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Monografia Final do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal do Paraná.
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ANTONIO CESAR CAMARGO MIRANDA
BATISTAS ESLAVOS EM CURITIBA: RELIGIÃO E ETNICIDADE Monografia Final do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Sérgio Odilon Nadalin
CURITIBA 2009
AGRADECIMENTOS
É com alegria que concluo mais esta etapa. A realização de um trabalho proporciona a
abertura de novos caminhos, aquisição de conhecimentos e amizades construídas no decorrer
do período em que estive participando da vida universitária. Em primeiro lugar gostaria de
agradecer a Deus por me oferecer uma oportunidade de concretizar meus objetivos, criando
valores e perspectivas de vida que sempre me estimularam para alcançar as metas traçadas.
Agradeço também a atenção e disponibilidade das pessoas que contribuíram para que
esse simples trabalho pudesse ser realizado. Ao professor Doutor Sergio Odilon Nadalin pela
orientação nos rumos e ajustes da pesquisa. A professora Doutora Oksana O. Boruszenko por
tirar dúvidas, esclarecer muitas das questões que estavam em aberto e contribuir de maneira
direta para construção de meu conhecimento. A professora Maria Luiza Andreazza por, no
início, encaminhar e incentivar a pesquisa. Meus sinceros agradecimentos ao professor Iedo
Néspolo, por revisar e corrigir todo o texto, e ao professor e pastor Ebenézer Soares Ferreira,
pelas indicações bibliográficas.
Outro grupo de pessoas que não posso deixar de citar são aqueles que disponibilizaram
toda a documentação que tive contato e entenderam o propósito desse trabalho. Agradeço a
Lidiane Xavier Iurk Querino, Coordenadora Administrativa da Convenção Batista
Paranaense, a Doris Körber, secretária da Convenção Batista Pioneira do Sul do Brasil, a
Nelita Morais, secretária da Primeira Igreja Batista de Curitiba, a Marcia Aline Paraszczuk,
secretária da Igreja Batista Avenida dos Estados, a Rangel Ramiro Ramos, secretário da Igreja
Evangélica Batista da Água Verde e a Olga Waculicz, responsável pelas atas da comunidade
eslava.
De igual modo agradeço a todos os entrevistados que me receberam em suas casas e
disponibilizaram um tempo precioso para que, através de suas memórias familiares e suas
experiências pessoais, eu pudesse aprimorar meu conhecimento.
Por fim, mas não menos especial, minha gratidão aos meus amigos e familiares.
Principalmente a minha mãe, Lindamir, minha tia, Eliete, e minha avó, Santina, os grandes
alicerces da minha vida. Sem vocês nada disso seria possível e teria valor.
SUMÁRIO INTRODUÇÃO.....................................................................................................................1
1. Capítulo 1
1.1 A Igreja Batista.................................................................................................................3
1.2 O advento da Igreja Batista em Curitiba, história e organização....................................10
1.3 “Configurações étnicas” na Igreja: o caso das Igrejas Eslavas no Brasil........................12
2. Capítulo 2
2.1 Os “eslavos”: identificações e diferenças.......................................................................18
2.2 Imigrações eslavas para o Brasil.....................................................................................24
3. Capítulo 3
3.1 Primeira Igreja Batista Eslava de Curitiba – motivações étnicas?..................................28
CONCLUSÃO.....................................................................................................................40
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................44
ENTREVISTAS...................................................................................................................46
NOMES DAS FAMÍLIAS ENCONTRADAS NAS ATAS DA COMUNIDADE ESLAVA
DE CURITIBA.....................................................................................................................55
1
Introdução:
O interesse por uma “história da religião” surge através da curiosidade de “como”,
“quando” e os “porquês” da formação de grupos religiosos. Cada um com especificidade
diferente, próprios ritos, crenças e costumes – especialmente, a denominação batista. Essa
“Igreja” se instala no Brasil e difunde suas crenças, num primeiro momento, através de
missionários, geralmente oriundos dos Estados Unidos, sustentados financeiramente por
instituições ou Igrejas da denominação, especificamente com o objetivo de propagar sua fé.
No entanto, o desenvolvimento desses trabalhos não é restrito apenas à atuação desses
indivíduos, como geralmente se pensa, pois através de movimentos imigratórios, há pessoas
que transportam consigo suas crenças, dando início a suas formas de culto e expandem sua fé.
Nesse sentido, desde fins do século XIX observam-se grupos de batistas vindos da Europa que
se instalam no Brasil. Ao estabelecerem colônias, muitos desses indivíduos iniciam uma ação
missionária própria, ou solicitam a presença de obreiros de seus países, alemães, suecos,
húngaros, letos, estonianos e os “eslavos”, para que o trabalho possa se alargar em diversos
pontos do território brasileiro.
O nosso primeiro contato com o grupo batista eslavo em Curitiba ocorreu através de
uma foto existente na Convenção Batista Paranaense, em cuja fachada aparecia escrito
“Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba”. Indagamos “como” era possível a
existência de um grupo batista “eslavo” em Curitiba, pois não conhecíamos um grupo desse
gênero. Através de contatos com membros da Igreja Evangélica Batista da Água Verde
tivemos acesso à documentação da comunidade, iniciando a nossa pesquisa sobre um grupo
religioso específico. A falta de trabalhos acadêmicos que tratam da questão de grupos batistas
eslavos no Brasil, congregando pessoas de diferentes etnias, ao mesmo tempo, em uma
comunidade de fé, instigaram ainda mais a pesquisa. Há apenas apontamentos sobre o
surgimento de grupos batistas eslavos no Brasil e a organização de Igrejas formadas por
russos, poloneses, ucranianos e outros. Assim, há a possibilidade de, através de estudos da
imigração, observar a formação de grupos religiosos, estudando a maneira como acontecem
suas atuações em lugares diferentes de sua origem e “como” desenvolveram seus trabalhos
eclesiásticos.
Nesse caso específico, a formação de um grupo religioso denominado “eslavo”, em que
várias etnias apresentando diferenças significativas, reúnem- se em torno de uma profissão de
fé comum, relativamente estranha às suas culturas originais: poloneses são de uma tradição
2
católica de rito latino, russos e ucranianos pertencem ao catolicismo ortodoxo e parte dos
ucranianos acabaram tornando-se católicos uniatas.
Somadas às questões religiosas, os eslavos ainda reúnem grupos com diferenças
históricas, lingüísticas e culturais bastante significativas. Através dessas questões houve a
busca dos elementos que proporcionaram a congregação destas diferentes etnias em um
mesmo espaço, abrangendo ou não todas suas especificidades. Num primeiro momento,
criaram perante os brasileiros, uma identidade de “eslavos”, por cantarem e fazerem suas
leituras bíblicas e expressarem-se em idiomas próprios. Como as línguas de origem “eslava”
são parecidas entre si, foi possível a conversação e emprego do próprio idioma de cada etnia
em seus trabalhos religiosos. Assim todos conversavam utilizando as línguas russa, ucraniana
e polonesa, deixando o português de lado. Posteriormente, algumas pessoas não se
identificando mais como “eslavos”, reivindicaram uma organização em separado, para que
cada trabalho pudesse respeitar tradições e idiomas próprios de cada etnia. A comunidade deu
prosseguimento a seus trabalhos até o momento em que a Primeira Igreja Evangélica Batista
Eslava de Curitiba muda seu nome para Igreja Evangélica Batista da Água Verde. Essa
mudança de nome traduz uma transformação importante no “regimento” da Igreja. Os
trabalhos deixam de ser destinados somente a “eslavos” e é disponibilizada “assistência
espiritual” aos brasileiros.
O primeiro capítulo visa a abordar o advento da Igreja Batista no mundo, no Brasil,
em Curitiba e o caso de Igrejas Eslavas no Brasil. Os “eslavos” e suas divergências histórico-
culturais serão estudados no segundo capítulo, quando se deverão traçar algumas
características dessas diferenças. Por fim, o terceiro capítulo trata da comunidade “eslava” em
si, desde sua formação, objetivando “como” foi possível congregar diversas etnias “eslavas”
em um mesmo espaço religioso, até o momento em que, em sua substituição, organiza-se a
Igreja Evangélica Batista da Água Verde, em 1978.
3
1.1 A Igreja Batista.
O início da história batista é muito incerto. Há três versões que tentam apontar para o
possível surgimento dessa denominação religiosa.
A primeira delas, defendida por alguns historiadores batistas1, é conhecida como
“Teoria do Rastro de Sangue” ou “Teoria do JJJ- Jerusalém-Jordão-João”. Os historiadores
que seguem esta hipótese veem uma “descendência histórica” partindo de uma linhagem
ininterrupta desde os tempos bíblicos, quando João Batista efetuava batismos no rio Jordão.
Assim, essa denominação é vista como uma filiação proveniente de uma época anterior a
Cristo e que foi se desenvolvendo ao longo dos séculos com vários nomes diferentes2 e
chegou até nós com o nome “batistas”3.
A segunda proposição correlaciona essa denominação a um parentesco com os
anabatistas do século XVI4. Levando em conta essa ligação, alguns historiadores sugerem que
grupos na Idade Média5 já praticavam preceitos, como o batismo por imersão, uma crença
contrária à veneração de imagens de santos e a transubstanciação na eucaristia, que depois
foram utilizados pelos anabatistas. Outros autores, porém, veem o nascimento dos anabatistas
em Zurique, na Suíça, paralelamente à Reforma praticada por Ulrico Zuínglio6. Um grupo de
pessoas teria estudado a Bíblia e identificado que o batismo infantil era um erro e só pessoas
em condições de professarem sua fé e regeneradas deveriam ser batizadas. Depois de
ocorridos alguns batismos na cidade, as autoridades locais decretaram que os pais deveriam
batizar seus filhos ainda sob pena de desterro e que rebatismos teriam pena de afogamento7.
Com o não cumprimento da lei, um dos líderes do movimento foi condenado à morte e
afogado no rio que corta a cidade8. Os demais líderes foram perseguidos e dispersos pelas
autoridades de Zurique. Para unificação e consolidação dos pontos que eram pregados por
1 LIMA, Jaime Augusto, História dos Batistas Regulares no Brasil. São Paulo: Editora Batista Regular, 1997. p. 15. 2 PEREIRA, José Reis. História dos Batistas no Brasil. Rio de Janeiro: JUERP; 2001. p. 19-47. 3 KEIDANN, D. M. Uma Introdução à história dos batistas no Rio Grande do Sul numa perspectiva transcultural. Minas Gerais: IEPG; 1996. p. 24-25. 4 Os anabatistas, cujo nome significa rebatizadores, surgiram e foram assim denominados durante a Reforma e considerados radicais por seus opositores. Defendiam a autoridade da Bíblia, discordando em alguns aspectos dos reformadores do século XVI, principalmente sendo contrários ao batismo infantil e a conseqüente entrada automática à Igreja. Defendiam a idéia de uma Igreja formada apenas por pessoas regeneradas, crendo que o batismo deveria ser ministrado somente a adultos que cressem em Cristo e tivessem vontade de ingressar em uma Igreja. Podem ser identificados durante esse período em vários locais da Europa e em alguns aspectos doutrinários podem estar ligados às primeiras Igrejas Batistas, chamadas de Gerais no início do século XVII. (Ibid., p. 28-31) 5 Valdenses, Lolardos, Petrobrusianos, henriquianos e outros. (PEREIRA, op. cit., p. 34-36) 6 Ibid., p. 44. 7 KEIDANN, op. cit., p. 30.
4
esses anabatistas, tornou-se de extrema importância a criação de uma declaração de fé que
compilasse todas as doutrinas seguidas por eles. Aqueles que escaparam à perseguição
elaboraram um documento, entre a cidade de Zurique e Schaffhausen na Suíça, que ficou
conhecido como “Confissão de Fé de Schleitheim”, nome da cidade onde se reuniram e
redigiram sua declaração. Após longo tempo de perseguição e com suas doutrinas já
estabilizadas, vários grupos de anabatistas migraram para áreas de maior tolerância religiosa
na Europa. Alguns soberanos acabaram aceitando a vinda desses imigrantes para povoar
territórios escassamente habitados e os anabatistas se dirigiram para regiões do Palatinado,
Alsácia, Morávia9, Itália, Alemanha, Inglaterra e Holanda10. Nos Países Baixos, foram bem
recebidos, pois já havia uma rejeição a doutrinas católicas empregadas, sendo de maior
facilidade aderirem à nova religião. Antes da chegada desses grupos à região, houve alguns
desastres naturais, como o rompimento de diques, que causou perdas totais das colheitas, e
problemas políticos, como embargos comerciais que causaram inflação, fome e desemprego,
que resultaram num sentimento apocalíptico entre as massas, catalisando a expansão do
anabatismo na região11.
Os anabatistas embora formassem um movimento religioso pacífico, com discursos
proféticos e apocalípticos numa época de desagregação social, agitaram alguns grupos que se
tornaram revolucionários. O caso mais conhecido é o de Thomas Müntzer, que pregava uma
idéia milenarista de que o reino de Deus deveria ser estabelecido o mais breve possível e se
necessária a violência deveria ser empregada. Após várias perturbações e ataques a igrejas e
mosteiros entre o noroeste da Alemanha e diversas províncias dos Países Baixos, Müntzer e
seus seguidores tomaram a cidade de Münster na Alemanha tentando estabelecer suas crenças
à força. Em resposta a cidade foi sitiada e tomada por tropas do príncipe-arcebispo da cidade
auxiliado pelo exército imperial alemão12. Os anabatistas foram mortos e a fama de sua
violência, decorrente do terror causado por Müntzer, foi espalhada pela Europa. Por outro
lado, os anabatistas pacíficos pregavam um isolamento do mundo e o estabelecimento de
colônias próprias, onde o reino de Deus seria empregado pela desistência de padrões
mundanos e obediência somente às Escrituras. Com a derrota de Thomas Müntzer e sua
popularidade, vários grupos pacíficos foram perseguidos e mais uma vez dispersos.
Posteriormente, reagruparam-se sob a liderança de Menno Simons e deram origem aos
8 PEREIRA, op. cit., p. 45-47. 9 MASKE, Wilson. Os menonitas e a Construção do Novo Reino. HISTÓRIA: QUESTÕES E DEBATES, Curitiba, n. 28, 77-105 , 1998. p. 91. 10 PEREIRA, op. cit., p. 43. 11 MASKE, op. cit., p. 87.
5
menonitas13. Estes grupos acabaram por isolar-se em comunidades fechadas, tendo direito a
terra e à liberdade de religião. A Morávia, Palatinado, Galícia, Volínia, Dantzig, Prússia
Ocidental e Oriental foram alguns dos locais onde esses grupos se estabeleceram.
A terceira hipótese defende que a origem dos batistas estaria relacionada aos
separatistas ingleses14 do início do século XVII. Esses grupos ansiavam por estabelecer Igrejas
com modelo baseado no Novo Testamento, segundo suas interpretações e alegavam que para
a admissão de membros em uma Igreja o batismo deveria ser feito após profissão de fé. Como
o costume era o batismo infantil, verificaram que deveriam batizar-se novamente caso
almejassem formar uma Igreja fundamentada em princípios neotestamentários. A perseguição
a grupos como esse se tornou mais intensa na Inglaterra e o desejo por uma igreja
independente do estado se tornava crescente. Assim migraram para a Holanda e fundaram
uma Igreja Batista em Amsterdã mas após dissidência desse grupo, ex-membros voltaram
para a Inglaterra e fundaram uma Igreja Batista nos arredores de Londres15.
Ainda no século XVII, derivam dos separatistas ingleses duas denominações: os
“Batistas Gerais” e os “Batistas Particulares”. Os primeiros são assim designados por
acreditarem que a morte de Cristo poderia se aplicar a todos e em suas doutrinas limitavam a
autonomia das igrejas locais que eram ligadas a associações. Este aspecto limitou a atuação
das igrejas individualmente, centralizando e retardando o crescimento destas, que aos poucos
foram enfraquecidas. Os “Batistas Particulares” acreditavam na doutrina da eleição, em que a
salvação em Cristo era apenas destinada a algumas pessoas, e zelavam pela independência de
cada igreja local, relegando às associações apenas funções extras. Alguns grupos aos poucos
foram deixando de lado o princípio da eleição, proporcionando a propagação da fé dos
batistas a um número maior de pessoas e, como conseqüência, floresceram Igrejas Batistas em
toda Inglaterra16.
Com relação às perseguições feitas no século XVII, outro movimento migratório pode
ser observado nesse período. Alguns separatistas ao invés de irem para o continente europeu,
preferiram a América do Norte e estabeleceram colônias em que todas as pessoas professavam
a mesma crença. Porém, do mesmo modo, houve no Novo Mundo uma série de reclamações
12 Ibid., p. 88. 13 Ibid., p. 89-103. 14 Com o surgimento de várias seitas protestantes na Inglaterra no século XVII, os separatistas ingleses diferenciavam-se dos demais movimentos religiosos por serem congregacionais em sua eclesiologia, insistindo no batismo somente à pessoas regeneradas pelo Espírito Santo. Este movimento tinha como origem o puritanismo inglês e defendia mudanças mais profundas dentro da Igreja, insistindo que as reformas feitas no século XVI na Inglaterra não foram completas. (PEREIRA, op. cit., p. 14) 15 Ibid., p. 49-51. 16 KEIDANN, op. cit., p. 34-36.
6
que envolviam a união entre Estado e Igreja. O pastor Roger Williams demonstrava sua
desaprovação ao sistema em que as colônias viviam, em comunidades atreladas ao poder do
governo. Após acusação e conseqüente punição retirou-se da igreja em que estava e unindo-se
a outros dissidentes chegou ao pleno entendimento de que Igreja e Estado deveriam ser
dissociados. Além disso, estudou a Bíblia e concluiu que o batismo infantil não era válido e
que Cristo havia instituído o batismo a pessoas adultas e conscientes de tal ato. Desse modo o
grupo todo se batizou novamente e organizou a Primeira Igreja Batista em solo norte-
americano, na localidade de Providence, no estado de Rhode Island17. Após o
estabelecimento dessa comunidade surgem outros grupos ou pessoas que migraram para a
América do Norte e em contato com batistas ou ainda ao examinarem a Bíblia, aderiram às
idéias que eram pregadas por essa denominação e acabaram fundando igrejas espalhadas por
diversas colônias ao longo do território da Nova Inglaterra18. Um exemplo que ilustra esta
questão é o grupo ligado a John Clarke. Perseguidos por convicções religiosas na Inglaterra,
fugiram para a América do Norte, porém não se adaptaram ao sistema das colônias
americanas que também sufocava sua liberdade religiosa. Clarke, assim que chegou à
América, teria entrado em contato com um grupo de batistas. Comprou um território de índios
locais, a qual chamou de Rhode Island, onde fundou uma colônia e igreja próprias. Essa
comunidade reivindica para si o fato de serem a Primeira Igreja Batista em território
americano. Porém não há evidencias que provem que a Igreja por ele fundada nessa
localidade fosse batista. Os documentos existentes informam haver uma Igreja Batista em
Newport, em Rhode Island, em 1648, cerca de dez anos após a fundação da Igreja de
Providence19.
