a configurao e caracterizao da linguagem
musical de cada um dos movimentos da obra. Paralelamente investigao terica desses
elementos, realizar-se- o acompanhamento dos dados obtidos atravs da execuo da obra.
A anlise da Sute para quinteto de sopros tratar do aspecto formal da composio.
De posse dos dados levantados, a forma de anlise dos resultados se dar atravs da
identificao da linguagem da obra; quais os elementos composicionais caractersticos
utilizados pelo compositor e como ele os manipula. Isso levar a uma interpretao consciente
e bem fundamentada da obra como um todo.
9
PARTE I
RADAMS GNATTALI:
DADOS BIOGRFICOS
10
11
1. FORMAO MUSICAL
Radams Gnattali nasceu em Porto Alegre em 27 de Janeiro1906. Filho de Alessandro
Gnattali e Adlia Fossati, foi criado em um ambiente tipicamente italiano, com seus costumes,
cultura e o amor pela msica.
Desde cedo demonstrou grande musicalidade. Aos trs anos imitava os adultos
tocando um violino de brinquedo. Menino travesso, que s pensava em jogar bola, Radams
aprendeu as primeiras noes de msica no piano aos seis anos com sua me e em seguida
violino com a prima Olga Fossati. Com apenas nove anos, o pequeno msico foi condecorado
pelo cnsul italiano na Sociedade dos Italianos, depois de reger uma orquestra infantil, cujos
arranjos haviam sido feitos por ele.
Em 1920, aos 14 anos, Radams passou a freqentar o Conservatrio de Porto Alegre.
Iniciou os estudos de piano com o professor Guilherme Fontainha, que se tornou seu fiel
incentivador. Nessa poca, o jovem msico freqentava grupos de seresteiros bomios e
adorava participar de blocos carnavalescos, trocando o piano pelo violo e cavaquinho.
Aos 16 anos Radams se empregou no Cine Colombo, animando sesses de cinema
mudo, acompanhado de uma orquestra formada por seus amigos Sotero, Luiz Cosme e Jlio
Grau. Eles executavam pot-pourris de canes francesas e italianas, operetas, valsas e polcas.
Os estudos de piano avanavam e Radams sonhava em se tornar um concertista.
Porm, para sobreviver, continuava a tocar em cinemas e bailes e dava aulas particulares de
piano. De seus estudos de Debussy e Ravel colheu os dados e ensinamentos para os primeiros
ensaios na composio.
Em dezembro de 1923, Radams concluiu com meno honrosa o oitavo ano do curso
de piano e resolveu dar incio sua carreira de concertista. No Rio de Janeiro e em So Paulo
o ambiente cultural fervilhava. Tudo era novidade: o Modernismo de Mrio e Oswald de
Andrade, a msica de Heitor Villa-Lobos, as primeiras transmisses de rdio, os grandes
12
concertos e shows. Tudo atraa o jovem msico, que sonhava com uma brilhante carreira nos
palcos mais famosos do pas.
Realizou com sucesso uma audio dia 31 de julho de 1924 no Instituto Nacional de
Msica do Rio de Janeiro. Na noite do concerto, o salo do Instituto estava lotado, estando
presentes importantes crticos musicais de diversos jornais cariocas, dentre eles Oscar
Guanabarino do Jornal do Commercio; Arthur Imbassahy do Jornal do Brasil; Borgongino do
Correio da Manh; Rodrigues Barbosa de O Jornal. Neste ltimo, esto os seguintes
comentrios:
O recital comeou pelo Concerto para rgo de Wilhelm Friedemann Bach, filho de J. S. Bach, numa transcrio de Stradal para piano. Quer como estilo, quer como sonoridade, quer como cambiantes de colorido, a execuo teve certa grandeza que s os intrpretes privilegiados podem imprimir na sua execuo. [...] A Sonata em si menor, esse poema dantesco, encontrou no Sr. Radams um intrprete fervoroso, apaixonado pela epopia liszteana, vibrando com todas as suas belezas, que so infinitas. No houve uma s jia daquele escrnio sonoro que deixasse de irradiar a luz purssima. O estreante de ontem tem 18 anos [...]. Se ele comea a sua carreira com o esplendor que todos conseguem no perodo mais glorioso, at onde chegar com o seu talento e a sua personalidade de to acentuado relevo? (BARBOSA e DEVOS, 1984, p. 19)
Um ano depois de seu sucesso no Rio de Janeiro, Radams foi convidado para um
recital no Conservatrio Dramtico Musical de So Paulo, dirigido, nessa poca, por Mrio de
Andrade . Nessa poca teve os primeiros contatos com a msica de Ernesto Nazareth.
Em 1925, com 19 anos, o seu objetivo era ser concertista. Morava ainda em Porto
Alegre, onde continuava a dar aulas de piano, o que garantiu a sua sobrevivncia por um
perodo de quatro anos. Nessa poca, criou com os irmos Cosme e mais um amigo
violoncelista, o Quarteto Henrique Oswald, o qual foi muito importante para o seu contato
13
com os instrumentos de cordas da orquestra. Neste quarteto, Radams trocou o violino pela
viola.
Em 1929, Guilherme Fontainha, como professor do Instituto Nacional de Msica do
Rio de Janeiro, programou, no Teatro Municipal, uma apresentao de seus melhores alunos.
Foi a oportunidade de Radams voltar ao Rio, tocando pela primeira vez acompanhado de
orquestra. Nesta poca conheceu o baterista Luciano Perrone, com o qual criou uma amizade
que perdurou durante toda sua vida.
A mudana para o Rio de Janeiro em 1930 determinou um novo estgio na carreira
artstica de Radams; o de compositor. No dia 17 de Setembro de 1930 o concertista fazia sua
estria como compositor em Porto Alegre, tocando o Preldio no 2 (Paisagem) e o Preldio no
3 (Cigarra).
Durante as dcadas de 30/40, o forte apelo nacionalista esteve presente nas diversas
manifestaes sociais, nas artes, na msica e na educao. As monumentais manifestaes de
patriotismo marcavam as datas nacionais comemorativas, tais como o Dia do Trabalho e o Dia
da Ptria, congregando grande parte da populao em torno de Getlio Vargas. desse
perodo a obra Rapsdia Brasileira, de Gnattali, que reflete bem essa atmosfera nacionalista.
Para Gnattali, o sonho de ser concertista tornava-se tambm cada vez mais difcil. Em
1932, no Teatro Municipal, sob a regncia de Francisco Braga, apresentou-se em seu ltimo
concerto como pianista solista. O tempo para os estudos estava escasso e ele precisava ganhar
dinheiro, afinal, nesse mesmo ano casou-se com Vera, e a vida no Rio de Janeiro no era fcil.
Resolveu dedicar-se carreira de compositor e se lanou no mercado de msica popular.
Novas oportunidades surgiram. Foi contratado para tocar nas orquestras de Romeu Silva e
Simon Bountman, animando bailes de carnaval, operetas, festas e programas de rdio.
14
2. CARREIRA NO RDIO
Na dcada de 30, Radams trabalhou na Rdio Clube do Brasil, na Rdio Mayrink
Veiga, na Gazeta, na Cajuti e na Transmissora, na qual iniciou sua carreira como
arranjador.Em 1932 comeou a trabalhar na Rdio Clube do Brasil como pianista, regente e
depois arranjador, ao lado de Pixinguinha e outros. Em 1935, Orlando Silva requisitou-lhe
alguns arranjos de cordas para seu disco. O maestro aceitou, sem saber que seria o incio de
sua batalha contra os crticos:
Gostam do que bom. O Orlando Silva, que acabou sendo o primeiro a gravar msica brasileira com orquestra sinfnica, vendeu toneladas de discos, apesar das reclamaes contra meus arranjos. O acorde americano, como ficou conhecido o acorde de nona, agradou muito o pblico e, se tambm era utilizado no jazz, era porque os compositores de jazz ouviam Ravel e Debussy. Aqui ningum nunca tinha ouvido o tal acorde em outro lugar a no ser em msica americana, e vieram as crticas. Mas o povo no se deixou levar e assimilou muito bem a novidade. (BRESSON, 1979. p. 26).
Em 1936 foi inaugurada a PR8, Sociedade Rdio Nacional, que comeou
discretamente, sem muitas novidades na programao. No entanto, foram requisitados os
melhores talentos musicais do mercado: Radams Gnattali, Iber Gomes Grosso, o violinista
Clio Nogueira e o baterista Luciano Perrone. Em 1940, aps a encampao da rdio pelo
Estado Novo, Gilberto de Andrade, o novo diretor, resolveu modificar a programao. A
partir de ento, a Rdio Nacional criou um novo estilo, com uma programao baseada na
valorizao da cultura nacional.
