130
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS Bartolomé de las Casas, A Pena contra a Espada. JUAN PABLO MARTÍN RODRIGUES Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Teoria da Literatura Recife, 2006

Bartolomé de las Casas, - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp071448.pdf · racional e irracional; os estudos literários e a história da arte entre alta e baixa culturas

  • Upload
    hadung

  • View
    223

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

DEPARTAMENTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

Bartolomé de las Casas,

A Pena contra a Espada.

JUAN PABLO MARTÍN RODRIGUES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Letras da Universidade Federal de Pernambuco,

como requisito parcial para obtenção do grau de

Mestre em Teoria da Literatura

Recife, 2006

AVISO
O autor é o titular dos direitos autorais da obra que você está acessando. Seu uso deve ser estritamente pessoal e/ou científico. Fica proibido qualquer outro tipo de utilização sem autorização prévia do titular dos direitos autorais.

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Universidade Federal de Pernambuco – Centro de Artes e Comunicação –

Programa de Pós-Graduação em Letras de UFPE

Bartolomé de las Casas:

A Pena contra a Espada

JUAN PABLO MARTÍN RODRIGUES

Banca Examinadora:

Doutor Alfredo Cordiviola, UFPE

_____________________

Doutor Anco Márcio Tenório, UFPE

_____________________

Doutora Ildney Cavalcanti, UFAL

_____________________

Dissertação de Mestrado em

Teoria Literária apresentada ao

Departamento de Letras da UFPE

sob a orientação do Professor

Doutor ALFREDO CORDIVIOLA

Recife, 2006.

Martín Rodrigues, Juan Pablo Bartolomé de las Casas: a pena contra a espada /

Juan Pablo Martín Rodrigues. – Recife : O Autor, 2006. 125 folhas : il., fig.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CAC. Departamento de Letras, 2006.

Inclui bibliografia

1. Literatura. 2. Literatura hispano-americana . 3. Estudos culturais 4. Las Casas, Bartolomé de. I. Título.

82 CDU (2.ed.) UFPE 800 CDD (22.ed.) CAC2006-4

A minha companheira Neide,

portadora, sem o saber, do pensamento indígena liminar.

A Miguel Espar, J. Ignacio Centurión e Alfredo Cordiviola,

habitantes da fronteira entre pai, amigo, mestre,

A Ermelinda Ferreira, Yaracilda Coimet e Lucila Nogueira,

perpétuas, amorosas e acadêmicas musas.

Ao CNPQ e ao Governo Brasileiro,

por acreditarem num morador da zona zero.

SUMÁRIO

SUMÁRIO 04

LISTA DE ILUSTRAÇÕES 06

RESUMO 08

RESUMEN 09

PRÓLOGO 10

UMA TENTATIVA: OS ESTUDOS CULTURAIS. A VOZ DOS SUBALTERNOS 13

POR QUÊ RELER O SÉCULO XVI? 18

LAS CASAS: UM DESCONHECIDO NO BRASIL? 23

ANTECESSOR DE LAS CASAS: FRANCISCO DE VITÓRIA 26

A) TÍTULOS ILEGÍTIMOS DE OCUPAÇÃO DOS REINOS INDÍGENAS. 29

B) TÍTULOS LEGÍTIMOS DE OCUPAÇÃO DOS REINOS INDÍGENAS 33

PENSAMENTO DE LAS CASAS 37

A) LAS CASAS VERSUS GOMARA: TESTEMUNHO CONTRA DITIRAMBO 39

B) LAS CASAS VERSUS FDEZ DE OVIEDO: OS INTERESSES CRIADOS 41

C) LAS CASAS VERSUS FRANCISCANOS: HOMO RATIONALIS VS INFANS 43

LAS CASAS VERSUS SEPÚLVEDA: CONTROVÉRSIA DE VALLADOLID 46

A) SEPÚLVEDA: O INTELECTUAL ORGÂNICO 50

B) LAS CASAS: DEFENSOR DOS ÍNDIOS 52

1) QUATRO CLASSES DE BARBÁRIE 52

2) A IDOLATRIA COMO CAUSA DE GUERRA 56

3) O DIREITO DE INTERVENÇÃO 58

4) ANTROPOFAGIA: SACRIFÍCIOS HUMANOS OU CANIBALISMO 60

IGREJA, ERASMISMO E HUMANISMO ITALIANO 64

LAS CASAS: POLEMISTA, VISIONÁRIO, LITERATO, HISTORIADOR? 73

A “REALIDADE” DO PASSADO HISTÓRICO 89

A) SOB O SIGNO DO MESMO: A “REEFETUAÇÃO” DO PASSADO NO PRESENTE 90

B) SOB O SIGNO DO OUTRO: UMA ONTOLOGIA NEGATIVA DO PASSADO? 95

C) SOB O SIGNO DO ANÁLOGO: UMA ABORDAGEM TROPOLÓGICA? 100

O ENTRECRUZAMENTO DA HISTÓRIA E DA FICÇÃO: A FICCIONALIZAÇÃO DA

HISTÓRIA 104

LAS CASAS E O LIVRE ARBÍTRIO 117

BIBLIOGRAFIA 120

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

De Bry, Theodor. Americae pars VIII [Frankfurt, Theodor De Bry], 1599, p. 17

_____. Pergrinus in indiam: Colombo chega à Ilha Guanahaní (Bahamas) 12 de outubro de

1492, (Théodore de Bry, Grands Vogages, 1594)Bartholomé de Las Casas, Narratio

regionum indicarum per Hispanos. Frankfurt: 1598, p. 18.

_____. America Pars IV por Benzoni (1592), p. 22.

_____. India Orientalis (1597) p. 28.

_____. Americae pars quinta, 1595, NYPL, p. 29.

_____. The first images of Native Americans (1590-1591), p. 32.

Father Bartolomé de las Casas. A fragment of the mural in Sna Jolobil, in San Cristóbal de

las Casas. Photograph by Sharon Lee House, July 1994. In:

www.historycooperative.org/journals/ahr/105.2/ah000417, p.35.

De Bry. Cannibals in the new world: 1593, p. 36.

Francisco López de Gómara, Historia delle nuove Indie Occidentali... Venice: Giovanni

Bonadio, 1564, p. 40.

De Bry, Theodor. Image of Spanish soldiers murdering Native Americans (From Great

Voyages, Part IV, 1594), p. 42.

_____. Hans Staden with the cannibals in Brazil. Volume III of Grand Voyages p 32, p. 43.

_____. Coleção De Bry lamina IV, edição fac-similar da Brevíssima, p. 22. Detalhe, p. 44.

_____. Ilustração da Brevíssima, p. 45.

_____. VIII Qva ratione indi mexicani mactatis hominibvs sacrificent, p. 63.

_____. English sportmen in the new world: 1618, p. 67.

_____. Mandando queimar os pés dum indígena, Penguin edition, 1992, ed. Nigel

Griffin,pp. 117-18, p. 73.

_____. Mina de Potosí. Trabalhadores indígenas numa mina de prata, p. 74.

_____. God, Glory, and Gold, from America, 13 vols. (Frankfurt, 1590-1634), Pt. 5, p. 75

_____. Narratio regionum indicarum per Hispanos... do original: Frankfurt: 1598, p. 79.

_____. German edition of Brevisima Relacion de la destruycion de las Indias ("A Brief

Relation of the destruction of the Indies") By Bartolome de las Casas, 1552. "Knights of

Spain, Warriors of the Sun: Hernando de Soto and the South's Ancient Chiefdoms", by

Charles Hudson. Spanish savagery: cutting off of hands and noses, dogs hunting natives,

and mass slaughter and murder, p. 81.

_____. Kupferstich von De Bry, in: Las Casas, Werkauswahl Bd. 2, 47, p. 82.

_____. Las Casas, Narratio regionum indicarum per Hispanos...( Frankfurt: Theodor de

Bry, 1598), p. 83.

_____. Collectiones peregrinationum. 1590-1634, p. 86.

_____. Spanish justice in terra florida, 1595, p. 88.

_____. Capa da edição latina de 1598 da Brevíssima, p. 93.

_____. Coleção De Bry lamina VII, edição fac-similar da Brevíssima, p 35. P. 94.

_____."Vierten los indios oro fundido en boca de los españoles para saciar su cudicia", p.103.

_____. Crudelitas Petri de Calyce erga Indos. Pars IV, p. 116.

_____. Además de ser empleados en las minas de oro y plata, los esclavos negros

empezaron a cultivar las plantaciones de caña de azúcar.Pars V, p. 3, p. 120.

RESUMO

Bartolomé de las Casas viveu no século XVI, época em que teve que lidar com

fenômenos de atritos culturais entre o ocidente imperial e os povos por aquele submetidos,

momento em que teve que se abrir para pensar o Outro. Para os sistemas imperiais, as

narrações históricas passam a ter um papel fundamental como gênero que inicia a

modernidade, funda a identidade dos “civilizadores” e deixa entrever os limites do

pensamento colonial. Os textos lascasianos se fundamentam, sobretudo, na filosofia de

Francisco de Vitória, indo além no reconhecimento da autonomia indígena, e dialogam –

polemizam – com as principais correntes ideológicas e autores que estudam a colonização.

O dominicano Las Casas se dirige ao poder (“o Príncipe”) e à crítica (adversários

intelectuais), mas também já visa o grande público utilizando para isso os recursos retóricos

adequados ao gênero de testemunho-denúncia, e a nova imprensa. Precursor do pensamento

liminar latino americano deve ser objeto dos novos estudos culturais.

RESUMEN

Bartolomé de las Casas vivió el siglo XVI, época que tuvo que enfrentarse a

fenómenos como los choques culturales entre el occidente imperial y los pueblos por aquél

sometidos, momento en el que se tuvo que abrir para pensar al Otro. Para los sistemas

imperiales, las narraciones históricas pasan a tener un papel fundamental como género que

inicia la modernidad, funda la identidad de los “civilizadores” y deja trasparecer los límites

del pensamiento colonial. Los textos lascasianos se fundamentan sobre todo en la filosofía

de Francisco de Vitoria, yendo más allá en el reconocimiento de la autonomía indígena, y

dialogan – polemizan – con las principales ideologías y autores que abordan la colonización

El dominico Las Casas se dirige al Poder (“el Príncipe”) y a la “Crítica” (adversarios

intelectuais), pero también ya se orienta al gran Público, empleando para ello los recursos

retóricos adecuados al género de testimonio-denuncia. Las Casas, precursor del

pensamiento liminar latino-americano debe ser objeto de los nuevos estudios culturales.

PRÓLOGO

La justicia no se descuidaba de buscarnos. Rondábamos la puerta, pero, con todo, de media noche abajo,

rondábamos disfrazados. Yo, que vi que duraba mucho este negocio, y más la fortuna en perseguirme, no de

escarmentado, que no soy tan cuerdo, sino de cansado, como obstinado pecador, determiné, consultándolo

primero con la Grajal, de pasarme a Indias con ella a ver si, mudando de mundo y tierra, mejoraría mi suerte.

Y fueme peor, como V.Md. verá en la segunda parte, pues nunca mejora su estado quien muda solamente de

lugar, y no de vida y costumbres.

Francisco de Quevedo. Vida del Buscón llamado Don Pablos, in fine.

Como filho de estrangeira na Espanha, espanhol estrangeiro no Brasil, brasileiro

retornado na península ibérica, licenciado em direito estudante de Letras que exerce como

professor (autônomo) de línguas numa capital do Nordeste e que entrara a fazer parte duma

família interiorana de Pernambuco, minha vida pessoal e acadêmica tende a ser marcada

não apenas pela televisiva e idílica miscigenação, mas pelas profundas contradições

culturais que nossa época (re)vive, já sem um possível retorno a uma pura idade de ouro,

num Brasil que entrou de vez na globalização, num Mundo que penetrou na Europa,

configurando um Melting Pot étnico onde interagem uma miríade de idéias, pessoas, bits ou

mercadorias em continua circulação, colaboração, agressão, pirataria, fertilização.

Minha vinda ao Brasil teve mais a ver com a procura que o meu imaginário

ordenara do que com o puro utilitário. Preferi lutar por um sonho a me submeter a um

futuro calculado, prefixado em confortáveis prazos de pagamento vital. Fuga e busca, como

aqueles imigrantes, retornados, aventureiros forçosos, que conheci na minha adolescência,

sempre a falar das belezas da África, as riquezas de Macau, a cordialidade brasileira...

Para los peregrinos de todas las épocas, la verdad está en otra parte; el verdadero lugar siempre está

distante en el tiempo y en el espacio. Cualquiera sea el sitio en que esté hoy el peregrino, no es donde

debería ni donde sueña estar. La distancia entre el verdadero mundo y este mundo del aquí y ahora

está constituida por la discordancia entre lo que debe alcanzarse y lo que se ha logrado. La gloria y

solemnidad del destino futuro degradan el presente y se burlan de él. 1

Descendente legítimo, natural ou adotivo de várias culturas, neto do fado e filho do

Mío Cid, desde criança preocupou-me o contato, intercâmbio, a distorcida (in)definição do

Outro. Para Mary Louise Pratt, a abordagem deste fenômeno não resulta simples:

O que permanece invariável é que sempre deve haver um Outro. As fronteiras multifacetadas com

esses outros têm sido policiadas e reproduzidas pelas modernas disciplinas acadêmicas

institucionalizadas no centro na segunda metade do século XIX. A antropologia produz e reforça a

categoria de primitivo; a economia as de atraso e subdesenvolvimento. A ciência política administra

as distinções entre estado e não-estado, sociedades simples e complexas; a filosofia distingue entre

racional e irracional; os estudos literários e a história da arte entre alta e baixa culturas. A história

administra o conceito de tempo progressivo e determina quem o ocupa e quem não.2

Tentar uma aproximação do que seja o Outro e eu, requer uma perspectiva

sensivelmente além da sociologia histórica, da velha filologia, ou da etnografia: uma(s)

disciplina(s) instalada(s) num entre-lugar que impregne todas elas com uma pitada de

poética ou de simples palavras que algo esclareçam esta era pós-colonial e excedam as

clássicas ordenadas e abscissas (que numa incrível abstração deixam as restantes variáveis

se manterem miraculosa e imotivadamente invariáveis, mudas, ocultas).

1 BAUMAN, Zygmunt. De peregrino a turista, o una breve historia de la identidad. In: Cuestiones de identidad cultural/ compilado por Stuart Hall y Paul du Gay. Buenos Aires: Amorrortu, 2003 (p. 43). 2 PRATT, Mary Louise. Pós-colonialidade: projeto incompleto ou irrelevante? In: Literatura e História: perspectivas e convergências. Bauru, SP: EDUSC, 1999 (p.45).

Sobre todo, y en contradicción directa con la forma como se las evoca constantemente, las

identidades se construyen a través de la diferencia, no al margen de ella. Esto implica la admisión

radicalmente perturbadora de que el significado “positivo” de cualquier término – y con ello su

‘identidad’ – sólo puede construirse a través de la relación con el Otro, la relación con lo que él no

es, con lo que justamente le falta, con lo que se ha denominado su afuera constitutivo.3

Um europeu que já duvida da própria essência do que seja ser europeu, chegando na

América Latina, pode se sentir tão desnorteado quanto Gruzinski quando tomara...

o metrô para ir de Paris ao aeroporto e pensava que talvez estando no Brasil fosse a Bahia, a

Salvador; no metrô, eu era o único branco e me dizia: “estou no metrô entre Paris e Roissy e

seguramente, aqui há mais negros que em Salvador” Essa é uma realidade totalmente nova, e as

ciências sociais européias não estão preparadas para enfrentar essa situação. Ou seja, todos os nossos

intelectuais, Lacan, Foucault, Bourdieu, são totalmente incapazes de pensar numa sociedade

pluriétnica e pluricultural. Daí o silêncio das ciências sociais da França e da Europa frente a esse

problema.4

Essa sociedade pluriétnica em que vivemos quiçá possa ser intuída ou adivinhada

naquela que surgira no século XVI dos impérios espanhol e português, ou ainda possamos

reformular algumas questões, ‘histórias mal contadas’, que nos ajudem na busca de uma via

que ao menos tente explicar o nosso hoje caótico orbe, um mundo em gestação: México

1525 é a origo mundi e não mais o umbiculus mundi; é a tradução urbanística de uma

formação social e cultural completamente singular: a sociedade fractal.5 Já temos um bom

motivo para nos adentrar nos cronistas dos primórdios da Idade Moderna.

3 HALL, Stuart. Introducción: ¿quién necesita identidad? In: In: Cuestiones de identidad cultural/ compilado por Stuart Hall y Paul du Gay. Buenos Aires: Amorrortu, 2003 (p. 18). 4 GRUZINSKI, Serge. Do Barroco ao Neobarroco, in: Literatura e História na América Latina, Lígia Chiappini e Flávio Wolf (org). São Paulo: EDUSP, 2001 (p. 94-95). 5 Idem, op. cit. (p.78).

UMA TENTATIVA: OS ESTUDOS CULTURAIS

A VOZ DOS SUBALTERNOS

El poder necesita de una cultura, casi sacramentaria, que le rinda servidumbres de legitimación.

Cualquier poder busca con afán sus figuras propias de “respetabilidad” en tanto que refuerzo social

y simbólico de su poderío. La cultura, además de otras cosas, permite cuestionar un poder instalado (incluso,

criticarlo), y define la configuración del abanico de posibilidades reales que funda realmente cualquier poder.

José A. Barata-Moura. La Cultura del Poder y el Poder de la Cultura6.

Como Gruzinski, qualquer estrangeiro ocidental (e quem não o é neste unipolar

American Empire?) que aprofundar um pouco na cultura, e, portanto, nas relações de poder,

do imaginário e das formas de apreensão do entorno e da identidade, na sempre difícil

negociação com o ente chamado “realidade”, chegará à conclusão de que não só terá

escassas possibilidades de entender os novos fenômenos imigratórios do Primeiro Mundo,

mas nenhuma de entender o chamado Terceiro Mundo7, pois se deparará com as próprias

limitações que os exíguos subsídios que as tradições ocidentais lhe fornecem, no caminho

para a compreensão ou mera sobrevivência dentro do mal chamado “Mundo em

Desenvolvimento”. Nesse sentido Bartolomeu de Las Casas e aqueles que o tem sabido ler

têm muito a nos dizer e acredito ser um bom ponto de partida, pois dão um melhor

embasamento para a linha de estudos de Mignolo, Saïd, Hall ou Bhabha.

6 BARATA-MOURA, José A. La Cultura del Poder y el Poder de la Cultura. In: Poder, Política y Cultura: Antropología en Castilla y León e Iberoamérica VII. Ángel B. Espina Barrio (org). Recife: Massangana, 2005, p.378. 7 Preferi utilizar o aparentemente ultrapassado conceito Terceiro Mundo ao de País em Desenvolvimento, conceito muito mais hipócrita pelo que oculta de dominação (exploração inclemente por meio de royalties, falta de isonomia nas taxas de importação, ajudas maciças para a indústria e agricultura dos países centrais, que nos países de Terceiro Mundo são qualificadas como práticas de Dumping, intromissão na política interna dos países periféricos, etc.). Coincido neste sentido com Walter Mignolo (2003).

Brasil, como parte deste mundo subalterno, deve investir na compreensão destes

fenômenos de forma prioritária, sob o perigo de ser por eles engolido, sem chances. Assim,

Mignolo tenta nos introduzir na importância destes estudos:

em um mundo onde os processos civilizadores movem-se em todas as direções possíveis, os Estudos

Subalternos poderiam contribuir para descolonizar a pesquisa, refletindo criticamente sobre sua

própria produção e reprodução de conhecimento e evitando a reinscrição das estratégias de

subalternização. 8

Na realidade o título deste capítulo deveria ser mais ou menos como o subtítulo que

já colocara Mignolo nas suas Histórias locais/ Projetos globais: como se beneficiar de

categorias ameríndias de pensamento e de experiências afro-caribenhas sem convertê-las

em exóticos objetos de estudo.9 Já apontado acima por Marie Louisse Pratt, a

transdisciplinariedade não se faz importante ou desejável, mas imprescindível para a

compreensão destes fenômenos. Edward Saïd nos presenteia uma aproximação:

We live of course in a world not only of commodities but also of representations – their production,

circulation, history, and interpretation – are the very element of culture. In much recent theory the

problem of representation is deemed to be central, yet rarely is it put in its full political context, a

context that is primarily imperial. Instead we have on the one hand an isolated cultural sphere,

believed to be freely and unconditionally available to weightless theoretical speculation and

investigation, and on the other, a debased political sphere, where the real struggle between interests

is supposed to occur. To the professional student of culture – the humanist, the critic, the scholar –

only one sphere is relevant, and, more to the point, it is accepted that the two spheres are separated,

where as the two are not only connected but ultimately the same.10

8 MIGNOLO, Walter. Historias locais/ projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Trad. Solange Ribeiro. Belo Horizonte: editora UFMG, 2003, p. 203. 9 Idem, Op. cit, p. 203. 10 SAÏD, Edward W. Culture and Imperialism. London: Vintage, 1993, p. 66-67.

A leitura de Saïd lembra-me da conversa fugaz que tive com um catedrático da

Complutense de Madri. Quando eu lhe disse do meu interesse pelos estudos culturais, levou

as mãos à cabeça e respondeu: a Universidade está em quebra, não existem mais autênticos

estudos sobre temas sérios, filológicos, por exemplo. Os estudos culturais só teriam sentido

se estudássemos as línguas indígenas e o que pensam. Paralelamente, quiçá num sentido

diametralmente oposto, Spivak questiona-se em Can the subaltern speak? Serão realmente

os subalternos do Terceiro Mundo ou as elites universitárias, mesmo aqueles pertencentes

às antigas colônias (como a própria Spivak) os que têm voz? Para ela, os autênticos

excluídos não a têm11. Aceitando esta crítica como sadio exercício intelectual, temos que

observar que certamente estamos diante de um argumento, que levado ao extremo, fecharia

o debate completamente: se apenas os subalternos pudessem opinar, dado que os que não

tem voz continuariam silenciados da mesma forma. Assim, segundo Mary Louise Pratt,

A campanha militar de terror nas regiões montanhosas da Guatemala matou 200 mil nativos, exilou

outros tantos para o México e varreu do mapa aproximadamente cem vilarejos. Comunidades inteiras

desaparecem na floresta, levando consigo suas histórias. Voltar para esses lugares procurando fatos

que esclareçam a verdade significa não compreender os próprios fatos que busca esclarecer. Durante

anos os habitantes dos vilarejos foram forçados pelo exército a equipar milícias civis com o objetivo

de descobrir simpatizantes dos movimentos guerrilheiros dentro das suas próprias populações. Se não

encontrassem nenhum a represália era certa; mas encontrar algum deles também poderia significar

represálias. Para os sobreviventes desse permanente trauma social e psíquico, perguntas como “o seu

vilarejo ou você apoiaram a guerrilha?” nem de longe lembram enquêtes do tipo “Como os

casamentos são arranjados no seu vilarejo?”12

11SPIVAK in: "Can the Subaltern Speak?" Benjamin Graves '98, Brown University, in:

http://www.postcolonialweb.org/poldiscourse/spivak/spivak2.html. Acedado em 17/ out/ 2005. 12 PRATT, Mary Louisse. Pós-colonialidade: projeto incompleto ou irrelevante? In: Literatura e História: perspectivas e convergências. Bauru, SP: EDUSC, 1999, p.40.

Tal a questão que implicitamente formula Máximo Cajal no próprio título do seu

livro: ¡Saber quién puso fuego ahí!, o qual não fora outra coisa que a voz-testemunho do

indígena que sobrevivera ao massacre na Embaixada Espanhola na Guatemala, Gregório

Yujá, num depoimento num mais que imperfeito castelhano, pouco antes de ser executado

quase que publicamente pela polícia secreta(?) guatemalteca como queima de arquivo:

Echaron fuego, saber por qué, como nosotros estábamos ahí y nos iban a matar con con (sic) armas

también y ahí… y no tuvieron nada. Siempre nosotros no queremos que…tra (sic) vez le quemaron la

casa, y uno que estaba, por lo menos uno que se va a la costa a trabajar para ellos y si no hay nada

detrás guerrilleros, bien, ya ya (sic) le están esperando por si llega, pues usted no fue a la costa,

estaba en la montaña, y nosotros pues no. Estamos a trabajar, cuando terminamos de…la milpa, ahí

vamos a trabajar…así cuando tiene que trabajar y sólo que trabajar y sólo que trabajar otra vez y nos

hacen trabajar otra vez. ¡Sólo siempre! Gregorio Yujá. ¡Saber cómo será ha de quedar yo así!13 (Sic)

O tipo de linguagem em que se expressa o indígena Yujá, fora dos padrões da língua

culta, não seria aceita em nenhuma Academia de prestigio, e, no entanto cabe se perguntar:

o seu testemunho merece ser esquecido ou tem menos valor que outras especulações

intelectuais? Quando utilizamos e aceitamos o discurso subalterno, outro perigo ainda

pendura qual espada de Dâmocles: A assunção de discursos indígenas introduzidos sem a

necessária contextualização, poderia nos levar a um lócus dialético próximo do anunciado

por Homi Bhabha:

Há outra cena do discurso colonial em que o nativo ou o negro corresponde à demanda do discurso

colonial, onde a “cisão” subversora é recuperável dentro de uma estratégia de controle social e

político. É reconhecidamente verdade que a cadeia de significação estereotípica é curiosamente

misturada e dividida, polimorfa e perversa, uma articulação da crença múltipla. O negro é ao mesmo

13 CAJAL, Máximo. Saber quién puso fuego ahí! Masacre en la Embajada de España. Madrid: Siddharth Mehta Ediciones, 2000, p. 74-75.

tempo selvagem (canibal) e ainda o mais obediente e digno dos servos (o que serve a comida); ele é a

encarnação da sexualidade desenfreada e, todavia, inocente como uma criança; ele é místico,

primitivo, simplório e, todavia, o mais escolado e acabado dos mentirosos e manipulador de forças

sociais. Em cada caso, o que está sendo dramatizado é uma separação – entre raças, culturas,

histórias, no interior de histórias – uma separação entre antes e depois que repete obsessivamente o

momento ou a disjunção mítica.14

14 BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998, p. 126-127.

POR QUÊ RELER O SÉCULO XVI?

Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.

Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos.

De todas as religiões. De todos os tratados de paz.

