58
ANTONIO CESAR CAMARGO MIRANDA BATISTAS ESLAVOS EM CURITIBA: RELIGIÃO E ETNICIDADE Monografia Final do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Sérgio Odilon Nadalin CURITIBA 2009

Batistas Eslavos em Curitiba

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Monografia Final do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal do Paraná.

Citation preview

Page 1: Batistas Eslavos em Curitiba

ANTONIO CESAR CAMARGO MIRANDA

BATISTAS ESLAVOS EM CURITIBA: RELIGIÃO E ETNICIDADE Monografia Final do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Sérgio Odilon Nadalin

CURITIBA 2009

Page 2: Batistas Eslavos em Curitiba

AGRADECIMENTOS

É com alegria que concluo mais esta etapa. A realização de um trabalho proporciona a

abertura de novos caminhos, aquisição de conhecimentos e amizades construídas no decorrer

do período em que estive participando da vida universitária. Em primeiro lugar gostaria de

agradecer a Deus por me oferecer uma oportunidade de concretizar meus objetivos, criando

valores e perspectivas de vida que sempre me estimularam para alcançar as metas traçadas.

Agradeço também a atenção e disponibilidade das pessoas que contribuíram para que

esse simples trabalho pudesse ser realizado. Ao professor Doutor Sergio Odilon Nadalin pela

orientação nos rumos e ajustes da pesquisa. A professora Doutora Oksana O. Boruszenko por

tirar dúvidas, esclarecer muitas das questões que estavam em aberto e contribuir de maneira

direta para construção de meu conhecimento. A professora Maria Luiza Andreazza por, no

início, encaminhar e incentivar a pesquisa. Meus sinceros agradecimentos ao professor Iedo

Néspolo, por revisar e corrigir todo o texto, e ao professor e pastor Ebenézer Soares Ferreira,

pelas indicações bibliográficas.

Outro grupo de pessoas que não posso deixar de citar são aqueles que disponibilizaram

toda a documentação que tive contato e entenderam o propósito desse trabalho. Agradeço a

Lidiane Xavier Iurk Querino, Coordenadora Administrativa da Convenção Batista

Paranaense, a Doris Körber, secretária da Convenção Batista Pioneira do Sul do Brasil, a

Nelita Morais, secretária da Primeira Igreja Batista de Curitiba, a Marcia Aline Paraszczuk,

secretária da Igreja Batista Avenida dos Estados, a Rangel Ramiro Ramos, secretário da Igreja

Evangélica Batista da Água Verde e a Olga Waculicz, responsável pelas atas da comunidade

eslava.

De igual modo agradeço a todos os entrevistados que me receberam em suas casas e

disponibilizaram um tempo precioso para que, através de suas memórias familiares e suas

experiências pessoais, eu pudesse aprimorar meu conhecimento.

Por fim, mas não menos especial, minha gratidão aos meus amigos e familiares.

Principalmente a minha mãe, Lindamir, minha tia, Eliete, e minha avó, Santina, os grandes

alicerces da minha vida. Sem vocês nada disso seria possível e teria valor.

Page 3: Batistas Eslavos em Curitiba

SUMÁRIO INTRODUÇÃO.....................................................................................................................1

1. Capítulo 1

1.1 A Igreja Batista.................................................................................................................3

1.2 O advento da Igreja Batista em Curitiba, história e organização....................................10

1.3 “Configurações étnicas” na Igreja: o caso das Igrejas Eslavas no Brasil........................12

2. Capítulo 2

2.1 Os “eslavos”: identificações e diferenças.......................................................................18

2.2 Imigrações eslavas para o Brasil.....................................................................................24

3. Capítulo 3

3.1 Primeira Igreja Batista Eslava de Curitiba – motivações étnicas?..................................28

CONCLUSÃO.....................................................................................................................40

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................44

ENTREVISTAS...................................................................................................................46

NOMES DAS FAMÍLIAS ENCONTRADAS NAS ATAS DA COMUNIDADE ESLAVA

DE CURITIBA.....................................................................................................................55

Page 4: Batistas Eslavos em Curitiba

1

Introdução:

O interesse por uma “história da religião” surge através da curiosidade de “como”,

“quando” e os “porquês” da formação de grupos religiosos. Cada um com especificidade

diferente, próprios ritos, crenças e costumes – especialmente, a denominação batista. Essa

“Igreja” se instala no Brasil e difunde suas crenças, num primeiro momento, através de

missionários, geralmente oriundos dos Estados Unidos, sustentados financeiramente por

instituições ou Igrejas da denominação, especificamente com o objetivo de propagar sua fé.

No entanto, o desenvolvimento desses trabalhos não é restrito apenas à atuação desses

indivíduos, como geralmente se pensa, pois através de movimentos imigratórios, há pessoas

que transportam consigo suas crenças, dando início a suas formas de culto e expandem sua fé.

Nesse sentido, desde fins do século XIX observam-se grupos de batistas vindos da Europa que

se instalam no Brasil. Ao estabelecerem colônias, muitos desses indivíduos iniciam uma ação

missionária própria, ou solicitam a presença de obreiros de seus países, alemães, suecos,

húngaros, letos, estonianos e os “eslavos”, para que o trabalho possa se alargar em diversos

pontos do território brasileiro.

O nosso primeiro contato com o grupo batista eslavo em Curitiba ocorreu através de

uma foto existente na Convenção Batista Paranaense, em cuja fachada aparecia escrito

“Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba”. Indagamos “como” era possível a

existência de um grupo batista “eslavo” em Curitiba, pois não conhecíamos um grupo desse

gênero. Através de contatos com membros da Igreja Evangélica Batista da Água Verde

tivemos acesso à documentação da comunidade, iniciando a nossa pesquisa sobre um grupo

religioso específico. A falta de trabalhos acadêmicos que tratam da questão de grupos batistas

eslavos no Brasil, congregando pessoas de diferentes etnias, ao mesmo tempo, em uma

comunidade de fé, instigaram ainda mais a pesquisa. Há apenas apontamentos sobre o

surgimento de grupos batistas eslavos no Brasil e a organização de Igrejas formadas por

russos, poloneses, ucranianos e outros. Assim, há a possibilidade de, através de estudos da

imigração, observar a formação de grupos religiosos, estudando a maneira como acontecem

suas atuações em lugares diferentes de sua origem e “como” desenvolveram seus trabalhos

eclesiásticos.

Nesse caso específico, a formação de um grupo religioso denominado “eslavo”, em que

várias etnias apresentando diferenças significativas, reúnem- se em torno de uma profissão de

fé comum, relativamente estranha às suas culturas originais: poloneses são de uma tradição

Page 5: Batistas Eslavos em Curitiba

2

católica de rito latino, russos e ucranianos pertencem ao catolicismo ortodoxo e parte dos

ucranianos acabaram tornando-se católicos uniatas.

Somadas às questões religiosas, os eslavos ainda reúnem grupos com diferenças

históricas, lingüísticas e culturais bastante significativas. Através dessas questões houve a

busca dos elementos que proporcionaram a congregação destas diferentes etnias em um

mesmo espaço, abrangendo ou não todas suas especificidades. Num primeiro momento,

criaram perante os brasileiros, uma identidade de “eslavos”, por cantarem e fazerem suas

leituras bíblicas e expressarem-se em idiomas próprios. Como as línguas de origem “eslava”

são parecidas entre si, foi possível a conversação e emprego do próprio idioma de cada etnia

em seus trabalhos religiosos. Assim todos conversavam utilizando as línguas russa, ucraniana

e polonesa, deixando o português de lado. Posteriormente, algumas pessoas não se

identificando mais como “eslavos”, reivindicaram uma organização em separado, para que

cada trabalho pudesse respeitar tradições e idiomas próprios de cada etnia. A comunidade deu

prosseguimento a seus trabalhos até o momento em que a Primeira Igreja Evangélica Batista

Eslava de Curitiba muda seu nome para Igreja Evangélica Batista da Água Verde. Essa

mudança de nome traduz uma transformação importante no “regimento” da Igreja. Os

trabalhos deixam de ser destinados somente a “eslavos” e é disponibilizada “assistência

espiritual” aos brasileiros.

O primeiro capítulo visa a abordar o advento da Igreja Batista no mundo, no Brasil,

em Curitiba e o caso de Igrejas Eslavas no Brasil. Os “eslavos” e suas divergências histórico-

culturais serão estudados no segundo capítulo, quando se deverão traçar algumas

características dessas diferenças. Por fim, o terceiro capítulo trata da comunidade “eslava” em

si, desde sua formação, objetivando “como” foi possível congregar diversas etnias “eslavas”

em um mesmo espaço religioso, até o momento em que, em sua substituição, organiza-se a

Igreja Evangélica Batista da Água Verde, em 1978.

Page 6: Batistas Eslavos em Curitiba

3

1.1 A Igreja Batista.

O início da história batista é muito incerto. Há três versões que tentam apontar para o

possível surgimento dessa denominação religiosa.

A primeira delas, defendida por alguns historiadores batistas1, é conhecida como

“Teoria do Rastro de Sangue” ou “Teoria do JJJ- Jerusalém-Jordão-João”. Os historiadores

que seguem esta hipótese veem uma “descendência histórica” partindo de uma linhagem

ininterrupta desde os tempos bíblicos, quando João Batista efetuava batismos no rio Jordão.

Assim, essa denominação é vista como uma filiação proveniente de uma época anterior a

Cristo e que foi se desenvolvendo ao longo dos séculos com vários nomes diferentes2 e

chegou até nós com o nome “batistas”3.

A segunda proposição correlaciona essa denominação a um parentesco com os

anabatistas do século XVI4. Levando em conta essa ligação, alguns historiadores sugerem que

grupos na Idade Média5 já praticavam preceitos, como o batismo por imersão, uma crença

contrária à veneração de imagens de santos e a transubstanciação na eucaristia, que depois

foram utilizados pelos anabatistas. Outros autores, porém, veem o nascimento dos anabatistas

em Zurique, na Suíça, paralelamente à Reforma praticada por Ulrico Zuínglio6. Um grupo de

pessoas teria estudado a Bíblia e identificado que o batismo infantil era um erro e só pessoas

em condições de professarem sua fé e regeneradas deveriam ser batizadas. Depois de

ocorridos alguns batismos na cidade, as autoridades locais decretaram que os pais deveriam

batizar seus filhos ainda sob pena de desterro e que rebatismos teriam pena de afogamento7.

Com o não cumprimento da lei, um dos líderes do movimento foi condenado à morte e

afogado no rio que corta a cidade8. Os demais líderes foram perseguidos e dispersos pelas

autoridades de Zurique. Para unificação e consolidação dos pontos que eram pregados por

1 LIMA, Jaime Augusto, História dos Batistas Regulares no Brasil. São Paulo: Editora Batista Regular, 1997. p. 15. 2 PEREIRA, José Reis. História dos Batistas no Brasil. Rio de Janeiro: JUERP; 2001. p. 19-47. 3 KEIDANN, D. M. Uma Introdução à história dos batistas no Rio Grande do Sul numa perspectiva transcultural. Minas Gerais: IEPG; 1996. p. 24-25. 4 Os anabatistas, cujo nome significa rebatizadores, surgiram e foram assim denominados durante a Reforma e considerados radicais por seus opositores. Defendiam a autoridade da Bíblia, discordando em alguns aspectos dos reformadores do século XVI, principalmente sendo contrários ao batismo infantil e a conseqüente entrada automática à Igreja. Defendiam a idéia de uma Igreja formada apenas por pessoas regeneradas, crendo que o batismo deveria ser ministrado somente a adultos que cressem em Cristo e tivessem vontade de ingressar em uma Igreja. Podem ser identificados durante esse período em vários locais da Europa e em alguns aspectos doutrinários podem estar ligados às primeiras Igrejas Batistas, chamadas de Gerais no início do século XVII. (Ibid., p. 28-31) 5 Valdenses, Lolardos, Petrobrusianos, henriquianos e outros. (PEREIRA, op. cit., p. 34-36) 6 Ibid., p. 44. 7 KEIDANN, op. cit., p. 30.

Page 7: Batistas Eslavos em Curitiba

4

esses anabatistas, tornou-se de extrema importância a criação de uma declaração de fé que

compilasse todas as doutrinas seguidas por eles. Aqueles que escaparam à perseguição

elaboraram um documento, entre a cidade de Zurique e Schaffhausen na Suíça, que ficou

conhecido como “Confissão de Fé de Schleitheim”, nome da cidade onde se reuniram e

redigiram sua declaração. Após longo tempo de perseguição e com suas doutrinas já

estabilizadas, vários grupos de anabatistas migraram para áreas de maior tolerância religiosa

na Europa. Alguns soberanos acabaram aceitando a vinda desses imigrantes para povoar

territórios escassamente habitados e os anabatistas se dirigiram para regiões do Palatinado,

Alsácia, Morávia9, Itália, Alemanha, Inglaterra e Holanda10. Nos Países Baixos, foram bem

recebidos, pois já havia uma rejeição a doutrinas católicas empregadas, sendo de maior

facilidade aderirem à nova religião. Antes da chegada desses grupos à região, houve alguns

desastres naturais, como o rompimento de diques, que causou perdas totais das colheitas, e

problemas políticos, como embargos comerciais que causaram inflação, fome e desemprego,

que resultaram num sentimento apocalíptico entre as massas, catalisando a expansão do

anabatismo na região11.

Os anabatistas embora formassem um movimento religioso pacífico, com discursos

proféticos e apocalípticos numa época de desagregação social, agitaram alguns grupos que se

tornaram revolucionários. O caso mais conhecido é o de Thomas Müntzer, que pregava uma

idéia milenarista de que o reino de Deus deveria ser estabelecido o mais breve possível e se

necessária a violência deveria ser empregada. Após várias perturbações e ataques a igrejas e

mosteiros entre o noroeste da Alemanha e diversas províncias dos Países Baixos, Müntzer e

seus seguidores tomaram a cidade de Münster na Alemanha tentando estabelecer suas crenças

à força. Em resposta a cidade foi sitiada e tomada por tropas do príncipe-arcebispo da cidade

auxiliado pelo exército imperial alemão12. Os anabatistas foram mortos e a fama de sua

violência, decorrente do terror causado por Müntzer, foi espalhada pela Europa. Por outro

lado, os anabatistas pacíficos pregavam um isolamento do mundo e o estabelecimento de

colônias próprias, onde o reino de Deus seria empregado pela desistência de padrões

mundanos e obediência somente às Escrituras. Com a derrota de Thomas Müntzer e sua

popularidade, vários grupos pacíficos foram perseguidos e mais uma vez dispersos.

Posteriormente, reagruparam-se sob a liderança de Menno Simons e deram origem aos

8 PEREIRA, op. cit., p. 45-47. 9 MASKE, Wilson. Os menonitas e a Construção do Novo Reino. HISTÓRIA: QUESTÕES E DEBATES, Curitiba, n. 28, 77-105 , 1998. p. 91. 10 PEREIRA, op. cit., p. 43. 11 MASKE, op. cit., p. 87.

Page 8: Batistas Eslavos em Curitiba

5

menonitas13. Estes grupos acabaram por isolar-se em comunidades fechadas, tendo direito a

terra e à liberdade de religião. A Morávia, Palatinado, Galícia, Volínia, Dantzig, Prússia

Ocidental e Oriental foram alguns dos locais onde esses grupos se estabeleceram.

A terceira hipótese defende que a origem dos batistas estaria relacionada aos

separatistas ingleses14 do início do século XVII. Esses grupos ansiavam por estabelecer Igrejas

com modelo baseado no Novo Testamento, segundo suas interpretações e alegavam que para

a admissão de membros em uma Igreja o batismo deveria ser feito após profissão de fé. Como

o costume era o batismo infantil, verificaram que deveriam batizar-se novamente caso

almejassem formar uma Igreja fundamentada em princípios neotestamentários. A perseguição

a grupos como esse se tornou mais intensa na Inglaterra e o desejo por uma igreja

independente do estado se tornava crescente. Assim migraram para a Holanda e fundaram

uma Igreja Batista em Amsterdã mas após dissidência desse grupo, ex-membros voltaram

para a Inglaterra e fundaram uma Igreja Batista nos arredores de Londres15.

Ainda no século XVII, derivam dos separatistas ingleses duas denominações: os

“Batistas Gerais” e os “Batistas Particulares”. Os primeiros são assim designados por

acreditarem que a morte de Cristo poderia se aplicar a todos e em suas doutrinas limitavam a

autonomia das igrejas locais que eram ligadas a associações. Este aspecto limitou a atuação

das igrejas individualmente, centralizando e retardando o crescimento destas, que aos poucos

foram enfraquecidas. Os “Batistas Particulares” acreditavam na doutrina da eleição, em que a

salvação em Cristo era apenas destinada a algumas pessoas, e zelavam pela independência de

cada igreja local, relegando às associações apenas funções extras. Alguns grupos aos poucos

foram deixando de lado o princípio da eleição, proporcionando a propagação da fé dos

batistas a um número maior de pessoas e, como conseqüência, floresceram Igrejas Batistas em

toda Inglaterra16.

Com relação às perseguições feitas no século XVII, outro movimento migratório pode

ser observado nesse período. Alguns separatistas ao invés de irem para o continente europeu,

preferiram a América do Norte e estabeleceram colônias em que todas as pessoas professavam

a mesma crença. Porém, do mesmo modo, houve no Novo Mundo uma série de reclamações

12 Ibid., p. 88. 13 Ibid., p. 89-103. 14 Com o surgimento de várias seitas protestantes na Inglaterra no século XVII, os separatistas ingleses diferenciavam-se dos demais movimentos religiosos por serem congregacionais em sua eclesiologia, insistindo no batismo somente à pessoas regeneradas pelo Espírito Santo. Este movimento tinha como origem o puritanismo inglês e defendia mudanças mais profundas dentro da Igreja, insistindo que as reformas feitas no século XVI na Inglaterra não foram completas. (PEREIRA, op. cit., p. 14) 15 Ibid., p. 49-51. 16 KEIDANN, op. cit., p. 34-36.

Page 9: Batistas Eslavos em Curitiba

6

que envolviam a união entre Estado e Igreja. O pastor Roger Williams demonstrava sua

desaprovação ao sistema em que as colônias viviam, em comunidades atreladas ao poder do

governo. Após acusação e conseqüente punição retirou-se da igreja em que estava e unindo-se

a outros dissidentes chegou ao pleno entendimento de que Igreja e Estado deveriam ser

dissociados. Além disso, estudou a Bíblia e concluiu que o batismo infantil não era válido e

que Cristo havia instituído o batismo a pessoas adultas e conscientes de tal ato. Desse modo o

grupo todo se batizou novamente e organizou a Primeira Igreja Batista em solo norte-

americano, na localidade de Providence, no estado de Rhode Island17. Após o

estabelecimento dessa comunidade surgem outros grupos ou pessoas que migraram para a

América do Norte e em contato com batistas ou ainda ao examinarem a Bíblia, aderiram às

idéias que eram pregadas por essa denominação e acabaram fundando igrejas espalhadas por

diversas colônias ao longo do território da Nova Inglaterra18. Um exemplo que ilustra esta

questão é o grupo ligado a John Clarke. Perseguidos por convicções religiosas na Inglaterra,

fugiram para a América do Norte, porém não se adaptaram ao sistema das colônias

americanas que também sufocava sua liberdade religiosa. Clarke, assim que chegou à

América, teria entrado em contato com um grupo de batistas. Comprou um território de índios

locais, a qual chamou de Rhode Island, onde fundou uma colônia e igreja próprias. Essa

comunidade reivindica para si o fato de serem a Primeira Igreja Batista em território

americano. Porém não há evidencias que provem que a Igreja por ele fundada nessa

localidade fosse batista. Os documentos existentes informam haver uma Igreja Batista em

Newport, em Rhode Island, em 1648, cerca de dez anos após a fundação da Igreja de

Providence19.

