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7/12/2019 Barthes, Roland - Como Viver Junto http://slidepdf.com/reader/full/barthes-roland-como-viver-junto 1/30 1 I ( ROLAND BARTHES COMO VIVER)UNTO Sirnulacoes romanescas de alguns espa<;oscotidianos I. I I I { I i C ur so s e s em in dr io s no College de France, 1976-1977 Texto estabelecido, anotado e apresentado por Claude C oste Tradu~o ILeylaPerrone-Molses I t . 'r ' .. ,i J_ :" :~:. . . , 1, Martins F o n te s sao P au lo 2 00 3 .' : "j .J ,

Barthes, Roland - Como Viver Junto

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1

I

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ROLAND BARTHES

COMO VIVER)UNTOSirnulacoes romanescas

de alguns espa<;oscotidianos

I .

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C ur so s e s em in dr io s n o C ol le ge de France, 1976 -1977

T ex to e st ab el ec id o, a no ta do e a pr es en ta do

por C laude C oste

Tradu~o ILeylaPerrone-Molses

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I Ro la n d Ba r th e s I

IDfLIC02

MARGINALIDADES

MONOSIS

NOMES

COMIDA

PROXEMIA

RETANGULO

REGRA

SUJElRA

XENITEIA

I Aula do dia 12 de janeiro de 1977 I

iI

UTOPIA

EOMETODO?

APRESENTAc; : :AO

METODO?

No memento de comecar este novo curso, pen-

so numa oposicao nietzschiana, oportunamente reto-

mada por Deleuze' (123-26): me to d a I c ul tu ra .

Metodo

I S """ b dd d""poe uma oa vonta e 0pensa or, uma

'decisao premeditada'". De fate, "rneio para evitar ir

3. "0 metodo supee semprc uma boa vontade do pensador, uma 'decisao prerneditada'. A

culrura, ao contcl.rio, e uma violencia sofrida pelo pensamento sob a a~o deforcas sele-

tivas, urn adestrarnenro que poe em jogo rodo 0 inconsclente do pensador" (G. Deleuze,

Nietsche et fa p b i l o s o p b i e , Paris, PUF, 1962, pp. 123-4).. Esre traco, suprimido nas aulas, est:!.riscado no manuscrico.

4 5

(

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Deleuze

I Ro la nd Ba rt he s II Como vivl:T junto I

a determinado lugar, ou para garantir-nos a possibi-

lidade de sair de Ia (0 fio no labirinto)", Efetivamente,

nas ciencias dirashumanas - inclusive na semiologia

positiva -, merodo (eurnesmo ja fu i Iogrado"):

1) Encaminhamenro para urn objetivo~ proto-

colo de operacoes para obter urn resultado; por exem-

plo: metodo para decifrar, para explicar, para descre-

ve.r...exaustivamente.

2) Ideia de caminho rete (que quer chegar a urn

objetivo), au, paradoxalmente, 0 caminho reto de-

signa os lugares aonde de fato 0 sujeito nao uer ir:

· d ~ _ & ~ c . . h ~ ~ ~ _ ~jetivo c _0 lu~~~,_assim, afastan-

do os outros lugires, 0 metodo se p6e a service de

uma generalidade, de uma "moralidade" (equacao

kierkegaardiana'). a sujei to, por exemplo, abdica 0

que ele nfio conhece dele mesmo, seu irredutfvel, sua

forca (sern falar de seu inconsciente),

trarnento que poe em jogo 0 inconsciente do pensa-

dar" = a paideid' dos gregos (eles nao falavam de me-

d ) ''Ad ""C ,)". I" .» ~ dto 0 . estramento, rorca , VIO encia ,nao e-

vemos tomar essas g;!.~1{!asJlO...senci~ excitado..Jt_

preciso voltar a id nietzschiana de for. ao cabe

aqui retoma- a como engen amento de. uma dife-

renc;:a:podemos ser amenos, civilizados mesmo! e co-

locarIl?-£ '-?-~.sn~...2!!~A culrura como "adestra-

rnento" (¢ rnerodo) remete, para mim, a imagem de

uma especie de dispatching de tracado excentrico:

titubeir entre peaa~os,-marCoS(rtsaberes:desaDo-

res. Paradoxalmente, a cultura assim compreendida

como reconhecimento de forcas, e an~a

de poder (que existe no metodo). (Vontade de po-,.- .;;r

-t"enda ¢vontade de poder.)

v....... . .r .= ' t. 'P -. . n ri : " ,. , · , aqui, pelo menos como postula-

ra nao de metodo. ada esperar acer-

- -. .: .. u. .~ - a menos que se tome a palavra em

seu sentido rnallarmaico': "ficc;:ao":linguagem refle-

tiIl4.o·sobre a linguagem. ---7Exerdclo da cctttura ="

-c:_scutadas fon;as

B• .~ L~-:U c~C}-

. . . . . . . . . . . . . . .~ P f ~~~~_~~AA~

6 . Pa i tk f tr . educacao das criancas (de pais: crianca), em seguida forma~o.

7. Ver Stephane Mallarme: "Todo merodo e uma fi~o, eborn para a dernonstracao, Alin-

guagem apareceu-lhe como instrumento da f i~o: e le s eguin 0metodo da linguagem

(derermina-lo). A linguagem refletindo-se" ( No te s s ur k I An ga ge , in O eu vm c om p/ }t es , t,

I, Paris, Gallimard, col. "Bibliotheque de laPleiade", 1998, P: 104.)

8. {Oral: Barthes acrescenta "escuradas difereneas'"]

Cultura

Nietzsche (¢ sentido humanista, irenico) = "vio-____..

lenc~fri~~ pet2~'uma ~o

pensamento sob a acao das forcas seletivas, urn ades-.-..-.- - - . . - . - - - - - - - . ~ ~ ~ - .-. . . . . . _. , -

4. Barthes se refere a seus trabalhos semiologicos dos anos 60, ern particular S ys te me d e IA

mode (Paris, Seuil, 1967), cujo pr61ogo se intirula "Metodo". (Oral: Barthes substirui

"logrado" por "obcecado".) .

5. Ver Aula. Aquiescendo em silenclo ao sacriflcio de Isaque, Abralio escapa 11generalidade

da moral e da linguagem (Kierkegaard, T e m or e t re m or , 1 84 3) .

6 7

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I Roland Bartha I

Ora, a primeira forca que posso interrogar, in-

terpelar, aquela que conheco em mim, embora atra-

ves do logro do imaginirio: a forca do desejo, ou para

ser mais preciso (ja que se trata de uma pesquisa): a

figura da fantasia.

s f o 3 ! ! : F~~

qrf \~~_i.naugural.s6b_~Q_fantasma~tlH'· C ' f lO r -. ~ -

Fazer partir a pesquisa (cada ano) de uma fantasia.

Ciencia e fantasia: Bachelard: intrincamento da cien-

cia com 0 imaginario (seculo XVIII). Mas moralismo

de Bachelard: a ciencia se constituiria pela decantacao

das fantasias". Sem discutir iS50(poderlamos dizer que

mas observacoes:

9. Ver G. Bachelard, La fbrmasion de lhpritsdmtifique. Paris,Vrin, 1938, p. 38: ' 'Assim,

o espfrito cientlfico deve lutar lncessantemente contra as imagens, contra asanalogias,

contra as merafcras." [Trad. bras. A f o rmari io do espirito cienttfico, Rio de ]aneiro, Con-

. t raponro, 1996. )

B

Desroche,

p.51

I Como vioer junto I ?

I} Nao tratarei 0Falan terio' (exceto episodi-

camente), embora seja nte que 0 Falansterio ='

forma fantasrnatica do Viver-Junto. Vrna palavri-~_.

nha, somente. Em Fourier, a fantasia do Falansterio,

paradoxalrnente, nao parte de uma angustia da soli-dao, mas de urn gosto por ela: "~sto de estar s6'~

A fantasia nao e uma conrranegacao, nao e 0direito

. de uma frustracao vivida como avesso: as visoes eu-

demonfsticas coexistem sem se contradizer. Fantasia:

roteiro absolutamente positive, que encena 0 positi-

vo do desejo, que s6 conhece positivos. Por outras

palavras, a fantasia nao e dialetica (evidentemente!).

Fantasmaticamente, nao e contraditorio querer viver

s6 e querer viver junto = nosso curso.

2) Sempre a prop6sito de Fourier: a utopia se

enraiza em determinado cotidiano. Quanto mais 0

cotidiano do sujeito e influente (sobre seu pensa-

mente), mais a utopia e forte (caprichada): Fourier

e melhor utopista do que Platao". Qual era 0 coti-

diano de Fourier? Dois comentadores de Fourier (Ar-

mand e Maublanc)" assinalaram bern - e urn tercei-

ro (Desroches) indignou-se com isso (evidenternen-

10. Agrupamenro ut6pico idealizado por Charles Fourier em Le n o uv ea u m o nd e i nd u st ri e]

et societair« (1829), evocado por Barthes em obras anteriores, sobrerudo com referen-

da ao grupo dos seminaries da Ecole Pratique des Haures Erodes. (N. daT.)

11. [Barthes precise oralmenre que a utopia passa pda "imaginacao do pormenor".J

12. Felix Armand e Rem!Maublanc, Fourier; 3 vol., Paris, Ed. Sociales, 1937.

9

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I

f : : . .t r-t · ! .

te sem razao): "0 falansterio e urn parafso confec-

cionado para seu uso pessoal por urn velho frequen-

.tador de restaurantes p0E-ulares e de bordeis13". Res-.- -

ta~~te:p;>j~~~u lugares assimilados):

excJente materIal de utopia.

3) Outra prova da forca fanrasmatica do Viver-

J . "b" anhi bi "b "nto: vrver em em comp ia, coa irar em; 0

que ha de maistascmante nos oucros7 aqw10 que pode- -ausar:nos '~'iaior inveja: ~ais, gr, :£?s, e ate mesmo

~iiT~~:''b~;~~~~dido';~-~ir~{~'1;gro?U~m~.... ...._~~~~--.. ......._••L.~_.~_

, c ; ! S ~. , Q ! ; l E 9 ; ' . ~ boa materia romanesca. (Nao haveria faml-

' li~ se nao houvesse algumas bem-sucedidasl)

4) Eu disse: a fantasia nao e 0 contrario de seu

contrario racional, logico. Mas no proprio interior dafantasia pode haver contra-imagens, fantasias nega-

tivas (oposicao entre duas imagens fantasmaricas, dois

roteiros imaginaries - e nao entre uma imagem e uma

realidade). Por exemplo:

a) Ficar fechado por toda a eternidade com pes-

soas desagradaveis que estao ao nosso lado no restau-

rante = imagem infernal do Viver-Junto: 0 h u is c lo s.

b) Outra fantasia horrivel do Viver-Junto: ser

6rfao e encontrar urn pai vulgar, uma familia chata:

Sansfomille4• (---t Viver-junto: encontrar urn "born"

13. Cira~o de Armand e Maublanc reprodu:z.idapor Henri Desroche, La s o ci e te f i st iv e . D u

f lu rU r im u l er it a u x f lu ri tr im u s pratiqtds, Paris, Seuil, 1975.

14. Celebre romance de Hector Malee (1878).

10

~. """; ;,.

' , ; : J . ~ : .

';,

,,'

Mallarme:

1842·1898

Nietzsche:

1844--1900

Freud:

1856·1939

1856·1883

i"

IV ~.g.~~~-.-I Como oioerjunto I

pai, umaI'boa' familia: urna Familia-Soberano-Bem?

Na 6ptica psicanalitica, a verdadeira fantasia! 0Fa -

mi li en- Romar i? . )

5) A titulo de excursao fantasiosa, isto: certa-

- ~ . ~ ~ a J ! ! l S ! l Fwa..ci urn mesmo lugar). Mas,

em estado bruro, 0Viver-Junto e tambem temporal,

e e necessario m,arcar aqui esta casa: "viver ao mes-

mo tempo em que ... ", "viver no mesmo tempo em

que ..." = a contemporaneidade, Por exemplo, posso

dizer, sem rnentir, que Marx, Mallarrne , Nietzsche e

Freud viveram vinte e sete anos juntos. Ainda mais,

teria sido possfvel reuni-los em alguma cidade da

Suica em 1876, por exemplo, e eles teriam podido -Ultimo Indice do Viver-junto - "conversar", Freud

tinha entfiovinte anos, Nietzsche trinta e dois, Mal-

larrne trinta e quatro e Marx cinquenta e seis. (Po-

deriamos nos perguntar qual e , agora, 0 mais velho.)