Em 1943 a Rdio Nacional era um grande veculo de comunicao e Radams fazia
arranjos diferentes todas as semanas. Estreou, na Rdio Nacional, o programa Um Milho de
Melodias e foi criada a Orquestra Brasileira de Radams Gnattali. At essa poca no
existiam orquestras tocando msica brasileira; eram s os regionais e as orquestras de salo.
15
(BARBOSA e DEVOS, 1984, p. 54). O maestro ficou responsvel por dar uma roupagem
nacional s msicas estrangeiras. As big bands de Glen Miller e Benny Goodman faziam
enorme sucesso e se destacavam pela riqueza orquestral. A proposta de Radams era
enriquecer a msica brasileira com arranjos mais sofisticados: Um Milho de Melodias ficou 13 anos no ar. Uma espcie de parada musical onde eram apresentadas msicas de todas as partes do mundo. Quem escolhia o repertrio era Paulo Tapajs e Haroldo Barbosa - discotecrio da rdio - que estava por dentro de tudo quanto era msica de sucesso. Eu fazia nove arranjos por semana. (BARBOSA e DEVOS, 1984, p. 54).
Radams inovou levando para o rdio verses e arranjos prprios, alm de
interpretaes que se tornaram marcas registradas do programa com o Trio Melodia, As trs
Marias (Marlia Batista, Bid Reis e Salom Cotelli) e o Trio Madrigal. O programa foi o
primeiro a prestar homenagens a compositores como Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga e
Zequinha de Abreu.
Com o companheiro Luciano Perrone, o maestro criou uma nova forma de orquestrar
os ritmos brasileiros. Foi o prprio Luciano quem deu a dica: Radams, continuar assim no
possvel! Por que voc no muda a forma de orquestrar? Aqui a gente no tem aqueles
ritmistas todos... E se voc puser o ritmo na orquestra?. E Luciano Perrone explica:
At aquele momento (1930) a parte rtmica era feita por percusso, enquanto a meldica e harmnica ficava a cargo das cordas e sopros. O sistema de gravao no suportava a vibrao da percusso. Em 1930, na RCA, a gravao eltrica j podia suportar a orquestra com percusso, mas, na rdio, s tinha eu de baterista e ficava um vazio enorme! E eu me desdobrando na bateria para suprir a falta dos outros instrumentos! (BARBOSA e DEVOS, 1984, p. 45).
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Em 1941, o programa Instantneos Sonoros passou a ser transmitido para a
Argentina em cadeia com a Rdio Nacional de Montevidu. Devido ao sucesso, Radams foi
homenageado na Associao Sinfnica de Rosrio e no Instituto Argentino de Cultura. Ao
retornar ao Brasil, foi condecorado com o prmio Roquete Pinto pelos anos de dedicao ao
rdio brasileiro.
Em 1954 estreou o programa Quando os maestros se encontram, com o objetivo de
incentivar jovens talentos musicais. A experincia no rdio o levou para a Rede Globo de
Televiso em 1968, onde trabalhou como maestro e arranjador durante 11 anos.
Durante os trinta anos em que trabalhou na Rdio Nacional, Radams foi um inovador;
comeou a tratar a msica popular como nunca antes, com uma linguagem clara, elegante e
concisa. Abriu espaos para novos maestros e arranjadores, valorizou a msica instrumental e
foi o responsvel pela incluso da orquestra na msica popular brasileira. Influenciado por
Luciano Perrone, Radams insere o ritmo na orquestra em substituio percusso, criando
assim um novo sistema de orquestrao.
3. COMPOSITOR, REGENTE E ARRANJADOR
Mesmo desenvolvendo grande parte de suas atividades no rdio, Radams no
abandonou seu lado de compositor erudito e concertista. Inmeras composies suas eram
requisitadas por intrpretes e maestros famosos.
Quando Bidu Sayo precisou de um pianista para acompanh-la em sua tourne pelo
Brasil, em 1935, no hesitou em convidar Radams Gnattali. No mesmo ano, o maestro
Henrique Spedini regeu o Concerto no 1 para piano e orquestra, de Radams, tendo como
solista o prprio autor.
Em agosto de 1938, apresentou um concerto com suas composies na Escola
Nacional de Msica e, no ano seguinte, foi convidado a participar da Feira Mundial de Nova
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Iorque. O grupo convidado era formado por compositores populares, como Pixinguinha,
Donga e Joo da Baiana, e eruditos, como Villa-Lobos, Francisco Mignone, Lorenzo
Fernandez e Camargo Guarnieri.
Em 1939 o Teatro Municipal do Rio de Janeiro apresentou um espetculo inusitado
para a poca: era a Revista Joujoux e balangands, com o acompanhamento das orquestras das
rdios Mayrink Veiga e Nacional, sob a regncia de Radams Gnattali. No espetculo, a
novidade foi a msica Aquarela do Brasil, de Ari Barroso. O arranjo e a abertura da pea
causaram grande impacto, rendendo muitos elogios e crticas ao maestro e arranjador. O
maestro chegou a ser alvo dos crticos, que o acusavam de americanizar os ritmos nacionais;
mesmo assim, a msica fez um enorme sucesso e ficou conhecida internacionalmente como
um dos "hinos brasileiros". Em dezembro do mesmo ano, lanou a obra Quarteto no 1.
Em 1946, a BBC de Londres adquiriu, por uma vultosa quantia, os direitos para a
gravao de Brasiliana no 1. Nos Estados Unidos, Arnaldo Estrela executou, a pedido das
Filarmnicas de Chicago e da Filadlfia, o Concerto para piano e orquestra.
Trabalhando na Gravadora Continental (1949), criou o Quarteto Continental - que
posteriormente se transformou em Sexteto - com Luciano Perrone, Joo Meneses, Vidal, sua
irm Ada e Chiquinho do Acordeo. Em 1960, o grupo viajou para uma tourne na Europa,
integrando a III Caravana Oficial da Msica Popular Brasileira.
Em 1953, Radams organizou um concerto no Teatro Municipal, no qual foi executada
sua composio Concertino para violo e orquestra, sob a regncia de Eleazar de Carvalho e
tendo como solista o violonista Garoto.
Radams tinha fascnio pela inovao. Experimentava novas formas de orquestrar e
compunha para instrumentos que at ento eram negligenciados pelos compositores
brasileiros. Em 1954, comps a Sute da dana popular brasileira para violo eltrico e piano,
dedicada ao violonista Laurindo de Almeida e executada por Garoto em So Paulo. No
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Festival Radams Gnattali, realizado em 1958, no Teatro Municipal, a novidade ficou a cargo
da obra Concerto para harmnica de boca e orquestra, tendo como solista Edu da Gaita.
Gnattali afirmava que compunha para seus amigos; cada msica nova era um presente
em nome da amizade. Chiquinho do Acordeo tambm mereceu um presente, o Concerto para
acordeo e orquestra (1958). Alm de Jacob do Bandolim e mais tarde Joel Nascimento com a
composio da Sute Retratos para Bandolim e Orquestra, na qual homenageia Pixinguinha,
Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros e Chiquinha Gonzaga.
Em 1964, suas atenes se voltaram para a msica erudita. Retornou Europa com
Iber Gomes Grosso. Formando um duo de violoncelo e piano, percorreram Berlim, Tel Aviv
e Roma, apresentando composies prprias e de Villa-Lobos.
Retornando ao Rio de Janeiro, apresentou o Concerto Carioca no 1, em comemorao
ao aniversrio da cidade em 1965. Essa homenagem prestada pelo compositor tinha uma
motivao especial. Foi nesta cidade que Radams teve a oportunidade de conhecer os mais
geniais chores de sua poca, como Ernesto Nazareth e Pixinguinha. Com eles, descobriu a
msica popular, o choro e o samba. Consagrou-se como um exmio intrprete de Nazareth, e
da sua amizade com Pixinguinha o maestro afirmou:
Ele era meu irmo. Trabalhamos muito tempo juntos na RCA e tocvamos tambm em orquestras. Eu ia muito na sua casa no Catumbi, onde ele fazia sesses espritas, e depois em Olaria onde ele fazia suas festas de aniversrio [...] Quando fui para a Rdio Nacional em 36, encontrava com ele nos botequins atrs da rdio. (ARAGO, 1983, Jornal do Brasil).