As três explicações para o surgimento dos batistas têm um fundamento em comum:

todos os batistas creem na Bíblia como livro que contém suas principais regras de fé e prática,

na separação entre Igreja e o Estado e no batismo por submersão, ministrado somente àqueles

que creram em Cristo e no Evangelho. Ou seja, o batismo por aspersão e o infantil não são

considerados bíblicos e nesses casos há a necessidade do “rebatismo” por imersão. Essa

última característica, que forneceu o nome de “batistas” a essa denominação, daria

oportunidade ao indivíduo de fazer parte de uma Igreja formada apenas por pessoas

regeneradas por Cristo e que fossem conscientes do ato batismal a que estavam se

submetendo. Tendo em vista a falta da liberdade religiosa e as perseguições que decorreram

17 PEREIRA, op. cit., p. 53-54. 18 Ibid., p. 55-56. 19 Ibid., p. 55.

Page 10: Batistas Eslavos em Curitiba

7

delas na Europa, no século XVII, essa denominação é a favor da separação entre Igreja e

Estado e prega a liberdade de culto e consciência a todas as pessoas. Assim sendo, outra

característica dos batistas é a autonomia e soberania da Igreja local frente à outra instituição

eclesiástica ou governamental. Toda Igreja Batista tem artigos de fé e estatutos de regimento

interno próprios e está sujeita a decisões tomadas em conjunto e democraticamente por seus

membros, não estando subordinada a nenhuma outra entidade. Um pequeno grupo de

indivíduos, a partir de duas ou três pessoas, que observam e ao praticar todos esses

ensinamentos da denominação, pode dar início a uma Igreja Batista.

É através das formações de associações, convenções ou as chamadas “Juntas” que os

batistas cooperam entre si e estabelecem interdependência. A criação de tais instituições por

parte das igrejas, serve para exercer as mais variadas atividades como educação, saúde,

missionarismo e caridade. Deste modo, há maior facilidade para as igrejas bancarem suas

obras visando à expansão da denominação. Essas associações são uma cooperação voluntária

de cada Igreja, sendo mantidas, fiscalizadas e formadas pelos membros daquelas que se

prontificaram a este convênio20.

Uma comunidade batista pode surgir através da implantação de uma congregação

diretamente vinculada a uma “igreja mãe”, que lhe concede “assistência espiritual” através de

um pastor ou outro responsável que possa presidir suas atividades eclesiásticas. Ao mesmo

tempo, disponibiliza-lhe recursos financeiros para despesas necessárias como compra ou

aluguel de propriedade, materiais para os cultos e demais despesas.

Muitas vezes há o desejo por parte de alguns indivíduos, pertencentes a uma Igreja já

constituída, de reunirem-se em outro local. Por morarem em municípios, regiões ou bairros

muito afastados da comunidade à qual pertencem, necessitam de um local mais próximo, onde

eles possam desenvolver suas atividades religiosas. Geralmente, num primeiro momento, os

cultos começam a ser feitos nos lares desses indivíduos, trazendo a população vizinha para

apresentação do evangelho. Ao desenvolver-se essa atividade, procura-se um local mais

espaçoso para que possa melhor comportar aqueles que desejam freqüentar as reuniões. Outra

forma comum para a formação de uma congregação são os pontos de pregação nos bairros:

uma localidade, uma praça, ou uma rua, onde rotineiramente, uma vez por semana, ou

mensalmente, acontece um trabalho de propagação do evangelho, com distribuição de

panfletos, pregações e apresentações musicais.

A congregação pode organizar-se em igreja a partir do momento em que consiga

manter-se fisicamente, sustentando todos os seus gastos financeiros, e “espiritualmente”,

Page 11: Batistas Eslavos em Curitiba

8

tendo pastor próprio ou algum outro responsável que fique à frente de suas atividades

eclesiásticas. Constitui-se, portanto, igreja ao preencher essas condições e os indivíduos

demonstrem vontade para que possa efetivar-se a organização. Na medida em que estejam

sujeitos à doutrina batista, seus artigos de fé, os ensinos bíblicos que seguem, sua

responsabilidade para com a denominação batista e os estatutos da Igreja que expostos não

devem contrariar a crença doutrinária da denominação, surge uma nova comunidade batista.

O missionarismo batista pode ser observado desde a sua formação como Igreja. O

primeiro ponto a ser destacado na doutrina batista para com pessoas de fora da Igreja é

justamente “o pregar o evangelho”21. Partindo da interpretação do Novo Testamento e os

ensinamentos de Cristo, essa deve ser a principal tarefa das pessoas que se congregam em

uma comunidade batista. Ao relacionar-se com pessoas que ainda não foram regeneradas22, o

crente deve prontificar-se a lhe apresentar o sacrifício de Cristo. Este trabalho pode ser feito

de várias maneiras. Uma delas é a formulação e distribuição de literatura, evangelismos em

locais públicos e convites a eventos especiais onde a Igreja se reúne.

O movimento de enviar pessoas específicas para outras localidades com o intuito de

propagar o evangelho em várias partes do mundo surgiu ainda em fins do século XVIII. Após

a influência de John Wesley e um movimento que despertou igrejas na Inglaterra, algumas

denominações iniciaram um trabalho visando à expansão de suas crenças. Dentre elas, os

batistas enviaram William Carey e John Thomas em 1793 para a Índia, dando início as

Missões Protestantes Modernas23. Após estes primeiros missionários, fez-se necessária a

criação de Convenções e Juntas Missionárias que reunissem as igrejas no intuito de angariar

fundos para manter esses trabalhos. Tais instituições proporcionaram a manutenção de vários

missionários espalhados por múltiplos territórios24 e fez com que o missionarismo batista

fosse ampliado durante o século XIX, chegando inclusive ao Brasil.

Uma das Juntas Missionárias de maior expressão foi a Junta de Richmond, criada no

ano de 1845, ligada à Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos. Seu objetivo era enviar e

sustentar missionários e trabalhos de introdução do evangelho em locais onde ainda não havia

pessoas que conhecessem ou tivessem algum tipo de contato real e mais profundo com os

ensinamentos evangélicos. No entender desta instituição, o Brasil era um país que se

20 KEIDANN, op. cit., p. 50. 21 PORTER, op. cit., p. 23-24. 22 Os indivíduos só são considerados regenerados na medida em que são vistos com padrões de comportamento que se aproximem àqueles que estejam conforme as doutrinas ensinadas pelo Novo Testamento. A partir disso, a prova principal dessa condição é a restauração feita após o batismo por imersão. 23 PEREIRA, op. cit., p. 52. 24 Pontos da África, América e Ásia, com crescente demanda ao enviar pessoas para a China. (Ibid., p. 57-58)

Page 12: Batistas Eslavos em Curitiba

9

encaixava nessa condição, pois o catolicismo era julgado como idólatra e apegado ao culto a

Maria e aos santos. Nessas circunstâncias, apesar do Brasil ser considerado, num âmbito

geral, uma nação cristã, fazia-se muito necessária a introdução de um evangelho puro e a

conversão de todos os católicos, não só brasileiros, mas de todo o mundo25.

Nessa perspectiva de pregar a palavra de Deus aos brasileiros, o primeiro missionário

enviado pela instituição, em 1860, foi Thomas Jefferson Bowen. O evangelista não teve

sucesso em sua missão. Um motivo foi sua saúde que já se encontrava muito debilitada,

agravada com o clima da cidade do Rio de Janeiro, o risco de contrair febre amarela e o alto

custo de vida que lhe dificultava o sustento. Além disso não tinha um planejamento que lhe

norteasse o trabalho, ficando perdido em seus deveres e obrigações. Bowen era conhecedor de

alguns dialetos africanos, pois havia sido missionário na África antes de vir ao Brasil, e

começou a relacionar-se com escravos que encontrava, sendo preso em virtude dessa

atividade. Todos esses motivos fizeram com que ele regressasse para os Estados Unidos. Após

a vinda desse missionário, outros grupos de batistas a chegarem ao Brasil teriam sido

imigrantes oriundos do sul dos Estados Unidos, em decorrência da Guerra de Secessão, e que

se estabeleceram em Santa Bárbara, na província de São Paulo. Na colônia que se organizou,

foram criadas algumas igrejas no ano de 1871, sendo uma batista. Assim, a primeira Igreja

dessa denominação fundada no Brasil tinha a intenção de atender apenas os imigrantes, sendo

seus cultos realizados na língua inglesa26. É possível observar que esta comunidade também

se preocupa em apresentar suas crenças aos brasileiros e faz algumas solicitações a Junta de

Richmond para que se enviem missionários para evangelizar os brasileiros27.

Um dos responsáveis pela introdução de trabalhos batistas no Brasil foi Alexander

Travis Hawthorne que, após a Guerra de Secessão, dirigiu-se para o estado da Bahia pensando

em estabelecer uma colônia de imigrantes. Não sendo possível esse seu desejo retornou ao

país de origem e tornou-se um grande incentivador do envio de missionários para o Brasil. Os

primeiros missionários apoiados por Hawthorne foi o casal Bagby28 que chegou à cidade do

Rio de Janeiro no ano de 1881, e dirigiu-se a Santa Bárbara para contato com os batistas lá

situados. Como a intenção era aprender a língua portuguesa, mudaram-se para cidade de

Campinas onde havia um colégio presbiteriano que lhes proporcionou melhor estudo29. Em

seu contato com os imigrantes norte-americanos, conheceram um ex-padre católico, Antônio

25 Ibid., p. 67-68. 26 Ibid., p. 69. 27 KEIDANN, op. cit., p. 69. 28 Ibid., p. 70. 29 PEREIRA, op. cit., p. 73-76.

Page 13: Batistas Eslavos em Curitiba

10

Teixeira de Albuquerque. Este, ao estudar a Bíblia durante e após fazer seminário em

Pernambuco, criou convicções que estavam fora dos ensinamentos católicos. Resolveu então

largar o sacerdócio e, mais uma vez estudando os mandamentos do Novo Testamento,

começou a acreditar que o batismo deveria ser ministrado por imersão. Tendo o conhecimento

que havia batistas em Santa Bárbara dirigiu-se para a colônia e solicitou o batismo. Como

possuía vasto conhecimento bíblico foi ordenado ao ministério batista30. Para compor o grupo

de missionários pioneiros aparece Zachary Clay Taylor, que tinha intenções de vir para o

Brasil antes mesmo da vinda do casal Bagby. Taylor havia se impressionado com o livro “O

Brasil e os Brasileiros” de Kidder e Fletcher, pregadores metodistas que estiveram no país no

período regencial. Terminou os estudos e foi consagrado ao ministério batista. Encorajado,

assim como os outros missionários, por Hawthorne embarcou com sua esposa em 1882,

juntando-se aos missionários citados acima. Essas pessoas são as responsáveis pela fundação

da Primeira Igreja Batista propriamente brasileira, figurando entre seus membros não só os

missionários norte-americanos, mas também um brasileiro. O local escolhido por eles foi a

cidade de Salvador, uma cidade populosa e centro de religião onde se situava o arcebispo

primaz do país, considerada desprovida de trabalho missionário de qualquer denominação. Na

medida em que a Igreja cresceu e se desenvolveu, os missionários resolveram expandir o

trabalho em outras regiões. Em 1884 os Bagby dirigiram-se para o Rio de Janeiro e, junto

com outros imigrantes e brasileiros que se converteram à mensagem apresentada pelos

evangelistas, fundaram a Segunda Igreja Batista em solo brasileiro. A partir daí, com a

chegada de outros missionários31 e a conseqüente propagação do evangelho, várias

comunidades batistas foram sendo criadas por todo país32.

1.2 O advento da Igreja Batista em Curitiba, história e organização.

A chegada dos batistas a Curitiba está vinculada à iniciação dos trabalhos dessa

denominação no litoral paranaense. Uma caravana de evangelistas congregacionais partiu da

cidade de Santos, em 1902, visando a estabelecer um trabalho de pregação do evangelho no

Rio Grande do Sul. Ao chegarem a Curitiba, o grupo separou-se. Ao que tudo indica a

literatura que distribuíam teria terminado e por isso enquanto um grupo avançava, o outro

retornaria a Santos para munir-se de mais material. Samuel Pires de Mello, que se convertera

30 Ibid., p. 77-78. 31 Ibid., p. 97-103. 32 Ibid., p. 85-90.

Page 14: Batistas Eslavos em Curitiba

11

havia pouco33, foi o encarregado de voltar. Após sua estada em Curitiba foi a Paranaguá, onde

alugou uma sala e começou a fazer reuniões e pregar o evangelho. Em seguida dirigiu-se a

Santos e retornou dois meses mais tarde à cidade paranaense, trazendo consigo sua família34.

Ao estabelecer-se em solo parnanguara, continuou propagando sua fé em Cristo e em 1903,

após executar os primeiros batismos, criou a “Igreja Cristã”. A princípio esta Igreja não era

batista e não estava ligada a nenhuma denominação religiosa. A comunidade era dirigida

apenas por Mello, que enviava relatórios anuais ao grupo a que estava ligado em São Paulo,

pois não perdera o vínculo inicial com seus mentores na fé35.

O trabalho do missionário expandiu-se ao longo no tempo, não só em Paranaguá, mas

também em demais localidades do litoral paranaense chegando inclusive a serem realizadas

duas reuniões na cidade de Curitiba. Outros líderes se integraram na propagação do evangelho

pela região, fazendo com que mais pessoas pudessem ter contato com a obra que estava sendo

feita. No ano de 1908, com os recursos financeiros escassos e saúde debilitada, Mello optou

por passar seu trabalho a alguém que pudesse dar continuidade. Diante da recusa por parte do

grupo que o apoiava em São Paulo e como sua “Igreja Cristã” não estava filiada a qualquer

denominação, voltou-se para os batistas pedindo ajuda36. Após um exame da Missão

Paulistana para averiguar se a Igreja de Mello estava de acordo com as doutrinas do Novo

Testamento e se nenhuma de suas práticas comprometia as doutrinas batistas, a comunidade

passou ao vínculo da denominação. Em 1910, a Igreja foi considerada como batista, sendo

incluída no rol de Igrejas que compunham a Convenção Batista Brasileira37. Deste modo,

iniciou-se o trabalho batista no estado do Paraná: uma comunidade religiosa já estabelecida e

sem qualquer ligação denominacional, acaba por passar ao campo de trabalho dos batistas.

A denominação começou a fazer vários investimentos financeiros no trabalho que fora

desenvolvido, como aquisição para um novo templo, e o envio de missionários para

continuidade na evangelização do litoral. Um destes evangelistas, Manoel Virgínio de Souza,

que chegou a Paranaguá em 1912 para auxílio na obra, transferiu- se no mesmo ano para

Curitiba com intuito de organizar uma nova frente de atuação38. No ano de 1914, outro

33 CAVALLARI, Nivaldo. Centenário de Fé: História da Primeira Igreja Batista de Paranaguá. Paraná: Edição A. D. Santos Editora, 2003. p. 19-22. 34 Ibid., p. 23. 35 Ibid., p. 33. 36 Ibid., p. 50-55. 37 A primeira Convenção Batista Brasileira foi criada no ano de 1907, reunindo pastores e missionários de todo o país. O objetivo proposto era aumentar ainda mais o trabalho batista, não só no Brasil, mas também enviando missionários para Chile e Portugal, locais onde havia necessidade e oportunidade de pregar o evangelho. (PEREIRA, op. cit., p. 141-156) 38 CAVALLARI, op. cit., p. 63.

Page 15: Batistas Eslavos em Curitiba

12

missionário, Robert Pettigrew, que também estava no litoral apoiando a comunidade batista,

se transfere para a capital paranaense com a intenção de criar um colégio batista na cidade39.

Manoel Virgínio de Souza fazia reuniões para pregar o evangelho em sua própria casa

e com a vinda de Pettigrew de Paranaguá, organizou-se a Primeira Igreja Batista de Curitiba

constituída por nove membros. Com o crescimento da comunidade fez-se necessária a compra

de uma sede própria e, com o auxílio de outro obreiro recém chegado de São Paulo, Arthur

Beriah Deter, foi possível a aquisição de um terreno na rua Visconde de Guarapuava, esquina

com a rua Desembargador Westphalen. A Igreja, então com cerca de 115 membros, terminou

a construção e inaugurou seu templo em 192440. Em seguida a comunidade continuou

crescendo com a visão de prosseguir espalhando o evangelho por toda a cidade, criando

congregações que virariam Igrejas constituídas.

1.3 “Configurações étnicas” na Igreja: o caso das Igrejas Eslavas no Brasil.

A história dos batistas eslavos está estritamente ligada aos batistas letos, vindos entre o

fim do século XIX e início do século XX. Eles se instalaram no sul do país onde organizaram

duas igrejas batistas: a Primeira Igreja Batista Leta foi fundada em Rio Novo, Santa Catarina,

em 1892 e a segunda, a Igreja Batista Leta de Ijuí, no Rio Grande do Sul, foi organizada em

189541. Os batistas na Letônia emigraram porque estavam sofrendo perseguições por meio de

leis, proibições, prisões e até mesmo o exílio, por parte de autoridades políticas e

eclesiásticas, que limitavam a atuação de pastores e líderes das comunidades. Somando-se a

essa série de restrições à sua liberdade de culto e fé, as camadas populares da Letônia tinham

o anseio crescente de cultivarem terras próprias, pois estariam submissas a “senhores de terras

germânicos”42. A busca pela terra e melhores condições materiais proporcionaram o advento

da emigração de letos para outros locais, dentre eles o Brasil43.

O segundo grande movimento imigratório de batistas letos para o Brasil acontece nos

anos de 1922/1923. Após o estabelecimento dos primeiros letos em suas colônias no sul do

país, os que aqui estavam mandavam cartas para seus parentes e amigos que haviam ficado na

Letônia, fazendo propaganda da nova terra e as condições favoráveis em que estavam

39 Ibid., p. 68. 40 SOUZA, Sóstenes Borges de. Enciclopédia Batista Brasileira. Salvador: Artios, 1996. p. 77. 41 KEIDANN, op. cit., p. 168-169. 42 RONIS, Osvaldo. Uma Epopéia da Fé: História dos Batistas Letos no Brasil. Casa Publicadora Batista. Rio de Janeiro, 1974. p. 84.

Page 16: Batistas Eslavos em Curitiba

13

vivendo. A inquietação política vivida antes da Primeira Guerra Mundial fazia “os que lá

estavam” refletirem melhor na possibilidade de procurar outro local como refúgio. Os

sofrimentos causados pela guerra e a inquietação vivida nos anos que se sucederam a ela

aguçaram a vontade de emigrar. Aliado a esses sentimentos, houve entre os batistas um

“despertamento espiritual” que apontava para a fuga “das forças do mal, materialistas e

ateístas” que dominariam o país44. O avanço comunista sobre o leste europeu, fez estas

comunidades religiosas atentarem para a saída do país o mais rápido possível, tendo uma

visão profética e apocalíptica do que aconteceria com aqueles que continuassem sob jugo dos

invasores. Superadas as burocracias com o governo brasileiro45, em 1922 começaram a

embarcar pequenos grupos de batistas letos para o Brasil. O primeiro grupo desses imigrantes,

eram famílias mais abastadas que traziam recursos financeiros para aquisição de terras onde

instalariam uma grande colônia. Assim criaram a Colônia de Varpa, em São Paulo, que tinha

por objetivo abrigar os demais colonos provenientes da Letônia46.