Essa fantasia da concomitancia visa a alertar sobre

urn fenomeno muito complexo, pouco estudado,

parece-me: a contemporaneidade. De quem sou c~,£l.:-o'

tetnP2!..~~:cJQ!T.:~9!.1!'.~~!o/.~I.crcaI~da-

rio nao responde bern. E 0 que indica nosso peque-

15. Familien-roman (alernao): romance familiar. "Expressao cdada por Freud para designar

fantasias pelas quais0 sujeiro modifica.imaginarlamente os seus laces com os pais (ima-

ginando, por exernplo, que e uma crianca abandonada)" a . Laplanche eJ B.Pomalis.

VocabuMrio da psicandlise; Sao Paulo, Martins Fontes, 1991, p. 464). Nas fichasptepa·

ratorias, como na versaooral do curso, Barthes se referefrequentemenre a essa obra.

11

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I R o kt nd B a rt h~ f I

no jogo crono16gico - a menos que eles se tornem

contemporaneos agora? A estudar: os efeitos de sen-

tidos cronologicos (if. ilus6es de optica). .Desembo-

cariamos talvez neste paradoxo: uma relacao insuspei-

ta entre 0conternporaneo e 0 intempestivc" - como

o encontro de Marx. e Mallarrne, de Mallarme e

Freud sobre a mesa do tempo".

MINHA FANTASIA: A IDIORRITMIA1B

Uma fantasia (ou pelo menos algo que chamo

assim): um~9J!!!.~A~2.st ..4~_ imagens, que ron-

~se buscam em nos, p r veze~"~avida toda~-; fre-':'~iU'eiIieilte-s e cristalizam atravesJ - t o - - - " ' _ ' ' '' '' '' '' - _ " " " " , ~ . . . . . ~ ~ OV~ . .. . ~ _ ~ __ . .. ", ~ , .. .. .. _

~ ur:ta alavra ~ palavra, significante maior, induz

(fa fantasia a sua exploracao. Sua exploracao por dife-

rentes bocados de saber »a pesquisa. A fantasia se ex-

plora, assim, como uma mina a ceu aberto.

Para mim, a fa.r:!_tasiaue se buscava [nao estava]

de modo algum ligada--a2;"i~@f§ ..._Qtdoi~'Jltjmo~

~os'«o~""TIiScuiso amoroso" 1 9 ) . Nao era a exploracao

- - - -6. [Or al : Bar thes p re cis a: "no s en tido n ie tz schiano do r er rno' "] Ver U=itgemiisse Betra-

chtungm, que se t raduz PO( Consideracdes inatuais ou ComiderafO~! in tempest iuas.

17. [Or al : Bar thes evoca 0 quadro de Max Ernst A u relUkZ·VOUI d es a m is {I922): retrato

colet ivo dos sur real is tas no qual f iguram Dostolevski e Rafael. ]

18. Pa lavra fo rmada a par ti r do gr ego ldio! (proprlo, particular) e rhythmos (rltmo),

19. De 1974 a 1976, Barthes deu um seminario na Ecole Pra ti que des Haures Etudes con-

, sagrado ao "Discurso amoroso'' .

12

f P t 'r'" (~\l ~1!>..1 h iu .e, '\j"\.)-tX ,D- Cf'"'J~'"

I Como vivn' junto I \r.~"C (!.Cl.C\0. tJ yY\ I

JVVYl a · nn'vO Y ' " ' S ' " f ( " \ ~

de uma fantasia ( = F - 0Viver-Iunto). Aqui, nao e 0Vi-

ver-a-dois, 0 Discurso simili-conjugal sucedendo -

por milagre - ao Discurso amoroso". [E] uma fan-

tasia de vida, de regime, de genero de vida, dlaita, 7dieta. Nem dual, nem plural (coletivo). Algo como

uma solidao interrompida de modo regrado: 0 para- nd~o, a contradi<?o, a apoda de uma parrilha das •

dis~ancias - a utopia de urnsocialismo das distan~i~ ..-

(Nietzsche fala , para as epocas fortes, nao gregarias, ,

como 0 Renascirnento, de urn "p_dthos das distan-

cia{:~t_(Tygp. isto ainda aproximativo.) --' -,·- c_ __

Ora, essa fantasia, por ocasiao de uma leitura

gratuira (Lacarriere, rEte gret !2) , encontrou a palavra

que a fez trabalhar. Sobre 0monte Atos": conventoscE!,1obftico,!.,1rlQ!1~S aq,Jllf.ID12..£ST.l29~

religados no interior de certa estrutura (os elementos'

dessa estrutura sera , u tempo) -=-"!lI~~,

·cos. C

Le Crlpus.

culedes

;doles.

p.l07

20 . Uma dezena de fi chas p repa ra to rla s s ao consag radas a "Esca r apaixonado" ( pr inci pa l-

mente a propcslro de A mo nt an ba m d gi ca ).

21. n.. 0 abismo entre homem e homem, entre uma classe e ourra, a multiplicidade de ti-

pos, a von tade de s er si rnesr no , de s e d is tingui r, 0 que chamo de pdthos ri m distdnciase propr io de todas as epocas for tes" (0 c r epasc u lo dos l dol os) .

22. Jacques Lacarriere, L'Eti gre c. Une Grlee quotidienne de 4 000 am. Par is , PIon, 1976.

23. Monranha da Grecla onde, desde 0 f inal do seculo VII , insra lararn-se eremi tas e , nos

seculos seguinres, dezenas de conventos, (N. da T.)

24. ''A Montanha Santa suscirou urn genero de vida particular, chamado de idiarritmia:

Esses most ei ro s do monte Aros per tencem, com efe ir o, a do i s t ipos di fe rente s. Os que

se cham~ de cenoblt icos , ou comunitar ios, onde rudo, refei s:6es, I iturgias e t rabalhos

seeferua em comun idade . E os que se chamam de idiorrltmicos, onde cada urn vive li-

13

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7.:r~,;t..V\VI...{-'-C)

I Roland Bartha I

1) E preciso deixar bern claro que, para que haja

fantasia, e preciso haver cenario, portanro Iugar, Atos

(o;;:a-enunca esfive) proporclOna urn -misto de ima-

gens: Mediterraneo, terrace, montanha (na fantasia,

obliteramos: neste caso, a sujeira, a fe). No fundo, e

.uma p~em ~me hi, a beira de urn terrace, 0

mar ao longe, 0 reboco branco, dispondo de dois

quartos para mim e outros tantos para alguns ami-

gos, nao longe + uma ocasiao de sinaxe". Fantasia

rnuito pura, que faz abstracao das dificuldades que

se erguerao como espectros (isto: urn pouco 0 assun-

to do curse). "Idiorritmia", "idiorritmico": foi a pa-

lavra que transmutou a fantasia em campo de saber.

Por essa palavra, eu acedia a coisas que podem ser

aprendidas. 0 que nao quer dizer que eu as aprendi,

pois minhas pesquisas bibliograficas foram quase

sernpre decepcionantes. Por exemplo: as formas mo-

nasticas de idiorritmia, as beguinarias, os solitaries

de Port-Royal", as pequenas comunidades nao me

trouxeram nada (a isso voltarei) - e voltarei sobre 0

predornfnio dos modelos religiosos.

t era lmente em seu pr opr io r ir rno, Os monges rem ce la s parti cul ar es , t omam suas re fe i-

.,oes a t (com excecso de algumas fesras anuais) e podem conservar os bens que pos-sutam no rnornenro de s eu s v or os . [ .. . ] Mesmo as lirurgias, nessas estranhas comunida-

des , sao facul ta tivas, com excecao do oficio norurno" a . Lacarriere, op . cit, p. 40) .

25_ F icha 169 : "Sinaxe assernble la geral para a oracao. " No espa. ,o fanrasiado por Bar thes ,

a bi blio reca, como lugar de r eunif io , p re enche rd a mesma funtr ao que a si naxe nos con-

vemos atoniras,

26. "Soli taries de Por t-Royal" foi 0 nome dado aos homens que s e i ns ra la rar n nas p roximi -

dades do mosteiro eponimo, onde sc praricava 0 jansenisrno, forma ausrera do crisda-

n is rno pers eguida e condenada pela I gre ja no s ecu lo XVII . (N. da T. )

14

I C o mo v io er j un to I

2) Excursus: remeter ao artigo irnportante de

Benveniste sobre a nocao de "ritrno", em Problemes

de l inguistique g e n e r a t e , 1, cap. XXVII. Rhythm6s: li-

ga-se a rhein" (0 que e morfologicamente justo, mas

por urn atalho sernantico inadrnissfvel, que Ben-

veniste desmistifica): "movimento regular das on-

das"! Ora, a hist6ria da palavra e bern diferenre, Ori-

gem: antiga filosofia jonica28, Leucipo, Democrito,

criadores do atomismo: palavra tecnica da doutrina.

Ate 0 perfodo atico, rhythm6s nao significa nunca

"ritrno", nao e aplicado ao movimento regular das

ondas. 0 sentido e: forma dist intiva, figur~ propor-

cionada, disposicao: muito proximo e diferente de

schema. Schema - forma fixa, realizada, colQcada.....

como urn objeto (esrarua, orador, figura coreografi-

" ; ; J . S ch 2m a ~ fo-;ma, no instante em que ela e assu-

mida por aquilo que e movedico, m6vd, fluido, for-

ma daquilo que nao tern consistencia organica,

R hy th m6 s :; ::modelo de urn elernento fluido (letra,

peplo", humor), forma improvisada, rnodificavel".

Na doutrina, maneira part icular, para os atomos, de

27. Rhetn (grego): escorrer, Huir,

28. Desde Arisreteles, charnarn-se j6nicos os f.. t6sofos pre-socrdticos esrabelecidos nas gran-

des cidades da Asia Menor (seculo VI).

29. De plplos (grego): tunica. Vesti rnenra feminina sem mangas presa nos ombros.

30. 0 rhythmos remere a rodo objero implicando urn movimento: drapeado da roupa, tra-

<f3do da Ietra (ver E. Benveniste, Problema d£ linguistique gbth-ak, t, I, 1966, p. 330),

insrabilldade do humor,

1 5

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I Ro l an d B a r tb e : I I Como o i ue r j u n to I

fluir; configuracao sem fixidez nem necessidade na-

tural: urn "fluencia' (sentido musical, isto e , moder-

no: Platao, Pilebo"),

Essa lembranca etimol6gica nos importa:

1) Idiorritrno, quase urn pleonasmo, pois 0 rhyth-

m6 s e , por definicao, individual: interstfcios, fugiti-

vidade" do c6digo, do modo como 0 sujeito se inse-

re no c6digo social (ou natural).

2) Remete as forrnas sutis do genero de vida: os

humores, as configuracoes nao estaveis, as passagens

depressivas ou exalradas, em suma, 0 exato contra-

rio de uma cadencia cortante, implacavel de regula-

ridade. E porque 0 ri trno tomou urn sentido repres-

sivo (veja-se 0 ritmo de vida de urn cenobita ou deurn falansteriano, que deve agir de maneira regula-

da de perto pelo rel6gio) que foi preciso acrescentar

idiof3:

ldios * " ritmo,idios = rhythm6f 4

Em seu lugar original (0 monte Atos), a idiorrit-

rnia aponta justamente para a propor~o da comu-

nidade fantasiada - e nisso reside sua vanta~em ...sua

for~ motriz (para mim). Propor¢'"' ; = = uma ontologia r / Jdo objeto. Arquitetura. Ampliacao: Cezanne I De

Stael",

De faro, a fantasia = = urn projetor nltido, podero-

so, seguro, que recorta a cena iluminada onde 0dese-

jo se instala e deixa na sombra os dois lados da cena:

1) 0 casal. Talvez casais idiorritmicos? 0 pro-"----

blema nfio e esse. 0 lugar do-;:c:as~aJ~n~aon"':!le:"'l'v"'ar,.,ti'+.