Gnattali transitava naturalmente entre o popular e o erudito. Sua liberdade o fez viajar
entre diversos estilos, pois era um msico indiferente s barreiras e aos preconceitos. Sua
criatividade lhe possibilitou captar o melhor de cada estilo, experimentando tudo, pois,
segundo ele, msica no tem definio; uma arte completa e independente de definies
literrias. S pode ser definida com a prpria msica. (BRESSON, 1979. p. 25).
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Entre as dcadas de 60 e 70, com a decadncia da Rdio ao vivo e conseqente
retirada da mdia diria, passou a se dedicar mais musica erudita.
Entre 1968 e 1979 foi contratado pela rede Globo como maestro e arranjador. Nessa
poca, no auge do regime militar no Brasil, fazer msica com letra se tornou uma tarefa
arriscada. A liberdade de expresso foi reprimida e os organismos de censura vetavam
qualquer insinuao de crtica ao regime poltico vigente. Como quase todas as letras eram
censuradas, sobrou pouco espao para a msica popular brasileira. Tal conjuntura incentivou
o renascimento da msica instrumental e o interesse por compositores populares como
Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga e Jacob do Bandolim. Foi uma poca em que os jovens
msicos resgataram as fontes da msica brasileira, sobretudo o samba e o choro. Era comum
encontrar compositores veteranos como Cartola, Candeia, Donga e Joo da Baiana cercados
de jovens msicos. Neste contexto, Radams comps, em 1971, a Sute para Quinteto de
Sopros, a qual foi estreada em 19 de Novembro de 1973 pelo Quinteto Villa-Lobos.
Mas a virtual ressurreio de Radams para as novas geraes foi com a Camerata
Carioca, no final da dcada de 70. Depois de anos em casa, compondo e arranjando, Radams
se empolgou at para retomar o Sexteto Radams4. Passou a excursionar muito por todo o
Brasil, com ambas as formaes. Retomou o prestgio, incentivado por nomes como Dorival
Caymmi e Joo Gilberto, entre outros.
Radams foi um dos mestres mais requisitados nesse perodo, demonstrando uma
jovialidade que encantou novos chores como Joel Nascimento, Rafael Rabello e Maurcio
Carrilho. Nasceu assim uma amizade que gerou muitos encontros e parcerias. Em 1979, o
conjunto de choro Camerata Carioca tinha Radams como padrinho, e segundo comentrio de
um dos integrantes do grupo: O maestro sabe de tudo! Para falar a verdade acho que ele
mais jovem que qualquer um de ns.(MXIMO, 1981, p. 4)
4 O Sexteto Radams era formado pelo pianista Larcio Freitas, Chiquinho do Acordeom, o guitarrista Jos
Menezes, o contrabaixista Pedro Vidal Ramos, o baterista Luciano Perrone e Radams Gnattali ao piano.
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Quando comemorou 70 anos de idade (1976), foi homenageado com a gravao da
Cantata Maria Jesus dos Anjos (composta em 1965) para coro, orquestra e narrador, com
texto de Boror, baseado nos pontos de umbanda.
Em janeiro de 1983, recebeu o Prmio Shell na categoria de msica erudita; na
ocasio, foi homenageado com um concerto no Teatro Municipal, que contou com a
participao da Orquestra Sinfnica do Rio de Janeiro, do Duo Assad e da Camerata Carioca.
Em maio do mesmo ano, numa srie de eventos em homenagem a Pixinguinha, Radams e
Elizeth Cardoso apresentaram o recital Uma Rosa para Pixinguinha e, em parceria com a
Camerata Carioca, gravou o disco Vivaldi e Pixinguinha.
A sade comeou a fraquejar em 1986, quando Radams sofreu um derrame que o
deixou com o lado direito do corpo paralisado. Em 1988, aos 82 anos, em decorrncia de
problemas circulatrios, sofreu outro derrame, falecendo no dia 13 de fevereiro.
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4. REFERNCIAS
A seguir encontram-se alguns dos principais extratos de crticas sobre Radams
Gnattali:
H um trabalho que Radams vem realizando e que digno de figurar entre as selees mais cuidadosas do repertrio musical moderno de qualquer estante culta, em qualquer parte do mundo. Lidando com esse material precioso que a alma sentimental do brasileiro, ele vem extraindo de dentro dos aglomerados mais ingnuos do nosso povo a musicalidade fresca dos sertes, convertendo-a em atrevidas harmonizaes dignas de Stravinski, Groff e Gershwin. No fcil falar de sua msica ao defini-la. Saltando por cima de estgios estabelecidos ele transitou logo por dentro de orquestraes descritivas, onde a fora assenta nas expresses complexas dos ritmos e das harmonias singulares. Comeou burilando e enriquecendo de efeitos os temas de choro lanados por Nazareth, vestindo-os de uma roupagem mais rica nas transies para conjuntos de salo. Agora, Radams anda recolhendo motivos folclricos dos recessos provincianos, dando-lhes vida engalanada de harmonias, para a consagrao das elites. (RUNCHEL,1940, Folha da Tarde).
Nunca vi, nem creio que ningum jamais tenha ouvido, um bandolim soar como o do nosso grande msico popular Jacob, para quem Radams Gnattali escreveu especialmente um concerto em quatro movimentos intitulado Retratos (...) Com a circunstncia de que o bandolim de Jacob, nutrido intensamente de seiva popular, se desvulgariza, e afinal se torna tambm instrumento de concerto, como ocorre na partitura de Gnattali. (CAMERATA CARIOCA; sua histria, 1981, Programa do espetculo Sempre Pixinguinha).
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Radams Gnattali vai fazendo a sua carreira com sereno desprendimento em relao ao sucesso fcil. A sua obra, j considervel, impressionou a elite, e a crtica cada vez mais se interessa por esse compositor excessivamente modesto, que como o arteso medieval, produz visando honestamente atingir a obra mestra, porque para a perfeio todo o trabalhador deve tender, porque produzir uma alegria, e produzir bem uma necessidade para os verdadeiros artistas. No digo que o moo gacho no sabia quanto vale. Confiana em si mesmo no , porm, vaidade, mas uma condio de aperfeioamento e de eficincia. A Sute para orquestra de cmara, que ento ouvimos, uma obra de real interesse. O meti desse jovem j admirvel. A multplice e desigual experincia de vida musical de Radams Gnattali tem lhe sido integralmente til. Arranja msica popular para o rdio e o disco, ningum faz como ele; e o nvel desses arranjos subiu enormemente. H muita obra popularssima por a que deve a Radams Gnattali o brilho da instrumentao e os toques de arte de composio que as acreditaram. (MURICY, 1942, Jornal do Comrcio).
Radams Gnattali deu uma organizao ao samba a Orquestra Brasileira. Nunca o samba chegara a sonhar com uma orquestra assim: grande, completa, perfeita. Radams Gnattali comeou a tratar o samba de forma como nunca fora tratado. Fez grandes arranjos para ele, e moldurou-o, descobriu-lhe riquezas que nunca imaginara ter. E tratado pela cultura e bom gosto de Radams, o samba, com a Orquestra Brasileira, comeou a viajar pelo mundo afora, atravs das ondas curtas da Rdio Nacional. O samba com Radams Gnattali e a Orquestra Brasileira conquistou o seu ttulo legtimo de msica verde e amarela, digno e elegante representante do esprito musical de nossa gente, indo visitar, pelas emissoras de ondas curtas da Rdio Nacional, os lares do mundo inteiro. (ANSIO, 1979, Rdio Nacional, boletim informativo dos servios de transmisso).
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PARTE II
SUTE PARA QUINTETO DE SOPROS
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1. CONSIDERAES SOBRE A FORMA SUTE
Sute uma palavra de origem francesa que significa srie ou seqncia, uma
sucesso de movimentos de dana, cujo nmero e carter, bem como as relaes que mantm
uns com os outros so os trs critrios, que diferentemente fixados no decorrer dos sculos,
souberam conferir a esse encadeamento o estatuto de uma forma musical.
A sute a mais antiga de todas as formas instrumentais: a idia de reunir, numa
seqncia, danas e canes vem sendo registrada desde a Idade Mdia, quando era costume
agrupar certas danas duas a duas. Todavia foi apenas no sculo XVI que essa organizao
por pares se precisou, pois a primeira dana era, ento, geralmente moderada e de ritmo
binrio, e a segunda, rpida e ternria. Paralelamente a esse princpio tambm apareceram
tipos de sutes concorrentes, que compreendiam at cinco danas, no raro ligadas entre si por
uma mesma tonalidade.