As três explicações para o surgimento dos batistas têm um fundamento em comum:
todos os batistas creem na Bíblia como livro que contém suas principais regras de fé e prática,
na separação entre Igreja e o Estado e no batismo por submersão, ministrado somente àqueles
que creram em Cristo e no Evangelho. Ou seja, o batismo por aspersão e o infantil não são
considerados bíblicos e nesses casos há a necessidade do “rebatismo” por imersão. Essa
última característica, que forneceu o nome de “batistas” a essa denominação, daria
oportunidade ao indivíduo de fazer parte de uma Igreja formada apenas por pessoas
regeneradas por Cristo e que fossem conscientes do ato batismal a que estavam se
submetendo. Tendo em vista a falta da liberdade religiosa e as perseguições que decorreram
17 PEREIRA, op. cit., p. 53-54. 18 Ibid., p. 55-56. 19 Ibid., p. 55.
7
delas na Europa, no século XVII, essa denominação é a favor da separação entre Igreja e
Estado e prega a liberdade de culto e consciência a todas as pessoas. Assim sendo, outra
característica dos batistas é a autonomia e soberania da Igreja local frente à outra instituição
eclesiástica ou governamental. Toda Igreja Batista tem artigos de fé e estatutos de regimento
interno próprios e está sujeita a decisões tomadas em conjunto e democraticamente por seus
membros, não estando subordinada a nenhuma outra entidade. Um pequeno grupo de
indivíduos, a partir de duas ou três pessoas, que observam e ao praticar todos esses
ensinamentos da denominação, pode dar início a uma Igreja Batista.
É através das formações de associações, convenções ou as chamadas “Juntas” que os
batistas cooperam entre si e estabelecem interdependência. A criação de tais instituições por
parte das igrejas, serve para exercer as mais variadas atividades como educação, saúde,
missionarismo e caridade. Deste modo, há maior facilidade para as igrejas bancarem suas
obras visando à expansão da denominação. Essas associações são uma cooperação voluntária
de cada Igreja, sendo mantidas, fiscalizadas e formadas pelos membros daquelas que se
prontificaram a este convênio20.
Uma comunidade batista pode surgir através da implantação de uma congregação
diretamente vinculada a uma “igreja mãe”, que lhe concede “assistência espiritual” através de
um pastor ou outro responsável que possa presidir suas atividades eclesiásticas. Ao mesmo
tempo, disponibiliza-lhe recursos financeiros para despesas necessárias como compra ou
aluguel de propriedade, materiais para os cultos e demais despesas.
Muitas vezes há o desejo por parte de alguns indivíduos, pertencentes a uma Igreja já
constituída, de reunirem-se em outro local. Por morarem em municípios, regiões ou bairros
muito afastados da comunidade à qual pertencem, necessitam de um local mais próximo, onde
eles possam desenvolver suas atividades religiosas. Geralmente, num primeiro momento, os
cultos começam a ser feitos nos lares desses indivíduos, trazendo a população vizinha para
apresentação do evangelho. Ao desenvolver-se essa atividade, procura-se um local mais
espaçoso para que possa melhor comportar aqueles que desejam freqüentar as reuniões. Outra
forma comum para a formação de uma congregação são os pontos de pregação nos bairros:
uma localidade, uma praça, ou uma rua, onde rotineiramente, uma vez por semana, ou
mensalmente, acontece um trabalho de propagação do evangelho, com distribuição de
panfletos, pregações e apresentações musicais.
A congregação pode organizar-se em igreja a partir do momento em que consiga
manter-se fisicamente, sustentando todos os seus gastos financeiros, e “espiritualmente”,
8
tendo pastor próprio ou algum outro responsável que fique à frente de suas atividades
eclesiásticas. Constitui-se, portanto, igreja ao preencher essas condições e os indivíduos
demonstrem vontade para que possa efetivar-se a organização. Na medida em que estejam
sujeitos à doutrina batista, seus artigos de fé, os ensinos bíblicos que seguem, sua
responsabilidade para com a denominação batista e os estatutos da Igreja que expostos não
devem contrariar a crença doutrinária da denominação, surge uma nova comunidade batista.
O missionarismo batista pode ser observado desde a sua formação como Igreja. O
primeiro ponto a ser destacado na doutrina batista para com pessoas de fora da Igreja é
justamente “o pregar o evangelho”21. Partindo da interpretação do Novo Testamento e os
ensinamentos de Cristo, essa deve ser a principal tarefa das pessoas que se congregam em
uma comunidade batista. Ao relacionar-se com pessoas que ainda não foram regeneradas22, o
crente deve prontificar-se a lhe apresentar o sacrifício de Cristo. Este trabalho pode ser feito
de várias maneiras. Uma delas é a formulação e distribuição de literatura, evangelismos em
locais públicos e convites a eventos especiais onde a Igreja se reúne.
O movimento de enviar pessoas específicas para outras localidades com o intuito de
propagar o evangelho em várias partes do mundo surgiu ainda em fins do século XVIII. Após
a influência de John Wesley e um movimento que despertou igrejas na Inglaterra, algumas
denominações iniciaram um trabalho visando à expansão de suas crenças. Dentre elas, os
batistas enviaram William Carey e John Thomas em 1793 para a Índia, dando início as
Missões Protestantes Modernas23. Após estes primeiros missionários, fez-se necessária a
criação de Convenções e Juntas Missionárias que reunissem as igrejas no intuito de angariar
fundos para manter esses trabalhos. Tais instituições proporcionaram a manutenção de vários
missionários espalhados por múltiplos territórios24 e fez com que o missionarismo batista
fosse ampliado durante o século XIX, chegando inclusive ao Brasil.
Uma das Juntas Missionárias de maior expressão foi a Junta de Richmond, criada no
ano de 1845, ligada à Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos. Seu objetivo era enviar e
sustentar missionários e trabalhos de introdução do evangelho em locais onde ainda não havia
pessoas que conhecessem ou tivessem algum tipo de contato real e mais profundo com os
ensinamentos evangélicos. No entender desta instituição, o Brasil era um país que se
20 KEIDANN, op. cit., p. 50. 21 PORTER, op. cit., p. 23-24. 22 Os indivíduos só são considerados regenerados na medida em que são vistos com padrões de comportamento que se aproximem àqueles que estejam conforme as doutrinas ensinadas pelo Novo Testamento. A partir disso, a prova principal dessa condição é a restauração feita após o batismo por imersão. 23 PEREIRA, op. cit., p. 52. 24 Pontos da África, América e Ásia, com crescente demanda ao enviar pessoas para a China. (Ibid., p. 57-58)
9
encaixava nessa condição, pois o catolicismo era julgado como idólatra e apegado ao culto a
Maria e aos santos. Nessas circunstâncias, apesar do Brasil ser considerado, num âmbito
geral, uma nação cristã, fazia-se muito necessária a introdução de um evangelho puro e a
conversão de todos os católicos, não só brasileiros, mas de todo o mundo25.
Nessa perspectiva de pregar a palavra de Deus aos brasileiros, o primeiro missionário
enviado pela instituição, em 1860, foi Thomas Jefferson Bowen. O evangelista não teve
sucesso em sua missão. Um motivo foi sua saúde que já se encontrava muito debilitada,
agravada com o clima da cidade do Rio de Janeiro, o risco de contrair febre amarela e o alto
custo de vida que lhe dificultava o sustento. Além disso não tinha um planejamento que lhe
norteasse o trabalho, ficando perdido em seus deveres e obrigações. Bowen era conhecedor de
alguns dialetos africanos, pois havia sido missionário na África antes de vir ao Brasil, e
começou a relacionar-se com escravos que encontrava, sendo preso em virtude dessa
atividade. Todos esses motivos fizeram com que ele regressasse para os Estados Unidos. Após
a vinda desse missionário, outros grupos de batistas a chegarem ao Brasil teriam sido
imigrantes oriundos do sul dos Estados Unidos, em decorrência da Guerra de Secessão, e que
se estabeleceram em Santa Bárbara, na província de São Paulo. Na colônia que se organizou,
foram criadas algumas igrejas no ano de 1871, sendo uma batista. Assim, a primeira Igreja
dessa denominação fundada no Brasil tinha a intenção de atender apenas os imigrantes, sendo
seus cultos realizados na língua inglesa26. É possível observar que esta comunidade também
se preocupa em apresentar suas crenças aos brasileiros e faz algumas solicitações a Junta de
Richmond para que se enviem missionários para evangelizar os brasileiros27.
Um dos responsáveis pela introdução de trabalhos batistas no Brasil foi Alexander
Travis Hawthorne que, após a Guerra de Secessão, dirigiu-se para o estado da Bahia pensando
em estabelecer uma colônia de imigrantes. Não sendo possível esse seu desejo retornou ao
país de origem e tornou-se um grande incentivador do envio de missionários para o Brasil. Os
primeiros missionários apoiados por Hawthorne foi o casal Bagby28 que chegou à cidade do
Rio de Janeiro no ano de 1881, e dirigiu-se a Santa Bárbara para contato com os batistas lá
situados. Como a intenção era aprender a língua portuguesa, mudaram-se para cidade de
Campinas onde havia um colégio presbiteriano que lhes proporcionou melhor estudo29. Em
seu contato com os imigrantes norte-americanos, conheceram um ex-padre católico, Antônio
25 Ibid., p. 67-68. 26 Ibid., p. 69. 27 KEIDANN, op. cit., p. 69. 28 Ibid., p. 70. 29 PEREIRA, op. cit., p. 73-76.
10
Teixeira de Albuquerque. Este, ao estudar a Bíblia durante e após fazer seminário em
Pernambuco, criou convicções que estavam fora dos ensinamentos católicos. Resolveu então
largar o sacerdócio e, mais uma vez estudando os mandamentos do Novo Testamento,
começou a acreditar que o batismo deveria ser ministrado por imersão. Tendo o conhecimento
que havia batistas em Santa Bárbara dirigiu-se para a colônia e solicitou o batismo. Como
possuía vasto conhecimento bíblico foi ordenado ao ministério batista30. Para compor o grupo
de missionários pioneiros aparece Zachary Clay Taylor, que tinha intenções de vir para o
Brasil antes mesmo da vinda do casal Bagby. Taylor havia se impressionado com o livro “O
Brasil e os Brasileiros” de Kidder e Fletcher, pregadores metodistas que estiveram no país no
período regencial. Terminou os estudos e foi consagrado ao ministério batista. Encorajado,
assim como os outros missionários, por Hawthorne embarcou com sua esposa em 1882,
juntando-se aos missionários citados acima. Essas pessoas são as responsáveis pela fundação
da Primeira Igreja Batista propriamente brasileira, figurando entre seus membros não só os
missionários norte-americanos, mas também um brasileiro. O local escolhido por eles foi a
cidade de Salvador, uma cidade populosa e centro de religião onde se situava o arcebispo
primaz do país, considerada desprovida de trabalho missionário de qualquer denominação. Na
medida em que a Igreja cresceu e se desenvolveu, os missionários resolveram expandir o
trabalho em outras regiões. Em 1884 os Bagby dirigiram-se para o Rio de Janeiro e, junto
com outros imigrantes e brasileiros que se converteram à mensagem apresentada pelos
evangelistas, fundaram a Segunda Igreja Batista em solo brasileiro. A partir daí, com a
chegada de outros missionários31 e a conseqüente propagação do evangelho, várias
comunidades batistas foram sendo criadas por todo país32.
1.2 O advento da Igreja Batista em Curitiba, história e organização.
A chegada dos batistas a Curitiba está vinculada à iniciação dos trabalhos dessa
denominação no litoral paranaense. Uma caravana de evangelistas congregacionais partiu da
cidade de Santos, em 1902, visando a estabelecer um trabalho de pregação do evangelho no
Rio Grande do Sul. Ao chegarem a Curitiba, o grupo separou-se. Ao que tudo indica a
literatura que distribuíam teria terminado e por isso enquanto um grupo avançava, o outro
retornaria a Santos para munir-se de mais material. Samuel Pires de Mello, que se convertera
30 Ibid., p. 77-78. 31 Ibid., p. 97-103. 32 Ibid., p. 85-90.
11
havia pouco33, foi o encarregado de voltar. Após sua estada em Curitiba foi a Paranaguá, onde
alugou uma sala e começou a fazer reuniões e pregar o evangelho. Em seguida dirigiu-se a
Santos e retornou dois meses mais tarde à cidade paranaense, trazendo consigo sua família34.
Ao estabelecer-se em solo parnanguara, continuou propagando sua fé em Cristo e em 1903,
após executar os primeiros batismos, criou a “Igreja Cristã”. A princípio esta Igreja não era
batista e não estava ligada a nenhuma denominação religiosa. A comunidade era dirigida
apenas por Mello, que enviava relatórios anuais ao grupo a que estava ligado em São Paulo,
pois não perdera o vínculo inicial com seus mentores na fé35.
O trabalho do missionário expandiu-se ao longo no tempo, não só em Paranaguá, mas
também em demais localidades do litoral paranaense chegando inclusive a serem realizadas
duas reuniões na cidade de Curitiba. Outros líderes se integraram na propagação do evangelho
pela região, fazendo com que mais pessoas pudessem ter contato com a obra que estava sendo
feita. No ano de 1908, com os recursos financeiros escassos e saúde debilitada, Mello optou
por passar seu trabalho a alguém que pudesse dar continuidade. Diante da recusa por parte do
grupo que o apoiava em São Paulo e como sua “Igreja Cristã” não estava filiada a qualquer
denominação, voltou-se para os batistas pedindo ajuda36. Após um exame da Missão
Paulistana para averiguar se a Igreja de Mello estava de acordo com as doutrinas do Novo
Testamento e se nenhuma de suas práticas comprometia as doutrinas batistas, a comunidade
passou ao vínculo da denominação. Em 1910, a Igreja foi considerada como batista, sendo
incluída no rol de Igrejas que compunham a Convenção Batista Brasileira37. Deste modo,
iniciou-se o trabalho batista no estado do Paraná: uma comunidade religiosa já estabelecida e
sem qualquer ligação denominacional, acaba por passar ao campo de trabalho dos batistas.
A denominação começou a fazer vários investimentos financeiros no trabalho que fora
desenvolvido, como aquisição para um novo templo, e o envio de missionários para
continuidade na evangelização do litoral. Um destes evangelistas, Manoel Virgínio de Souza,
que chegou a Paranaguá em 1912 para auxílio na obra, transferiu- se no mesmo ano para
Curitiba com intuito de organizar uma nova frente de atuação38. No ano de 1914, outro
33 CAVALLARI, Nivaldo. Centenário de Fé: História da Primeira Igreja Batista de Paranaguá. Paraná: Edição A. D. Santos Editora, 2003. p. 19-22. 34 Ibid., p. 23. 35 Ibid., p. 33. 36 Ibid., p. 50-55. 37 A primeira Convenção Batista Brasileira foi criada no ano de 1907, reunindo pastores e missionários de todo o país. O objetivo proposto era aumentar ainda mais o trabalho batista, não só no Brasil, mas também enviando missionários para Chile e Portugal, locais onde havia necessidade e oportunidade de pregar o evangelho. (PEREIRA, op. cit., p. 141-156) 38 CAVALLARI, op. cit., p. 63.
12
missionário, Robert Pettigrew, que também estava no litoral apoiando a comunidade batista,
se transfere para a capital paranaense com a intenção de criar um colégio batista na cidade39.
Manoel Virgínio de Souza fazia reuniões para pregar o evangelho em sua própria casa
e com a vinda de Pettigrew de Paranaguá, organizou-se a Primeira Igreja Batista de Curitiba
constituída por nove membros. Com o crescimento da comunidade fez-se necessária a compra
de uma sede própria e, com o auxílio de outro obreiro recém chegado de São Paulo, Arthur
Beriah Deter, foi possível a aquisição de um terreno na rua Visconde de Guarapuava, esquina
com a rua Desembargador Westphalen. A Igreja, então com cerca de 115 membros, terminou
a construção e inaugurou seu templo em 192440. Em seguida a comunidade continuou
crescendo com a visão de prosseguir espalhando o evangelho por toda a cidade, criando
congregações que virariam Igrejas constituídas.
1.3 “Configurações étnicas” na Igreja: o caso das Igrejas Eslavas no Brasil.
A história dos batistas eslavos está estritamente ligada aos batistas letos, vindos entre o
fim do século XIX e início do século XX. Eles se instalaram no sul do país onde organizaram
duas igrejas batistas: a Primeira Igreja Batista Leta foi fundada em Rio Novo, Santa Catarina,
em 1892 e a segunda, a Igreja Batista Leta de Ijuí, no Rio Grande do Sul, foi organizada em
189541. Os batistas na Letônia emigraram porque estavam sofrendo perseguições por meio de
leis, proibições, prisões e até mesmo o exílio, por parte de autoridades políticas e
eclesiásticas, que limitavam a atuação de pastores e líderes das comunidades. Somando-se a
essa série de restrições à sua liberdade de culto e fé, as camadas populares da Letônia tinham
o anseio crescente de cultivarem terras próprias, pois estariam submissas a “senhores de terras
germânicos”42. A busca pela terra e melhores condições materiais proporcionaram o advento
da emigração de letos para outros locais, dentre eles o Brasil43.
O segundo grande movimento imigratório de batistas letos para o Brasil acontece nos
anos de 1922/1923. Após o estabelecimento dos primeiros letos em suas colônias no sul do
país, os que aqui estavam mandavam cartas para seus parentes e amigos que haviam ficado na
Letônia, fazendo propaganda da nova terra e as condições favoráveis em que estavam
39 Ibid., p. 68. 40 SOUZA, Sóstenes Borges de. Enciclopédia Batista Brasileira. Salvador: Artios, 1996. p. 77. 41 KEIDANN, op. cit., p. 168-169. 42 RONIS, Osvaldo. Uma Epopéia da Fé: História dos Batistas Letos no Brasil. Casa Publicadora Batista. Rio de Janeiro, 1974. p. 84.
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vivendo. A inquietação política vivida antes da Primeira Guerra Mundial fazia “os que lá
estavam” refletirem melhor na possibilidade de procurar outro local como refúgio. Os
sofrimentos causados pela guerra e a inquietação vivida nos anos que se sucederam a ela
aguçaram a vontade de emigrar. Aliado a esses sentimentos, houve entre os batistas um
“despertamento espiritual” que apontava para a fuga “das forças do mal, materialistas e
ateístas” que dominariam o país44. O avanço comunista sobre o leste europeu, fez estas
comunidades religiosas atentarem para a saída do país o mais rápido possível, tendo uma
visão profética e apocalíptica do que aconteceria com aqueles que continuassem sob jugo dos
invasores. Superadas as burocracias com o governo brasileiro45, em 1922 começaram a
embarcar pequenos grupos de batistas letos para o Brasil. O primeiro grupo desses imigrantes,
eram famílias mais abastadas que traziam recursos financeiros para aquisição de terras onde
instalariam uma grande colônia. Assim criaram a Colônia de Varpa, em São Paulo, que tinha
por objetivo abrigar os demais colonos provenientes da Letônia46.