-antasia lie recisamente, nao uer ver 0 imut vel

quarto de dormir, a clausura e a legalidade, a legit i-

~d;de ~ des~T;' 0 apartamento ~o nao~p9~d~._!~~~idiorrftmico.Podedamos decidir ~~o falar

do casal (~~;~5.0e casais tornados em coni~;;-~o's:'-«"">- - - -m exteriores), como a Sociedade de Lingtifstica de-

cidiu, em sua fundacao, nos pr6prios estatutos, que

ela nao receberia nenhuma comunic~ao sobre a ori-

gem da linguagem. Acrescentemos: 0Sistema-Familia

--hl?queia toda experiencia de anacorese, de idiorri t-

mia. Nas "comunas" rnodernas, famflias se reconsti-

-"",_--~-31. Ver E. Benveniste, ibid, p . 334. A r espe it o da r nus ic a, Socra ce s evoca a s r e la cces que

"se rnanitesram nos movimentos do corpo, movimentos que se medem par mimeros e

que se deve , di zem a inda as An ti gos , char nar de rirmos e met ro s" (Fikbo, 17 b).

32. Barthes usa a palavrafogit iv i t l , nao dicionarizada, em vez defogacittl(fugacidade). (N.

da T.)

33. ldios (grego): pr6prio, particular. .

34. [No oral, Barthes explicira seu esquema: "[dios s eopce a r it rno, mas e 0rnesmo que rhyth-

. m iJ s, de cer ta rnaneira. " ]

35. [Ora l: Bar thes s e r efe re a def inis :ao de arqui rerura como arte da proporcao, Ele prosse-

gue assirn: "Se arnpIiarnos 0 der al he de u rn quad ro, de u rna p in tu ra , p roduzimos ouc ra

pinrura . [ .. . ] J a disseram (eeu 0 r epeti var ia s veze s) que roda a obr a de Ni co las de S ta el

saiu de cinco centlmerros quadrados de Cezanne." ] Para essareferenda, ver "Requichor

et son corps" e Le p l ai s ir d u t ex te , Paris, Seuil, 1973 [trad, bras. 0 praur do texto, Sao

Paulo, Perspectiva, 2002.].

16 17

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j Ro la n d Ba r/ h e] j TIl.

.I

I Como u i ue r j u n to 1

tuem e a comuna descarrila , pelo encontro da sexua-

lidade e da lei".

2) Na outra extrernidade da cena, igualmente na

sombra: os macroagrupamentos; as grandes cornunas,

os falansterios, os conventos, 0cenobitismo. Por que?Quero dizer: por que a fantasia nao encontra essas

grandes formas? Evidente: porque elas sao estrutura-

d a s segundo uma arquitetura de poder (aisso voltarei)

e porque elas sao declaradamente hostis a idiorritmia

(e mesmo por isso, contra isso que, historicamente,

constituem-nas - constituiram-nas), Veja-se a inuma-

nidade profunda do Falansterio de Fourier: 0pr6prio

oposto da idiorritmia, com seu t iming de quinze em

quinze minutos: casernas, internatos.

Digamos ainda: b1,!!camosuma zona e~

formas excessivas:.----::

--~- u~rma ~i,ya: a solLdao.J) ere-

mmsmo,

- um~.£orma excessiva integrativa:..£..f~

(leigo ou nao~ -' "

- uma forma mediana, ut6pica, edenica, idil ica:

a.idiorrittlli!.:.J'i~~ es~a fu~; em~ito ex-

(Sao Bento e os sarabaitas", monges que vivem doTs

ou tres juntos, satisfacio dos desejos). Por outro

lado, a psicanalise nao se interessou muito p;1o§ "pe-.

quenos g?Upos". E ou 0 sujei to em sua ganga fami-

liar, ou entao a ~ultidao (sornente 0 livro de W. Ru-

precht Bion, Reche rches sur l espe ti ts groupd 9; em par-

ticular: grupos em ambiente hospitalar, livro pouco

claro), Em_surna, nem mosteiro, nem familia, esca-

pand~!s: ?~:.e:1~~res~lvas. • ~

i'ara termmar esta pnmelra apresentacao da

idiorritmia, you apresentar urn trace que me parece

caracterizar 0 problema de modo t6pico. De minha

janela (I? de dezembro de 1976), vejo uma mae

segurando 0 fi lho pequeno pela mao e empurrando

o carrinho vazio a sua frente. Ela ia irnperturbavel-

mente em seu passo, 0garoto era puxado, sacudido,

obrigado a correr 0 tempo todo, como urn animal

ou uma vitima sadiana chicoteada. Ela vai em seu

ritmo, sem saber que 0 ritmo do garoto e outro. E

no entanto, e a sua mae! -70 poder - a suci1eza do

poder - passa pela disrritmia, a hetemrrtttilhr"~:_'".._ - . - . _ - - - . _ • ._------_-.... . . . . . . ._,.,._, . . . . . . . . . ~

6. Em A rroolufi io sexual; Wilhelm Reich descreve 0 f unc ionamen to da s co rnuna s de j o-

yens na URSS (ver cap. XII, 2 d , ''A contradicao insohivel entre a familia e a com una" .

Ve r rnais adiant e re fer sncia ao as sun to, na au la do dia 9 de feverei ro de 1977. [Trad,

. b ras ., Rio de J aneir o, Zahar, 1981.J

7. Coenobium(latirn): convento.

38. Sao Bento combateu os sarabaf tas, monges que viviam sem regras, acusados de liberti-

nagern.

39. Trad, bras. E xp e ri h u; i as c omg ru p o s, Sao Paulo, Imago, 2~ ed. , 2003.

40 . [ Pr eci sao de Ba rt he s no o ra l: ~Epondo junto s dois ri tmos d if er enees que s ec riam pro -

fundos disrurblos. "l

1819

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I Roland Bartha I

MONASTICISMO

Porcas pelas quais a fantasia acede a ou desem-

boca na cultura: nao agem de modo direto, sofrem

tens6es imprevisfveis, Exemplo: fantasia de vida livre

em companhia de algumas pessoas -7 idiorritmia

Aros, -7Reencontrar, nessa forma, ternas, traces, es-

truturas que perrnirarn esclarecer problemas contem-

poraneos. Nao problemas gerais, culturais, sociolo-

gicos (por exemplo: as comunidades ou comunas),

mas os problemas idioletais: 0 que vejo a minha vol-

ta, em meus amigos, 0 que se postula em mim. Por-

tanto, poderiam pensar: direcao de uma psicologia

passional, relacao com os outros, com 0outro.

{I De fato, aqui, desvio imprevisfvel: 0 cristaliza-

j . - < 5 dor, Atos, acarreta leituras. Tateio romances (pois hi

1 1 . . . . , ~e.s_do c::asaJl...~UCOS do pequeno_

5t1grupo) + leitura mais sistematica: a vida (no sentido

~:"J .-~ .... --......._ "._., -

- . . . . £ ) ' 1 ' - ' de diaita) monastica, Ora, essas lei turas se revelam

fascinantes, sem que se possa saber que fantasias elas

tocam (elas tocam certamente uma fantasia, nao urn

significado). -7 Investimento ja desequilibrante no

material monastico,E depois uma nova, tensao: 0 cenobitisrno, visi-

velrnente, repugna a fantasia. A exploracao de leitu-

ra se desvia do cenobitisrno ocidental, de modelo be-

nedit ino (seculo VI) e se inreressa pelas formas pre-

cenobiticas: eremiticas ou semi-anacoreticas (idior-

20

~

rf

t.

[[,

,

)

)

\

\

'\\

/

ritmia), isto e , 0 monasticismo oriental (Egito, Cons-

tantinopla). Voltamos assirn, alias, ao monte Atos.

Quero, a esse respeito e uma vez por todas, im-:-,

prirnir bern algumas datas (ver a seguir).,· ....~ .t::

Percebe-se que ll!do se configurou no s~culo N . , : - l _ . ~ · . _Essa data acarreta pelo menos um efelfo de MT lc td o- .

. . . . . .

impressionante. 0cen..2pitismo&,co~o h9ihaas:!0~

:. ana~~s~§J;.remitismo, semi-anacoretismo e idior-

ritmia foram considerados como marginalidades pe-

rigosas, resistentes a integracao numa estrutura de ~o-

der), e estritamente contemporaneo (com Pacomlo)

. .da reviravolta que fez 0cristianismo passar de reli-_

I f_giao-perseguida (dos martires) ao estatuto de religiao, _ _ ...__ _

11de Estado, isto e , do Nao-Poder (do Despoder) ao

~.~Poder. 380, data do edito de Teod6sio, e talvez ai i f i

~ data mais importante (e ocultada: quem a conhece?)

da hist6ria de nosso mundo: colusao da religiao e do

yoder?.sr~~nalidades, separa<;:ao.-

do Oriente e do Ocidente -7' 7 > c i d e ~ C i r O C e n t n s m o "

~G~fu-ao-·cei1ol)i t i~---·~···

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I Ro la n d B a rt h es I

I Aula do dia 19 de janeiro de 1977 Iiocleciano 275-305 Fim Antao no Eremitismo

sec. III Deserto" .

31 4 Comeco Pac6mio

s e c . N inaugura

cenobirismo?

o Cristianismo 380 Fim Samo Regra de

religiao s e c . N-V Agosdnho: Santode Esrado conversao Agostinho

Edito

Teod6sio Esrilitas

Separacao 395

Oriente

Ocidente

(rnorte

Teoddsio)

53 4 Sec. VI Sao Bento Cenobitismo

no monte ccidenral

Cassino

Sec. X '3 Fundacaode laura"

no monte Atos APRESENTAGAo

(coritinuacao)

iI. Picha 173: "Draguer XVIII . M on ga d o d es er t» . Alguns: vivem sos , como eremi tas: s is te-

ma aroniano, Outros, casa mais f requenre: agrupadas em calBnias de anacoreras: van-

t agens de ur n mfnima de vi da em camunidade . S ist ema pacomiano (cenob lt ico) ."

~2.Picha 145: "Pacemio: Ladeuze 273. habira monasrico:

- tunica de linha sern mangas

-cimo

- pel e de cabra cu rt ida

- sobre 0 pesco~o manto rnuito curto e capuz

- manto de viagem

- pe s descalcos, excero sandalias para 0 exterior.Cadamonge:

- dois capuzes , duas ninicas + uma usada pa ra traba lhar e dormir

- vesc imen ta s nao a ruai s: gua rdadas num vestiario cornurn

- rnanu tencao por cada ur n: l avagem e secagern num hor ari o comum

- origem? padres eglpicios?

- cabelos cor rades (culto de Serapis par Pacomioi)"

~3. [Precisao o ra l de Bar thes : "I st o nao pmence de fa ro ao quadr o."]

14 , Laura (latim): rnosteiro medieval.

I.1I

.As referencias ao monasticismo (sob sua forma

semi-anacoretica e egipcia, bizantina) serao, portan-

to, numerosas. Espero que isso nao os canse demais

- porque voces nao estao obrigados, evidenternente,

a partilhar comigo essa fantasia secundaria de cultu-

ra. A esse respeito, devo pre cisar 0seguinte: uma teo-

ria (nesse sentido nova) da leitura e possfvel (leitura

conrrafilologica). Ler abstraindo-se do significado:

ler os Mfsticos sem Deus, ou Deus como signifi-

22 23

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I Ro l an d B a r th a I

camel (enquanto Deus = significado absolute, ja que

em boa teologia de nao pode ser 0 significante de

nada mais a nao ser dele mesmo: "Eu sou aquele que

e"). E preciso imaginar 0 que ocorreria se generali-

zassemos 0 rnetodo de lei tura por isencao do signifi-

cado. Por exemplo, (entre ourros): comecarfarnos a

ler Sartre sem 0 significado "engajamento'", 0 que

acomeceria entao seria uma leitura soberana ~ sobe-

ranamente livre: todo superego de leitura viria abai-

xo - pois a lei vern sempre do significa~ rnedi--a em que ele e dado e recebido como Ultimo. Os

ereR6s-ae--uma'lSe~i;-d~-fe, onde quer que ela s~

enconrre (incluindo hoje a fe pollt ica, que substi tui

a fe religiosa para toda a casta intelectual), sao porenquanto incalculaveis, quase insuportaveis, Pois 0

que se pretende suspender, tornar obsoleto e insigni-

ficante, sao os geradores de culpa. Trata-se, pois, de

trabalhar por uma ausencia de recalque: menos

recalcante falar dos monges sem a fe do que nao fa -

lar deles.