Assim, foi apenas na segunda metade do sculo XVII e no movimento da importncia
tomada pela msica instrumental que a forma da sute pde se estabilizar, sob a influncia
sobretudo de compositores alemes como Froberger, Kuhnau, Pachelbel e Buxtehude.
A sute obedece, ento, a um plano em quatro movimentos( alemanda, courante,
sarabanda e giga), as quais pode-se acrescentar outras danas, ou uma introduo, ou um
preldio, assim como doubl, variaes ornamentadas de uma dana precedente.Alm disso
cada movimento da sute tendeu a respeitar uma forma binria, em duas partes, a primeira da
qual progride do tom inicial para o da dominante, e a segunda retorna, por diversas
modulaes, ao tom principal.No fim do sculo XVII, as sutes de Franois Couperin,
intituladas ordens , contam entre as obras mais marcantes desse tipo.
No sculo XVIII, foi mais uma vez J. S. Bach que levou a forma a seu mais alto nvel,
principalmente com as 6 suites inglesas, francesas e alems ou Partitas, todas para teclado,
alm de sutes para violino, violoncelo e Orquestra. A partir da segunda metade do sculo
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XVIII, a forma barroca da sute degenerou, sendo mais ou menos substituda pelo
divertimento ou pela serenata.De fato, ela foi obscurecida pela sonata e pelas sinfonias
clssicas.
No entanto, no sculo XIX e no incio do sculo XX, a sute reapareceu sob
modalidades diversas, em primeiro lugar com aspecto de misturas estilsticas, como puderam
escrever Ravel (L Tombeau de Couperin) ou Schoenberg (Sute Op. 25). Com mais
freqncia, a sute tambm consistiu na reunio de peas extradas de uma mesma pera,
Bal, ou de uma msica de cena; os exemplos vo de Tchaikvski a Stravinski, passando por
Bizet ou Berg. Essa forma pde ainda assumir o aspecto de um ciclo de miniaturas (Quadros
de uma Exposio de M. Mussrgski).
Na msica brasileira, a sute foi muito apreciada e utilizada com pronunciada
importncia na produo musical de vrios compositores. Como exemplos significativos esto
a Sute Brasileira (1890) para orquestra de Alexandre Levi; Sute sobre temas negro-
brasileiros (1929) de Luciano Gallet; as quatro sutes Descobrimento do Brasil (1937) para
orquestra e as sutes Prole do beb nos 1 (1919) e 2 (1925) para piano de Villa-lobos; a Sute
Vila Rica (1957) de Camargo Guarnieri, entre outros.
1.1. PRELDIO
O Preldio fez sua primeira apario como gnero musical com as peas para rgo de
Adam Ileborgh no sculo XV.
A partir do sculo XVI, aparece como abertura de uma mesma pea instrumental, ou
para introduzi-la numa mesma tonalidade. Pode tambm, eventualmente, servir de introduo
a outra pea.
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Originado da msica dos alaudistas, o preldio sem notao mensural, ou francesa,
no sculo XVII aparece a partir de uma notao mnima caracterizando-se como
extremamente livre com carter de improvisao. Possui relaes estilsticas como a fantasia e
a tocata, que o substituem com bastante freqncia como pea introdutria.
O gnero preldio e fuga que requer uma construo rigorosa, desenvolve-se e chega a
uma espcie de perfeio com J. S. Bach, que com os seus preldios do Cravo Bem
Temperado, construdos sobre trs idias, prefiguram a forma da sonata clssica.
No sculo XVIII, o Preldio foi quase abandonado pelos compositores, reaparece no
sculo XIX como uma espcie de homenagem a Bach. Alm disto, no sculo XIX aparece o
preldio para piano, curta pea que constitui um todo em si mesma. Esta tradio da pea para
piano independente segue no sculo XX.
Quanto ao preldio sinfnico, o qual surgiu no sculo XIX, ele se apresenta sob a
forma de uma composio livre. Identifica-se com o poema sinfnico, e pode substituir a
abertura de uma pera. Na msica de cmara comum aparecer como abertura ou introduo
de uma pea com vrios movimentos.
O preldio na sute brasileira foi muito utilizado como abertura pelos compositores
nacionalistas, entre eles: Villa-Lobos, Lorenzo Fernandez e Francisco Mignone.
1.2. VALSA
A Valsa foi a primeira dana de salo com o par enlaado. Por isso teve aceitao
imediata nos sales da aristocracia europia no incio do Sculo XIX.
Em 1815 houve um Congresso em Viena para fixar a nova geografia da Europa
libertada do domnio de Napoleo e nesse Congresso a valsa foi admitida nos bailes ali
realizados, tornando-se dai por diante uma dana de sociedade.
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A programao musical do Congresso foi confiada a Sigismond Neukomm - o
compositor austraco que no ano seguinte veio para o Brasil ensinar composio a D. Pedro I,
e piano a Princesa Leopoldina e outros. No seu Dirio, Neukomm deixou uma relao de
todas as suas obras, inclusive as compostas no Brasil. Nesse Dirio se encontram, ainda,
informaes que permitiram ao msico e pesquisador Mozart de Araujo concluir que:
A valsa j existia no Brasil em 1819.
As valsas de D. Pedro I foram as primeiras a serem compostas no Brasil.
A valsa, no Brasil, como a modinha, teve ascendncia nobre, tendo surgido no Pao
Imperial.
A valsa chegou ao Brasil diretamente de Viena, capital da ustria, e no atravs da Frana
ou Portugal como alguns historiadores admitem.
As primeiras valsas assinadas pr compositores brasileiros seguem os modelos da
valsa vienense. Foi igualmente grande, no Brasil, a influncia das valsas de operetas, assim
como as do caf-concerto e mesmo as valsas dos filmes americanos j nas dcadas de 30 e 40
do sculo XX.
O abrasileiramento da valsa, surgida no Primeiro Imprio, se processou lentamente,
ganhando maior realce por volta de 1870, por ocasio da Guerra do Paraguai e a partir dai
viveu o seu esplendor entre ns.
impressionante como a valsa se amoldou aos diversos nveis artsticos da msica
brasileira tanto no terreno da msica folclrica como popular ou erudita. Ela figura no
catlogo das obras de Alberto Nepomuceno, Villa-Lobos, Camargo Guarnieri, Carlos Gomes,
Francisco Mignone e Radams Gnatalli da mesma forma como ouvida no fundo do quintal
dos chores cariocas ou executadas nas sanfonas de oito baixos do interior do pas.
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Para avaliar a riqueza do acervo fabuloso de valsas que o Brasil possui basta comparar
a singeleza meldica de uma Saudades do mato, de Jorge Galati com o refinamento de gosto
e o requinte da Elegantssima de Ernesto Nazareth
1.3. MODINHA
A maioria dos pesquisadores brasileiros costuma classificar a Modinha como a
primeira manifestao popular musical civilizada tipicamente brasileira. Seu estudo, porm,
s comeou a ser desenvolvido a partir de 1930 quando Mrio de Andrade publicou suas
Modinhas Imperiais.
A data precisa do nascimento da modinha questionada pelos diversos estudiosos mas
h documentos que lhe fazem referncia desde 1787. o caso, por exemplo, de William
Beckford, um aristocrata ingls, que em seu Dirio registra na data de 14 de junho de 1787 a
palavra modinha brasileira cantada. Beckford ouvia essas modinhas nos paos da Rainha D.
Maria I, em Lisboa .
Segundo pesquisas de Mozart de Arajo, j em 1775 vrios historiadores
mencionavam a presena nos Palcios de diversas cidades portuguesas, de um brasileiro que
ao som de uma viola de arame cantava modinhas e lundus - Domingos Caldas Barbosa - e
dele eram, provavelmente, as modinhas brasileiras ouvidas por Beckford.
Foi Domingos Caldas Barbosa o primeiro a empregar a palavra modinha para designar
o tipo de msica que cantava. Segundo Mozart de Araujo, enquanto autores portugueses da
poca usavam o termo genrico de moda para designar as cantigas, romances e rias de salo
que compunham para os saraus da nobreza lisboeta, Domingos Caldas Barbosa,
modestamente, designava as suas modas com o diminutivo simples de modinhas.
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Apesar de considerado o pioneiro da modinha brasileira, Caldas Barbosa no foi o
nico compositor brasileiro a brilhar pelo seu talento de compositor naquela poca.