Tupi, or not Tupi that is the question.

Oswald de Andrade. Manifesto antropófago.

Entremos na feira popular de Prazeres, no carnaval da Avenida Guararapes, na fila

do INSS:

Embrionária, inacabada, incerta quanto a o seu futuro, essa estranha formação é produto da

justaposição brutal de duas sociedades arrebentadas: os invasores, grupo predominantemente

europeu, instável, cotidianamente mergulhado no desconhecido e no imprevisível; os vencidos que

sobrevivem em conjuntos mutilados, dizimados pela guerra e pelas epidemias. A diversidade de

componentes étnicos, religiosos, culturais, a incidência elevada da perda de raízes, o comando

limitado ou nulo da autoridade central – delegada ou muito distante, pois o imperador Carlos V está

constantemente em Bruxelas -, a extensão reduzida das grandes distâncias oceânicas e continentais, a

predominância da instabilidade, da mobilidade e da irregularidade, multiplicam fenômenos cujo

caráter caótico, melhor dizendo, fractal, chama a atenção.15

15 GRUZINSKI, op. cit p. 78.

Mutatis mutandis, podemos nos contemplar neste espelho fractal do século XVI,

com toda a influência que sobre este mundo, neocolonial, re-liberal, proto-materialista,

onde vivemos, teve? Será efetivamente essa história apenas um grande fardo que

carregar?16

Da leitura dos textos dos “fundadores” dos Estudos Culturais e devido ao fato de

terem a maior parte deles origem nas antigas colônias britânicas, na procura das fontes do

pensamento colonial, sempre terminam por aprofundar até os limites do século XVIII, dado

que é este o período do inicio firme da expansão dos Impérios Francês e Inglês. O

Iluminismo seria, segundo o citado ponto de vista, o fundador da modernidade, com todas

as vantagens e mazelas que leva aparelhada, deixando o autêntico início da Idade Moderna,

o século XVI, no esquecimento inconsciente ou, por ficar longe da sua órbita cultural, no

consciente escanteio. Saïd, no entanto, apesar de não se centrar nos estudos literários do

século XVI, defende que

a distinction between anti-colonialism and anti-imperialism needs quickly to be made. There was a

lively European debate dating from at least the mid-century on the merits and demerits of holding

colonies. Behind it were the earlier positions of Bartolomé de las Casas, Francisco de Vitoria,

Francisco Suárez, Camões and the Vatican, on the rights of the native peoples and European abuses.

Most French Enlightenment thinkers, among them Diderot and Montesquieu, subscribed to the Abbé

Raynal´s opposition to slavery and colonialism (…).17

Homi Bhabha não presta nenhuma atenção para a “fundação” dos impérios

salvacionistas americanos e Edward Saïd apenas constata que: Are we not as a nation

16 WHITE, Hayden. O Fardo da História. In: Trópicos do Discurso: ensaios sobre a Crítica da Cultura. Trad. Alípio Correia de França Neto. São Paulo: ESUSP, 2001. 17 SAÏD, Edward. Op. cit, p. 289-290.

repeating what a France and Britain, Spain and Portugal, Holland and Germany, did

before us? And yet do we not tend to regard ourselves as somehow exempt from the more

sordid imperial adventures that preceded ours?18

Igualmente, Mary Louise Pratt foca seus estudos especialmente nos relatos de

viagens do século XVIII e na pura contemporaneidade para estabelecer as bases da sua

crítica ao dominante pensamento eurocentrista19.

Walter Mignolo dará uma maior ênfase para a geopolítica que eu qualificaria como

geohistórica. Para taç os estudos da literatura colonial da América Latina dos séculos XVI

e XVII são basilares, dado que não existe modernidade sem colonialidade.20

A geopolítica do conhecimento torna-se um conceito poderoso para evitar a crítica eurocêntrica do

eurocentrismo e para legitimar as epistemologias liminares que emergem das feridas das histórias,

memórias e experiências coloniais. A modernidade, repito, leva nos ombros o pesado fardo da

responsabilidade da colonialidade. A crítica moderna da modernidade (pós-modernidade) é uma

prática necessária, mas que termina onde começam as diferenças coloniais, As diferenças coloniais

do planeta são a morada onde habita a epistemologia liminar.

Por quê? As histórias locais de nações (colonizadas) tiveram que se acomodar a

projetos globais que lhes diziam respeito, mas sem sua participação direta.21Para não

repetir este esquema, pode-se encontrar inspiração nos estudos da Academia Anglo-

18 Idem, Op. cit. p.65. 19 PRATT, Mary Louise. Op, cit. 20 MIGNOLO, Walter, op. cit, p.74. 21 Idem, op, cit, p, 74.

saxônica, porem sempre lembrando as nossas origens, seguindo o rasto das próprias

histórias locais, pois o

modelo ou metáfora do sistema mundial moderno tem no século XVI a data crucial de sua

constituição, ao passo que todas as outras possibilidades que mencionei (Saïd, Guha, teoria crítica,

pós-estruturalismo) têm no século XVIII e no Iluminismo a fronteira cronológica da modernidade.

(...) O Iluminismo surge em segundo lugar em minha própria experiência de histórias coloniais. A

segunda fase da modernidade, o Iluminismo e a Revolução Industrial, foi secundária na história da

América Latina. Entrou no século XIX como a exterioridade que precisava ser incorporada para

construir a “república” depois de conquistada a independência da Espanha e de Portugal.22

Pode-se ir além desta afirmação, para postular que não apenas América Latina, mas

todo o Sistema Mundial viram mudados os seus rumos definitivamente no século XVI, o

que nos conduz a uma autêntica necessidade de estudá-lo, não apenas como história local,

mas como pedra basal da construção do Moderno Capitalismo imperial:

O moderno sistema mundial nasceu no longo século XVI. As Américas, como construto social,

nasceram no longo século XVI. A criação dessa entidade geossocial, as Américas, foi o ato

constitutivo do sistema mundial moderno. As Américas não foram incorporadas a uma economia

capitalista mundial já existente. Não poderia ter havido uma economia capitalista mundial sem as

Américas.23(grifo nosso)

Para isso pensei pedir a involuntária colaboração de Bartolomeu de las Casas e os

seus textos, que para os objetivos propostos resultam iluminadoras. Las Casas, como se

verá, não apenas constitui um pensador de primeira magnitude para nossa área de estudos,

mas um autêntico mito per se, no que diz respeito a sua figura como “Defensor dos índios”

22 Idem, op. cit, p. 43. 23 QUIJANO e WALLERSTEIN, 1992, p. 549 in: MIGNOLO, op. cit, p. 84.

e para muitos, um traidor da pátria.24 Beber nas fontes do que escrevera há mais de

quatrocentos anos, e aproveitar também um pouco do que falaram e defendem muitos dos

seus seguidores e, sobre tudo, perseguidores, revelará mais do que quiçá se pudesse esperar.

24 JUDERÍAS, Julián. La Leyenda Negra. Barcelona: Araluce, 1917, p. 302-303: “El iniciador de esta campaña de descrédito, el que primero lanzó las especies que tan valiosas iban a ser para las filosóficas elucubraciones de nuestros enemigos, fue un español: el Padre Las Casas. Un español había sido el calumniador de Felipe II; un español el que describió los horrores de la Inquisición (sic); un español el que pintó la conquista de América como una horrenda serie de crímenes inauditos. Habría que decir como don Francisco de Quevedo: ‘¡Oh desdichada España! Revuelto he mil veces en la memoria tus antigüedades y anales y no he hallado por qué causa seas digna de tan porfiada persecución. Sólo cuando veo que eres madre de tales hijos, me parece que ellos, porque los criaste y los extraños, porque ven que los consientes, tienen razón de hablar mal de ti…”

LAS CASAS: UM DESCONHECIDO NO BRASIL?

«No tiene patria», «Traiciona»,

pero tu prédica no era

frágil minuto, peregrina

pauta, reloj del pasajero.

Tu madera era bosque combatido,

hierro en su cepa natural, oculto

a toda luz por la tierra florida,

y más aún, era más hondo:

en la unidad del tiempo, en el transcurso

de la vida, era tu mano adelantada

estrella zodiacal, signo del pueblo.

Hoy a esta casa, Padre, entra conmigo.

Te mostraré las cartas, el tormento

de mi pueblo, del hombre perseguido.

Te mostraré los antiguos dolores.

Y para no caer, para afirmarme

sobre la tierra, continuar luchando,

deja en mi corazón el vino errante

y el implacable pan de tu dulzura.

Pablo Neruda, Fray Bartolomé de las Casas, in: Canto General, Buenos Aires, 1963..

Bartolomé de las Casas constitui um monumento fundamental e fundador no

pensamento latino-americanista liminar. É ele quem transcreve as cartas de Colombo,

elabora uma enciclopédica e fabulosa História das Índias, contesta, discute, peleja,

filosófica, política e juridicamente contra as guerras de conquista das Américas na sua

Apologética Histórica, elabora o Memorial de Remédios para solucionar os problemas que

aquela formulou, e até, não longe da ilha Utopia de Morus, faz a denúncia dos prejuízos

que provocara a colonização espanhola (salvacionista como a portuguesa ou de todas e

qualquer das formas de imperialismo) no seu mais curto e conhecido livro: a Brevísima

Relación de la Destruición de las Indias. Poucos o farão com tanta violenta contundência,

desesperado furor e cáustica perseverança de mais de cinqüenta anos.

A melhor forma de analisar a identidade e consciência latino-americana é sondar na

etapa de choque, miscigenação, surpresa que supus o século XVI não apenas para os

habitantes do imenso continente americano, mas para toda a humanidade. Para Serge

Gruzinski, sem que se devam esquecer os horrores da colonização e os estragos causados

pela ocidentalização, a mestiçagem dos seres e das culturas será incontestavelmente uma

das heranças mais preciosas e mais duradouras que nos terá transmitido a passagem do

século XV para o século XVI,25 quiçá apenas continuando um processo que o Rei Don

Sancho, O Povoador iniciara no século XII.

Bartolomé e sua obra, pouco conhecido no Brasil porém de grande interesse para

uma leitura brasileira, é objeto de estudo pelo professor Héctor Bruit, da UNICAMP26 e por

José Alves de Freitas na sua tese de doutorado pela USP, em 200227. Ambos historiadores

dão um foco diferenciado ao tratamento da obra deste polemista que já provocara a

publicação de inúmeros estudos no mundo ocidental: um novo brilho e abordagem que o

imaginário e a perspectiva literária dão à já clássica, porém fundadora discussão que Las

Casas gera, arejando um campo às vezes encalhado na “monodisciplinaridade”

especializada de alguns outros colegas historiadores: o indígena, o latino-americano, o

Outro, em relação ao “civilizado” , como se desenha, como interage com ele, têm direitos,

será mais ou menos humano?

25 GRUZINSKI, Serge. A passagem do século: 1480-1520: as origens da globalização. Trad: Rosa Freire de Aguiar. São Paulo, Companhia das letras, 1999. 26 BRUIT, Héctor H. Bartolomé de las Casas e a simulação dos vencidos. São Paulo, Unicamp/ Iluminuras, 1995. 27 FREITAS NETO, José Alves de. Bartolomé de las Casas: a narrativa trágica, o amor cristão e a memória americana. São Paulo, Anna Blume, 2003.

O indígena é um ser capaz de ter direitos e obrigações ou é um ser fadado a

obedecer, ser conduzido para o que for melhor para ele? A organização indígena merece a

soberania? Em definitiva, os nativos americanos, e por extensão outros povos colonizados,

têm direito à autodeterminação e liberdade de escolha? As implicações destas respostas vão

além dos direitos recolhidos pela ONU, Constituição ou leis ou da aplicação destas para

entrar no território incerto do imaginário e do inconsciente da relação com o Outro.

Pretendo acrescentar uma pequena colaboração aos estudos sobre Las Casas,

apresentando este autor pouco estudado no Brasil e ao mesmo tempo introduzindo uma

pequena mudança na perspectiva que o estuda. A História, objetiva, isenta e pura, se é que

ela existe em tal estado, não consegue dar conta por si dos temas que Las Casas levanta.

Historiadores como Héctor Bruit com o seu estudo da simulação dos indígenas vencidos

(entre a imitação e a metamorfose) e Freitas aplicando a Poética de Aristóteles ao estudo

histórico da figura de Las Casas, dão novas visões ao tema da interação de índios e

conquistadores sob um prisma que já não é o mero positivismo historiográfico, mas uma

disciplina que precisa abrir seu leque de perspectivas utilizando elementos heterogêneos,

provenham eles já da velha retórica, já não tão nova tropologia.

Ao mesmo tempo, Las Casas vem a ser não apenas um precursor do pensamento

liminar, enquanto pensador ocidental que toma para si as dores do indígena e vive na

fronteira do amor cristão que chega a lutar perante seus contemporâneos pela soberania

política e até religiosa dos povos nativos do Novo Mundo. Ele mesmo, objeto desse mesmo

pensamento, sem negar o já inevitável choque de civilizações, pode vir esclarezer um

pouco acerca das nossas próprias identidades e relações com o outro.

ANTECESSOR DE LAS CASAS: FRANCISCO DE VITÓRIA

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:

"Navegar é preciso; viver não é preciso".

Quero para mim o espírito [d]esta frase,

transformada a forma para a casar como eu sou:

Viver não é necessário; o que é necessário é criar.

Fernando Pessoa. Obra Poética.

Famoso precedente dos campeões da Controvérsia de Valladolid, e citado por

ambos, este doutor pelas universidades de Paris e Salamanca nascido em Burgos firmará as

bases neo-escolásticas sobre as quais discutirão posteriormente os contendores sobre a

licitude ou injustiça da colonização espanhola. Nesta época, alguns pensadores como

Vitória contemplaram a possibilidade de atingir uma mera coexistência das culturas. De

fato, a Europa estava preparada para isto em virtude do seu já longo convívio com o Islã.

Era necessário modificar a visão cristocêntrista do mundo.28

Vitória era um neo-escolástico que tinha consciência de que a unidade implícita do

Sacro Império Romano Germânico constituía já apenas um ideal obsoleto: a novidade do

contato com América representava um potencial de mudança suficiente para ter que

elaborar um novo pensamento, num mundo no qual a unidade havia sido substituída pela

pluralidade, que deveria ser gerida por um gérmen do Direito Internacional: o ius gentium:

Con su reconocimiento de los estados indios paganos como estados jurídicamente perfectos y en pie

de igualdad con sus homónimos europeos, Vitoria trascendió la realidad familiar a todos sus

28 FERNÁNDEZ SANTAMARIA, J.A., El Estado, la Guerra y la Paz: El Pensamiento Político Español en el Renacimiento. Trad. Juan Faci Lacasta. Madrid: Akal, 1988, p.69.

contemporáneos y tan determinante en el desarrollo del pensamiento político moderno, del paso de la

vieja idea imperial y la aparición de una respublica christiana fragmentada.29

O ius gentium era na antiga Roma o direito elaborado pelos pretores (mas não pela

“comunidade de nações”), isento dos formalismos que o caráter sagrado do direito cível

exigia e que o fazia pouco flexível. Era utilizado em casos de decisões urgentes e para

regulamentar as relações com os estrangeiros, sejam eles os clientes que moravam em

Roma, sejam aqueles que moravam extra limes, ou seja, fora dos limites da Cidade Eterna.

De modo que este direito tem um forte caráter de conveniência prática, frente à lei natural,

imutável e universal. Os estados, no son creados por ley natural o bajo su compulsión sino

por el acto volitivo del hombre que actúa bajo el impulso de la necesidad; así puede

decirse que en este caso la naturaleza permanece neutral.30

Para Margarida Cantarelli, Francisco de Vitória constrói a gênese dos direitos

indígenas e ainda dos Direitos Humanos. O direito natural se encontra na base da sua

pirâmide jurídico-moral:

El Derecho Natural, en la concepción de Vitoria, reconocía que la comunidad internacional resultaría

de la sociabilidad inherente a la naturaleza humana, que se extendería a todo el género humano al que

llamó de orbis – conjunto de estados, pueblos y naciones. Su vínculo era el ius gentium. El Derecho

de Gentes estaría concebido por Vitoria en un doble sentido: como Derecho universal del género

humano, por un lado, en la tradición romana; por otro, como derecho de los pueblos, de las naciones,

en sus relaciones recíprocas (ius inter.gentes). Claro está que, para él, a pesar de que el Derecho de

Gentes formase parte del Derecho Natural, la voluntad humana, expresada o tácita, daría origen, por

29 Ibidem, p. 72. 30 Ibidem, p. 76.

otro lado, a un Derecho de las Gentes Positivo, dado que el orbis tendría el poder de decretar ‘leyes

justas y a todos convenientes.’31

A negação do império, que parece muito ousada, é basilar para a fundação do

Direito Internacional e os Direitos Humanos: Vitória reafirma a permanência dos estados

soberanos autônomos e afirma contundente: tampoco se lee que por derecho divino hubiera

antes de la venida de Cristo un señor del mundo…Luego nunca el emperador fue señor de

todo el mundo.32 Dai a reconhecer outros soberanos não cristãos, há um curto percurso: no

cabe duda alguna respecto al hecho de que pueden existir príncipes y potentados legítimos

entre los paganos.33

Segundo Vitória existem títulos legítimos e ilegítimos de guerra aos índios:

31 CANTARELLI, Margarida. A doutrina colonial para o novo mundo: Francisco de Vitória – um Decênviro do Direito Internacional. Revista Acadêmica, v2 anos 2001/2002 – Recife: UFPE. Aurélio Boa Viagem (org) Editora Universitária da UFPE, p. 49 y ss. In: Cantarelli, Margarida. Poder, Política y Derechos Humanos, ESPINA BARRIO, Ángel B (org). Poder, Política y Cultura: Antropología en Castilla y León e Iberoamérica VII. Recife: Ed Massangana, 2005, p.30. 32 FERNÁNDEZ SANTAMARIA, op. cit, p. 75. 33 Ibidem, p. 84.

A) TÍTULOS ILEGÍTIMOS DE OCUPAÇÃO DOS REINOS INDÍGENAS

Assim, supuesto pues, que los indios eran verdaderos señores, resta por ver por qué

títulos pudieran ellos, o su región, venir a poder de los españoles.(…) Pudieran

pretenderse, pero no son idóneos ni legítimos34:

Em primeiro lugar, dado que el emperador no es ni ha sido señor de todo el orbe,

los españoles por este título no pueden ocupar aquellas provincias. 35

Em segundo lugar, utilizando-se do mesmo argumento, el Papa no es señor civil o

temporal de todo el orbe, hablando del dominio y potestad civil en sentido propio.36 É,

sem dúvida, muito ousado para um dominicano que tem voto de obediência ao Papa.

34 Ibid, p. 89. 35 Ibid, p. 89. 36 Ibid, p. 89.

Em terceiro lugar, se invoca comumente o direito que procede do descobrimento, ou

seja, como los españoles fueron los primeros que encontraron y ocuparon aquellas

provincias, síguese que las poseen legítimamente, lo mismo que si descubrieran

deshabitada soledad.37Vitória quebra com simplicidade escolástica o sofisma: mas en este

título, que es el tercero, no es preciso gastar muchas palabras, puesto que está probado

antes que los bárbaros eran verdaderos dueños pública y privadamente.38

Em quarto lugar o argumento de negarem-se os índios a aceitar a fé de Cristo.

Vitória anula este motivo com várias razões. Os bárbaros, antes de tener noticia alguna de

la fe de Cristo, no cometían pecado de infidelidad por no creer en Cristo.39Além do mais,

os bárbaros não têm obrigação de acreditar no cristianismo al primer anuncio que se haga,

de modo que pequen mortalmente no creyendo por serles simplemente anunciado y

propuesto (…) sin que acompañen milagros o cualquier otra prueba o persuasión en

confirmación de ello.40 Vitória não acredita que a fé cristã tivesse sido anunciada com

paciência e eficácia, mas ainda sendo assim, aunque la fe haya sido anunciada a los

bárbaros de un modo probable y suficiente y éstos no la hayan querido recibir, no es lícito,

por esta razón hacerles la guerra ni despojarles de sus bienes.41

Em quinto lugar um motivo mais sério que são os pecados dos mesmos bárbaros.

Alegam que os pecados contra a lei positiva divina, não podem ser perseguidos, no entanto

podem perseguir-se aqueles que forem contra natura, como comer carne humana, ou ter

37 Ibid, p. 89. 38 Ibid, p. 89. 39 Ibid, p. 90. 40 Ibid, p. 90. 41 Ibid, p. 90.

concubinato com mãe, irmãs ou varões. Mas Vitória tampouco aceita tais argumentos: los

príncipes cristianos, aun con la autoridad del Papa, no pueden apartar por la fuerza a los

bárbaros de los pecados contra naturaleza ni por causa de ellos castigarlos.42 Segundo

Vitória, fica muito difícil diferenciar pecados contra a lei positiva divina e a lei natural.

Alem do mais, tampoco pueden hacerse ostensibles con evidencia los pecados contra ley

natural; por lo menos no a todos son patentes.43

No sexto título, Vitória se deslancha como idealizador duma teoria com grandes

repercussões para a práxis perante os desafios que gerará a presença dos europeus no Novo

Mundo, na formulação do princípio de que o livre consentimento dos indígenas pode sim

constituir um justo motivo de domínio hispânico: “Cuando los españoles se llegan a los

bárbaros, les dan a entender cómo son enviados por el rey de España para su propio bien

y les exhortan a recibirlo y aceptarlo por rey y señor; ellos contestan que les place”.44

Ainda assim, o pensador dominicano considera que estes requisitos não se davam, porque

“los bárbaros no saben lo que hacen, y aun quizá ni entienden lo que les piden los

españoles. Además, esto lo piden gentes armadas que rodean a una turba desarmada y

medrosa”. Além do mais, existe outra causa impeditiva de primeira ordem:

Además, teniendo ellos, según se dijo antes, sus propios señores y príncipes, no puede el pueblo, sin

causa razonable llamar a nuevos señores, porque sería con perjuicio de los primeros. Por su parte,

tampoco pueden sus señores elegir nuevo príncipe sin consentimiento de su pueblo.45

42 Ibid, p. 91. 43 Ibid, p. 92. 44 Ibid, p. 92. 45 Ibid, p. 92.

O sétimo título, baseado na idéia de castigo aos pecados dos indígenas, é ironizado

por Vitória: Ojalá que, fuera del pecado de infidelidad, no hubiera entre algunos cristianos

mayores pecados contra las buenas costumbres que entre estos bárbaros.46

O pensamento vitoriano é de uma grandíssima coerência. Sendo os reinos indígenas

reinos pagãos legítimos, que formam uma pré-comunidade de nações, não podem ser

arbitrariamente ocupados, sob ameaça de desestabilizar todo o sistema, que poderíamos

chamar de “multipolar” frente a unipolaridade religiosa, filosófica e política que defendiam

os partidários do Império. Carlos V entra em conflito, pois a negativa da doação papal de

América elimina a cobertura de soberania que o Imperador tinha tanto respeito ao Papa

como aos restantes reinos europeus, a espera da menor brecha nesta trama de privilégios:

La cólera de Carlos V se expresa en la orden que da, ya el 10 de noviembre de 1539, al prior del

convento de San Esteban de Salamanca, lugar de residencia de Vitoria, de incautarse de las

‘lecciones en las que algunos maestros religiosos de este convento han tratado sobre el derecho que

Nos poseemos sobre las Indias’ y enviarlas al Consejo Real.47

46 Ibid, p. 92. 47 DUMONT, Jean, op. cit, p. 84.

B) TÍTULOS LEGÍTIMOS DE OCUPAÇÃO DOS REINOS INDÍGENAS

Primeiro título, primordial para a multipolaridade de Vitória, o ius comunicationis:

Al principio del mundo (como todas las cosas fuesen comunes), era lícito a cualquiera dirigirse y

recorrer las regiones que quisiese. Y no se ve que haya sido esto abolido por la división de las tierras.

Pues nunca fue la intención de las gentes evitar la mutua comunicación entre los hombres por esta

repartición.48

Hugo Grotius no século XVIII assumirá este principio como primordial para o

Direito Internacional.49 Depois servirá a outro Império, o Britânico, para embasar a Union

Act: os barcos ingleses teriam direito de atracar em qualquer porto do mundo desfrutando

da liberdade dos mares e do comércio (a recíproca liberdade quiçá não se verificasse). De

modo que para Vitória, la violación de este privilegio humano justifica el primer título que

permite a los españoles subyugar a sus transgresores.50

O segundo título, em parte deriva do primeiro, e consiste no ius predicationis, ou

seja, si estos, sean los jefes o el pueblo, se lo impiden, los españoles pueden, tras un

requerimiento previo, predicar contra su voluntad. Y si es necesario, aceptar por ello la

guerra, o declararla, hasta que obtengan la seguridad de la predicación.51 No entanto, o

doutor de Salamanca sustenta que apenas se trata de teoria, porque as guerras obstaculizam

mais que favorecem a conversão dos índios.52

48 FERNANDEZ SANTAMARIA, op. cit, p. 93 49 DUMONT, Jean, op. cit, p. 80. 50 FERNÁNDEZ SANTAMARIA, op. cit, p. 93. 51 DUMONT, Jean, op. cit, p. 80. 52 Ibidem, p. 80.

Como terceiro e quarto títulos, Vitória segue em parte a John Meyr, com alguma

diferença: se para o doutor da Universidade de Paris, Meyr, os cristãos poderiam depor

sempre aos príncipes indígenas que tolerarem práticas idolátricas, para o dominicano

apenas o poderão fazer no caso de perseguição a um grande número de indígenas

conversos, a modo de proteção das minorias.53 Ou, seja, estamos diante do gérmen do que

mais adiante será chamado Direito Humanitário de Intervenção, de múltiplas leituras.