1. Desenvolvendo seu pensamemo na aula, Barthes distingue asobras que sepode ler isen-

rando 0 significado e obras para as quais essaisencao e impossfvel: a obra de Bossuet,

por exemplo, pode ser lida muito bern sem 0 significado Deus...

2. bodo 3, 14.

3. No oral, Barthes projera c:onsagrarseu pr6ximo serninario a Sarrre. Na verdade, nao

haverd serninario em 1978. Em 1979,0 semlnario rratara do "Labirimo" e em 1980, de

- "Proust e a fotografia".

24

Como v i va - jun to I

OBRAS

Ao lado do rnonasticismo, alguns materiais de

nossa reflexao serao colhidos num corp.m 1 iteriri-o..r-Os romances sao ~W1wa 6es, isto e, e;,eer~-

~ fi " -----, .~dri;d I . l'tac;:oes CtiCla5 so . ~ ,.dlJ}ua _a...mau.: as-

_.. , .-

sico e a maqu~:rrromance implica uma estrutu-

~a. urn argumemo (uma maquete) atraves do qual

se soltam assuntos, situacoes, Nao existe, em minha

memoria, nenhuma maquete romanesca da idiorrit-

mia (se voces conhecerem alguma, devem dizer-rne),

Mas ha, ~j~a:.:~!1;.ru.:~;~41I!!..IDateri~

~ conc=en~~uaw..(ou aojli~r"".6):

~~-~~jmHl~! fa$ como num ~dr;'~~~fuso

em que aparece, de repente, u~:illte-muit-e--mt:i-

d~ "" nos impressio~~ (e a pr6pria.dispo-

sicao, a topologia de A obra-prima desconhecida').

Tomei, portanto, algu!!B..~...9_Pra§_das

alguns materiais pertine;;s para~o. Mi-

nFia esco:tna-e lotahrrenteSiihj;tiva, ou melhor~ab-

mente continge~Qependia de minhas leituras.ide

mitrlraSle:m:oranc;:as. Esse anarquismo das fontes se

just ifica pela eviccao do rnetodo em proveito da pai-

de/a. Alem disso, essas obras nao serao tomadas "em

4 . L e c h ef -d 'o e uv re i nc o nn u , novela de Balzacescrita em 1831. 0 velho Frenhofer tenta, hi

anos, pinrar 0retraro de Catherine Lescaulr, uma cortesa apelidada de Bel le Noiseuse . E1e

s6 consegue produzir urn arnontoado de cores no qual se distingue, porem, urn pe

espanrosamentc verossfrnil. [Trad. bras.•Sao Paulo, Clube do Livre, 1951.]

25

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I Ro la n d Ba rt h e: I

si" (if. Werther). Havera enjambements, rransborda-

mentes de uma obra a ourra.

Forcando urn pouco as coisas, para toms-las me-

moraveis, cada uma das obras escolhidas corresponde,

g ro ss o modo , a urn lugar-problema do Viver-junro (a

maquete nurn romance: lugar muito importante. Bal-

zac coloca sempre a maquete). Mas isso nao quer dizer

que as obras serao tratadas tematicamente, em fiincao

desse tema topognifico: a obra explodira em "traces"

(volto logo a isso),

Ohra Lugar (Maquete) Observacoes

o Quarto (solirdrio,

sem conforro)

c e! k z\ k e Ui on7 (exis re atc!

mesmo uma fo ro) .

Gide: La sequestr! t : tU

Poitiers (Gallirnard, 18~

ed., 1930).

His to ri a de u rn fait di -

vers, 1901. Gide se con-

tent ou co rn ur na mon-

tagem dos documenros(narrativa rnuito forte).

Descohr em Mel an ie,

que tinha entio cinqtien-

ta e u rn anos, nu rn e sra -

do de sujeira indescritl-

vel - e ,no entanto, cui-

dadosamente descrita-,

nurn quaetO de wna ca-

sa burguesa r ica de Poi -

tiers. Hi cerca de vinre

e cinco anos, mantida

presa ern sua carna, nurn

quarto de persianas cer -

radas, par sua mae, a S e-

nhora Bastian de Char-

treux, serenra e cinco

5. Nos Fragmentos de urn d i s c u r s o amoroso, Barthes uciliza 0 Werther de Goethe como urn

reper torio de f iguras do discurso apaixonado.

6. Cella (Iatirn): celula,

'7. Kellion (grego): quaero de provisoes, celeiro,

26

I C om o v iv " ju nto I

anos, viuva de urn dire-

tor c ia FacuId:ade deLe-

tras, 0 i rmao, Pierre

Bastian, antigo subpre-

feito de Puger- Theniers

e as criadas sabern do

fato. E 0 namor ado de

urna criada nova que

a v is a a p o lf ci a, T r an sf e -

~ncia de Melanie para

o Hospit al , p ri sao c ia

mae, inter rogarorio do

irmao, A mae rnorre na

prisao, 0 irmao e ino-

centado. Pois, na verda-

de , inoerteza: rno s e sabe

s e n a o e ra Melanie, «lou-

d.' segundo os criterios

normals , que desejava

essa dausura. 4qNao

julguem", dl z a co lecao .

Melanie =a a na co re ta a b -

soluta, mas sern a fe (aloucura no l ug a e d e s ra ? ).

Defoe: R obi ns o n C r us o e. AToca Romance de 1719, in s-

pi rado numa h ist 6r ia

ve rdadei ra , a do ma ri -

nheiro Alexander Sel-

kirk, que foi deixado

pa r s eu capitao, como

punlc ao par uma fa lt a,

na i lha de Juan Fernan-

dez, e trazido de volta

em 1709. Robinson,

nascido em 1632, pacte

da Ingla terra em 1651-

Romance historicamen-

te multo engajado. Ro -

binson: capital is ta , co-

lono, negreiro'. Despo-

8. [No or al, Ba rthes p rec is a que 0 romance de Defoe sol ic it a urn t rabalho 11 . manei ra de Lu-

kacs ou Goldmann. ]

27

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I &land Banhes I

jado de tudo (especie

de bancarrota-naufra-

gio, s6 the resta urna

fuca), el eda a vol ta por

cima, coloniza e povoa

sua ilha, torna-se seu

govemador, etc.

Primeira parte (a que

nos interessa , antes das

viagens iI. Europa) : Ro-

binson sozinho (no fun.

com Sexta-fei ra). Ora ,

isso interessa 0 Viver-

Junto. mo apenas como

te rmo opos ic ivo ( a so -

I idao), mas rambem

/ er com ors:as alheias,

urn jogo de resistencias

e cumplicidades. Por

exernplo: assustado pelo

r isco de raio, e le divide

e d is per sa sua p6lvora

em v:U-ios lugares: if.dispersao prudente de

c a rg a s a f er iv a s (Selkirk

dancando com s eu s c a-

bri tos"). De manei ra ge-

ral, com relacao aos ob-

9. Em C ru ze ir o e m v ol ta d o m un do (1712), 0capi rao Woodes Rogers coma como rr ouxe 11

Inglaterra 0 marinheiro Alexander Selcraig (ou Selki rk), que r inha s ido abandonado h:i

quat ro anos e quat ro meses na il ha Juan Fer nandez . Encontr a- se u rn extr at o de ss e re la -

ro na edio;:aoPleiade (D. Defoe. V ie e t a v m tu re s d ~ R ob in so n C ru ro l, in Romans, t . I , c rad.

fr o Pet rus Borel . pref. l. cio de Francis Ledoux, Par is , Gal limard, col . Bibliotheque de la

Pleiade, 1959, Inr roducao, Anexo I). Bar thes faz alusao ao seguinre pacigrafo: "Ele cap-

tu rou t ambern a lguns cabr it os e, 11gu is a de d iverr imenro, cantava e dancava de t empos

em tempos com des e com seus gatos" (ibid., p. XXI).

28

I Como vjll~ junto I

[eros ou animais : inte-

ligencia. cilculo, pru-

d enc ia , p r e v is ao , enter-

necimenro, depois crud-

dade (e le maca e come

o cabri to que queria do-

mesticar , 63).

Enfim'", curiosa rauto-

logia; esta C ! X ; l p e i a da 50-

lidao e designada. rniti-

carnente, como 0 ro-

mance fcito exemplar-

men te pa ra vivificac a

sol idao: " 0 l ivre que se

leva para uma ilha de-

ser ta"! Mal raux": com

D o m Q u br ot e e 0Idio-

ttl. P h il ar e re C h as le s ,

na s margens do Ohio",

p.XIY.

Paladio (Palladius): His- 0 Deserto

t o i re lausiAque (A . Lu-cot, 1912").

Em grego: dedicado a

Lausus, camar ei ro deTeod6sio II.~AnOOo-

t a s s o br e osmonges do

Egi to , da Pales tina e da

Sfria.Pal;idio, 363-425.

bispo de Helen6polis,

na Bitfnia (no noroeste

da Asia Menor). Via-

gens ao Egito - a Ale-

xandria e no deserto

10.

1 1 .

o padgrafo e s t : ! . riscado no manuscrito.

Ver 0 pref. l. cio de Francois Ledoux: "E em nossos dias, Andre Mal raux fara u rn de s eus

per sonagens d iz er que, pa ra quem v iu as p ris tie s e o s campos de. concemra~o . ~o rnen-

re t r e s l ivros conservam sua verdade: R ob in so n C ru ro t, D o m QUIXOte e O'Idiota: Tiara-

se de uma alusso a Le s n o ym tk l 'Altmburg, in A. Malraux, Oeuv r e: .omp/)us, c. II, Pa-

ris. Gallimard, col. Bibliorheque de l a P l e ia d e , 1996, p . 6 77 .

Preci sao forneclda por Francois Ledoux em seu pref. l. cio da edi lJ lio citada de Robinson

Crusoe: segundo P h il a re t e C h a sl e s, u rn colono de Oh io encon rrava u rn gr ande recon-

f er ro na Ie ir ura do romance de De foe.

Exiscern duas r raducces rnais recentes, pelos Carmeli tas de Mazil le (1981) e por Nico-

las Molinier (1999).

12.

1 3 .

·29

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7/12/2019 Barthes, Roland - Como Viver Junto

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I Ro la n d Ba r tb e s I

de Nl tr ia (388- 399 ).

GJ; aI lde cha rr ne, por

vezes Inocenternenre en-

gr:l9ldo. Rico em "tra-

"os" (= significances).

Trata-se, ~clare, de urn

sanarorlo-hotel. Isso re-mete a urn espa"o de

Viver-Junto multo bern

ddinido: s an a -h o re l ( n a-

vio de cruzeiro, ealvee

Clube Mediterraneel)

= Viver-Junto hotelei-

co. Estrurura muito im-

pressionante: quartos se-

parades + lugar de con-

vlvio: relacdes inrensas

e pa s sag e i ra s , etc.