Descobriu-se, mais tarde, que no incio do Sculo XIX vivia no Rio de Janeiro um outro
msico popular que causaria uma profunda impresso a alguns viajantes que escreveram
sobre o Brasil daquela poca. Era Joaquim Manoel da Cmara. H um depoimento de
Freycinet, datado de 1817, no qual reconhece o raro talento na guitarra do mulato Joaquim
Manoel. Sob seus dedos o instrumento tinha um encanto inexprimvel que no era encontrado
entre os guitarristas europeus mais notveis. Esse msico tambm autor de vrias
"modinhas", gnero de romances muito agradveis, das quais Neukomm, um famoso msico
austraco discpulo predileto de Haydn, que viveu no Rio de Janeiro de 1816 a 1821, publicou
em Paris uma coletnea. Alm disto, foi mestre de Francisco Manoel da Silva, o autor do
Hino Nacional Brasileiro. Encantou-se com o talento de Joaquim Manoel e ao regressar
Europa fez imprimir em Paris, em 1824, um lbum de 20 modinhas de Joaquim Manoel.
Outro importante msico e compositor de modinhas conhecido dos brasileiros foi
Toms Antnio Gonzaga (1744-1810) o mais celebrado poeta da colnia, autor do famoso
livro "Marlia de Dirceu" e partcipe da famosa Inconfidncia Mineira.
Segundo Mozart de Araujo, h registros de modinhas recolhidas em So Paulo e
Minas Gerais em 1817-1818 figurando entre elas, algumas em que Dirceu (Toms Antnio
Gonzaga) celebra os encantos da sua Marlia (Maria Joaquina Dorotia de Seixas).
J no Imprio, muitos nomes se tornaram clebres como compositores de modinhas e,
entre eles, Gabriel Fernandes Trindade - considerado o primeiro autor de modinhas a ser
impressa no pas; o Padre Teles Leal - pertencente a uma famlia de msicos; e uma Dona
Mariana, que alm de compositora era exmia cantora de modinha no Rio de Janeiro. Seria ela
a precursora da nossa famosa Maestrina Chiquinha Gonzaga.
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A respeito da vida desses modinheiros - diz Mozart de Araujo - nada se sabe. De sua
obra, entretanto, salvaram-se algumas peas, hoje rarssimas.
O mais importante msico desta poca Cndido Incio da Silva considerado ora
como mineiro, ora como carioca. Teria nascido provavelmente em 1805 e falecido em 1838.
Segundo Mrio de Andrade, a Cndido Incio da Silva se devem as mais belas e mais
estimadas modinhas do nosso Primeiro Imprio. Cndido, que era alm de compositor, cantor
e instrumentista de viola e violino, foi discpulo do Padre Jos Mauricio e de Francisco
Manoel da Silva - um dos autores do nosso Hino Nacional. Dentre suas composies
conhecidas destacam-se Quando as glorias que gozei, Busco a campina serena, A hora em
que ti no vejo, Minha Marlia no vive, Um s tormento de amor e outras.
Outros nomes que no podem ser esquecidos nesta fase so o Padre Jos Maurcio e
Marcos Portugal. Do primeiro se destaca a modinha Beijo a mo que me condena com letra
do seu filho. Do segundo a msica colocada numa poesia de Domingos Caldas Barbosa e da
qual resultou a modinha chamada Voc trata o amor em brinco.
Marcos Portugal era compositor e considerado o maior msico do reino. Alm de uma
produo rigorosamente erudita, deixou modinhas, algumas das quais com letra de Caldas
Barbosa ou Toms Antnio Gonzaga.
No incio do Segundo Reinado, as modinhas passaram a ser dos poetas ou seja, as
melhores poesias da poca eram musicadas e apresentadas sob a forma de modinha ao
pblico. Segundo Mozart de Arajo, com o desejo de conseguirem projeo e de se
aproveitarem do prestgio que a "modinha" desfrutava, os compositores estrangeiros passaram
a musicar poemas dos nossos melhores poetas tais como Gonalves Dias, Laurindo Rabelo,
Alvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela, Castro Alves e outros. Surgem
ento novas modinhas de autores brasileiros onde se encontram uma "meldica verncula,
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valorizada pela prosdia, pelo jeito de interpretar e pelos maneios meldicos do violo
popular.
Mozart de Araujo ainda lembra que, a partir de ento, a modinha brasileira se
diferencia das canes dos outros povos pelo seu contedo de lirismo, de ternura, de saudade.
Foi dessa modinha que Mrio de Andrade extraiu a sua definio lapidar: A modinha um
suspiro de amor.
Mais recentemente, j no sculo XX, Catullo da Paixo Cearense e Villa-Lobos so os
compositores de modinhas que mais se destacaram sendo que Catullo se tornou um clssico
desse gnero.
1.4. CHORO
A dcada de 1870 foi de especial significado na histria da msica popular brasileira.
Foi nessa poca que se deu o abrasileiramento das tcnicas de execuo dos instrumentos
europeus trazidos para o Brasil como a flauta, o violo, o cavaquinho, o pandeiro e at mesmo
o piano, atravs do estilo dos pianeiros. Tambm foi por essa poca que se nacionalizaram os
ritmos danantes importados como a polca, a schottisch, a mazurca, o tango, a habaneira e a
quadrilha.
Alm desses fatos de natureza musical, dois acontecimentos de grande significao
scio-cultural para ns ocorreram no Brasil: o aparecimento do maxixe, primeira dana
genuinamente brasileira e o choro.
O choro nasceu, segundo alguns pesquisadores, por volta de 1877 no Rio de Janeiro,
nas biroscas da Cidade-Nova e no fundo dos quintais dos subrbios. Comeou com flauta,
cavaquinho e violo.
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Seus primeiros cultores eram funcionrios dos Correios e Telgrafos, da Estrada de
Ferro Central do Brasil e da Alfndega. Reuniam-se por puro lazer domingueiro e pelo prazer
de fazer msica. Aos poucos foram sendo acrescentados outros instrumentos ao trio original
tais como o bandolim, o ofclide, o bombardino, o trombone, o pistom, o clarinete e o
saxofone.
Os chores, como eram chamados, reuniam-se por mero acaso. No tinham nmero
pr-fixado de participantes. Em conseqncia, era tambm improvisada, a composio
instrumental desses conjuntos e esta improvisao logo se refletiu nas execues, surgindo da
um estilo interpretativo inconfundvel que passaria a ser caracterstico do choro. A
improvisao passou a ser a condio bsica do bom choro.
Nessa interpretao havia, entretanto, um elemento constante: o tom plangente,
"choroso" da execuo. Era a maneira chorada de tocar. Dai o nome de "choro" dado a esses
conjuntos e o de "choro" dado ao integrante do grupo.
O choro um gnero musical especificamente instrumental, embora, vez por outra,
algum compositor coloque letra na msica fazendo dela um sucesso popular mesmo entre os
no instrumentistas. O exemplo mais famoso o de Carinhoso de Pixinguinha que recebeu
letra de Joo de Barro e foi gravado por Orlando Silva com estrondoso sucesso.
A msica s chegou ao disco em dezembro de 1928, interpretado pela Orquestra
Tpica Pixinguinha-Donga. Sem letra, Carinhoso teria ainda mais duas gravaes: uma pela
Orquestra Victor Brasileira em 1929 e outra por Luperce Miranda em 1934. Segundo Jairo,
em ambos o nome da msica aparece como Carinhos e no Carinhoso.
No comeo as msicas executadas no Brasil eram as importadas. O choro foi o recurso
de que se utilizou o msico popular carioca para executar, ao seu modo, essa msica de
procedncia estrangeira que era consumida nos sales, nos saraus e nos bailes da alta
sociedade, no tempo do Imprio.
34
Mozart de Araujo afirma que ao carem no mbito do choro essas msicas foram
digeridas com o tempero brasileiro das "descadas" e das "negaas" e perderam o seu carter
de dana se transformando em msica para ser ouvida, apenas.
O nome se generalizou como uma maneira de tocar polcas, schottisch, e tangos da
prpria criao dos brasileiros. Por isso, a riqueza do choro se expressa no s na diversidade
de forma e gnero como na diversidade de ritmos; no apenas na variedade dos instrumentos
musicais que emprega como no virtuosismo de sua execuo onde aparece como
caracterstica principal a capacidade de improvisao.