Como desdobramento dos anteriores princípios, o quinto título, que como veremos

não coincide com Las Casas, pois este último vai bem além no reconhecimento da

diferença. A descrição de Vitória deste título é:

Otro título puede ser la tiranía de los mismos señores de los bárbaros o de las leyes inhumanas que

perjudican a los inocentes, como el sacrificio de hombres inocentes o el matar a hombres inculpables

para comer sus carnes…No es obstáculo el que todos los bárbaros consientan en tales leyes y

sacrificios y no quieran que los españoles los libren de semejantes costumbres. Pues no son en esto

dueños de sí mismos ni alcanzan sus derechos a entregarse ellos a la muerte ni a entregar a sus

hijos.54

Fundamentado num principio de certa soberania popular, se aceita que se tanto os

caciques como os outros livremente aceitassem ao rei da Espanha, poderia ser feito, e seria

título legítimo e de lei natural, porque para Vitória, cada república puede constituir su

propio señor, sin que para ello sea necesario el consentimiento de todos, sino que parece

basta el de mayor parte.55

53 Op. cit, ibidem, p. 80-81. 54 FERNÁNDEZ SANTAMARÍA, op. cit, p. 94. 55 Op cit, ibidem, p. 94.

O sétimo título não oferece muitas controvérsias, segundo os autores consultados

por Fernández Santamaría: trata-se do caso no qual aliados e amigos possam acudir na

defesa um do outro: como se cuenta que hicieron los tlaxcaltecas, concertándose con los

españoles para que les ayudaran a combatir contra las gentes de México.56 Seguramente

nem Vitória nem o professor Santamaría não tivessem advertido as astúcias que

possibilitaria este título, dado que sempre se pode fomentar, como bem viu Maquiavel,

dentro de uma república, as divergências internas, e depois acudir a “auxiliar” a um dos

contendores para obter o poder. Outra possibilidade de manipular o conceito de país amigo

é o de instalar diretamente algum governador títere.57

56 DUMONT, op. cit, p. 82. 57 MAQUIAVEL, Nicolás, El Príncipe. In: www.librodot.com.

O oitavo título será o que o próprio Vitória deixa entrever como uma certa aporia: el

octavo título podría no ciertamente afirmarse, pero sí ponerse a estudio y parecer a

algunos legítimo. Yo no me atrevo a darlo por bueno ni a condenarlo en absoluto. Quiçá

sem o querer o autor das Relectio De Indis pode estar antecipando o que seria o ponto

fundamental da controvérsia de Valladolid: o problema da racionalidade dos nativos das

Américas, facilmente trasladável à questão qualquer habitante dos países subalternos. Ele

formula assim o principio:

Esos bárbaros, aunque, como se ha dicho, no sean del todo faltos de juicio, distan, sin embargo, muy

poco de los amentes, por lo que parece que no son aptos para formar o administrar una república

legítima dentro de los términos humanos y civiles. Por lo cual no tienen una legislación conveniente,

ni magistrados, y ni siquiera son suficientemente capaces para gobernar la familia. Por eso carecen

también de ciencias y artes, no sólo liberales, sino también mecánicas, y de cuidada agricultura, de

trabajadores y de otras muchas cosas provechosas y hasta necesarias para los usos de la vida humana.

Podría entonces decirse que para utilidad de ellos pueden los reyes de España tomar a su cargo la

administración de aquellos bárbaros, nombrar prefectos y gobernadores para sus ciudades y aun

darles también nuevos príncipes si constara que esto era conveniente para ellos. Esto digo que puede

ser legítimo, porque si todos fueren amentes, no hay duda que ello seria lícito y convenientísimo.58

58 FERNÁNDEZ SANTAMARÍA, op. cit, p. 94-95.

PENSAMENTO DE LAS CASAS

La sangre se estanco; ya no circula.

Ya por el rumbo de Texcoco viene

la tempestad y yo no tengo

adonde ir. Se deshojó

la flor de cuatro puntas cardinales.

Se mojarán las lágrimas con la lluvia que viene.

La noche será horrible.

(Después llovió toda la noche

y amaneció lloviendo sobre las ruinas.)

Trece de Agosto. Bronce.

Me da tristeza,

no por mexicano,

sino sólo por hombre.

Carlos Pellicer. 13 de agosto, ruina de Tenochtitlán. Antología Poética.

Lembrar da longa vida aventureira deste sevilhano é imprescindível para explicar e

até justificar sua obra e pensamento, e isto não é uma afirmação retórica: conheceu, sofreu

e foi testemunha direta dos primeiros passos dos espanhóis nas Índias. Nascido em 1484 ou

1474, no que nenhuma das miríades de biografias, hagiografias e libelos a ele dedicados

concordam. Descendente de nobres, possivelmente começara seus estudos de direito em

Salamanca, mas provavelmente não os terminou.59Parece que ainda estudante aderiu às

teorias de Colombo, e que o próprio tio de Bartolomeu se dedicara ao recrutamento de

marujos para o Almirante. O pai e o tio de Las Casas embarcaram em 1493 na segunda

viagem do Genovês: Despachado el correo, Don Cristóbal Colón, ya Almirante, con el

mejor aderezo que pudo, se partió de Sevilla llevando consigo los indios, que fueron siete

lo que le habían quedado de los trabajos pasados, porque los demás se le habían muerto.60

59 ANABITARTE, Héctor. Bartolomé de las Casas. Madrid: Labor, 1992, p. 26. 60 Op. cit, ibidem, p. 28.

Segundo André Saint-Lu, em 1495 estuda na Academia Latina, fundada por

Antonio de Nebrija61, autor da primeira gramática do Castelhano. No ano 1498 Don Pedro

de Las Casas, seu pai, entre las alhajas que de la Indias trajo una fue un indiezuelo que le

dio el Almirante Colón, el cual dio por paje a su hijo Bartolomé de Casaus.62Apaixonado

pelo descobrimento do índio, pretende ingenuamente conocer, a través de un tierno fruto,

todo el árbol genealógico del mundo descubierto por Colón.63

A rainha Isabel de Castilha decreta a imediata devolução dos índios para o Novo

Mundo, sob pena de morte. Esta medida produziu um grande efeito no espírito do jovem,

pois: muchos años después de sucedido y recordando, incluso, las palabras literales

pronunciadas por la Reina, a saber: ‘¿qué poder tiene mío el Almirante para dar a nadie

mis vasallos?’ como cosa que tan gravada había quedado en su memoria.64

Em 1502 embarca numa expedição com uma frota de 32 navios e 2.500 homens, na

qual viaja o novo governador de La Hispaniola, don Nicolás de Ovando, e como ele mesmo

descreve na História das Índias,

Los de tierra decían que la isla estaba muy buena, y dando razón de su bondad y regocijo, añadían el

porqué, conviene a saber: porque había mucho oro y se había sacado un grano solo que pesaba tantos

mil pesos de oro, y porque se habían alzado ciertos indios en cierta provincia, donde captivarían

muchos esclavos. Yo lo oí por mis oídos mismos, porque yo vine aquel viaje con el comendador de

Lares a esta isla (…)65(Grafos nossos).

61 SAINT-LU, A e BATAILLON, M. El padre Las Casas y la Defensa de los Índios. Madrid: Sarpe, 1985,p13 62 ANABITARTE, Op. cit, ibidem, p. 29. 63 Ibidem, p. 29. 64 MARTÍNEZ, Fray Manuel, O.P. Fray Bartolomé de las Casas, Padre de América. Madrid: La Rafa, 1958, p.12. 65 LAS CASAS, Bartolomé. Historia de las Indias, lib II, cap III, p. 215.

Qual o móbil e finalidade da viagem para América do nosso jovem Bartolomeu?

Habría ido a encargarse de la administración de los repartimientos adquiridos en la

Española por su padre, Pedro de Las Casas y por su tío Fco. de Peñalosa. Es cierto, que

años adelante le vemos disfrutando del trabajo de los indios, como uno de tantos.66

A) LAS CASAS VERSUS GÓMARA: TESTEMUNHO CONTRA DITIRAMBO

O batismo de sangue do nosso frade fora em 1511, na expedição em Cuba. No

próprio relato do dominicano, pasé yo allá habiendo enviado por mí el dicho Diego

Velázquez, por el amistad que en esta isla habíamos tenido pasada, y anduvimos juntos

Narváez y yo, asegurando todo el resto de aquella isla para mal de toda ella.67 Las Casas

não oculta a finalidade nem se furta à auto-critica, junto com seu amigo Velázquez:

Hostigados y atemorizados los indios de aquella provincia de Maycí, como está dicho,

comenzó Diego Velázquez a pensar en repartir los indios della por los españoles (…).68

A participação pessoal, o conhecimento direto dos testemunhos e a própria

confissão de culpa inicial nas conquistas ou ao menos nos benefícios que estas geraram,

confere, paradoxalmente para Las Casas, mestre na “pintura do horror” da conquista, uma

tonalidade de verossimilhança e autoridade frente aos historiadores oficiais, como Gómara,

humanistas como Sepúlveda ou ao próprio Filipe II, ausentes fisicamente das Índias. Las

Casas, através da dialética vai construindo um pensamento que até hoje continua clássico,

66 MARTÍNEZ, op. cit, p. 13. 67 LAS CASAS, Bartolomé. Historia de las Indias. Lib III, cap. XXVI, p. 525. 68 Ibidem, p. 525.

sobretudo devido a sua legião de antagonistas. Vejamos algumas observações sobre

Gómara:

Gómara, clérigo, que escribió la Historia de Cortés, que vivió con él en Castilla siendo ya marqués, y

no vido cosa ninguna, ni jamás estuvo en las Indias, y no escribió cosa sino lo que el mismo Cortés le

dijo, compone muchas cosas a favor dél, que, cierto, no son verdad, y entre otras, dice, hablando en

el principio de la conquista de México, que no quiso hablar en muchos días de enojado a Diego

Velázquez, y que una noche fue armado donde Diego Velázquez estaba solo con solos sus criados, y

que temió Diego Velázquez cuando lo vido a tal hora y armado (…) Yo vide a Cortés en aquellos

días, o muy pocos después, tan bajo y tan humilde, que del más chico criado que Diego Velázquez

tenía quisiera tener favor; y no era Diego Velázquez de tan poca cólera, ni aun de tan poca gravedad

que, aunque por otra parte, cuando estaba en conversación era muy afable y humano [pero cuando

era menester y se le antojaba, temblaban los que estaban delante dél, y quería siempre que le tuviesen

toda reverencia, y ninguno se sentaba delante dél (…)] por lo cual si sintiera de Cortés una punta de

alfiler de cerviguillo o presunción, o lo ahorcara, o a lo menos lo echara de la tierra y lo sumiera de

ella sin que alzara cabeza en su vida. Así que Gómara mucho se alarga imponiendo a Cortés, su amo,

lo que en aquellos tiempos no sólo por pensamiento estando despierto, pero ni durmiendo, por sueños

parece poder pasarle. Pero como el mismo Cortés, después de marqués, dictó lo que había de escribir

Gómara, no podía sino fingir de sí todo lo que le era favorable; porque como subió tan de súpito de

tan bajo a tan alto estado, ni aun hijo de hombre, sino de Júpiter desde su origen quisiera ser

estimado.69

69 Ibidem, p. 529.

B) LAS CASAS VERSUS FERNÁNDEZ DE OVIEDO: OS INTERESSES CRIADOS

Sobre Fernández de Oviedo, cronista mor do Reino, Las Casas não é menos

inclemente e, no entanto, não consegui encontrar uma refutação direta às acusações que Las

Casas lhe faz, as quais ficam ressoando nos ouvidos dos amantes dos Cantares de Gesta dos

heróis hispânicos, ao mais puro estilo Comentarii De Bello Gallico de Júlio César:

Para probar su pestilentísima opinión, Sepúlveda cita a un tal Oviedo que escribió una Historia

General, según él la titula, sobre la realidad de las Indias. Este escribe en su obra que la gente de la

isla La Española es perezosa, ociosa, mentirosa, inclinada al mal y culpable de muchos vicios; a esto

añade que esta gente tiene flaca memoria, es inconstante, perezosa, ingrata y absolutamente incapaz

para todo. Después dice que, aunque tienen alguna virtud en la adolescencia, en cuanto llegan a la

edad adulta caen en vicios abominables. (…) Sé que hay que tener piedad de una persona tan

ignorante y ocupada en pintar los árboles genealógicos de cada nación. 70

Las Casas serve-se da mesma narrativa de Oviedo para combatê-lo, empunhando

uma arma dialética que poucos tratados de retórica ou Cortesãos de Castiglione aprovariam:

Pues así dice en el prólogo de la primera parte de su Historia, que no tiene el mínimo valor: Así he

trabajado, en obsequio de Vuestra Majestad, como inspector de cuentas, cuando y como convenía,

para estar presente en la guerra y en la pacificación de estas tierras mediante las armas. Este

impostor llama pacificación a matar a criaturas racionales de Dios con crueldad propia de un turco,

sin ningún o levísimo motivo (…)71

Além do mais, o próprio Oviedo descreve sua conduta: yo hice que mis siervos

indios extrajeran oro. Ya ves, lector, que éste fue uno de los que utilizaba indios; también

fue líder y se siente orgulloso de esta guerra diabólica, es más de la desolación y

70 LAS CASAS, Bartolomé. Apologia. Cap LVII, p.345-346. 71 Ibidem, p. 348.

destrucción de las provincias que se llamaban ‘Del Darién’72. A continuação, de novo o

argumento da autoridade que lhe confere ser testemunha, serve para rebater os argumentos

historiográficos de Gomara e para afirmar as teses de Las Casas:

Oviedo escribió que los indios de la isla La Española practicaban la sodomía y eran culpables de

otros nefandos pecados; esto es falso, en realidad. Pues yo fui uno de los primeros que viajé allí, si

no en el primero, en el segundo viaje, hacia el año 1500, en la época en que estaba allí el comendador

Bobadilla, que envió a Colón encadenado a España, y me quedé en la isla algunos años. Hice una

investigación diligentísima sobre este asunto y descubrí que el nefando vicio de la sodomía es entre

ellos rarísimo o inexistente. (…). En la época que Oviedo llegó a la isla, el pueblo indio, constituido

en una inmensa multitud de gente, había desaparecido totalmente y de los españoles que habían

matado a los indios, sólo quedaban a los sumo dos o tres, pues todos habían muerto.

O ilustrador de Las Casas, Theodor De Bry73 consegue imprimir a crueza das cenas.

De Bry's image of Spanish soldiers murdering Native Americans (From GREAT VOYAGES, Part IV, 1594)

72 Ibidem, p. 348 73 Nasceu em Lieja, Flandes, em 1528, onde morou até 1560. Filho de uma família protestante, ele teve que se exilar para Estrasburgo fugindo da morte e saques das guerras de religião da época. Discípulo de Albert Durero, e despojado pela contenda, De Bry sobreviveu graças a sua arte, sendo um dos primeiros em retratar os indígenas do Novo Mundo. Baseado nos relatos de Standen e de Sir Walter Raleigh, elabora as imagens mais conhecidas do canibalismo americano do século XVI, na ilustração da Storia del mondo nuovo (1565), de Girolamo Benzoni, e o monumental “Idéia verdadeira e genuína de todas as principais histórias, e de os vários ritos, cerimoniais y costumes dos habitantes das Índias; tal como as principais cidades e ilhas e fortalezas ou defesas das quais se trata nesta parte nona da história da América ou Índia Ocidental, em Francfort, imprenta de Mateo Becker, 1602”, impresso em Frankfort pela viúva na última cidade onde residiu73. Idôneo para as muitas edições da Brevíssima de Las Casas, e como ele, dentro de um caustico e crítico visceral realismo, é difícil se pensar em Las Casas sem sentir as cruas imagens de De Bry.

C) LAS CASAS VERSUS FRANCISCANOS: HOMO RATIONALIS VS INFANS

Os franciscanos manifestam, na época, a tendência a considerar os índios como

crianças pequenas em cultura e raciocínio. Pensam, portanto, que é melhor primeiro batizá-

los para depois instruí-los para o posterior crescimento em fé e amadurecimento cristãos. Já

os dominicanos, entre eles Las Casas, consideram aos índios como pessoas adultas, e por

isto antepõem ao batismo a instrução na fé e os costumes cristãos. Foi este um dos motivos

dos enfrentamentos entre ambas ordens e de Motolínia com Las Casas. A obra deste último,

De Único Vocationis Modo foi o fundamento da encíclica Sublimis Deus, na qual se predica

a plena racionalidad, humanidad y derechos humanos de los amerindios y de todos los

pueblos, incluso antes y con independencia de su conversión a la fe.74

Tal encíclica batera frontalmente com o edifício colonial sustentado pelos alicerces

das encomendas: los satélites del Enemigo del género humano tienen la audacia de afirmar

74 ABRIL CASTELLÓ, Vidal. Bartolomé de las Casas y la Escuela de Salamanca en la Historia de los Derechos Humanos: la Apologia. In: Apologia, op, cit, p. XVII y XVIII.

en todas partes que es necesario reducir a los indios a servidumbre (…) bajo pretexto de

que son como bestias incapaces de recibir la fe católica (…)75

Em contraste, Motolínia e, por extensão, os franciscanos, tinham optado por um

caminho mais prático ou “realista” , como se mostra na carta que enviara em dois de janeiro

de 1505 a Carlos V, acerca de Fernão Cortez: Por este capitán nos abrió Dios las puertas

para predicar su Santo Evangelio, y éste puso a los indios que tuviesen reverencia a los

santos sacramentos, y a los ministros de la Iglesia en acatamiento.76 O fim do mundo se

aproximava e era urgente a conversão maciça do maior numero de pagãos, pelos métodos

que fossem necessários. Las Casas destila ironia em relação às conversões avulsas por parte

dos franciscanos, como no caso da conversão do índio que se encontra na fogueira:

Quando lo querían quemar, estando atado al palo, un religioso de Sant Francisco le dijo como mejor

pudo que muriese cristiano y se baptizase; respondió que ‘para qué había de ser como los cristianos,

que eran malos’. Replicó el padre: ‘porque los que mueren cristianos van al cielo y allí están viendo

siempre a Dios y holgándose’; tornó a preguntar si iban a l cielo cristianos; dijo el padre que sí iban

los que eran buenos; concluyó diciendo que no quería ir allá, pues ellos allá iban y estaban. Esto

acaeció al tiempo que lo querían quemar, ya sí luego pusieron leña al fuego y lo quemaron (…)77

75 DUMONT, op. cit, p. 69-70. 76 DE ROUX, Rodolfo. Dos Mundos Enfrentados. Colômbia: CINEP, 1990, p. 171. 77 LAS CASAS, Bartolomé. Historia de las Indias. Lib III, cap XXV, p. 533-534.

Motolínia consegue ser explicito e prático, dentro do seu milenarismo:

Será predicado este evangelio en todo el universo antes de la consumación del mundo. Pues a V.M.

conviene de oficio darse prisa que se predique el Santo Evangelio pro todas estas tierras y los que no

quisieren oír de grado, sea por fuerza, que aquí tiene lugar aquel proverbio: más vale vueno por

fuerza que malo por grado.78

De forma congruente, Fray Toribio de Motolinia arremete, na sua carta ao

Imperador Carlos V, contra Las Casas, e argumenta com o método da citação, para ele auto

inculpatória:

Dice en aquel confesionario, que ningún español en esta tierra ha tenido buena fe acerca de las

guerras, ni mercaderes, en llevarles a vender mercaderías, y en esto juzga los corazones. Asimismo

dice que ninguno tuvo buena fe en el comprar y vender esclavos. Y no tuvo razón, pues muchos se

vendieron por las plazas con el hierro de V.M. y algunos años estuvieron muchos cristianos bona fide

y en ignorancia invencible.79

78 DE ROUX, op. cit. p. 171. 79 TORIBIO DE MOTOLINIA. Carta a Carlos V. In: Pereña, Luciano: Proceso a la Leyenda Negra. Salamanca: Universidad Pontificia, 1989.

LAS CASAS VS SEPÚLVEDA: CONTROVÉRSIA DE VALLADOLID

Yo no soy el filósofo.

El filósofo dice: Pienso…luego existo.

Yo digo: Lloro, grito, aúllo, blasfemo…luego existo.

Creo que la Filosofía arranca del primer juicio. La Poesía, del primer lamento.

No sé cuál fue la palabra primera que dijo el primer filósofo del mundo.

La que dijo el primer poeta fue: ¡Ay! Este es el verso más antiguo que conocemos.

La peregrinación de este ¡Ay! Por todas las vicisitudes de la historia ha sido hasta hoy la Poesía.

Un día este ¡Ay! Se organiza y santifica. Entonces nace el salmo.

Del Salmo nace el templo. Y a la sombra del salmo ha estado viviendo el hombre muchos siglos.

León Felipe. “El Poeta y el Filósofo”. De Poeta Maldito.

Juan Ginés de Sepúlveda, antagonista de Las Casas por antonomásia, nasceu na

pequena aldeia andaluza de Pozoblanco numa família humilde. Estudou em Alcalá de

Henares e depois em Sigüenza, universidade que já foi ironizada no próprio Quixote, o que

indica as dificuldades iniciais deste esforçado estudante, que concluiria sua formação no

Colégio Espanhol em Bolonha, onde seria aluno de Pomponazzi, graças à política de bolsas

do Cardeal Cisneros, então regente da Coroa de Castela. Protegido dos grandes mecenas

italianos, Julián de Médicis (futuro Clemente VII), Alberto Pio, príncipe de Carpi e Ercole

Gonzaga, Aldo Manucio e o papa Adriano VI, Sepúlveda se destaca como brilhante

tradutor do grego de Aristóteles, teólogo, jurista e espelho do perfeito cortesão. Quando

Carlos V foi se coroar imperador em Bolonha, estava rodeado por um círculo erasmista que

acreditava num messianismo imperial que faria chegar à idade de ouro. Seria o já

humanista “italiano” Sepúlveda o representante papal que recebera o César Carlos.

Fiel seguidor dos conselhos de Castiglione80, ele compôs engenhosamente e para

maior glória do Imperador a Cohortatio ad Carolum bellum suspiciat in turcas. Dois anos

depois, as tropas imperiais realizam o Saco de Roma e Sepúlveda é convidado para a Corte

dos Austrias como cronista imperial.81

Adversário do círculo erasmista, ele intui rapidamente as contradições dos ideais

daqueles com os imperativos da real politik e tenta se inserir no contexto imperial da Corte

de Carlos, prevendo o perigo do protestantismo para o seu programa imperial. Então

escreve o Demócrates Alter em defesa da guerra justa contra os índios e a pertinência das

encomiendas para o efetivo governo do Novo Mundo. O antagonista de Demócrates,

Leopoldo, é um jovem alemão luterano que se opõe à guerra, contra o qual o alter ego de

Sepúlveda, Demócrates, argumenta em favor da submissão dos índios aos europeus:

Y vemos que esto está sancionado en el libro de los Proverbios: “El que es necio servirá al sabio”. Es

creencia que tales son los pueblos bárbaros e inhumanos apartados de la vida civil, conducta

morigerada y práctica de la virtud. A éstos les es beneficioso y más conforme al derecho natural el

que estén sometidos al gobierno de naciones o príncipes más humanos y virtuosos, para que con el

ejemplo de su virtud y prudencia y cumplimiento de sus leyes abandonen la barbarie y abracen una

vida más humana, una conducta morigerada y practiquen la virtud. Y si rechazan su gobierno,

pueden ser obligados por las armas, y esta guerra los filósofos enseñan que es justa por naturaleza

con estas palabras: “De esto resulta que en cierto modo brota de la naturaleza la obtención de

riquezas por medio de la guerra, puesto que una parte de ella es la facultad de la caza, de la cual

conviene usar no sólo contra las bestias, sino también contra aquellos hombres que habiendo nacido

para obedecer rehúsan el dominio, pues tal guerra es justa por naturaleza” Hasta aquí Aristóteles.82

80 CASTIGLIONE, Baldassare. O Cortesão. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 81 FERNÁNDEZ SANTAMARIA, op. cit. p. 167-171, 82 SEPÚLVEDA, Juan Ginés. Obras Completas III, Demócrates Segundo, Trad. A. Coroleu, Ayuntamiento de Pozoblanco, 1997, libro I, p. 55-56.

Frei Bartolomeu conseguiu das Universidades de Alcalá e Salamanca relatórios

desfavoráveis com os quais impedir a publicação do Demócrates. O teólogo Sepúlveda

contra-atacou e conseguiu que o Conselho de Índias ordenasse a retirada de todos os

exemplares impressos e manuscritos da obra Confesionario do dominicano Las Casas83.

Acusações e informes foram, num fogo cruzado entre os beligerantes, arremessados um

contra outro. O Conselho de Índias decidira confrontá-los na que fora chamada a

Controvérsia de Valladolid, celebrada em duas sessões, entre 1550 e 1551. Participaram do

Conselho importantes filósofos da Escola de Salamanca, como Melchor Cano, sucessor da

cátedra em Salamanca de Francisco de Vitória, e Domingo de Soto, sendo este último quem

elaborou um resumo com as conclusões, nas quais nenhum erudito até hoje coincidiu em

determinar como favoráveis para um ou outro contendedor. O Conselho imediatamente

depois declarou o fim das conquistas e a ilicitude da escravidão dos índios.84

Diante da desobediência desta e das demais leis de Índias, Bartolomeu decide então

difundir os argumentos que defendera na Controvérsia, primeiro por meio de cópias

privadas e depois editadas por Cromberger e Trujillo com até sete reimpressões, feitas a

custa dos próprios livreiros que visavam um lucro quase certo. Já em 1553 aparecera um

concorrente anônimo que editara a edição pirata da Disputa entre Las Casas e Sepúlveda.85

Enquanto as obras de Las Casas eram sucesso, o Demócrates Alter apenas seria resgatado

no século XVIII pela Real Academia de História e editado por Menéndez Pelayo em 1892,

até então condenado à poeira do esquecimento: este su libro presento al Dotor en el

83 DE LAS CASAS, Bartolomé, Brevísima Relación de la Destruición de las Indias, Madrid, Castalia, 1999, p. 25. 84 Idem, Op. Cit, p. 26. 85 Idem, Op. Cit, p. 31.

Consejo Real de las Indias, suplicando con gran instancia e importunidad que le diesen

licencia y autoridad para imprimirlo. La qual le negaron muchas vezes, conociendo el muy

cierto escándalo y daño de publicarlo se recrecería.86.