Temporada de Thomas

Mann em Davos, em

1911 (tratamento de

sua mu lher ), Es crit o:

1912-1913. Publicado

em 1924. Hist6ria:

1907-1914. Contrapar-

tida de M oree em Ve-

neza: s educao da mor-

te e da doenca,

E u d iss e n a aula inaugu-

r al 's a rela~ao que tinha

com ess e l iv ro : a ) p ro -

jeriva (pois: "t! exara-

mente Isro"}, b) num

segundo grau, de est ra-

nhamento'·.1907/19421

hoje, ja que de torna

meu corpo mais pr6xi -

mo de 1907 do que de

hoje, Sou a resternu-

nha hisrorica de uma

Thomas Mann: La

montagne magique

(trad. Faard, 1931'·).

o Hotel

14. Barthes utl liza a edi<;a_ode 1961.

15. VerAula.

16. Com relacao aos dias arual s,

30

1 Como ! li v er j u n to I

fic.t ;ao. Livro para mim

multo pungenre, depri-

mente , quase inrolera-

vel: investimenro mui-

to senslvel da relac;:ao

humana + rnorte, Ca-

cegoria do dilacerante

~ Nao estive bern nos

dias em que 0 li- ourel i (eu 0havia lido an -

t es de f iear doente, e ti-

nha dele uma [evelern-

branca),

Zola: Pot-Bouilk (Pas- O Predio 1882: Octave Mourer:

quelle, 2 t.). (burgues) 6l ho doMoure ! de Plas-

sans, irrnao de Serge (La

flute d e I'abbe Mou-

ret), he r6 i fu tur o de Le

bonbeur de : dames.

= 0 la do neg ro do

Viver-Junto burgues .

Naturalmente, podera haver traces tornados de

outras obras, e estas aqui talvez fornec;am poucos tra-

c;os = os imprevistos c ia pesquisa. 0 sistematico ('(as

leituras siseemancas") desmorona, e rraldo - 0 nao-

sistematico brora, prolifera. Entretanto, urn cerro di-

reto deve ser colocado, precisamente para que haja

urn indireto, urn imprevis£vel. Este e 0 procedimen-

to da paidela, nao do rnetodo,

"

REDEGREGA

Portanto, duas grades de materiais: 0 monasti-

cismo (oriental) + algumas obras. Devo considerar

31

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7/12/2019 Barthes, Roland - Como Viver Junto

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I R o la n d B a rt he s I

uma terceira grade de materials, na verdade saida da

primeira, mas em outro nfvel, terminologico, "gloti-

co" (;t factual): uma rede de palavras gregas que ser-

viram para apomar (para cristalizar) os problemas

do Viver-Junro no monasticismo oriental.

Palavras numerosas (urnas trinta), Nos as encon-

rraremos pouco a pOUCOI7•Para dar urn exemplo do

que entendo por rede grega, eis urn farrapo: 0Viver-

Junto e arriculado por tres esratutos fundameritais

(arriculado = acedendo ao paradigma, ao senrido):

- M6n osis I 8: vida solitaria (e celibataria: mona-

kh6s l9) sistema aroniano.

- Anak h6r es iS o : vida longe do mundo = = embriao

de idiorritmia,

- Ko inob ios is " : vida em comum de modelo con-

ventual ;:;sistema pacomiano.

Esses tres estatutos sao atravessados (cada urn)

por duas energias, duas forcas, duas ordenacoes:

- A s ke si f2 2: 0 adestramento do espas;o

do tempo

dos objetos

17. [Oral : Bar rh es a ss in al a qu e 0 curso Coma "a apa renc ia de uma fulsa e rudicao' "]

18. Monosis ( g re g o ) : s o li da o .

19. Monakhos (grego): sol itar io , que v ive 56.

20. AnakhOresi s (grego): retire.

21. Koinobiosis:v ida em cornum: neo logismo criado por Barthes a partir das palavras gre.

gas koinos, comum, e bios, vida.

22. Askeris (grego): exerclcio, prdtica,

32

I Como viverjunto I

- P ath os" : 0afeto pintado pelo imaginario".

Por que dar importancia a uma rede grega? Por

que nao ser frances, como todo mundo? Por que com-

plicar, sofisticar, se revestir de uma roupagem pseu-

do-erudita? (Reprimenda eterna": ainda hoje, 6 dejaneiro, acerca de urn. artigo na revista Photo": por

que nao falar a Hngua de "todo mundo"?)

CjAula inaugural": e born que tenhamos varias

llnguas, veiculadas no e por nosso proprio idioma:

1) Prirneiro, questao de faro: urn idioma nao e

monoll tico, hornogeneo, puro. Urn idioma = = uma

colcha de retalhos, uma raps6dia (nada mais aberran-

t~do -que a diatribe contra 0f r a n g L a i ? - 8 : 0 ser de 1ir11

idioma - para melhor ou para pior - nao esra em seu

vpca:buriri~ mas e~u~ .

2) Em seguida: virias Hnguas, porque hi vario., .§.

desejos. 0 desejo bu~ palavras, Ele as torna onde as.:.----""

encomra; e, depois, as pr6prias palavras geram dese-

jo; e ainda depois, as palavras impedem 0 desejo.

2 3. P ath os ( g re g o ) : a f er o ,

24. [Bar thes pr ecisa, no oral, que ele us a a palavra "imaginari o" "de modo ger al num sen-

rido lacaniano."]2 5. B ar th es faz alusao a polernica d a "nouve ll e c ri ti que ", do s an os 60, quando Raymond

Picard the faz ia a mesma reprimenda, (N. da T.)

26. Photo n? 112, janeiro de 1977: "Avedon, ses nouveaux portraits, commentes por

Roland Barrhes, du College de France." Na aula, Barthes faz a lusao a um a carta ironi-

ca e agressiva de urn leiro r,

27. Ver Aula.

28. Frangiais: introducao de palav ras ing le sas na l lngua correnre francesa. (N. da T.) 0 livro

Par le z -uous f r ang l ai s? d e E ti emble, foi pu bl ic ad o em 1964 .

33

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I Rn la n d Ba rt he s I

Nao tenho, em frances, uma palavra feliz para desig-

nar urn complexo de vida absolutamente solitaria ou

de vida morfoconventual, A plurilfngua (no inte-

rior de urn idiorna) e urn luxo, m. ..s, como sempre,.;::..

esse luxo e_3F necessidade '. tanto,

deve ser-~gido e defendido, como todo roubo de----inguagem.

Evidentemente, alem disso, ou por detras des-

ses prindpios, exi~2_!~fo.icas-{de tecnica do

sentido): '

1)0 deslocamento das conotacoes: "vida solita-

ria" nao conota nenhuma estrutura de regras, nao e

urn "ser" sernanrico ( : ; t : monosis: conota a regra do

monakhos) .

2) A palavra grega aponta urn conceito que fun-

ciona, ao mesmo tempo, como origem, imagem e

estranhamento.

3) A palavra grega globaliza e enfatiza, Ela mar-

ca urn resumo, urn compendio, uma elipse - e por

isso assegura uma operacao fecunda de desdobra-

mento (= invencao etimologica). De maneira geral,

dossie a abrir: 0das palavras-conceito de uma Hngua

inseridas num outro idioma. As palavras alemas vin-das de Freud, na psicanalise, geram uma especie de

soffstica barroca, argucias de traducao (" Trieb'?"),

29. [No oral, Barthes explicita a alusao: "Do ponto de vista terminol6gico, 0rermo pu/silo

foi inrroduzido nas rraducoes de Freud como equivalenre do alernao Trieb e para evi-:- . . . .~

- ~ - · : ~ ; ; J t ~ H - .' , _ ,< _ - .I i : , , · / ' i - '/ , . , '. , - , / ·, . , k \(h,,~,.j~~y~:) r4 ~ll\:O:~

I Como viuer junto I

isto e, urn trabalho efetuado no pr6prio significante

- sempre preferfvel ao trabalho sobre 0 significado.

4) Enfim: a filologia (ou a pseudofilologia) e

lenta. Recorrer a s palavras gregas = nao ter pressa e,

a s vezes, para desenvolver 0 significante como urn

odor, essa lentidao e necessaria. No mundo atual,toda tecnica de diminuir a velocidade tern algo de

progressista.

TRA<;OS

Ai esta 0 material. Vejamos agora a apresenta-

C;ao.Ponto de partida (ede voltas incessantes, de con-

trole): a fantasia (idiorrftmica). O~Fm~Rte!W}mas roteiro esrilhacado, sempre rnuito breve = vislwn-. P ' . . & x¢

bre narrativo do desejo. 0,sue se entreve, muito re-"' ", =1 » iOR3iDTz' t waW

cortado, muito ilurninado, mas imediatamente esvae-

cido: corpo que vejo num carro que faz uma curva,

na sombra. A fantasia = projetor incerto que varre,

de modo entrecortado, fragmentos de mundo, de

ciencia, de historia - de experiencias". 0 dis-cursivo,

tat asirnplica¢es de terrnos de uso mais antigo, como instinto e tendCncia.nVerJ. La-

planche e J.-B. Pom:alis, Vocabuldrio da p Ii ca n dl is ~ , o p . cit., p. 394. Barthes lembra que

Lacan traduzia a palavra Tri~b por "deriva"]

30 - [Oral: Barthes fala de dedicar urn curse a "avaliacao dessas projecoes fantasmdricas que

podedamos chamar por urn nome que vern de Joyce: epifanias"] Em seu rerceiro cur-

so no CoUegede France, «A preparar;:aodo romance 1:da vida a obra" (1979), Banhesconsagra urn longo desenvolviniento a nor;:aode epifania em Joyce.

35

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J Ro l4 nd Ba rt he s I

entao, nao e da ordem do demonstrat ive, persuasivo

(nao se trata de demonstrar uma tese, de persuadir

de uma crenca, de uma posicao) - mas de ordem

"dramatica", a maneira nietzschiana: quem , mais do

que 0 qu e 31•

Nietzsche> ainda - atraves de Klossowski", 69:

"Suprimir 0 m u nd o v e rd ad ei ro era tambem suprimir

)}" 0 mundo da s a pa rtn cia s - e com esses, suprimir uma

~' vez rnais as nocoes de consciencia e de inconscitncia=

)l 0 fora e 0 dentro. Somos apenas uma sucessao de es-

.~!""'l ~dos~GPUl:lnuQs cQm rdas;ao ao c 6 di go d o s s in a isL \ . " . - - -- - . . . . . - -

-4. ~co!ii!!EJJU,...e-aespeito da qual a fi'£ #z da linguagem _

i F t nos engana: enquanto. de:endemos desse codigo,

~ ~ R concebemos nossa contlllUldade, embora apenas vi-- . J . . f f o vamos descontfnuos; mas esses es tados des con t fn - ;; ; ;

.::.,.J' s6 concernem ao nosso modo de usar ou de nao usar

G O a fixidez da linguagem: s~ Mas

\._.u~de ue modo pO.d.eremos 'amais saber 0 que somos

~\ ~quando nos ~ru.;:I,Illp,s.?"

"B~la-;sagem, muito importante. Ele diz (pelo

menos infiro): ~~ q!.:~:.:e::b;,;,:r:::!:_:...;a:...::;flX1=·:::e:z:..:d:;:;:a~li~n&gu.llag.:;-~_

31. "Aperguma: a que e? E u rn modo de co locar u rn senti do v isr o de ou tre POn to de v ist a.

A essencia, a ser e uma realidade perspecriva e sup6e urna pluralidade. No fundo, esempre a m~ma pergunta: a que e para mim?" (A v o nr a de d e p o t2m :i a: , citado por G.

Deleuze , N Ie tz sc he e t 1 4p hi lo so ph ie , o p. c is ; p. 87 ). B a rr h e s ja fe z r ef erenda a essa inter-

roga~o nierzschiana, em 0p ra ze r d o texto.

32. Comeco de u rn t re cho r is cado no manusc ri to .

33. P . Klossowski, N i et zs c he e t l e c e rc le v i ci e ux ; Paris, Mercure de France, 1969,.1975.

36

I.