Na dcada de 70, neste sculo, a Secretaria de Educao e Cultura do Estado do Rio de
Janeiro promoveu a comemorao do Centenrio do Choro com a realizao, nos anos de
1978, 1979 e comeo de 1980 de uma srie de shows no Planetrio, em Escolas Estaduais e
Municipais, no Museu do Primeiro Imprio e no Teatro Joo Caetano com Conjuntos de
Choro. O repertrio de choros, no Brasil muito vasto e vem aumentando constantemente.
35
2. A FORMAO QUINTETO DE SOPROS
O Quinteto de Sopros tambm conhecido como quinteto de madeiras, um grupo
composto por cinco instrumentos; flauta, obo, clarinete, trompa e fagote. O termo quinteto
tambm aplicado para a composio para esta formao.
Como o Quarteto de cordas com sua homogeneidade e combinao, os instrumentos
no quinteto de sopros diferem consideravelmente entre eles na tcnica, sonoridade e timbre.
O Quinteto de Sopros moderno deriva de um grupo que foi o favorito na Corte de
Joseph II no final do sculo XVIII em Viena, ou seja, 2 clarinetes, 2 obos, 2 trompas e 2
fagotes. A influncia de Joseph Haydn e de sua escrita para msica de cmara aumentou as
possibilidades para os sopros, ao mesmo tempo, os avanos na construo dos instrumentos
naquele perodo, aumentando sua sonoridade e melhorando a tcnica, fez com que fosse
possvel a sua utilizao em grupos menores, como o quinteto. Alguns dos principais
Quartetos de Cordas de Haydn foram arranjados para Quinteto de Sopros.
Antonio Rosetti (1750-1792), Nikolaus Schmidt e G. M. Cambini (1764-1825), esto
entre os primeiros a comporem especificamente para esta formao.No entanto, no incio de
1811, foi Antoine Reicha com seus 24 Quintetos e Franz Danzi com seus 9 Quintetos que
estabeleceram o gnero Quinteto de Sopros, e suas peas ainda so o referencial do repertrio
para esta formao.
Apesar da formao no ter conseguido maior interesse pelos compositores na segunda
metade do sculo XIX, houve no incio do sculo XX um renovado interesse com relao a
essa formao e hoje o Quinteto de Sopros um exemplo sedimentado como grupo estvel na
msica de cmara, por sua versatilidade e variedade de cores sonoras.
36
37
3. ANLISE
38
39
3.1. 1o Movimento - PRELDIO
40
41
3.1.1. Anlise
O movimento inicia com o Motivo a no modo de C mixoldio nos compassos 1 a 3
(Fig. 1) executado pela flauta, obo, clarinete e fagote, com dinmica f. O carter rtmico
deste elemento contrastante com a resposta cantabile da trompa (cc. 3 e 4), a qual lembra
um chamamento, uma clarinada, um discurso.
Fig. 1. Primeiro movimento Preldio (cc. 1 a 8)
Enquanto a trompa executa a nota pedal G (cc. 5 e 6), o conjunto flauta, obo,
clarinete e fagote transpe o Motivo a para o novo centro modal E Assim ocorre uma
relao de transposio de 3am acima. Tambm entre os Motivos a e b (Fig. 1, c. 3) se
estabelece uma interessante relao intervalar: no grupo constitudo pela flauta, obo e
clarinete predomina o uso de 2a M; no fagote, o perfil meldico de 4a j e 5a j. O Motivo b
(cc. 3 e 4) realizado pela trompa uma sntese desses intervalos. Nos compassos 7 e 8 ocorre
a continuao do solo da trompa (Motivo b1) como resposta ao primeiro solo (cc. 3 e 4,
Motivo b). Nota-se que, dos compassos 1 a 4 ocorre uma espcie de idia responsorial, ou
seja, o conjunto de quatro instrumentos canta e o solista (trompa), responde. J dos
compassos 5 a 8 h a repetio do mesmo elemento rtmico, porm transposto, como uma
espcie de resposta. Podem-se denominar os primeiros quatro compassos do movimento
antecedente, e os quatros seguintes (5 ao 8), conseqente.
Motivo a Motivo a transposto
Motivo b
4a
2a
2a
4a
2a
Motivo b1
42
Durante a nova nota pedal C na trompa (Fig. 2, cc. 9 a 12) o fagote inicia o Motivo c,
o qual imitado pelo clarinete, com carter de ostinato, por trs vezes (cc. 10 a 12), e depois
pelo obo (cc. 13 e 14), que incorpora uma modificao no final. A partir do compasso 10
sente-se a configurao de uma espcie de objeto sonoro, ou seja, a unio dos instrumentos
configura um bloco que adquire consistncia a partir de procedimentos repetitivos, realizado
pela flauta, com appoggiaturas no tempo forte, e a continuao no clarinete (cc. 10 a 12) no
tempo fraco. Neste breve momento, na flauta e no clarinete, tem-se a sensao de suspenso
do fluxo temporal do discurso, configurando uma espcie de escultura sonora no espao.
Fig. 2. Primeiro movimento Preldio (cc. 9 a 14)
A partir do compasso 15 (Fig. 3) os intervalos de 2a e 4a derivados dos Motivos a e b
passam a predominar e se expandem em todos os instrumentos. Passa a haver um
tensionamento gradativo devido ao uso de ritmos repetidos na flauta, e um adensamento entre
obo, clarinete e fagote, at chegar ao trinado (c. 20) e retomada do Motivo a no compasso
22.
Motivo c
43
Fig. 3. Primeiro movimento Preldio (cc. 15 a 21)
Considerando-se a textura polifnica5 e os efeitos contrapontsticos envolvidos no
trecho anterior (Fig. 3), o mesmo pode ser considerado um trecho de transio entre o incio
do movimento e a retomada do Motivo a no compasso 22.
Entre os compassos 22 a 27 (Fig. 4) h a repetio literal do incio do movimento.
5 A textura polifnica (literalmente significa muitas vozes) consiste de vrias linhas com considervel
independncia interlinear, s vezes imitativas. (BERRY, 1987, p. 192).
44
Fig. 4. Primeiro movimento Preldio (cc. 19 a 33)
Da Fig. 4 se verifica ainda que, o Motivo c passa a ser executado pela trompa (c. 28),
em seguida pelo clarinete (c. 29) e depois pelo fagote (c. 30). Nos ltimos trs compassos, a
flauta, o obo e o clarinete realizam a mesma clula rtmica em E maior, com o pedal da
trompa em E e, do fagote, em C, o que gera um acorde de C maior com 7a M e 5a aum. Essa
superposio de C e E recorda a mesma estrutura intervalar de 3a do incio do movimento, dos
compassos 1 a 4 (C) e compassos 5 a 8 (Eb).
Motivo a
Motivo b
Motivo c
45
Percebe-se que o Preldio funciona como a abertura da Sute. A brevidade do
movimento parece ser uma caracterstica empregada para facilitar a compreenso da obra ao
ouvinte. Quanto textura, observam-se duas classificaes simultneas: no bloco das
madeiras isoladamente, a textura em geral homofnica6 coral a quatro partes vertical em
oposio textura da trompa, mondica com carter meldico horizontal. A partir de ento
o bloco das madeiras assume o carter de acompanhamento. Esse fato revela um
procedimento muito utilizado na obra, como poderemos perceber nas anlises dos prximos
movimentos.
6 A textura homofnica literalmente denotaria uma condio de vozes interdependentes, porm sua conotao
tradicional a de uma textura na qual uma voz primria acompanhada por uma malha subordinada por vezes interativa, em meios experimentais. O baixo normalmente est em direo contrria ou em outra relao contrapontstica primeira voz (ou vozes). (BERRY, 1987, p. 192). Homofonia (Gr., mesma sonoridade) literalmente vozes ou instrumentos soando juntos, significa escrita polifnica em que existe uma distino clara entre melodia e harmonia de acompanhamento, ou em que todas as partes seguem, no mesmo ritmo (estilo de acorde), em oposio ao tratamento polifnico, no qual as partes podem seguir independentemente. (SADIE, 1980, p. 438).
46
3.1.2. Sugestes para Interpretao
Flauta, obo, clarinete e fagote iniciam o primeiro movimento com um ataque em
intensidade f . Como apresenta carter ritmado e enrgico imprescindvel que seja
absolutamente simultneo. Ainda nestes dois compassos iniciais, a articulao deve ser
staccato. Estes primeiros compassos servem de preparao para a entrada da trompa no
compasso 3. Para maior clareza na entrada da trompa em ritmo acfalo, muito importante
que os quatro instrumentos apresentem o desenho rtmico inicial de forma bem marcada -
marcato. Nesse compasso (c. 3), a trompa solo inicia um tipo de chamamento em intensidade
forte e staccato, porm sempre buscando um equilbrio na dinmica com relao aos quatro
instrumentos tocados anteriormente, isto , sem haver hierarquias entre o bloco de quatro
instrumentos e a trompa. fundamental observar os acentos no solo de trompa, os quais
geram o efeito de sncope. Aps o ltimo acento do compasso 4, a trompa deve reduzir
levemente a intensidade do som como se fosse uma preparao para a entrada dos outros
quatro instrumentos no compasso 5.