Poucos entenderão o porquê desta discriminação. Ao final, não seria a tese do

esquecido Sepúlveda aquela que terminaria triunfando nos fatos? Até hoje, milhares de

indígenas continuam sendo exterminados por grupos para-militares, desde o México até a

Colômbia, e de fome ou pobreza no resto do continente, pois são considerados necios como

sabiamente observara Sepúlveda: seu latim era cristalino e os conhecimentos que sobre

Aristóteles acumulara rivalizavam com o próprio Avicena. Intercambiava cartas com

Erasmo, que ainda discordantes sempre falam da altura intelectual de Ginés. Por quê, então,

a injustiça com a obra deste preclaro homem? Apenas lembrado por alguns nostálgicos

“idealistas” do que a Grandeza da Espanha poderia ter sido e não foi, este tradutor do

estagirita fora resgatado por autores como Menéndez Pelayo, autor-perseguidor dos

Heterodoxos Españoles, em plena crise fin-de-sécle colonial espanhola do século XIX, por

Losada nos postremeiros tempos do regime de Franco, ou atualmente nesta incerta época

das “invasões bárbaras” na Espanha, com um 8,4% de população estrangeira em janeiro de

200587, resgatado por Solana Pujalte e Coroleu.

Assim como uma fotografia não existiria sem o seu negativo, Las Casas mesmo sem

o saber, nunca seria compreensível sem Sepúlveda, e nenhuma imagem mais gráfica que a

da Controvérsia de Valladolid sobre a licitude das Guerras de Conquista contra os índios.

86 Soto, Domingo. Relecciones y Opúsculos, in: SEPÚLVEDA, Ginés, Obras Completas III, Demócrates Segundo, Trad. A. Coroleu, Ayuntamiento de Pozoblanco, 1997, libro I, p. XII). 87 Instituto Nacional de Estadística de España, INE, in: www.ine.es, novembro de 2005.

A) SEPÚLVEDA: O INTELECTUAL ORGÂNICO.

There is nothing more consistent than a racist humanism,

since the European has only been able to become a man through

creating slaves and monsters.

Jean Paul Sartre. Preface of Fanon.

Teólogo, filósofo e jurista humanista da escola italiana, Juan Ginés utilizará

idênticas fontes de autoridade – o estagirita e a Bíblia – que os dominicanos tomistas, e

como num jogo de xadrez, os princípios, estratégias e estilos de cada qual formularão um

desenvolvimento do Grande Jogo, que a Controvérsia representa, diametralmente oposto.

O tradutor da Ética e da Política de Aristóteles para o Latim fundamenta a

conquista, ocupação e conseguinte dominação dos indígenas pelos europeus na servidão

natural dos bárbaros que o preceptor do Imperador Alexandre Magno ideara. Baseia-se

tanto na carência ou menor razão dos nativos, quanto no seu caráter selvagem e inferior,

que estava baseado na ausência de escritura, idolatria e rituais de canibalismo e sacrifícios

humanos que realizavam, o que fazia deles primatas sub humanos ou “monstrua”. Portanto,

ficam sentadas as bases para a mission civilisatrice, o que transforma Sepúlveda numa

figura inaugural na filosofia da conquista e ao mesmo tempo, talvez numa máscara branca

que o Império não gostasse muito de exibir.

Alem da erudição clássica, o que converte a Sepúlveda numa força considerável é a

perfeita construção de um edifício filosófico colonial que sustente a idéia do “por el

Imperio hacia Dios”, levantado com a argamassa Tomista e Agostiniana, porem com tijolos

do Antigo Testamento, dando uma base coerentemente cristã ao Império dos Austrias:

Dice el Deuteronomio: cuando entres en posesión de la tierra que el Señor Dios te dará, procura no

imitar las abominaciones de aquellas gentes y no seas tú de los que purifiquen pasando por el fuego

a su hija o hija, consulte a los adivinos, preste atención a los sueños o augures e indague de los

muertos la verdad, pues todo esto lo abomina el Señor y por tales crímenes los destruirá el Señor

con tu entrada. Semejante a esta es la frase del Levítico: Los habitantes de la tierra, que vivieron

antes de nosotros, cometieron todas estas abominaciones y la mancharon; cuidad de que no os

vomite a vosotros igualmente cuando hagáis actos parecidos, como vomitó al pueblo que vivió antes

que vosotros. Después de decir esto formuló la Ley universal aplicable también a todos los hombres:

Toda alma, dice, que cometa alguna de estas abominaciones será borrada de en medio de su pueblo;

es decir, ha de ser castigado con la pena de muerte todo aquel que cometa alguno de los crímenes

citados, como son el culto a los ídolos y los sacrificios de víctimas humanas, según declaró con

documento contundente Moisés, el mejor intérprete de la voluntad divina; pues por el culto a los

ídolos en que se habían contaminado los restantes hijos de Israel, ordenó a los Levitas que diesen

muerte a sus hermanos, amigos y allegados y, una vez cumplida esta orden, les dirigió la siguiente

alocución: Habéis consagrado hoy al Señor vuestras manos, cada uno en su hijo y en su hermano,

para que se os dé la bendición.88

Tradição, Família (nem sempre) e Propriedade, um programa de desbravadores e

aventureiros, bandeirantes e oenegés, missioneiros e grileiros, com mandato de segurança

divino, quando entrarem em posse da terra que Deus lhes dará, que rendera ao Cronista

Imperial substanciosas “doações” no seu pleito na Corte na defesa dos seus interesses,

como a documentada da prefeitura da Cidade de México, que acordó obsequiarle algunas

cosas desta tierra de joyas y aforros hasta el valor de doscientos pesos de oro de minas.89

Sem dúvida E. Saïd ou apóstolos do sionismo teriam gostado de ter conhecido a doutrina de

Sepúlveda, mesmo por diversas, atuais e bíblicas razões.

88 SEPÚLVEDA, Ginés de. Op. cit, p. 70. 89 ZAVALA, Silvio. La Filosofía Política en la Conquista de América. México: Fondo de Cultura Económica, 1947, p. 58.

B) LAS CASAS: DEFENSOR DOS ÍNDIOS

Fray Bartolomé de las Casas (Exaltándose) - ¡Yo jamás vi la espada separada del crimen!...No ha sido

siempre así, pero yo, yo, ¿qué queréis, Majestad?, ¡Sólo vi la espada unida a la muerte, a la violencia, a la opresión, a la barbarie! ¡Vi su lengua de acero traspasar de parte a parte a los niños, mujeres, hombres

indefensos!... ¡No me culpéis!... ¡Juzgo lo que vi! ¡Doy testimonio por no ser callado de la forma ñeque han usado y usan la espada contra estas indianas gentes, pacíficas, humildes, mansas, los que tienen por nada

derramar tan inmensa copia de humana sangre y despoblar de sus naturales moradores y poseedores, tierras vastísimas!..

Miguel Ángel Asturias, La Audiencia de los Confines

Las Casas construirá os seus argumentos definitivos na oposição às teses de

Sepúlveda. Talvez sendo menos conciso, cortês ou elegante do que o mestre de Pozoblanco,

o Defensor dos índios elaborou longas baterias argumentativas que se estenderam por

vários dias diante do Tribunal que decidiria a Controvérsia de Valladolid e longuíssimas

obras, como a Apologia e dezenas de cartas na defesa dos nativos, numa apaixonada luta

que se prolongaria até depois da própria morte através da sua obra póstuma, a Historia das

Índias. O conceito de servidão natural dos bárbaros, como basilar da estrutura ideológica

colonial como anulação do outro, é combatido em várias frentes pelo dominicano. Em

primeiro lugar, conceituando de forma diferente o que é um bárbaro.

1) QUATRO TIPOS DE BARBÁRIE. Segundo o frade, não há um único modelo de

bárbaro. O primeiro tipo é aquele homem cruel e inumano que aborrece toda razón

humana por ira o por naturaleza de modo que despreciando toda sencillez, mansedumbre y

moderación humana se vuelve duro, áspero, pendenciero, intolerante, cruel y se entrega a

cometer acciones violentas que no realizan más que las fieras que habitan las selvas.90

90 LAS CASAS, Bartolomé. Apología o Declaración y Defensa Universal de los Derechos del Hombre y de los Pueblos. Vidal Abril Castelló (org.). Salamanca: Junta de Castilla y León, 2000, p. 17.

Segundo Aristóteles, ele é o animal mais ímpio de todos, o pior e mais inumano.

Nesse sentido poderiam ser chamados de bárbaros gregos, latinos ou até muitos espanhóis:

más aún, por las acciones de violencia descomunal que realizaron contra estas naciones,

superaron a todos los demás bárbaros.91

A segunda classe de bárbaros é aquela que inclui a aqueles que carecem de língua

escrita e, portanto, são rudes e incultos: será bárbaro aquele que não entende o que o

outro fala. O sentido é relativo e não absoluto, pois segundo São Paulo: si yo no conozco el

valor de las palabras, seré un bárbaro para aquel a quien hable, y el que me hable lo será

para mi.92Así los griegos de los primero siglos llamaban bárbaros a los romanos y a su vez

los romanos llamaron bárbaros a los griegos y demás gentes del mundo.93 Evidentemente

que o Filósofo não se refere a esta tipologia quando diz que os bárbaros são por natureza

escravos e não tem gênio suficiente para se governar a si próprios ou aos outros.

A terceira espécie de bárbaros em sentido próprio e absoluto é a daqueles que por su

carácter impío y muy malo o por la esterilidad de la tierra que habitan son crueles,

feroces, tontos, incultos y carentes de razón, que no se gobiernan por leyes ni derecho y no

cultivan la amistad ni el estado ni tienen una sociedad política.94 Segundo Aristóteles são

servos por natureza, pois se comportam como animais, e devem ser governados pelos

gregos, pois vivem fora de uma comunidade sendo o homem um animal político:

91 Ibidem, p. 18. 92 Ibidem, p. 21. 93 Ibidem, p. 21. 94 Ibidem, p. 22.

Quien no vive en comunidad con otros hombres, o es más hombre o es una bestia, según el reproche

que hace Homero a quien vive sin tribu, sin derecho, sin hogar, pues, además, su naturaleza es tal que

está deseoso de guerra, como quien no está atado a yugo ninguno, como las aves. 95

Para Las Casas este tipo é a exceção porque la naturaleza siempre hace lo mejor

que puede hacerse según el Filósofo.96Segundo Santo Tomás: un bien proporcionado al

estado común de la naturaleza existe en la mayoría y falla este bien en los menos…así

como es evidente que son muchos los hombres que tienen sabiduría suficiente para dirigir

sus vidas y que son los menos los que carecen de ese saber, que se llaman insensatos y

necios.97 Portanto eles são raríssimos: caso contrario, as conseqüências teológicas (e

lógicas, acrescentaria) seriam desastrosas, segundo Las Casas:

Si pensamos que la muchedumbre tan inmensa de hombres es bárbara, de ello se seguiría que la

voluntad de Dios ha quedado carente de efecto en su mayor parte, pues tantos miles de hombres han

sido privados de una luz de la naturaleza que es común a todas las gentes. De esta manera, se

rebajaría mucho la perfección del universo en su conjunto, lo cual es un gran inconveniente y es

imposible que lo piense un cristiano.98

Segundo o estagirita, estes bárbaros devem ser caçados como as feras para serem

governados pelos gregos. Las Casas opõe duas restrições: a primeira que não caçados por

qualquer um, mas pelos governantes e soberanos. A segunda, seguindo a São Paulo, postula

que devemos amor a todos: ya no hay distinción entre hombres y mujeres, judío o gentil,

circuncisión o incircuncisión, bárbaro o escita, siervo o libre: Cristo es todo en todos.99

95 Ibidem, p. 23. 96 Ibidem, p. 24. 97 Ibidem, p. 25. 98 Ibidem, p. 26. 99 Ibidem, p. 29.

Por tanto, aunque filósofo, desconocedor de la verdad y del amor cristianos escriba que los sabios

pueden cazar a los bárbaros igual que a fieras, que nadie entienda que hay que matar a los bárbaros o

oprimirles con trabajos injustos, crueles, duros e injustos como a jumentos y que pueden ser

capturados por hombres más inteligentes con ese fin. ¡Adiós Aristóteles!

A quarta classe de bárbaros engloba àqueles que não conhecem a Cristo. No

entanto, o apóstolo Paulo os chama de “gente bárbara” no porque sean necios o salvajes,

sino porque no conocían a Cristo. A Igreja não pede que sean reprimidos los que no

combaten al pueblo cristiano, sino que pide que Dios quite de sus corazones la iniquidad y

que después de abandonar su idolatría, se conviertan al Dios vivo.

Conclui-se que apenas são propriamente bárbaros os da terceira classe, devendo se

respeitar a soberania destes, pois Deus, segundo o Deuteronômio, Dio a cada pueblo su

jefe. Pues cualesquiera que sean los reyes o gobernantes, incluso entre los bárbaros, son

también ministros de Dios, según enseña la sabiduría divina: Por mí reinan los reyes y los

que dan leyes decretan lo justo, pro mí tiene poder los soberanos.100Chega-se ao máximo

reconhecimento do Outro: ningún pueblo libre puede ser obligado a someterse a un pueblo

de mayor cultura, aunque tal sumisión pueda producirle un gran beneficio. Surge o direito

a legítima defesa:

cualquier pueblo, por bárbaro que sea, puede defenderse de un pueblo de cultura superior que quiera

someterle y privarle de libertad, más aún, puede castigar lícitamente al pueblo más culto con la

muerte, por la crueldad y violencia con que le maltrata contra todo principio de ley natural; y esta

guerra es ciertamente más justa que la que a ellos se les hace en nombre de una cultura superior.

100 Ibidem, p. 36.

2) A IDOLATRIA COMO CAUSA DE GUERRA. Podem os reinos indígenas ser

ocupados e punidos por causa da idolatria dos seus súbditos? Los infieles que nunca

abrazaron la fe de Cristo ni son súbditos de soberanos cristianos no pueden ser castigados

por cristianos o por la Iglesia por ningún crimen, por muy atroz que sea101. O motivo se

deriva do pensamento de Santo Tomás: Los que son infieles, aunque “en acto” no son de la

Iglesia, lo son “en potencia”. Esa potencia tiene dos fundamentos: el primero y principal

es el poder de Cristo, que basta para la salvación de todo el género humano; el segundo es

el libre arbitrio102. As palavras de São Paulo fundamentam os argumentos lascasianos:

¿Qué tengo yo que juzgar de los que están fuera? ¿No es a los de dentro a los que os

corresponde juzgar? Pues de los que están fuera ya juzgará Dios.

O que fazer com os ídolos e os idolatras? Não se devem destruir por força (como

fizera Cortés) antes que los paganos oigan hablar de la verdad evangélica y la acepten

libremente, pues eso es fatal para la expansión de la religión verdadera.103 Para Las Casas,

as conseqüências práticas devem ser o norte, como ensina Santo Tomás, há que tolerar os

ritos pagãos para possam ser convertidos na fé ao ouvir a pregação evangélica e se respeite

o livre arbítrio:

¿qué podemos hacer si, después de destruir los ídolos por la fuerza, los paganos que aún no conocen

a Cristo, ofrecen a escondidas sacrificios a sus dioses en las selvas, montes y parajes desiertos, donde

los que lo buscan con empeño suelen encontrar con más facilidad a Cristo? Pues quizá sean

arrancados los ídolos de los templos pero no de los corazones.104

101 Ibidem, p. 46. 102 Ibidem, p. 52. 103 Ibidem, p. 60. 104 Ibidem, p. 60.

Seguindo ainda a Santo Tomás, para evitar un mal, es decir, para evitar el

escándalo de la discordia que pudiera surgir de ello o un impedimento para la salvación

de los que siendo así tolerados poco a poco se convertirán a la fe, pues por esto también

algunas veces la Iglesia ha tolerado los ritos de herejes y paganos, cuando el número de

infieles era muy cuantioso.105

Las Casas atualiza o pensamento tomista no confronto com os novos fatos:

Vemos que la Iglesia no castiga la ceguera de los judíos ni a los seguidores de la superstición

mahometana, aunque los judíos y los sarracenos habiten en ciudades del territorio cristiano, lo cual es

tan evidente que no necesita prueba; pues Roma, alcázar de la religión cristiana, tiene judíos,

Alemania, Bohemia tienen judíos, y en otro tiempo España tendía sarracenos, vulgarmente llamados

mudéjares, que vimos con nuestros propios ojos. Por tanto, si la Iglesia no castiga la infidelidad de

los judíos, aunque habiten territorios de religión cristiana, mucho menos castigará a los idólatras que

habitan una parte inmensa de la tierra, desconocida en los primeros siglos, que nunca han sido

súbditos de la Iglesia o de sus miembros ni han sabido qué era la Iglesia.106

Rebatendo o segundo motivo principal alegado por Sepúlveda, o da idolatria, Las

Casas postula o argumento jurídico: ningún gobernante, rey, emperador u otro cualquiera,

puede ejercer su jurisdicción fuera de su territorio; por eso las fronteras o límites se

llaman así, porque limitan, determinan o restringen la propiedad o el poder o jurisdicción

de alguien.107Fica reafirmado o princípio de autodeterminação dos povos, o que vem a

desencorajar àqueles que postulam a modernidade de Sepúlveda (o que não se nega, em

virtude do seu monologismo absolutista) frente ao pretendido medievalismo lascasiano.

105 Ibidem, p. 62. 106 Ibidem, p. 71. 107 Ibidem, p. 73.

3) O DIREITO DE INTERVENÇÃO. O terceiro argumento de Sepúlveda reside na

obrigação moral de ocupar os reinos indígenas para evitar horríveis crimes, como os

nefandos e os sacrifícios humanos, no que constitui um embrião do futuro direito

humanitário de intervenção: Não o nega Las Casas, mas o restringe de tal forma que não

possa ser alegado injustamente, sendo como é un caso nuevo e inaudito hasta ahora, por no

decir impensado, en el que la Iglesia puede ejercer un acto de jurisdicción coercitiva sobre

los infieles. Es el caso que se presenta cuando se oprime injuriosamente a gentes inocentes

o se los mata en sacrificio a sus dioses o se comen sus cadáveres.108

Podem os soberanos intervir legitimamente? Son considerados personas privadas

fuera de las fronteras del reino de cada cual y no pueden hacer juicios. Pues, aunque

cualquier persona privada está obligada por ley natural a liberar a estos inocentes, esto es

verdad sólo cuando no hay nadie más que los libere.109Alem do mais, antes de intervir,

antes hay que considerarlo mucho para que al querer impedir la muerte de unos pocos

inocentes causemos la de una incontable multitud de personas que tampoco lo merece,

destruyamos reinos enteros, infectemos sus ánimos de odio hacia la religión cristiana.110

Las Casas antecipa o direito humanitário de guerra, quando postula que

El argumento de que si una ciudad es condenada en una guerra justa, todos sus habitantes se

consideran enemigos es falso, ya que una presunción de derecho no debe tener efecto en situaciones

imposibles. Pues ¿quién puede suponer que los niños, faltos de fuerzas y de criterio y carentes

108 Ibidem, p. 182. 109 Ibidem, p. 182. 110 Ibidem, p. 183.

totalmente de malicia sean culpables? ¿Quién puede pensar que las mujeres temblorosas dieron

motivo para la guerra (…)?111

Quando uma guerra se desata, no se puede distinguir a los inocentes de sus

opresores – aunque está claro que son innumerables – por la inmensa cantidad de

personas afectadas por la guerra y por la furia guerrera, la confusión y el alboroto (…) sin

olvidar el ansia de rapiña y la desvergonzada y cruel licencia para hacer el

mal(…).112Outro argumento reforçando este último: em virtude do caos guerreiro e

seguindo a São João Crisóstomo, la mayoría de las veces queda inmune un pecado que

muchas personas han cometido.113

Las Casas mais uma vez contorna uma solução alegada por Sepúlveda: se Deus

castigou a pais e filhos, culpáveis e inocentes em Sodoma e Gomorra, para o dominicano,

hay admirar los ejemplos del Antiguo Testamento, pero no siempre hay que imitarlos. Por

outra parte, los juicios de Dios son inescrutables; por eso, no hay que pensar que porque

Dios mandara hacer eso, nosotros también podamos hacerlo. Os homens são propriedade

de Deus e deles pode dispor, mas o homem está sujeito à lei natural e divina.114

Contrarestando o Antigo Testamento, Bartolomeu propõe o Novo: ¿Quieres – dicen los

apóstoles – que vayamos y lo recojamos? Pero Él dice: no, porque quizás al recoger la

cizaña arranquéis también el trigo. Dejad que crezcan juntos hasta la siega, etc. no sea

que queriendo arrancar la cizaña arranquéis también el trigo.115

111 Ibidem, p. 196. 112 Ibidem, p. 211. 113 Ibidem, p. 214. 114 Ibidem, p. 191. 115 Ibidem, p. 205.

4) ANTROPOFAGIA: SACRIFÍCIOS HUMANOS OU CANIBALISMO? Se alguns

qualificam a Las Casas como um precursor da antropologia moderna, eu diria que ele,

fundamentado no livre arbítrio e o respeito ao Outro, vai alem da média dos antropólogos

ao uso. Se bem os indígenas não podem se isentar perante Deus, estão desculpados diante

dos homens. Em primeiro lugar e seguindo ao Filósofo, por incorrer em erro provável:

cuando lo aprueban todos los hombres o la mayor parte de los sabios, o aquellos cuya

sabiduría está más que probada116. Para o frade,

Los indios están en un error probable, puesto que la opinión sobre los dioses y sobre los sacrificios

que hay que ofrecerles, y sobre qué hay que ofrecerles ha sido aprobada por todos los pueblos indios,

y dan culto a estos dioses todas las personas que ellos consideran santas y sagradas, es decir, los

sacerdotes, y el culto de los ídolos está aprobado por las leyes y sancionado por los soberanos, con

amenazas y penas para los que no lo practiquen; finalmente, se rinde culto a los ídolos públicamente

– no a escondidas en los templos, religiosamente, desde los tiempos más antiguos, luego está muy

claro que están en un error probable. Y no debe extrañarnos que no respondan inmediatamente a

nuestra primera predicación.117

Argumento histórico e comparativo: segundo Plutarco, os romanos não castigaram a

alguns bárbaros que faziam sacrifícios humanos, porque ellos mismos no muchos años

antes sacrificaban en el foro Boario a dos hombres y a dos mujeres, En efecto, no parece

adecuado que ellos hagan eso y reprendan a los bárbaros que hacían tales

sacrificios.118Da mesma forma, os antigos espanhóis, segundo Estrabão, entregados a los

sacrificios, practican la adivinación con intestinos, sobre todo de prisioneros, y ofrecen a

116 Ibidem, p. 221. 117 Ibidem, p. 221-222. 118 Ibidem, p. 223.

sus dioses las manos amputadas de sus prisioneros. Comen un macho cabrío, que

sacrifican a Marte, como los cautivos y los caballos, etc.119

Argumento jurídico: é lícito segundo a lei natural fazer os sacrifícios. Não existe

nenhum povo que no tenga algún conocimiento de Dios, aunque sea confuso; todos

piensan que hay un Dios, mayor y mejor que cualquier ser.120 Posto que todos os homens,

por instinto natural estão inclinados a adorar a Deus, segundo as suas capacidades e modo

de ser121, e de nenhum modo rende-se culto a Deus melhor que com o sacrifício, posto que

segundo Santo Tomás:

El hombre está en deuda con Dios por dos razones: primera, por los beneficios recibidos de Él;

segundo, por los pecados cometidos contra Él. Pero el hombre no puede satisfacer plenamente estas

dos obligaciones, porque, en cuanto a los honores debidos a los padres y a Dios, también según el

Filósofo, es imposible satisfacer lo debido en cantidad equivalente, pero para satisfacerlo basta con

que el hombre dé proporcionalmente lo que pueda. Por todo ello queda claro que los hombres están

obligados por derecho natural a honrar a Dios mediante lo mejor y más excelente que tienen y a

ofrecerle en sacrificio lo mejor.122

Para Las Casas, é conforme com o direito natural fazer oferendas al Dios verdadero

o a quien se cree que es Dios;(…) en cambio, es de ley humana y constitución positiva la

elección de lo que hay que ofrecer a Dios123. Segundo o Filósofo, todos os homens pensam

igual no que diz respeito à lei natural, mas diferem nas leis e instituições.124

119 Ibidem, p. 224. 120 Ibidem, p. 226. 121 Ibidem, p. 227. 122 Ibidem, p. 228. 123 Ibidem, p. 229. 124 Ibidem, p. 231.

Culminando assim a construção intelectual de um relativismo tão cultural quanto

jurídico, Las Casas não apenas aceita outras culturas, mas consolida a força da sua própria

tradição cultural, no entendimento e abertura para os novos fenômenos com que se

encontrava a sua sociedade e a história: dentro de los límites de la luz natural de la razón –

es decir, donde cesa la vigencia de la ley positiva humana y divina, a lo que puedes añadir

la carencia de gracia y de doctrina – los hombres deben hacer sacrificios humanos al Dios

verdadero o al que piensa que lo es, si por tal lo tienen.125Por quê? Acreditando que la

felicidad de todo el estado depende de esta clase de ofrendas y sacrificios, es decir, del

sacrificio de víctimas humanas (…) afligidos por las necesidades, sacrificaran la víctima

que a su juicio era la más valiosa y grata de todas a Dios, es decir, personas.126

O imprescindível para um escolástico argumento teológico, fruto da contestação a

Sepúlveda, termina sendo menos coerente com o sistema do Novo Testamento em que

parece sustentar-se a maior parte da doutrina lascasiana, porem não fica isento de alguma

genialidade retórica:

Dios manda a su pueblo que sacrifique a todo primogénito con estas palabras: conságrame todo

primogénito que abra matriz entre los hijos de Israel, tanto hombres como ganado, pues todos son

míos. (…) pues Dios mostró suficientemente que todo se le debía con justicia y sin injuria para nadie,

mandó que se le sacrificaran o que le sirvieran siempre en el ara de la alianza en el ministerio del

culto divino, lo mismo que hoy vemos que Dios algunas veces se lleva a los primogénitos, según le

place, y por esta acción no injuria a nadie.127

125 Ibidem, p. 234. 126 Ibidem, p. 239. 127 Ibidem, p. 240-41.

Conclui Bartolomeu com o argumento mais forte para impedir a punição, que

segundo ele não merecem os indígenas do Novo Mundo, dado que pela

ley o por costumbre antiquísima y confirmada por mandato de los soberanos, los doctores y los

sacerdotes, y de este modo por la autoridad pública se considera piadoso y santo sacrificar a los

dioses que son considerados como el verdadero Dios, se sigue que esta costumbre y el error común

crea derecho entre ellos y consecuentemente excusará a los sacrificadores, pues no se considera que

esté en un error o equivocado quién sigue el derecho público, de acuerdo con el Digesto.128

Neste ponto se faz evidente que teologia, filosofia ou literatura não podem ser

entendidas sem se er alguma noção da Igreja e dos movimentos filosóficos,

neoescolasticismo, erasmismo e humanismo, que dentro daquela surgem.