Paralelamente, em condições muito semelhantes a esses batistas letos, um outro grupo
da mesma denominação que vivia na Ucrânia tinha o anseio de embarcar para o Brasil. Um
dos membros da Colônia de Varpa havia deixado uma filha, casada com um russo, na
U.R.S.S. Ela sempre lhe escrevia colocando as dificuldades materiais e “espirituais” em que
se encontravam todos os que viviam na Rússia comunista. Outras pessoas da mesma região
também se queixavam das condições em que estavam e os líderes dessa Colônia
disponibilizaram dois pastores para irem à Europa auxiliar e trazer cerca de 50 famílias para o
Brasil. Divididas em dois grupos, vieram da Ucrânia, não só ucranianos, mas também batistas
russos e letos, que aproveitaram a ocasião para emigrarem juntos, para se fixarem nas
proximidades da Colônia de Varpa47. Ambos os grupos chegaram ao Brasil em 192648. Um
desses novos colonos que estava entre esses batistas era o pastor Simeon Molochenco, que
alguns dias após sua chegada não continuou no interior de São Paulo e dirigiu-se a capital do
estado. Estabeleceu contato com os missionários norte-americanos que lá estavam, entre eles
o casal Bagby que já havia fundado o Colégio Batista Brasileiro com intuito de evangelizar os
brasileiros através da educação. O casal de missionários disponibilizou as instalações do
43 Ibid., p. 79-86. 44 Ibid., p. 191-208. 45 O governo brasileiro preocupava-se com imigrantes vindos dessa região da Europa, pois poderiam vir com estes, o perigo da infiltração do esquerdismo bolchevista no país, além de que outros letos que estavam no Estado de São Paulo que se negavam a trabalhar nas fazendas em época de colheita. (Ibid., p. 210) 46 Ibid., p. 217. 47 Ibid., p. 317-319. 48 PEREIRA, op. cit., p. 244-245.
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colégio para os trabalhos realizados pelo pastor Molochenco. Deste modo, em 1926, fundou a
Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo.
Passados alguns meses outros colonos batistas que trabalhavam no interior foram a São
Paulo e integraram-se a essa nova comunidade. O objetivo de Molochenco era, assim como
os demais batistas que aqui se encontravam, propagar o evangelho, principalmente entre os
eslavos. Com sua visão missionária teve influência em trabalhos no interior de São Paulo e no
estado do Paraná. No entanto, para aqueles que optaram por permanecer no interior do estado,
os batistas letos que lá estavam criaram congregações para lhes fornecer “assistência
espiritual”. Uma das congregações foi dirigida pelo pastor leto Karlis Grigorowitsch, que
ficou como responsável pela celebração da Ceia do Senhor e ministrando batismos49.
Os membros da Igreja Batista Leta entenderam que deveriam apresentar o evangelho a
todos os eslavos que chegavam ao interior do estado de São Paulo, pois os missionários
brasileiros não podiam fazê-lo pelo fato de não conseguir comunicar-se com estes imigrantes
do leste europeu. Os letos, por falarem e entenderem melhor as línguas eslavas, sobretudo o
russo, teriam maior facilidade em praticar o missionarismo dentre os eslavos, pois entendiam
melhor seu idioma. Enquanto isso os mais jovens já conseguiam falar o português, o que
proporcionou tanto o evangelismo de brasileiros, como dos imigrantes vindos de outras partes
da Europa50. Assim, na década de 1920, há dois segmentos de atuação batista entre os eslavos;
de um lado, o pastor Simeon Molochenco desenvolvendo evangelização com povos eslavos
em várias partes de São Paulo e Paraná e, por outro, os letos, atingindo desde eslavos até os
brasileiros no interior do estado de São Paulo51.
Das três hipóteses levantadas para o surgimento dos batistas, a que melhor condiz com
a origem dessa denominação é a versão que trata dos separatistas ingleses do século XVII. A
“reforma puritana” praticada na Inglaterra desse período provocou transformações na política
e na religião, possíveis de distinguir através de documentos referentes não só ao o
aparecimento dos batistas, mas também de outros movimentos religiosos52. Os postulados da
Reforma Protestante, praticada no século XVI53, foram todos complementares a essa cisão dos
movimentos protestantes ingleses. Ao reforçarem os debates em torno da liberdade religiosa,
49 Ibid., p. 244. 50 RONIS, op. cit., p. 320. 51 PEREIRA, op. cit., p. 244-245. 52 AZEVEDO, Israel Belo de. A celebração do indivíduo: a formação do pensamento batista brasileiro. São Paulo: Editora Unimpe, 1996. p. 75-76. 53 A justificação pela fé, autoridade da bíblia e sacerdócio de todos os crentes. (Ibid., p.27)
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os batistas criaram sua própria teoria política da separação entre Estado e Igreja54, criticando o
modo como viviam na Inglaterra elisabetana e posteriormente na América do Norte. Este
caráter político fez com que os grupos fossem perseguidos e empreendessem uma estratégia
de expansionismo da denominação por meio do missionarismo visando a uma “sobrevida em
outros locais”55.
Ao contrário das comunidades anabatistas que, ao fugirem de perseguições religiosas,
buscavam viver em comunidades isoladas, os batistas se diferenciavam pelo fato de
empregarem uma “evangelização direta”, exigindo das pessoas que escutam a respeito de sua
fé, uma tomada de decisão a respeito de sua crença. Deste modo, o missionarismo é
empregado de forma individual por cada membro de uma comunidade batista. Esta
característica, aliada à perseguição política empregada contra a denominação, fez as Igrejas se
unirem em torno de associações voluntárias visando ao envio de missionários a outros locais
para propagação de sua fé. Através destas associações as comunidades, independentes entre
si, começaram a trabalhar em conjunto e a desenvolver uma consciência propriamente
denominacional, desenvolvida posteriormente nos Estados Unidos56.
Com o protestantismo de imigração, as comunidades batistas foram adentrando nos
Estados Unidos e na Europa. À medida que os imigrantes iam chegando, as igrejas foram
surgindo, sem começar de um centro específico, mas sim a partir de várias comunidades que
aos poucos foram crescendo57. A teologia expansionista de missão veio a se desenvolver nos
Estados Unidos, onde a partir da segunda metade do século XIX, as sociedades missionárias
ampliaram sua atuação e enviaram missionários para vários locais, entre eles o Brasil, com
intuito de propagar o evangelho pelo mundo e fornecer “salvação a outros indivíduos” 58.
A existência de grupos religiosos denominados “eslavos” é muito intrigante, pois a
reunião dessas várias etnias, nada homogêneas entre si, não pode ser feita de forma simples.
As várias diferenças históricas, diversidades lingüísticas e suas distinções a respeito da
religião, mostram que os “eslavos” diferem-se muito culturalmente. Dentre todos esses
fatores, a marca religiosa acaba por separá-los ainda mais: os poloneses são católicos de rito
latino, os russos e parte dos ucranianos pertencem ao catolicismo ortodoxo e outra parte dos
ucranianos tornaram-se católicos uniatistas. Porém, ocorreu, na cidade de Curitiba, a
congregação de todas essas etnias heterogêneas, em um mesmo espaço religioso.
54 Era pregada a liberdade de consciência, surgindo a idéia de “igrejas livres em sociedades livres.” (Ibid., p. 20) 55 Ibid., p. 79. 56 Ibid., p. 80. 57 Ibid., p. 116. 58 Ibid., p.151.
16
Pode-se observar a existência de cerimônias, na capital paranaense, que fornecem
“assistência espiritual” a estes povos que é anterior ao início do desenvolvimento de suas
atividades. Nesse sentido, podemos observar que houve primeiramente a conversão a uma
outra religião, e o interesse destes em prosseguirem e organizarem-se em torno de uma
profissão de fé comum, não se enquadrando mais no catolicismo latino, o ortodoxo ou o
uniatismo. Com isto há a busca dos elementos que proporcionaram a congregação destas
diferentes etnias em um mesmo espaço, de forma a dialogarem e como conseguir ou não
abranger todas essas manifestações culturais tão divergentes. A maneira como se
comunicavam ainda é muito importante, pois foi através dela que se diferenciaram, mantendo
sua identidade perante os demais grupos. Ao cantarem e realizarem suas leituras bíblicas, os
russos, poloneses e ucranianos empregavam seu próprio idioma e não o português. Isto
proporcionou uma diversidade lingüística dentro da comunidade durante o período em que
estiveram reunidos.
Os batistas “eslavos” se preocuparam em desenvolver uma forte atuação missionária.
Tiveram o propósito de levar o evangelho àqueles que não pertenciam à sua comunidade.
Nesse sentido, nota-se que não se afastaram do convívio com outras pessoas pertencentes a
sua etnia, mas buscaram a interação com elas através da propagação da sua fé, visando à
expansão não só de suas crenças, como também da denominação batista na cidade, já que se
preocupavam em alcançar aqueles que não eram brasileiros, e sim de sua mesma origem
(poloneses, russos e ucranianos). Com isto contribuíam para propagar o evangelho,
juntamente com as demais comunidades batistas. Para isso eram disponibilizados
investimentos, através da entrega de folhetos, de Bíblias e visitas a casas de pessoas “eslavas”
na cidade de Curitiba, objetivando fornecer-lhes “assistência espiritual” e também o convite a
ingressarem nas atividades de sua Igreja.
Os objetivos principais de discussão entre todos os membros da comunidade era o bem–
estar que deveria haver através da comunhão de seus participantes, visando ao
desenvolvimento e ao progresso de sua Igreja, principalmente no que diz respeito a
evangelizar os “eslavos” que não pertenciam a sua comunidade de fé.
O seio de uma comunidade batista fornece elementos, para que todos os que são
membros da igreja, possam se pronunciar, colocar propostas, votar, etc. A partir disto é
notável que em igrejas dessa denominação aconteçam discussões, várias reuniões para
decisões consensuais e exclusão de membros que não aderem ao propósito maior da
comunidade. Portanto, a partir do momento em que todos esses “eslavos” conseguem se
comunicar, desejando desenvolver e propagar suas crenças, adicionaram uma prática religiosa
17
comum, que proporcionou uma “democracia”59 entre todos os membros, o que fornece a
supressão de elementos antagônicos entre essas etnias.
Isto proporcionou a coexistência e a relação desses “eslavos” em um mesmo espaço até
um dado momento. Porém a partir do falecimento de membros mais antigos e o afastamento
das tradições por parte das pessoas que continuaram na comunidade, mudaram-se as formas
de se fazerem os trabalhos, culminando em 1978 quando a Igreja passou a chamar-se Igreja
Evangélica Batista da Água Verde, e dedicar-se exclusivamente aos brasileiros.
59 PORTER, op. cit., p. 27-31.
18
2.1 Os “eslavos”: identificações e diferenças.
Os “eslavos” podem ser inseridos em três designações: os orientais (russos, ucranianos
e bielorussos), os ocidentais (polacos, tchecos e lusácios60) e os meridionais (eslovenos,
croatas, sérvios, bósnios, montenegrinos, macedônios e búlgaros). Esses vários povos ocupam
grande parte da Europa do leste e sudeste, estendendo-se da parte setentrional do continente
asiático até o oceano Pacífico. Tendo como origem comum a Europa Central, estes grupos
distintos podem ser caracterizados por individualidades que marcam destinos diferentes entre
si. A partir da proximidade geográfica em que estão inseridos, é possível apontar para
relações, identificações e diferenças evidenciadas entre esses diversos grupos a partir do
século X61.
Além de uma procedência geográfica comum, outro fator que os aproxima é uma
linguagem de fundo aparentado: os idiomas eslavos têm procedência indo-européia62. Embora
cada grupo tenha um dialeto próprio, a mesma origem morfológica permite a todas essas
línguas eslavas serem semelhantes entre si, o que lhes possibilita a comunicação oral na
própria língua “doméstica”. Entretanto, a grafia os divide: os eslavos de procedência ocidental
usam o alfabeto latino, enquanto os eslavos orientais e meridionais distinguem-se por sua
escrita cirílica. Diferentes também são algumas particularidades apresentadas pelos alfabetos,
uma vez que alguns contêm letras ou sinais que outras escritas não empregam. Por exemplo:
se de um lado russos e ucranianos utilizam-se da escrita cirílica, de outro, os ucranianos
apresentam letras e sinais que os russos desconhecem63.
A influência do Ocidente pode ser observada principalmente entre os poloneses, que
aderiram ao catolicismo romano ainda no século X, quando Mieszko converteu-se ao
cristianismo e a Polônia aderiu ao novo rito, deixando suas práticas pagãs. Assim, o latim se
tornou a língua oficial da administração do reino64. Paralelamente, a influência oriental de
Bizâncio atingiu e doutrinou a região dos Balcãs e chegou até o reino de Kiev. Logo, toda a
área meridional e oriental da Europa, habitada pelos eslavos, converteu-se ao catolicismo sob
sua forma grega65. Mas notam-se especificidades religiosas dentro da ortodoxia que
movimentaram grupos distintos que buscaram novas formas de praticar sua religiosidade. Na
60 Os lusácios eram um pequeno grupo eslavo, constituído por sérvios, que vivem em regiões da Alemanha, como Brandemburgo e Saxônia. (PORTAL, Roger. Os eslavos, povos e nações. Rio de Janeiro: Editora Cosmos, 1968. p. 9) 61 Ibid., p. 9-11. 62 Ibid., p. 11. 63 Entrevista com Professora Dra. Oksana Boruszenko. 64 Ibid., p.79-80.
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Ucrânia, houve uma parte de fiéis que optaram por ligar-se à autoridade pontifícia romana,
estabelecendo acordos políticos com Roma. Porém, conservaram seu rito oriental e
organização interna, ficando conhecidos como Uniatas de rito greco-católico66. Outra cisão
aconteceu na Rússia do século XVII, quando o Sínodo de Moscou decretou a correção das
traduções da Bíblia e Livros Litúrgicos utilizados pela Igreja Russa, o que proporcionou a
revolta e conseqüente retirada daqueles que estavam decididos a dar continuidade em seus
ritos antigos. Intitularam-se como únicos membros da antiga e verdadeira Igreja Russa,
denominando-se “velhos crentes”67. O catolicismo e suas várias dissensões não foram as
únicas formas de religião entre os eslavos. A conquista otomana dos balcãs, no século XIV,
implantou a religião muçulmana entre alguns indivíduos dessa região, que se transformaram
em súditos turcos68.
Por ser um território muito vasto, toda a região do leste europeu também recebeu
outras formas de culto durante e após o período da reforma protestante. Essas reformas
ocorreram na medida em que grupos religiosos buscavam por um lado locais onde pudessem
ter liberdade de praticar seus cultos, não sofrendo qualquer tipo de perseguição ou restrição a
sua fé, e por outro, terras para o desenvolvimento de sua agricultura. Ainda, vários soberanos
buscavam contingentes populacionais para preenchimento de territórios vazios, defesa de
fronteiras e subseqüente crescimento agrícola e econômico dessas regiões não habitadas. Em
conseqüência, é possível observar o estabelecimento de comunidades anabatistas no século
XVI e XVII que se refugiaram desde as regiões da Galícia, até áreas como Prússia Oriental e
Ocidental que então estavam sob o domínio da Polônia69. Esta que também fora fortemente
influenciada pelo movimento hussista70. Após um período de resistência de seus soberanos
católicos, a Polônia começa a abrigar ideais da reforma protestante, principalmente sobre a
forma luterana e calvinista. Ao autorizarem o culto em seu aspecto “reformado”,
possibilitando a igualdade de direitos e liberdade de consciência a adeptos de qualquer
65 Ibid., p. 44-46. 66 ANDREAZZA, Maria Luiza. Paraíso das Delícias. Estudo de um grupo imigrante Ucraniano 1895-1995. Curitiba, 1996. p. 81. 67 BALHANA, Altiva Pilatti & BORUSZENKO, Oksana. Alguns Problemas de Aculturação nos Campos Gerais. REVISTA DO MUSEU PAULISTA - Nova Série - Volume XIV, São Paulo, 1963. p. 324-325. 68 PORTAL, op. cit., p.13. 69 MASKE, Wilson. Os menonitas e a Construção do Novo Reino. HISTÓRIA: QUESTÕES E DEBATES, Curitiba, n. 28, 77-105 , 1998. p. 91-95. 70 Movimento que teve como precursor John Huss, que no início do século XV revolta-se e aponta para os abusos exercidos pelo clero no que diz respeito a venda de indulgências e os pesados impostos cobrados pela Igreja numa época de dificuldades econômicas. Após fuga, Huss aceita comparecer ao Concílio de Constança para defender suas idéias e é condenado a fogueira. Sua morte causa o aumento da agitação popular contra a Igreja e os governantes. Os motins favorecem a tomada do poder pela burguesia das cidades e essas diversas
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religião, a Polônia é acusada de asilo de heréticos. Os judeus também se favorecem dessa
situação pois o reino polonês conta com cerca de um milhão deles no reinado de Augusto
III71. Essas questões abrem a possibilidade de refúgio e imigração de perseguidos religiosos
na terra polaca72.
Outra abertura para grupos religiosos adentrarem no leste europeu ocorreu em meados
do século XVIII, quando a rainha Catarina II, da Rússia, publica um édito que convida
alemães de diversas religiões para se estabelecerem nos territórios recém conquistados dos
turcos. Várias colônias de alemães católicos e luteranos são estabelecidas na região da
Ucrânia e no vale do Rio Volga. À proporção que restrições econômicas e religiosas
dificultam a vida na Prússia, grupos de menonitas são encorajados a emigrarem e aos poucos
se estabelecem entre a Prússia Ocidental e a Ucrânia e ao leste do rio Dnieper73. Ainda na
primeira metade do século XIX, grupos desse mesmo segmento religioso dão continuidade ao
estabelecimento de colônias no território russo.
Nesse mesmo período, camponeses letos teriam deixado a condição de submissão em
que se encontravam em latifúndios alemães e dirigiam-se para a região de Novgorod, na
Rússia, para cultivarem terras próprias. Os batistas letos já haviam se instalado nos estados
Bálticos no início do século e, agora, se dirigiam para terras russas visando melhores
condições econômicas. Em fins do século XIX e início do século XX é possível identificar
três igrejas batistas estabelecidas na capital do império Russo e uma na cidade de São
Petersburgo, que foram estabelecidas por grupos alemães que chegaram anteriormente74.