• I

~t:.·v.nu.·, ~

I C om o v iv er j un to I cO y..:·~A VlAJ.-.Ld¢..t , s a :Q..i~

gem e.aproximarmo-nos de nosso descondnuo fun-·

damental ("56 vlvemos 0de~;~m;!.!!~o").0ragmc;n-

"cirio do discurso (saldo do impulso fantasmatico) e

certamente linguagem, e urn falso descontlnuo - ou

urn descontinuo impure, atenuado. Mas pelo menos

de e a menor concessao feita a fixidez da linguagem".o curso deve portanto aceitar curnprir-se por

sucessao de unidades desconrlnnas: trac;gs, eu nao

quis (nao renunciei a?) ~grupar esses tra90s em te-

~a nisso, parece-me, cada vez mais (embora 0

uso social, universirario, 0 requeira incessantemen-

te), uma especie de manipulacao hip6crita das fi.-

chas, para que cada caso se torne urn "ponte a deba-

ter", uma quaestio", E como se tivessemos urn jogo

de cartas. Notar: 0 jogo (game) e normativo, de ten-

ta combater, consertar a desordem do dado, ele con-

sidera 0 acaso como uma desordem, Idem para as fi-

chas: tentamos (como em todo jogo - game-de car-

tas) reconstituir famllias (ainda e sernpre): de copas,

de espadas, etc., quadras, cartas do mesmo naipe e

seqiiencias. Mas n6s, aqui, batemos as cartas e as po-

mos como elas vern. Para mim, agora, quando traba-

lho, todo grupo ternatico de traces (de fichas) susci-

ta infalivelmente a pergunta de Bouvard e Pecuchet:

34. F im do t re cho ris cado no manuscrit o,

35. Quaestio (latim): assumo, questao,

37

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I Roland Barthe: I

por que isto? por que aquilo? por que aqui? por que

ali? = reflexo de desconfianca para com a ideologia

associativa (que e uma ideologia do desenvolvirnen-

to). Divisa do jogador de cartas: "Ey cor'" eu ajo

contra a fixidez da linguage~

Entretanto, escrever de modo desconrfnuo (porfragmenros), de acordo, e possivel, e comum. Mas

falar por fragmemos? 0 corpo (cultural) resisre a

isso, ele tern necessidade de rransicoes, de encadea-

memos. Orat io = f lumen: estamos treinados para isso

(pelo menos, estavamos) para 0 discurso latino, a

contid", Esre problema: ja encontrado a proposito

das figuras do Discurso amoroso, Resolvido, entao,

ao encadear artificialmente (deixando 0descontfnuo

a descoberto) segundo uma ordem que nao e tran-

sicional: 0 alfabeto", unico recurso (senao, puro

acaso, mas eu disse: perigos do acaso puro que pro-

duz, a s vezes, sequencias 16gicas). Usarei. esse recur-

. d " " M . t . rso am a esre ano, para meus tracos. as c POSSl-

vel que 0 descontinuo seja ainda mais flagrante (e

ofensivo), porque os. traces levamados sao muito

mais tenues e curros do que as figuras do Discurso

amoroso.

36. Oratio (Iatim): discurso; jlumm (Iatim): rio; contio (latirnh arenga, discurso publico.

37 . Ver Fragmentos tk um d iJ c ur s o amor o so , "Como e feiro esre livro", "2, Ordem", Barthesdefendc a ordem alfabc!rica,que evita impor uma dire~o e, portanto, urn senddo ge.cal ao Iivro.

38

I Como viverjunto I

Esse mhodQ d.e tl=alf9S concerne, evidenrernen-

te, a uma certa politica (¢ Aula inaugural): a que

pretende desconstruir a metalinguagem".

Esses traces, frequenremente tenues, desconti-

nuos. Eu o~presentarei , uma vez mais, em ordem al- _

fabetica, £ - a . ! ! . : . . assumir daram~nte 0 f~!2.~ eu nao os

~os por e~quanto, a J ! , . . m . g id~~e ~D.;. _

i':Tto.~econhec;o que ISS0 podera produzir uma im-

pressao cansativa de borbolereamento, de dispersao

- ainda mais que alguns traces s6 aparecerao, em sua

brusquidao, debilmente Iigados ao ~iver-Junto: ; , ; . t . - . .rando em... e.

Creio haver suficiememente, nao justificado,

mas assumido lUna apresentac;ao q!l.~££~stir~r

ais~1".~.m.,..g~fi~ l~nto ("Viver----......"-::MI A 1~ •

Junto"), muitas vezes de muito alto «sem saber am-

da se poderei, alguma vez, pousar sobre ele. Pois isto

e uma pesquisa em vias de se fazer. Creio, de fato,

que para haver uma relacao de ensino que funciona,

e preciso que a~ele que fala saiba s6 ~.e.?uc~[e;.~,; ...

do que aquele que escuta (a s vezes, mesrno, sobre cer-. .. .. . . .. .. .. ___ JICPf .: t' 9IAh. q:c¢ ' 2AAU",., 44 ~

tos poncos; menos: sao val-e-vens). Pesquisa, e nao

Aula.

38. "0 paradigms que proponho aqui nao segue a sepm~o d a s func;:5es;ele nao visa a

colocar de urn lado os cientistas, os pesquisadores, e do outre os escritores, os ensajs-

tas: ele sugere, ao contcirio, que a escritura seencontra em toda parte onde aspalavras

te rn sabor (saber e saber t~m, em latim, a mesma etimologia)" (Aula).

39

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I Ro la n d Ba rt he s I

AKEDIA

(Acldia)

Draguer,

p. XXXVI

S.£!.!timento. esrado do monge qlle se de5inves- _

te da ascese, que nao consegue mais investir nela ( * "

~. Nfio e uma perda de crenca, e umaperda de investimento, Estado de depressao: melan-

eolia, lassidao, rristeza, tedio, desanimo, A vida (es-

piritual) parece mon6tona, sem objetivo, penosa,

imitil: ideal ascetico obscurecido, sem forca de atra-

~ao. Cassiano (Instituifoes, X 39 ): " <...> 0 que os gre-

gos chamavam de Akedia" e que nos podemos cha-

mar de tedio ou angusria do coracao ( ta ed iu m siu e

anx ie tas co rd i s) ." Fenomeno que aparece freqiienre-

mente nas historias de eremitismo oriental (Cassia-

no: ita liano, 360-335. Viveu no Egito. Dois mostei-

ros em Marselha.)

Akedia: prostracao < kedeUrfl: cuidar, tomar con-

ta, interessar-se por. De onde os contraries akederf2:

nao ligar para (e exatamente a perda de investimen-

to); akedestol'3: abandonado; akedes: negligente, ne-

39. Cirado par Dragnet, L es p er es d u d es er t; P ar is , Plan, 1949. Trara-se do livro Intitutions

cenobitiques: a edicao mais f:kil de encontrar e a de Jean-Claude Guy (Paris, Ed. Du

Cerf 1965).

4 0. A ke dia (grego): ncgligenda, indiferenca;

41. KedeUo (grego): cuidar,

4 2. A ke d!o (grego): nao cuidar, negligenciar.

43. AkMestos (grego): abandonado sem sepultura,

40

· : 1 ' : :n I C om o v iv " , j un to I

gligenciado. Deve-se observar atenramente a permu-

tacao do ativo e do passivo. Abandonar (0 objeto in-

vestido) = ser abandonado (ativo = passivo; rastro da

logica do afeto: "batem numa crianca?", Na akedia,

sou objeto e sujeito do abandono: dai a sensacao de

bloqueio, de armadilha, de impasse.

£ . urn estado (de degradacao por bloqueio) mais

proximo da aphdnisis (nocao "jones?": estado de nao-

desejo, medo do nao-desejo) que da castracao (do

rnedo da castracao). ::;:Cornplexo de palavras: apha-

nisis, taedium"; fadint7 (apagamento do desejo e,

portanto, do sujeito), "pon~ mortO" rfi' .rns Cas~orp,a::L]$I;;:: ........

depois de @o~..de sag..a~~ou ~to ~~~

to: ele nao investe mais na doenca, na propria rnor-

Montagne

magique,

p . 6 7 8

: ; = 8 ) , "beira d~idd~t'(m ~ i ' i ~ " ' a i f ~ r e " ntedd"f fsi i t1~"_ '

~O;;, i f Fragrnentos de u m d isc urso a mo ro so ). Isso

pode vir de urn desejo violento, que se extenua a for-

44. [P rec is ao de Ba rthes, no o ra l: "E p recis o obse rvar aqui a permuracao do a tivo e do pa s-

s ivo; pais abandonar a ob je ro inves ti do, par exemp lo , a a scese , equi val e a s er abando -

nado. E p rec is o re rnete r a toda a anal is e f reud iana da f an ta sia Batem numa crianra."J

Ve r On bat u n e nf a nt : contribution a ['ttude de fa genese de spe r ve rs i ons s e xue ll e s; trad . fr o

H. Hoesli, Paris, Analecres, Theraplix, 1969.

45. Aphdnisis (grego): aro de fazer desaparecer. A E an is e : "Terrno int roduzido por E. Jones :

desapar ecimen to do dese jo s exual. Segundo es re au tor , a a fan is e s erla , nos dois sexes ,

objeto de urn remer mais fundamental do que a ternor da castracao" (1. Lapl anche e

J.-B. Pontalis, VocabuMrio c ia psicandlise, op. cit., p. 8).

4 6. T ae di um ( l ae im ) : d e sgo s eo , t e di o .

4 7. F ad in g (ingles), de to fade: desborar, apagar-se. Barthes j : ! . s e apropriou dess a nocao la -

caniana nos F ra gm en to s d e u m d is cu rs o a mo ro so .

48. 0 Dourer Behrens ajuda "Hans Castorp a ultrapassar 0POntO motto ao qua l e le che-

gam desde h:l : algum tempo".

41

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Robinson

Crusol,

p.XXN

I Ro la n d B a r tb e s I Como v i ve r j u nt o I

ca de ficar insatisfei to, mas, em vez de desaparecer

na "sabedoria", deixa uma especie de lama: e 0 deses-

pero melanc6lico. Processo bern descrito por Robin-

son, ou melhor, pelo marinheiro Selkirk: "Mas saris-

feitos esses apetires -cnecessidades», 0desejo de socie-

dade 0 torturava da mesma forma e parecia-Ihe ter

estado menos necessitado quando tudo lhe faltava;

pois 0que era necessario ao sustento do corpo podia

ser adquirido facilmente, enquanto 0 ardente desejo

de rever urn rosto humane, que se manifestava nos

intervalos dos apetites corporais devoradores, era

quase insuporravel, Ele ficou melancolico, languido,

trisre e continha, com dificuldade, 0 impulso de co-

meter uma violencia contra si mesmo < ...>."

Dou essas referencias de Hans Castorp e de Ro-

binson para sugerir que a addia nao esta exclusiva-

mente ligada ao estado rnonastico. Nao somos rnon-

ges e, no enranto, a acfdia nos interessa. Precisamen-

te porque ela e tipicamente ligada a uma "ascese",

isto e , ao exerdcio (sentido etimo16gico) de urn ge-

nero de vida", 0 que esta em jogo na acldia nao e a

crenca, a ideia, a opcao de fe (a addia nao e uma "du-

vida"), mas 0 desinvescimemo num modo de vida. Ad-=>

0, insistente, em ue

de vida, de nossa

mundano"). Posso

'1r;~~~HF.~rmffifBa~e~v~e';ir desenrolar-se diante de

mim 0 programa de minha semana, na ausencia de

":::::::';===J+",,=~~~~--o¥o~!..e desse programa

e_s.Hn1nnaa;v7f_~;f,"(o~",porezes <I.firadavel.

--;( experiencia amorosa da addia ;f:. desespero do

arnor (nao ser amado, ser abandonado, romper, etc.),

nao e acfdia. A addia e, topicarnente, uma perda de

investimento. A addia e 0 luto do pr6prio investi-

rnento, nao daC C l t s a

lOvesdd:a. Oe tato, desinves-~vO&zbir-Kl Ret ~_..

. . Q I "tirnento do objeto amado: pode ser uma Iibertacao

(enfim livre, desalienado!), mas tambem pode ser

uma dor: a tristeza de nao ser amado. Addia: luto,

nao da imagem, mas do imaginario. E 0 mais dolo-

roso: conserva-se a dor inteira, mas nao se tern mais 0

.proveito secundario de dramatiza-la.