128 Ibidem, p. 243-44.

IGREJA, ERASMISMO E HUMANISMO ITALIANO.

También escribimos sobre ciertas poblaciones nuevas de indios que conviene mucho

hacerse, que estén apartadas de las viejas, en baldíos que no aprovechan a las viejas

y de que, trabajando , se podrán muy bien sustentar estas nuevas poblaciones que digo,

rompiendo y cultivando los dichos baldíos, y esta es sin duda una gran cosa muy útil y necesaria.

Vasco de Quiroga, Carta al Consejo, México XIII de agosto de 1531.129

A variedade e complexidade jurídica das novas e camaleônicas formas atuais dos

aparelhos ideológicos do Estado são facilmente apreendidas e explicadas didaticamente na

simples, porém avassaladora, força do aparelho Igreja nos primórdios da era moderna. Sigo

neste ponto as teses de Althusser, mas onde ele diz luta anti-clerical leia-se luta contra o

Papado e a favor de uma Igreja de Estado, perfeitamente compatível com o sistema

maquiavélico:

No período histórico pré-capitalista130 que examinamos sumariamente, é evidente que havia um

aparelho ideológico de Estado dominante, a Igreja, que reunia não só as funções religiosas, mas

também as escolares, e uma boa parcela das funções de informação e de “cultura”. Não foi por acaso

que toda a luta ideológica do século XVI ao XVIII, desde o primeiro abalo da Reforma, se

concentrou numa luta anti-clerical e anti-religiosa, foi em função mesmo da posição dominante do

aparelho ideológico do Estado religioso.131.

Se os AIE funcionam predominantemente através da ideologia (...) na qual

funcionam, que está sempre unificada, apesar da sua diversidade e contradições, sob a

129 VASCO DE QUIROGA, Carta al Consejo, in: La Utopía en América. Madrid: Dastin, 2002, p. 62. 130 Se bem para Quijano e Wallerstein, o moderno sistema mundial nasceu no longo século XVI. As Américas, como construto social, nasceram no longo século XVI. A criação dessa entidade geossocial, as Américas, foi um ato constitutivo do sistema mundial moderno. As Américas não foram incorporadas a uma economia capitalista mundial já existente. Não poderia ter havido uma economia capitalista mundial sem as Américas (Mignolo, Walter. Historias locais/ projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Trad Solange Ribeiro. Belo Horizonte: editora UFMG, 2003, p. 84). 131 ALTHUSSER, L., Op. Cit, p. 76.

ideologia dominante que é a ideologia da “classe dominante”, 132 Maquiavel e Sepúlveda,

proto-materialistas e racionalistas aristotélicos, não teriam lugar em países latinos católicos

como Portugal ou a Espanha dos séculos XVI e XVII: o Príncipe deve seguir submetido ao

Papa e à ideologia da Igreja, ou pelo menos deve se servir dela para a própria legitimidade

dentro da concepção do Império das duas cabeças. As teses dos citados humanistas não

encaixam dentro deste modelo de poder imperial: o Papado, como praticamente

monopolista dos AIE, e o Imperador, tomando conta do aparelho repressivo. Cabeça que

simbolicamente e de fato, Henrique VIII cortará a Morus: A obediência a um emissário do

Papa e aos limites morais e teológicos, que este amigo de Erasmo reivindicara em Utopia,

não poderiam satisfazer à nascente burguesia inglesa, e por extensão, a do norte da Europa,

que já não se conformaria com enterrar e esconder o bezerro de ouro, mas que agora queria

desfrutá-lo e adorá-lo no seu devido altar weberiano. Na ilha de Utopia,

Os penicos e outros utensílios dedicados a usos vis são feitos de ouro e prata não só para os lugares

públicos, mas para as moradias particulares. Com estes mesmos metais forjam-se as correntes que

prendem aos escravos. Finalmente, os réus de crimes levam nas suas orelhas anéis de ouro. Os seus

dedos vão recobertos de ouro e o seu pescoço vai cingido por um colar de ouro. E sua cabeça coberta

com um capacete de ouro. Tudo concorre, pois, para que entre eles o ouro e a prata sejam

considerados como algo ignominioso. 133

Enquanto Tomás Morus paga fatalmente sua discordância com a mudança de rumo

na corte de Henrique, Bartolomeu escreve sobre os infernos que a febre do ouro provoca na

época. De imediato a Brevíssima seria de grande sucesso e apelo populares: esta faz dizer

132 Idem, Op. Cit, p. 71. 133 MORO, Tomás. Utopia. Librodot, 2005. In: www.librodot.com. P. 39 e 40.

ao cacique Hatuey os motivos porque os cristãos (inclui aqui todos os europeus) vão para

Cuba (e o Novo Mundo) matando e cometendo as piores crueldades.

¿Sabéis quizá por que lo hacen? Dijeron: “No, sino porque son de su natura crueles y malos”. Dice

él: “No lo hacen sólo por eso, sino porque tienen un dios a quien ellos adoran y quieren mucho, y por

habello de nosotros para lo adorar, nos trabajan de sojuzgar y nos matan”. Tenía cabe sí una cestilla

llena de oro y joyas y dijo: “Veis aquí el dios de los cristianos: hagámosle si os parece areítos (que

son bailes y danzas) y quizá le agrademos y les mandará que no nos haga mal.” Dijeron todos a

voces: “Bien es, bien es.” Bailárosle delante hasta que todos se cansaron, y después dice el señor

Hatuey: “Mira, como quiera que sea, si lo guardamos, para sacárnoslo al fin nos han de matar:

echémoslo en este río.” Todos votaron que así se hiciese, y así lo echaron, en un río grande que allí

estaba. 134

Por primeira vez se dá voz às vitimas, mesmo que essa voz seja necessariamente

imaginada ou transformada por nossa própria visão. E quando não o é? Paralelamente às

sociedades subdesenvolvidas, existem sociedades silenciadas. Sociedades silenciadas são,

é claro, sociedades em que há fala e escrita, mas que não são ouvidas na produção

planetária de conhecimento, orientadas pelas historias locais e as línguas locais das

sociedades silenciadoras(isto é, desenvolvidas).135

Para Morus, os felizes habitantes de Utopia apenas não careciam de ouro ou

ambição. Povo que provêm dos gregos, sabe suportar os trabalhos corporais: Não

consideram escravos aos prisioneiros de guerra e não têm advogados. Não existe

exploração dos trabalhadores num mundo patriarcal de famílias de agricultores e artesãos.

134 DE LAS CASAS, Bartolomé, Op. Cit, p. 90-91. 135 MIGNOLO, Walter. Historias locais/ projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Trad. Solange Ribeiro. Belo Horizonte: editora UFMG, 2003, p. 108.

Da mesma forma, para Bartolomeu ou para Vasco de Quiroga136, a prioridade era povoar o

Novo Mundo com famílias de agricultores e produzir, longe do culto ao deus de Midas:

Decía y ofrecíase este cacique a servir al rey de Castilla con hacer una labranza que llegase hasta la

Isabela, que fue la primera población de los cristianos, hasta la ciudad de Santo Domingo, que son

grandes cincuenta leguas, porque no le pidiesen oro, porque decía, con verdad, que no lo sabían

coger sus vasallos. La labranza que decía que haría, sé yo que la podía hacer y con gran alegría, y

que valiera más al rey cada año de tres cuentos de castellanos, y aun fuera tal que causar esta

labranza haber en la isla más de cincuenta ciudades tan grandes como Sevilla.137

Para os pequeno-burgueses arruinados pela inflação, os fidalgos da pequena nobreza

sem terras, os milhares de desocupados, pedintes, frades mendicantes, vendedores de bulas,

pícaros e até honrados camponeses a Felicidade não tinha muito a ver com o ordenado e

higiênico trabalho no campo que defendem Morus, Erasmo ou Las Casas, que para eles

resultava uma condena ao tripalium cujo único descanso e remissão seria passar a “melhor

vida”. Antiprecursores de Max Weber, e certos de que o labor, que apenas enriquece os

grandes, não é motor da felicidade, muitos arriscariam a sorte grande: Eldorado.

136 VASCO DE QUIROGA, La Utopía en América. Madrid: Dastin, 2002. 137 DE LAS CASAS, op. cit. p. 82.

Véase que, para Gonzalo Pizarro, el Dorado está justamente ligado a una laguna, como sabemos se

había producido una simplificación, y ya conocemos que, según el relato directo de Fernández de

Oviedo, el cacique que dieron en llamar Dorado era, del mismo modo que los indios untados del

Orinoco, personaje que andaba también untado de resina, con el oro espolvoreado, normalmente

renovándose igualmente tal atuendo todos los días. Mas, al lado de este aspecto que así señala

Gonzalo Pizarro, adviértase que dice también al monarca, que las noticias que le habían movido le

fueron confirmadas por españoles, con lo que nos denuncia, como es obvio, su reciente novedad.138

Sem paciência para aguardar as benzas que depois da morte receberiam no céu, com

seus ouvidos bem abertos e desprovidos de qualquer principio ético medieval ou temor

divino que servisse para fechá-los aos cânticos das sereias da Fortuna, semi-deusas que não

lhes deixavam escutar nem a Razão nem a Trabalho, 139 não se importavam com tomar

extremos riscos nas suas escassas posses, almas ou vidas com tal de comprar um número na

loteria do ‘país de Cucaña ‘- onde o ouro sai das árvores - com que eventualmente

conseguir uma parcela da felicidade que o amaldiçoado metal poderia lhes oferecer.

En efecto, más allá del valor crematístico del oro, la noción de “botín” y de “trofeo” que premia los

riesgos corridos en tierras desconocidas, la metamorfosis del metal en símbolo de poder, valor y

moneda de intercambio con la cual puede incluso comprarse un lugar en el Paraíso, explica en buena

parte la intensidad de movilización alrededor del ubicuo El Dorado, tras cuyas ciudades miríficas se

desvanece en tierras americanas el mito original de la Edad de Oro. Al valor cuantificable del oro se

suma la ambición de la conquista de un territorio representado en la imaginación como una suerte de

Paraíso pagano, fijado desde tiempo inmemorial en una “edad feliz”.140

138 RAMOS, Demetrio. El mito del Dorado: su génesis y proceso. Caracas: Academia Nacional de la Historia, 1973, p.351. 140 AINSA, Fernando. De la Edad de Oro al Dorado: Génesis del discurso utópico americano. México: Fondo de Cultura Económica, 1992, p. 112.

Terá-se intuído o porquê do sucesso editorial e o perfeito encaixamento dentro dos

AIE de Las Casas e o fracasso do erudito Sepúlveda. O dominicano, como porta-voz da

teologia católica papista que a Ordem dos Predicadores defendem e a conseguinte estrutura

ideológica que aporta ao Estado Césaropapista, conseguiu vitoriosamente se engajar no

plano de ação da monarquia de Carlos V, o Império de duas cabeças, Papado e César, frente

aos lobbies dos “criollos141” hispano-americanos que o discípulo de Pomponazi defendia:

Os vários métodos de controlar o trabalho associavam-se ao primeiro mapeamento racial do sistema

mundial moderno. O conhecido debate de Valladolid – entre Bartolomé de las Casas e Juan de

Sepúlveda e, mais tarde, os estudos acadêmicos jurídico-teológicos na Escola de Salamanca,

destinada a encontrar o lugar dos ameríndios na cadeia da existência e na ordem social de um estado

colonial emergente – culminaram na enunciação dos “direitos dos povos” (antepassados dos “direitos

do homem e do cidadão”) que permitiram enxergar os ameríndios como vassalos do rei e servos de

Deus. O controle da força de trabalho tornou-se necessário primeiro para evitar a morte maciça de

ameríndios e, em segundo lugar, para a implementação parcial da legislação da coroa (apoiada pela

Igreja) a respeito das liberdades que os conquistadores estavam tomando com os ameríndios e sua

tutela.142

Las Casas não apenas dirige sua Brevíssima ao Rei como uma convenção do

gênero. Referências continuas e chamadas realizadas ao Príncipe parecem denotar algo a

mais que um recurso retórico: no hay servidores de Dios ni del rey sino traidores a su ley y

a su rey143; Ha rebosado y llegado a su colmo toda la iniquidad, toda la injusticia, toda la

141 Criollo: filho de europeu, geralmente espanhol, nascido nos antigos territórios coloniais de América, que já é americano e forma a elite dirigente de Latino-América. 142 MIGNOLO, Walter, op. cit. p. 84-85. 143 LAS CASAS, op. cit, p. 133.

violencia y tiranía que los cristianos han hecho en las Indias, porque del todo han perdido

todo temor a Dios y al rey, y se han olvidado de sí mesmos.144

Não apenas visa proteção da honra regia: a Fazenda Real há de ser preservada:

No veen los ciegos y turbados de ambición y diabólica codicia que no por eso adquieren una punta

de derecho, como verdaderamente sean temores y miedos, aquellos cadentes inconstantísimos viros

que de derecho natural y humano y divino es todo aire cuando se hace para que valga, si no es el

reatu y obligación que les queda a los fuegos infernales, y aun a las ofensas y daños que hacen a los

reyes de Castilla, destruyéndole aquellos sus reinos y aniquilándoles (en cuanto en ellos es) todo el

derecho que tienen a todas las Indias. Y éstos son, y no otros, los servicios que los españoles han

hecho a los dichos señores reyes en aquellas tierras, y hoy hacen.145

A contabilidade, sempre discutida nas obras de Las Casas, chega a lançar as

prestações numerárias nos balancetes do roubo dos falsos servidores do César Carlos: Más

robaron en aquel tiempo de aquel reino (a lo que yo puedo juzgar) de un millón de

castellanos, y creo que me acorto, y no se hallará que enviaron al rey sino tres mil

castellanos de todo aquello robado; y más gentes destruyeron de ochocientas mil

ánimas.146

E Sepúlveda? Moderno antes de tempo e no lugar equivocado: A modernidade

inclui um conceito ‘racional’ de emancipação que afirmamos e presumimos. Mas, ao

mesmo tempo, desenvolve um mito irracional, uma justificativa para a violência genocida.

144 Idem, op. cit, p. 103. 145 Idem, op. cit, p.111. 146 Idem, op. cit, p. 97.

Os pós-modernistas criticam a razão moderna como uma razão do terror; nós criticamos a

razão moderna por causa do mito irracional que esconde.147

O tradutor do estagirita deveria ter oferecido os seus serviços para Henrique VIII ou

algum Príncipe holandês luterano ou calvinista, mais abertos para o que ia ser um autêntico

Estado Mercantil Moderno. Alguns haviam de ficar atrasados na corrida em pós da

modernidade: A Rússia, por causa de sua ortodoxia bizantina, como a Espanha por causa

do seu catolicismo, não prosseguiu no caminho traçado pelo Ocidente, quando adotou uma

tendência nova, renunciando a seu passado cristão como uma experiência que tivera que

viver, mas que não desejava repetir.148

Seguindo Darcy Ribeiro podemos acrescentar Portugal a este grupo de Impérios

Mercantis Salvacionistas:

A associação das monarquias ibéricas com o papado alcançou um nível de quase fusão quando se

juntaram os recursos econômicos e o salvacionismo de Madri com o empenho anti-reformista de

Roma. Nessa conjuntura, a Ibéria consegue do papa o título de domínio exclusivo sobre todas as

terras que se descubram para além de uma linha imaginária; e a monarquia espanhola obtém os

privilégios de erigir e dirigir a Santa Inquisição através de sacerdotes intermediários; de cristianizar o

gentio com a qualidade de “vigários apostólicos” investidos da condição de “patronato universal”; e

até do direito de cobrar os dízimos e outras rendas da Igreja que seriam ressarcidas depois pela

Coroa.149

147 DUSSEL in: MIGNOLO, Walter, op. cit. p. 104-105. 148 ZEA in: MIGNOLO, Walter, op. cit. p. 64. 149 RIBEIRO, Darcy. O Processo Civilizatório. São Paulo: Círculo do Livro, 1978, p. 139.

Nossos generais Custer não puderam terminar honrosamente a sua tarefa de limpeza

étnica que só poderia ser continuada, nunca com perfeição, pelos herdeiros do Iluminismo

que receberam as Repúblicas (e Império) latino-americanas. Os modelos exemplares de

humanismo, progresso e racionalidade dos EE.UU., Canadá ou Austrália, com suas

higiênicas reservas e profiláticos extermínios de nativos, nunca puderam ser completamente

seguidos na América Latina, pois um aparelho ideológico do Estado, mastodôntico, milenar

e, de certa forma obsoleto, a Igreja, nunca benzera abertamente tais políticas, quiçá

modernistas em excesso. Praticamente única instituição com certa estabilidade no

continente Ibero-americano, talvez seja a causa da entrada destes castigados povos na pós-

modernidade multi étnica sem ter nunca desfrutado integralmente duma genuína

modernidade, ou melhor dizendo, constituindo a modernidade no seu lado B: escravos,

consumidores e encarnação do canibal, do primitivo, do Outro a ser salvo, condenado ou

sacrificado.

Em toda a Ibero-América, a Igreja revivia o papel e a função que exercera no medievo europeu,

tornando-se a maior monopolizadora de terras, de índios encomendados e de capitais financeiros

aplicados em hipotecas. As fontes desse enriquecimento eram as contribuições diretas da Coroa a

título de dízimo, as doações, os legados, as reservas de direitos – e também a extorsão

inquisitorial.150

A derrota de Sepúlveda por Las Casas, com a proibição da publicação das obras do

primeiro talvez se devesse ao papel dos dominicanos na Igreja nesse momento, junto com

as habilidades cortesãs de Bartolomeu, por todos reconhecidas.

150 RIBEIRO, Darcy, op. cit. p. 144.

LAS CASAS: POLEMISTA, VISIONÁRIO, LITERATO, HISTORIADOR?

Era flaco, de nariz muy larga, y la ropa se le caía del cuerpo, y no tenía más poder que el de su corazón…

Y el día en que entró de sacerdote, toda la isla fue a verlo, con el asombro que tomara aquella carrera un

licenciado de fortuna; y las indias le echaron al pasar a sus hijitos, a que le besasen los hábitos…

Entonces empezó su medio siglo de pelea, para que los indios no fuesen esclavos;

de pelea en Madrid; de pelea con el rey mismo; contra España toda, él solo, de pelea.

José Martí, El Padre Las Casas (La Edad de Oro)151.

Para Menéndez Pidal Las Casas era um homem com “uma dupla personalidade”,

um paranóico que não fazia História: não passa de um profissional da acusação:

A idéia do índio bom e do espanhol mau é uma divisão cortante que domina os escritos de Las Casas,

uma regra que decide o pensamento do frade. Essa simplista repartição absoluta da bondade e da

maldade, apesar de sua evidente impossibilidade, Las Casas quer que seja uma regra geral ou

positiva da História.152

151 BATAILLON, Marcel e SAINT-LU, André. El padre Las Casas y la defensa de los indios. Madrid: Sarpe, 1985, p. 248-249. 152 BRUIT, Héctor H. Op. cit, p. 68.

Polemista, visionário ou fabulador, Las Casas estaria longe do que é um historiador?

Para Paul Ricoeur, o tempo histórico estaria entre o tempo vivido (fenomenológico ou

subjetivo) e o tempo universal ou tempo do calendário. Uma excessiva aproximação de Las

Casas aos fatos narrados poderia levantar suspeita da inscrição deles no tempo do

calendário (histórico, oficial)? Bartolomeu não apenas narrava, ele próprio é sujeito e até

protagonista nas suas crônicas, aparecendo continuamente com suas opiniões e condenas

diretas e até como testemunha presencial: Y todos tres han muerto mala muerte, con

destrucción de sus personas e casas que habían edificado de sangre de hombres en otro

tiempo pasado, como yo soy testigo de todos tres ellos; y su memoria está ya raída de la

haz de la tierra, como si no hobieran por esta vida pasado153: Tem muito do gênero

“testemunho autobiográfico”, que chega a se aproximar bastante do relato de aventureiro e

não se encaixa bem nas velhas categorias retóricas, pois seria uma narrativa não ficcional,

mas comprometida de tal modo que igualmente a afasta da historiografia ao uso:

153 LAS CASAS, Bartolomé de. Brevísima relación de la destruición de las Indias. Madrid, Castalia, 1999, p. 151.

Como el clérigo Casas insistiese con los padres que se quitasen los indios a los jueces y oficiales y a

los demás, y pusiese en ello todo su conato para que consiguiesen su libertad, como traían mandado,

pareció que padecía peligro de su persona por los muchos enemigos que por esta causa cobraba; por

temor de lo cual los religiosos de Sancto Domingo se movieron con caridad a rogalle que se viniese a

posar a su monasterio, y él lo aceptó (…)154

O fato de estarmos diante de eventos narrados que não apenas participam mas são

fundadores do tempo do calendário não oferece muitas dúvidas se observamos o início do

argumento que está situado imediatamente antes do prefácio da Brevíssima:

Todas las cosas que han acaecido en las Indias, desde su maravilloso descubrimiento y del principio

que a ellas fueron españoles para estar tiempo alguno y después en el proceso adelante hasta los

días de agora, han sido tan admirables y tan no creíbles en todo género a quien no las vido, que

parece haber añublado y puesto silencio y bastantes a poner olvido a todas cuantas, por azañosas que

fuesen, en los siglos pasados se vieron y oyeron en el mundo. Entre éstas son las matanzas y estragos

154 Idem. Historia de las Indias. México, F.C.E., 1951.Lib III, p. 147.

de gentes inocentes, y despoblaciones de pueblos, provincias y reinos que en ellas se han perpetrado,

y que todas las otras no de menor espanto155. (grifo nosso).

Las Casas participa e cria o acontecimento fundador que abre uma nova era e que

determina o momento axial a partir do qual o tempo será medido: haverá um antes e um

depois do maravilhoso e do trágico descobrimento156. Las Casas inicia sua História de las

Índias, da qual a Brevíssima é apenas um parco resumo, com a criação do Céu e da Terra e

no segundo capítulo donde se tracta como el descubrimiento destas Indias fue obra

maravillosa de Dios – Como para este efecto parece haber la Providencia divina elegido al

Almirante que la descubrió157.

Instaurado o momento axial ou ponto inicial do calendário, o segundo componente

que Ricoeur encontra para a refiguração do tempo histórico é na trama dos

contemporâneos, dos predecessores e dos sucessores. Isto tem a ver com a consideração de

que deve existir uma espécie animal detentora de razão e, como classe de seres racionais

todos indistintamente mortais, mas cuja espécie é imortal, ela deve alcançar a plenitude do

desenvolvimento de suas disposições158.

Las Casas traça fielmente na sua História das Índias a trama dos predecessores,

para depois falar dos contemporâneos e no fim com o anuncio do apocalipse dos que não

obedeceram ao programa divino: Predecessores são enumerados ao longo dos primeiros

155 Idem, op. cit, p. 69. 156 RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa – Tomo III. Campinas, SP, Papirus, 1997, p. 183. 157 LAS CASAS, Bartolomé de. Historia de las Indias – Vol I. México, F.C.E., 1951, p. 27. 158 KANT, I, Idéia de uma História Universal do ponto de vista cosmopolita, in: RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa – Tomo III. Campinas, SP, Papirus, 1997, p. 195.

XXVII capítulos desta sua obra prima (e postrema), da gênese de Adão até os

descobridores portugueses, preparando o advento do grande contemporâneo Colombo, para

anunciar por último, os grandes males que pesarão sobre os pecadores espanhóis por

faltarem com o mandato divino de propagar a autêntica fé. Como se vê no resumo do

capitulo X, o Plano vai-se deslanchando aos poucos:

En el cual se tracta cómo la Providencia divina nunca consiente venir cosas señaladas para bien del

mundo, ni permite para castigo dél, sin que primero, o por sus siervos los sanctos, o por otras

personas, aunque sean infieles y malas, y algunas veces por los demonios, las prenuncien y antedigan

que ellas acercan. – Pónense una autoridad de Séneca, que parece verdadera y expresa profecía, y

otra de Sant Ambrosio del descubrimiento destas Indias. Quién fue Tiphis, el que inventó la primera

nao. 159

Assim, superando a antinomia entre tempo mortal (individual) e tempo público, a

seqüência das gerações dá-lhe a réplica, designando a cadeia dos agentes históricos como

viventes que vêm ocupar o lugar dos mortos160. Las Casas não apenas retrata, sente e

interage com os seus contemporâneos, mas com os sucessores: os indígenas ficaram en

pasmo, angustia y luto, e hincharon de amargura y dolor; y de aquí a que se acabe el

mundo, o ellos del todo se acaben, no dejarán de lamentar y cantar en sus areítos y bailes,

como en romances (que acá decimos) aquella calamidad y pérdida de la sucesión de toda

su nobleza, de que se preciaban tantos años atrás161.

Como terceiro requisito necessário para a prática historiadora que propugna

Ricoeur, temos o rastro e para mostrá-lo basta seguir o processo de pensamento que, 159 LAS CASAS, Bartolomé. Historia de las Indias. Tomo I, p. 57. 160 RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa – Tomo III. Campinas, SP, Papirus, 1997, p. 187. 161LAS CASAS, Bartolomé de. Brevísima relación de la destruición de las Indias. Madrid, Castalia, 1999, p. 109.

partindo da noção de arquivos, depara com a de documento (e, dentre os documentos, com

a de testemunho) e, daí, remonta ao seu pressuposto epistemológico último: o rastro,

precisamente162.

Terá feito Las Casas uso dos rastros para configurar a Brevíssima? Estes

constituiriam a prova material da relação que é feita de uma seqüência de acontecimentos.

Se a história é uma narrativa verdadeira e os documentos constituem seu último meio de

prova, esta alimenta a pretensão que a história tem de se basear em fatos163. Las Casas

ordena, cata, acha todo tipo de evidências:

Testemunhas: Aquel mismo día, según me dijeron algunos de los que allí se

hallaron, con cierta disimulación, estando seguro, prendieron al gran rey Montezuma...164;

Documentos: como a carta que transcreve literalmente ao final do livro narrando os

crimes de Sebastián de Belalcázar:

Y relación que escribió cierto hombre de los mismos que andaban en estas estaciones, refiriendo las

obras que hacía y consentía hacer el capitán por la tierra que andaba. (…) Pero por ser este pedazo

que queda, lleno de cosas notables, parecióme no deberse dejar de imprimir, porque no creo que

causará mucho menor lástima y horror a Vuestra Alteza, juntamente con deseo de poner remedio,

que algunas de las deformidades referidas.165

162 RICOEUR, Paul. Op. cit, p. 196. 163 Idem, op. cit, p. 197-198. 164 LAS CASAS, Bartolomé de. Op, cit, p. 108. 165 Idem, op. cit, p. 176.