Neste mesmo momento também se observa o surgimento desta denominação na Ucrânia pela
região leste do país, Dnipropetrovsk, Kharkiv, Odessa, Sebastopol, e sobretudo na Península
da Criméia – Ialta, e na Rússia, de Saratov até Novosibirsk e Krasnoiarsk. Na Polônia havia
comunidades batistas estabelecidas em Gdynia, Gdansk e Thorn75. No entanto, a falta de
acesso a uma bibliografia mais especializada impede a melhor identificação da procedência
desses grupos e melhor precisão nestas informações. Ao que tudo indica, a disponibilidade de
terras nessas regiões do leste europeu, adicionado a dificuldades na vida material e religiosa,
rebeliões duram ao longo de dez anos. Após negociações para manter os privilégios conquistados, o novo imperador Sigismundo termina com o conflito. (PORTAL, op. cit., p. 95-100) 71 Gozando dessa liberdade que não há em outros estados, os judeus conseguem estabelecer uma organização autônoma que possui escolas, bairros e justiça própria para cuidarem de seus próprios assuntos. Porém ainda situam-se as margens da sociedade e são constantemente desprezados pela população e explorados pela nobreza. (Ibid., p. 236-237) 72 Ibid., p. 218. 73 MASKE, op. cit., p. 98. 74 RONIS, Osvaldo. Uma Epopéia da Fé: História dos Batistas Letos no Brasil. Casa Publicadora Batista. Rio de Janeiro, 1974. p. 84-85. 75 Entrevista com Professora Dra. Oksana Boruszenko.
21
assim como os casos dos grupos menonitas, proporcionaram que estes grupos batistas
emigrassem em busca de melhores condições de vida. Na medida em que suas comunidades
se fixaram, alguns indivíduos buscaram oportunidades de trabalho nos grandes centros
urbanos, estabeleceram igrejas e começaram a propagação de sua fé76.
Todos esses fatores auxiliaram para que houvesse um contingente significativo de
pessoas que professavam “outra” fé, mas evidentemente ainda muito menor do que as
religiões oficiais, o que aumentou a efervescência de questões religiosas, políticas e
econômicas dentro de cada estado. O fato do catolicismo latino e ortodoxo, já separados e em
disputas entre si, não ser a única religião provoca o mal-estar entre o alto clero dessas igrejas,
como também causa o desconforto daquelas minorias religiosas77. A Igreja ortodoxa, em fins
do século XIX, já não dispõe do mesmo poder que antes. O reduzido número de igrejas e
mosteiros num vasto território, que se estende do leste europeu ao interior do continente
asiático, não atende a grande quantidade de ortodoxos existentes. Isso favorece que regiões
distantes dos grandes centros urbanos, onde se concentra grande parte das organizações
religiosas, tenham contatos com superstições e práticas pagãs. Deste modo, a ortodoxia é um
rótulo empregado pela Igreja, em que a influência e poder do clero pode ser relativizado78.
Esta situação adversa faz com que, a partir do século XX, haja uma diminuição expressiva da
prática religiosa naquelas regiões. Sob advento do comunismo ateu há a redução do clero a
proporções ínfimas, o fechamento de igrejas, mosteiros e seminários, o que contribui para
enorme decadência religiosa entre toda população dentro da União Soviética79. Na região da
Polônia, acontece o mesmo, pois alguns indivíduos das camadas populares começam a ver o
clero como figura relacionada às classes senhoriais que os exploram. Isso favorece para que o
poder da Igreja enfraqueça, pois agora os padres têm dificuldades em infiltrar idéias de
submissão aos grupos mais pobres da população80.
As divergências entre os eslavos não ficam somente em torno da religião. Durante
muito tempo russos, poloneses e ucranianos são protagonistas de vários embates políticos,
econômicos e sociais na região do leste europeu. Constantemente surgem desavenças entre os
estados e seus componentes. Russos e polacos tem várias dissensões a respeito de territórios e
disputas para reinar ou influenciar outros grupos de eslavos e povos alógenos. Desde o século
XIV os estados Bálticos, sobretudo a região da Lituânia, é dividida entre esses dominadores.
76 RONIS, op. cit., p.85. 77 PORTAL, op. cit., p. 230-232. 78 Ibid., p. 299-301. 79 Ibid., p. 426-427.
22
Ora são governados pelos poloneses e existe uma forte pressão da religião ortodoxa sobre sua
população. Ora são governados por russos e há uma “reconquista” por parte do catolicismo de
rito latino81. Durante o século XVII, a guerra polaco-russa novamente mexeu com os aspectos
geográficos dos estados. Soberanos do Estado Polaco-lituano propuseram uma aliança com o
reino de Moscovo, que uniria os tronos e faria com que ambos os reinos futuramente se
unissem em torno de apenas uma coroa. Essa proposta tinha como objetivo uma política
externa e militar de paz e também traria vantagens nas questões de direitos religiosos e
propriedade da terra. Como a proposta não foi aceita a guerra irrompeu. As conseqüências
foram as mudanças de fronteiras, uma delas com parte do território da Ucrânia sob
protetorado dos russos, e sucessivos conflitos entre as duas coroas82.
O final do século XVIII trouxe a partilha do território polonês entre os estados da
Prússia, Áustria e Rússia. Os ressentimentos causados por esta situação, estão aliados a uma
crescente desconfiança do polonês para com o estrangeiro que tem interesses econômicos em
seu território e que retira suas condições de participar da vida política de seu país e melhorar
suas condições83. Ao mesmo tempo, inicia-se uma mobilização por parte de ucranianos, que
estiveram durante muito tempo sob o jugo polaco, e esporadicamente conseguem se
desvencilhar da opressão polonesa84.
A partir do século XIX, sobretudo com o reinado de Alexandre I, enfatiza-se a idéia da
Rússia como “polícia da Europa”, atuante ao longo de todo o leste europeu85. Grande parte do
exército russo se ocupava em regiões fora de suas fronteiras, principalmente na Polônia e
Finlândia, onde eram responsáveis pela manutenção da ordem e evitar sublevações desses
povos86. Aspirações a uma independência por parte de poloneses frente ao governo russo,
fizeram os conflitos e a repressão aumentarem durante todo o século XIX, de modo a acentuar
as rivalidades entre esses povos. Nesse mesmo sentido é plausível a união de populações
pobres constituídas de ucranianos e polacos contra as forças do czar que lhes tiram a
independência87.
A Ucrânia, nesse período, cujo progresso econômico se expande em larga escala,
também está dividida entre estrangeiros: os reinos da Áustria e da Rússia. A vasta região que
80 WACHOWICZ, Ruy Christovam. O camponês no Brasil. Curitiba: Fundação Cultural, Casa Romário Martins, 1981. p. 55-56. 81 Ibid., p. 62-65. 82 Ibid., p. 152. 83 WACHOWICZ, op. cit., p. 10-11. 84 PORTAL, op. cit., p. 14. 85 KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências: Transformação econômica e conflito militar de 1500 a 2000. Rio de Janeiro: Campus, 1989. p. 168. 86 Ibid., p. 170.
23
abriga o território ucraniano ainda sofre uma forte mistura de populações eslavas, pois grande
parte de trabalhadores é recrutada fora de seu território88. Todos esses fatores contribuem para
um acirramento de ânimos por parte dos grupos locais que necessitam se submeter a
estrangeiros em diversos segmentos da sua vida política e econômica, conseguindo apenas
manter intacto alguns de seus costumes culturais e sua língua. Ou seja, desde o início do
século XIX tanto poloneses como ucranianos são contrários as forças de assimilação e
russificação do czarismo.
Todas estas características conflituosas entre estes eslavos se farão muito presentes ao
longo do século XX. Ainda no início desse período, o exército do czar estava ocupando
regiões ao longo do leste europeu e sufocando minorias étnicas polonesas, ucranianas,
finlandesas, georgianas, lituanas, estonianas, armênias etc., que buscavam preservar as
hesitantes concessões sobre a “russificação” obtidas na fase de debilidade do regime czarista,
resultante da guerra Russo-Japonesa e das insurreições promovidas nos anos de 1905-190689.
Após a Primeira Guerra também houve várias modificações territoriais que deixaram vários
grupos étnicos fora das fronteiras de seus estados de origem, causando vários conflitos
internos e ressentimentos externos90. A situação se agravou quando, depois do término da
Segunda Guerra, as fronteiras soviéticas ampliaram-se às custas dos territórios dos estados
Bálticos, da Polônia, Ucrânia, entre outros91. Os líderes da U.R.S.S. ainda seriam acusados, ao
longo da década de 1960 e 1970, de muitos crimes cometidos contra as identidades nacionais
desses povos. Grandes intelectuais, que representavam idéias de liberdade em prol dos
costumes de seus países, teriam sido presos, torturados e até mortos pelo regime soviético.
Núcleos que abrangiam a cultura e a história dessas repúblicas, como museus e bibliotecas,
teriam sido saqueados, queimados, destruídos, total ou parcialmente92.
Todos esses episódios marcam uma trajetória de conflitos existentes entre esses
diferentes grupos étnicos. Os eslavos têm mais diferenças do que semelhanças e uma história
separada modelaram tradições, gêneros de vida e uma mentalidade que os caracteriza de
forma muito distinta93.
87 PORTAL, op. cit., p. 357. 88 Ibid., p. 274-277. 89 KENNEDY, op. cit., p. 231. 90 Ibid., p. 280. 91 Ibid., p. 346. 92 HANEIKO, Valdemiro Pe. Em defesa de uma cultura. Rio de Janeiro: Cobrag, 1974. 93 PORTAL, op. cit., p. 21.
24
2.2 Imigrações eslavas para o Brasil.
As políticas imigratórias no Brasil remontam a inícios do século XIX. O governo
brasileiro, nesse período, buscava a introdução de imigrantes no país como uma forma
propícia para mudança de vários parâmetros nacionais. As idéias de “branqueamento” da
população tomam forma quando, ainda na época de colônia, o país sofreu com sucessivos
levantes de escravos. O perigo representado pelo negro toma conta das elites nacionais e uma
ideologia racista é combinada com idéias da construção de um novo país, onde acreditava-se,
que a raça branca, introduzida através da imigração, traria progresso94. Parte das terras
destinadas aos imigrantes foi designada como “devoluta”. Tais áreas eram de procedência
indígena ou localizações estratégicas das fronteiras nacionais. Logo os colonos estrangeiros
têm a posse de territórios que devem ser não só cultivados para o desenvolvimento econômico
da região, como também para defesa desta contra eventuais ataques estrangeiros e indígenas.
Assim, a questão imigratória também foi motivada pela segurança nacional, pois lugares
desprovidos de populações são habitados e protegidos pelo estabelecimento de colônias de
imigrantes95. Estes elementos também foram utilizados pelo governo brasileiro para
proporcionar a valorização dessas terras. O trabalho do colono valorizou não só o local em
que a colônia estava situada, mas de igual modo toda a área vizinha. De modo geral, os
núcleos coloniais estavam situados em locais de difícil acesso. Isto fez com que o estrangeiro
se ocupasse em abrir e conservar estradas, criando melhores condições para toda a região e
conseqüentemente aumentando o valor das terras desses locais. Por outro lado, muitas dessas
colônias não conseguiram se desenvolver justamente em função das dificuldades de acesso a
esses locais. Além de todas estas questões, destaca-se a mão-de-obra barata que se buscava
atrair como força de trabalho para as regiões latifundiárias96. Na medida em que a crise do
sistema escravocrata aumenta ao longo do século, o imigrante é visto como saída para suprir o
trabalho do negro de outrora97.
94 DREHER, Martin N. Protestantismo de imigração no Brasil: Sua implantação no contexto do projeto liberal-modernizador e as conseqüências desse projeto. IN: DREHER, Martin N. Imigrações e história da Igreja no Brasil. Aparecida SP: Editora Santuário, 1993. p. 112-113. 95 Ibid. , p. 114-115. 96 Ibid. , p. 116-117. 97 BEOZZO, José Oscar. As igrejas e a imigração. IN: DREHER, Martin N. Imigrações e história da Igreja no Brasil. Aparecida SP: Editora Santuário, 1993. p. 9-11.
25
O fator “migração” pode ocorrer quando há a necessidade de preencher um “espaço
vazio”98. A busca por este espaço pode ser por motivações políticas, econômicas, sociais ou
religiosas. Geralmente o emigrante busca melhorar suas condições de vida em outro local,
pois a sua própria foi desestruturada por algum desses motivos ou a soma deles99. O século
XIX é formado por um quadro em que há várias transformações, sobretudo na economia em
escala internacional. A revolução industrial e suas conseqüências modificaram a divisão do
trabalho entre as nações. Novas tecnologias, mudanças nos padrões de comercialização de
produtos e principalmente a incorporação de novas terras para plantio, provocaram o colapso
nas zonas rurais da Europa. Milhões de pessoas são colocadas às margens desse sistema. Na
medida em que não conseguem incorporar-se ao novo sistema industrial e agrícola agora
existentes, acabam emigrando para mudarem suas condições100.
As camadas populares do leste europeu, viviam em condições de submissão local e
tinham ainda relações com a aristocracia que lembravam o feudalismo. Desprovidos de
condições políticas e econômicas favoráveis, no camponês o anseio de ser senhor de si
mesmo, uma das formas de mobilidade social encontrada era a emigração101. As tensões
sociais encontradas nessa região da Europa impulsionam grupos de eslavos a emigrarem,
sobretudo os poloneses e ucranianos, responsáveis pela formação de várias colônias no sul do
Brasil e principalmente no território paranaense.
Na Europa, os ucranianos foram desprovidos da posse de terras destinadas a sua
sobrevivência, como também foram impedidos de ter acesso a terras comunais102. Apesar de
reformas feitas pela coroa austríaca visando a limitar o poder da aristocracia e favorecer os
camponeses, estes continuaram a serem forçados a trabalhar mais em períodos anteriores a
colheita e preparo do feno. As mudanças feitas pelo governo pouco ajudaram para uma maior
mudança na relação entre as camadas populares e seus nobres, o que gerou um clima de
tensão ao longo do século XIX103.
A situação dos poloneses também era de dificuldade. Foram atingidos por uma reforma
agrária que diminuiu o tamanho de suas terras, o que dificultou sua condição de vida. Agora,
além de trabalhar em sua propriedade, o camponês teve que procurar trabalhos alternativos
fora de suas posses para complementar seu sustento. Adicionado a esta situação está a grave
98 MENDONÇA, Antonio Gouvêa. Protestantes na diáspora: A imigração européia enorte-americana e as igrejas evangélicas no Estado de São Paulo. IN: DREHER, Martin N. Imigrações e história da Igreja no Brasil. Aparecida SP: Editora Santuário, 1993. p. 138. 99 Ibid. , p. 138-139. 100 BEOZZO, op. cit., p. 14-16. 101 ANDREAZZA, op.cit., p. 14-16. 102 Florestas e campos de pasto que eram utilizados coletivamente pelas aldeias. (Ibid., p. 20)
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crise econômica procedente de fenômenos climáticos, que prejudicaram as colheitas, e da
Guerra da Criméia104, que trouxe transtornos com relação à alta do preço e falta de alimentos,
pois estes que eram dirigidos para abastecimento do exército russo. A subalimentação da
população polaca, causada por esses fatores, trouxeram epidemias de cólera, tifo e disenteria
105.
Todas essas situações vividas no leste europeu, principalmente por poloneses e
ucranianos, foram fatores de emigração. E, nesse cenário, o Novo Mundo se destaca no
imaginário destes povos como “Terra Prometida”106, onde a idéia principal de “fazer” a
América surge como um sonho que pode se tornar real. O Brasil aparece, ao lado dos Estados
Unidos e da Argentina, como país que mais recebeu imigrantes107. Em fins do século XIX,
estes dois países da América do Sul chegaram a receber em média 200 mil imigrantes por ano,
provindos de várias partes do mundo108. No caso brasileiro o impulso para que essas massas
de imigrantes viessem ocorreu por alguns fatores: a terra em abundância destinada aos
colonos e, a partir da década de 1890, o transporte marítimo gratuito oferecido pelo
governo109. Deste modo a chegada de poloneses e ucranianos no Brasil ocorre a partir de
meados do século XIX, aumentando em fins desse período. O século XX igualmente traz
levas desses imigrantes, porém em muito menor escala.
A emigração de russos para o Brasil já acontece de outra maneira. Esses praticaram a
emigração de forma individualizada ou em pequenos grupos e sempre misturados com outros
grupos de eslavos110. Isto ocorre pelo fato de que, desde meados do século XIX, os elementos
cujo governo russo reprime e persegue são destinados a povoar a região da Sibéria. Este
território pode ser visto, sobretudo em fins desse período, com uma vasta rede ferroviária que
103 ANDREAZZA, op.cit., p. 18-20. 104 Um conflito militar que aconteceu em meados da década de 1850, envolvendo a Rússia, a França, o reino de Piemonte-Sardenha, o império Turco-Otamano e o Reino Unido. A guerra tinha como intuito refrear a expansão russa sobre a região dos Bálcãs. (KENNEDY, op. cit., p. 168-175) 105 WACHOWICZ, op. cit., p. 36. 106 ANDREAZZA, op.cit., p. 14. 107 SCARANO, Julita.O Imigrante nas terras do café. IN: DREHER, Martin N. Imigrações e história da Igreja no Brasil. Aparecida SP: Editora Santuário, 1993. p. 160. 108 HOBSBAWN, Eric. A era dos impérios: 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 58. 109 WACHOWICZ, op. cit., p. 40. 110 Havia uma única imigração oficial de russos para o Brasil. Os chamados “russos brancos”, denominados como “velhos crentes”, eram provenientes de um cisma da Igreja Ortodoxa na Rússia, que foram perseguidos por fatores religiosos e fixaram-se na Sibéria. Após vivenciarem conflitos pelas revoluções bolchevistas, foram obrigados a emigrar e refugiaram-se em províncias da China. Depois de trinta anos estabelecidos ali, se sentem novamente ameaçados pelo advento do comunismo e, em 1953, recorrem às Nações Unidas solicitando ajuda para emigrarem para países livres, onde pudessem dar continuidade a suas tradições. Em 1958 chegam às primeiras famílias de “russos brancos”, como ficaram conhecidos, ao Brasil e instalam-se na região dos Campos Gerais, no Paraná. (BALHANA & BORUSZENKO, op. cit., p. 324-326.)
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liga o extremo leste do continente asiático à capital russa111. Além do crescimento econômico,
a Sibéria também se torna uma área povoada e rapidamente é vista como o segundo celeiro do
império, ficando atrás apenas da Ucrânia112. Esse fator indica as razões da escassez de grandes
grupos emigrantes russos. Todos os revoltosos e contrários às políticas do governo são
enviados à Sibéria como forma de punição. Há várias dificuldades para conseguir sair pelas
fronteiras do império czarista e mais tarde da União Soviética.
No início do século XX a emigração do leste da Europa ainda é intensa, sobretudo de
ucranianos113. Porém, após o início da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa o
número de pessoas que deixam a região se torna muito menor. A evasão era ainda mais difícil
e a região siberiana continua a receber cada vez mais levas de grupos eslavos e povos
alógenos provindos de dentro da fronteira das Repúblicas Soviéticas114. No período entre
guerras desenvolve-se a imigração no Brasil dos primeiros batistas eslavos. Partem da Ucrânia
50 famílias, não só ucranianos, mas também batistas russos e letos, que aproveitaram a
ocasião para emigrarem juntos, e chegam ao Brasil no ano de 1926115. Este grupo específico
foge do comunismo e das dificuldades vividas nesse momento de turbulência européia. Foram
indivíduos dessa imigração particular que iniciaram os trabalhos de propagação do Evangelho
na cidade de Curitiba. Ainda no período entre guerras, também chegam pequenos grupos de
eslavos que emigraram para o Brasil. Graças a esse pequeno contingente de pessoas chegadas
à capital paranaense, aliado aos trabalhos missionários da Primeira Igreja Batista Russa de
São Paulo, foi formada, na década de 1930, na cidade de Curitiba, a Congregação Batista
Eslava.