/R'ela?W~-aiaailia~~~~vi;'~;:~ru~rsto'-

, ~nte, n20 }i£a<!.a~e2.~tudo a~ :;.:;!sm~!!...

/fl1.itico: desinvestimento doloroso da ascese de sol'Idao - volta do ere~ita ao mundo. enob'itismo: pro:..v '

vavelmente concebido, em parte, como urn meio de

lutar contra a addia, integrando 0 monge numa es-

trutura cornunitaria forte. Acfdia (moderna): quan-

d

49. Ficha 220: "Askesis: seria melhor dizer Ithos, habico e rarnbem rnorada (v, f ic :ha) . Por -

que rima com pdthos. Porque a oposicao nierz.schiana entre tthos e pdtho! (a proposito

deWagner . Onde? Prog rams de Bayreuth e vers ao manusc ri ra Di scurso a rno ro so )," Er-

ro de Barthes: e outra palavra, tthos, que signifies "morada",

42

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I Ro la n d Ba r th e s I

do nao se pode mais investir nos outros, no Viver-

corn-alguns-outros, sem poder, entretanto, investir

na solidao ~ 0 dejeto de tudo, sem nem ao menos

urn lugar para esse dejeto: 0 de'eto sem lata de lixo.

0 l ; 1 ~ " ' ( e 8~-

I Aula do dia 26 de janeiro de 1977 I

N a salda da s a ul as, a lg um as p ess oa s ~ o bse ru a-

r o es , i nf o rma ro e s, c ompl em en to s a c er ca do q ue f oi d ito .

C on sid er o is so u ma p rd tie a p ro du tiv a, n a m ed id a

em que eta nao e processual, mas coopera t iua . 0 curso

( s obr e tudo com seus t r aco s ) = um t ab ul ei ro d e c as as , um a

topica. Comeio p or c ol oc ar a s c as as e preencbt-las mais

o u m en os . M a s e c la re q u e a s c as asp od em s er p re en ch i-

da s p or o utro s ~ T en ta re i re la ta r; e m c ad a a ula , a s o b-

seruacdes feitas, na m edida em q ue elas flrem com ple-

mentares; isto e , ne m laudatorias { re d un d an t es } , n em co r-

retivas. E specie de ~ ouuintes.

S o b re r om . .E ! : £! .£ r fi ~ !i it ·~ .=~ - -· - --

iI-;

2} U m rom ance de S im one J aeq uem ard _ _~ · · ., .. .. b n •< ,__ -_ ~ , . _

4445

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7/12/2019 Barthes, Roland - Como Viver Junto

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I Aula do dia 4 de maio de 1977 1

A UTOPIA

UropieEu tinha pensado dar treze aulas sobre 0Viver-

Junto e tinha projetado consagrar a decima terceira

a construcao, diante de voces, de uma utopia do Vi-

ver-junto idiorrftmico - ji que este curso teve ori-

gem nessa fantasia'. Eu teria entao:

a) selecionado os traces positivos do dossie exa-

minado: tudo aquilo que, no modo de vida dos su-

jeiros rnuiro diversos inclufdos no corpus, me rives-

1. Ficha 280 : "Pa ra 0 Viva-Junto uropico, 0melhor modelo e 0monge bud ista do Ceilao,

Rever Bareau, para os pormenores."

F icha 283 : "A 13~aula: e sc reve r uma utopia: meu como v iva jun tlJ. (AC : u rn a bo a biblio-

teca de referenciasl)." A s iniciais AC designam Antoine Compagnon .

255

Page 24: Barthes, Roland - Como Viver Junto

7/12/2019 Barthes, Roland - Como Viver Junto

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I Roland Bartbes I

se agradado, apetecido - e que eu teria, em segui-

da, coordenado, arranjado para produzir uma fic-

C;ao (quase romanesca) do Viver-junto: 0 Viver-

Junto de urn grupo ao mesmo tempo conringente

e ancnimo:

b) mas eu queria tambern convida-los a forne-

eer elementos, bocados, cacos de figuracao de uma

comunidade idiorrftmica - pois acredito cadaVelmais

que e preciso aceitar e favoreeer 0 trabalho projetivo

de uma obra, de urn discurso, de urn curso.

Souverain Essa decirna terceira aula nao acontecera - pelo

Bien menos na forma pur?, isto e, subjetiva, que eu havia

imaginado. Por que? Por razces contingentes, pri-

meiro: falta de tempo para recolher as contribuicoesde voces, falta de animo pessoal para construir ale-

gremente uma utopia feliz. Mas tambern, razao te6-

rica que me apareceu pouco a pouco: a utopia do Vi-

ver-junro-idiorrltmico nao e uma utopia social. Ora,

todas as utopias escri tas sao utopIas sociais, de Pla-

tao a Fourier: busca de uma maneira ideal de orga-

nizar 0 poder. Quante a rnim, lamemei sempre que

nfio houvesse uma utopia dornestica, e tive muitas

vezes vontade de a eserever: urn modo ideal (feliz) de

figurar, de predizer a boa relacao do sujeito com 0

afeto, com 0 sfmbolo. Ora, isso nao e propriamente

uma utopia. E apenas - e para alern, excessivamente

- a busca . Aq ui: 0 50-

256

Principais

objer ivos

Bion, p. 14

I Como viuer junto I

berano Bern quanto ao habitar. Ora, 0 Soberano Bern

- sua figuraC;ao - mobiliza toda a extensao e a pr0-

fundi dade do sujeiro, em sua individucao, isto e , em

sua hist6ria pessoal completa. Disso, somente uma

escritura poderia dar conta - ou entao urn ate roma-

nesco (senao urn romance). Sornente a escritura pode

recolher a extrema subjetividade, pois na escritura

ha urn acordo entre 0 indireto da expressao e a ver-

dade do sujeito - acordo imposslvel no plano da fala

(portanro, do curso), que e sempre, quer se queira Oli

nao, ao mesmo tempo direto e teatral. 0 livro sobre

o Discurso arnoroso e talvez mais pobre do que 0se-

minario, mas eu 0 considero mais verdadeiro. ~

Apresentarei portanto, aqui, apenas alguns prind-pios aparentemente objetivos do Bern idiorrltrnico -

pelo menos aquilo que me leva a erer a analise do

corpus estudado.

1) Lembrar urn exernplo das condicoes de fun-

cionamento satisfazendo a urn grupo. W Ruprecht

Bion ( R eche rc he s s ur l es p et it s g ro u pe s, PUF, 1965: a)

Urn objetivo comum (veneer, defender, etc.): b ) cons-

ciencia des limites do grupo; c) capacidade de inte-

grar au de perder (flexibilidade); d) ausencia de

subgrupos internos corn limites rigidos; e) cada urn:

livre e importante; f)pelo menos rres membros: re-

lacoes interpessoais (dois = relacao pessoal). Senti-

257

\ \ 9 :P ~. ~~f(;O'--

Page 25: Barthes, Roland - Como Viver Junto

7/12/2019 Barthes, Roland - Como Viver Junto

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Bareau

I Ro la n d Ba r tb e s I

Droir-

Gallien,

p.204

mento popular de urn limiar qualitative entre dois e

tres: "Dois e born, tres e dernais'".

2) Isso leva ao problema do rnimero. Numero

ideal de .um grupo idiorrftmico. Vimos algumas su-

gest6es de numero com respeito a s idiorritmias do

monte Atos, Eis aqui mais duas indicacoes, Mostei-

ros do Ceilao : uma dezena de monges residentes. Co-

munidades modernas, para-hippies = EUA: vinte ou

trinta, em media. Franca: em torno de quinze. (Acho

que esses numeros sao excessivos - embora muito res-

tri tos com relacao aos mosteiros cenobft icos. Acho

que 0 rnimero ideal deve ser inferior a dez - ou rnes-

mo a oito.)

3) Sabemos que em etologia, nos grupos de ani-mais mais apertados, menos individualizados (cardu-

mes, revoadas), as especies aparenternente mais gre-

garias regulam, entretanto, a distancia interindivi-

dual: e a distancia critica. Seria, sem duvida, 0 pro-

blema mais importante do Viver-Junto: encontrar e

regular a distancia crltica, para alem e para aquem da

qual se produz uma crise, Qamais, em nenhum em-

. pc.e.goda J2alavra, esguecer de lig;U !;Utica a crise: a

"

em nosso

2. 0 ditado em frances cicadapar Barrhes setraduziria par: "Do is e a intimidade, rres e amultidao." (N. da T.). .

258

om o ill" junto I

mundo atual (0 undo industrializado cia sociedade .

St Benolt,

cap. LV

dita de consumo qque custa car~, 0bern absoh;to,

~ lu~r. ~? S cas~04apartamentos, trens, avi6es, cur-

~emjnadOSj 0Q~Ci>aiJijii~f€ii§ii~£Bfu tPat •,no de si, isto e , "algumas pessoas", mas poucas: pro-

:--r- - ""?>blerna tTpico a;'iaiOrrit:nita. --7 Se imaginassemos

uma especie de regra telemica', calcada na regra mo-

nastica, ela seria hoje mais ou menos esta: regras de

Sao Bento: 0 abade da a cada monge alguns objetos

pessoais: uma cogula, uma tunica, sapatos, meias, cin-

to, uma faca, urn buril, uma agulha, urn lenco, tabu-

letas para escrever = dom de objetos segundo a ne-

cessidade vital; mfnimo necessario e significativo

(pois naquela epoca 0 que custa caro, e e portantoobjeto de dorn, sao os objetos fabricados). Pois bern,

hoje em dia, a regra telemica nao daria mais objetos

(facil demais, valor muito baixo para constituir urn

dom consagrador), ~ espac;o. --7 Dom de espac;o:

siUOiaonstituinte da regra (ut6pi.~).

4) A distancia como valor. Isso nao deve ser to-

rnado na perspectiva mesqumha -do simples interes-

se pessoal. Nietzsche faz da distancia urn valor forte

- urn valor raro: " < ... > 0abismo entre hornem e ho-

mem, entre uma classe e outra, a mult ipl icidade dos

tipos, a vontade de ser si-rnesmo, de se distinguir,

3. Adjetivo farmado a partir deThelerne, abadia ut6pica imaginada par Rabelais , (N. daT.)

259

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Massebieau,

p.287

I Ro la n d Ba rt h es I

aquilo que chamo de p dt ho s d as d is td nc ia s e pr6prio

de todas as epocas fortes" (0 c re pus cu lo do s Idolos).

~ A tensao ur6pica - que jaz no fantama idiorrit-

mico - vem disto: 0 que e desejado e uma distancia

que nao quebre 0 afeto ("pdthos d a s distancias: exce-

lente expressao), ~ Quadratura do cfrculo, pedra fi-losofal , grande visao clara da utopia (hjpar4); uma

distancia penetrada, irrigada de ternura: urn pdthof

em que entrariam Eros e Sophla6 (grande sonho cla-

ro), Talvez, em seu genero, com asdistincoes de epo-

ca e de ideologia, algo como aquilo que era visado

por Platao sob 0 nome de Sopbronistere' (cf Ascete-

rio e Falansterio) (sophron: moderado, sensate),

Alcancarlamos, aqui, aquele valor qu~ tento pou-

co a pouco definir sob 0 nome de "delicadeza" (pa-

lavra urn tanto provocadora no mundo atual), Deli-

cadeza seria: distancia e cuidado , ausencia de peso

na relacao, e, entretanto, calor intense dessa relacao,

o prindpio seria: lidar com 0 outro, os outros, nao

rnanipula-los, renunciar ativarnente as imagens (de

uns, de outros), evitar tudo 0 que pode alimentar 0

irnaginario da relacao '" Utopia propriamente dita,

porque forma do Soberano Bern.

4 . H jp ar (grego): visao que se tern estando acordado,

5. Picha 64: "Pathos: e afinal 0 Imagindrio (afetivo)."

6 . S o ph ia (grego): saber. sabedoria prdrica, e depois sabedoria,

7 . Do grego sophronisterion (reformarorlo). Ver Platao, Leis, 908a.