Processos judiciais: Todas estas cosas están probadas con muchos testigos por el

fiscal del Consejo de Indias y la probanza está en el mesmo Consejo, y nunca quemaron

vivos a ningunos destos tan nefandos tiranos166;

Rastos geográficos: Por manera que no hay hoy vestigio ni señal de que haya

habido allí pueblo ni hombre nacido, teniendo en cuenta treinta leguas llenas de gente de

señorío. Déstas no tienen cuenta las matanzas y perdiciones que aquel mísero hombre con

su compañía en aquellos reinos hizo167.

Narratio regionum indicarum per Hispanos... do original: Frankfurt: Theodor de Bry, 1598

Las Casas não apenas recolhe os rastos: têm uma visão de futuro que lhe permite

planejar o que acontecerá com seus escritos, os quais destina a ser um rasto vindouro com

duas sagazes medidas que perpetuarão sua obra. Em primeiro lugar, deixar no seu

166 Idem, op. cit, p. 148. 167 Idem, op. cit, p. 98.

testamento o conjunto dos seus trabalhos, incluindo cartas e documentos, para o seu

posterior estudo no Colégio de Santo Gregório, juntamente com os seus restos mortais:

De todos los numerosos escritos que dejó al convento de dominicos de San Gregorio de Valladolid,

el único al que se refirió Las Casas en su testamento fue esta Historia, como si fuera su principal

legado. Asimismo dejó ‘gran multitud de cartas mensajeras de diversos e muchos religiosos de las

tres órdenes, y de muchas otras personas, e de casi todas las Indias, avisándome de los males e

agravios e injusticias que los de nuestra nación hacían e hacen hoy, consumiendo y destruyendo

aquellas gentes naturales de ellas, sin culpa alguna con que nos hayan ofendido’. Las Casas pedía

con ahínco que algún miembro del monasterio relativamente libre de ocupaciones pudiera en orden

estas cartas, pues ellas constituían el ‘testimonio de verdad’ que él había defendido durante tantos

años, y servirían ‘como historia probada por muchos e dignos de fe testigos’.168

A segunda feliz idéia fora a de destinar a publicação da Historia das Índias para um

futuro a meio ou longo prazo, fato de última vontade do dominicano al qual dedicará Hanke

todo um capítulo do seu ensaio, Las Casas, Historiador:

En su famosa carta de noviembre de 1559, en la que legó el manuscrito a los dominicos del

monasterio de San Gregorio, prohibió que se publicara su Historia antes de cuarenta años por lo

menos, y entonces, estipuló: ‘y pasados aquellos cuarenta años, si vieren que conviene para el bien

de los indios y de España, la pueden mandar imprimir para gloria de Dios y manifestación de la

verdad principalmente’169.

Segundo Hanke, a publicação prematura do manuscrito, que Las Casas creía que

iba a determinar para siempre la opinión de las gentes sobre la conquista española de

168 HANKE, Lewis in: Bartolomé de las Casas, Historiador, Estudio Preliminar de la Historia de las Indias, México: FCE 1951. 169 Biblioteca Nacional (Madrid), Ms. Res. Nº 21 in Hanke, op. cit, p. XXXVIII.

América, podía ser imprudente.170 Deixando se passar quarenta anos, podía existir entonces

una atmósfera más tranquila, en la cual la verdad de su obra seria reconocida por todos.

Para Consuelo Varela, seguidora neste ponto de Menéndez Pidal (autor de El Padre

Las Casas: su doble personalidad e da Historia de los Heterodoxos Españoles), a

Brevíssima é obra de um polemista, não de um historiador. Entre outros motivos, a obra

está unida à imaginação do clérigo, que é neste livrinho un indigenista militante, un

polemista y un acusador171. Las Casas arredonda as cifras dos seus escritos, nos que

mistura a realidade com sua própria ficção172. Para o frade tanto faz dizer que os irmãos

Alvarado mataram em Guatemala de cuatro y de cinco cuentos de animas en quince o diez

170 Idem, op. cit, p. XXXIX. 171 VARELA, Consuelo, in: LAS CASAS, Bartolomé de. Brevísima relación de la destruición de las Indias. Madrid, Castalia, 1999, p. 42. 172 Idem, op. cit, p. 44.

y seis años173. Como se uma diferença de um milhão (cuento) fosse coisa sem importância.

Lembra-nos na temática e na forma autobiográfica – narrativa – histórica aos relatos de

Rigoberta Menchú. Segundo Walter Mignolo da Duke University, aquela...

argumenta com base em uma epistemologia ordenadora e liminar. Seus críticos, diversamente,

localizam-se numa epistemologia denotativa e territorial. Essa tensão entre a epistemologia

hegemônica com ênfase na denotação e na verdade e as epistemologias subalternas que enfatizam o

desempenho e a mudança, expõem a altercação e a luta em torno do poder. Ela também mostra como

o exercício da colonialidade do poder (ancorada numa epistemologia denotativa e no desejo de

verdade) concede-se o direito de questionar alternativas cujo desejo de verdade é precedido pelo

desejo de mudança. Esse desejo de mudança e de justiça, igualdade e direitos para aqueles que

sofrem opressão e injustiça, como no caso de Rigoberta Menchú, emerge da experiência da diferença

colonial, arraigada no imaginário e, com toda certeza, na estrutura social do mundo colonial/

moderno a partir de 1500.174

173 LAS CASAS, Bartolomé de. Op. cit, p. 117. 174 MIGNOLO, Walter. Histórias locais/ Projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Trad: Solange Ribeiro de Oliveira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003, p.52.

Depois Consuelo reconhece que as crônicas espanholas estão cheias de ocorrências

horríveis que sustentam a autenticidade substancial das coisas relatadas na Brevíssima,

que sem ser história, tem inegável valor histórico175. As argúcias interpretativas dos

‘advogados acusadores’, Pidal e Varela, não tem fim: brilhantes na vitória dialética das

formas, no entanto concedem a autenticidade substancial de Las Casas. Dizem que utiliza a

imaginação, porem, não são capazes de o rebater no fundamental: o extermínio maciço que

sofreram e sofrem os povos ameríndios.

Sobre las razones de la caída demográfica desde comienzos del siglo XVI y hasta mediados del

XVII, estamos bien documentados: además del exterminio directo (que se haya efectuado en nombre

de Cristo y de la Civilización no cambia el hecho) influyeron los traslados de tierras calientes a

tierras frías (y viceversa), la creciente carga de trabajo en condiciones a veces totalmente

infrahumanas (baste pensar en las minas de Huancavelica: un “matadero público” como los habían

bautizado los contemporáneos), el cambio de los ritmos de trabajo (a los cuales hemos hecho alusión

con anterioridad), la aparición de enfermedades traídas por los blancos (sobre todo en el aparato

respiratorio) y por los negros (fiebre amarilla).176

175 VARELA, Consuelo, in: LAS CASAS, Bartolomé de. Op. cit, p. 45. 176 ROMANO, Ruggiero et CARMAGNANI, Marcello. Componentes Económicos. In: CARMAGNANI, Marcello, HERNÁNDEZ, Alicia et ROMANO, Ruggiero (orgs). Para una Historia de América I. Las estructuras. México: Fondo de Cultura Económica, 1999, p.199.

Seguindo a retórica aristotélica, rebatem os textos lascasianos em virtude da falta de

verossimilhança da que o acusam, mas, sempre sem entrarem no fundo do assunto. Sendo

bons conhecedores como são dos cronistas de Índias, muitos destes testemunhos e atores

dos fatos, e como bons ‘advogados’ sabedores de que o testemunho espontâneo sobre

próprias responsabilidades (neste caso as crônicas dos próprios conquistadores, como

Bernal e Cortés) é dificilmente rebatível, se furtam no fundamental, pesquisando aquelas

fendas formais que lhes permitam formular as suficientes dúvidas sem atacar frontalmente a

questão chave: os horrores da ocupação.

Nadie defendería hoy las estadísticas que dio Las Casas, pero pocos negarían que sus principales

cargos eran verdaderos en gran parte. Un escritor mexicano, que se dedicó a analizar la Brevísima

Relación, sacó en conclusión que los detractores de Las Casas han explotado con astucia sus errores

numéricos sin refutar nunca sus verdades esenciales. Las leyendas, como ha hecho notar R. H.

Tawney, suelen ser ciertas en lo sustancial como falsas en los detalles.177

Historiadores ou inquisidores (Pidal na sua obra Historia de los Heterodoxos

españoles erigiu um autêntico processo contra todos os autores espanhóis de todas as

épocas que não seguissem o modelo ideológico do mais puro nacional-catolicismo que este

erudito defendia), estes modernos polemistas utilizam os artifícios e métodos literários para

escantear para o baú do literário o que não é HISTÓRIA, e terá de ser a literatura (para eles

com minúsculas) a que estuda Las Casas no sistema educacional espanhol. Enquanto a

editora Teide dedica-lhe apenas uma linha como prosa histórica no seu manual de

Literatura do terceiro ano, a qualificando como duríssima crítica à ação colonizadora178,

para a História da Literatura de Sánz de Urtubi, la Historia de la Destruyción de las Indias

177 HANKE, op. cit, p. XV. 178 MARTÍ, Salvador, et al: Lengua y Literatura. Barcelona: Teide, 1999, p.171.

fue un verdadero libelo que utilizó aviesamente toda la historiografía extranjera sobre

España y di elementos calumniadores de la Leyenda Negra para denigrar nuestra tarea

colonizadora en América.179Para García López, o Pe. Bartolomé, movido por un

humanitario celo y, quizás todavía más por su violento carácter, se erigió en defensor de

los indios, a los que atribuía una admirable bondad natural contra las supuestas

crueldades de los españoles.180 Além do mais mantêm-se uma perspectiva etnocentrista na

qual não apenas se fala de novos territórios ou do “descobrimento de América” mas chega-

se a dizer "oposición violenta al avance Europeo en los territorios " no lugar de avanço

violento.181

Livros escolares de texto unânimes no marginal dos textos lascasianos, inadequados

para pertencer a Grande História por seu caráter apaixonado, incapazes de ocupar um

espaço relevante na literatura, por seu caráter liminar, entre o maldito e o esquecido, sempre

no escanteio do olvido nos parâmetros do Ministério da Educação da outrora grande

potência imperial.

Em verdade, os ataques ao caráter histórico das obras de Las Casas derivam do

caráter institucional dos arquivos que segundo Ricoeur é afirmado três vezes: os arquivos

constituem o fundo documental de uma instituição; produzi-los, recebê-los ou conservá-los

é uma atividade específica dessa instituição; o depósito assim constituído é um depósito

autorizado por uma estipulação adjunta182. Instrumentos de e para o Poder, legítimos e

179 URTUBI et MATEO VELASCO, Historia de la Literatura. Madrid: SM, 1975, p.127. 180 GARCÍA LÓPEZ, José. Historia de la Literatura Española. Madrid: Vicens-Vives 1973, p.178. 181 Historia Contemporánea de 1º de Bachillerato de Santillana (2000) página 80 in: HOYOS RAMOS, David. Libros de texto para rematar el planeta. In: http://www.ecologistasenaccion.org/print.php3?id_article=1801 consultado em 21 de outubro de 2005. 182 RICOEUR, Paul. Op. cit, 1997, p. 197.

fieis representantes dos Aparelhos Ideológicos do Estado, os Gestores dos Arquivos

silenciam ou, melhor ainda, classificam em categorias convenientes aos heterodoxos como

Las Casas.

Se os monumentos, como a História General das Índias do cronista oficial

Fernández de Oviedo, são a comemoração dos acontecimentos considerados pelos

poderosos dignos de serem integrados na memória coletiva183, para uma crítica ideológica,

segundo Ricoeur, os documentos não se mostram menos instituídos do que os monumentos,

não menos edificados do que estes em proveito do poder e dos poderes184. O que desagrada

e incomoda é a insubordinação de Las Casas aos poderes da História Oficial, ou à História

oficial dos Poderes, a introdução do Outro, ainda que como ator passivo, nos relatos.

Assim, em 1832 a Real Academia da Historia, decidiu não publicar a Historia das Índias

lascasiana para dedicar os seus esforços na luxuosa edição da História de Fernández de

183 Idem, op. cit, p. 198. 184 Idem, op. cit, p. 199.

Oviedo. Apenas na I República Espanhola, em 1875, será publicada dignamente em Madrid

em cinco volumes.185

Os testemunhos mais preciosos são os que não estavam destinados à nossa

informação. (...). São os testemunhos contra a vontade de Marc Bloch186. Não carece destes

testemunhos a Brevíssima, pese a ser de uma época, o século XVI, muito anterior ao

positivismo. Quando Las Casas comenta o que os espanhóis fizeram em 1509 em San Juan

e Jamaica, revelando os rastos que qualquer um poderia cotejar:

(…) matando y quemando y asando y echando perros bravos, y después oprimiendo y atormentando

y vejando en las minas y en los otros trabajos, hasta consumir y acabar todos aquellos infelices

inocentes: que había en las dichas islas más de seiscientas mil ánimas, y creo que más de un cuento,

y no hay hoy cada una doscientas personas, todas perecidas sin fe y sin sacramentos187.

Não fica difícil rastejar as evidências na Britannica Concise Encyclopedia:

Officially Commonwealth of Puerto Rico Area: 3,515 sq mi (9,104 sq km). Population (2000):

3,808,610. Capital: San Juan. The population is a mixture of diverse ethnic groups, mainly of

Spanish and African descent188.

Uma população na qual o número de indígenas não chega a supor nem sequer uma

minoria em Porto Rico: desapareceu. Todavia, será Las Casas um mero polemista?

Na realidade, o rastro e um dos instrumentos mais enigmáticos pelos quais a

narrativa histórica “refigura” o tempo. Ela refigura construindo a junção que efetua o

185 HANKE, op. cit, p. XLII. 186 RICOEUR, op. cit, p. 198. 187 LAS CASAS, Bartolomé de. Op. cit, p. 89. 188 www.concise.britannica.com/ebc/article?tocId=9376116.

recobrimento do existencial e do empírico na significância do rastro189. Não resulta tão

simples: o que significa o rasto é um problema não do historiador-cientista, mas sim do

historiador-filósofo190. Assim, com minhas limitadas ferramentas filosóficas, que tomei de

Paul Ricoeur, tentarei dar alguma luz ao objeto de estudo no seguinte epígrafe.

189 RICOEUR, Paul. Op. cit, p. 209. 190 Idem, op. cit, p. 209.

A “REALIDADE” DO PASSADO HISTÓRICO

Naturaleza y arte; materia y obra. No ai velleza sin ayuda, ni perfección que no dé en bárbara sin el realçe del

artificio: a lo malo socorre y lo bueno lo preficiona. Déxanos comúnmente a lo mejor la naturaleza,

acojámonos al arte.El mejor natual es inculto sin ella, y les falta la metad a las perfecciones si les falta la

cultura.Todo hombre sabe a tosco sin el artificio, y ha menester pulirse en todo orden de perfección.

Baltasar Gracián. Oráculo manual y arte de prudencia.

Que estamos dizendo quando dizemos que algo “realmente” aconteceu? O recurso aos

documentos marcará uma linha divisória entre história e ficção: as construções do

passado visam ser reconstruções do passado191. Mas por quê então Las Casas continua a

ser questionado quando ele sempre se serve de documentos?

A problemática da representância da historia relativamente ao passado diz respeito ao pensamento da

historia, mais do que ao conhecimento histórico. Para este último, com efeito, a noção de rastro

constitui uma espécie de terminus na seqüência de remissões que, dos arquivos, conduzem ao

documento, e do documento ao rastro. Mas ele não se detém, normalmente, no enigma da referência

histórica, no seu caráter essencialmente indireto. Para ele a questão ontológica, simplesmente contida

na noção de rastro, é imediatamente recoberta pela questão epistemológica do documento, a saber,

seu valor de garantia, de apoio, de prova, na explicação do passado. Para resolver o problema do

valor mimético do rastro vamos aos três grandes gêneros, do Mesmo, do Outro e do Análogo e a

incapacidade de cada uma de resolver de maneira unilateral e exaustiva o enigma da

representância192.

Tal enigma será a aporia que permitirá suspender uma continua dúvida sobre a obra

de Las Casas. Servindo-me da teoria de Ricoeur, tentarei me aproximar daquelas:

191 Idem, op. cit, p. 242. 192 Idem, op. cit, p. 243-244.

A) SOB O SIGNO DO MESMO: A “REEFETUAÇÃO” DO PASSADO NO

PRESENTE.

Subtrair a distância temporal para pensar a passadidade do passado, identificação

com o que outrora foi. O rastro não é ele próprio presente? Leitores da história não somos

nós mesmos transformados em contemporâneos dos acontecimentos?193. Trata-se da mais

antiga e talvez efetiva forma de nos aproximarmos do passado. Para isto, Las Casas se

inclui no próprio relato dos acontecimentos, como já fora visto.

Outro recurso do qual se serve é o de colocar o tempo verbal do relato no presente:

Van los cristianos a ellos con cientos de caballos (que es la más perniciosa arma que

puede ser para entre indios), y hacen tantos estragos y matanzas que asolaron y

despoblaron la mitad de todo aquel reino194.

Para reefetuar o passado no presente haveremos de seguir três passos, seguindo a

Collingwood:

a) Prova documentária: diferencia a historia humana da natural, inclusive a evolução

biológica. É preciso diferenciar, por uma parte, entre uma face interior dos

acontecimentos ou pensamentos que inclui razão, intenção e motivação

(desejabilidade),

porque la mayor pena que daban a los malhechores en Castilla, sacada la muerte, era

desterrallos de allá para acá, como en el libro primero mostramos, pero, por el contrario, la

más grave que agora se temía y se podía dar fue desterrar los hombres de acá para allá. En

193 Idem, op.cit, 244. 194 LAS CASAS, Bartolomé de. Op. cit, p. 85.

este comedio andaba la priesa muy encendida en sacar el oro de las minas y los otros

trabajos que para sacar se ordenaban (porque aquél era el fin de los españoles y de todos sus

cuidados), y por consiguiente la disminución y muerte de los indios era necesaria, porque

como ellos eran acostumbrados al poco trabajo, por la fertilidad de la tierra, que con casi

ninguno la cultivaban (…)195

e por outra parte uma face exterior (mudanças naturais). A ação é a unidade do

exterior e do interior de um acontecimento196. Ex: el servicio en las minas de

Oaxyecac era tan ruinoso para la salud que en media legua a la redonda de éstas

los españoles tenían que andar pisando cadáveres o huesos, y que acudían tantos

pájaros a comer la carroña que oscurecían el firmamento.197

b) O trabalho da imaginação na interpretação do documento: reenactment, repensar

o que foi uma vez pensado; cabe apenas ao historiador, à exclusão do físico e do

biólogo, mas longe da mera intuição: repensar não é reviver. O historiador é o juiz

das suas fontes e não o inverso (imaginação a priori)198. Ex: ¿Quién podrá contar

las hambres y aflicciones, malos y crueles tratamientos, que o sólo en las minas,

pero en las estancias y dondequiera que trabajaban, padecían los desventurados?

Los que enfermaban, ya queda dicho que no eran creídos (…)199

c) Reefetuação numericamente idêntica ao primeiro pensar: ao contrário do

romancista, o historiador tem que em primeira instancia construir uma imagem

195 LAS CASAS, Bartolomé. Historia de las Indias, Lib II, p. 336. 196 RICOEUR, Paul, op. cit, p. 245. 197 MOTOLÍNIA, Historia de los indios de Nueva España. Barcelona, 1914, p. 17 in: Hanke, op. Cit, p. XVI. 198 RICOEUR, Op. cit, p. 246. 199 LAS CASAS, Bartolomé. Historia de las Indias, p. 337.

coerente (sentido) pára depois poder reconstruir os acontecimentos tais como

aconteceram. Os pensamentos acontecem no tempo, mas noutro sentido não estão

no tempo: na natureza os instantes morrem e são substituídos. Um rastro só se torna

rastro do passado no momento em que seu caráter de passado é abolido pelo ato de

repensar200.

Las Casas é um mestre neste jogo da reefetuação, isolando idéias e ações primeiro,

para depois trazê-las para o nosso presente e acrescentar o efeito procurado. Vejamos um

exemplo, quando fala de Cuba: en tres o cuatro meses, estando yo presente, murieron de

hambre, por llevarles los padres y las madres a las minas, más de siete mil niños. Otras

cosas vide espantables201.

Fato passado: morreram mais de sete mil crianças e eu estava lá. O tempo que durou foi de

três ou quatro meses.

Ação-causa: por terem levado deles os pais e mães para que trabalhassem nas minas.

Reefetuação e enlace com o presente: outras coisas eu vi dignas de espanto.

Continua em progresso até chegar ao agora: después acordaron de ir a montear los indios

que estaban en los montes, donde hicieron estragos admirables, y así asolaron y

despoblaron toda aquella isla, la cual vimos agora poco ha y es una gran lástima y

compasión verla yermada y hecha toda una soledad202.

Idéia-desejo: decidiram a caça dos índios nas serras (mato).

Fato: fizeram grandes estragos. Despovoaram a ilha, exterminaram os habitantes.

Fato atual – rasto evidente: agora podemos ver a ilha deserta.

200 RICOEUR, op. cit, p. 247 201 LAS CASAS, Bartolomé. Brevísima, p. 93. 202 Idem, op. cit, p. 93.

Sentimento – idéia atual: da compaixão de ver a solidão na qual ficou a ilha.

Acertadamente, Las Casas utiliza a mola final do sentimento para nos “ajudar” a reefetivar

o passado no presente.

Se ficássemos por aí, a pretensão de verdade das construções imaginárias não seria

satisfeita. A ‘pintura imaginária do passado’ permaneceria outra relativamente ao

passado. Repensar deve ser uma forma de anular a distância temporal203. Essa

interpretação maximalista da tese identitária levanta objeções que aos poucos põem em

xeque a própria tese identitária:

No final da análise dizemos que o historiador não conhece o passado, mas apenas o seu próprio

pensamento sobre o passado. Como precaução ele pode se distanciar de si mesmo, mas jamais

equivalerá ao distanciamento entre si e o outro204. A decomposição da ação em exterior (movimento)

e interior (pensamento) está na origem de duas noções que a negam: mudança (uma ocorrência

203 RICOEUR, Paul, op. cit, p. 247. 204 Idem, op. cit, p. 248.

substitui a outra) e a intemporalidade do ato de pensar: mediações que não se deixam colocar sob

signo do Mesmo205.

Assim, sempre se podem introduzir pelos críticos novos nexos causais ou dúvidas

sobre o que realmente se pensava naquela época. A professora Consuelo Varela diz que as

grandes epidemias americanas que se produziram na época foram esquecidas: hubo

epidemias terribles que diezmaron tanto a indios como a cristianos, ni sabrá si hubo

alguna época – o algún lugar - en el que los indígenas recibieron un buen trato, ni podrá

distinguir diversos grados de actuación entre los gobernantes… 206. Aberta a possibilidade

de acrescentar nexos causais, não se pode elidir o fato de que já antes do Renascimento a

“guerra bacteriológica” já era conhecida pelos especialistas militares.

205 Idem, op. cit, p. 248-249. 206 VARELA, Consuelo, in: LAS CASAS, Bartolomé de. Op. cit, p. 45.

B) SOB O SIGNO DO OUTRO: UMA ONTOLOGIA NEGATIVA DO PASSADO?

Os problemas acima destacados poderiam ser driblados mediante a identificação

com o outro: O historiador como etnólogo dos tempos passados (repudio do etnocentrismo

ocidental)207. Se em Las Casas se intui certa proximidade com estas propostas, veremos

mais adiante como não prosperou totalmente esta abordagem na Brevíssima. Três são as

apostas teóricas que permitem a abordagem sob o signo do outro.

A primeira destas é a de Dilthey, a qual se afirma na Capacidade do espírito em se

transportar para uma vida psíquica alheia. Num primeiro passo, a expressão atravessa o

intervalo entre o interior e o exterior, para passar depois a transferir a imaginação para uma

vida alheia, atravessando para isso o intervalo entre o si mesmo e o outro. Ao abolir a

diferença entre o outrem de agora e o de outrora, se oblitera a problemática da distância

temporal.)208. Considera-se aos outros como diferentes do passado. Fora um recurso pouco

adotado por Las Casas, pois, como se viu, preferia a abordagem do Mesmo. Em ocasiões

ele tenta se aproximar do Outro, e assim, nos expõe o raciocínio do cacique Hatuey de

Cuba:

“ya sabéis cómo se dice que los cristianos pasan acá, y tenéis experiencia cuáles han parado a los

señores fulano y fulano y fulano; y aquellas gentes de Haití (ques la Española) lo mesmo vienen a

hacer acá. ¿Sabéis quizá por qué lo hacen?” Dijeron: “No, sino porque son de su natura crueles y

malos.” Dice él: “No lo hacen por sólo eso, sino porque tienen un dios a quien ellos adoran y quieren

mucho, y por habello de nosotros para lo adorar, nos trabajan de sojuzgar y nos matan.” Tenía cabe sí

una cestilla llena de oro en joyas y dijo: “Veis aquí el dios de los cristianos: hagámosle si os parece

207 RICOEUR, Paul, op. cit, p. 250. 208 Idem, op. cit, p. 250-251.

areítos (que son bailes y danzas) y quizá le agrademos y les mandará que no nos haga mal.” Dijeron

todos a voces: “Bien es, bien es.” Bailáronse delante hasta que todos se cansaron, y después dice el

señor Hatuey: “Mira, como quiera que sea, si lo guardamos, para sacárnoslo al fin nos han de matar:

echémoslo en este río.” Todos votaron que así se hiciese, y así lo echaron, en un río grande que allí

estaba209.