O movimento migratório de eslavos torna a crescer após o término da Segunda Guerra
Mundial. Aqueles que chegam à América provem de regiões que estão fora dos domínios
soviéticos e requereram às Nações Unidas o seu desejo de emigrar para locais que não fosse
seu país de origem, fugindo assim do comunismo. Deste modo todos os eslavos, sobretudo
russos, que se encontram fora do domínio das Repúblicas Soviéticas conseguem estabelecer-
se em novos territórios. Em Curitiba, podemos observar a chegada de grupos constituídos por
esses povos no ano de 1949116. Em virtude dessa imigração a Congregação Batista Eslava
aumentará seus trabalhos missionários na capital paranaense e no ano de 1955, já com mais
membros, organizar-se-á na Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba.
111 PORTAL, op. cit., p. 274. 112 Ibid. , p. 274. 113 ANDREAZZA, op.cit., p. 92. 114 Entrevista com Professora Dra. Oksana Boruszenko. 115 PEREIRA, José Reis. História dos Batistas no Brasil. Rio de Janeiro: JUERP; 2001. p. 244-245.
28
3.1 Primeira Igreja Batista Eslava de Curitiba – motivações étnicas?
No início da década de 1930, a Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo
iniciou um trabalho missionário na cidade de Curitiba. Ao enviar alguns pastores e
evangelistas à capital paranaense, visava à pregação do evangelho a todas as pessoas de
“etnia eslava”. Identificadas algumas famílias que se dispunham a ouvir a mensagem trazida
pelos evangelistas, eles começaram a realizar cultos nas casas destas pessoas, distribuindo
Bíblias e outras literaturas com intuito de proclamar a “salvação em Cristo”. Deste modo,
conseguiram desenvolver seu trabalho de evangelização, pois as famílias se identificavam
pela forma como eram tratadas: comunicavam-se com o pastor e outros missionários em seu
próprio idioma. Como os idiomas eslavos são parecidos entre si, houve a possibilidade desses
eslavos dialogarem utilizando tanto a língua russa, como o ucraniano e o polonês. Conforme o
trabalho foi progredindo, a empatia entre eles aumentou, e já nos primeiros anos da década de
1930 alguns foram aceitando a mensagem que lhes era pregada. Na medida em que foram se
convertendo, russos, ucranianos e poloneses foram batizados e arrolados como membros da
Primeira Igreja Batista de Curitiba, a única Igreja Batista, até então, na cidade.
Embora freqüentassem os cultos desta Igreja, alguns destes eslavos tinham certa
dificuldade de entenderem o português, o que comprometia o melhor aprendizado das
mensagens transmitidas pelos brasileiros. Assim, apesar de serem batizados na Primeira
Igreja, continuaram a realizar seus cultos em suas próprias residências, com o objetivo de
aprenderem os ensinamentos bíblicos em russo, ucraniano e polonês, conservando portanto
seus idiomas. Já que empregavam essas línguas em suas atividades religiosas, passaram a
convidar os familiares, vizinhos e conhecidos que ainda não haviam aderido ao evangelho
para também ouvirem a mensagem. Como esses eslavos em sua maioria eram católicos de rito
latino ou ortodoxo, tinham receio de serem excomungados pelo seu comportamento, seja pela
sua nova devoção, seja por freqüentarem outra igreja117. Ao serem convidados para irem à
residência de um parente, vizinho ou amigo, não precisando ir até a Primeira Igreja Batista de
Curitiba, sentiam-se mais à vontade em comparecer apenas nos locais onde as reuniões eram
realizadas. As mensagens trazidas em uma língua que todos os eslavos presentes pudessem
melhor compreender atraíram vários visitantes, de forma que sempre havia a presença de
pessoas “crentes e não crentes” para participar dos trabalhos. Logo alguns destes visitantes
que freqüentavam os cultos também se converteram. Alguns se batizaram na Primeira Igreja
116 Entrevista com Professora Dra. Oksana Boruszenko. 117 Entrevista 1.
29
Batista de Curitiba e se tornaram membros desta Igreja. Como o número de russos, poloneses
e ucranianos “convertidos” aumentou, em 1934 organizaram a Congregação Eslava de
Curitiba, com intuito de continuarem a se reunir e propagar ainda mais o evangelho entre
estas etnias. Nessa mesma ocasião, alguns indivíduos foram batizados pelo pastor Simeon
Molochenco na Primeira Igreja Batista de Curitiba. Porém, estes recém batizados foram
inclusos no rol de membros da Igreja Russa em São Paulo, que implantou a nova congregação
e era a responsável por fornecer “assistência espiritual” e material a seus novos membros na
capital paranaense. Periodicamente missionários vinham de São Paulo para celebrar batismos
e a Santa Ceia para esses batistas.
Os “batistas eslavos” prosseguiram se reunindo nas casas dos membros da recém
formada Congregação, porém as residências não comportavam todos os indivíduos
pertencentes ao grupo, de forma que essas reuniões começaram a ser feitas apenas durante a
semana. Tendo em vista o aumento do número de pessoas que assistiam às reuniões, houve a
necessidade de congregar em um local maior, para melhor acomodação das pessoas que
desejavam participar dos trabalhos eclesiásticos realizados. A Primeira Igreja Batista de
Curitiba disponibilizou suas dependências para que estes “batistas eslavos” pudessem
desenvolver suas atividades religiosas aos domingos à tarde. Aqueles eslavos que haviam sido
batizados antes da organização da Congregação Eslava de Curitiba e estavam integrados à
membresia da Primeira Igreja Batista de Curitiba, foram transferindo-se para o rol de
membros da Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo, que era a comunidade
responsável pela congregação eslava. Com o passar dos anos, estas pessoas desligaram-se aos
poucos dos trabalhos juntos aos brasileiros, dando prioridade aos cultos que eram dirigidos,
nas residências e aos domingos à tarde, em língua russa, polonesa e ucraniana. Deste modo,
estas etnias criaram um espaço à parte dos brasileiros, fornecendo “assistência espiritual” e
dirigindo seus serviços religiosos em idiomas próprios.
Essa manifestação de uma “consciência de separação e de formas de interação”118 entre
os “batistas eslavos” e os “batistas brasileiros” foi desenvolvido dentro da Primeira Igreja
Batista de Curitiba, na medida em que os primeiros se converteram a essa religião e iniciaram
a convivência com os brasileiros. Como não conseguiram integrar-se completamente aos
trabalhos dessa comunidade, pois não se sentiram à vontade com o idioma que era
118 POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da Etnicidade; seguido de Grupos Étnicos e suas Fronteiras, de Fredrik Barth. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.p. 124.
30
empregado, ficaram à parte dos demais membros da Igreja e em grupo separado119, realizavam
cultos próprios.
Por outro lado, os membros da Primeira Igreja, ao notarem que estas pessoas não
compreendiam perfeitamente o português e que formavam um grupo próprio, os
denominavam “irmãos ukrainos”120. Essa atribuição englobava todos os eslavos e se dá pelo
fato de que a Congregação Eslava de Curitiba estava sendo representada por alguns membros
que eram ucranianos, e seriam as responsáveis por tratar e intermediar, com o pastor da
Primeira Igreja, com as assembléias de membros dessa comunidade e a sua “igreja mãe” em
São Paulo, todas as questões que diziam respeito aos trabalhos eclesiásticos da Congregação.
Assim, os brasileiros identificaram os “batistas eslavos” como um grupo que estava separado,
por um idioma e uma cultura diferente da sua, o que possibilitou a criação de grupos que
conviviam num mesmo espaço e que se diferenciavam uns dos outros.
“A formação de grupos étnicos ocorre quando se dá uma atribuição categorial que
classifica as pessoas em função de sua suposta origem e que se acha validada na interação
social pela ativação de signos culturais socialmente diferenciadores”121. Os eslavos
identificaram-se e foram identificados pelos brasileiros na base de uma dicotomia Nós/ Eles,
estabelecidas a partir de traços culturais que se supõem derivados de uma origem comum122.
Uma das formas pela qual houve identificação entre estes eslavos foi a proximidade de seus
idiomas, havendo melhor compreensão entre as línguas russa, ucraniana e polonesa do que
com o português. Por não falarem corretamente e não entenderem por completo a língua
portuguesa e usarem outros idiomas que os brasileiros não entendiam, foram tratados como
estrangeiros e denominados como “ukrainos”. Deste modo os membros do grupo eslavo
iniciaram uma demarcação de uma fronteira étnica através da língua123. Mas, nesse primeiro
momento, não foi apenas esse fator que os diferenciou dos brasileiros124. Todos estes russos,
ucranianos e poloneses eram recém-convertidos e ainda não tinham amplo conhecimento de
todas as doutrinas batistas, sendo necessário “mais tempo na fé” para que fossem doutrinados
e conhecessem melhor os mandamentos da denominação.
119 Ibid., p. 123. 120 Ata da Primeira Igreja Batista de Curitiba, Livro 4, p. 13. 121 POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Jocelyne, op. cit., 141. 122 Ibid., p. 141. 123 Ibid., p. 51. 124 Nas análises discutidas por POUTIGNAT e STREIFF-FENART, tanto a língua, como território, ou outros atributos em comum, não podem ser fatores únicos pelos quais um grupo étnico forma fronteiras para distinguir-se dos demais grupos que estão ao seu redor. Estes elementos apenas representam atributos étnicos quando utilizados “como marcadores de pertença por aqueles que reivindicam uma origem comum”. (Ibid., p. 163)
31
Além desses fatores que ocorreram dentro da Primeira Igreja Batista de Curitiba, é
significativo que alguns eslavos, ao migrarem para o Brasil, vieram em condições muito
semelhantes. Todos os eslavos que se “converteram ao evangelho” em Curitiba saíram de seu
lugar de origem por receio de eventuais conflitos que estariam por vir sobre toda Europa125.
Algumas dessas pessoas conheceram-se na viagem ao Brasil e estabeleceram relações de
amizade ao longo da travessia do Atlântico126. Outros, no momento em que se estabeleceram
na capital paranaense, ao exercerem uma mesma atividade econômica, ou habitarem próximos
uns aos outros, acabaram criando relações entre si127. Quando esses indivíduos deixaram de
viver nos locais com que estavam habituados e se acharam diretamente confrontados com
uma outra sociedade, suas especificidades culturais tornaram-se fontes de uma mobilização
coletiva, o que desenvolveu uma “etnicidade simbólica” entre eles128. Deste modo, através da
imigração, essas pessoas forjaram uma origem em comum e por conta das dificuldades que
encontraram em Curitiba, foram inclusas num grupo étnico que estava separado da sociedade
brasileira129.
No início da década de 1930, estes eslavos, já estabelecidos na capital paranaense,
tiveram mais um ponto em comum com o qual puderam criar suas identificações. Ao serem
alvo do missionarismo batista, sentiram–se bem acolhidos130 por ele e com o tempo mudaram
suas convicções religiosas. Tendo “assistência espiritual” através de cultos, Bíblias e folhetos
evangelísticos, em um idioma no qual entendiam a mensagem pregada, aos poucos alguns
125 Todos os entrevistados relatam que o fator principal de seus pais e/ ou avós emigrarem foi um grande rumor gerado por ocasião de conflitos militares que iniciariam em toda a Europa, sobretudo no leste europeu onde se encontravam. Como houve possibilidade de virem para o Brasil, alguns chegaram com suas famílias, ou grupo de amigos e outros vieram sozinhos. 126 É o caso de duas famílias com o mesmo sobrenome Ghenov e que não tinham nenhum tipo de parentesco. Por terem o mesmo sobrenome, conheceram-se no navio que trouxe imigrantes do leste europeu ao Brasil. Uma família estabeleceu-se em Curitiba e a outra no interior do estado de São Paulo, para cultivar as lavouras de café. Depois que os filhos cresceram, a família que estava no interior de São Paulo veio encontrar os que estavam em Curitiba para casar um dos filhos. Apesar de não habitarem nos mesmos locais, ambas as famílias haviam “se convertido ao evangelho” e eram frutos do missionarismo batista empregado entre os eslavos do interior de São Paulo e Curitiba. Esses fatores fizeram com que houvesse uma identificação entre essas pessoas, partilhando uma mesma experiência imigratória, um nome e uma “fé” em comum. (Entrevista 5) 127 Muitos desses imigrantes trabalhavam na abertura de estradas e ficavam longe de suas casas e famílias. Ao trabalharem um grande período de tempo juntos, acabavam se conhecendo e se comunicando num idioma próximo ao seu, constituindo relações de proximidade. Da mesma forma outros, ao residirem em um mesmo bairro, identificavam-se como imigrantes e criavam afinidades. Um exemplo ressaltado a partir dessas condições, são os casamentos realizados entre esses imigrantes. Na década de 1930, todos os entrevistados apontam que seus pais casavam-se com indivíduos que também vieram do leste europeu. (Entrevista 1) 128 POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Jocelyne, op. cit., p. 78. 129 Ibid., p. 71-72. 130 Os depoentes indicam que os eslavos criaram uma empatia com os missionários, pelo fato de que conseguiam comunicar-se num idioma comum ou muito próximo do seu. Sempre que isso acontecia ficavam contentes por terem uma pessoa com a qual pudessem conversar. Isso teria facilitado a abertura de suas residências para que as pessoas tivessem interesse e pudessem ouvir a mensagem que lhes era transmitida. Além disso, há o caso de um
32
indivíduos aderiram a uma nova forma de crença. Essa mudança de religião proporcionou o
reforço de uma solidariedade étnica no meio destes eslavos131. Através dos cultos empregados
nas residências de algumas famílias, logo tiveram o interesse de propagar o evangelho aos
outros imigrantes de “sua mesma origem”. Eis o fator pelo qual foi possível a fundação da
Congregação Eslava de Curitiba e o conseqüente crescimento do grupo.
Os membros da Primeira Igreja Batista de Curitiba, ao entrarem em contato com
pessoas que tinham costumes e tradições distantes dos seus, não se preocuparam em
identificar russos, poloneses e ucranianos no âmbito dos “irmãos ukrainos”. Com efeito, ao
perceberem que os recém chegados à comunidade tinham traços culturais diferentes dos seus,
sobretudo o idioma, rotularam-nos por meio de uma identificação que abrangesse a todos de
uma forma simples, ignorando suas especificidades nacionais, culturais e lingüísticas132. Para
dar conta do que os unia, os novos convertidos que entraram na Primeira Igreja Batista
designaram-se como “eslavos”. Esta indicação amenizava suas dissensões e também fazia
com que se identificassem dentro de uma mesma origem. Ambas atribuições cooperaram,
mais uma vez, por criar uma solidariedade real entre as pessoas assim designadas, pois em
decorrência destas denominações, “irmãos ukrainos” ou “eslavos”, eram tratados de forma
igual pelos membros da Primeira Igreja Batista de Curitiba, bem como entre si 133.
São todas essas características, portanto, que definiram o grupo religioso como um
grupo étnico eslavo, que emergiu da diferenciação cultural entre agrupamentos que interagiam
em um contexto de relações interétnicas134.
A Congregação Eslava de Curitiba reuniu-se nas dependências da Primeira Igreja
Batista de Curitiba até por volta do início da década de 1940. A partir do ano de 1936,
começa-se uma discussão entre os membros eslavos e brasileiros com relação à utilização do
salão de cultos da Primeira Igreja Batista. Como as reuniões dessa Congregação eram
realizadas aos domingos à tarde, os zeladores da Igreja necessitavam arrumar o salão para os
cultos da noite e ficavam impossibilitados de terem um período de lazer com sua família. Esta
dificuldade fez os membros da Igreja disponibilizarem outro salão para que os eslavos
desenvolvessem suas atividades religiosas135. Em um espaço menor, estes não demoraram a
solicitar novamente o salão principal da Igreja, pois lá conseguiam acomodar-se de maneira
missionário, Nicon Danilenco, que ensinou seu ofício de fabricar doces e balas e ao mesmo tempo lhes fornecia “assistência espiritual.” 131 POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Jocelyne, op. cit., p. 163. 132 Ibid., p. 144. 133 Ibid., p. 145. 134 Ibid., p. 82. 135 Ata da Primeira Igreja Batista de Curitiba, Livro 4, p. 49-50.
33
melhor durante suas reuniões. Porém, em vista dos problemas causados com a zeladoria, os
brasileiros pediram uma quantia a ser paga pela utilização da dependência requerida. Assim,
os custos com a arrumação e limpeza do local seriam pagos, em parte, pela comunidade
eslava. Todo esse impasse gerado por causa de um local próprio para suas reuniões, fez com
que a Congregação Eslava pensasse na compra de um local próprio136.
A Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo apenas lhes fornecia
“assistência espiritual”, enviando periodicamente pastores e missionários para exercerem
trabalhos religiosos – como ministrar a Santa Ceia e batismos –, que os membros da
comunidade não estavam aptos a realizar. Os líderes dessa igreja que vinham a Curitiba
também traziam material, como Bíblias, panfletos, partituras musicais etc., para auxiliar os
trabalhos realizados pelos eslavos. Porém não subsidiava nenhuma das despesas que a
Congregação tinha, como o aluguel de um local para promoverem seus cultos, por exemplo.
Em vista disso, os membros eslavos apresentaram um pedido de empréstimo à Primeira Igreja
Batista de Curitiba, para que pudessem ter seu próprio templo para se reunir. O pedido foi
negado pelos brasileiros, que não teriam condições nesse dado momento nem mesmo de
servirem de fiador para a Congregação Eslava137.
De qualquer forma, subsistia a dificuldade da falta de espaço e dos problemas com a
zeladoria da Primeira Igreja Batista; assim, a comunidade decidiu procurar outro local para
realizar seus cultos. No ano de 1943, a Congregação Eslava começa a realizar seus cultos nas
dependências da Igreja Presbiteriana Central, na rua Comendador Araújo. Após um breve
período, deixam de utilizar o espaço cedido por essa Igreja e se dirigiram para as instalações
da Escola Batista de Treinamento, na rua Silva Jardim. Essa instituição disponibilizou uma de
suas salas para que as reuniões pudessem ocorrer nos finais de semana.
No ano de 1945, a Congregação adquiriu um terreno com uma casa na rua Coronel
Dulcídio, onde puderam desenvolver seus trabalhos religiosos como bem desejassem. Depois
de efetuada a compra desse local, a Congregação Eslava decidiu empreender esforços para
construir um templo no local, com dependências que deveriam comportar toda a comunidade;
o novo templo foi inaugurado em 1948138.