No compasso 5 deve haver o mesmo vigor do incio do movimento e o ataque deste
compasso deve ser sinalizado pelo flautista.
fundamental que a resposta da trompa no compasso 7 seja estritamente a tempo, pois
h uma tendncia em atrasar neste solo por causa dos contratempos. Este solo deve continuar
forte e staccato at atingir o compasso 9 onde, aps o acento, a trompa se retrai e o fagote
executa a frase em intensidade forte. Devido ao desenho rtmico em contratempos, prudente
que haja um direcionamento, ou seja, sem deixar a pulsao esttica, pensando sempre o
tempo para frente, a fim de evitar atrasos. Esse direcionamento deve ser observado tambm
pela flauta e clarinete entre os compassos 10 a 12, pois alm da figura sincopada, nesse
momento ocorre um diminuendo. A passagem da flauta para o clarinete (cc. 10 a 12) deve
47
acontecer como se fosse um nico instrumento. O acento indicado no clarinete nesses
compassos deve ser exagerado, pois a trompa e o fagote esto sustentando uma nota longa.
Apesar da trompa e do fagote seguirem com reduo de dinmica nesses compassos, a regio
grave que o clarinete se encontra justifica esta indicao, pois essa regio do clarinete de
difcil projeo. No compasso 12, o crescendo no clarinete muito importante para dar
equilbrio entrada da flauta e do obo que possuem naturalmente uma projeo maior do
som.
Diferentemente do exposto acima, o solo de obo (cc 13 e 14) deve ser executado sem
acentos e de forma contnua.
No compasso 15, a flauta inicia as notas duplicadas em forte e staccato, seguida pelo
clarinete, obo e fagote com articulao igualmente staccato. A dinmica neste trecho (cc. 15
a 21), deve ser gradativa. O grupo deve atingir o pice da dinmica na retomada do tema
inicial (Tema a), no compasso 22. importante ressaltar que, no compasso 19, a trompa e o
fagote devem explicitar a clula do Tema b, inicialmente exposto pela trompa. O desenho
apresenta um acento no ltimo tempo do compasso, assim, a trompa, aps executar esse
acento, deve reduzir subitamente sua intensidade. Essa reduo auxiliar a melhor audio do
cnone no fagote (c 19). Trompa e fagote preparam a entrada dos trinados na flauta, obo e
clarinete (c. 20) em fp crescendo. Nesse momento, o fagote, com intensidade f e articulao
staccato, auxilia na concluso do trinado.
No compasso 21, o acento da trompa no segundo tempo fundamental para auxiliar o
ataque das quintinas no terceiro tempo executadas pela flauta, obo, clarinete e fagote. A
retomada do Tema a deve ocorrer com intensidade elevada f e grande vigor, como no
incio do movimento.
No compasso 28, a trompa, clarinete e fagote devem realizar este tema com
intensidade f, sempre buscando o equilbrio sonoro do grupo, isto , sem diferenas de
48
dinmica entre os trs instrumentos. O efeito gerado deve ser o de continuidade, semelhante a
um nico instrumento.O f da trompa deve respeitar o f do clarinete na regio grave.
Igualmente, o fagote deve atentar para que a dinmica no fique desproporcional. Procurar
realizar as mesmas cores timbrsticas entre os instrumentos, ou seja, os integrantes devem
procurar seguir uma sonoridade em comum, escura ou brilhante, para obter a homogeneidade
sonora do grupo.
No compasso 30, os acentos nos dois ltimos tempos da trompa e do fagote devem ser
enfatizados sem atrasos at o fp do compasso 31. Esses acentos servem de preparao para a
entrada final da flauta, obo e clarinete em intensidade f, os quais reduzem a intensidade
bruscamente para o compasso 32, atravs do diminuendo. No compasso 32, h um crescendo
vigoroso de todos os instrumentos para a concluso do movimento. Aps a execuo da
ltima nota do movimento, aconselhvel que o grupo permanea imvel para a interpretao
das pausas, as quais representam recurso expressivo essencial para a concluso do
movimento.
No primeiro movimento importante ressaltar que os instrumentos que executam
notas longas devem conservar dinmica sempre inferior aos instrumentos que apresentam
linhas meldicas. O andamento deve ser mantido durante o decorrer do movimento, por isso a
insistncia da importncia de manter um direcionamento, principalmente em situaes onde
os msicos tendem a atrasar, como em figuras sincopadas e diminuendos. Se o grupo escolher
um andamento um pouco mais rpido ou mais lento do que o determinado pelo compositor,
este andamento deve iniciar e terminar o movimento, sem alteraes. Os acentos devem ser
exagerados para que apaream claramente dentro do contexto musical.
49
3.2. 2o Movimento - VALSA
50
51
3.2.1. Anlise
Para o incio do movimento h uma Introduo de oito compassos. O clarinete executa
uma sucesso de trs agrupamentos de arpejos em colcheias nos seis primeiros compassos
(Fig. 5), e no compasso 3, o fagote realiza uma seqncia cromtica descendente, a partir de
G, que se estende at o compasso 8.
Fig. 5. Segundo movimento Valsa - (cc. 1 a 8) Introduo
52
Nos compassos 7 e 8 se verifica que a nota D e Db esto sendo direcionadas pelo
fagote levando polarizao para a tnica C. O incio da polarizao da tnica (C) ocorre no
clarinete (cc. 7 e 8), e em seguida no fagote (cc. 8 e 9). Este incio, com a polarizao em C e
o fluxo contnuo de colcheias estabelece um territrio rtmico-harmnico.
A forma como se utiliza a superposio entre o desenho rtmico no clarinete e o baixo
no fagote, sugere a utilizao de um processo aditivo, onde os elementos se agregam de uma
forma quase autnoma para a gerao da textura contrapontstica7. Essa superposio entre
clarinete e fagote representa uma preparao para o incio da Seo A, com a entrada do
Tema a no obo (c. 9, Fig. 6).
Nos compasso 9 a 11 os acordes formam um vocabulrio baseado em trades e o
caminho de fundamentais descreve um ciclo de 4as defectivo: C- F- B. No compasso 12,
ocorre uma polirritmia entre obo e clarinete (2 contra 3), e h a transformao do acorde de
Bm com o acrscimo da stima (Bm7). A textura nesse trecho contrapontstica.
Fig. 6. Segundo movimento Valsa - (cc. 9 a 12) Incio da Seo A
7 A textura contrapontstica denota uma condio de interao interlinear envolvendo contedo intervalar,
direo, ritmo e outras qualidades e parmetros de diversificao. (BERRY, 1987, p. 192).
Tema a
53
Com o aparecimento do Tema a no obo e o acompanhamento em colcheias no
clarinete, o fagote caracteriza claramente um baixo, no sentido de dar suporte harmnico ao
conjunto.
O Tema a reaparece transposto meio tom acima no obo (cc. 13 e 14, Fig. 7). O
clarinete conserva o mesmo acompanhamento anterior em colcheias, enquanto o fagote
mantm a linha do baixo. No compasso 14 acontece uma polirritmia entre flauta e obo
(reminiscncia do c. 12). Entre os compassos 17 a 20 o Tema a executado pelo clarinete em
paralelo com uma sucesso cromtica descendente no fagote, e um pedal cromtico C e C# na
trompa. Trata-se de uma sucesso de impulsos, que ganha fora devido s acentuaes
sincopadas na trompa, em direo a um ponto de apoio (c. 20). Esse fato denota uma
polarizao por semitons at o final da frase, quando atinge o acorde de A7m (cc. 19 e 20).
Fig. 7. Segundo movimento Valsa - (cc. 13 a 20)
Tema a
Tema a
54
No compasso 21 (Fig. 8) o Tema a ocorre no fagote e o deslizamento de semitons
acontece no clarinete (F F e E). Do incio da obra at o compasso 20 ocorre um
progressivo tensionamento com a adio de instrumentos e a ascenso do Tema (G, Ab, C,
notas iniciais). A partir do compasso 21 h uma filtragem na instrumentao e a textura torna-
se mais rarefeita. No compasso 23 ocorre uma chegada a um ponto de apoio que acontece no
Db do fagote e E do clarinete, para em seguida no compasso 24 o fagote direcionar um
acellerando enfatizando o incio da Seo B (c. 24).