Paralelamente, em condições muito semelhantes a esses batistas letos, um outro grupo

da mesma denominação que vivia na Ucrânia tinha o anseio de embarcar para o Brasil. Um

dos membros da Colônia de Varpa havia deixado uma filha, casada com um russo, na

U.R.S.S. Ela sempre lhe escrevia colocando as dificuldades materiais e “espirituais” em que

se encontravam todos os que viviam na Rússia comunista. Outras pessoas da mesma região

também se queixavam das condições em que estavam e os líderes dessa Colônia

disponibilizaram dois pastores para irem à Europa auxiliar e trazer cerca de 50 famílias para o

Brasil. Divididas em dois grupos, vieram da Ucrânia, não só ucranianos, mas também batistas

russos e letos, que aproveitaram a ocasião para emigrarem juntos, para se fixarem nas

proximidades da Colônia de Varpa47. Ambos os grupos chegaram ao Brasil em 192648. Um

desses novos colonos que estava entre esses batistas era o pastor Simeon Molochenco, que

alguns dias após sua chegada não continuou no interior de São Paulo e dirigiu-se a capital do

estado. Estabeleceu contato com os missionários norte-americanos que lá estavam, entre eles

o casal Bagby que já havia fundado o Colégio Batista Brasileiro com intuito de evangelizar os

brasileiros através da educação. O casal de missionários disponibilizou as instalações do

43 Ibid., p. 79-86. 44 Ibid., p. 191-208. 45 O governo brasileiro preocupava-se com imigrantes vindos dessa região da Europa, pois poderiam vir com estes, o perigo da infiltração do esquerdismo bolchevista no país, além de que outros letos que estavam no Estado de São Paulo que se negavam a trabalhar nas fazendas em época de colheita. (Ibid., p. 210) 46 Ibid., p. 217. 47 Ibid., p. 317-319. 48 PEREIRA, op. cit., p. 244-245.

Page 17: Batistas Eslavos em Curitiba

14

colégio para os trabalhos realizados pelo pastor Molochenco. Deste modo, em 1926, fundou a

Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo.

Passados alguns meses outros colonos batistas que trabalhavam no interior foram a São

Paulo e integraram-se a essa nova comunidade. O objetivo de Molochenco era, assim como

os demais batistas que aqui se encontravam, propagar o evangelho, principalmente entre os

eslavos. Com sua visão missionária teve influência em trabalhos no interior de São Paulo e no

estado do Paraná. No entanto, para aqueles que optaram por permanecer no interior do estado,

os batistas letos que lá estavam criaram congregações para lhes fornecer “assistência

espiritual”. Uma das congregações foi dirigida pelo pastor leto Karlis Grigorowitsch, que

ficou como responsável pela celebração da Ceia do Senhor e ministrando batismos49.

Os membros da Igreja Batista Leta entenderam que deveriam apresentar o evangelho a

todos os eslavos que chegavam ao interior do estado de São Paulo, pois os missionários

brasileiros não podiam fazê-lo pelo fato de não conseguir comunicar-se com estes imigrantes

do leste europeu. Os letos, por falarem e entenderem melhor as línguas eslavas, sobretudo o

russo, teriam maior facilidade em praticar o missionarismo dentre os eslavos, pois entendiam

melhor seu idioma. Enquanto isso os mais jovens já conseguiam falar o português, o que

proporcionou tanto o evangelismo de brasileiros, como dos imigrantes vindos de outras partes

da Europa50. Assim, na década de 1920, há dois segmentos de atuação batista entre os eslavos;

de um lado, o pastor Simeon Molochenco desenvolvendo evangelização com povos eslavos

em várias partes de São Paulo e Paraná e, por outro, os letos, atingindo desde eslavos até os

brasileiros no interior do estado de São Paulo51.

Das três hipóteses levantadas para o surgimento dos batistas, a que melhor condiz com

a origem dessa denominação é a versão que trata dos separatistas ingleses do século XVII. A

“reforma puritana” praticada na Inglaterra desse período provocou transformações na política

e na religião, possíveis de distinguir através de documentos referentes não só ao o

aparecimento dos batistas, mas também de outros movimentos religiosos52. Os postulados da

Reforma Protestante, praticada no século XVI53, foram todos complementares a essa cisão dos

movimentos protestantes ingleses. Ao reforçarem os debates em torno da liberdade religiosa,

49 Ibid., p. 244. 50 RONIS, op. cit., p. 320. 51 PEREIRA, op. cit., p. 244-245. 52 AZEVEDO, Israel Belo de. A celebração do indivíduo: a formação do pensamento batista brasileiro. São Paulo: Editora Unimpe, 1996. p. 75-76. 53 A justificação pela fé, autoridade da bíblia e sacerdócio de todos os crentes. (Ibid., p.27)

Page 18: Batistas Eslavos em Curitiba

15

os batistas criaram sua própria teoria política da separação entre Estado e Igreja54, criticando o

modo como viviam na Inglaterra elisabetana e posteriormente na América do Norte. Este

caráter político fez com que os grupos fossem perseguidos e empreendessem uma estratégia

de expansionismo da denominação por meio do missionarismo visando a uma “sobrevida em

outros locais”55.

Ao contrário das comunidades anabatistas que, ao fugirem de perseguições religiosas,

buscavam viver em comunidades isoladas, os batistas se diferenciavam pelo fato de

empregarem uma “evangelização direta”, exigindo das pessoas que escutam a respeito de sua

fé, uma tomada de decisão a respeito de sua crença. Deste modo, o missionarismo é

empregado de forma individual por cada membro de uma comunidade batista. Esta

característica, aliada à perseguição política empregada contra a denominação, fez as Igrejas se

unirem em torno de associações voluntárias visando ao envio de missionários a outros locais

para propagação de sua fé. Através destas associações as comunidades, independentes entre

si, começaram a trabalhar em conjunto e a desenvolver uma consciência propriamente

denominacional, desenvolvida posteriormente nos Estados Unidos56.

Com o protestantismo de imigração, as comunidades batistas foram adentrando nos

Estados Unidos e na Europa. À medida que os imigrantes iam chegando, as igrejas foram

surgindo, sem começar de um centro específico, mas sim a partir de várias comunidades que

aos poucos foram crescendo57. A teologia expansionista de missão veio a se desenvolver nos

Estados Unidos, onde a partir da segunda metade do século XIX, as sociedades missionárias

ampliaram sua atuação e enviaram missionários para vários locais, entre eles o Brasil, com

intuito de propagar o evangelho pelo mundo e fornecer “salvação a outros indivíduos” 58.

A existência de grupos religiosos denominados “eslavos” é muito intrigante, pois a

reunião dessas várias etnias, nada homogêneas entre si, não pode ser feita de forma simples.

As várias diferenças históricas, diversidades lingüísticas e suas distinções a respeito da

religião, mostram que os “eslavos” diferem-se muito culturalmente. Dentre todos esses

fatores, a marca religiosa acaba por separá-los ainda mais: os poloneses são católicos de rito

latino, os russos e parte dos ucranianos pertencem ao catolicismo ortodoxo e outra parte dos

ucranianos tornaram-se católicos uniatistas. Porém, ocorreu, na cidade de Curitiba, a

congregação de todas essas etnias heterogêneas, em um mesmo espaço religioso.

54 Era pregada a liberdade de consciência, surgindo a idéia de “igrejas livres em sociedades livres.” (Ibid., p. 20) 55 Ibid., p. 79. 56 Ibid., p. 80. 57 Ibid., p. 116. 58 Ibid., p.151.

Page 19: Batistas Eslavos em Curitiba

16

Pode-se observar a existência de cerimônias, na capital paranaense, que fornecem

“assistência espiritual” a estes povos que é anterior ao início do desenvolvimento de suas

atividades. Nesse sentido, podemos observar que houve primeiramente a conversão a uma

outra religião, e o interesse destes em prosseguirem e organizarem-se em torno de uma

profissão de fé comum, não se enquadrando mais no catolicismo latino, o ortodoxo ou o

uniatismo. Com isto há a busca dos elementos que proporcionaram a congregação destas

diferentes etnias em um mesmo espaço, de forma a dialogarem e como conseguir ou não

abranger todas essas manifestações culturais tão divergentes. A maneira como se

comunicavam ainda é muito importante, pois foi através dela que se diferenciaram, mantendo

sua identidade perante os demais grupos. Ao cantarem e realizarem suas leituras bíblicas, os

russos, poloneses e ucranianos empregavam seu próprio idioma e não o português. Isto

proporcionou uma diversidade lingüística dentro da comunidade durante o período em que

estiveram reunidos.

Os batistas “eslavos” se preocuparam em desenvolver uma forte atuação missionária.

Tiveram o propósito de levar o evangelho àqueles que não pertenciam à sua comunidade.

Nesse sentido, nota-se que não se afastaram do convívio com outras pessoas pertencentes a

sua etnia, mas buscaram a interação com elas através da propagação da sua fé, visando à

expansão não só de suas crenças, como também da denominação batista na cidade, já que se

preocupavam em alcançar aqueles que não eram brasileiros, e sim de sua mesma origem

(poloneses, russos e ucranianos). Com isto contribuíam para propagar o evangelho,

juntamente com as demais comunidades batistas. Para isso eram disponibilizados

investimentos, através da entrega de folhetos, de Bíblias e visitas a casas de pessoas “eslavas”

na cidade de Curitiba, objetivando fornecer-lhes “assistência espiritual” e também o convite a

ingressarem nas atividades de sua Igreja.

Os objetivos principais de discussão entre todos os membros da comunidade era o bem–

estar que deveria haver através da comunhão de seus participantes, visando ao

desenvolvimento e ao progresso de sua Igreja, principalmente no que diz respeito a

evangelizar os “eslavos” que não pertenciam a sua comunidade de fé.

O seio de uma comunidade batista fornece elementos, para que todos os que são

membros da igreja, possam se pronunciar, colocar propostas, votar, etc. A partir disto é

notável que em igrejas dessa denominação aconteçam discussões, várias reuniões para

decisões consensuais e exclusão de membros que não aderem ao propósito maior da

comunidade. Portanto, a partir do momento em que todos esses “eslavos” conseguem se

comunicar, desejando desenvolver e propagar suas crenças, adicionaram uma prática religiosa

Page 20: Batistas Eslavos em Curitiba

17

comum, que proporcionou uma “democracia”59 entre todos os membros, o que fornece a

supressão de elementos antagônicos entre essas etnias.

Isto proporcionou a coexistência e a relação desses “eslavos” em um mesmo espaço até

um dado momento. Porém a partir do falecimento de membros mais antigos e o afastamento

das tradições por parte das pessoas que continuaram na comunidade, mudaram-se as formas

de se fazerem os trabalhos, culminando em 1978 quando a Igreja passou a chamar-se Igreja

Evangélica Batista da Água Verde, e dedicar-se exclusivamente aos brasileiros.

59 PORTER, op. cit., p. 27-31.

Page 21: Batistas Eslavos em Curitiba

18

2.1 Os “eslavos”: identificações e diferenças.

Os “eslavos” podem ser inseridos em três designações: os orientais (russos, ucranianos

e bielorussos), os ocidentais (polacos, tchecos e lusácios60) e os meridionais (eslovenos,

croatas, sérvios, bósnios, montenegrinos, macedônios e búlgaros). Esses vários povos ocupam

grande parte da Europa do leste e sudeste, estendendo-se da parte setentrional do continente

asiático até o oceano Pacífico. Tendo como origem comum a Europa Central, estes grupos

distintos podem ser caracterizados por individualidades que marcam destinos diferentes entre

si. A partir da proximidade geográfica em que estão inseridos, é possível apontar para

relações, identificações e diferenças evidenciadas entre esses diversos grupos a partir do

século X61.

Além de uma procedência geográfica comum, outro fator que os aproxima é uma

linguagem de fundo aparentado: os idiomas eslavos têm procedência indo-européia62. Embora

cada grupo tenha um dialeto próprio, a mesma origem morfológica permite a todas essas

línguas eslavas serem semelhantes entre si, o que lhes possibilita a comunicação oral na

própria língua “doméstica”. Entretanto, a grafia os divide: os eslavos de procedência ocidental

usam o alfabeto latino, enquanto os eslavos orientais e meridionais distinguem-se por sua

escrita cirílica. Diferentes também são algumas particularidades apresentadas pelos alfabetos,

uma vez que alguns contêm letras ou sinais que outras escritas não empregam. Por exemplo:

se de um lado russos e ucranianos utilizam-se da escrita cirílica, de outro, os ucranianos

apresentam letras e sinais que os russos desconhecem63.

A influência do Ocidente pode ser observada principalmente entre os poloneses, que

aderiram ao catolicismo romano ainda no século X, quando Mieszko converteu-se ao

cristianismo e a Polônia aderiu ao novo rito, deixando suas práticas pagãs. Assim, o latim se

tornou a língua oficial da administração do reino64. Paralelamente, a influência oriental de

Bizâncio atingiu e doutrinou a região dos Balcãs e chegou até o reino de Kiev. Logo, toda a

área meridional e oriental da Europa, habitada pelos eslavos, converteu-se ao catolicismo sob

sua forma grega65. Mas notam-se especificidades religiosas dentro da ortodoxia que

movimentaram grupos distintos que buscaram novas formas de praticar sua religiosidade. Na

60 Os lusácios eram um pequeno grupo eslavo, constituído por sérvios, que vivem em regiões da Alemanha, como Brandemburgo e Saxônia. (PORTAL, Roger. Os eslavos, povos e nações. Rio de Janeiro: Editora Cosmos, 1968. p. 9) 61 Ibid., p. 9-11. 62 Ibid., p. 11. 63 Entrevista com Professora Dra. Oksana Boruszenko. 64 Ibid., p.79-80.

Page 22: Batistas Eslavos em Curitiba

19

Ucrânia, houve uma parte de fiéis que optaram por ligar-se à autoridade pontifícia romana,

estabelecendo acordos políticos com Roma. Porém, conservaram seu rito oriental e

organização interna, ficando conhecidos como Uniatas de rito greco-católico66. Outra cisão

aconteceu na Rússia do século XVII, quando o Sínodo de Moscou decretou a correção das

traduções da Bíblia e Livros Litúrgicos utilizados pela Igreja Russa, o que proporcionou a

revolta e conseqüente retirada daqueles que estavam decididos a dar continuidade em seus

ritos antigos. Intitularam-se como únicos membros da antiga e verdadeira Igreja Russa,

denominando-se “velhos crentes”67. O catolicismo e suas várias dissensões não foram as

únicas formas de religião entre os eslavos. A conquista otomana dos balcãs, no século XIV,

implantou a religião muçulmana entre alguns indivíduos dessa região, que se transformaram

em súditos turcos68.

Por ser um território muito vasto, toda a região do leste europeu também recebeu

outras formas de culto durante e após o período da reforma protestante. Essas reformas

ocorreram na medida em que grupos religiosos buscavam por um lado locais onde pudessem

ter liberdade de praticar seus cultos, não sofrendo qualquer tipo de perseguição ou restrição a

sua fé, e por outro, terras para o desenvolvimento de sua agricultura. Ainda, vários soberanos

buscavam contingentes populacionais para preenchimento de territórios vazios, defesa de

fronteiras e subseqüente crescimento agrícola e econômico dessas regiões não habitadas. Em

conseqüência, é possível observar o estabelecimento de comunidades anabatistas no século

XVI e XVII que se refugiaram desde as regiões da Galícia, até áreas como Prússia Oriental e

Ocidental que então estavam sob o domínio da Polônia69. Esta que também fora fortemente

influenciada pelo movimento hussista70. Após um período de resistência de seus soberanos

católicos, a Polônia começa a abrigar ideais da reforma protestante, principalmente sobre a

forma luterana e calvinista. Ao autorizarem o culto em seu aspecto “reformado”,

possibilitando a igualdade de direitos e liberdade de consciência a adeptos de qualquer

65 Ibid., p. 44-46. 66 ANDREAZZA, Maria Luiza. Paraíso das Delícias. Estudo de um grupo imigrante Ucraniano 1895-1995. Curitiba, 1996. p. 81. 67 BALHANA, Altiva Pilatti & BORUSZENKO, Oksana. Alguns Problemas de Aculturação nos Campos Gerais. REVISTA DO MUSEU PAULISTA - Nova Série - Volume XIV, São Paulo, 1963. p. 324-325. 68 PORTAL, op. cit., p.13. 69 MASKE, Wilson. Os menonitas e a Construção do Novo Reino. HISTÓRIA: QUESTÕES E DEBATES, Curitiba, n. 28, 77-105 , 1998. p. 91-95. 70 Movimento que teve como precursor John Huss, que no início do século XV revolta-se e aponta para os abusos exercidos pelo clero no que diz respeito a venda de indulgências e os pesados impostos cobrados pela Igreja numa época de dificuldades econômicas. Após fuga, Huss aceita comparecer ao Concílio de Constança para defender suas idéias e é condenado a fogueira. Sua morte causa o aumento da agitação popular contra a Igreja e os governantes. Os motins favorecem a tomada do poder pela burguesia das cidades e essas diversas

Page 23: Batistas Eslavos em Curitiba

20

religião, a Polônia é acusada de asilo de heréticos. Os judeus também se favorecem dessa

situação pois o reino polonês conta com cerca de um milhão deles no reinado de Augusto

III71. Essas questões abrem a possibilidade de refúgio e imigração de perseguidos religiosos

na terra polaca72.

Outra abertura para grupos religiosos adentrarem no leste europeu ocorreu em meados

do século XVIII, quando a rainha Catarina II, da Rússia, publica um édito que convida

alemães de diversas religiões para se estabelecerem nos territórios recém conquistados dos

turcos. Várias colônias de alemães católicos e luteranos são estabelecidas na região da

Ucrânia e no vale do Rio Volga. À proporção que restrições econômicas e religiosas

dificultam a vida na Prússia, grupos de menonitas são encorajados a emigrarem e aos poucos

se estabelecem entre a Prússia Ocidental e a Ucrânia e ao leste do rio Dnieper73. Ainda na

primeira metade do século XIX, grupos desse mesmo segmento religioso dão continuidade ao

estabelecimento de colônias no território russo.

Nesse mesmo período, camponeses letos teriam deixado a condição de submissão em

que se encontravam em latifúndios alemães e dirigiam-se para a região de Novgorod, na

Rússia, para cultivarem terras próprias. Os batistas letos já haviam se instalado nos estados

Bálticos no início do século e, agora, se dirigiam para terras russas visando melhores

condições econômicas. Em fins do século XIX e início do século XX é possível identificar

três igrejas batistas estabelecidas na capital do império Russo e uma na cidade de São

Petersburgo, que foram estabelecidas por grupos alemães que chegaram anteriormente74.