136 Ibid., p. 71. 137 Ibid., p. 71. 138 Estas informações foram retiradas dos depoimentos. As atas da Congregação Eslava de Curitiba iniciaram na data de 04 de julho de 1948, na inauguração do seu novo templo. Com isto não foi possível identificar quanto tempo realmente ficaram na Igreja Presbiteriana Central e na Escola Batista de Treinamento, nem como se realizou a compra da nova propriedade na rua Coronel Dulcídio. Do mesmo modo não há maiores informações de quando saíram efetivamente da Primeira Igreja Batista de Curitiba e se eventualmente existiram outros problemas além dos referidos.
34
Na década de 1930, a comunidade não tinha muitos membros e, em contato com os
brasileiros da Primeira Igreja Batista de Curitiba, autodenominaram-se “eslavos” para
abranger todas as especificidades étnicas do grupo. Já a partir da segunda metade da década
de 1940, com o maior número de pessoas abriu-se a possibilidade de que cada etnia
constituísse trabalho próprio, pois a identificação “eslavos” deixou de abranger todas as
especificidades étnicas existentes no interior da comunidade. O aumento do número de
pessoas fez com que as rivalidades entre essas etnias ressurgissem, pois russos, ucranianos e
poloneses não constituem uma única tradição, mas abrigam diferenças histórico-culturais
agudas139. Sendo difícil a adesão por parte de todos os membros num mesmo propósito de
continuarem a exercer suas atividades em conjunto, alguns poloneses retiraram-se da
comunidade para criar um trabalho à parte. Da mesma forma, alguns ucranianos organizaram
um grupo separado. Deste modo, os que haviam saído da Congregação Eslava de Curitiba,
acreditavam que russos, poloneses e ucranianos ao separarem-se, teriam mais liberdade para
reger suas atividades religiosas conforme língua e tradições culturais próprias.
Em 1948 assinalam-se concretamente os primeiros anseios de separação, manifestado
por um grupo de poloneses, que se dirigiram aos demais membros da Congregação, expondo
a vontade de realizarem no mesmo templo seus próprios cultos, com pregações e cânticos
apenas em língua polonesa. Como queriam formar outra Congregação, gostariam de continuar
“filiados” à Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo. As duas propostas, após
extensa discussão entre todos da assembléia de membros que compunham a Congregação
Eslava, não foram aprovadas e os poloneses que queriam organizar-se como grupo à parte
foram suspensos da comunidade140. Como alguns desses poloneses já haviam sido membros
da Primeira Igreja Batista de Curitiba, voltaram-se à essa comunidade pedindo auxílio
espiritual e material e filiaram-se a ela e formaram a Congregação Batista Polonesa que
desenvolveu trabalhos próprios, abrindo pontos de pregação para propagar o evangelho entre
os poloneses que se encontrassem na região de Curitiba. O trabalho dessa etnia cresceu e,
passado alguns anos, organizaram a Igreja Batista do Salvador.
Outro grupo que se dissociou era formado por alguns ucranianos. Assim como os
poloneses, estas pessoas acharam por bem realizar suas atividades eclesiásticas somente entre
ucranianos e no seu idioma. Alguns membros dessa etnia, saíram da Congregação Eslava de
Curitiba e organizaram uma própria comunidade: a Congregação Ucraína. Não se ligaram a
139 ANDREAZZA, Maria Luiza. Paraíso das Delícias. Estudo de um grupo imigrante Ucraniano 1895-1995. Curitiba, 1996. p. 79. 140Ata da Congregação de Curitiba da Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo, Livro 1, 12/12/1948.
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nenhuma outra Igreja e realizavam suas reuniões na casa do líder do grupo, Gregório Regeta.
Após um certo tempo, este doou uma propriedade para a comunidade, situada na rua Avenida
dos Estados, na qual construíram um templo e organizaram a Igreja Batista Ucraína141.
A fragmentação se deu porque ambos os grupos haviam crescido e as especificidades
de cada etnia superaram uma identificação “eslava” anterior. Ao reivindicarem uma língua e
cultura mais próximas, os dois grupos distanciaram-se e criaram novas identificações142. O
fator que reforçou uma redefinição em grupos étnicos específicos, e não mais “eslavos”, foi a
imigração de russos, ucranianos e poloneses, vindos ao Brasil em 1949143. Cada etnia tinha o
propósito de empregar o missionarismo somente entre as pessoas de sua “mesma origem”. A
Congregação Polonesa objetivava pregar o evangelho a todos os imigrantes poloneses,
utilizando-se de seu idioma e tradições para causar identificação com esses estrangeiros. Da
mesma forma os ucranianos empregariam suas atividades de evangelização somente a favor
dos ucranianos.
A Congregação Eslava de Curitiba, apesar de todas estas dissensões, continuou a
agregar russos, ucranianos e poloneses, porém em menor número. Os indivíduos que
resolveram continuar na comunidade ainda identificavam-se como “eslavos” e, contidos num
mesmo grupo, continuaram empregando em seus cultos as línguas russa, polonesa e
ucraniana144. Deste modo, visavam a conservar a unidade do grupo, mantendo um
mandamento bíblico contido no Novo Testamento145, e deram prosseguimento a suas
atividades religiosas.
O trabalho de propagar o evangelho no meio eslavo também prosseguiu. Através dos
cultos realizados nos lares, alguns imigrantes recém chegados à cidade de Curitiba eram
141 Entrevista 1. 142 “[a identidade] é construída e transformada na interação de grupos sociais através de processos de exclusão e inclusão que estabelecem limites entre tais grupos, definindo os que integram ou não...Os traços que levamos em conta não são a soma das diferenças objetivas mas unicamente aqueles que os próprios atores consideram como significativos. Desse modo, as mesmas características diferenciais podem mudar de significação ou perder a significação no decorrer da história do grupo; e diversas características podem suceder-se adquirindo a mesma significação”. (POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Jocelyne, op. cit., p.11.) 143 Entrevista com Professora Dra. Oksana Boruszenko. 144 As entrevistas 2, 3 e 4 afirmam que os cultos continuaram a conter pregações em todas as línguas, de modo que atendessem indiscriminadamente todos os membros da comunidade. 145 Em sessão extraordinária da assembléia de membros da Congregação Eslava, houve um esforço em manter russos, ucranianos e poloneses de forma coesa, para que o objetivo da comunidade fosse alcançado: propagar a salvação em Cristo a todos os eslavos e não só a uma etnia específica. Com isso, cada indivíduo era responsável para cumprir sua parte nessa tarefa, sendo inviável a constituição de vários grupos separadamente. Os que não aderiram a esse propósito, não poderiam continuar como membros da Congregação, pois feriam os ordenamentos bíblicos: “Sejam completamente humildes e dóceis, e sejam pacientes, suportando uns aos outros com amor. Façam todo o esforço para conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz. Há um só corpo e um só Espírito, assim como a esperança para a qual vocês foram chamados é uma só”. (Efésios 4:2-5) e “não há polaco, russo, ucraíno, judeu, mas Cristo é tudo e está em nós.” (Uma alusão ao texto de Colossenses 3:10) Ata da Congregação de Curitiba da Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo, Livro 1, 17/10/1948.
36
visitados em suas casas e convidados a comparecer às reuniões. Outros, tiveram seu primeiro
contato com os “batistas eslavos” na Casa do Imigrante146, recebendo “assistência espiritual”
por meio de panfletos e Bíblias entregues num idioma que podiam entender. Também foi
disponibilizado a favor desses imigrantes um local para instalarem-se, até que conseguissem
sustento próprio147. Na primeira metade da década de 1950, os membros dessa comunidade
ocuparam-se em estabelecer pontos de pregações nos bairros148. Com todos esses trabalhos
desenvolvidos, a Congregação Eslava de Curitiba deu continuidade à propagação do
evangelho entre os eslavos e aos poucos a comunidade foi novamente crescendo149.
Nesse período a comunidade já contava com templo próprio, suas atividades rotineiras,
como cultos e missionarismo, eram desenvolvidas pelos membros da própria Congregação e
mantinham-se financeiramente. Assim sendo, a partir do ano de 1954, almejam formar uma
Igreja própria, desvinculando-se do contorno de “Congregação de Curitiba da Primeira Igreja
Evangélica Batista Russa de São Paulo”150. Após conversações entre a assembléia de membros
da Congregação com a Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo, é organizada a
Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba. A nova Igreja constitui uma diretoria,
para dirigir suas atividades administrativas, e já possui diáconos e pastor, para disponibilizar
“assistência espiritual” a todos os membros. Ao mesmo tempo é instituído um “pacto de fé”
entre toda comunidade, pretendendo assim que todas as pessoas que estivessem envolvidas
nela respeitassem as doutrinas exercidas pela denominação batista151.
A Igreja dá seqüência às suas atividades eclesiásticas e sua maior autonomia fez que
seus esforços em praticar o missionarismo entre os eslavos aumentassem. Após a sua
organização, surgem pessoas na comunidade que se dedicam exclusivamente ao trabalho
missionário152. Do mesmo modo há um investimento para o envio de membros da comunidade
146 Os membros da comunidade eslava rotineiramente iam à Casa do Imigrante, na rua Sete de Setembro, distribuir e conversar com os imigrantes vindos do leste europeu. Os recém chegados eram “impactados” por essas pessoas, pois eram bem recebidos e recebiam “assistência espiritual” logo em sua chegada. 147 Os imigrantes receberiam alimentos e poderiam instalar-se na Igreja por sete dias. Passado esse prazo, caso não conseguissem uma casa para residir, poderiam continuar no espaço cedido, mas deixariam de receber os mantimentos. Essas condições eram oferecidas pela Congregação e pelos seus membros, não sendo necessário o pagamento por parte do imigrante. (Ata da Congregação de Curitiba da Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo, Livro 1, 01/06/1949) 148 As atas da Congregação relatam cultos realizados nos bairros Bigorrilho e Portão. (Ata da Congregação de Curitiba da Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo, Livro 1, 17/05/1950 e 08/11/1950) As entrevistas referem-se a um trabalho realizado entre famílias eslavas no bairro Capão Raso. (Entrevista 2, 3 e 4) 149 Nos anos de 1951/ 1952, houve a entrada no rol de membros na Congregação, através do batismo. (Ata da Congregação de Curitiba da Primeira Igreja Evangélica Russa de São Paulo, Livro 1, 05/11/1951 e 19/11/1952) 150 Ata Congregação de Curitiba da Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo, Livro 2 A, 02/12/1954, 06/01/1955 e 13/021955. 151 Ata da Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba, Livro 1, 10/02/1955. 152 Ata da Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba, Livro 1, 10/07/1958 e 04/09/1958.
37
para uma preparação teológica mais elaborada153. Ainda no sentido de “transmitir a salvação
em Cristo”, auxiliam um trabalho de evangelização através de um programa de rádio na
emissora PR-B2, dirigido pelo pastor da Igreja Batista do Cajuru, Paulo Gailit154. O objetivo
do programa era a propagação do evangelho a todos os ouvintes da rádio. Os “batistas
eslavos” ajudavam financeiramente para que o programa “Ondas de Evangelismo” pudesse
ser transmitido e numa parte dele poderiam dirigir-se especificamente, nas línguas russa,
polonesa e ucraniana, aos ouvintes. Ainda com a finalidade de propagar suas crenças somente
entre seus conterrâneos, a comunidade não se vinculou a nenhuma Convenção Batista que
envolvesse trabalhos entre os brasileiros. Reflexo disso, é a participação com a “Junta Russo-
Ucraniana”155, que, da mesma forma, visava à pregação do evangelho a todos os eslavos
presentes no Brasil156 e os membros da Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba
participavam direcionando quantias para auxílio dos trabalhos daquela instituição e
compareciam a reuniões e congressos em que propunham um direcionamento para o
missionarismo praticado dentro do meio eslavo.
Todos esses esforços da comunidade proporcionaram, num primeiro momento, uma
estabilidade no número de membros. Através de todas essas formas de evangelismos
praticadas, algumas pessoas foram batizadas e incluídas no rol de membros da Igreja. Por
outro lado, algumas famílias ou pessoas mais jovens foram saindo da Igreja. Houve quem
migrasse para o estado de São Paulo e para os Estados Unidos, visando a uma melhoria de
vida. Enquanto isso, outras pessoas teriam voltado para a U.R.S.S.157.
Após esse período de relativo equilíbrio no número de membros, a partir da década de
1960, já é possível identificar um declínio na quantidade de pessoas que freqüentavam as
reuniões da Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba. Os filhos e netos das
pessoas eslavas, que compunham a comunidade, já não se identificavam mais com a forma do
culto. Ao serem empregadas nas reuniões, dentro e fora da Igreja, as línguas russa, polonesa e
ucraniana, os jovens começaram a ficar a parte das reuniões, pois muitos deles já não
153 Ata da Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba, Livro 1, 04/12/1958 e 08/01/1959. 154 Ata da Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba, Livro 1, 06/12/1956. 155 Essa instituição foi criada, no ano de 1936, por membros de Igrejas Batistas de etnias eslavas do estado São Paulo e era orientada pelo pastor Simeon Molochenco, da Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo. Além de propagar a salvação em Cristo entre os eslavos do Brasil, essa Junta também auxiliava no treinamento de líderes e na construção de templos para as igrejas. (PEREIRA, José Reis. História dos Batistas no Brasil. Rio de Janeiro: JUERP; 2001. p. 245) 156 Ata da Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba, Livro 1, 06/12/1961. 157 A partir do início da década de 1950 começa a saída de algumas pessoas da comunidade, sendo difícil precisar, através das fontes, quantos membros efetivamente saíram e para onde se dirigiram. Porém é provável que alguns indivíduos tenham ido para São Paulo e Estados Unidos. No caso de indivíduos que teriam regressado aos domínios da União Soviética, não há informações precisas sobre esses dados. (Entrevista 4)
38
entendiam estas línguas por completo. Deste modo, alguns se dirigiram para igrejas batistas
brasileiras, outros adentraram em igrejas evangélicas de outras denominações e houve aqueles
que renunciaram a fé dos seus pais e avós, não se ligando a nenhum grupo religioso.
Outro fator que contribuiu para a saída dos mais jovens foi a forte tradição existente na
Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba. Os membros dessa comunidade
destacavam-se dos demais batistas, por um forte tradicionalismo no tocante a sua
vestimenta158 e modo de se portar em seu cotidiano. Nos cultos realizados na Igreja, mulheres
sentavam-se de um lado, cobrindo as cabeças em momentos de orações159, e homens do outro
lado do salão de cultos. Estas características, fizeram com que os mais novos, ao perceberem
que as igrejas brasileiras tinham tradições menos severas, saíssem da comunidade eslava e
optassem pelas atividades religiosas dos brasileiros. Por outro lado, os membros fundadores
do trabalho entre os eslavos já começaram a ficar com uma idade avançada e aos poucos o
falecimento destes contribuiu para que o número de pessoas da comunidade também
diminuísse.
Para que os jovens se identificassem com a forma de culto e tradições existentes, era
significativo que a liderança dos eslavos atentassem para que estes fossem criados dentro dos
costumes de seus pais e/ ou avós160, visando à manutenção de uma “cultura eslava”161. Porém,
desde a segunda metade da década de 1940, a Congregação Eslava de Curitiba já tinha uma
classe bíblica para crianças em português. Elas vieram para o Brasil ainda pequenas, ou
mesmo nasceram aqui e entendiam pouco da língua de seus pais. Alguns até conseguiam
comunicar-se nas línguas russa, polonesa e ucraniana, mas na medida em que eram educados
em colégios brasileiros, necessitavam de um maior domínio da língua portuguesa162. Este fator
fez, aos poucos, os mais novos adotarem mais o português em seu cotidiano, deixando de lado
as línguas eslavas. Além disso, os ritos e tradições existentes também foram sendo deixados
de lado. As gerações nascidas e/ ou criadas no Brasil não adotaram os valores passados pela
158 As mulheres, principalmente, deveriam cumprir algumas obrigações em relação a sua aparência. Não deveriam usar qualquer tipo de maquiagem, jóias e cabelos curtos. Essas eram restrições que partiam de alguns líderes da comunidade. (Entrevista 5) 159 Ata Congregação de Curitiba da Primeira Igreja Evangélica Batista Russa de São Paulo, Livro 1, 02/03/1953. 160 Havia a “recomendação aos pais e professores, da escola dominical, a realizarem sua importante função de crear e educar os seus filhos, crianças e mocidade em sua própria língua, na vida espiritual e moral. Esta educação muito importante para o povo eslavo, principalmente aos crentes.” (Ata da Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba, Livro 1, 08/08/1957) 161 Uma das maneiras de “fabricar a etnicidade [é] a língua: a escola primária e a família são as principais instituições que produzem a etnicidade como comunidade lingüística. Contudo, a ‘comunidade de língua não basta para a produção da etnicidade’. Ela não tem em si mesma um princípio de clausura: ‘ela assimila seja quem for ou qualquer um e não prende ninguém.” (POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Jocelyne, op. cit., p.51)
39
comunidade eslava, mas tiveram comportamentos que lhes permitiram integrar-se a igrejas e à
sociedade brasileira163. Dessa forma, poucos jovens continuaram na Primeira Igreja
Evangélica Batista Eslava de Curitiba e conforme os membros mais idosos foram falecendo, a
comunidade foi diminuindo.
Na década de 1970, a Igreja já continha um número bem menor de membros. Aos
poucos, em alguns cultos e em partes da sua liturgia era empregado português, mas as línguas
russa, ucraniana e polonesa ainda se faziam muito presentes. Porém, como a comunidade
estava reduzida, a liderança da Igreja iniciou uma discussão para a mudança no formato dos
trabalhos eclesiásticos empregados. A antiga visão de propagar o evangelho entre os eslavos,
já não fazia tanto sentido, pois havia poucas pessoas dessa etnia dentro e fora da comunidade.
Para que a Igreja voltasse a crescer era necessário redirecionar os trabalhos da comunidade.
Como parte desse projeto, a Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba muda seu
nome, no ano de 1978, para Igreja Evangélica Batista da Água Verde e tem por objetivo
atender as “necessidades espirituais” dos brasileiros e não mais dos eslavos da cidade de
Curitiba. Com a reestruturação nas formas de culto e ritos existentes até então, o português
torna-se a única língua utilizada em todas as atividades da “nova” Igreja. Assim, os batistas
remanescentes nessa comunidade, dão início a uma nova forma de trabalho: propagar o
evangelho entre os brasileiros da capital paranaense.
162 Alguns tiveram dificuldade com o aprendizado do português, porém depois de aprenderem a língua, deixaram os outros idiomas de lado. (Entrevista 5) 163 POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Jocelyne, op. cit., p. 67.
40
Conclusão:
O trabalho missionário batista foi introduzido no Brasil a partir da segunda metade do
século XIX. As Igrejas, Convenções, Juntas Missionárias e demais instituições, foram criadas
todas com o objetivo de expandir as crenças da denominação pelo vasto território brasileiro.