Fig. 8. Segundo movimento Valsa - (cc. 21 a 24)
A Seo B inicia no compasso 24, com um accelerando em um8, comandado pelo
fagote. No compasso seguinte (c. 25), a flauta inicia o Tema b, efetuando um movimento
ascendente (c. 26), que ser reutilizado posteriormente para a elaborao temtica, com um
8 A expresso em um significa que, deve-se evitar a marcao da mtrica do compasso em trs tempos, e
procurar uma pulsao nica para cada compasso.
Tema a
55
direcionamento ao compasso 29, efetuado nos compassos 27 e 28 (fragmento temtico b1).
A partir do compasso 29 a flauta executa o fragmento temtico b2 em movimento
ascendente, concluindo em um acorde de A7m (c. 33, Fig. 9). O fragmento temtico b2
apresenta uma derivao aumentada de parte do Tema a, conforme ilustra a Fig. 10. Dos
compassos 25 a 33 o fagote e a trompa apresentam o ritmo caracterstico da valsa, com a
polarizao para o acorde de A de quatro em quatro compassos (cc. 25 a 28 e cc. 29 a 33),
sempre com direcionamento atravs de semitons do fagote.
Fig. 9. Segundo movimento Valsa - (cc. 23 a 33) Incio da Seo B
Seo B Tema b Frag. Temtico b1
Frag. Temtico b2
56
Fig. 10. Segundo movimento Valsa Quadro comparativo: Tema a x Frag. Temtico b2
A partir do compasso 33 (Fig. 11) o obo segue movimento cromtico ascendente,
utilizando uma parte do fragmento temtico b1, enquanto a flauta, no compasso seguinte (c.
34), realiza movimento cromtico descendente, como uma preparao para o pice em
dinmica (f, c. 35), e uma mudana textural importante, com o fim da idia de
acompanhamento e conseqente utilizao do Tema b (primeira parte). Nesse momento a
flauta, o obo, o clarinete e o fagote realizam o mesmo desenho rtmico, derivado do Tema b
(primeira parte), definindo uma textura homofnica, seguido do mesmo desenho rtmico, mas
transposto (3a abaixo, c. 37, e 5a abaixo, c. 38, na flauta e no fagote) em dinmica p (cc. 37 e
38).
Fragmento Temtico b2
Tema a
57
Fig. 11. Segundo movimento Valsa - (cc. 33 a 38)
Esse trecho (Fig. 11) uma preparao para a entrada do Tema a (c. 39, Fig. 12, p.
59) executado pela trompa, que a derivao do Tema a, pois tem a curva ascendente das trs
primeiras notas do Tema a, alm do salto de 7a do Tema a lembrar o salto de 7a (clarinete, c.
19, Fig. 7, p. 53) e de 6a (obo, c. 10, Fig. 6, p. 52) do Tema a. A textura utilizada a partir
58
desse ponto (c. 39) passa a ser polifnica imitativa9. O Tema b reaparece no clarinete (c. 41) e
no fagote (c. 45), retornando depois flauta (c. 48), com o baixo cromtico descendente do
fagote at o aparecimento do Tema a na trompa (c. 54), proporcionando um acmulo de
energia at chegar ao compasso 56.
At aqui fica claro que tanto o Tema b quanto o Tema a derivam do material do
Tema a (Fig. 12). As trs primeiras notas ascendentes do Tema a so utilizadas nos Temas
a e b. O Tema a possui seu incio acfalo, assim como o Tema a. Os saltos de 6a e 7a do
Tema a so lembrados nos Temas a e b.
Fig. 12. Segundo movimento Valsa Tema a e Tema b como derivao do Tema a
Tambm da figura 13 a seguir, observa-se que as notas descendentes da segunda parte
do Tema a (fagote, cc. 22 e 23, Fig. 8) so lembradas, ainda que com pequenas variaes,
tanto no Tema b (fagote, c. 47, Fig. 13) quanto no Tema a (trompa, cc. 40 e 41, Fig. 13).
Podemos pois, perceber que as semelhanas entre o Tema a com os Temas a e b dizem
respeito aos perfis meldicos e s configuraes intervalares.
9 Com o significado literal de muitas vozes, a textura polifnica pode servir para denotar, como
convencionalmente, textura de mltiplas vozes de considervel interdependncia interlinear, freqentemente imitativa. (BERRY, 1987, p. 192). Imitao muito freqentemente uma rigorosa duplicao de ritmos, intervalos, e sucesses direcionais. Pode ser considerada como a manifestao da independncia interlinear. (Ibidem, p. 216).
Tema a
Tema a
Tema b
59
Fig. 13. Segundo movimento Valsa (cc. 39 a 55)
Tema a
Tema b
Tema b
Tema b
Tema a
60
A partir do compasso 56 (Fig. 14) ocorre uma mudana no desenho rtmico, que gera
uma quebra na quadratura do compasso . O conjunto formado pela flauta, obo, clarinete e
fagote apresenta textura homofnica, e estabelece tambm um contraste na dinmica (f/p)
entre os compassos 56 a 59, at chegar ao ponto de repouso, com a sobreposio de quartas
entre fagote, trompa, clarinete e obo e a formao do acorde de DM com baixo em E (DM/E)
entre flauta, obo, clarinete, fagote e trompa (cc. 57 e 59, Fig. 14). Esse trecho surge como
uma conseqncia do crescendo realizado no final da frase da trompa (cc. 54 e 55, Fig. 13),
gerando um efeito de resoluo.
Fig. 14. Segundo movimento Valsa (cc. 56 a 59)
A Seo C inicia no compasso 60 (Fig. 15), relembrando os arpejos em colcheias do
clarinete do incio do movimento, porm agora apresentado alternadamente entre flauta, obo
e clarinete. A fuso entre eles ocorre atravs de uma nota piv, provocando com isso um
direcionamento e intensificao at a entrada do Menos (c. 68). O Tema a no fagote (c. 62),
que uma derivao do Tema a do incio do movimento, acontece at o aparecimento do
Tema
a na trompa (c. 66), continuando at o incio do rallentando (c. 67), com o objetivo de
retornar ao tempo inicial do movimento (Menos = 130, c. 68).
Nesse momento, a flauta e o obo executam o Tema a, com o suporte harmnico
realizado pelo fagote, como no incio do movimento (c. 12, Fig. 6). H um pedal rtmico
3 4
61
realizado pela trompa e uma nota sustentada no clarinete. Durante o trecho, o material
harmnico passa de Cm/Eb (c. 68) at A7m (c. 71) e o clarinete executa um inesperado
desenho descendente de semicolcheias (c. 71), formando uma conexo para dar continuidade
retomada do Tema a pelo fagote, no compasso 72 (Fig. 16).
Fig. 15. Segundo movimento Valsa - (cc. 60 a 71)
Tema a
Tema a
Tema a
Seo C
62
Logo em seguida (c. 72, Fig. 16) reaparece o Tema a no fagote, acompanhado por
uma sucesso cromtica descendente no clarinete como suporte harmnico. H um
accelerando at o compasso 76. Essa construo a repetio literal dos compassos 21 a 24
(ver Fig. 8). Ao chegar no novo andamento (Mais Vivo = 63, c. 76), h a fuso do Tema b
(cc. 76 a 78) com uma variao do Tema a, apresentado pela flauta, realizando um processo
de elaborao temtica. Em seguida (c. 80), a trompa realiza o Tema a. Do compasso 80 at
o fim do movimento o obo, utilizando notas longas, executa um suporte harmnico
primeiramente junto com o fagote, e depois, com a trompa (Fig. 16).
Fig. 16. Segundo movimento Valsa - (cc. 72 a 83)
Tema b
Tema a
Tema a
Tema a
I.
63
No compasso 84 (Fig. 17), reaparece o desenho em colcheias do incio do movimento
no clarinete. A trompa e o obo executam a linha do baixo como suporte harmnico, em
substituio ao fagote. O movimento conclui com uma parte do Tema b realizada pela flauta
superposta sucesso de arpejos do clarinete, com reduo de dinmica e finalizando com
uma cadncia perfeita G C.
Fig. 17. Segundo movimento Valsa (cc. 84 a 92)
Frag. do Tema b
64
3.2.2. Sugestes