Neste mesmo momento também se observa o surgimento desta denominação na Ucrânia pela

região leste do país, Dnipropetrovsk, Kharkiv, Odessa, Sebastopol, e sobretudo na Península

da Criméia – Ialta, e na Rússia, de Saratov até Novosibirsk e Krasnoiarsk. Na Polônia havia

comunidades batistas estabelecidas em Gdynia, Gdansk e Thorn75. No entanto, a falta de

acesso a uma bibliografia mais especializada impede a melhor identificação da procedência

desses grupos e melhor precisão nestas informações. Ao que tudo indica, a disponibilidade de

terras nessas regiões do leste europeu, adicionado a dificuldades na vida material e religiosa,

rebeliões duram ao longo de dez anos. Após negociações para manter os privilégios conquistados, o novo imperador Sigismundo termina com o conflito. (PORTAL, op. cit., p. 95-100) 71 Gozando dessa liberdade que não há em outros estados, os judeus conseguem estabelecer uma organização autônoma que possui escolas, bairros e justiça própria para cuidarem de seus próprios assuntos. Porém ainda situam-se as margens da sociedade e são constantemente desprezados pela população e explorados pela nobreza. (Ibid., p. 236-237) 72 Ibid., p. 218. 73 MASKE, op. cit., p. 98. 74 RONIS, Osvaldo. Uma Epopéia da Fé: História dos Batistas Letos no Brasil. Casa Publicadora Batista. Rio de Janeiro, 1974. p. 84-85. 75 Entrevista com Professora Dra. Oksana Boruszenko.

Page 24: Batistas Eslavos em Curitiba

21

assim como os casos dos grupos menonitas, proporcionaram que estes grupos batistas

emigrassem em busca de melhores condições de vida. Na medida em que suas comunidades

se fixaram, alguns indivíduos buscaram oportunidades de trabalho nos grandes centros

urbanos, estabeleceram igrejas e começaram a propagação de sua fé76.

Todos esses fatores auxiliaram para que houvesse um contingente significativo de

pessoas que professavam “outra” fé, mas evidentemente ainda muito menor do que as

religiões oficiais, o que aumentou a efervescência de questões religiosas, políticas e

econômicas dentro de cada estado. O fato do catolicismo latino e ortodoxo, já separados e em

disputas entre si, não ser a única religião provoca o mal-estar entre o alto clero dessas igrejas,

como também causa o desconforto daquelas minorias religiosas77. A Igreja ortodoxa, em fins

do século XIX, já não dispõe do mesmo poder que antes. O reduzido número de igrejas e

mosteiros num vasto território, que se estende do leste europeu ao interior do continente

asiático, não atende a grande quantidade de ortodoxos existentes. Isso favorece que regiões

distantes dos grandes centros urbanos, onde se concentra grande parte das organizações

religiosas, tenham contatos com superstições e práticas pagãs. Deste modo, a ortodoxia é um

rótulo empregado pela Igreja, em que a influência e poder do clero pode ser relativizado78.

Esta situação adversa faz com que, a partir do século XX, haja uma diminuição expressiva da

prática religiosa naquelas regiões. Sob advento do comunismo ateu há a redução do clero a

proporções ínfimas, o fechamento de igrejas, mosteiros e seminários, o que contribui para

enorme decadência religiosa entre toda população dentro da União Soviética79. Na região da

Polônia, acontece o mesmo, pois alguns indivíduos das camadas populares começam a ver o

clero como figura relacionada às classes senhoriais que os exploram. Isso favorece para que o

poder da Igreja enfraqueça, pois agora os padres têm dificuldades em infiltrar idéias de

submissão aos grupos mais pobres da população80.

As divergências entre os eslavos não ficam somente em torno da religião. Durante

muito tempo russos, poloneses e ucranianos são protagonistas de vários embates políticos,

econômicos e sociais na região do leste europeu. Constantemente surgem desavenças entre os

estados e seus componentes. Russos e polacos tem várias dissensões a respeito de territórios e

disputas para reinar ou influenciar outros grupos de eslavos e povos alógenos. Desde o século

XIV os estados Bálticos, sobretudo a região da Lituânia, é dividida entre esses dominadores.

76 RONIS, op. cit., p.85. 77 PORTAL, op. cit., p. 230-232. 78 Ibid., p. 299-301. 79 Ibid., p. 426-427.

Page 25: Batistas Eslavos em Curitiba

22

Ora são governados pelos poloneses e existe uma forte pressão da religião ortodoxa sobre sua

população. Ora são governados por russos e há uma “reconquista” por parte do catolicismo de

rito latino81. Durante o século XVII, a guerra polaco-russa novamente mexeu com os aspectos

geográficos dos estados. Soberanos do Estado Polaco-lituano propuseram uma aliança com o

reino de Moscovo, que uniria os tronos e faria com que ambos os reinos futuramente se

unissem em torno de apenas uma coroa. Essa proposta tinha como objetivo uma política

externa e militar de paz e também traria vantagens nas questões de direitos religiosos e

propriedade da terra. Como a proposta não foi aceita a guerra irrompeu. As conseqüências

foram as mudanças de fronteiras, uma delas com parte do território da Ucrânia sob

protetorado dos russos, e sucessivos conflitos entre as duas coroas82.

O final do século XVIII trouxe a partilha do território polonês entre os estados da

Prússia, Áustria e Rússia. Os ressentimentos causados por esta situação, estão aliados a uma

crescente desconfiança do polonês para com o estrangeiro que tem interesses econômicos em

seu território e que retira suas condições de participar da vida política de seu país e melhorar

suas condições83. Ao mesmo tempo, inicia-se uma mobilização por parte de ucranianos, que

estiveram durante muito tempo sob o jugo polaco, e esporadicamente conseguem se

desvencilhar da opressão polonesa84.

A partir do século XIX, sobretudo com o reinado de Alexandre I, enfatiza-se a idéia da

Rússia como “polícia da Europa”, atuante ao longo de todo o leste europeu85. Grande parte do

exército russo se ocupava em regiões fora de suas fronteiras, principalmente na Polônia e

Finlândia, onde eram responsáveis pela manutenção da ordem e evitar sublevações desses

povos86. Aspirações a uma independência por parte de poloneses frente ao governo russo,

fizeram os conflitos e a repressão aumentarem durante todo o século XIX, de modo a acentuar

as rivalidades entre esses povos. Nesse mesmo sentido é plausível a união de populações

pobres constituídas de ucranianos e polacos contra as forças do czar que lhes tiram a

independência87.

A Ucrânia, nesse período, cujo progresso econômico se expande em larga escala,

também está dividida entre estrangeiros: os reinos da Áustria e da Rússia. A vasta região que

80 WACHOWICZ, Ruy Christovam. O camponês no Brasil. Curitiba: Fundação Cultural, Casa Romário Martins, 1981. p. 55-56. 81 Ibid., p. 62-65. 82 Ibid., p. 152. 83 WACHOWICZ, op. cit., p. 10-11. 84 PORTAL, op. cit., p. 14. 85 KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências: Transformação econômica e conflito militar de 1500 a 2000. Rio de Janeiro: Campus, 1989. p. 168. 86 Ibid., p. 170.

Page 26: Batistas Eslavos em Curitiba

23

abriga o território ucraniano ainda sofre uma forte mistura de populações eslavas, pois grande

parte de trabalhadores é recrutada fora de seu território88. Todos esses fatores contribuem para

um acirramento de ânimos por parte dos grupos locais que necessitam se submeter a

estrangeiros em diversos segmentos da sua vida política e econômica, conseguindo apenas

manter intacto alguns de seus costumes culturais e sua língua. Ou seja, desde o início do

século XIX tanto poloneses como ucranianos são contrários as forças de assimilação e

russificação do czarismo.

Todas estas características conflituosas entre estes eslavos se farão muito presentes ao

longo do século XX. Ainda no início desse período, o exército do czar estava ocupando

regiões ao longo do leste europeu e sufocando minorias étnicas polonesas, ucranianas,

finlandesas, georgianas, lituanas, estonianas, armênias etc., que buscavam preservar as

hesitantes concessões sobre a “russificação” obtidas na fase de debilidade do regime czarista,

resultante da guerra Russo-Japonesa e das insurreições promovidas nos anos de 1905-190689.

Após a Primeira Guerra também houve várias modificações territoriais que deixaram vários

grupos étnicos fora das fronteiras de seus estados de origem, causando vários conflitos

internos e ressentimentos externos90. A situação se agravou quando, depois do término da

Segunda Guerra, as fronteiras soviéticas ampliaram-se às custas dos territórios dos estados

Bálticos, da Polônia, Ucrânia, entre outros91. Os líderes da U.R.S.S. ainda seriam acusados, ao

longo da década de 1960 e 1970, de muitos crimes cometidos contra as identidades nacionais

desses povos. Grandes intelectuais, que representavam idéias de liberdade em prol dos

costumes de seus países, teriam sido presos, torturados e até mortos pelo regime soviético.

Núcleos que abrangiam a cultura e a história dessas repúblicas, como museus e bibliotecas,

teriam sido saqueados, queimados, destruídos, total ou parcialmente92.

Todos esses episódios marcam uma trajetória de conflitos existentes entre esses

diferentes grupos étnicos. Os eslavos têm mais diferenças do que semelhanças e uma história

separada modelaram tradições, gêneros de vida e uma mentalidade que os caracteriza de

forma muito distinta93.

87 PORTAL, op. cit., p. 357. 88 Ibid., p. 274-277. 89 KENNEDY, op. cit., p. 231. 90 Ibid., p. 280. 91 Ibid., p. 346. 92 HANEIKO, Valdemiro Pe. Em defesa de uma cultura. Rio de Janeiro: Cobrag, 1974. 93 PORTAL, op. cit., p. 21.

Page 27: Batistas Eslavos em Curitiba

24

2.2 Imigrações eslavas para o Brasil.

As políticas imigratórias no Brasil remontam a inícios do século XIX. O governo

brasileiro, nesse período, buscava a introdução de imigrantes no país como uma forma

propícia para mudança de vários parâmetros nacionais. As idéias de “branqueamento” da

população tomam forma quando, ainda na época de colônia, o país sofreu com sucessivos

levantes de escravos. O perigo representado pelo negro toma conta das elites nacionais e uma

ideologia racista é combinada com idéias da construção de um novo país, onde acreditava-se,

que a raça branca, introduzida através da imigração, traria progresso94. Parte das terras

destinadas aos imigrantes foi designada como “devoluta”. Tais áreas eram de procedência

indígena ou localizações estratégicas das fronteiras nacionais. Logo os colonos estrangeiros

têm a posse de territórios que devem ser não só cultivados para o desenvolvimento econômico

da região, como também para defesa desta contra eventuais ataques estrangeiros e indígenas.

Assim, a questão imigratória também foi motivada pela segurança nacional, pois lugares

desprovidos de populações são habitados e protegidos pelo estabelecimento de colônias de

imigrantes95. Estes elementos também foram utilizados pelo governo brasileiro para

proporcionar a valorização dessas terras. O trabalho do colono valorizou não só o local em

que a colônia estava situada, mas de igual modo toda a área vizinha. De modo geral, os

núcleos coloniais estavam situados em locais de difícil acesso. Isto fez com que o estrangeiro

se ocupasse em abrir e conservar estradas, criando melhores condições para toda a região e

conseqüentemente aumentando o valor das terras desses locais. Por outro lado, muitas dessas

colônias não conseguiram se desenvolver justamente em função das dificuldades de acesso a

esses locais. Além de todas estas questões, destaca-se a mão-de-obra barata que se buscava

atrair como força de trabalho para as regiões latifundiárias96. Na medida em que a crise do

sistema escravocrata aumenta ao longo do século, o imigrante é visto como saída para suprir o

trabalho do negro de outrora97.

94 DREHER, Martin N. Protestantismo de imigração no Brasil: Sua implantação no contexto do projeto liberal-modernizador e as conseqüências desse projeto. IN: DREHER, Martin N. Imigrações e história da Igreja no Brasil. Aparecida SP: Editora Santuário, 1993. p. 112-113. 95 Ibid. , p. 114-115. 96 Ibid. , p. 116-117. 97 BEOZZO, José Oscar. As igrejas e a imigração. IN: DREHER, Martin N. Imigrações e história da Igreja no Brasil. Aparecida SP: Editora Santuário, 1993. p. 9-11.

Page 28: Batistas Eslavos em Curitiba

25

O fator “migração” pode ocorrer quando há a necessidade de preencher um “espaço

vazio”98. A busca por este espaço pode ser por motivações políticas, econômicas, sociais ou

religiosas. Geralmente o emigrante busca melhorar suas condições de vida em outro local,

pois a sua própria foi desestruturada por algum desses motivos ou a soma deles99. O século

XIX é formado por um quadro em que há várias transformações, sobretudo na economia em

escala internacional. A revolução industrial e suas conseqüências modificaram a divisão do

trabalho entre as nações. Novas tecnologias, mudanças nos padrões de comercialização de

produtos e principalmente a incorporação de novas terras para plantio, provocaram o colapso

nas zonas rurais da Europa. Milhões de pessoas são colocadas às margens desse sistema. Na

medida em que não conseguem incorporar-se ao novo sistema industrial e agrícola agora

existentes, acabam emigrando para mudarem suas condições100.

As camadas populares do leste europeu, viviam em condições de submissão local e

tinham ainda relações com a aristocracia que lembravam o feudalismo. Desprovidos de

condições políticas e econômicas favoráveis, no camponês o anseio de ser senhor de si

mesmo, uma das formas de mobilidade social encontrada era a emigração101. As tensões

sociais encontradas nessa região da Europa impulsionam grupos de eslavos a emigrarem,

sobretudo os poloneses e ucranianos, responsáveis pela formação de várias colônias no sul do

Brasil e principalmente no território paranaense.

Na Europa, os ucranianos foram desprovidos da posse de terras destinadas a sua

sobrevivência, como também foram impedidos de ter acesso a terras comunais102. Apesar de

reformas feitas pela coroa austríaca visando a limitar o poder da aristocracia e favorecer os

camponeses, estes continuaram a serem forçados a trabalhar mais em períodos anteriores a

colheita e preparo do feno. As mudanças feitas pelo governo pouco ajudaram para uma maior

mudança na relação entre as camadas populares e seus nobres, o que gerou um clima de

tensão ao longo do século XIX103.

A situação dos poloneses também era de dificuldade. Foram atingidos por uma reforma

agrária que diminuiu o tamanho de suas terras, o que dificultou sua condição de vida. Agora,

além de trabalhar em sua propriedade, o camponês teve que procurar trabalhos alternativos

fora de suas posses para complementar seu sustento. Adicionado a esta situação está a grave

98 MENDONÇA, Antonio Gouvêa. Protestantes na diáspora: A imigração européia enorte-americana e as igrejas evangélicas no Estado de São Paulo. IN: DREHER, Martin N. Imigrações e história da Igreja no Brasil. Aparecida SP: Editora Santuário, 1993. p. 138. 99 Ibid. , p. 138-139. 100 BEOZZO, op. cit., p. 14-16. 101 ANDREAZZA, op.cit., p. 14-16. 102 Florestas e campos de pasto que eram utilizados coletivamente pelas aldeias. (Ibid., p. 20)

Page 29: Batistas Eslavos em Curitiba

26

crise econômica procedente de fenômenos climáticos, que prejudicaram as colheitas, e da

Guerra da Criméia104, que trouxe transtornos com relação à alta do preço e falta de alimentos,

pois estes que eram dirigidos para abastecimento do exército russo. A subalimentação da

população polaca, causada por esses fatores, trouxeram epidemias de cólera, tifo e disenteria

105.

Todas essas situações vividas no leste europeu, principalmente por poloneses e

ucranianos, foram fatores de emigração. E, nesse cenário, o Novo Mundo se destaca no

imaginário destes povos como “Terra Prometida”106, onde a idéia principal de “fazer” a

América surge como um sonho que pode se tornar real. O Brasil aparece, ao lado dos Estados

Unidos e da Argentina, como país que mais recebeu imigrantes107. Em fins do século XIX,

estes dois países da América do Sul chegaram a receber em média 200 mil imigrantes por ano,

provindos de várias partes do mundo108. No caso brasileiro o impulso para que essas massas

de imigrantes viessem ocorreu por alguns fatores: a terra em abundância destinada aos

colonos e, a partir da década de 1890, o transporte marítimo gratuito oferecido pelo

governo109. Deste modo a chegada de poloneses e ucranianos no Brasil ocorre a partir de

meados do século XIX, aumentando em fins desse período. O século XX igualmente traz

levas desses imigrantes, porém em muito menor escala.

A emigração de russos para o Brasil já acontece de outra maneira. Esses praticaram a

emigração de forma individualizada ou em pequenos grupos e sempre misturados com outros

grupos de eslavos110. Isto ocorre pelo fato de que, desde meados do século XIX, os elementos

cujo governo russo reprime e persegue são destinados a povoar a região da Sibéria. Este

território pode ser visto, sobretudo em fins desse período, com uma vasta rede ferroviária que

103 ANDREAZZA, op.cit., p. 18-20. 104 Um conflito militar que aconteceu em meados da década de 1850, envolvendo a Rússia, a França, o reino de Piemonte-Sardenha, o império Turco-Otamano e o Reino Unido. A guerra tinha como intuito refrear a expansão russa sobre a região dos Bálcãs. (KENNEDY, op. cit., p. 168-175) 105 WACHOWICZ, op. cit., p. 36. 106 ANDREAZZA, op.cit., p. 14. 107 SCARANO, Julita.O Imigrante nas terras do café. IN: DREHER, Martin N. Imigrações e história da Igreja no Brasil. Aparecida SP: Editora Santuário, 1993. p. 160. 108 HOBSBAWN, Eric. A era dos impérios: 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 58. 109 WACHOWICZ, op. cit., p. 40. 110 Havia uma única imigração oficial de russos para o Brasil. Os chamados “russos brancos”, denominados como “velhos crentes”, eram provenientes de um cisma da Igreja Ortodoxa na Rússia, que foram perseguidos por fatores religiosos e fixaram-se na Sibéria. Após vivenciarem conflitos pelas revoluções bolchevistas, foram obrigados a emigrar e refugiaram-se em províncias da China. Depois de trinta anos estabelecidos ali, se sentem novamente ameaçados pelo advento do comunismo e, em 1953, recorrem às Nações Unidas solicitando ajuda para emigrarem para países livres, onde pudessem dar continuidade a suas tradições. Em 1958 chegam às primeiras famílias de “russos brancos”, como ficaram conhecidos, ao Brasil e instalam-se na região dos Campos Gerais, no Paraná. (BALHANA & BORUSZENKO, op. cit., p. 324-326.)

Page 30: Batistas Eslavos em Curitiba

27

liga o extremo leste do continente asiático à capital russa111. Além do crescimento econômico,

a Sibéria também se torna uma área povoada e rapidamente é vista como o segundo celeiro do

império, ficando atrás apenas da Ucrânia112. Esse fator indica as razões da escassez de grandes

grupos emigrantes russos. Todos os revoltosos e contrários às políticas do governo são

enviados à Sibéria como forma de punição. Há várias dificuldades para conseguir sair pelas

fronteiras do império czarista e mais tarde da União Soviética.