Os missionários, sobretudo norte-americanos, preocuparam-se em fornecer “assistência
espiritual” a todos os brasileiros e eventuais estrangeiros que também aceitassem a mensagem
que estava sendo transmitida. Deste modo, aos poucos, a denominação foi crescendo e
abrindo várias frentes de trabalho em todas as regiões do Brasil. Porém, a introdução e
formação de grupos religiosos batistas não resultou apenas da ação de missionários norte-
americanos e brasileiros. Houve também outras formas com as quais surgiram as
comunidades e, conseqüentemente, a expansão da fé batista. Por exemplo, o movimento
imigratório trouxe para o Brasil, tanto dos Estados Unidos como da Europa, “professantes” da
denominação batista que se instalaram e deram continuidade à sua forma de culto. Muitas
vezes, esses indivíduos auxiliaram no estabelecimento de trabalhos missionários nas regiões
onde se encontravam.
Entretanto, a formação de Igrejas Batistas na cidade de Curitiba ocorreu
exclusivamente pela atuação de trabalhos missionários. O ponto de destaque desse trabalho
foi a atuação de um grupo de missionários com um objetivo específico: o de pregar o
evangelho entre “os eslavos” da capital paranaense. As pessoas vindas do leste europeu, ao
entrarem em contato com esses evangelistas, foram alvo de um trabalho dirigido
especificamente a eles. A partir do momento em que se sentiram bem acolhidos por essa
forma de atuação empregada pelos batistas e, em conseqüência, de ter “assistência espiritual”
na sua língua própria, identificaram-se e como resultado, aderiram à nova fé.
Conforme o grupo de pessoas “eslavas” foi crescendo, precisavam de uma organização
em que houvesse um direcionamento para que seus trabalhos pudessem prosseguir. Assim
constituíram a Congregação Eslava de Curitiba, ligada a uma “igreja mãe”, a Primeira Igreja
Evangélica Russa de São Paulo, que lhe daria suporte financeiro e “espiritual”. Ao mesmo
tempo necessitavam de um local maior para que suas reuniões pudessem ser realizadas.
Utilizando o espaço cedido pela Primeira Igreja Batista de Curitiba, entraram em contato com
os brasileiros, mas foram distinguidos desses. Em face de uma dicotomia Nós/ Eles,
autodenominaram-se “eslavos”, para abranger todas as suas especificidades étnicas,
destacando assim sua identidade. Congregados em um mesmo espaço reforçaram a visão de
41
desenvolver sua atuação apenas entre “pessoas de uma mesma origem”, concentrando-se no
papel de propagar o evangelho.
No início, a Congregação Eslava de Curitiba teve êxito em sua atuação. Porém, após
seu crescimento, as diferenças histórico-culturais tornaram-se mais intensas, tendo como
efeito a dissensão de dois grupos: parte dos poloneses e dos ucranianos voltaram-se para um
trabalho que incluísse apenas pessoas de “seus grupos étnicos”. Em meados da década de
1940, quando já separados dos brasileiros e com a compra de um local próprio para
realizarem suas atividades eclesiásticas, ambos os grupos reivindicaram um missionarismo
voltado apenas “a seus patrícios”, e não mais a todos os “eslavos”. Deste modo, queriam um
espaço para trabalhos próprios, separando-se dos outros grupos, por uma língua e cultura
própria. Assim demonstravam que, apesar da denominação “eslavos”, havia diferenças entre
os membros da comunidade. Parte dos ucranianos e poloneses não sentiam-se à vontade com
as várias formas em que as atividades eram realizadas: tanto o missionarismo, como a liturgia
dos cultos, realizados nas línguas russa, ucraniana e polonesa. A separação daria maior
liberdade para que cada etnia, separadamente, pudesse empregar sua própria forma de culto e
trabalhos evangelísticos. Nesse momento, o contexto interétnico, mais uma vez, acabou por
delinear os rumos da comunidade. Os grupos que se dissociaram formaram comunidades
próprias, com um modelo de trabalho religioso diferenciado do modo como estavam sujeitos
anteriormente, adequando todas as suas atividades a costumes e idioma próprios. Por outro
lado, os que continuaram no grupo, não deixaram de se identificar como “eslavos”. Pelo
contrário, não só deram prosseguimento aos seus cultos, como também intensificaram suas
atividades evangelísticas visando à maior propagação do evangelho pela capital paranaense,
consolidando sua organização como Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba no
ano de 1955.
O processo de assimilação da cultura local, sofrido pelas gerações mais jovens da
comunidade, contribuiu para o seu término. No que diz respeito à língua, esses, ao serem
educados em escolas brasileiras, aos poucos deixaram de lado o idioma de seus pais e avós e
utilizavam cada vez mais o português mesmo por não aprenderem completamente os idiomas
falados dentro do grupo eslavo. Esse fator auxiliou na saída e subseqüente entrada dessas
pessoas em Igrejas onde pudessem melhor se integrar aos trabalhos eclesiásticos. Além disso,
as tradições e formas de rito empregados afastaram os jovens da comunidade. Esses, já em
maior contato com a sociedade brasileira, não se identificavam mais com os costumes da
comunidade eslava, principalmente em relação à vestimenta, à severidade dos ritos religiosos
42
e modo de se portar no dia-a-dia. Em decorrência disso, houve aqueles que optaram por
renunciar a fé de seus pais e avós e não adentrar em outro grupo religioso.
A Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba desenvolveu seus trabalhos até
a fins da década de 1970. Porém, é significativo que, desde início da década de 1960,
conforme as gerações mais jovens saíram da comunidade e os membros fundadores do
trabalho entre os “eslavos” foram falecendo, a comunidade via, gradativamente, o seu número
de membros diminuir. Para que a Igreja pudesse dar continuidade a suas atividades, sua forma
de atuação teve que ser renovada. O missionarismo realizado somente entre pessoas do seu
mesmo grupo étnico deixou de fazer sentido, pois o número de russos, ucranianos e
poloneses dentro e fora da comunidade era cada vez menor. No intuito de fornecer
“assistência espiritual” aos brasileiros, a Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba
passa a denominar-se Igreja Evangélica Batista da Água Verde. Assim, termina o grupo
eslavo da cidade de Curitiba.
As dificuldades com a documentação dessa comunidade dificultaram um maior
aprofundamento em relação a sua constituição e seu “regimento” interno. Após a organização
da Congregação Eslava de Curitiba, recorri às atas da Primeira Igreja Batista de Curitiba.
Através desses registros, houve a possibilidade de observar o grupo “eslavo” em contato com
os brasileiros. No período em que os batistas “eslavos” utilizam o espaço da Igreja
Presbiteriana Central, houve o envio de uma carta, por parte dos líderes da Congregação,
solicitando as dependências dessa comunidade, entretanto, estudando a documentação
disponível na Igreja, não consegui maiores informações de “como” e o “por quê” esse grupo
de batistas decidiu pedir auxílio a uma comunidade religiosa que não era da sua denominação.
Já do período em que esse grupo realiza seus cultos junto à Escola Batista de Treinamento,
que é anterior a compra de um local próprio para desenvolvimento de seus trabalhos
eclesiásticos, não encontramos nenhum registro. As atas da Congregação remontam apenas ao
ano de 1948, quando há a inauguração do templo dessa comunidade, até sua organização
como Igreja, em 1955. Não sendo possível o acesso às atas da “igreja mãe”, a Primeira Igreja
Evangélica Batista Russa de São Paulo, as informações obtidas foram apenas parciais. O
relacionamento entre as duas comunidades e o envio de membros por parte da Igreja de São
Paulo a Curitiba para fornecimento de “assistência espiritual”, poderiam ser melhor
explicitadas com a documentação completa. Para maior precisão das informações do
missionarismo empregado na capital paranaense, além dos entrevistados, utilizamos pequenos
folhetos disponíveis, que continham algumas informações referentes ao trabalho praticado
pelos evangelistas.
43
Os registros como Primeira Igreja Evangélica Batista Eslava de Curitiba iniciaram-se no
momento de sua fundação até o ano de 1964, quando findam os dados documentados por
motivos desconhecidos. Outra dificuldade em relação às fontes são as atas escritas em russo.
Utilizamos apenas os livros em português, o que mais uma vez, não contempla a comunidade
em sua totalidade, já que os membros eslavos não compreendiam completamente a língua
portuguesa. A documentação aproveitada, além de incompleta, apresenta algumas imprecisões
referentes aos trabalhos evangelísticos realizados nas casas dos membros da comunidade, ou
pessoas que disponibilizavam suas residências para os cultos. Como o missionarismo
empregado era uma grande preocupação por parte dessas pessoas, o maior conhecimento
desses trabalhos tornariam o estudo mais completo. Para amenizar toda essa falha e acesso à
documentação, aproveitamos o relato oral de membros que fizeram parte dessa comunidade
religiosa. Esses são filhos e netos dos fundadores da comunidade eslava, inseridos em seu
desenvolvimento em vários momentos, desde sua infância até a extinção do trabalho entre os
“eslavos”. Alguns dos entrevistados exerceram cargos administrativos na comunidade,
participando ainda de forma mais ativa nas atividades durante o período observado. As
experiências, participações, contribuições desses indivíduos dentro do grupo eslavo,
enriqueceram o trabalho, pois as descrições obtidas, auxiliaram as fontes utilizadas e
possibilitaram uma abordagem melhor das questões aqui tratadas.
Por fim, as dificuldades, a falta de acesso a uma bibliografia mais especificada sobre o
assunto e a carência de maior precisão das informações obtidas na bibliografia encontrada,
deixaram lacunas no que diz respeito à chegada e o posterior crescimento de Igrejas Batistas
no leste europeu, à imigração de grupos batistas específicos para o Brasil, bem como sua
constituição e a forma de atuação missionária ao longo do território brasileiro.
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5. Referências Bibliográficas. ANDREAZZA, Maria Luiza. Paraíso das Delícias. Estudo de um grupo imigrante Ucraniano 1895-1995. Curitiba, 1996. AZEVEDO, Israel Belo de. A celebração do indivíduo: a formação do pensamento batista brasileiro. São Paulo: Editora Unimpe, 1996. BALHANA, Altiva Pilatti & BORUSZENKO, Oksana. Alguns Problemas de Aculturação nos Campos Gerais. REVISTA DO MUSEU PAULISTA - Nova Série - Volume XIV, São Paulo, 1963. p. 321-334. BÍBLIA SAGRADA. Língua Portuguesa. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2003. CAVALLARI, Nivaldo. Centenário de Fé: História da Primeira Igreja Batista de Paranaguá. Paraná: Edição A. D. Santos Editora, 2003.
DREHER, Martin N. Imigrações e história da Igreja no Brasil. Aparecida SP: Editora Santuário, 1993. HANEIKO, Valdemiro Pe. Em defesa de uma cultura. Rio de Janeiro: Cobrag, 1974.
HOBSBAWN, Eric. A era dos impérios: 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. KEIDANN, D. M. Uma Introdução à história dos batistas no Rio Grande do Sul numa perspectiva transcultural. Minas Gerais: IEPG; 1996.
KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências: Transformação econômica e conflito militar de 1500 a 2000. Rio de Janeiro: Campus, 1989. LIMA, Jaime Augusto, História dos Batistas Regulares no Brasil. São Paulo: Editora Batista Regular, 1997. MASKE, Wilson. Os menonitas e a Construção do Novo Reino. HISTÓRIA: QUESTÕES E DEBATES, Curitiba, n. 28, 77-105 , 1998. PEREIRA, José Reis. História dos Batistas no Brasil. Rio de Janeiro: JUERP; 2001. PORTAL, Roger. Os eslavos, povos e nações. Rio de Janeiro: Editora Cosmos, 1968. PORTER, C. Paulo. Organização Batista: para a Evangelização do Mundo. Casa Publicadora Batista. Rio de Janeiro, 1962. POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da Etnicidade; seguido de Grupos Étnicos e suas Fronteiras, de Fredrik Barth. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. RONIS, Osvaldo. Uma Epopéia da Fé: História dos Batistas Letos no Brasil. Casa Publicadora Batista. Rio de Janeiro, 1974.
45
SOUZA, Sóstenes Borges de. Enciclopédia Batista Brasileira. Salvador: Artios, 1996. WACHOWICZ, Ruy Christovam. O camponês no Brasil. Curitiba: Fundação Cultural, Casa Romário Martins, 1981.
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LISTA DE PESSOAS ENTREVISTADAS:
Ana Ghenov, entrevista realizada no dia 06 de novembro de 2009.
Basílio Homenko, entrevista realizada no dia 01 de novembro de 2009.
Dulce Eutuchenko Homenko, entrevista realizada no dia 01 de novembro de 2009.
Eugenia Protscki Regeta, entrevista realizada no dia 30 de setembro de 2009.
Pawlo Nasarez, entrevista realizada no dia 01 de novembro de 2009.
Olga Waculicz, entrevista realizada no dia 03 de novembro de 2009.
TRANSCRIÇÕES DOS TRECHOS MAIS RELEVANTES DAS ENTREVISTAS
CONCEDIDAS:
Entrevista um:
Meu pai veio da Ucrânia, minha mãe próximo da Ucrânia, já pertencia para a Polônia.
O meu pai moço, servia o governo lá na Ucrânia, depois estava pressentindo que viria uma
guerra, então ele sentiu um desejo: “eu vou para um lugar que esteja aberto as portas.” E
estava aberto para o Brasil e para mais algum lugar e ele optou pelo Brasil. Mais alguns
amigos ouvindo isso se encorajaram e juntos compraram passagem e vieram de navio para o
Brasil. Quando ele chegou ao Brasil, a minha mãe já tinha vindo um pouco antes. Lá eles
moravam não muito distante, mas lá eles não se conheceram. Vieram a conhecer-se aqui no
Brasil. A minha mãe veio com os pais e mais oito irmãos, ela solteira.
Naquele tempo tinha muitos ucranianos e tinha vindo uma leva de navio de ucranianos,
poloneses e eslavos. Então eles costumavam fazer cultos nos lares, evangelizando nos lares,
principalmente dos seus patrícios, porque um eslavo, um ucraniano quando aceita Jesus ele
fica tão feliz, que ele quer que todos seus patrícios também conheçam a verdade,
principalmente esse povo que vem de um lugar sofrido, que já passou por guerra, por miséria,
por tristeza, sabendo que em Jesus ele encontra a paz, ajuda, então ele quer que seu patrício
também aceite. E foi o que aconteceu, os patrícios ajudaram a evangelizá-lo e ele daí
procurava outros patrícios para falar do Evangelho.
Minha mãe, eles eram casados, já tinham três filhos e daí, quando os evangélicos
faziam cultos nos lares, como meus pais eram católicos ortodoxos, eles estavam preocupados
em não ferir a religião deles. Eles tinham medo. Minha mãe pegou uma Bíblia meio
escondidinha e foi fala com o padre ucraniano, aqui na Igreja São Miguel, na rua Paraíba, e
mostrou pra ele se ela poderia ler aquele livro. Ele olhou por cima e disse: “Não tem
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problema, pode ler.” Então daí com mais certeza, mais confiança, meus pais começaram a ler.
Principalmente meu pai, porque minha mãe lia muito vagamente. Começaram a ler e sendo
ainda ajudados por esses irmãos, aprendiam e conheceram a verdade e foi quando aceitaram a
Jesus. Daí eles foram ali na Coronel Dulcídio, na Igreja Batista Eslava, que ali os irmãos eram
de lá. Daí eles foram batizados e ali eles freqüentaram durante um bom tempo.
Nem todos da minha família aceitaram a palavra. Como eu disse vieram oito filhos
para o Brasil. Tinham ficado dois dos mais velhos, que já eram casados, esses ficaram na
Europa. E quatro se converteram e quatro não. Então ficaram ali na Igreja, depois casaram,
ficou uma pra cá, um pra lá. Alguns ficaram na Igreja Ucraniana, um ficou na Igreja Polonesa
e os outros aqui na Igreja Ucraniana.
A Igreja Batista Eslava, lá na Coronel Dulcídio, ali se reuniam poloneses, ucranianos,
russos, como eu disse o povo que vinha da Europa e foi crescendo e foi ficando difícil para
todos trabalharem juntos. Eles conversavam cada um usando a sua própria língua. Pra quem
fala ucraniano, ele entende um pouco em polonês e também em russo. Tanto é que eu só de
ouvir e de freqüentar Escola Dominical eu até hoje entendo um pouco de russo e polonês. Mas
não era fácil, principalmente para as crianças e para os jovens. Mas eles iam conversando
cada um no seu idioma e iam se entendendo. Principalmente a mesma palavra de Deus eles
sabiam cada um lia na sua Bíblia e sabiam o que tava sendo lido.
Daí foi aumentando, povos por aí, então os ucranianos, o meu pai um deles, resolveu e
pensou: “que tal nós trabalhar separado?! Para o nosso povo ucraniano.” Os poloneses da
mesma forma, abriram uma Congregação para o seu povo. E os russos e os eslavos ficaram ali
na Coronel Dulcídio.
Os trabalhos evangelísticos era muito difícil. Porque naquela época não tinha a
facilidade de locomoção de ônibus como hoje. Então meu pai, mais alguns irmãos, com os
filhos, inclusive eu e as minhas irmãs, nós íamos, acompanhávamos, fazia evangelismo longe
daqui, íamos a pé, aquele sol castigava, um sol de domingo a tarde, para levar o evangelho.
Muitos se convertiam nessas ocasiões. Era feito nas casas, tudo nas casas, nos lares. Tudo em
ucraniano, porque as pessoas, como eu falei, veio várias levas de imigrantes para o Brasil,
inclusive a família Nasarez, os irmãos Demétrio Nararez, eles se converteram e foi fruto dos
trabalhos dos ucranianos. Agente lia a palavra, cantava, falava poesia, lia histórias e
acontecimentos até reais que saiam nas revistas, porque nós não tinha literatura ucraniana aqui
no Brasil, vinha do Canadá, dos Estados Unidos, mensalmente. Tanto é que meu pai
colecionava, tinha todos os números das revistas e eu gostava muito de ler em ucraniano.
Assim compartilhavam a vida lá e aqui, as dificuldades, as vitórias...era muito agradável.
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O meu pai, Gregório Regeta, como amava muito o trabalho do Senhor, ele abriu as
portas da sua casa. Casa pequena, para receber e faziam culto todo domingo a tarde, se
reuniam na varanda, no quintal, porque não comportava. Durante mais ou menos quatro, cinco
anos, assim se reuniam. Tinha uma boa freqüência, porque tinha bastante visitante. Aqui o
bairro na época com bastante estrangeiros. Então agente sempre convidava amigos, os
patrícios, alguns curiosos, alguns só pra satisfazer o convite, mas sempre tinhas pessoas. Daí
foi ficando pequeno o espaço, porque já tinha a família dele com seis filhos e durante um
tempo se reuniam, onde hoje é a Faculdade Teológica Batista, antes foi Seminário Batista e
antes disso era Instituto Bíblico A. B. Deter. Então emprestavam e uma vez por domingo se
reuniam ali no salão. Depois pensaram; “Não, nós precisamos ter um cantinho nosso...” Mas
todos assalariados, com salários mínimo, pessoas simples. O meu pai tinha um terreno na
Avenida dos Estados, que ele tinha duas frentes. Ele vendeu a metade de um terreno e ali
todos arregaçaram a manga e arregaçaram o bolso, cada um contribuiu com a mão de obra e
investiram. E ali foi constituída a Igreja Batista Ucraína. Era só ucraniano. Os cultos, a
palavra de Deus, os cânticos, poesias, a Escola Bíblica Dominical, só em ucraniano.