Admitamos que quando Las Casas dá voz ao “Outro”, fica muito parecida com o

“Mesmo”, ou melhor, como gostaria que fosse o Mesmo: ecos muito próximos na Ilha de

Utopia ressoam na Ilha de Haiti ou Espanhola, onde votações democráticas decidem, como

na Ilha do Não-lugar, eliminar o vil metal, talvez para ficarem livres do falso deus Bezerro

de Ouro (Erasmo e Morus parecem estar também participando, “curtindo” a assembléia). A

distância temporal se esfuma (o que gera uma nova aporia).

Uma segunda forma de tentativa de solução da aporia do Outro, é a noção de

diferença: Individualização. (acontecimentos singulares) frente a conceitualização. O fato

histórico deveria ser cingido como uma variante gerada por individualização das

invariantes. Substitui-se a investigação do distante, como o temporal, pela do

acontecimento caracterizado de maneira tão pouco temporal quanto possível por sua

individualidade, a tal ponto que a alteridade do passado relativamente ao presente

predomina sobre a sobrevivência do passado no presente210.

Entendo esta técnica como uma forma de hiper-realismo do exótico, detalhando de

forma tão minimalista que se possa esquecer o rasto que no presente fica desse passado.

209 LAS CASAS, Bartolomé de. Op. cit, p. 90-91. 210 RICOEUR, Paul, op. cit, p. 251-252.

Jean Dumont, o historiador de nossos dias, perspicazmente leva-nos para um pitoresco

mundo onde o combate à escravidão que Las Casas realiza não faz muito sentido:

Sensibilidades distintas a las nuestras: Por consiguiente, tal esclavitud-réplica, por lo demás muy

limitada en cuanto a número y carácter, no era simplemente una pura explotación social, aunque, de

todas formas, era esclavitud, lo cual tiene su importancia con respecto a la Controversia que nos

ocupa. Para el español de la época y para el hombre mediterráneo en general, la idea de un destino de

servidumbre aplicado a los indios no era tan poco habitual ni tan chocante como lo es hoy en día para

nosotros, al menos si se trataba de una servidumbre transitoria y que intentaba ser moderada y

paternal.211

Sem esquecer o testamento da Rainha Isabel, a Católica, as Leis de Burgos de 1512

e as Leis novas de 1542 assim como varias bulas papais, que condenam expressamente a

escravidão dos índios, desmentem a Dumont. Entremos no estudo formal da obra

lascasiana: Com certeza não era o distanciamento ou individuação o efeito de sentido que

perseguia Las Casas, ainda que uma super ênfase hiper-realista na violência chegue às

vezes a enfadar ao leitor erudito, mas nunca aos nobres e cortesãos e, sobre tudo, ao próprio

príncipe, certamente interessados ou espantados pelos morbígenos relatos, sem aprofundar

minimamente nos costumes ou formas de vida indígenas: Quando a curiosidade leva a

melhor sobre a simpatia, o estrangeiro torna-se estranho212. Para os fins de Las Casas, um

aprofundamento etnológico não é necessário nem desejável. Todavia este aparente vácuo

no edifício retórico do dominicano é imediatamente aproveitado pelo exorcista de

heterodoxos Menéndez Pidal, que ataca a Las Casas argumentando a falta de interesse deste

nos nativos: o índio para Las Casas não tinha outro interesse que o de ser atropelado pelo

211 DUMONT, Jean, op. cit, p. 22-23. 212 Idem, op. cit, p. 252.

espanhol. A inclinação afetiva pelo desvalido como a esperaríamos em Las Casas, só a

encontramos sob a forma de paixão violenta contra os espanhóis213.

Paradoxalmente, será Todorov, um estudioso das antípodas ideológicas de Pidal,

que coincida plenamente com Pidal, no sentido de qualificar a relação de Las Casas com os

índios como de uma mistura entre amor e ignorância: o postulado de igualdade acarreta a

afirmação de identidade, e a segunda grande figura da alteridade, ainda que

incontestavelmente mais amável, leva a um conhecimento do outro ainda menor do que a

primeira.214No meu ponto de vista, questão esta do amor irrelevante para este assunto,

quando o próprio Todorov reconhece o bom labor na defesa dos índios que realizara Las

Casas. Para ser um bom defensor, às vezes o amor até atrapalha.

Como terceira forma de estudo do Outro temos a ontologia negativa do passado:

Sociologia da historiografia. Desmascara-se a falsa pretensão do historiador de produzir

história numa espécie de estado de não-gravidade sociocultural. Nasce a suspeita de que

toda história com pretensão científica esteja viciada por um desejo de domínio (ideologia

implícita), que eleva o historiador à condição de árbitro de sentido. (...) Trata-se da

diferença entendida como afastamento, mas que permanece tão intemporal como a

diferença de modificação. Esta deconstrução provoca uma limpeza das intenções

totalizantes da história, somada a um exorcismo do passado substancial e ao abandono da

213 PIDAL, Menéndez, in: BRUIT, Héctor H. Bartolomé de las Casas e a simulação dos vencidos. São Paulo, Unicamp/ Iluminuras, 1995, p. 69. 214 TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p.201.

idéia de representação, mas que não faz justiça ao que parece haver de passado positivo na

persistência do passado no presente. Paradoxalmente agora o enigma fica mais opaco215.

Não se adivinha a intenção de Las Casas de inovar a Historiografia, se bem teve que

gestar novas idéias diante das realidades com as quais se enfrentava. Na sua História das

Índias, Bartolomé elabora um longo prólogo onde cita a Flávio Josef, Catão, Deodoro,

Túlio, Tito Lívio, e especialmente a Bíblia. Las Casas se nomeia árbitro de sentido,

especialmente na Brevíssima, porém jamais oculta as intenções e não se isenta nunca do

confronto e a polemica. Pelo contrário pretende levar a voz de Deus, a voz que clama no

deserto. Neste sentido ele resulta tão militante como qualquer profeta da deconstrução e

igual a eles, livre da pretensão científica viciada: y hasta agora no es poderoso el rey para

lo estorbar, porque todos, chicos y grandes, andan a robar, unos más, otros menos; unos

pública y abierta, otros secreta y paliadamente. Y con color de que sirven al rey,

deshonran a Dios y roban y destruyen al rey216.

Não consegue o afastamento, pelo contrario busca o desafio e encara os perigos de se

enfrentar aos partidários da encomenda, e até corre o risco acadêmico de ser acusado de

falta de isenção: não o preocupa isto ao Defensor dos Índios, que carece de tempo para

cobrir as aporias que se abrem nos seus flancos, na sua luta incansável pelos Fracos. É

sempre por alguma transferência do Mesmo ao Outro, em simpatia e em imaginação, que o

Outro alheio se torna próximo217.

215 RICOEUR, Paul, op. cit, p. 253-254. 216 LAS CASAS, Bartolomé de. Op. cit, p. 175. 217 RICOEUR, Paul, op. cit, p. 321.

Como precursor da deconstrução, Las Casas, persegue incessantemente ao longo

dos três livros da História das Índias contra-arrestar a versão do historiador oficial das

Índias, Fernández de Oviedo, revelando com uma alta carga de ironia o que de ideológico

têm os relatos deste:

Habrá hoy, de todos los vecinos que allí había, que estaba, como una piña de piñones de gente toda

poblada, obra de cien personas y no sé si llegan a tantos. Este fructo ha salido y sale de la pacificación

que dice Oviedo a cada paso, y los que de conquistadores se jactan, que nuestros españoles en nuestras

Indias hacen; y es de ver cómo los encarece y sublima Oviedo, como quien ha hecho grandes hazañas, y

todos son caballeros y gente noble, según él, los que a hacer estas obras acá pasan. Cierto, fueron hazañas

y tan grandes y tan señaladas, que después que Dios crió a Adán y permitió en el mundo pecados, otras

tales ni tantas ni con tan execrables y creo que inexplicables ofensas de Dios ni fueron hechas ni pudieron

ser pensadas ni aun soñadas.218

C) SOB O SIGNO DO ANÁLOGO: UMA ABORDAGEM TROPOLÓGICA?

Aristóteles com o título de metáfora proporcional chama a este gênero de Analogia.

Assim uma teoria dos tropos, uma tropologia (H White) poderia articular o conceito de

representância. Com vista a figurar o que realmente aconteceu no passado, o historiador

deve primeiro prefigurar o conjunto dos acontecimentos relacionados nos documentos. A

função dessa operação poética é desenhar itinerários possíveis no “campo histórico”. A

intenção é orientada para o que realmente aconteceu no passado, mas o paradoxo é que só

podemos designar esse anterior a toda narrativa, prefigurando-o: não há original que

comparar ao modelo: não há uma relação de reprodução, mas sim uma relação metafórica:

218 LAS CASAS, Historia de las Indias, p. 391.

o leitor é dirigido para a espécie de figura que assimila (liken) os acontecimentos

relacionados a uma forma narrativa que nossa cultura tornou familiar para nós219.

Encontramo-nos com o retorno à velha Retórica. O Deus da ciência, que escreve

reto por linhas tortas e que parecia ter abandonado ao nosso frade Las Casas, volta agora

para ampará-lo e fortificá-lo nas prefigurações que o Evangelho e outros historiadores

medievais sugerem ao espírito escritor de Bartolomé. O Reino da Imaginação por fim pode

e deve ser liberto para poder auxiliar na compreensão dos Tropos com a ajuda da mãe

Metáfora (doce ingênua), e das suas filhas Metonímia, Sinédoque e a Rainha Ironia, que

desentranhará toda a natureza problemática da linguagem. Vejamos um exemplo mais na

Brevíssima:

Una vez, saliéndonos a recebir con mantenimientos y regalos diez leguas de un gran pueblo, y

llegados allá nos dieron gran cantidad de pescado y pan y comida con todo lo que más pudieron.

Súbitamente se les revistió el diablo a los cristianos, y meten a cuchillo en mi presencia (sin motivo

ni causa que tuviesen) más de tres mil ánimas que estaban sentados delante de nosotros, hombres y

mujeres y niños. Allí vide tan grandes crueldades que nunca los vivos tal vieron ni pensaron ver220

Segundo Consuelo Varela, este fato está narrado de forma diferente na Historia das

Índias, pois os dois mil índios mostravam aspecto pouco amistoso e um espanhol,

atemorizado pela aparência hostil que mostravam os indígenas, fez se propagar o pânico

entre os espanhóis, que seguindo ele, se lançaram contra os índios221. Para Varela, o

motivo que aparece na História das Índias se oculta na Brevíssima, mostrando a matança

como um fato diabólico, “se les revistió el diablo a los cristianos” como si todos

219 RICOEUR, Paul, op. cit, p. 256-257-258. 220 LAS CASAS, Bartolomé de. Op. cit, p. 91-92. (grafos nossos) 221 VARELA, Consuelo in: LAS CASAS, Bartolomé de. Op. cit, p. 91-92.

súbitamente su hubieran vuelto locos. Infortunadamente esta es la norma que se repite casi

constantemente a lo largo del texto de la Brevísima222. As vestes da retórica, o “pintar os

fatos” faz muitos historiadores ‘sérios’ desconfiarem das belas formas na narração

histórica223.

Segundo Ricoeur é necessário combater dois preconceitos: a) não basta eliminar

ornamentos da prosa para acabar com as figuras da poesia b) a literatura de imaginação

não por usar constantemente de ficção há de ter sempre um alcance nulo sobre a

realidade224. O preconceito tem duas faces: preconceito contra a beleza e preconceito

contra o compromisso da literatura da história. Poderemos então metaforicamente dizer que

o diabo tomou conta dos espanhóis, quando não acharmos outra argumentação racional: o

mal como impulso real e inexplicável, e o Diabo como metáfora suficientemente

explicativa dos fatos, como vemos no exemplo da carnificina pintada por Las Casas. No

entanto, não devemos baixar a guarda: Faz-se preciso que uma certa arbitrariedade

tropológica não faça esquecer a espécie de pressão que o acontecimento passado exerce

222 Idem, op. cit, p. 36. 223 Porem, quando contrasto a fonte que da Consuelo Varela, deparo-me com uma grande surpresa: ela transcreveu as opiniões e notações de Menéndez Pidal sem contrastá-las com as citações (ultrapassadas, o que levantou minhas suspeitas): Assim, De las Casas não diz na sua História das Índias nada do que expõe Consuelo na edição da prestigiosa Castalia, mas coincide fundamentalmente em ambas versões: “Estaban en una plazuela obra de 2000 indios, todos sentados en coclillas, porque así lo tienen todos de costumbre, mirando las yeguas pasmados. Había junto un gran bohío o casa grande, donde estaban más de otros 500 indios metidos, amedrentados, que no osaban salir; (…) Había costumbre entre los españoles, que uno que el capitán señalaba, tuviese cargo de repartir la comida y otras cosas que los indios daban a cada uno de los españoles, según era su parte, y estando así el capitán en su yegua y los demás en las suyas a caballo y el mismo padre mirando cómo se repartía el pan y pescado, súbitamente sacó un español su espada, en quien se creyó que se le revistió el diablo, y luego todos cientos sus espadas, y comienzan a desbarrigar y acuchillar y matar de aquellas ovejas y corderos, hombres y mujeres, niños y viejos, que estaban sentados, descuidados, mirando las yeguas y los españoles, pasmados, y dentro de dos credos no queda hombre vivo de todos cuantos allí estaban (Las Casas, Historia de las Indias, vol II, p. 536-537). 224 RICOEUR, Paul, op. cit, p. 259.

sobre o discurso histórico por meio dos documentos conhecidos, exigindo dele uma

retificação sem fim225.

O que confere à metáfora um alcance referencial, veiculo ele próprio de uma pretensão ontológica, é

a intenção de ser-como, correlativo ao ver-como. È necessário vincular o Análogo ao jogo complexo

do Mesmo e do Outro, para dar conta da função temporalizante da representância. Na caça ao ter-

sido a analogia não age isoladamente, mas em ligação com a identidade e a alteridade: O análogo,

precisamente guarda consigo a força da reefetuação e do distanciamento, na medida em que ser-

como é ser e não ser 226.

Portanto, a metáfora que utiliza Las Casas de forma mais ou menos insistente nos

ajuda a vincular e transar o complexo jogo do Mesmo e do Outro: ser como o Diabo é ao

mesmo tempo ser o diabo sem sê-lo: não precisamos acreditar que o diabo se encarnou no

espanhol que toma a decisão inesperada de iniciar o particular Holocausto indígena

relatado. Basta entendermos que se trata de um tropo. Ao mesmo tempo, estamos diante do

Mal. João Grilo responderia: “é e não é”. O rastro, um efeito-signo, significa sem fazer

aparecer: a aporia do rastro como “valendo pelo” passado encontra no “ver-como” uma

saída parcial227: No entrecruzamento História da e da Ficção, teremos mais respostas.

225 Idem, op. cit, p.259. 226 Idem, op. cit, p.260-261. 227 Idem, op. cit, p. 261.

O ENTRECRUZAMENTO DA HISTÓRIA E DA FICÇÃO: A

FICCIONALIZAÇÃO DA HISTÓRIA

No,

ni aun ahora he despertado;

que según, Clotaldo, entiendo,

todavía estoy durmiendo,

y no estoy muy engañado.

Porque si ha sido soñado

lo que vi palpable y cierto,

lo que veo será incierto;

y no es mucho que rendido,

pues veo estando dormido,

que sueñe estando despierto.

Pedro Calderón de la Barca. La vida es sueño.

História e Ficção, ambas só concretizam a respectiva intencionalidade tomando

empréstimos da intencionalidade da outra. Essa concretização corresponde na teoria

narrativa ao fenômeno do ver-como, pelo qual, caracterizamos a referencia metafórica228,

de forma que não devemos temer: o imaginário se incorpora à consideração do ter-sido,

sem com isso enfraquecer o seu intento “realista” 229.

Este entrecruzamento será produtivo no esclarecimento de determinados

mecanismos pelos historiadores que permitam se não resolver as aporias do tempo passado,

do presente e do futuro, nas suas relações e alcance, ao menos contorná-las e fazê-las

férteis. Alguns destes mecanismos são:

228 Idem, op. cit, p. 316. 229 Idem, op. cit, p. 317.

A datação de um evento: apresenta um caráter sintético. Se o principio de datação

consiste na atribuição de um presente vivo a um instante qualquer, sua prática consistirá na

atribuição de um “como-se” presente (relembrança de Husserl) a um instante qualquer; as

datas são atribuídas a presentes potenciais, a presentes imaginados. (t. calendário)230. Las

Casas inicia a Brevíssima com a datação: Descubriéronse las Indias en el año de mil y

cuatrocientos y noventa y dos. Fuéronse a poblar el año siguiente de cristianos españoles,

por manera que ha cuarenta y nueve años que fueron a ella cantidad de españoles (…)231

Como demonstra suficientemente Edmundo O´Gorman em La invención de América,

Colombo visava apenas chegar ao Oriente da Ásia. A idéia de “descobrimento” fora criada

pelos cronistas, e Las Casas não seria diferente: Deus escolhe a Cristóvão (o que leva

Cristo) Colombo (o que coloniza) e faz com que ele estude astronomia, historia, filosofia,

de modo que unindo um incipiente espírito quase científico à predestinação divina,

inaugura uma nova Era. Las Casas não utiliza o tempo do calendário: o funda, tal e como se

pode cotejar da leitura do primeiro volume da Historia das Índias, de forma que até hoje o

Doze de outubro é celebrado em todos os paises de língua espanhola como dia da Virgem

do Pilar (Aparecida) e do descobrimento (ou Raça, Língua...). Estamos diante da criação

(ou re-criação) do Ser de América232.

Llegado, pues, ya el tiempo de las maravillas misericordiosas de Dios, cuando por estas partes de la

tierra (sembrada la simiente o palabra de la vida) se había de coger el ubérrimo fruto que a este orbe

cabía de los predestinados, y las grandezas de las divinas riquezas y bondad infinita más

copiosamente, después de más conocidas, más debían ser magníficas, escogió el divino y sumo

Maestro entre los hijos de Adán que en otros tiempos nuestros había en la tierra, aquel ilustre y

grande Colón, conviene a saber, de nombre y de obra poblador primero, para que su virtud, ingenio,

230 Idem, op. cit, p. 319. 231 LAS CASAS, Bartolomé de. Op. cit, p. 74. 232 O´GORMAN, Edmundo. La invención de América. México, Fondo de Cultura Económica, 1958.

industria, trabajos, saber y prudencia confiar una de las egregias divinas hazañas que por el siglo

presente quiso en su mundo hacer: y porque de costumbre tiene la suma y divinal Providencia de

proveer a todas las cosas, según la condición natural de cada una, y mucho más y de modo singular

las criaturas racionales, como ya se dijo, y cuando alguna elige para, mediante su ministerio, efectuar

alguna heroica y señalada obra, la dota y adorna de todo aquello(…).233

O rastro: O caráter imaginário das atividades que o mediatizam e esquematizam é

atestado no trabalho de pensamento que acompanha a interpretação de um resto, de uma

ruína, de um monumento: só lhe atribuímos o valor de rastro, ou seja, de efeito-signo, ao

nos afigurar o seu contexto de vida234. De novo é a atividade imaginaria que faz produzir os

rastos: Grandísimas y extrañísimas son las maldades que allí cometieron aquellos infelices

hombres, hijos de perdición. Y así, el más infelice capitán murió como malaventurado, sin

confesión, y no dudamos sino que fue sepultado en los infiernos235. O fato da morte sem

confissão do capitão não é um simples dado de estatística religiosa (imagino que por causa

da escassez de clérigos, a maioria dos cristãos morresse no Novo Mundo sem receber a

Extrema Unção) ou fruto de um infortúnio qualquer: é conseqüência direta dos seus

pecados e forma de inevitável castigo divino. De novo o imaginário está de volta,

mediando, explicando, definindo. E ai de nós sem ele!

Transferência do Mesmo ao Outro: permite por meio da imaginação e da

simpatia que o Outro alheio se torne próximo236. Quando Hernán Cortés queima o Templo

com os astecas dentro, estes gritam: ¡Oh malos hombres! ¿Qué os hemos hecho?, ¿Por qué

233 LAS CASAS, Bartolomé. Historia de las Índias. Vol III, p. 27. 234 RICOEUR, Paul, op. cit, p. 320-321. 235 LAS CASAS, Bartolomé de. Op. cit, p. 153. 236 RICOEUR, Paul, op. cit, p. 321.

nos matáis? Andad, que a México iréis, donde nuestro universal señor Montezuma de

vosotros nos hará venganza. Benévolos leitores: se me permitirem a ironia no meio de

imagens que nos apresentam tão tristes lembranças, parece como se os indígenas mexicanos

tivessem estudado retórica com Antonio de Nebrija. Esta licença poética resulta decisiva

para gerar a necessária simpatia com as vítimas.

O Análogo e a tropologia: Da a expressão positivista “o passado tal e como ele

aconteceu” um sentido radicalmente diferente dando valor tropológico ao tal como

interpretado ora como metáfora, metonímia, sinédoque ou ironia. É a função representativa

da imaginação histórica (H. White)237. O frade Bartolomé utiliza magistralmente o rei dos

tropos que é a ironia. Quando um franciscano vai converter um índio que aos poucos será

queimado dizendo-lhe

algunas cosas de Dios y de nuestra fe, el cual las había jamás oído, lo que podía bastar aquel poquillo

tiempo que los verdugos le daban, y que si quería creer aquello que le decía que iría al cielo, donde

había gloria y eterno descanso, y si no, que había de ir al infierno a padecer perpetuos tormentos y

penas. Él, pensando un poco, preguntó al religioso si iban los cristianos al cielo. El religioso le

respondió que sí, pero que iban los que eran buenos. Dijo luego el cacique sin más pensar, que no

quería él ir allá sino al infierno, por no estar donde estuviesen y por no ver tan cruel gente238.

Uma resposta maiêutica, irônica, total, mais própria de Las Casas que de um

cacique, porém reveladora do que provavelmente pensariam aqueles que começassem a

entender algo do cristianismo, diante do ridículo papel do salvador de pagãos antes de

serem executados, o que já é um tópico literário e cinematográfico, de Voltaire a Kubrick

237 Idem, op. cit, p. 322. 238 LAS CASAS, Bartolomé de. Op. cit, p. 91.

(Paths of Glory): a hora da morte é a hora da verdade (Benjamim) e onde a ironia toma uma

força esmagadora. Da mesma forma, o humor negro impregna toda a Brevíssima:

Respondía este piadoso capitán que no los querían recebir, antes los habían de matar a

todos si no descubrían dónde estaban sus señores239. Ironia da qual não isentava à própria

linguagem e instituições religiosas, como foi visto:

Y cuando algunos cansaban y se despeaban de las grandes cargas y enfermaban de hambre y trabajo

y flaqueza, por no desensartarlos de las cadenas les cortaban por la collera la cabeza y caía la cabeza

a un cabo y el cuerpo a otro. Véase que sentirían los otros. Y así, cuando se ordenaban semejantes

romerías (…)240(grifo nosso).

A historia imita os tipos de intriga herdados da tradição literária: as categorias

do trágico, cômico, romanesco, ironia são acopladas aos tropos da tradição retórica. Mas o

empréstimo não apenas se confinam à configuração: também à função representativa da

imaginação histórica: aprendemos a ver como trágico, como cômico. O espantoso é que

esse entrelaçamento da ficção e da historia não enfraqueça o projeto de representância

desta última, mas contribua para a sua realização241.

Iban todos tan cargados de oro, que más indios con cargas de oro que con bastimentos y comida

ocupaban; pero, aunque el oro de su propia naturaleza tiene virtud de alegrar, la mucha hambre y

cansancio que padecían los llevaba tan tristes y atribulados, que consuelo ninguno en su corazón

podía entrar. Bien podemos presumir que si llegaran a un bien proveído mesón de comida, que no

estuvieran regateando en el precio, ni les faltara de qué lo pagar. Prosiguiendo su camino, llegaron a

la tierra y señorío del cacique Pocorosa, el cual luego huyó (…).242

239 Idem, op. cit, p. 115. (grifo nosso). 240 Idem, pó. cit, p. 100. 241 RICOEUR, Paul, op. cit, p. 323. 242 LAS CASAS, Bartolomé. Historia de las Índias, t III, p. 7.

Acusada a Brevíssima de ser panfletária, literária e difamatória, provavelmente

sejam essas mesmas características ligadas ao imaginário, as que façam dela uma obra

acessível ao grande público e um grande best-seller, muitas vezes editada a expensas de

livreiros que apenas visavam o puro lucro. È por isto que quinhentos anos depois ainda é

publicada e citada abundantemente e não caiu no esquecimento. O fato de não incluir

nomes (mesmo que os leitores contemporâneos do frade tivessem como sabê-lo facilmente)

acrescenta mais uma chave para sua fama, apesar de atingir de algum modo na

verossimilhança dos relatos: os espanhóis/ católicos poderiam ser identificados agora como

os opressores dos hugonotes, calvinistas, anglicanos ou até dos independentistas catalães ou

latino-americanos, como se desprende do elevado número de edições e exemplares

vendidos na Europa coincidindo com etapas conflituosas nas quais a lenda negra espanhola

era reavivada243. O anonimato das vítimas e também dos carrascos, confere grande

versatilidade e universalidade à Brevíssima, facilitando a sua leitura e identificação em

múltiplos tempos e lugares: novamente a tropologia vence sobre a historiografia “pura”.

Pacto de leitura: podemos ler história como um romance. Em virtude desse pacto o

leitor baixa a guarda, suspende sua desconfiança, confia. Os historiadores modernos não

se permitem incursões fantasistas, mas não deixam de recorrer de forma mais sutil ao

gênio romanesco. Segundo Aristóteles, “colocar diante dos olhos” e assim “fazer ver”:

pintar uma situação, restituir uma cadeia de pensamento e dar a esta a vivacidade do

discurso interior. Entramos na área da ilusão, a qual confunde crer-ver e ver-como244. As

contínuas provas, rastos e argumentos de autoridade que Las Casas mostra não lhe

243 VARELA, Consuelo in: LAS CASAS, Bartolomé de. Op. cit, p. 46-54. 244 RICOEUR, Paul, op. cit, p. 323-324.

impedem nem nos impede sentirmos com prazer (ou desprazer), degustar uma leitura

adereçada com o útil (moralidade) e o agradável (ironia, novidades, espanto e terror), vibrar

com a leitura da obra.