No início do século XX a emigração do leste da Europa ainda é intensa, sobretudo de

ucranianos113. Porém, após o início da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa o

número de pessoas que deixam a região se torna muito menor. A evasão era ainda mais difícil

e a região siberiana continua a receber cada vez mais levas de grupos eslavos e povos

alógenos provindos de dentro da fronteira das Repúblicas Soviéticas114. No período entre

guerras desenvolve-se a imigração no Brasil dos primeiros batistas eslavos. Partem da Ucrânia

50 famílias, não só ucranianos, mas também batistas russos e letos, que aproveitaram a

ocasião para emigrarem juntos, e chegam ao Brasil no ano de 1926115. Este grupo específico

foge do comunismo e das dificuldades vividas nesse momento de turbulência européia. Foram

indivíduos dessa imigração particular que iniciaram os trabalhos de propagação do Evangelho

na cidade de Curitiba. Ainda no período entre guerras, também chegam pequenos grupos de

eslavos que emigraram para o Brasil. Graças a esse pequeno contingente de pessoas chegadas

à capital paranaense, aliado aos trabalhos missionários da Primeira Igreja Batista Russa de

São Paulo, foi formada, na década de 1930, na cidade de Curitiba, a Congregação Batista

Eslava.

O movimento migratório de eslavos torna a crescer após o término da Segunda Guerra

Mundial. Aqueles que chegam à América provem de regiões que estão fora dos domínios

soviéticos e requereram às Nações Unidas o seu desejo de emigrar para locais que não fosse

seu país de origem, fugindo assim do comunismo. Deste modo todos os eslavos, sobretudo

russos, que se encontram fora do domínio das Repúblicas Soviéticas conseguem estabelecer-

se em novos territórios. Em Curitiba, podemos observar a chegada de grupos constituídos por

esses povos no ano de 1949116. Em virtude dessa imigração a Congregação Batista Eslava

aumentará seus trabalhos missionários na capital paranaense e no ano de 1955, já com mais

membros, organizar-se-á na Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba.

111 PORTAL, op. cit., p. 274. 112 Ibid. , p. 274. 113 ANDREAZZA, op.cit., p. 92. 114 Entrevista com Professora Dra. Oksana Boruszenko. 115 PEREIRA, José Reis. História dos Batistas no Brasil. Rio de Janeiro: JUERP; 2001. p. 244-245.

Page 31: Batistas Eslavos em Curitiba

28

3.1 Primeira Igreja Batista Eslava de Curitiba – motivações étnicas?

No início da década de 1930, a Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo

iniciou um trabalho missionário na cidade de Curitiba. Ao enviar alguns pastores e

evangelistas à capital paranaense, visava à pregação do evangelho a todas as pessoas de

“etnia eslava”. Identificadas algumas famílias que se dispunham a ouvir a mensagem trazida

pelos evangelistas, eles começaram a realizar cultos nas casas destas pessoas, distribuindo

Bíblias e outras literaturas com intuito de proclamar a “salvação em Cristo”. Deste modo,

conseguiram desenvolver seu trabalho de evangelização, pois as famílias se identificavam

pela forma como eram tratadas: comunicavam-se com o pastor e outros missionários em seu

próprio idioma. Como os idiomas eslavos são parecidos entre si, houve a possibilidade desses

eslavos dialogarem utilizando tanto a língua russa, como o ucraniano e o polonês. Conforme o

trabalho foi progredindo, a empatia entre eles aumentou, e já nos primeiros anos da década de

1930 alguns foram aceitando a mensagem que lhes era pregada. Na medida em que foram se

convertendo, russos, ucranianos e poloneses foram batizados e arrolados como membros da

Primeira Igreja Batista de Curitiba, a única Igreja Batista, até então, na cidade.

Embora freqüentassem os cultos desta Igreja, alguns destes eslavos tinham certa

dificuldade de entenderem o português, o que comprometia o melhor aprendizado das

mensagens transmitidas pelos brasileiros. Assim, apesar de serem batizados na Primeira

Igreja, continuaram a realizar seus cultos em suas próprias residências, com o objetivo de

aprenderem os ensinamentos bíblicos em russo, ucraniano e polonês, conservando portanto

seus idiomas. Já que empregavam essas línguas em suas atividades religiosas, passaram a

convidar os familiares, vizinhos e conhecidos que ainda não haviam aderido ao evangelho

para também ouvirem a mensagem. Como esses eslavos em sua maioria eram católicos de rito

latino ou ortodoxo, tinham receio de serem excomungados pelo seu comportamento, seja pela

sua nova devoção, seja por freqüentarem outra igreja117. Ao serem convidados para irem à

residência de um parente, vizinho ou amigo, não precisando ir até a Primeira Igreja Batista de

Curitiba, sentiam-se mais à vontade em comparecer apenas nos locais onde as reuniões eram

realizadas. As mensagens trazidas em uma língua que todos os eslavos presentes pudessem

melhor compreender atraíram vários visitantes, de forma que sempre havia a presença de

pessoas “crentes e não crentes” para participar dos trabalhos. Logo alguns destes visitantes

que freqüentavam os cultos também se converteram. Alguns se batizaram na Primeira Igreja

116 Entrevista com Professora Dra. Oksana Boruszenko. 117 Entrevista 1.

Page 32: Batistas Eslavos em Curitiba

29

Batista de Curitiba e se tornaram membros desta Igreja. Como o número de russos, poloneses

e ucranianos “convertidos” aumentou, em 1934 organizaram a Congregação Eslava de

Curitiba, com intuito de continuarem a se reunir e propagar ainda mais o evangelho entre

estas etnias. Nessa mesma ocasião, alguns indivíduos foram batizados pelo pastor Simeon

Molochenco na Primeira Igreja Batista de Curitiba. Porém, estes recém batizados foram

inclusos no rol de membros da Igreja Russa em São Paulo, que implantou a nova congregação

e era a responsável por fornecer “assistência espiritual” e material a seus novos membros na

capital paranaense. Periodicamente missionários vinham de São Paulo para celebrar batismos

e a Santa Ceia para esses batistas.

Os “batistas eslavos” prosseguiram se reunindo nas casas dos membros da recém

formada Congregação, porém as residências não comportavam todos os indivíduos

pertencentes ao grupo, de forma que essas reuniões começaram a ser feitas apenas durante a

semana. Tendo em vista o aumento do número de pessoas que assistiam às reuniões, houve a

necessidade de congregar em um local maior, para melhor acomodação das pessoas que

desejavam participar dos trabalhos eclesiásticos realizados. A Primeira Igreja Batista de

Curitiba disponibilizou suas dependências para que estes “batistas eslavos” pudessem

desenvolver suas atividades religiosas aos domingos à tarde. Aqueles eslavos que haviam sido

batizados antes da organização da Congregação Eslava de Curitiba e estavam integrados à

membresia da Primeira Igreja Batista de Curitiba, foram transferindo-se para o rol de

membros da Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo, que era a comunidade

responsável pela congregação eslava. Com o passar dos anos, estas pessoas desligaram-se aos

poucos dos trabalhos juntos aos brasileiros, dando prioridade aos cultos que eram dirigidos,

nas residências e aos domingos à tarde, em língua russa, polonesa e ucraniana. Deste modo,

estas etnias criaram um espaço à parte dos brasileiros, fornecendo “assistência espiritual” e

dirigindo seus serviços religiosos em idiomas próprios.

Essa manifestação de uma “consciência de separação e de formas de interação”118 entre

os “batistas eslavos” e os “batistas brasileiros” foi desenvolvido dentro da Primeira Igreja

Batista de Curitiba, na medida em que os primeiros se converteram a essa religião e iniciaram

a convivência com os brasileiros. Como não conseguiram integrar-se completamente aos

trabalhos dessa comunidade, pois não se sentiram à vontade com o idioma que era

118 POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da Etnicidade; seguido de Grupos Étnicos e suas Fronteiras, de Fredrik Barth. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.p. 124.

Page 33: Batistas Eslavos em Curitiba

30

empregado, ficaram à parte dos demais membros da Igreja e em grupo separado119, realizavam

cultos próprios.

Por outro lado, os membros da Primeira Igreja, ao notarem que estas pessoas não

compreendiam perfeitamente o português e que formavam um grupo próprio, os

denominavam “irmãos ukrainos”120. Essa atribuição englobava todos os eslavos e se dá pelo

fato de que a Congregação Eslava de Curitiba estava sendo representada por alguns membros

que eram ucranianos, e seriam as responsáveis por tratar e intermediar, com o pastor da

Primeira Igreja, com as assembléias de membros dessa comunidade e a sua “igreja mãe” em

São Paulo, todas as questões que diziam respeito aos trabalhos eclesiásticos da Congregação.

Assim, os brasileiros identificaram os “batistas eslavos” como um grupo que estava separado,

por um idioma e uma cultura diferente da sua, o que possibilitou a criação de grupos que

conviviam num mesmo espaço e que se diferenciavam uns dos outros.

“A formação de grupos étnicos ocorre quando se dá uma atribuição categorial que

classifica as pessoas em função de sua suposta origem e que se acha validada na interação

social pela ativação de signos culturais socialmente diferenciadores”121. Os eslavos

identificaram-se e foram identificados pelos brasileiros na base de uma dicotomia Nós/ Eles,

estabelecidas a partir de traços culturais que se supõem derivados de uma origem comum122.

Uma das formas pela qual houve identificação entre estes eslavos foi a proximidade de seus

idiomas, havendo melhor compreensão entre as línguas russa, ucraniana e polonesa do que

com o português. Por não falarem corretamente e não entenderem por completo a língua

portuguesa e usarem outros idiomas que os brasileiros não entendiam, foram tratados como

estrangeiros e denominados como “ukrainos”. Deste modo os membros do grupo eslavo

iniciaram uma demarcação de uma fronteira étnica através da língua123. Mas, nesse primeiro

momento, não foi apenas esse fator que os diferenciou dos brasileiros124. Todos estes russos,

ucranianos e poloneses eram recém-convertidos e ainda não tinham amplo conhecimento de

todas as doutrinas batistas, sendo necessário “mais tempo na fé” para que fossem doutrinados

e conhecessem melhor os mandamentos da denominação.

119 Ibid., p. 123. 120 Ata da Primeira Igreja Batista de Curitiba, Livro 4, p. 13. 121 POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Jocelyne, op. cit., 141. 122 Ibid., p. 141. 123 Ibid., p. 51. 124 Nas análises discutidas por POUTIGNAT e STREIFF-FENART, tanto a língua, como território, ou outros atributos em comum, não podem ser fatores únicos pelos quais um grupo étnico forma fronteiras para distinguir-se dos demais grupos que estão ao seu redor. Estes elementos apenas representam atributos étnicos quando utilizados “como marcadores de pertença por aqueles que reivindicam uma origem comum”. (Ibid., p. 163)

Page 34: Batistas Eslavos em Curitiba

31

Além desses fatores que ocorreram dentro da Primeira Igreja Batista de Curitiba, é

significativo que alguns eslavos, ao migrarem para o Brasil, vieram em condições muito

semelhantes. Todos os eslavos que se “converteram ao evangelho” em Curitiba saíram de seu

lugar de origem por receio de eventuais conflitos que estariam por vir sobre toda Europa125.

Algumas dessas pessoas conheceram-se na viagem ao Brasil e estabeleceram relações de

amizade ao longo da travessia do Atlântico126. Outros, no momento em que se estabeleceram

na capital paranaense, ao exercerem uma mesma atividade econômica, ou habitarem próximos

uns aos outros, acabaram criando relações entre si127. Quando esses indivíduos deixaram de

viver nos locais com que estavam habituados e se acharam diretamente confrontados com

uma outra sociedade, suas especificidades culturais tornaram-se fontes de uma mobilização

coletiva, o que desenvolveu uma “etnicidade simbólica” entre eles128. Deste modo, através da

imigração, essas pessoas forjaram uma origem em comum e por conta das dificuldades que

encontraram em Curitiba, foram inclusas num grupo étnico que estava separado da sociedade

brasileira129.

No início da década de 1930, estes eslavos, já estabelecidos na capital paranaense,

tiveram mais um ponto em comum com o qual puderam criar suas identificações. Ao serem

alvo do missionarismo batista, sentiram–se bem acolhidos130 por ele e com o tempo mudaram

suas convicções religiosas. Tendo “assistência espiritual” através de cultos, Bíblias e folhetos

evangelísticos, em um idioma no qual entendiam a mensagem pregada, aos poucos alguns

125 Todos os entrevistados relatam que o fator principal de seus pais e/ ou avós emigrarem foi um grande rumor gerado por ocasião de conflitos militares que iniciariam em toda a Europa, sobretudo no leste europeu onde se encontravam. Como houve possibilidade de virem para o Brasil, alguns chegaram com suas famílias, ou grupo de amigos e outros vieram sozinhos. 126 É o caso de duas famílias com o mesmo sobrenome Ghenov e que não tinham nenhum tipo de parentesco. Por terem o mesmo sobrenome, conheceram-se no navio que trouxe imigrantes do leste europeu ao Brasil. Uma família estabeleceu-se em Curitiba e a outra no interior do estado de São Paulo, para cultivar as lavouras de café. Depois que os filhos cresceram, a família que estava no interior de São Paulo veio encontrar os que estavam em Curitiba para casar um dos filhos. Apesar de não habitarem nos mesmos locais, ambas as famílias haviam “se convertido ao evangelho” e eram frutos do missionarismo batista empregado entre os eslavos do interior de São Paulo e Curitiba. Esses fatores fizeram com que houvesse uma identificação entre essas pessoas, partilhando uma mesma experiência imigratória, um nome e uma “fé” em comum. (Entrevista 5) 127 Muitos desses imigrantes trabalhavam na abertura de estradas e ficavam longe de suas casas e famílias. Ao trabalharem um grande período de tempo juntos, acabavam se conhecendo e se comunicando num idioma próximo ao seu, constituindo relações de proximidade. Da mesma forma outros, ao residirem em um mesmo bairro, identificavam-se como imigrantes e criavam afinidades. Um exemplo ressaltado a partir dessas condições, são os casamentos realizados entre esses imigrantes. Na década de 1930, todos os entrevistados apontam que seus pais casavam-se com indivíduos que também vieram do leste europeu. (Entrevista 1) 128 POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Jocelyne, op. cit., p. 78. 129 Ibid., p. 71-72. 130 Os depoentes indicam que os eslavos criaram uma empatia com os missionários, pelo fato de que conseguiam comunicar-se num idioma comum ou muito próximo do seu. Sempre que isso acontecia ficavam contentes por terem uma pessoa com a qual pudessem conversar. Isso teria facilitado a abertura de suas residências para que as pessoas tivessem interesse e pudessem ouvir a mensagem que lhes era transmitida. Além disso, há o caso de um

Page 35: Batistas Eslavos em Curitiba

32

indivíduos aderiram a uma nova forma de crença. Essa mudança de religião proporcionou o

reforço de uma solidariedade étnica no meio destes eslavos131. Através dos cultos empregados

nas residências de algumas famílias, logo tiveram o interesse de propagar o evangelho aos

outros imigrantes de “sua mesma origem”. Eis o fator pelo qual foi possível a fundação da

Congregação Eslava de Curitiba e o conseqüente crescimento do grupo.

Os membros da Primeira Igreja Batista de Curitiba, ao entrarem em contato com

pessoas que tinham costumes e tradições distantes dos seus, não se preocuparam em

identificar russos, poloneses e ucranianos no âmbito dos “irmãos ukrainos”. Com efeito, ao

perceberem que os recém chegados à comunidade tinham traços culturais diferentes dos seus,

sobretudo o idioma, rotularam-nos por meio de uma identificação que abrangesse a todos de

uma forma simples, ignorando suas especificidades nacionais, culturais e lingüísticas132. Para

dar conta do que os unia, os novos convertidos que entraram na Primeira Igreja Batista

designaram-se como “eslavos”. Esta indicação amenizava suas dissensões e também fazia

com que se identificassem dentro de uma mesma origem. Ambas atribuições cooperaram,

mais uma vez, por criar uma solidariedade real entre as pessoas assim designadas, pois em

decorrência destas denominações, “irmãos ukrainos” ou “eslavos”, eram tratados de forma

igual pelos membros da Primeira Igreja Batista de Curitiba, bem como entre si 133.

São todas essas características, portanto, que definiram o grupo religioso como um

grupo étnico eslavo, que emergiu da diferenciação cultural entre agrupamentos que interagiam

em um contexto de relações interétnicas134.

A Congregação Eslava de Curitiba reuniu-se nas dependências da Primeira Igreja

Batista de Curitiba até por volta do início da década de 1940. A partir do ano de 1936,

começa-se uma discussão entre os membros eslavos e brasileiros com relação à utilização do

salão de cultos da Primeira Igreja Batista. Como as reuniões dessa Congregação eram

realizadas aos domingos à tarde, os zeladores da Igreja necessitavam arrumar o salão para os

cultos da noite e ficavam impossibilitados de terem um período de lazer com sua família. Esta

dificuldade fez os membros da Igreja disponibilizarem outro salão para que os eslavos

desenvolvessem suas atividades religiosas135. Em um espaço menor, estes não demoraram a

solicitar novamente o salão principal da Igreja, pois lá conseguiam acomodar-se de maneira

missionário, Nicon Danilenco, que ensinou seu ofício de fabricar doces e balas e ao mesmo tempo lhes fornecia “assistência espiritual.” 131 POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Jocelyne, op. cit., p. 163. 132 Ibid., p. 144. 133 Ibid., p. 145. 134 Ibid., p. 82. 135 Ata da Primeira Igreja Batista de Curitiba, Livro 4, p. 49-50.

Page 36: Batistas Eslavos em Curitiba

33

melhor durante suas reuniões. Porém, em vista dos problemas causados com a zeladoria, os

brasileiros pediram uma quantia a ser paga pela utilização da dependência requerida. Assim,

os custos com a arrumação e limpeza do local seriam pagos, em parte, pela comunidade

eslava. Todo esse impasse gerado por causa de um local próprio para suas reuniões, fez com

que a Congregação Eslava pensasse na compra de um local próprio136.

A Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo apenas lhes fornecia

“assistência espiritual”, enviando periodicamente pastores e missionários para exercerem

trabalhos religiosos – como ministrar a Santa Ceia e batismos –, que os membros da

comunidade não estavam aptos a realizar. Os líderes dessa igreja que vinham a Curitiba

também traziam material, como Bíblias, panfletos, partituras musicais etc., para auxiliar os

trabalhos realizados pelos eslavos. Porém não subsidiava nenhuma das despesas que a

Congregação tinha, como o aluguel de um local para promoverem seus cultos, por exemplo.

Em vista disso, os membros eslavos apresentaram um pedido de empréstimo à Primeira Igreja

Batista de Curitiba, para que pudessem ter seu próprio templo para se reunir. O pedido foi

negado pelos brasileiros, que não teriam condições nesse dado momento nem mesmo de

servirem de fiador para a Congregação Eslava137.

De qualquer forma, subsistia a dificuldade da falta de espaço e dos problemas com a

zeladoria da Primeira Igreja Batista; assim, a comunidade decidiu procurar outro local para

realizar seus cultos. No ano de 1943, a Congregação Eslava começa a realizar seus cultos nas

dependências da Igreja Presbiteriana Central, na rua Comendador Araújo. Após um breve

período, deixam de utilizar o espaço cedido por essa Igreja e se dirigiram para as instalações

da Escola Batista de Treinamento, na rua Silva Jardim. Essa instituição disponibilizou uma de

suas salas para que as reuniões pudessem ocorrer nos finais de semana.

No ano de 1945, a Congregação adquiriu um terreno com uma casa na rua Coronel

Dulcídio, onde puderam desenvolver seus trabalhos religiosos como bem desejassem. Depois

de efetuada a compra desse local, a Congregação Eslava decidiu empreender esforços para

construir um templo no local, com dependências que deveriam comportar toda a comunidade;

o novo templo foi inaugurado em 1948138.

136 Ibid., p. 71. 137 Ibid., p. 71. 138 Estas informações foram retiradas dos depoimentos. As atas da Congregação Eslava de Curitiba iniciaram na data de 04 de julho de 1948, na inauguração do seu novo templo. Com isto não foi possível identificar quanto tempo realmente ficaram na Igreja Presbiteriana Central e na Escola Batista de Treinamento, nem como se realizou a compra da nova propriedade na rua Coronel Dulcídio. Do mesmo modo não há maiores informações de quando saíram efetivamente da Primeira Igreja Batista de Curitiba e se eventualmente existiram outros problemas além dos referidos.

Page 37: Batistas Eslavos em Curitiba

34

Na década de 1930, a comunidade não tinha muitos membros e, em contato com os

brasileiros da Primeira Igreja Batista de Curitiba, autodenominaram-se “eslavos” para

abranger todas as especificidades étnicas do grupo. Já a partir da segunda metade da década

de 1940, com o maior número de pessoas abriu-se a possibilidade de que cada etnia

constituísse trabalho próprio, pois a identificação “eslavos” deixou de abranger todas as

especificidades étnicas existentes no interior da comunidade. O aumento do número de

pessoas fez com que as rivalidades entre essas etnias ressurgissem, pois russos, ucranianos e

poloneses não constituem uma única tradição, mas abrigam diferenças histórico-culturais

agudas139. Sendo difícil a adesão por parte de todos os membros num mesmo propósito de

continuarem a exercer suas atividades em conjunto, alguns poloneses retiraram-se da

comunidade para criar um trabalho à parte. Da mesma forma, alguns ucranianos organizaram

um grupo separado. Deste modo, os que haviam saído da Congregação Eslava de Curitiba,

acreditavam que russos, poloneses e ucranianos ao separarem-se, teriam mais liberdade para

reger suas atividades religiosas conforme língua e tradições culturais próprias.

Em 1948 assinalam-se concretamente os primeiros anseios de separação, manifestado

por um grupo de poloneses, que se dirigiram aos demais membros da Congregação, expondo

a vontade de realizarem no mesmo templo seus próprios cultos, com pregações e cânticos

apenas em língua polonesa. Como queriam formar outra Congregação, gostariam de continuar

“filiados” à Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo. As duas propostas, após

extensa discussão entre todos da assembléia de membros que compunham a Congregação

Eslava, não foram aprovadas e os poloneses que queriam organizar-se como grupo à parte

foram suspensos da comunidade140. Como alguns desses poloneses já haviam sido membros

da Primeira Igreja Batista de Curitiba, voltaram-se à essa comunidade pedindo auxílio

espiritual e material e filiaram-se a ela e formaram a Congregação Batista Polonesa que

desenvolveu trabalhos próprios, abrindo pontos de pregação para propagar o evangelho entre

os poloneses que se encontrassem na região de Curitiba. O trabalho dessa etnia cresceu e,

passado alguns anos, organizaram a Igreja Batista do Salvador.

Outro grupo que se dissociou era formado por alguns ucranianos. Assim como os

poloneses, estas pessoas acharam por bem realizar suas atividades eclesiásticas somente entre

ucranianos e no seu idioma. Alguns membros dessa etnia, saíram da Congregação Eslava de

Curitiba e organizaram uma própria comunidade: a Congregação Ucraína. Não se ligaram a

139 ANDREAZZA, Maria Luiza. Paraíso das Delícias. Estudo de um grupo imigrante Ucraniano 1895-1995. Curitiba, 1996. p. 79. 140Ata da Congregação de Curitiba da Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo, Livro 1, 12/12/1948.

Page 38: Batistas Eslavos em Curitiba

35

nenhuma outra Igreja e realizavam suas reuniões na casa do líder do grupo, Gregório Regeta.

Após um certo tempo, este doou uma propriedade para a comunidade, situada na rua Avenida

dos Estados, na qual construíram um templo e organizaram a Igreja Batista Ucraína141.

A fragmentação se deu porque ambos os grupos haviam crescido e as especificidades

de cada etnia superaram uma identificação “eslava” anterior. Ao reivindicarem uma língua e

cultura mais próximas, os dois grupos distanciaram-se e criaram novas identificações142. O

fator que reforçou uma redefinição em grupos étnicos específicos, e não mais “eslavos”, foi a

imigração de russos, ucranianos e poloneses, vindos ao Brasil em 1949143. Cada etnia tinha o

propósito de empregar o missionarismo somente entre as pessoas de sua “mesma origem”. A

Congregação Polonesa objetivava pregar o evangelho a todos os imigrantes poloneses,

utilizando-se de seu idioma e tradições para causar identificação com esses estrangeiros. Da

mesma forma os ucranianos empregariam suas atividades de evangelização somente a favor

dos ucranianos.

A Congregação Eslava de Curitiba, apesar de todas estas dissensões, continuou a

agregar russos, ucranianos e poloneses, porém em menor número. Os indivíduos que

resolveram continuar na comunidade ainda identificavam-se como “eslavos” e, contidos num

mesmo grupo, continuaram empregando em seus cultos as línguas russa, polonesa e

ucraniana144. Deste modo, visavam a conservar a unidade do grupo, mantendo um

mandamento bíblico contido no Novo Testamento145, e deram prosseguimento a suas

atividades religiosas.

O trabalho de propagar o evangelho no meio eslavo também prosseguiu. Através dos

cultos realizados nos lares, alguns imigrantes recém chegados à cidade de Curitiba eram

141 Entrevista 1. 142 “[a identidade] é construída e transformada na interação de grupos sociais através de processos de exclusão e inclusão que estabelecem limites entre tais grupos, definindo os que integram ou não...Os traços que levamos em conta não são a soma das diferenças objetivas mas unicamente aqueles que os próprios atores consideram como significativos. Desse modo, as mesmas características diferenciais podem mudar de significação ou perder a significação no decorrer da história do grupo; e diversas características podem suceder-se adquirindo a mesma significação”. (POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Jocelyne, op. cit., p.11.) 143 Entrevista com Professora Dra. Oksana Boruszenko. 144 As entrevistas 2, 3 e 4 afirmam que os cultos continuaram a conter pregações em todas as línguas, de modo que atendessem indiscriminadamente todos os membros da comunidade. 145 Em sessão extraordinária da assembléia de membros da Congregação Eslava, houve um esforço em manter russos, ucranianos e poloneses de forma coesa, para que o objetivo da comunidade fosse alcançado: propagar a salvação em Cristo a todos os eslavos e não só a uma etnia específica. Com isso, cada indivíduo era responsável para cumprir sua parte nessa tarefa, sendo inviável a constituição de vários grupos separadamente. Os que não aderiram a esse propósito, não poderiam continuar como membros da Congregação, pois feriam os ordenamentos bíblicos: “Sejam completamente humildes e dóceis, e sejam pacientes, suportando uns aos outros com amor. Façam todo o esforço para conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz. Há um só corpo e um só Espírito, assim como a esperança para a qual vocês foram chamados é uma só”. (Efésios 4:2-5) e “não há polaco, russo, ucraíno, judeu, mas Cristo é tudo e está em nós.” (Uma alusão ao texto de Colossenses 3:10) Ata da Congregação de Curitiba da Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo, Livro 1, 17/10/1948.

Page 39: Batistas Eslavos em Curitiba

36

visitados em suas casas e convidados a comparecer às reuniões. Outros, tiveram seu primeiro

contato com os “batistas eslavos” na Casa do Imigrante146, recebendo “assistência espiritual”

por meio de panfletos e Bíblias entregues num idioma que podiam entender. Também foi

disponibilizado a favor desses imigrantes um local para instalarem-se, até que conseguissem

sustento próprio147. Na primeira metade da década de 1950, os membros dessa comunidade

ocuparam-se em estabelecer pontos de pregações nos bairros148. Com todos esses trabalhos

desenvolvidos, a Congregação Eslava de Curitiba deu continuidade à propagação do

evangelho entre os eslavos e aos poucos a comunidade foi novamente crescendo149.

Nesse período a comunidade já contava com templo próprio, suas atividades rotineiras,

como cultos e missionarismo, eram desenvolvidas pelos membros da própria Congregação e

mantinham-se financeiramente. Assim sendo, a partir do ano de 1954, almejam formar uma

Igreja própria, desvinculando-se do contorno de “Congregação de Curitiba da Primeira Igreja

Evangélica Batista Russa de São Paulo”150. Após conversações entre a assembléia de membros

da Congregação com a Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo, é organizada a

Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba. A nova Igreja constitui uma diretoria,

para dirigir suas atividades administrativas, e já possui diáconos e pastor, para disponibilizar

“assistência espiritual” a todos os membros. Ao mesmo tempo é instituído um “pacto de fé”

entre toda comunidade, pretendendo assim que todas as pessoas que estivessem envolvidas

nela respeitassem as doutrinas exercidas pela denominação batista151.

A Igreja dá seqüência às suas atividades eclesiásticas e sua maior autonomia fez que

seus esforços em praticar o missionarismo entre os eslavos aumentassem. Após a sua

organização, surgem pessoas na comunidade que se dedicam exclusivamente ao trabalho

missionário152. Do mesmo modo há um investimento para o envio de membros da comunidade

146 Os membros da comunidade eslava rotineiramente iam à Casa do Imigrante, na rua Sete de Setembro, distribuir e conversar com os imigrantes vindos do leste europeu. Os recém chegados eram “impactados” por essas pessoas, pois eram bem recebidos e recebiam “assistência espiritual” logo em sua chegada. 147 Os imigrantes receberiam alimentos e poderiam instalar-se na Igreja por sete dias. Passado esse prazo, caso não conseguissem uma casa para residir, poderiam continuar no espaço cedido, mas deixariam de receber os mantimentos. Essas condições eram oferecidas pela Congregação e pelos seus membros, não sendo necessário o pagamento por parte do imigrante. (Ata da Congregação de Curitiba da Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo, Livro 1, 01/06/1949) 148 As atas da Congregação relatam cultos realizados nos bairros Bigorrilho e Portão. (Ata da Congregação de Curitiba da Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo, Livro 1, 17/05/1950 e 08/11/1950) As entrevistas referem-se a um trabalho realizado entre famílias eslavas no bairro Capão Raso. (Entrevista 2, 3 e 4) 149 Nos anos de 1951/ 1952, houve a entrada no rol de membros na Congregação, através do batismo. (Ata da Congregação de Curitiba da Primeira Igreja Evangélica Russa de São Paulo, Livro 1, 05/11/1951 e 19/11/1952) 150 Ata Congregação de Curitiba da Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo, Livro 2 A, 02/12/1954, 06/01/1955 e 13/021955. 151 Ata da Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba, Livro 1, 10/02/1955. 152 Ata da Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba, Livro 1, 10/07/1958 e 04/09/1958.

Page 40: Batistas Eslavos em Curitiba

37

para uma preparação teológica mais elaborada153. Ainda no sentido de “transmitir a salvação

em Cristo”, auxiliam um trabalho de evangelização através de um programa de rádio na

emissora PR-B2, dirigido pelo pastor da Igreja Batista do Cajuru, Paulo Gailit154. O objetivo

do programa era a propagação do evangelho a todos os ouvintes da rádio. Os “batistas

eslavos” ajudavam financeiramente para que o programa “Ondas de Evangelismo” pudesse

ser transmitido e numa parte dele poderiam dirigir-se especificamente, nas línguas russa,

polonesa e ucraniana, aos ouvintes. Ainda com a finalidade de propagar suas crenças somente

entre seus conterrâneos, a comunidade não se vinculou a nenhuma Convenção Batista que

envolvesse trabalhos entre os brasileiros. Reflexo disso, é a participação com a “Junta Russo-

Ucraniana”155, que, da mesma forma, visava à pregação do evangelho a todos os eslavos

presentes no Brasil156 e os membros da Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba

participavam direcionando quantias para auxílio dos trabalhos daquela instituição e

compareciam a reuniões e congressos em que propunham um direcionamento para o

missionarismo praticado dentro do meio eslavo.

Todos esses esforços da comunidade proporcionaram, num primeiro momento, uma

estabilidade no número de membros. Através de todas essas formas de evangelismos

praticadas, algumas pessoas foram batizadas e incluídas no rol de membros da Igreja. Por

outro lado, algumas famílias ou pessoas mais jovens foram saindo da Igreja. Houve quem

migrasse para o estado de São Paulo e para os Estados Unidos, visando a uma melhoria de

vida. Enquanto isso, outras pessoas teriam voltado para a U.R.S.S.157.

Após esse período de relativo equilíbrio no número de membros, a partir da década de

1960, já é possível identificar um declínio na quantidade de pessoas que freqüentavam as

reuniões da Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba. Os filhos e netos das

pessoas eslavas, que compunham a comunidade, já não se identificavam mais com a forma do

culto. Ao serem empregadas nas reuniões, dentro e fora da Igreja, as línguas russa, polonesa e

ucraniana, os jovens começaram a ficar a parte das reuniões, pois muitos deles já não

153 Ata da Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba, Livro 1, 04/12/1958 e 08/01/1959. 154 Ata da Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba, Livro 1, 06/12/1956. 155 Essa instituição foi criada, no ano de 1936, por membros de Igrejas Batistas de etnias eslavas do estado São Paulo e era orientada pelo pastor Simeon Molochenco, da Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo. Além de propagar a salvação em Cristo entre os eslavos do Brasil, essa Junta também auxiliava no treinamento de líderes e na construção de templos para as igrejas. (PEREIRA, José Reis. História dos Batistas no Brasil. Rio de Janeiro: JUERP; 2001. p. 245) 156 Ata da Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba, Livro 1, 06/12/1961. 157 A partir do início da década de 1950 começa a saída de algumas pessoas da comunidade, sendo difícil precisar, através das fontes, quantos membros efetivamente saíram e para onde se dirigiram. Porém é provável que alguns indivíduos tenham ido para São Paulo e Estados Unidos. No caso de indivíduos que teriam regressado aos domínios da União Soviética, não há informações precisas sobre esses dados. (Entrevista 4)

Page 41: Batistas Eslavos em Curitiba

38

entendiam estas línguas por completo. Deste modo, alguns se dirigiram para igrejas batistas

brasileiras, outros adentraram em igrejas evangélicas de outras denominações e houve aqueles

que renunciaram a fé dos seus pais e avós, não se ligando a nenhum grupo religioso.

Outro fator que contribuiu para a saída dos mais jovens foi a forte tradição existente na

Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba. Os membros dessa comunidade

destacavam-se dos demais batistas, por um forte tradicionalismo no tocante a sua

vestimenta158 e modo de se portar em seu cotidiano. Nos cultos realizados na Igreja, mulheres

sentavam-se de um lado, cobrindo as cabeças em momentos de orações159, e homens do outro

lado do salão de cultos. Estas características, fizeram com que os mais novos, ao perceberem

que as igrejas brasileiras tinham tradições menos severas, saíssem da comunidade eslava e

optassem pelas atividades religiosas dos brasileiros. Por outro lado, os membros fundadores

do trabalho entre os eslavos já começaram a ficar com uma idade avançada e aos poucos o

falecimento destes contribuiu para que o número de pessoas da comunidade também

diminuísse.

Para que os jovens se identificassem com a forma de culto e tradições existentes, era

significativo que a liderança dos eslavos atentassem para que estes fossem criados dentro dos

costumes de seus pais e/ ou avós160, visando à manutenção de uma “cultura eslava”161. Porém,

desde a segunda metade da década de 1940, a Congregação Eslava de Curitiba já tinha uma

classe bíblica para crianças em português. Elas vieram para o Brasil ainda pequenas, ou

mesmo nasceram aqui e entendiam pouco da língua de seus pais. Alguns até conseguiam

comunicar-se nas línguas russa, polonesa e ucraniana, mas na medida em que eram educados

em colégios brasileiros, necessitavam de um maior domínio da língua portuguesa162. Este fator

fez, aos poucos, os mais novos adotarem mais o português em seu cotidiano, deixando de lado

as línguas eslavas. Além disso, os ritos e tradições existentes também foram sendo deixados

de lado. As gerações nascidas e/ ou criadas no Brasil não adotaram os valores passados pela

158 As mulheres, principalmente, deveriam cumprir algumas obrigações em relação a sua aparência. Não deveriam usar qualquer tipo de maquiagem, jóias e cabelos curtos. Essas eram restrições que partiam de alguns líderes da comunidade. (Entrevista 5) 159 Ata Congregação de Curitiba da Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo, Livro 1, 02/03/1953. 160 Havia a “recomendação aos pais e professores, da escola dominical, a realizarem sua importante função de crear e educar os seus filhos, crianças e mocidade em sua própria língua, na vida espiritual e moral. Esta educação muito importante para o povo eslavo, principalmente aos crentes.” (Ata da Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba, Livro 1, 08/08/1957) 161 Uma das maneiras de “fabricar a etnicidade [é] a língua: a escola primária e a família são as principais instituições que produzem a etnicidade como comunidade lingüística. Contudo, a ‘comunidade de língua não basta para a produção da etnicidade’. Ela não tem em si mesma um princípio de clausura: ‘ela assimila seja quem for ou qualquer um e não prende ninguém.” (POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Jocelyne, op. cit., p.51)

Page 42: Batistas Eslavos em Curitiba

39

comunidade eslava, mas tiveram comportamentos que lhes permitiram integrar-se a igrejas e à

sociedade brasileira163. Dessa forma, poucos jovens continuaram na Primeira Igreja

Evangélica Batista Eslava de Curitiba e conforme os membros mais idosos foram falecendo, a

comunidade foi diminuindo.

Na década de 1970, a Igreja já continha um número bem menor de membros. Aos

poucos, em alguns cultos e em partes da sua liturgia era empregado português, mas as línguas

russa, ucraniana e polonesa ainda se faziam muito presentes. Porém, como a comunidade

estava reduzida, a liderança da Igreja iniciou uma discussão para a mudança no formato dos

trabalhos eclesiásticos empregados. A antiga visão de propagar o evangelho entre os eslavos,

já não fazia tanto sentido, pois havia poucas pessoas dessa etnia dentro e fora da comunidade.

Para que a Igreja voltasse a crescer era necessário redirecionar os trabalhos da comunidade.

Como parte desse projeto, a Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba muda seu

nome, no ano de 1978, para Igreja Evangélica Batista da Água Verde e tem por objetivo

atender as “necessidades espirituais” dos brasileiros e não mais dos eslavos da cidade de

Curitiba. Com a reestruturação nas formas de culto e ritos existentes até então, o português

torna-se a única língua utilizada em todas as atividades da “nova” Igreja. Assim, os batistas

remanescentes nessa comunidade, dão início a uma nova forma de trabalho: propagar o

evangelho entre os brasileiros da capital paranaense.

162 Alguns tiveram dificuldade com o aprendizado do português, porém depois de aprenderem a língua, deixaram os outros idiomas de lado. (Entrevista 5) 163 POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Jocelyne, op. cit., p. 67.

Page 43: Batistas Eslavos em Curitiba

40

Conclusão:

O trabalho missionário batista foi introduzido no Brasil a partir da segunda metade do

século XIX. As Igrejas, Convenções, Juntas Missionárias e demais instituições, foram criadas

todas com o objetivo de expandir as crenças da denominação pelo vasto território brasileiro.

Os missionários, sobretudo norte-americanos, preocuparam-se em fornecer “assistência

espiritual” a todos os brasileiros e eventuais estrangeiros que também aceitassem a mensagem

que estava sendo transmitida. Deste modo, aos poucos, a denominação foi crescendo e

abrindo várias frentes de trabalho em todas as regiões do Brasil. Porém, a introdução e

formação de grupos religiosos batistas não resultou apenas da ação de missionários norte-

americanos e brasileiros. Houve também outras formas com as quais surgiram as

comunidades e, conseqüentemente, a expansão da fé batista. Por exemplo, o movimento

imigratório trouxe para o Brasil, tanto dos Estados Unidos como da Europa, “professantes” da

denominação batista que se instalaram e deram continuidade à sua forma de culto. Muitas

vezes, esses indivíduos auxiliaram no estabelecimento de trabalhos missionários nas regiões

onde se encontravam.

Entretanto, a formação de Igrejas Batistas na cidade de Curitiba ocorreu

exclusivamente pela atuação de trabalhos missionários. O ponto de destaque desse trabalho

foi a atuação de um grupo de missionários com um objetivo específico: o de pregar o

evangelho entre “os eslavos” da capital paranaense. As pessoas vindas do leste europeu, ao

entrarem em contato com esses evangelistas, foram alvo de um trabalho dirigido

especificamente a eles. A partir do momento em que se sentiram bem acolhidos por essa

forma de atuação empregada pelos batistas e, em conseqüência, de ter “assistência espiritual”

na sua língua própria, identificaram-se e como resultado, aderiram à nova fé.

Conforme o grupo de pessoas “eslavas” foi crescendo, precisavam de uma organização

em que houvesse um direcionamento para que seus trabalhos pudessem prosseguir. Assim

constituíram a Congregação Eslava de Curitiba, ligada a uma “igreja mãe”, a Primeira Igreja

Evangélica Russa de São Paulo, que lhe daria suporte financeiro e “espiritual”. Ao mesmo

tempo necessitavam de um local maior para que suas reuniões pudessem ser realizadas.

Utilizando o espaço cedido pela Primeira Igreja Batista de Curitiba, entraram em contato com

os brasileiros, mas foram distinguidos desses. Em face de uma dicotomia Nós/ Eles,

autodenominaram-se “eslavos”, para abranger todas as suas especificidades étnicas,

destacando assim sua identidade. Congregados em um mesmo espaço reforçaram a visão de

Page 44: Batistas Eslavos em Curitiba

41

desenvolver sua atuação apenas entre “pessoas de uma mesma origem”, concentrando-se no

papel de propagar o evangelho.

No início, a Congregação Eslava de Curitiba teve êxito em sua atuação. Porém, após

seu crescimento, as diferenças histórico-culturais tornaram-se mais intensas, tendo como

efeito a dissensão de dois grupos: parte dos poloneses e dos ucranianos voltaram-se para um

trabalho que incluísse apenas pessoas de “seus grupos étnicos”. Em meados da década de

1940, quando já separados dos brasileiros e com a compra de um local próprio para

realizarem suas atividades eclesiásticas, ambos os grupos reivindicaram um missionarismo

voltado apenas “a seus patrícios”, e não mais a todos os “eslavos”. Deste modo, queriam um

espaço para trabalhos próprios, separando-se dos outros grupos, por uma língua e cultura

própria. Assim demonstravam que, apesar da denominação “eslavos”, havia diferenças entre

os membros da comunidade. Parte dos ucranianos e poloneses não sentiam-se à vontade com

as várias formas em que as atividades eram realizadas: tanto o missionarismo, como a liturgia

dos cultos, realizados nas línguas russa, ucraniana e polonesa. A separação daria maior

liberdade para que cada etnia, separadamente, pudesse empregar sua própria forma de culto e

trabalhos evangelísticos. Nesse momento, o contexto interétnico, mais uma vez, acabou por

delinear os rumos da comunidade. Os grupos que se dissociaram formaram comunidades

próprias, com um modelo de trabalho religioso diferenciado do modo como estavam sujeitos

anteriormente, adequando todas as suas atividades a costumes e idioma próprios. Por outro

lado, os que continuaram no grupo, não deixaram de se identificar como “eslavos”. Pelo

contrário, não só deram prosseguimento aos seus cultos, como também intensificaram suas

atividades evangelísticas visando à maior propagação do evangelho pela capital paranaense,

consolidando sua organização como Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba no

ano de 1955.

O processo de assimilação da cultura local, sofrido pelas gerações mais jovens da

comunidade, contribuiu para o seu término. No que diz respeito à língua, esses, ao serem

educados em escolas brasileiras, aos poucos deixaram de lado o idioma de seus pais e avós e

utilizavam cada vez mais o português mesmo por não aprenderem completamente os idiomas

falados dentro do grupo eslavo. Esse fator auxiliou na saída e subseqüente entrada dessas

pessoas em Igrejas onde pudessem melhor se integrar aos trabalhos eclesiásticos. Além disso,

as tradições e formas de rito empregados afastaram os jovens da comunidade. Esses, já em

maior contato com a sociedade brasileira, não se identificavam mais com os costumes da

comunidade eslava, principalmente em relação à vestimenta, à severidade dos ritos religiosos

Page 45: Batistas Eslavos em Curitiba

42

e modo de se portar no dia-a-dia. Em decorrência disso, houve aqueles que optaram por

renunciar a fé de seus pais e avós e não adentrar em outro grupo religioso.

A Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba desenvolveu seus trabalhos até

a fins da década de 1970. Porém, é significativo que, desde início da década de 1960,

conforme as gerações mais jovens saíram da comunidade e os membros fundadores do

trabalho entre os “eslavos” foram falecendo, a comunidade via, gradativamente, o seu número

de membros diminuir. Para que a Igreja pudesse dar continuidade a suas atividades, sua forma

de atuação teve que ser renovada. O missionarismo realizado somente entre pessoas do seu

mesmo grupo étnico deixou de fazer sentido, pois o número de russos, ucranianos e

poloneses dentro e fora da comunidade era cada vez menor. No intuito de fornecer

“assistência espiritual” aos brasileiros, a Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba

passa a denominar-se Igreja Evangélica Batista da Água Verde. Assim, termina o grupo

eslavo da cidade de Curitiba.

As dificuldades com a documentação dessa comunidade dificultaram um maior

aprofundamento em relação a sua constituição e seu “regimento” interno. Após a organização

da Congregação Eslava de Curitiba, recorri às atas da Primeira Igreja Batista de Curitiba.

Através desses registros, houve a possibilidade de observar o grupo “eslavo” em contato com

os brasileiros. No período em que os batistas “eslavos” utilizam o espaço da Igreja

Presbiteriana Central, houve o envio de uma carta, por parte dos líderes da Congregação,

solicitando as dependências dessa comunidade, entretanto, estudando a documentação

disponível na Igreja, não consegui maiores informações de “como” e o “por quê” esse grupo

de batistas decidiu pedir auxílio a uma comunidade religiosa que não era da sua denominação.

Já do período em que esse grupo realiza seus cultos junto à Escola Batista de Treinamento,

que é anterior a compra de um local próprio para desenvolvimento de seus trabalhos

eclesiásticos, não encontramos nenhum registro. As atas da Congregação remontam apenas ao

ano de 1948, quando há a inauguração do templo dessa comunidade, até sua organização

como Igreja, em 1955. Não sendo possível o acesso às atas da “igreja mãe”, a Primeira Igreja

Evangélica Batista Russa de São Paulo, as informações obtidas foram apenas parciais. O

relacionamento entre as duas comunidades e o envio de membros por parte da Igreja de São

Paulo a Curitiba para fornecimento de “assistência espiritual”, poderiam ser melhor

explicitadas com a documentação completa. Para maior precisão das informações do

missionarismo empregado na capital paranaense, além dos entrevistados, utilizamos pequenos

folhetos disponíveis, que continham algumas informações referentes ao trabalho praticado

pelos evangelistas.

Page 46: Batistas Eslavos em Curitiba

43

Os registros como Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba iniciaram-se no

momento de sua fundação até o ano de 1964, quando findam os dados documentados por

motivos desconhecidos. Outra dificuldade em relação às fontes são as atas escritas em russo.

Utilizamos apenas os livros em português, o que mais uma vez, não contempla a comunidade

em sua totalidade, já que os membros eslavos não compreendiam completamente a língua

portuguesa. A documentação aproveitada, além de incompleta, apresenta algumas imprecisões

referentes aos trabalhos evangelísticos realizados nas casas dos membros da comunidade, ou

pessoas que disponibilizavam suas residências para os cultos. Como o missionarismo

empregado era uma grande preocupação por parte dessas pessoas, o maior conhecimento

desses trabalhos tornariam o estudo mais completo. Para amenizar toda essa falha e acesso à

documentação, aproveitamos o relato oral de membros que fizeram parte dessa comunidade

religiosa. Esses são filhos e netos dos fundadores da comunidade eslava, inseridos em seu

desenvolvimento em vários momentos, desde sua infância até a extinção do trabalho entre os

“eslavos”. Alguns dos entrevistados exerceram cargos administrativos na comunidade,

participando ainda de forma mais ativa nas atividades durante o período observado. As

experiências, participações, contribuições desses indivíduos dentro do grupo eslavo,

enriqueceram o trabalho, pois as descrições obtidas, auxiliaram as fontes utilizadas e

possibilitaram uma abordagem melhor das questões aqui tratadas.

Por fim, as dificuldades, a falta de acesso a uma bibliografia mais especificada sobre o

assunto e a carência de maior precisão das informações obtidas na bibliografia encontrada,

deixaram lacunas no que diz respeito à chegada e o posterior crescimento de Igrejas Batistas

no leste europeu, à imigração de grupos batistas específicos para o Brasil, bem como sua

constituição e a forma de atuação missionária ao longo do território brasileiro.

Page 47: Batistas Eslavos em Curitiba

44

5. Referências Bibliográficas. ANDREAZZA, Maria Luiza. Paraíso das Delícias. Estudo de um grupo imigrante Ucraniano 1895-1995. Curitiba, 1996. AZEVEDO, Israel Belo de. A celebração do indivíduo: a formação do pensamento batista brasileiro. São Paulo: Editora Unimpe, 1996. BALHANA, Altiva Pilatti & BORUSZENKO, Oksana. Alguns Problemas de Aculturação nos Campos Gerais. REVISTA DO MUSEU PAULISTA - Nova Série - Volume XIV, São Paulo, 1963. p. 321-334. BÍBLIA SAGRADA. Língua Portuguesa. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2003. CAVALLARI, Nivaldo. Centenário de Fé: História da Primeira Igreja Batista de Paranaguá. Paraná: Edição A. D. Santos Editora, 2003.

DREHER, Martin N. Imigrações e história da Igreja no Brasil. Aparecida SP: Editora Santuário, 1993. HANEIKO, Valdemiro Pe. Em defesa de uma cultura. Rio de Janeiro: Cobrag, 1974.

HOBSBAWN, Eric. A era dos impérios: 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. KEIDANN, D. M. Uma Introdução à história dos batistas no Rio Grande do Sul numa perspectiva transcultural. Minas Gerais: IEPG; 1996.

KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências: Transformação econômica e conflito militar de 1500 a 2000. Rio de Janeiro: Campus, 1989. LIMA, Jaime Augusto, História dos Batistas Regulares no Brasil. São Paulo: Editora Batista Regular, 1997. MASKE, Wilson. Os menonitas e a Construção do Novo Reino. HISTÓRIA: QUESTÕES E DEBATES, Curitiba, n. 28, 77-105 , 1998. PEREIRA, José Reis. História dos Batistas no Brasil. Rio de Janeiro: JUERP; 2001. PORTAL, Roger. Os eslavos, povos e nações. Rio de Janeiro: Editora Cosmos, 1968. PORTER, C. Paulo. Organização Batista: para a Evangelização do Mundo. Casa Publicadora Batista. Rio de Janeiro, 1962. POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da Etnicidade; seguido de Grupos Étnicos e suas Fronteiras, de Fredrik Barth. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. RONIS, Osvaldo. Uma Epopéia da Fé: História dos Batistas Letos no Brasil. Casa Publicadora Batista. Rio de Janeiro, 1974.

Page 48: Batistas Eslavos em Curitiba

45

SOUZA, Sóstenes Borges de. Enciclopédia Batista Brasileira. Salvador: Artios, 1996. WACHOWICZ, Ruy Christovam. O camponês no Brasil. Curitiba: Fundação Cultural, Casa Romário Martins, 1981.

Page 49: Batistas Eslavos em Curitiba

46

LISTA DE PESSOAS ENTREVISTADAS:

Ana Ghenov, entrevista realizada no dia 06 de novembro de 2009.

Basílio Homenko, entrevista realizada no dia 01 de novembro de 2009.

Dulce Eutuchenko Homenko, entrevista realizada no dia 01 de novembro de 2009.

Eugenia Protscki Regeta, entrevista realizada no dia 30 de setembro de 2009.

Pawlo Nasarez, entrevista realizada no dia 01 de novembro de 2009.

Olga Waculicz, entrevista realizada no dia 03 de novembro de 2009.

TRANSCRIÇÕES DOS TRECHOS MAIS RELEVANTES DAS ENTREVISTAS

CONCEDIDAS:

Entrevista um:

Meu pai veio da Ucrânia, minha mãe próximo da Ucrânia, já pertencia para a Polônia.

O meu pai moço, servia o governo lá na Ucrânia, depois estava pressentindo que viria uma

guerra, então ele sentiu um desejo: “eu vou para um lugar que esteja aberto as portas.” E

estava aberto para o Brasil e para mais algum lugar e ele optou pelo Brasil. Mais alguns

amigos ouvindo isso se encorajaram e juntos compraram passagem e vieram de navio para o

Brasil. Quando ele chegou ao Brasil, a minha mãe já tinha vindo um pouco antes. Lá eles

moravam não muito distante, mas lá eles não se conheceram. Vieram a conhecer-se aqui no

Brasil. A minha mãe veio com os pais e mais oito irmãos, ela solteira.

Naquele tempo tinha muitos ucranianos e tinha vindo uma leva de navio de ucranianos,

poloneses e eslavos. Então eles costumavam fazer cultos nos lares, evangelizando nos lares,

principalmente dos seus patrícios, porque um eslavo, um ucraniano quando aceita Jesus ele

fica tão feliz, que ele quer que todos seus patrícios também conheçam a verdade,

principalmente esse povo que vem de um lugar sofrido, que já passou por guerra, por miséria,

por tristeza, sabendo que em Jesus ele encontra a paz, ajuda, então ele quer que seu patrício

também aceite. E foi o que aconteceu, os patrícios ajudaram a evangelizá-lo e ele daí

procurava outros patrícios para falar do Evangelho.

Minha mãe, eles eram casados, já tinham três filhos e daí, quando os evangélicos

faziam cultos nos lares, como meus pais eram católicos ortodoxos, eles estavam preocupados

em não ferir a religião deles. Eles tinham medo. Minha mãe pegou uma Bíblia meio

escondidinha e foi fala com o padre ucraniano, aqui na Igreja São Miguel, na rua Paraíba, e

mostrou pra ele se ela poderia ler aquele livro. Ele olhou por cima e disse: “Não tem

Page 50: Batistas Eslavos em Curitiba

47

problema, pode ler.” Então daí com mais certeza, mais confiança, meus pais começaram a ler.

Principalmente meu pai, porque minha mãe lia muito vagamente. Começaram a ler e sendo

ainda ajudados por esses irmãos, aprendiam e conheceram a verdade e foi quando aceitaram a

Jesus. Daí eles foram ali na Coronel Dulcídio, na Igreja Batista Eslava, que ali os irmãos eram

de lá. Daí eles foram batizados e ali eles freqüentaram durante um bom tempo.

Nem todos da minha família aceitaram a palavra. Como eu disse vieram oito filhos

para o Brasil. Tinham ficado dois dos mais velhos, que já eram casados, esses ficaram na

Europa. E quatro se converteram e quatro não. Então ficaram ali na Igreja, depois casaram,

ficou uma pra cá, um pra lá. Alguns ficaram na Igreja Ucraniana, um ficou na Igreja Polonesa

e os outros aqui na Igreja Ucraniana.

A Igreja Batista Eslava, lá na Coronel Dulcídio, ali se reuniam poloneses, ucranianos,

russos, como eu disse o povo que vinha da Europa e foi crescendo e foi ficando difícil para

todos trabalharem juntos. Eles conversavam cada um usando a sua própria língua. Pra quem

fala ucraniano, ele entende um pouco em polonês e também em russo. Tanto é que eu só de

ouvir e de freqüentar Escola Dominical eu até hoje entendo um pouco de russo e polonês. Mas

não era fácil, principalmente para as crianças e para os jovens. Mas eles iam conversando

cada um no seu idioma e iam se entendendo. Principalmente a mesma palavra de Deus eles

sabiam cada um lia na sua Bíblia e sabiam o que tava sendo lido.

Daí foi aumentando, povos por aí, então os ucranianos, o meu pai um deles, resolveu e

pensou: “que tal nós trabalhar separado?! Para o nosso povo ucraniano.” Os poloneses da

mesma forma, abriram uma Congregação para o seu povo. E os russos e os eslavos ficaram ali

na Coronel Dulcídio.

Os trabalhos evangelísticos era muito difícil. Porque naquela época não tinha a

facilidade de locomoção de ônibus como hoje. Então meu pai, mais alguns irmãos, com os

filhos, inclusive eu e as minhas irmãs, nós íamos, acompanhávamos, fazia evangelismo longe

daqui, íamos a pé, aquele sol castigava, um sol de domingo a tarde, para levar o evangelho.

Muitos se convertiam nessas ocasiões. Era feito nas casas, tudo nas casas, nos lares. Tudo em

ucraniano, porque as pessoas, como eu falei, veio várias levas de imigrantes para o Brasil,

inclusive a família Nasarez, os irmãos Demétrio Nararez, eles se converteram e foi fruto dos

trabalhos dos ucranianos. Agente lia a palavra, cantava, falava poesia, lia histórias e

acontecimentos até reais que saiam nas revistas, porque nós não tinha literatura ucraniana aqui

no Brasil, vinha do Canadá, dos Estados Unidos, mensalmente. Tanto é que meu pai

colecionava, tinha todos os números das revistas e eu gostava muito de ler em ucraniano.

Assim compartilhavam a vida lá e aqui, as dificuldades, as vitórias...era muito agradável.

Page 51: Batistas Eslavos em Curitiba

48

O meu pai, Gregório Regeta, como amava muito o trabalho do Senhor, ele abriu as

portas da sua casa. Casa pequena, para receber e faziam culto todo domingo a tarde, se

reuniam na varanda, no quintal, porque não comportava. Durante mais ou menos quatro, cinco

anos, assim se reuniam. Tinha uma boa freqüência, porque tinha bastante visitante. Aqui o

bairro na época com bastante estrangeiros. Então agente sempre convidava amigos, os

patrícios, alguns curiosos, alguns só pra satisfazer o convite, mas sempre tinhas pessoas. Daí

foi ficando pequeno o espaço, porque já tinha a família dele com seis filhos e durante um

tempo se reuniam, onde hoje é a Faculdade Teológica Batista, antes foi Seminário Batista e

antes disso era Instituto Bíblico A. B. Deter. Então emprestavam e uma vez por domingo se

reuniam ali no salão. Depois pensaram; “Não, nós precisamos ter um cantinho nosso...” Mas

todos assalariados, com salários mínimo, pessoas simples. O meu pai tinha um terreno na

Avenida dos Estados, que ele tinha duas frentes. Ele vendeu a metade de um terreno e ali

todos arregaçaram a manga e arregaçaram o bolso, cada um contribuiu com a mão de obra e

investiram. E ali foi constituída a Igreja Batista Ucraína. Era só ucraniano. Os cultos, a

palavra de Deus, os cânticos, poesias, a Escola Bíblica Dominical, só em ucraniano.

Eles eram batizados, os que vinham para a Igreja Ucraniana, tinha um pastor em São

Paulo, pastor Adão Volnaratch, ele serviu durante muito tempo. Ele vinha, era difícil porque

era só de trem, cada quatro/ cinco meses. Então era batizado nessa ocasião. Os diáconos

preparavam os candidatos e eles eram batizados nessas ocasiões. Também depois tinha o

pastor Basílio Rodiuk de Carapicuíba, pastor ucraniano que trabalhava lá entre os irmãos,

também servia para nós nessas ocasiões que era preciso. Até que mais tarde foi consagrado o

irmão Gregório Regeta, que era diácono na época. Daí ele batizava e servia a Ceia e o

trabalho continuava.

Os mais idosos foram falecendo. Muitos mudaram, alguns até que vinham chegando ali

não entendiam o idioma e foi ficando misto, um pouco em português, classes em ucraniano,

mas a dificuldade era de ter um pregador em português. Os pais, líderes, sentiram que os

filhos dos ucranianos, todos andando para escola em português, aprendendo o português,

porque estavam em seu próprio país. Os netos também. Então foram abrindo mão e sentindo

que o trabalho precisa ser realizado em português.

Muitos foram para outras igrejas, porque é claro, os jovens não aprenderam o

ucraniano, nem havia interesse e foram se espalhando. E ali ficaram poucos. Foram casando,

foram se encaixando em outras Igrejas, em outros trabalhos e foram se espalhando e foi

diminuindo aqui. Daí a Igreja precisou deixar por completo o trabalho ucraniano, porque não

tinha quem prosseguisse e pediu socorro para os brasileiros. Depois surgiu o grupo da

Page 52: Batistas Eslavos em Curitiba

49

Convenção Batista Pioneira, que vem do sul do país. Nós tivemos uma amizade, uma aliança

com os irmãos pioneiros. Daí eles e nós organizamos a Igreja Batista Avenida dos Estados

com setenta membros na época, só brasileiros.

Entrevista dois:

Eu nasci na Alemanha, mas meus pais são ucranianos. Meu pai e minha mãe vieram da

Ucrânia, foram levados pra Alemanha no tempo da Guerra, de lá se conheceram, casaram na

Alemanha e vieram para o Brasil em 1949, dia 07/11/1949. Daí chegaram na Ilha das Flores

no Rio de Janeiro, vieram até Curitiba e estamos em Curitiba até hoje. Quando nós viemos,

viemos em quatro. O pai, a mãe, eu e a minha irmã. Depois nasceu aqui mais uma irmã minha

e mais um irmão. Meus pais são falecidos, meu pai é Demétrio Nasarez e minha mãe é Maria

Nasarez. Ouviram o Evangelho por intermédio de pessoas batistas que pregaram lá na

Alemanha e depois foram batizados aqui na Primeira Igreja em Curitiba. Assim eles

conheceram a palavra. Minha mãe já conhecia um pouco da palavra porque minha avó era

adventista. O meu avô incentivava minha mãe a se dirigir ao Deus vivo e não dobra os joelhos

perante uma imagem.

Os meus pais conheceram o evangelho, se converteram com a visita desses irmãos que

vieram a nossa casa, onde nós morávamos e pregaram a palavra. Daí eles em função disso se

converteram, foram batizados, depois nós tínhamos ficado e então eles fizeram a construção

da casa no mutirão, um sábado eles ergueram a casa e cobriram. No outro vieram e fizeram o

acabamento. Das necessidades que agente tinha, dificuldades que tinha, sempre tinha a Igreja

dando um apoio. Se não os irmãos daqui, pediam apoio aos irmãos batistas dos Estados

Unidos, do Canadá e mandava ajuda para nos mantermos. Isso fez uma diferença muito

grande na nossa vida. A partir daí começaram a freqüentar a Igreja Eslava. Lá falavam o

ucraniano, o russo e o polonês também. Mas mais prevalecia o ucraniano e o russo. Porque

eles já tinham a convivência juntos. Falava nesses idiomas, mas um entendia o outro. Depois

o pessoal se separou em duas igrejas, mas continuamos batistas. Meus pais se dirigiram para a

Igreja Batista Ucraniana, na Avenida dos Estados, aonde era feito o culto em ucraniano. Mas

freqüentava a eslava também, sempre tinha comunicação entre os irmãos.

Os cultos eram feitos aos domingos, tinha os irmãos abençoados: o Elia Maikut, o

irmãos Lukáks, o Gregório Regeta. Eles vinham de lá a pé para visitar os irmãos por aqui na

região para fazer cultos. Eram uns abençoados que se dedicavam na obra, com amor a causa.

Leitura da palavra, cânticos, isso chamava muito a atenção das pessoas. Os cânticos

Page 53: Batistas Eslavos em Curitiba

50

principalmente, na língua, isso despertava atenção demais nas pessoas. Motivava e a

curiosidade natural, inerente da pessoa que fazia ela se achegar. Sempre tinha visitantes.

Tinha os que vinham só por vir e tinha outros que realmente vieram e que essa palavra veio a

produzir frutos. Na Vila Clarice, famílias que eram católicas, batiam o pé e que depois vieram

a se converte. Não freqüentando a batista, mas foram para outras Igrejas, mas foram louva a

Deus do mesmo jeito. Mas se converteram daquela vida errada deles. Tinha muitos daqueles

que depois nós fomos fazer culto na casa deles e tal. E ficaram emocionados, mas tinha algo

que segurava eles, que não deixava se converte e se batiza. Mas a palavra foi pregada. A

palavra foi dita pra eles. Não só pela palavra em si, mas pelos cânticos. Que o cântico que nós

temos no nosso cantor, só o cântico já fala fundo ao coração.

Eu fiquei na Igreja até o final de 1961. Aí eu passei a freqüentar a Igreja Batista do

Novo Mundo. Meu pai já tinha falecido e a mãe continuou membro da Igreja Batista

Ucraniana. Tinha poucos jovens e eu freqüentava a Igreja da Vila Clareice que se associou a

Igreja Batista do Novo Mundo. E ai eu comecei a freqüentar a Igreja ali, pois era cinqüenta

metros de casa. Minha mãe era membra lá e freqüentava a Igreja lá por causa da língua que

ela falava em ucraniano lá, o trabalho era feito em ucraniano. O que fez ela continua foi a

língua, porque falava na língua da pátria mãe.

Entrevista três:

Eu e minha mulher somos da Ucrânia. Mas no tempo da guerra a Alemanha veio e

agente teve que ir trabalhar lá. Daí depois que guerra termino, veio um representante do Brasil

e fez propaganda pra gente vir pro Brasil e falava que tinha terra, que tinha condições e

viemos. Se alistamos pela ONU, que na época não tinha esse nome ainda, e em 1949

chegamos na Ilha das Flores. Chegando aqui no Rio de Janeiro vimos que não era assim tudo

o que eles tinham falado. Tinha gente indo pra Goiás e outros lugares, daí chegou um padre e

falou pra ir pro Paraná, que lá tinha muito ucraniano e fomos pra Ponta Grossa. Ficamos num

quartel lá uns dois meses, daí não tinha serviço e fomos pra perto de Guarapuava. Ficamos

mais uns nove meses lá e daí viemos pra Curitiba. Aqui na sociedade ucraniana ficamos,

achamos serviço e ficamos.

Eu morava no Santa Cândida e tinha que ir pro Bacacheri pega ônibus pra ir pra casa.

Daí um dia uma família russa que morava ali perto, entre o Bacacheri e o Santa Cândida, me

convidou pra ir na reunião deles. Um dia eu cheguei em casa e vi uns russos conversando com

minha mulher e eu não gostei muito. Mas daí, depois eu vi que o russo daqui não era o mesmo

Page 54: Batistas Eslavos em Curitiba

51

que me maltratava lá na Ucrânia né! Depois de um tempo, depois de minha mulher insistir

fomos em uma reunião, antes agente tinha brigado muito, não sei porque...mas daí quando

chegamos lá, começamo a chora e fizemos as pazes. A primeira vez que cheguei na

Congregação, que era da Primeira Igreja Russa de São Paulo ainda, olhei num cartaz tava

escrito em russo e em português, mas português não entendia nada né, “Sangue de Jesus

purifica todos os nossos pecado.” Daí eu pensei: “vi tanto sangue na guerra, vi tanta coisa

ruim...e agora aqui falando de mais sangue, ah eu não gostei!” Mas daí na pregação o pastor

falou do que era esse sangue de Jesus e entendi que desse sangue eu também precisava. Daí

entendi o evangelho e a mensagem.

Quem convidou agente pra ir na Igreja foi o pai da Olga e mãe da Olga e mãe do

Wladimir Tymchak. Essa três pessoas. Eles deram pra mim um folheto, depois eu convidei

meu marido ele disse: “não vou”. Depois veio gente para trabalha, visita, pra fala do

evangelho, convidaram pra i na igreja. Depois eu falei pro meu marido: “vamo, vamo vê que

que é isso, porque nunca vimo né!” Quando chegamo lá, até hoje não saímo. Tudo morreu,

tudo saiu e nós tamo lá até hoje ainda.

Nós tinha armário com literatura, com folheto, então cada um pegava folheto e sábado

e domingo, nós tinha conosco sempre folheto, e entregava. E eu convidava gente pra i na

Igreja, fala com o pastor. Cultos nos lares era feito na casa de pessoas, de quem concordava

daí ia. Tinha uma polonesa que se converteu era idosa e ela dirigia, respeitava muito. Ela tinha

memória boa, gravava na mente bastante a Palavra. Lá agente fazia culto e era muito bom.

Daí a Igreja começou a crescer, porque tinha imigrantes que vieram depois da guerra. Depois

os poloneses relaxaram, acharam que eles poderiam sozinho e ucranianos também. Assim

pensavam, mas isso é de cada um. Mas eu como morava lá, fiquei e não fui procura outra

Igreja.

Meu marido disse: “acho que vamo muda um pouco” e eu disse: “não, vou morre

aqui!” Tem gente conhecida, conhecia a Igreja, parece que agente ta dentro de casa. Nós

construímo casa no Bairro Alto, depois fui zeladora da Igreja. Moramos oito anos lá na casa

dos fundo da Igreja. Depois compramo um terreninho, tinha casa lá no Bairro Alto, em

deixamos lá e moramos na Igreja.

Sempre tinha culto, escola dominical, tinha bastante visita, festa. Vinha Molochenco,

família de Molochenco, a cada ano tinha Convenção. Vinha gente de Ponta Grossa, na época

das férias das crianças, vinha de São Paulo, Buri...cada ano cada Igreja fazia isso.

Page 55: Batistas Eslavos em Curitiba

52

Entrevista quatro:

Meus pais vieram da Europa de navio, meu pai veio da Ucrânia e a minha mãe veio da

Bulgária. Meu pai veio sozinho, com amigos e minha mãe veio com os pais.

Na casa do meu avô tinha reunião semanal que reuniam-se para estudar a bíblia e meu pai foi

convidado para participar dessa reunião. Com o tempo se conheceram, com a minha mãe que

depois também se converteram nessa reunião, porque não tinha Igreja ainda e só

freqüentavam só essa reunião e ali eles se converteram. Depois quando meu pai queria se

batiza, na ocasião o pastor Simion Molochenco veio a Curitiba e daí fez o batismo do meu

pai no dia 04/11/1934 e nessa ocasião ficou a fundação e organização da Congregação Batista

Eslava.

A congregação começou, depois da casa do meu avô, eles pediram licença em uma das

salas da Primeira Igreja e ficaram um bom tempo lá. Depois eles passaram pra uma das salas

da Igreja Presbiteriana, na rua Comendador Araújo. De lá também passaram para uma das

salas aqui no Instituto Bíblico, que hoje é a faculdade. Depois com o tempo eles conseguiram

compra o terreno aqui, junto com uma casa, que hoje é a nossa Igreja aqui, no ano de 1946.

Até hoje nós estamos aqui. Os cultos aqui eram feitos com várias famílias, tinha algumas

famílias que vieram de São Paulo para ajudar aqui nos cultos e com o tempo elas foram

embora outra vez para São Paulo. Então ficou o número de membros reduzido e por isso que

nós só fizemos a organização da Igreja mais tarde como os moradores próprios daqui de

Curitiba no ano de 1955.

Os membros eram pessoas vindas da Europa, alguns búlgaros, outros ucranianos, tinha

alguns russos também e poloneses que vieram aqui. Eram convidado pelos membros já

crentes para que eles ouvissem a palavra de Deus e assim eles fossem se convertendo, até que

teve um número mais ou menos grande que pudéssemos organizar a Igreja. Na Igreja eles

falavam o russo, o ucraniano e o polonês. Eles procuravam entender um ao outro, as palavras

que pudessem entender e através da Bíblia também eles procuravam aprende cada vez mais e

um ensinando o outro. Assim se entendiam mais ou menos. A Igreja ficou assim bastante

tempo. Depois nós tivemos um grupo de ucranianos que achavam por bem se separarem para

conquistar as pessoas ucranianas para sua Igreja. E outro grupo de poloneses também se

separaram para conquistar os poloneses que tinham aqui em Curitiba. Os que ficaram, não

tiveram interesse de acompanhar essas igrejas que foram constituídas depois. Ficando aqui

também algumas famílias russas, ucranianas e polonesas.

Page 56: Batistas Eslavos em Curitiba

53

Nós tivemos uma família, que ela foi encontrada lá no Capão Raso e daí começamos a

fazer o culto, aos domingos, às três horas da tarde, e eles permitiram que a Igreja fosse lá.

Tinha vários cânticos em russo e ucraniano, a família era russa e a pregação também era em

russo. Quem dirigia esse culto era meu pai. Então todos os domingos era feito lá e eram

convidados também os vizinhos para que fossem assisti, a ouvir a palavra de Deus lá. Assim

foi indo e depois essas pessoas começaram a vim na Igreja também. Tivemos muitas pessoas

que vieram na Igreja e se converteram depois, mais tarde, aqui dentro da Igreja também.

Porque gostavam de ouvir a palavra de Deus na sua própria língua no Brasil.

Enquanto era a Igreja Eslava nós tínhamos as pessoas que entendiam as nossa línguas,

mas como vinham pessoas que conheciam a língua portuguesa e muitos também faleceram,

dos eslavos, os jovens casaram, foram para os Estados Unidos, famílias também voltaram

para a Rússia e ficou com menos russos aqui e mais portugueses que daí virou o nome da

Igreja Evangélica Batista da Água Verde. Como ficou um grupo pequeno de eslavos, nós

formamos uma classe de Escola Bíblica Dominical que eles estudavam na sua própria língua,

todos os domingos. Até que o grupo se desfez por motivo também que algumas pessoas

faleceram, inclusive o professor.

Entrevista cinco:

Meu pai veio para o Brasil, depois da crise lá da Europa, que eles eram russos, aliás

búlgaros. Mas quando a Rússia tomou conta da Bulgária, eles foram para Romênia. Então eles

vieram para o Brasil como romenos. A documentação deles era romena. Meu pai veio com a

família, eles eram em sete irmãos. Meu avô, minha avó os pais dele vieram direto para o porto

de Paranaguá. Depois foram trabalha numa fazenda de café em Londrina e depois foram para

o estado de São Paulo, na colônia Esperança. Lá eles se estabeleceram e foi lá que eu nasci.

Minha mãe também veio com os pais, eles se conheceram no navio que veio pro Brasil. Como

as famílias tinham o mesmo nome, mas não eram parentes, os meus avôs conversaram no

navio e se conheceram.

Agente freqüentava a Igreja Eslava quando agente tava aqui em Curitiba e quando

agente tava em São Paulo, agente freqüentava uma Igreja Batista lá que era búlgara. Porque

quando meu pai quis casa, o pai dele veio aqui pra Curitiba e pediu a mão da minha mãe em

casamento pro meu pai. Como eles já tinham se conhecido no navio, daí deu certo. Daí eles

casaram e foram mora lá. Lá então tinha uma Igreja que eles pregavam em búlgaro e agente

Page 57: Batistas Eslavos em Curitiba

54

freqüentava lá. Quando a dificuldade na roça, não tinha colheita, não tinha nada, eles vinham

aqui pra Curitiba e daí nós freqüentávamos a Igreja Eslava aqui na Água Verde.

Aqui eles falavam uma língua que agente pouco entendia. Então tinha uma classe pra

crianças, eu, meus irmãos, meus primos, que eu me lembro, nós freqüentávamos essa classe e

era uma tia minha que dava aula pra gente. Daí quando era hora do culto nós íamos pro culto.

Os homens sentavam de um lado, as mulheres sentavam de outro e as crianças ficavam com a

mãe. Agente não entendia nada, mas ficava ali do lado.

Quando nós começamos a crescer, nós éramos em nove irmãos, meu pai achou por

bem eu ir para a Primeira Igreja, porque lá agente entendia o português e eles também, então

nós acabamos ficando na Primeira Igreja. Na eslava também não podia corta o cabelo muito

curto, usa perfume...essas coisa não tinha...era mais rígido.

Meu pai continuou na Primeira Igreja com agente, porque ele nos levava na Igreja

todos os domingos de manhã e de tarde e ia conosco. A não ser que uma festa, num

casamento, daí todos nós íamos na Igreja Eslava. Mas ele também continuou freqüentando a

Primeira Igreja.

Quando nós éramos pequenos e morávamos lá no estado de São Paulo, na casa do meu

pai, nós só falávamos em búlgaro. Não sabíamos falar em português. Eu vim pra Curitiba com

uns três anos e aqui eu aprendi a fala em português. Forçado porque agente tinha que ir pra

escola. Mas depois que nós aprendemos o português nós passamos a falar português. Apesar

de que quando meu pai, minha mãe queria fala alguma coisa eles falavam em búlgaro. Mas

nós passamos a falar só em português.

Page 58: Batistas Eslavos em Curitiba

55

NOMES DAS FAMÍLIAS ENCONTRADAS NAS ATAS DA COMUNIDADE ESLAVA

DE CURITIBA:

Os nomes das famílias aqui expostos estão presentes nos livros da Primeira Igreja

Batista de Curitiba, no período de 1935 a 1958, na carta enviada a Igreja Presbiteriana

Central, na data de 23 de outubro de 1943, e nas atas da comunidade eslava, do período de

1948 a 1965.

Nome de russos: Cravsos, Dotkow, Genov (Ghenov), Krutchkov, Stoianov e Volkoff.

Nome de poloneses: Blastak, Bodnarezek (Bodnareasek), Caresk, Hanhak, Kaniak,

Klinczk (Klinczek), Koth, Misiuta, Smal, Stranad, Waculicz e Wronski (Wconski).

Nome de ucranianos: Ghuz (Huz), Howotrocki (Howotrotzki), Kondratski, Kornelhuk

(Kornelliuk, Homelhuk, Horneluck), Lis, Matuchak, Ochren (Okren), Tarasiuk, Terechtenko e

Tracz.