Eles eram batizados, os que vinham para a Igreja Ucraniana, tinha um pastor em São
Paulo, pastor Adão Volnaratch, ele serviu durante muito tempo. Ele vinha, era difícil porque
era só de trem, cada quatro/ cinco meses. Então era batizado nessa ocasião. Os diáconos
preparavam os candidatos e eles eram batizados nessas ocasiões. Também depois tinha o
pastor Basílio Rodiuk de Carapicuíba, pastor ucraniano que trabalhava lá entre os irmãos,
também servia para nós nessas ocasiões que era preciso. Até que mais tarde foi consagrado o
irmão Gregório Regeta, que era diácono na época. Daí ele batizava e servia a Ceia e o
trabalho continuava.
Os mais idosos foram falecendo. Muitos mudaram, alguns até que vinham chegando ali
não entendiam o idioma e foi ficando misto, um pouco em português, classes em ucraniano,
mas a dificuldade era de ter um pregador em português. Os pais, líderes, sentiram que os
filhos dos ucranianos, todos andando para escola em português, aprendendo o português,
porque estavam em seu próprio país. Os netos também. Então foram abrindo mão e sentindo
que o trabalho precisa ser realizado em português.
Muitos foram para outras igrejas, porque é claro, os jovens não aprenderam o
ucraniano, nem havia interesse e foram se espalhando. E ali ficaram poucos. Foram casando,
foram se encaixando em outras Igrejas, em outros trabalhos e foram se espalhando e foi
diminuindo aqui. Daí a Igreja precisou deixar por completo o trabalho ucraniano, porque não
tinha quem prosseguisse e pediu socorro para os brasileiros. Depois surgiu o grupo da
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Convenção Batista Pioneira, que vem do sul do país. Nós tivemos uma amizade, uma aliança
com os irmãos pioneiros. Daí eles e nós organizamos a Igreja Batista Avenida dos Estados
com setenta membros na época, só brasileiros.
Entrevista dois:
Eu nasci na Alemanha, mas meus pais são ucranianos. Meu pai e minha mãe vieram da
Ucrânia, foram levados pra Alemanha no tempo da Guerra, de lá se conheceram, casaram na
Alemanha e vieram para o Brasil em 1949, dia 07/11/1949. Daí chegaram na Ilha das Flores
no Rio de Janeiro, vieram até Curitiba e estamos em Curitiba até hoje. Quando nós viemos,
viemos em quatro. O pai, a mãe, eu e a minha irmã. Depois nasceu aqui mais uma irmã minha
e mais um irmão. Meus pais são falecidos, meu pai é Demétrio Nasarez e minha mãe é Maria
Nasarez. Ouviram o Evangelho por intermédio de pessoas batistas que pregaram lá na
Alemanha e depois foram batizados aqui na Primeira Igreja em Curitiba. Assim eles
conheceram a palavra. Minha mãe já conhecia um pouco da palavra porque minha avó era
adventista. O meu avô incentivava minha mãe a se dirigir ao Deus vivo e não dobra os joelhos
perante uma imagem.
Os meus pais conheceram o evangelho, se converteram com a visita desses irmãos que
vieram a nossa casa, onde nós morávamos e pregaram a palavra. Daí eles em função disso se
converteram, foram batizados, depois nós tínhamos ficado e então eles fizeram a construção
da casa no mutirão, um sábado eles ergueram a casa e cobriram. No outro vieram e fizeram o
acabamento. Das necessidades que agente tinha, dificuldades que tinha, sempre tinha a Igreja
dando um apoio. Se não os irmãos daqui, pediam apoio aos irmãos batistas dos Estados
Unidos, do Canadá e mandava ajuda para nos mantermos. Isso fez uma diferença muito
grande na nossa vida. A partir daí começaram a freqüentar a Igreja Eslava. Lá falavam o
ucraniano, o russo e o polonês também. Mas mais prevalecia o ucraniano e o russo. Porque
eles já tinham a convivência juntos. Falava nesses idiomas, mas um entendia o outro. Depois
o pessoal se separou em duas igrejas, mas continuamos batistas. Meus pais se dirigiram para a
Igreja Batista Ucraniana, na Avenida dos Estados, aonde era feito o culto em ucraniano. Mas
freqüentava a eslava também, sempre tinha comunicação entre os irmãos.
Os cultos eram feitos aos domingos, tinha os irmãos abençoados: o Elia Maikut, o
irmãos Lukáks, o Gregório Regeta. Eles vinham de lá a pé para visitar os irmãos por aqui na
região para fazer cultos. Eram uns abençoados que se dedicavam na obra, com amor a causa.
Leitura da palavra, cânticos, isso chamava muito a atenção das pessoas. Os cânticos
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principalmente, na língua, isso despertava atenção demais nas pessoas. Motivava e a
curiosidade natural, inerente da pessoa que fazia ela se achegar. Sempre tinha visitantes.
Tinha os que vinham só por vir e tinha outros que realmente vieram e que essa palavra veio a
produzir frutos. Na Vila Clarice, famílias que eram católicas, batiam o pé e que depois vieram
a se converte. Não freqüentando a batista, mas foram para outras Igrejas, mas foram louva a
Deus do mesmo jeito. Mas se converteram daquela vida errada deles. Tinha muitos daqueles
que depois nós fomos fazer culto na casa deles e tal. E ficaram emocionados, mas tinha algo
que segurava eles, que não deixava se converte e se batiza. Mas a palavra foi pregada. A
palavra foi dita pra eles. Não só pela palavra em si, mas pelos cânticos. Que o cântico que nós
temos no nosso cantor, só o cântico já fala fundo ao coração.
Eu fiquei na Igreja até o final de 1961. Aí eu passei a freqüentar a Igreja Batista do
Novo Mundo. Meu pai já tinha falecido e a mãe continuou membro da Igreja Batista
Ucraniana. Tinha poucos jovens e eu freqüentava a Igreja da Vila Clareice que se associou a
Igreja Batista do Novo Mundo. E ai eu comecei a freqüentar a Igreja ali, pois era cinqüenta
metros de casa. Minha mãe era membra lá e freqüentava a Igreja lá por causa da língua que
ela falava em ucraniano lá, o trabalho era feito em ucraniano. O que fez ela continua foi a
língua, porque falava na língua da pátria mãe.
Entrevista três:
Eu e minha mulher somos da Ucrânia. Mas no tempo da guerra a Alemanha veio e
agente teve que ir trabalhar lá. Daí depois que guerra termino, veio um representante do Brasil
e fez propaganda pra gente vir pro Brasil e falava que tinha terra, que tinha condições e
viemos. Se alistamos pela ONU, que na época não tinha esse nome ainda, e em 1949
chegamos na Ilha das Flores. Chegando aqui no Rio de Janeiro vimos que não era assim tudo
o que eles tinham falado. Tinha gente indo pra Goiás e outros lugares, daí chegou um padre e
falou pra ir pro Paraná, que lá tinha muito ucraniano e fomos pra Ponta Grossa. Ficamos num
quartel lá uns dois meses, daí não tinha serviço e fomos pra perto de Guarapuava. Ficamos
mais uns nove meses lá e daí viemos pra Curitiba. Aqui na sociedade ucraniana ficamos,
achamos serviço e ficamos.
Eu morava no Santa Cândida e tinha que ir pro Bacacheri pega ônibus pra ir pra casa.
Daí um dia uma família russa que morava ali perto, entre o Bacacheri e o Santa Cândida, me
convidou pra ir na reunião deles. Um dia eu cheguei em casa e vi uns russos conversando com
minha mulher e eu não gostei muito. Mas daí, depois eu vi que o russo daqui não era o mesmo
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que me maltratava lá na Ucrânia né! Depois de um tempo, depois de minha mulher insistir
fomos em uma reunião, antes agente tinha brigado muito, não sei porque...mas daí quando
chegamos lá, começamo a chora e fizemos as pazes. A primeira vez que cheguei na
Congregação, que era da Primeira Igreja Russa de São Paulo ainda, olhei num cartaz tava
escrito em russo e em português, mas português não entendia nada né, “Sangue de Jesus
purifica todos os nossos pecado.” Daí eu pensei: “vi tanto sangue na guerra, vi tanta coisa
ruim...e agora aqui falando de mais sangue, ah eu não gostei!” Mas daí na pregação o pastor
falou do que era esse sangue de Jesus e entendi que desse sangue eu também precisava. Daí
entendi o evangelho e a mensagem.
Quem convidou agente pra ir na Igreja foi o pai da Olga e mãe da Olga e mãe do
Wladimir Tymchak. Essa três pessoas. Eles deram pra mim um folheto, depois eu convidei
meu marido ele disse: “não vou”. Depois veio gente para trabalha, visita, pra fala do
evangelho, convidaram pra i na igreja. Depois eu falei pro meu marido: “vamo, vamo vê que
que é isso, porque nunca vimo né!” Quando chegamo lá, até hoje não saímo. Tudo morreu,
tudo saiu e nós tamo lá até hoje ainda.
Nós tinha armário com literatura, com folheto, então cada um pegava folheto e sábado
e domingo, nós tinha conosco sempre folheto, e entregava. E eu convidava gente pra i na
Igreja, fala com o pastor. Cultos nos lares era feito na casa de pessoas, de quem concordava
daí ia. Tinha uma polonesa que se converteu era idosa e ela dirigia, respeitava muito. Ela tinha
memória boa, gravava na mente bastante a Palavra. Lá agente fazia culto e era muito bom.
Daí a Igreja começou a crescer, porque tinha imigrantes que vieram depois da guerra. Depois
os poloneses relaxaram, acharam que eles poderiam sozinho e ucranianos também. Assim
pensavam, mas isso é de cada um. Mas eu como morava lá, fiquei e não fui procura outra
Igreja.
Meu marido disse: “acho que vamo muda um pouco” e eu disse: “não, vou morre
aqui!” Tem gente conhecida, conhecia a Igreja, parece que agente ta dentro de casa. Nós
construímo casa no Bairro Alto, depois fui zeladora da Igreja. Moramos oito anos lá na casa
dos fundo da Igreja. Depois compramo um terreninho, tinha casa lá no Bairro Alto, em
deixamos lá e moramos na Igreja.
Sempre tinha culto, escola dominical, tinha bastante visita, festa. Vinha Molochenco,
família de Molochenco, a cada ano tinha Convenção. Vinha gente de Ponta Grossa, na época
das férias das crianças, vinha de São Paulo, Buri...cada ano cada Igreja fazia isso.
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Entrevista quatro:
Meus pais vieram da Europa de navio, meu pai veio da Ucrânia e a minha mãe veio da
Bulgária. Meu pai veio sozinho, com amigos e minha mãe veio com os pais.
Na casa do meu avô tinha reunião semanal que reuniam-se para estudar a bíblia e meu pai foi
convidado para participar dessa reunião. Com o tempo se conheceram, com a minha mãe que
depois também se converteram nessa reunião, porque não tinha Igreja ainda e só
freqüentavam só essa reunião e ali eles se converteram. Depois quando meu pai queria se
batiza, na ocasião o pastor Simion Molochenco veio a Curitiba e daí fez o batismo do meu
pai no dia 04/11/1934 e nessa ocasião ficou a fundação e organização da Congregação Batista
Eslava.
A congregação começou, depois da casa do meu avô, eles pediram licença em uma das
salas da Primeira Igreja e ficaram um bom tempo lá. Depois eles passaram pra uma das salas
da Igreja Presbiteriana, na rua Comendador Araújo. De lá também passaram para uma das
salas aqui no Instituto Bíblico, que hoje é a faculdade. Depois com o tempo eles conseguiram
compra o terreno aqui, junto com uma casa, que hoje é a nossa Igreja aqui, no ano de 1946.
Até hoje nós estamos aqui. Os cultos aqui eram feitos com várias famílias, tinha algumas
famílias que vieram de São Paulo para ajudar aqui nos cultos e com o tempo elas foram
embora outra vez para São Paulo. Então ficou o número de membros reduzido e por isso que
nós só fizemos a organização da Igreja mais tarde como os moradores próprios daqui de
Curitiba no ano de 1955.
Os membros eram pessoas vindas da Europa, alguns búlgaros, outros ucranianos, tinha
alguns russos também e poloneses que vieram aqui. Eram convidado pelos membros já
crentes para que eles ouvissem a palavra de Deus e assim eles fossem se convertendo, até que
teve um número mais ou menos grande que pudéssemos organizar a Igreja. Na Igreja eles
falavam o russo, o ucraniano e o polonês. Eles procuravam entender um ao outro, as palavras
que pudessem entender e através da Bíblia também eles procuravam aprende cada vez mais e
um ensinando o outro. Assim se entendiam mais ou menos. A Igreja ficou assim bastante
tempo. Depois nós tivemos um grupo de ucranianos que achavam por bem se separarem para
conquistar as pessoas ucranianas para sua Igreja. E outro grupo de poloneses também se
separaram para conquistar os poloneses que tinham aqui em Curitiba. Os que ficaram, não
tiveram interesse de acompanhar essas igrejas que foram constituídas depois. Ficando aqui
também algumas famílias russas, ucranianas e polonesas.
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Nós tivemos uma família, que ela foi encontrada lá no Capão Raso e daí começamos a
fazer o culto, aos domingos, às três horas da tarde, e eles permitiram que a Igreja fosse lá.
Tinha vários cânticos em russo e ucraniano, a família era russa e a pregação também era em
russo. Quem dirigia esse culto era meu pai. Então todos os domingos era feito lá e eram
convidados também os vizinhos para que fossem assisti, a ouvir a palavra de Deus lá. Assim
foi indo e depois essas pessoas começaram a vim na Igreja também. Tivemos muitas pessoas
que vieram na Igreja e se converteram depois, mais tarde, aqui dentro da Igreja também.
Porque gostavam de ouvir a palavra de Deus na sua própria língua no Brasil.
Enquanto era a Igreja Eslava nós tínhamos as pessoas que entendiam as nossa línguas,
mas como vinham pessoas que conheciam a língua portuguesa e muitos também faleceram,
dos eslavos, os jovens casaram, foram para os Estados Unidos, famílias também voltaram
para a Rússia e ficou com menos russos aqui e mais portugueses que daí virou o nome da
Igreja Evangélica Batista da Água Verde. Como ficou um grupo pequeno de eslavos, nós
formamos uma classe de Escola Bíblica Dominical que eles estudavam na sua própria língua,
todos os domingos. Até que o grupo se desfez por motivo também que algumas pessoas
faleceram, inclusive o professor.
Entrevista cinco:
Meu pai veio para o Brasil, depois da crise lá da Europa, que eles eram russos, aliás
búlgaros. Mas quando a Rússia tomou conta da Bulgária, eles foram para Romênia. Então eles
vieram para o Brasil como romenos. A documentação deles era romena. Meu pai veio com a
família, eles eram em sete irmãos. Meu avô, minha avó os pais dele vieram direto para o porto
de Paranaguá. Depois foram trabalha numa fazenda de café em Londrina e depois foram para
o estado de São Paulo, na colônia Esperança. Lá eles se estabeleceram e foi lá que eu nasci.
Minha mãe também veio com os pais, eles se conheceram no navio que veio pro Brasil. Como
as famílias tinham o mesmo nome, mas não eram parentes, os meus avôs conversaram no
navio e se conheceram.
Agente freqüentava a Igreja Eslava quando agente tava aqui em Curitiba e quando
agente tava em São Paulo, agente freqüentava uma Igreja Batista lá que era búlgara. Porque
quando meu pai quis casa, o pai dele veio aqui pra Curitiba e pediu a mão da minha mãe em
casamento pro meu pai. Como eles já tinham se conhecido no navio, daí deu certo. Daí eles
casaram e foram mora lá. Lá então tinha uma Igreja que eles pregavam em búlgaro e agente
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freqüentava lá. Quando a dificuldade na roça, não tinha colheita, não tinha nada, eles vinham
aqui pra Curitiba e daí nós freqüentávamos a Igreja Eslava aqui na Água Verde.
Aqui eles falavam uma língua que agente pouco entendia. Então tinha uma classe pra
crianças, eu, meus irmãos, meus primos, que eu me lembro, nós freqüentávamos essa classe e
era uma tia minha que dava aula pra gente. Daí quando era hora do culto nós íamos pro culto.
Os homens sentavam de um lado, as mulheres sentavam de outro e as crianças ficavam com a
mãe. Agente não entendia nada, mas ficava ali do lado.
Quando nós começamos a crescer, nós éramos em nove irmãos, meu pai achou por
bem eu ir para a Primeira Igreja, porque lá agente entendia o português e eles também, então
nós acabamos ficando na Primeira Igreja. Na eslava também não podia corta o cabelo muito
curto, usa perfume...essas coisa não tinha...era mais rígido.
Meu pai continuou na Primeira Igreja com agente, porque ele nos levava na Igreja
todos os domingos de manhã e de tarde e ia conosco. A não ser que uma festa, num
casamento, daí todos nós íamos na Igreja Eslava. Mas ele também continuou freqüentando a
Primeira Igreja.
Quando nós éramos pequenos e morávamos lá no estado de São Paulo, na casa do meu
pai, nós só falávamos em búlgaro. Não sabíamos falar em português. Eu vim pra Curitiba com
uns três anos e aqui eu aprendi a fala em português. Forçado porque agente tinha que ir pra
escola. Mas depois que nós aprendemos o português nós passamos a falar português. Apesar
de que quando meu pai, minha mãe queria fala alguma coisa eles falavam em búlgaro. Mas
nós passamos a falar só em português.
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NOMES DAS FAMÍLIAS ENCONTRADAS NAS ATAS DA COMUNIDADE ESLAVA
DE CURITIBA:
Os nomes das famílias aqui expostos estão presentes nos livros da Primeira Igreja
Batista de Curitiba, no período de 1935 a 1958, na carta enviada a Igreja Presbiteriana
Central, na data de 23 de outubro de 1943, e nas atas da comunidade eslava, do período de
1948 a 1965.
Nome de russos: Cravsos, Dotkow, Genov (Ghenov), Krutchkov, Stoianov e Volkoff.
Nome de poloneses: Blastak, Bodnarezek (Bodnareasek), Caresk, Hanhak, Kaniak,
Klinczk (Klinczek), Koth, Misiuta, Smal, Stranad, Waculicz e Wronski (Wconski).
Nome de ucranianos: Ghuz (Huz), Howotrocki (Howotrotzki), Kondratski, Kornelhuk
(Kornelliuk, Homelhuk, Horneluck), Lis, Matuchak, Ochren (Okren), Tarasiuk, Terechtenko e
Tracz.