260

"

:.~

: , 1 " '.,'-

"

Niio-

rnerodo

Deleuze ,

pp. 123-6

I Como uiuer junto I

E OMETODO?

Este curso cornecou pela evocacao de uma opo-

sicao nietzschiana: a do merodo a paidela ("Cultu-

ra'"). Metodo: "urna boa vontade do pensador", uma

"decisao premeditada", meio reto, deliberadamente

escolhido para obter urn resulrado desejado. ~ M e -

todo: fetichizar 0 objetivo como lugar privilegiado,

em detrimento de outros lugares possfveis, "# Pai-

deia: tracado excentrico de possibilidades, titubear

entre blocos de saber. Evidenternente, nao nos colo-

camos aqui do lado do metodo, mas do lado da pai-

deia; ou para dizer de modo mais prudente (e provi-

sorio) do lado do nao-metodo. Isso significa que

mudamos de psiquismo, que optamos por uma psi-que em vez de outra, Metodo = = psiquismo falico de

d ~ (" d" "d . ~ " "taque e e protec,;:ao vonta e, ecisao , preme-

diracao", "ir rete i',etc.) ;I:. Nao-metodo: psiquismo

da viagem, da mutacao extrema (borboletear, sugar

o polen), Nao prosseguimos num caminho, expo-

mos aquilo que vamos encontrando pouco a pouco.

Estrutura "histerica"? Em todo caso, gerando 0 trac';

nenhuma dessas aulas sem tra c ~ "Eu exponho" =

"Eu me exponho" + a pergunta do histerico, a todoinstante: qual eo meu valor?

8. [Precisao de Barthes no oral: "masa palavra t!' ruim".]

9. Trac: angusria,medo de enfrentar urn publico. de tamar uma decisao. (N- da T.) [Preci-

sao de Barrhes no oral: "0 trac e urnfen6meno histerico."]

26 1

I Como viuer junto I

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I Roland Barthn I

Portanro, nenhum rnetodo - mas urn protoco-

1 0 de exposicao (da colheita), Protocolo, aqui, pare-

ce-rne, em CInCO pontos:

1 ) T RA C;O S, F IG UR AS , C AS AS

Cf Fragmentos de um discurso amoroso. Figuras

de discurso: nao no sentido retorico, mas antes no sen-

tido ginastico: schema. Nao "schema" (carater falico

do rnetodo), mas gesto de ac;ao (atleta , orador, esta-

tua). Cada "figura" = a atitude em rnovirnento de al -

guem que trabalha (sem levar em coma 0 resultado),

Duas consequencias:

ll..folocamos casas para serem preenchidas =

uma topica (grade de lugares). Que cadaum ;preen=-

Cha; jogo colenvo: p"iiiZfi. Eu sou 0 fa6ricante (oJ!:

te;ao)q~;:;dei~;-v~7e~"';i; o~ jo~?r~s. = _

Prin~[pioda~ni~stiV_e; a.,aposic;ao de uma~:-n""""'''-

figura nao e exaustiva. Irei mais longe (talvez para

me inocenrar). 0 curso ideal seria talvez aquele em

que 0professor - 0 locutor - fosse mais banal do que

seus ouvintes, no qual aquilo que ele diz Fosse me-

nos..dQ...qJ,!S_9-~e( suscita. Exernplo dpi~o e

recente: 0excremento e A seqiiestrada de Poitiers. Se-

ria possfvel set mais intel igente, ir mais longe. Mas

se 0 curso e uma sinfonia de propostas, a proposta

26 2

....~

;-,

'\ -~'

.~ ',

,";-,:_:

'.~,~f~:_.

sonho: uma· ..

espe~ci~eii~~~~~~;;f.,~~ada (if. "De-~~p.~..ao.-~~~~

licade za") . .

2) Ou uma vaga alegoria: 0Viver-junto. Toques

sucessivos: uma gota disso, urn bri lho daquilo. En-quanto a coisa esta se fazendo, nao se compreende

aonde ela vai: if. em pintura: 0 tachismo, 0 divisio-

nismo (Seurat), 0 pontilhismo. Justap6em-se as co-

res sobre a tela em vez de mistura-las na paleta. Eu

justaponho as figuras na sala de aula, em vez de mis-

tura-las em casa, a minha mesa. A diferenca e que,

aqui, nao hi u·m quadro final: na melhor das hipo-

teses, caberia a voces faze- lo".

2 ) CLASS IF ICA<;AO

Se renunciarmos a dar urn semido a uma serie

de figuras, se desejarmos m.a!lter esse nag-sentido, Q

procedimento aparentemente mais adequado seria_g

a ~rar as h-----;-ase urn chapeu. Mas 0acaso pode

produzir monstros (diz urn matematico) 11. 0 mons-

10. [Precisao de Barrhes no oral: "Nao renho uma flIosofia do Viver-junto."]

11. VerBenoit Mandelbroc, Les Ob jet s f rac t al s . Paris. Flammarion, 1975, cap. III, "Le role

du hasard",

26 3

I Ro la n d Ba r th e s I I Como u i ue r [ u n to I

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tro seria urn fragmenro de sequencia 16gica, taman-

do ares daquilo que querlamos evitar: uma disserta-

c;:aodesenvolvida em diversos pontos. Daf 0 recurso

a urn procedimenro criarivo que a pintura chinesa

conhecia bern: 0 acaso controlado, 0 leve controle do

acaso, no aro de classificar: 0 arranjo alfabetico. Com

efeito, a sequencia alfabetica nao significa nada, nao

esta submissa a nenhuma ficc;:ao16gica. Mas esse aca-

so e corrigido duas vezes: a) exisre urna decisao no

titulo: nao posso escolher qualquer titulo, mas pos-

so escolher entre tres ou quatro; por exemplo, entre

"5 .. " "Od ""E " dal b .jeira , or, xcremento, at os uracos exis-

tentes na sequencia alfabetica de minhas figuras", b )

a ordem alfabetica e aleatoria segundo a razao, mas

.nao segundo a Historia. ordem milenar, portanto:acaso combarido pela familiaridade.

3) DIGRESSAO

Esta nova retorica (do nao-metodo): direito ili-

mitado a digressao, Podedamos ate imaginar, ten-

denciosamenre, uma obra, urn curso, que seria fei to

apenas de digress6es, a partir de urn titulo flcrlcio: 0

"assunto" (a quaestio) seria destrufdo pela asnicia de

12. Ver nor a 1 da Aul a do dia 30 de marco,

26 4

uma fuga incessante. Cf as Variaroes Diabel li : 0 te-

rna e quase inexistente, uma vaga lembranca que

atravessa, por relampagos, as trinta e duas variacoes,

cada uma sendo, assirn, uma digressao absoluta com

relacao a ele",

4) ABRIR UM DOSSit

Muitas vezes eu disse (a cada figura, quase): "Es-

tamos apenas abrindo urn dossie", Abrir urn. dossier

ate enciclopedico por excelencia, Diderot abriu to-

dos os dossies de sua epoca. Mas, naquele tempo, era

urn ato efetivo, porque 0 saber podia ser dominado,

se nao por urn homem (como no tempo de Arist6-teles ou de Leibniz), pelo menos por uma equipe. *Hoje: exaustividade impossfvel do saber, inteira-

mente pulverizado, difratado em linguagens nao-co-

municantes. 0 ate enciclopedico nao e mais possi-

vel (if. fracasso das enciclopedias atuais) - mas 0ges-

to enciclopedico tern, para mim, urn valor d e ficcao,

de gozo: seu escandalo,

••~,••II II " .,••II II••,

13. Ba rthe s l eu 0l iv ro de Andre Boucourechliev, Beethoven, Paris . Seu il , 1963. Ver "Les va-

riations". p. 77.

26 5

I Rotana Bartnes rI Como u i oe r j u n to I

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5) 0 TEXTO-APOIO

Todo 0 trabalho foi fei to com apoio em alguns

textos, as texros-tutores: 0 que perrnite falar --) 0

intertexto, aqui declarado, constitutive de toda enun-

ciacao, Dentre esses textos, dois - a minha revelia-

insistiram: a) A seqiiestrada de Poitiers: 0 texto da

marginalidade absoluta, de urn Viver-So feito de urn

metal tao intense que arrepanhou os aspectos clan-

destinos e agudos do Viver-corn. b ) 0 texto dos mon-

ges; eu nao esperava isso. --) Com certeza urn apego

obscuro. Por que?

1) Funcionou sobretudo como contraste: com

relacao ao rnonasticismo demasiadamente conheci-

do do Ocidente e com relacao ao cenobitismo da ca-serna (anacoretas, idiorrfrrnicos): 0mesmo valor de

desarranjo e de projecao (para rnim) que 0Extreme-

Oriente.

2) au entao, mais profundamente: 0religioso-

a categoria do religioso -, nao em sua relacao com a

religiao, mas como exposicao privilegiada do simb6-

lico. Simbolico aqui projetado em tela grande, por

causa da luta entre a marginalidade e a instituicao

(eclesiastica, comunitaria).

3) E, depois, uma Utopia (sobretudo no cotidia-

no) se constroi com pedacos de real tornados de em-

prestimo aqui e ali, com desenvoltura ..Melting-pot

26 6

daquilo que hi de born em civilizacces, pen.samen-

tos e usos muito diversos. as monges do Oriente

contribuiram, aqui, com a sua cora.

Esses sao, acredito, os principais traces do pro-

tocolo de exposicao, que ocupa 0 lugar do metodo,

Eu disse no inlcio: nao-metodo, Como sempre, 0nao

e demasiadamente simples. Seria melhor dizer: pre-

metodo. E como se eu preparasse materiais destina-

dos a urn tratarnento met6dico. Como se, na verda-

de, eu nfio me inquietasse com 0 rnetodo que a des

se aplicaria, Tudo e posslvel: desses materials, a psi-

canalise, a semiologia, a critica ideol6gica poderiam

servir-se - 0 que dispensou, como pede ser notado,

a apresentacao desses materiais de ser ela mesma psi-

canalitica, semiologica, politica. Entretanto - e e aqui

que desejo terminar -, essa preparacao de metodo e

infinita, infinitamente expansiva. E ~ma preparacaocuja realizacao final e sempre adiada. 0 metodo 56 e

aceitavel a titulo de miragem: ele e da ordem do

Mais tarde. Todo trabalho e assim assumiclo como

sendo animado pelo Mais tarde. 0 Homem = entre

o Nunca mais eo Mais tarde. Nao existe presente: e

urn tempo impossfvel.

. . . . ,.. ",

',:

.' ;~.

L~•

. ;,

. ~.

Af esta ..

Agradecer - nao urna f6rmula oratoria - pois

consciente do desconforro deste curso, sobretudo no

inicio,

26 7

J.:';;' ::"'_

I Ro ta n a t sa r tn e s I

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7/12/2019 Barthes, Roland - Como Viver Junto

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Esse desconforto - espero - sera menor no ana

que vern - para aqueles que desejarem voltar.

a) Provave1mente sabado de rnanha (duas horas

agrupadas). .

b) Sala 8: uma aparencia de conforto.

c) Urn curso aberto ao publico. Ora, publico:

realidade prorrogavel, A vinda, a companhia de urnpublico coloca 0 locutor num estado de sursis enig-

matico: presen<;a graciosa, dada de grac;a(0 que, alias,

garante 0 gozo). Mare, lunacao: 0 publico pode se

retirar. Todo ano eu estou a espera disso.

Que assunto? Ainda nao sei. 0 que acabo de di-

zer do nao-metodo deixa entender que, no fundo, 0

"assunto" (quaestio) nao e pertinente. Qualquer que

seja 0 "assunto" escolhido (mesmo que em aparen-

cia, por exemplo, muiro literario), a pratica digressi-

va, 0direito a digressao. Direi tanto. e sempre a mes-

rna coisa. 0 indirero, que e de ordem etica, estara la,

Vai se tratar de uma Etica.

26 8

o QUEE"TENIR UN DISCOURS'?

P e sq uis a s ab re a f al a in v es tid a

1 ) " F az er u rn d is cu rs o"

2) 0 discurso-Cbarlus

Semindr io