Envió Grijalva dos o tres, y llegaron hasta las albardabas, y allí les dieron una máscara o carátula de

palo, cubierta de hoja de oro delgada, que en señal de paz enviaba al capitán el cacique; iban y

venían muchos indios desarmados a ver los españoles, aunque no se osaban llegar a ellos. Recogían

su agua y sus tiros de artillería los españoles y embarcáronse en las barcas y así fuéronse a los

navíos, dejando su amor entrañado en aquellas gentes, o por verdad decir su temor horrible, de la

manera dicha.245

As figuras retóricas fazem-nos baixar a guarda e “suspender” a desconfiança. Sem

este processo, a leitura fica enfadonha e a obra já teria caído sob montes de poeira em

alguma obscura Biblioteca Nacional. Podemos assimilar a este mecanismo o da Ilusão

controlada, cumplicidade entre vigilância crítica que o próprio historiador exerce e a

suspensão voluntária de incredulidade onde nasce ilusão estética246.

Acontecimentos marcantes (epoch-making): o leque de recursos trópicos

enumerado termina com o que para mim resulta decisivo no sucesso de Las Casas, tanto no

plano editorial, como no êxito na consecução de parte do proposto pelo autor no prefácio

mediante a publicação de novas normas de proteção aos índios, que ao menos tiveram

algum efeito em alguns territórios do império de Filipe II, ou na inclusão de Bartolomé de

las Casas entre os clássicos universais, apesar de ou talvez devido ao lastro negativo de sua

alta carga crítica e dos numerosos detratores que isto implica. Aquela crítica é a que faz

245 LAS CASAS, Bartolomé. Historia de las Índias, t III, p.208. 246 Idem, op. cit, p.324.

lembrar-nos dos eventos marcantes que fundam ou reforçam a consciência de identidade de

uma comunidade e geram sentimentos de uma intensidade ética considerável, quer no

registro da comemoração fervorosa, quer no da execração, da indignação, do lamento,

compaixão ou até do apelo ao perdão247. A regra da abstinência, tão predicada pelos

positivistas, pode ficar suspensa quando se trata de acontecimentos próximos248. Pode ou

deve?

Tornáronse al navío y convidaron mucha gente, hombres y mujeres, grandes y chicos; entran en él

seguros como en otros otras veces hacían. De que los tuvieron dentro, alzaron las velas y viniéronse a

la isla de Sant Juan y vendiólos por esclavos; y a la sazón yo llegué a aquella isla y lo vide y supe la

obra que habían hecho y cómo mostró al señor Higoroto y a su gente ser los españoles de cuantos

beneficios dél recibieron agradecidos. Desta manera dejó destruido aquel pueblo, porque los que no

pudo robar se desparecieron por los montes y valles, huyendo de aquellos peligros, y después al cabo

todos perecieron, con las maldades tiránicas de los españoles que fueron a poblar o despoblar a

Venezuela, como aparecerá en el siguiente libro. A todos los salteadores y malos cristianos que en

aquellos pasos andaban pesó entrañablemente de aquella maldad que aquel pecador con el pueblo de

Higoroto hizo, y es de creer que no por la fealdad de la obra tanto, según éstas y otras semejantes

cada paso se hacían, cuanto por haber perdido todos aquel cierto y buen hospedaje que Higoroto y su

gente a todos sin diferencia hacían.249(Grifos nossos).

O relato autobiográfico de Máximo Cajal sobre a invasão da Embaixada da Espanha

na Guatemala no 31 de janeiro de 1980, revela um pouco do funcionamento dos

acontecimentos marcantes, e como hoje continua sendo um mecanismo válido de

explicação destas narrativas, onde indígenas continuam a serem vitimados:

247 Idem, op. cit, p. 324. 248 Idem, op, cit, p. 325. 249 LAS CASAS, Bartolomé. Historia de las Indias, lib. III, p. 408.

También se sopesó el hecho de que si se dejaba proseguir la toma de la Embajada iba a trascender

ante la opinión pública nacional e internacional la acción represiva del Ejército frente al pueblo de

Guatemala, con el consiguiente deterioro de su imagen. Por otro lado, desde el punto de vista político

era necesario desviar el problema de que los campesinos pidieran el desalojo del ejército del El

Quiché, y esto sólo se podía hacer cambiando el curso de la atención del movimiento popular. La

alternativa de solución era casi obligada para el Ejército: muerte a todos los que se encontraban en la

Embajada, incluyendo al Embajador y a los ex funcionarios. Esta decisión estaba tomada a las 14:10

horas, momento en el cual por medio del radio de una radiopatrulla de la policía, los distintos jefes

que comandaban las fuerzas de seguridad recibieron órdenes superiores.250

Acontece que os lauréis que os arautos do tremendum fascinosum, que constitui o

núcleo emocional do sagrado e continua sendo uma dimensão inexpugnável do senso

histórico251, são cobiçados por muitos dos letrados humanistas, sempre preteridos sobre os

advogados e médicos, não apenas em salários, mas em bolsas e cátedras252. Este estado

subalterno dos homens de letras faz deles, muitas vezes, meros propagandistas suspeitos de

afinidade com a história dos vencedores. Ginés de Sepúlveda, e os seus seguidores, que

chegam até os dias atuais, formam um imenso coro que parece esquecer a intenção

humanitária (às vezes longe do Humanismo renascentista) final da obra lascasiana:

La Apologética historia de Las Casas es en efecto una investigación riquísima en detalles, pero

echada a perder por prejuicios sistemáticos: un “conjunto de hechos y fantasías”, escribe Lewis

Hanke. Trata de mostrar, dice Edmundo O´Gorman, la “tan extraordinaria conclusión de que “todos

los indios americanos eran entes perfectos por su naturaleza […], en sus cuerpos y en todas sus

250 CAJAL, Máximo. ¡Saber quién puso fuego ahí! Masacre en la Embajada de España. Madrid: Siddharth Mehta Ediciones, 2000, p. 48. 251 RICOEUR. Op, cit, p. 325. 252 BATAILLON, Marcel. Erasmo y España. Estudios sobre la historia espiritual del siglo XVI. México-Madrid-Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 1949, p. 12-16.

facultades”, “cúspide de la Creación” y “más perfectos que todos los otros pueblos, incluidos los

pueblos cultos de la Antigüedad, griegos y romanos”. De tal manera que hoy, señala el especialista

anglosajón Brian Connaughton, “se acusa a las Casas, debidamente, de exageraciones, fantasiosas

invenciones e interpretaciones metahistóricas – por tanto acientíficas – en su comprensión y escritura

de lo que llamaremos la etnohistoria del indígena americano.253

Pelo contrário, aqueles que, como Las Casas, escolhem o caminho mais difícil e

arrojado e tomam partido pelo tremendum horrendum, a causa das vítimas ligada a

acontecimentos que é necessário nunca esquecer, merecem nosso respeito. A vitimização é

esse reverso da história que nenhuma astúcia da Razão consegue legitimar e que antes,

manifesta o escândalo de toda teodicéia da história254. Seguindo o relato do horrendum de

Máximo Cajal, na narrativa da entrada das câmeras da Televisão Espanhola na cena do

massacre, só podemos olhar condescendentes para aqueles que querem soterrar Las Casas

num longínquo século XV, não tão longe assim:

Entrando a mano derecha, en la zona de atención al público, había un enorme charco de sangre , al

principio de la escalera, en los primeros peldaños, otro […] En el vídeo de Televisa se veía

perfectamente, al salir Cajal, una mano con una pistola que apunta y quita el seguro para disparar y a

Odette Arzú, Directora de Socorro de la Cruz Roja guatemalteca, que empieza a gritar que no

disparen, que es el Embajador de España, y se le pega como una lapa gritando quién es, sin duda para

que nadie pudiera argumentar que lo confundieron al dispararle. No se separaría de él hasta conseguir

la ambulancia que lo trasladó al Herrar Llerandi. En ese mismo vídeo, a continuación la cámara

enfoca la puerta abierta por la que salió Cajal. Se ve claramente entrar a dos policías, uno de ellos

gordo y con una mochila como de fumigar a la espalda y que cierran la puerta tras ellos. Minutos

253 DUMONT, Jean. El amanecer de los Derechos del Hombre. La controversia de Valladolid. Madrid: Ed Encuentro, 1997, p. 162. 254 RICOEUR, Paul, op. cit, p. 325.

después empiezan los alaridos, el fuego y la chocante pasividad exterior. […] Subimos al despacho.

Ese olor, sobre todo ese olor. Durante años, a veces, me despertaba ese olor, tan fuerte y tan difícil de

describir […] Entró Sánchez Jara, con un palito largo revolviendo, desganado. – Pero, ¿qué haces?

No toques todo eso sin guantes, ¿no ves que puede haber cadaverina?

Con mi falta de curiosidad habitual, todavía hoy no he ido al diccionario.255

Tão comovente como a própria leitura de Las Casas ou de Cajal, a falta de

sensibilidade de muitos críticos literários, que continuam a obra dos cronistas oficiais,

intelectuais “orgânicos” que seguem com suas velhas astúcias retóricas, tentando

deslegitimar o padre Bartolomé, usufruindo as poltronas de marfim da Razão, que lhes

permitem ignorar a dor alheia: Mucho más complicado es el tema de las matanzas que

describe con espeluznantes escenas a lo largo de toda la obra. (…) Lo que hace el

dominico es reiterar, con variaciones y exageraciones, hechos verídicos que al repetirse

hasta la saciedad, llegan a producir el efecto abrumador necesario256. O trabalho de

desgaste é realizado: obrigados a admitir os terríveis fatos, sempre se podem semear as

dúvidas e o desprestígio intelectual do Padre Las Casas nas velhas e belas formas: Desde o

ponto de vista histórico, o uso das fontes utilizadas por Las Casas tem recebido críticas

duríssimas. Temos observado alguns exemplos negativos, e o leitor poderá observar uns

poucos mais, se tiver a paciência de cotejar o texto da Brevíssima com as versões que dão

os cronistas da época257. Paciência, que como demonstrei Varela não teve258. Por quê não

colocar o que o jornal espanhol El Alcázar de 11 de fevereiro de 1980, onze dias após a

tragédia das mortes dos 39 indígenas na Embaixada Espanhola?

255 CAJAL, Máximo. Op. cit, p. 85-86. 256 VARELA, Consuelo in: LAS CASAS, Bartolomé de. Op. cit, p. 45. 257 Idem, op. cit, p. 43. 258 Veja a página 17 onde demonstro como Varela utiliza fontes de segunda mão sem comprová-las.

Lo de Guatemala ha sido un circo aquí. Una tragedia allá. Tenemos un diplomático muerto, un

embajador chamuscado y muchos muertos más. Y el Gobierno ha obrado con la precipitación infantil

de una dictadura norteafricana e histérica: impropia de una nación soberana y grande a lo largo de

siglos de historia…Ábrase la tercera fase. Y ábrase expediente sumario a ese embajador de barbita

(Máximo Cajal), el único que salvó la vida entre tanto muerto, el que ha andado escondiéndose desde

entonces, el que estuvo visitando en sus montañas a los campesinos que luego fueron carne de

terrorista.259

Sob risco de ser acusado de apaixonado, postulo como Ricoeur que o horror é uma

veneração invertida que isola ao tornar incomparavelmente único (individuação). Quanto

mais explicamos historicamente mais ficamos indignados, quanto mais horrorizados, mais

procuramos compreender: individuação e explicação histórica podem não ser

antitéticas260.

Qual então o gênero diante do que nos deparamos? Esta epopéia por assim dizer

negativa, preserva a memória do sofrimento, na escala dos povos. Permite que a

historiografia se iguale à memória, pois uma historiografia pode ser sem memória, quando

só a curiosidade a anima. Ela tende, então ao exotismo. Só a vontade de esquecer pode

fazer com que os crimes não voltem nunca mais261.

Estamos diante de um Maquiavel às avessas que escreve um Príncipe do anti-poder:

Vuestra Alteza tenga por bien de con eficacia suplicar y persuadir a Su Majestad que

deniegue a quien las pidiere tan nocivas y detestables empresas, antes ponga en esta

259 CAJAL, Máximo. Op. cit, p.197. 260 RICOEUR, Paul, op. cit, p. 326. 261 Idem, op, cit, p. 327.

demanda infernal perpetuo silencio, con tanto terror que ninguno sea osado dende

adelante ni aun solamente se las nombrar262. A Brevíssima, que fora dedicada a Felipe II,

bem poderíamos inscrevê-la dentre o gênero “Conselhos ao Príncipe”, mas parecendo uma

denúncia que uma súplica, um uivo que um sussurro, um grito de nunca mais que ainda

hoje pode se ouvir, ver, sentir.

262 LAS CASAS, Bartolomé de. Op. cit, p. 73.

LAS CASAS E O LIVRE ARBÍTRIO

Las Casas tinha o convencimento de que os Reis de Castela e Aragão estavam, no plano

divino, fadados a levar o Evangelho para o Novo Mundo com o beneplácito papal.

Colombo fora o instrumento providencial para tanto (lembremos que fora o dominicano

quem transliterasse as cartas do Almirante Cristóvão). No entanto, a través dos estudos

teológicos, filosóficos e jurídicos que Las Casas (e seguramente toda uma equipe de

scholars) realizara, seguindo a filosofia neo-escolástica de Vitória e outros tomistas, da

importância de primeira ordem para o livre arbítrio do ser humano e a aceitação da fé de

modo espontâneo, nunca de maneira mecânica nem forçada. Conseqüentemente

Bartolomeu não aceitaria as propostas que partiam da inferioridade dos indígenas que

considerava estes como crianças (franciscanos) ou incompletos (Sepúlveda), potenciais

sujeitos de paternalismo evangélico e colonizador. A “encomienda”, instrumento

teoricamente elaborado para cristianizar e cuidar dos indígenas, fundamentado no trabalho

que os indígenas tributavam para o Inka e os Kurakas, a mita, se revela na prática como

instrumento de escravidão e morte para milhares de indígenas, com conseqüências

humanitárias desastrosas, e inábil para a pregação cristã, como este dominicano comprova

no terreno, pois ele mesmo tivera uma fazenda com “encomienda” de indígenas.

Convencido do erro no qual caíra e convertido (o caminho de Damasco), Las Casas o

denuncia no seu “Memorial latino” e outros três memoriais, entre os quais o famoso

“Memorial de Remédios” que entrega primeiro ao regente Cisneros e depois ao primeiro

ministro de Carlos I, Adriano de Utrecht: propõe uma colaboração entre os indígenas e

campesinos castelhanos na exploração mais eficiente e humana das terras, ao estilo de

Tomas Morus, mas fracassa devido aos poucos que se enrolam no projeto e às ambições

dos traficantes de escravos.

Depois de uma série de fracassos práticos na sua luta pelos direitos indígenas no

Novo Mundo (sofre detenção, afastamento de função, é resgatado da Vera Paz diante da

sublevação indígena...), decide focar seus esforços na Corte. Com a oposição dos lobbies

dos encomenderos Las Casas consegue primeiro a encíclica papal Sublimis Deus, e depois,

leis favoráveis aos índios por parte de Carlos I e a legislação do Conselho de Índias.

Ciente de que muitas leis não se cumpriam, continua a sua luta, desta vez num

famoso confronto intelectual com Sepúlveda, e no meridiano do século XVI lida na

Controvérsia de Valladolid, na qual rebate os princípios filosóficos e éticos do autor do

Demócrates Alter, reafirmando o caráter racional e livre dos povos indígenas. Para isso,

publica sua Apologia, extenso tratado erudito e filosófico onde defende suas posições.

Começa então verdadeiramente sua prolífica bateria de textos na defesa dos nativos:

escreve a Brevísima Controversia, Treinta proposiciones, Esclavitud, Encomienda y

Confesionario. Sem abandonar sua produção erudita, publica imediatamente depois da

Controvérsia de Valladolid sua Brevísima Relación de la Destruición de las Indias, obra

pela qual passara ao conhecimento do público geral e que vem sendo reeditada inúmeras

vezes até a atualidade. A utilização idônea dos recursos retóricos, a simplicidade da

linguagem, o apelo aos sentimentos e a omissão dos nomes dos carrascos, fazem desta obra

um best-seller já na época de publicação e objeto de duras críticas por parte dos adversários

de Lenda Negra espanhola, numa ainda hoje feroz polemica.

Com ajuda de Paul Ricoeur, tentou-se mostrar como os ataques à obra de Las Casas,

concentrados sobre tudo na Brevíssima, são inevitáveis e em certa forma impertinentes,

porque se bem a historiografia e a literatura tem finalidades diferentes, se valem de

idênticos recursos retóricos para obter sua eficácia.

Se Las Casas que fora de certa forma um fracasso na sua ação prática no intuito de

aplicação das suas idéias, no plano intelectual lavrou um sucesso ao serviço da causa que

defendia mediante a utilização de várias molas literárias: focou perfeitamente o tema que

pretendia divulgar, tomou para si um apelido com forte “pegada” popular, “o Defensor dos

Índios”, a través dos seus relatos e da História das Índias e da qual é protagonista principal,

“pintou” com carregadas e “hiper-realistas” tintas a destruição das Índias, como ilustrara

Theodor de Bry de uma forma a provocar horror, dor e compaixão nos leitores (por tanto

ambos colocaram a “imagem” ao serviço dos seus fins, com singular êxito), ilustrações que

aproveito agora para meu trabalho. De Bry aproveitou a popularidade e agilidade narrativa

expressionista do dominicano e ilustrou com outra finalidade diferente a defesa dos índios:

o ataque aos espanhóis que naquela época dominavam Flandes, mostrando outra virtude do

texto lascasiano, a sua versatilidade. De certa forma Las Casas se antecipa às necessidades

comunicativas dos séculos vindouros: já no século XVII a proliferação de panfletos será

exponencial, e a Brevíssima formará parte daquela massa de publicações, ainda que

fundada em suficientes bases históricas, éticas e filosóficas, como já foi exposto.

Bartolomé de las Casas consegue para os fins que persegue e os meios que emprega

uma conseqüência talvez por ele calculada: constituir-se num Mito, que chega a superar em

Fama a própria obra, canonizado nos altares da literatura latino-americana nas penas de

José Martí263, Gabriela Mistral264, Miguel Angel Astúrias265, Pablo Neruda266, Eduardo

Galeano267, que com muitos outros já elevaram ele para a categoria de Santo, sem milagres,

da causa indígena. A pena deste Defensor dos índios, ao menos no mundo mítico, venceu

da espada?

263 MARTÍ, José. El Padre Las Casas (La Edad de Oro), Obras Completas, La Habana, 1940, t24, pp 178 ss. 264 CÉSPEDES, Mario (org.). Fray Bartolomé. In: Recados para América. Textos de Gabriela Mistral. Santiago de Chile: Epesa, 1978, pp 171-175. 265 ASTÚRIAS, Miguel Angel. La Audiência de los Confines. Andanza III. Buenos Aires – México, 1967. 266 NERUDA, Pablo. Fray Bartolomé de las Casas, In: Canto General, apartado Los Libertadoes, 2. Buenos Aires, 1963. 267 GALEANO, Eduardo. Las venas abiertas de América Latina. México: Siglo XXI, 1971.

BIBLIOGRAFIA

ANABITARTE, Héctor. Bartolomé de las Casas. Madrid: Labor, 1992.

ANDRADE, Oswald de. Obras Completas (v VI): Do Pau-Brasil à Antropofagia e às

Utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970.

ASTÚRIAS, Miguel Angel. La Audiência de los Confines. Andanza III. Buenos Aires –

México, 1967.

AINSA, Fernando. De la Edad de Oro al Dorado: Génesis del discurso utópico americano.

México: Fondo de Cultura Económica, 1992.

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos do Estado. São Paulo, Graal, 1976.

BATAILLON, Marcel et SAINT-LU, André. El padre Las Casas y la defensa de los

indios. Madrid: Sarpe, 1985.

BATAILLON, Marcel. Erasmo y España. Estudios sobre la historia espiritual del siglo

XVI. México-Madrid-Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 1949.

BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.

BRUIT, Héctor H. Bartolomé de las Casas e a simulação dos vencidos. São Paulo,

Unicamp/ Iluminuras, 1995.

CAJAL, Máximo. ¡Saber quién puso fuego ahí! Masacre en la Embajada de España.

Madrid: Siddharth Mehta Ediciones, 2000.

CALDERÓN DE LA BARCA, Pedro. La vida es sueño. Madrid, Anaya, 1994.

CARMAGNANI, Marcello, HERNÁNDEZ, Alicia et ROMANO, Ruggiero (orgs). Para

una Historia de América I. Las estructuras. México: Fondo de Cultura Económica, 1999.

CASTIGLIONE, Baldassare. O Cortesão. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

CÉSPEDES, Mario (org.). Fray Bartolomé. In: Recados para América. Textos de Gabriela

Mistral. Santiago de Chile: Epesa, 1978, pp 171-175.

CHIAPPINI, Ligia e WOLF, Flávio (orgs). Literatura e História na América Latina. São

Paulo: EDUSP, 2001.

DE ROUX, Rodolfo. Dos Mundos Enfrentados. Colômbia: CINEP, 1990.

DUMONT, Jean. El amanecer de los Derechos del Hombre. La controversia de Valladolid.

Madrid: Ed Encuentro, 1997.

ESPINA BARRIO, Ángel B (org). Poder, Política y Cultura: Antropología en Castilla y

León e Iberoamérica VII. Recife: Ed Massangana, 2005.

FELIPE, León. Nueva Antología Rota. Madrid, Visor, 1993.

FREITAS NETO, José Alves de. Bartolomé de las Casas: a narrativa trágica, o amor

cristão e a memória americana. São Paulo, Anna Blume, 2003.

GALEANO, Eduardo. Las venas abiertas de América Latina. México: Siglo XXI, 1971.

GARCÍA LÓPEZ, José. Historia de la Literatura Española. Madrid: Vicens-Vives, 1973.

GRUZINSKY, Serge. A passagem do século: 1480-1520: as origens da globalização.

Trad: Rosa Freire de Aguiar. São Paulo, Companhia das letras, 1999.

HALL, Stuart et DU GAY, Paul. (Org). Cuestiones de identidad cultural. Buenos Aires:

Amorrortu, 2003.

JUDERÍAS, Julián. La Leyenda Negra. Barcelona: Araluce, 1917.

LAS CASAS, Bartolomé de. Apología o Declaración y Defensa Universal de los Derechos

del Hombre y de los Pueblos. Vidal Abril Castelló (org.). Salamanca: Junta de Castilla y

León, 2000.

_____ . Brevísima relación de la destruición de las Indias. Introducción y notas de

Consuelo Varela. Madrid, Castalia, 1999.

______. Brevísima relación de la destruición de las Indias. Introducción crítica y notas de

Isácio Pérez Fernández.

______. Brevísima relación de la destruición de las Indias. Introducción crítica y notas de

André Saint-Lu. Madrid: Cátedra, 1982.

______. O Paraíso Destruído: Brevíssima Relação da Destruição das Índias. Trad:

Herdaldo Barbuy. Porto Alegre: L&PM Editores, 1996.

______. Historia de las Indias – Vol I, II e III. Introducción crítica: Lewis Hanke. México,

F.C.E., 1951.

MARTÍ, José. El Padre Las Casas (La Edad de Oro), Obras Completas, La Habana, 1940,

t24, pp 178 ss.

MARTÍ, Salvador, et al: Lengua y Literatura. Barcelona: Teide, 1999.

MARTÍNEZ, Fray Manuel, O.P. Fray Bartolomé de las Casas, Padre de América. Madrid:

La Rafa, 1958.

MIGNOLO, Walter. Historias locais/ projetos globais: colonialidade, saberes subalternos

e pensamento liminar. Trad. Solange Ribeiro. Belo Horizonte: editora UFMG, 2003.

NERUDA, Pablo. Fray Bartolomé de las Casas, In: Canto General, apartado Los

Libertadoes, 2. Buenos Aires, 1963.

O´GORMAN, Edmundo. La invención de América. México, Fondo de Cultura Económica,

1958.

PELLICER, Carlos. Antologia Poética bilíngüe. Everardo Norões (org.). Trad. Thiago de

Mello, Gerardo de Holanda, et al. Recife: Ensol, 2005.

PEREÑA, Luciano (org.). Proceso a la Leyenda Negra. Salamanca: Universidad Pontificia,

1989.

PIZARRO, Ana. (org). América Latina: palavra, literatura e cultura. Campinas:

UNICAMP, 1993.

PRATT, Mary Louisse et al. Pós-colonialidade: projeto incompleto ou irrelevante? In:

Literatura e História: perspectivas e convergências. Bauru, SP: EDUSC, 1999.

RAMOS, Demetrio. El mito del Dorado: su génesis y proceso. Caracas: Academia

Nacional de la Historia, 1973.

RIBEIRO, Darcy. O Processo Civilizatório. São Paulo: Círculo do Livro, 1978.

RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa – Tomo III. Campinas, SP, Papirus, 1997.

SAÏD, Edward W. Culture and Imperialism. London: Vintage, 1993.

SEPÚLVEDA, Ginés, Obras Completas III, Demócrates Segundo, Trad. A. Coroleu,

Ayuntamiento de Pozoblanco, 1997.

TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins

Fontes, 1999.

URTUBI et MATEO VELASCO, Historia de la Literatura. Madrid: SM, 1975, p.127.

VASCO DE QUIROGA, Carta al Consejo, in: La Utopía en América. Madrid: Dastin,

2002.

WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso: ensaios sobre a Crítica da Cultura. Trad. Alípio

Correia de França Neto. São Paulo: ESUSP, 2001.

REDE MUNDIAL INTERNET

Concise Encyclopedia Britannica: www.concise.britannica.com/ebc/article?tocId=9376116.

ERASMO DE ROTTERDAM. Elogio de la Locura. Escuela de Filosofía, Universidad de

ARCIS, in: www.philosophia.cl.

HOYOS RAMOS, David. Libros de texto para rematar el planeta, in:

http://www.ecologistasenaccion.org/print.php3?id_article=1801 consultado 21/ out/ 2005.

INSTITUTO NACIONAL DE ESTADÍSTICA DE ESPAÑA, in: www.ine.es.

MAQUIAVELO, Nicolás. El príncipe. Librodot, 2005.in: www.librodot.com

MORO, Tomás. Utopia. Librodot, 2005. In: www.librodot.com.

SPIVAK in: "Can the Subaltern Speak?" Benjamin Graves '98, Brown University, in:

http://www.postcolonialweb.org/poldiscourse/spivak/spivak2.html 17/ out/ 2005.

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo