BEATRIZ Alguns apontamentos Psicoterapias fenomenológico-existenciais B.F

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  • 8/4/2019 BEATRIZ Alguns apontamentos Psicoterapias fenomenolgico-existenciais B.F

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    Beatriz F. Lima

    28Revista da Abordagem Gestltica XIV(1): 28-38, jan-jun, 2008

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    ALGuns ApOnTAmEnTOs sOBRE A ORIGEm DAspsICOTERApIAs FEnOmEnOLGICO-ExIsTEnCIAIs

    A Few Notes about the Origin of the Phenomenological-existential Psychotherapies

    Algunos Apuntes sobre el Origen de las Psicoterapias Fenomenolgico-existenciales

    beatriz Furtado lima

    Resumo: A Psicologia foi marcada por fundamentos filosficos na Fenomenologia, Existencialismo e Humanismo. Tais perspec-tivas modificaram a forma de se conceber o homem e de se fazer cincia, contribuindo tambm para o surgimento das psicote-rapias de cunho fenomenolgico-existenciais. O artigo faz um breve percurso histrico pelas principais linhas de pensamentoque embasam as psicoterapias de tal abordagem, mencionando os filsofos e psicoterapeutas mais importantes. O estudo iniciadiscutindo as primeiras mudanas de perspectivas, quando, superando a viso mecanicista, o homem comea a ser considera-

    do parte de um sistema funcional de interconexes com o mundo, surgindo, posteriormente, a Psicologia do Ato de Brentano ea Fenomenologia de Husserl. Em seguida, apresenta o Existencialismo, quando o homem passa a ser reconhecido como um serlivre e capaz de construir sua prpria histria; e o movimento Humanista, quando foram despertados muitos valores humanoscomo a potencialidade e a tendncia ao crescimento. Por fim, discutem-se as principais noes e conceitos chaves que, oriundosdas correntes de pensamento citadas anteriormente, caracterizam as psicoterapias de cunho fenomenolgico-existenciais comosendo uma abordagem que reconhece a liberdade humana e respeita o cliente como um ser capaz de encontrar seu prprio ca-minho uma vez que se encontre em um ambiente favorecedor.Palavras-chave: Fenomenologia; Existencialismo; Humanismo; Psicoterapias.

    Abstract: Psychology has been influenced by philosophical fundaments from the Phenomenological, Existential, and Humanistmovements. Such prospect changed the way of conceiving man and making science, contributing, as well, to the emergenceof the phenomenological-existential psychotherapies. This paper presents a brief historical journey through the main lines ofthought that fundament the psychotherapies of such approach, mentioning the most important philosophers and psychother-apists. The study begins discussing the first perspective changes, when, overcoming the mechanistic point of view; the man

    begins to be considered part of a functional system interconnected with the world. It is shown that, afterwards, arise the ActPsychology of Brentano and Husserls Phenomenology. Subsequently, presents the Existentialism, when man is recognized as afree being and able to build its own history; and the Humanist movement, when many human values are revealed such as thehuman potential and tendency to growth. Finally, it is discussed the main ideas and concepts, from the thoughts mentionedabove, that characterize the phenomenological-existential psychotherapies as an approach that recognizes human freedom andrespects the client as someone able to find their own way once immersed in a favorable environment.Keywords: Phenomenology; Existentialism; Humanism; Psychotherapies.

    Resumen: La Psicologa fue influida por fundamentos filosficos de la Fenomenologa, del Existencialismo y del Humanismo.Tales perspectivas modificaron la forma de concebir al hombre y de hacer ciencia, contribuyendo tambin al nacimiento de laspsicoterapias de base fenomenolgico-existenciales. El artculo hace un corto recorrido histrico por las principales lneas depensamiento que fundamentan dichas psicoterapias, mencionando a los filsofos y a los psicoterapeutas ms importantes. Elestudio se inicia discutiendo los primeros cambios de perspectivas, cuando, superando la visin mecanicista, el hombre empie-

    za a ser considerado parte de un sistema funcional de interconexiones con el mundo, surgiendo, posteriormente, la Psicologadel Acto de Brentano y la Fenomenologa de Husserl. Luego, presenta al Existencialismo, cuando el hombre pasa a ser recono-cido como un ser libre y capaz de construir su propia historia; y al movimiento Humanista, cuando emergen muchos valoreshumanos como la potencialidad y la tendencia al crecimiento. Finalmente, son discutidas las principales nociones y conceptosclaves que, procedentes de las corrientes de pensamiento citadas anteriormente, caracterizan las psicoterapias fenomenolgico-existenciales como un abordaje que reconoce la libertad humana y respeta al cliente como un ser capaz de encontrar su propiocamino una vez que se encuentre en un ambiente favorable.Palabras-clave: Fenomenologa; Existencialismo; Humanismo; Psicoterapias.

    Itrodo

    A Psicologia desenvolveu-se, no decorrer de sua his-tria, fundamentando-se em correntes de pensamento eteorias filosficas. Durante esse percurso, o qual se ini-

    cia ainda nas primeiras matrizes mecanicistas, vo sur-gindo diferentes maneiras de se conceber o homem e de

    praticar tal cincia. Com o avano do pensamento cien-tfico, evoluem-se as vises de mundo e a Psicologia vaisendo marcada pelas contribuies de importantes pen-

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    Alguns Apontamentos sobre a Origem das Psicoterapias Fenomenolgico-Existenciais

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    sadores fenomenolgicos e existenciais que cruzaramseu caminho.

    A Fenomenologia e o Existencialismo, bem como o mo-vimento Humanista, introduziram um novo modo de seconhecer e trabalhar com o ser humano. O contexto aca-dmico atual revela o olhar fenomenolgico da Psicologia

    ao se fazer cincia. possvel perceber tambm fortes in-fluncias de tais perspectivas na postura teraputica e narelao terapeuta-cliente. No se concebe ser psicotera-peuta fenomenolgico-existencial sem uma compreensodos fundamentos que embasam tal prtica.

    Ao longo deste artigo, so discorridos, brevemente, al-guns apontamentos sobre a insero da Fenomenologia,do Existencialismo e do Humanismo na Psicologia, oque resultou no incio do movimento Fenomenolgico-existencial e influenciou a postura e o olhar de muitosterapeutas. Sero abordados os principais fundamentose conceitos chaves que caracterizam as Psicoterapias

    Fenomenolgico-Existenciais.

    A Feoeologia de Herl

    A Fenomenologia de Husserl constitui-se como umadas maiores contribuies filosficas para a Psicologia,mais especificamente para as psicoterapias de cunhoFenomenolgico-existencial. Ela propunha um pa-ralelismo entre a psicologia e a fenomenologia, poistoda pesquisa psicolgica emprica afirma uma verda-de fenomenolgica ou eidtica, quer dizer, essencial(Raffaelli, 2004, p. 212). Husserl defendia que o estudoexperimental revelaria a essncia de maneira velada,cabendo psicologia desvend-la e compreend-la, oque s seria possvel havendo uma superao dos pre-conceitos naturalistas que embasam o experimentalis-mo (Raffaelli, 2004).

    O sculo XVII, anterior a Husserl, estava marcadopelas influncias racionalistas de Descartes, sendo umapoca caracterizada pelo Mecanicismo, na qual o mun-do e o homem eram vistos como mquinas constitudasde peas com funes especficas e independentes quecontribuam para o todo a partir do bom desempenho desuas funes. Pode-se observar claramente uma redefi-nio das relaes sujeito/objeto, seja no plano da ao,seja no do conhecimento. A razo contemplativa (...) cedelugar, progressivamente, razo e ao instrumental(Figueiredo, 1991, p. 13).

    Nessa poca, tentava-se explicar a natureza, desmem-brando-a em partes e, a partir do entendimento de cadaparte, garantia-se a explicao do todo. No se perce-bia o mundo como um sistema de interconexes e nemse reconhecia a intersubjetividade das aes humanas.Acreditava-se que era possvel compreender o homem

    e o mundo de forma simples e objetiva, estudando atosconcretos e isolados, a partir do que era possvel observar.Esta atitude fez da cincia a criadora do mtodo cientfico,

    dedicada absolutamente ao objetivismo. A instrumenta-lidade do conhecimento converte-se numa das determi-naes internas da cincia, cujos procedimentos e tcni-cas definem-se nos termos de controle, clculo e teste(Figueiredo, 1991, p. 14).

    Assim sendo, tem-se a seguinte situao: o conhecedor (deum lado) que dispe de um mtodo (o qual elimina do pro-cedimento a sua sensibilidade) para atingir o conhecido (dooutro lado). Em sntese, esse o estilo cientfico-naturalistade produzir conhecimento. a herana do dualismo carte-siano que, inflando o sujeito com a racionalidade, fez-lhelimitado em sua existencialidade. Pois, seria como se oconhecimento fosse um empreendimento distinto do ho-mem, como se fosse um ponto isolado, que o pesquisadoratingiria aps despojar-se de sua humanidade viesada, desua sensibilidade (Roehe, 2006, p. 154).

    Tal idia influenciou muitos estudos e reas do conhe-cimento humano, inclusive a Psicologia, a qual, para serreconhecida como cincia, submeteu-se a essa maneirade pensar. O atomismo e o pensamento mecanicista foramfortemente marcantes nos estudos humanos na primei-ra metade do sculo XIX (Figueiredo, 1991). A evidnciaemprica era a base segura para se fundar e validar o co-nhecimento objetivo (Figueiredo, 1991, p. 16).

    No entanto, com o desenvolvimento da cincia e pro-gressos na forma de perceber o mundo, novas matrizesde pensamento vo surgindo. O mundo passa a ser vis-to no apenas pela ptica atomicista e mecanicista, mas

    tambm por um prisma funcionalista, organicista, re-cebendo, inclusive, influncia da teoria da evoluo deDarwin (Figueiredo, 1991). Darwin contribuiu com suasproposies sobre o evolucionismo, quebrando diversascrenas rgidas que permeavam a cincia e a viso dosseres vivos naquele tempo.

    A matriz funcionalista veio trazer uma viso sistmicade se apreender o mundo, contemplando a inter-relaoentre as diversas disciplinas de estudo e as diversas ativi-dades humanas. O homem passa a ser reconhecido comoum sistema funcional de interconexes e possibilidades,sendo considerado um fenmeno individual e singular.

    Tal perspectiva trouxe importantes avanos na compre-enso da subjetividade humana.Assim, novos conceitos vo sendo elaborados e mui-

    tos questionamentos comeam a surgir. O pensamentopositivista vai sendo questionado pela impossibilidadede haver um sujeito inteiramente livre de sua subjetivi-dade. A pura subjetividade passa ento a ser considera-da uma iluso.

    A percepo do objeto supe a percepo da sua identida-de ao longo de uma sucesso temporal de imagens. Todapercepo implica memria e antecipao; o significado

    do objeto depende do que recordamos dele (e de objetossemelhantes) e do que esperamos ver dele sob diferentesngulos (Figueiredo, 2002, p. 176).

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    Franz Brentano, opondo-se principalmente aos natu-ralistas, os quais consideravam o objeto natural, real eexterior, independente s pessoas, lana suas idias so-bre o estudo do ato e, dessa forma, influencia uma novafase da cincia. Brentano defende que a realidade estna conscincia de cada um, na maneira como cada um

    vive o mundo, como se v, sente, toca, ouve e percebe.O fundamental da psicologia brentaniana que a expe-rincia se baseia na percepo interior (Holanda, 1998,p. 3). Surge, ento, a psicologia do ato, a qual vai distin-guir os atos fsicos dos atos psquicos e argumentar queo foco deveria ser no ato psquico. Ela vai levar em con-siderao no mais o objeto em questo, mas sim o ato,isto , no importa a coisa vista, mas o ato de se ver; noimporta aquilo que se sente, mas o ato de sentir.

    interessante ressaltar-se que conscincia e objeto no soem distino e efeito duas entidades separadas na natureza,

    e que o fenomenlogo trataria na seqncia de relacionar.Conscincia e objeto se definem respectivamente a partirdessa correlao que lhes , de certo modo e maneira, co-original (Angerami-Camon, 1993, p. 61).

    Dessa forma, conscincia e objeto so unificados amente est sempre em relao, nega-se a pura objetivi-dade e a pura subjetividade. D-se incio ao estudo daintencionalidade do ato de dar sentido. Sabendo-se,contudo, que nunca se chega ao sentido ltimo porquenunca se esclarece totalmente o conjunto de significa-dos e valores dentro do qual a experincia se constitui

    (Figueiredo, 2002, p. 177).No final do sculo XIX, na Alemanha contempornea,Edmund Husserl (1883-1969), aluno de Brentano, apro-funda as idias do seu professor sobre a psicologia do atoe funda o movimento conhecido como Fenomenologia(Giles, 1975). Parece que o termo fenomenologia j ha-via sido usado no sculo XVIII por Jean Lambert (Zilles,1996) e, mais tarde, por Kant e Hegel (EnciclopdiaMirador Internacional, 1982, vol. 9). Porm, foi comHusserl que a Fenomenologia surgiu verdadeiramen-te como um movimento de pensamento. Para Dartigues(1992), a Fenomenologia nasceu propondo uma terceira

    via entre a filosofia especulativa da metafsica e a cin-cia positivista.Para Husserl, a Fenomenologia seria a descrio dos

    fenmenos como eles so na intencionalidade da consci-ncia, rejeitando, assim, o elementarismo, o naturalismo.Ou seja, seria a busca pelo fenmeno que se constitui nainterao do objeto com a conscincia: subjetividade ver-sus objetividade. O objeto s passa a se constituir comotal quando reconhecido e representado na conscincia.Sem essa correlao no poderia haver objeto nem topouco conscincia (Roehe, 2006).

    Husserl, assim como Brentano, considera a intencio-

    nalidade do ato. No entanto, diferentemente do seu tutor,Husserl se apropria do termo escolstico intencionalida-de dando-lhe um outro sentido. Para ele, a intenciona-

    lidade permitiria investigar o retorno s coisas mesmas,isto , ao fenmeno. O fenmeno para Husserl sim-plesmente aquilo que se oferece ao olhar intelectual, observao pura, e a fenomenologia se apresenta comoum estudo puramente descritivo dos fatos vivenciais dopensamento e do conhecimento oriundo dessa observa-

    o. (Giles, 1975, p. 132).Husserl (1900) cria ento um mtodo para ter acesso

    ao fenmeno: a reduo fenomenolgica, a qual consis-te em suspender todos os preconceitos, valores, teoriascientficas e crenas pr-existentes. necessria, pois,a realizao consciente da reduo fenomenolgica paraobter aquele eu e a vida da conscincia, na qual se deveestabelecer a indagao transcendental enquanto inda-gao da possibilidade do conhecimento transcendente(Husserl, 1900, p. 43). A Fenomenologia nos convida asuspender nossos prprios valores e ir ao encontro dofenmeno da verdade. Como diz Bicudo (2000), Husserlafirma que perceber uma coisa v-la, toc-la, cheir-la,ouvi-la, enfim, senti-la de diferentes maneiras e de acordocom as possibilidades dos sentidos (p. 31). No devemosapreender o mundo como imposto conscincia, mas simpor meio de uma anlise intencional, buscando-se a es-sncia do fenmeno, abstrada de opinies, crenas, pre-conceitos ou valores que possam vir a influenci-la.

    Tal idia reiterada por Holanda (1998), quando des-creve que para se compreender o fenmeno, precisorenunciar a tudo o que particular do sujeito, de modoque lhe seja permitido uma maior liberdade na compre-enso da realidade deste fenmeno (p. 6). Isso reduofenomenolgica: considerarmos ns mesmos como au-tores de tudo, analisar o objeto a partir da nossa prpriaconcepo, captar a inteno, compreender a essncialonge de preconceitos, e inter-relacionar o mundo com anossa mente. Segundo Dartigues (1992), O resultado dareduo fenomenolgica (...) no s o eu penso, mas aconexo ou correlao entre o eu penso e seu objeto depensamento (p. 22). A fenomenologia se tornar, con-seqentemente, o estudo da constituio do mundo naconscincia (Dartigues, p. 24).

    Fenomenologia ir s coisas mesmas, descobri-las tais quaisse apresentam aos meus sentidos, tais quais eu as percebo.Mas um ir em busca aliado minha prpria experin-cia subjetiva concreta. um olhar e ver, no apenas umacolocao diante de algo. participao, envolvimento(Holanda, 1998, p. 5).

    Segundo Forghieri (1993), a reflexo fenomenolgicavai em direo ao mundo da vida, ao mundo da vivnciacotidiana imediata, no qual todos ns vivemos, temos as-piraes e agimos (p. 18). Sendo assim, a fenomenologiaprope-se a ser uma cincia descritiva das essncias dasvivncias. Ao invs de fatos, temos fenmenos. Fatos so-mente so obtidos por abstrao. Fenmenos so vividos(Holanda, 2003, p. 46).

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    A fenomenologia nunca se orienta para fatos, sejam externos,sejam internos e, sim, para a realidade da conscincia, paraos objetos enquanto intencionados por e na conscincia, isto, para as essncias ideais. Para o fenomenlogo as essnciasno so simples representaes (o que seria colocar-se noplano psicolgico) e tampouco realidades ideais hipos-tasiadas (o que seria colocar-se no plano metafsico). Asessncias ideais so para o fenomenlogo fenmenos, isto, aquilo que se manifesta imediatamente na conscincia,alcanado por uma intuio antes de toda reflexo ou juzo(Giles, 1975, p. 137).

    No entanto, na publicao de 1913, Husserl apresentaa reduo transcendental. Essa nova concepo da feno-menologia, na qual se tenta uma completa reduo dosprprios valores, prejuzos e crenas sendo o homemo autor de tudo , acaba sendo considerada, por alguns,como uma tentativa idealista, por super dimensionar opapel do homem. Merleau-Ponty vem questionar esse

    idealismo (completa reduo de valores e preconcei-tos) e introduzir as idias da Fenomenologia existencia-lista, pois ningum est livre de seus valores e crenas, ea conscincia constituda de interferncias do mundo(da cultura, sociedade, crenas, conceitos...). De acordocom Merleau-Ponty, a percepo oferece verdades comopresenas, dizendo com isso tratar-se de uma verdadepercebida com nitidez no momento em que o sentido sefaz para o sujeito (Bicudo, 2000, p. 31). Assim, a feno-menologia existencial se d na relao homem-mundo(conscincia-objeto).

    Segundo Merleau-Ponty (1999, p. 18):

    O mundo fenomenolgico no o ser puro, mas o sentidoque transparece na interseco de minhas experincias,e na interseco de minhas experincias com aquelas dooutro, pela engrenagem de umas nas outras; ele , portanto,inseparvel da subjetividade e da intersubjetividade queformam sua unidade pela retomada de minhas experinciaspassadas em minhas experincias presentes, da experinciado outro na minha.

    Com a chegada da Fenomenologia existencial, o ho-mem visto na realidade de sua existncia (com suas

    crenas e valores), cuja conscincia influenciada pelomundo que o cerca (em constante mudana), deixando deser algo que existe por si s. J no a conscincia do ho-mem que constitui o mundo, mas o homem e o mundo,numa dialtica, que se constituem um ao outro. No sepode afirmar quem age sobre quem: se o homem sobre omundo ou vice-versa. a esta dicotomia a qual Merleau-Ponty denomina de ambigidade.

    O Eitecialio

    Para Husserl, a conscincia era pura e a reduo fe-nomenolgica totalmente possvel; no entanto, para aFenomenologia existencial, j no possvel suspender

    e abstrair-se de valores e preconceitos, pois, como afir-mou Merleau-Ponty, a conscincia constituda de in-terferncias constantes do mundo, numa correlao in-tersubjetiva em constante ambigidade. a existnciaprecedendo a essncia. O homem passa a se constituir apartir do momento em que ele existe, vive, cogita e esta-

    belece suas crenas. Os valores que vo sendo formula-dos passam a fazer parte de suas escolhas e da sua rela-o com o mundo.

    O Existencialismo surge, ento, como uma correntefilosfica na qual o homem visto como ser-no-mundo.O homem passa a ser valorizado como um indivduo quetem sua prpria subjetividade, liberdade e responsabi-lidade por suas escolhas. Segundo Figueiredo (1998, p.179), a influncia da fenomenologia sobre a psicologiaentendida como cincia compreensiva foi em grande par-te mediada pelas doutrinas existencialistas.

    Os principais pensadores existencialistas so Sren

    Kierkegaard, Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger eJean Paul Sartre. No se pode, no entanto, deixar de citarBuber e Binswanger que tambm contriburam com suasidias e pensamentos existencialistas.

    Kierkegaard (1813-1855), considerado por alguns es-tudiosos o pioneiro do Existencialismo, talvez o pensa-dor de maior destaque na corrente existencialista devido sua influncia sobre todos os filsofos fenomenlogos-existenciais (Giles, 1975, p. 5). Ele fala da busca pela exis-tncia autntica. Para ele, todo conhecimento deve ligar-se inapelavelmente existncia, subjetividade, nuncaao abstrato, ao racional, pois se assim proceder fracassarno intento de penetrar no sentido profundo das coisas,logo, de atingir a verdade (Penha, 2001, p. 17). SegundoKierkegaard, nada uma verdade em si mesma, mas de-pende de como cada pessoa percebe e se relaciona como objeto ou o fato. H um envolvimento do sujeito coma verdade (Forghieri, 2007). E assim, a verdade est noprprio existir, no eu.

    Kierkegaard insiste na necessidade da apropriao subjetivada verdade, pois se trata de fundamentar o desenrolar dopensar em algo que seja ligado raiz mais profunda da exis-tncia, que o Indivduo. (...) A prpria verdade, em vez de

    representar uma simples equao entre ser e pensar, torna-sesinnimo de subjetividade, o que quer dizer que a verdadedeve significar um compromisso pessoal do Indivduo, jque tem razes na existncia concreta e integrada de cadaIndivduo particular (Giles, 1975, pp. 9-10).

    Kierkegaard discorre sobre trs estgios da existnciahumana: Esttico (voltado para o prazer), tico (conciliapaixo e razo, reajustando-se ao social) e Espiritual (en-contro com a espiritualidade para alcanar a existnciahumana). Kierkegaard queria encontrar uma explicaopara a sua existncia. Assim, atravs de suas idias, tenta

    construir a dialtica percebida nesses estgios. Para ele, ohomem passa por esses estgios ao longo da vida, come-ando pelo Esttico at atingir o Espiritual.

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    No estgio Esttico o homem est buscando um sen-tido para sua existncia. Convicto de que inteiramentelivre, vive ao sabor dos impulsos, procurando desfrutar,extraindo o mximo de prazer, cada instante da vida, en-tregando-se a todos os prazers e sensaes (Penha, 2001,p. 17). No entanto, ao permanecer nesse estgio, o homem

    se prende a uma existncia vazia. Frustrado e no satisfeitocom essa busca, o homem cai no desespero. O desesperoinconsciente de ter um eu (...). O eu uma relao, queno se estabelece com qualquer coisa de alheio a si, masconsigo prpria. Mais e melhor do que na relao propria-mente dita, ele consiste no orientar-se dessa relao paraa prpria interioridade (Kierkegaard, 1979, p. 195).

    Para Kierkegaard (1979), ato do desespero o piceda angstia, mas no necessariamente uma desvantagempara o homem. Entrar na angstia a possibilidade decura. O desespero tanto uma vantagem como uma im-perfeio, em pura dialtica. E assim, no desespero, o ho-

    mem passa para o estgio seguinte, o da tica. O homemque vive no estgio esttico tem o centro da realidade forade si, ao passo que aquele que vive no estgio tico o temem si (Giles, 1975, p. 18).

    Vivendo eticamente, sair do marasmo existencial em quese encontrava. Mantendo ainda sua individualidade, noentanto, que no pode ignorar as exigncias do mundo exte-rior, com suas normas e convenes. (...) No estgio tico, apersonalidade do indivduo permanece livre, mas nos limitesestabelecidos pela sociedade (Penha, 2001, p. 18).

    No entanto, para Kierkegaard, no possvel encontrarrealizao existencial plena no estgio tico, pois nesseestgio que surge o grande conflito entre as exigncias dainterioridade e da universalidade (Giles, 1975).

    No estgio tico, o Indivduo torna-se consciente de ser res-ponsvel, mas, por outro lado, torna-se consciente do pesodo universal, isto , da necessidade de assumir a forma deexistncia que a coletividade lhe impe, pois ele submisso lei em toda a sua generalidade (Giles, 1975, p. 20).

    somente no estgio Espiritual que o homem se de-

    para com sua existncia plena. Deus torna-se a regra doindivduo, a nica fonte capaz de realiz-lo plenamen-te (Penha, 2001, p. 19). O homem no estgio religiosoage, sem precisar de justificativas de ordem racional(Giles, 1975, p. 21).

    Para Kierkegaard tudo dialtica. A dialtica do eu sedesdobra desdobrando-se sem cessar ela prpria, refletindosobre si, escolhendo-se idntica e perpetuamente se modifi-cando. (...) O salto que leva o Indivduo de um estgio paraoutro dialtico, pois esse salto , de uma vez, o abismo e oato que o transpe. (...) A dialtica se apresenta em Kierke-gaard como oposio dos extremos, como ambigidade,

    pois o eu no dado; a possibilidade do eu que dada,e, nesse sentido, o palco do conflito existencial (Giles,1975, pp. 14-15).

    Nietzsche (1844-1900) apresentou muitas idias con-sonantes com as de Kierkegaard. Ele discorreu sobre oquanto a cincia aliena a pessoa de si mesma (Forghieri,2007). Nietzsche fala que a vida no deveria ser um meroacidente sem significado, pois, para ele, Deus est morto,o homem um super-homem. Isto , cada um constri a

    sua prpria histria atravs de escolhas e responsabili-dades, superando o medo e a preguia (Nietzsche, 2006).Ele props que se cultivasse a vontade de poder comoobjetivo maior da vida humana, o que seria a auto-reali-zao da pessoa at o mximo de suas potencialidades,isto , a afirmao e a realizao de seus prprios direitos,concretizando suas prprias potencialidades (Forghieri,2007). O verdadeiro poder ser o que realmente se .Giles (1975) relata a percepo de Nietzsche acerca daexistncia verdadeira:

    A tarefa do homem simplesmente fazer com que a sua

    existncia no seja mais um simples acidente sem signifi-cado, pois o problema fundamental do homem consiste emalcanar a verdadeira existncia em vez de deixar a vidase reduzir a um simples acidente. (...) Para conseguir umaexistncia verdadeira basta seguir a voz da conscincia quediz constantemente: Torna-te aquilo que s. Faze sempre oque quiseres; mas s desde logo daqueles que podem querer!(pp. 65-66).

    Dando continuidade a esta nova maneira de percebera existncia humana, Heidegger (1889-1976) consideraque antes da conscincia existe o prprio homem: dai-sen (ser-no-mundo) (Heidegger, 2004a). Spanoudis (1981)diz que, para Heidegger, o mundo, no qual o ser humanoexiste, anterior ao mundo espacial, topogrfico, interior(p. 16). O que diferencia o humano do no-humano aconscientizao de que se humano.

    Dissemos que o ser-a um ente que, em cada caso, sou eumesmo; seu ser , em cada caso, meu. Esta definio indicaum constitutivo estado ontolgico, mas apenas o indica. Aomesmo tempo, ela nos diz onticamente (ainda que de formaprecria) que, em cada caso, esse ente um eu - e no osoutros (Heidegger, 1981, p. 27).

    Para ele, o existir como totalidade anterior a qual-quer separao entre eu e o mundo. A compreenso doser em si mesma uma determinao do ser da pre-sen-a. (...) A pre-sena sempre se compreende a si mesma apartir de sua existncia, de uma possibilidade prpria deser ou no ser ela mesma (Heidegger, 2004a, pp. 38-39).Heidegger tambm reconhece a possibilidade da mortecomo algo que vem dar sentido vida. Loparic (2004)cita que, para Heidegger, enquanto ser-para-a-morte, oser humano um transcendente, desde sempre em mo-vimento de ir alm do mundo e de si mesmo enquantoente mundano (p. 49).

    Cada presena deve, ela mesma e a cada vez, assumir asua prpria morte. Na medida em que , a morte es-

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    sencialmente e cada vez, minha. E de fato, significa umapossibilidade ontolgica singular, na medida em que colocatotalmente em jogo o ser prprio de cada pre-sena. No mor-rer, evidencia-se que, ontologicamente, a morte se constituipela existncia e por ser, cada vez, minha. O morrer no , deforma alguma, um dado, mas um fenmeno a ser compreen-

    dido existencialmente num sentido privilegiado, o qual deveser delimitado mais de perto (Heidegger, 2004b, p. 20).

    Assim, Heidegger contribui com o Existencialismoao desobjetificar o ser humano, destruindo idias do ho-mem como um mero objeto e coisa material da natureza.De fato, todos os pensadores citados acima foram bastan-te importantes para a histria do Existencialismo, contri-buindo, cada um, com sua forma de perceber o homemno mundo. No entanto, deve-se fazer aluso tambm enorme contribuio que Buber (1878-1965) proporcio-nou com sua filosofia do dilogo. Com sua sabedoria,

    Buber representou um papel muito importante no inciodo sculo XX, demonstrando atitudes de enorme com-preenso liberdade interior e uma grande f no huma-no (Von Zuben, 2003).

    Buber vem falar de duas atitudes que o homem podeter diante do mundo, as quais so representadas pelaspalavras-princpio EU-TU (completa integrao com omundo; vivncia intensa do homem no mundo) e EU-ISSO (distanciamento; afastamento que o homem fazpara refletir sobre o mundo, para pensar, tomar consci-ncia de algo e falar a respeito). O mundo como expe-rincia diz respeito palavra-princpio EU-ISSO. A pa-

    lavra princpio EU-TU fundamenta o mundo da relao(Buber, 2003, p. 6).Para Buber, o lugar dos outros indispensvel para a

    nossa realizao (Von Zuben, 2003, p. XVI). Pois no sepode conceber o homem sem uma relao com o mundo,uma vez que sua existncia se d no encontro com o outro.No existe um EU puro, isolado, assim como no existe umTU sem que este seja percebido pelo EU. O homem nasceno encontro e na relao EU-TU que cada um se constituicomo um ser singular e um ser de relao. Buber releva,assim, a importncia da escuta, do olhar e da disponibili-dade para com o outro, o que influenciar posteriormente

    as psicoterapias Fenomenolgico-existenciais.Buber explica o sentido da relao EU-TU:

    O homem no uma coisa entre coisas ou formado por coi-sas quando, estando eu presente diante dele, que j meuTU, endereo-lhe a palavra-princpio. Ele no um simplesELE ou ELA limitado por outros ELES ou ELAS, um pontoinscrito na rede do universo de espao e tempo. (...) Eu noexperiencio o homem a quem digo TU. Eu entro em relaocom ele no santurio da palavra-princpio. (...) Esta aoengloba uma oferta e um risco. Uma oferta: a infinita pos-sibilidade que ser imolada no altar da forma. Tudo aquiloque ainda h pouco se mantinha em perspectiva dever ser

    eliminado, pois, nada disso poder penetrar na olhar, assimexige a exclusividade prpria do face-a-face. Um risco: apalavra-princpio no pode ser proferida seno pelo ser em

    sua totalidade, isto , aquele que a isso se entrega no deveocultar nada de si, pois a obra no tolera como a rvore ouo homem, que eu descanse entrando no mundo do ISSO. ela que domina; se eu no a servir corretamente ela sedesentrutura ou ela me desestrutura. (...) O TU encontra-secomigo. Mas sou eu quem entra em relao imediata com

    ele (Buber, 2003, pp. 15-19).

    Como possvel perceber, a palavra-princpio EU-TUrepresenta a relao do homem com o mundo, numa aboli-o dos meios em busca de um encontro real. No entanto,segundo Buber (2003), no momento em que h um dis-tanciamento, o mundo encarado como experincia (per-cepo), dizendo respeito palavra-princpio EU-ISSO.O homem transformado em EU que pronuncia EU-ISSOcoloca-se diante das coisas em vez de confrontar-se comelas no fluxo da ao recproca (Buber, 2003, p. 39). OTU de uma relao EU-TU (a qual sempre vivida no pre-

    sente) se contitui em ISSO aps a vivncia do encontro.Ao ser vista no passado, passa a ser um ISSO. SegundoBuber (2003), no se pode viver somente no presente,pois ao virar passado que se consagra cada experinciacomo existncia. Assim, o homem no pode viver semo ISSO, mas aquele que vive somente como ISSO no homem (Buber, 2003, p. 39).

    A relao, ento, encontra plenitude quando ocorrena reciprocidade e no dilogo, num constante ritmo en-tre as atitudes EU-TU e EU-ISSO, permitindo a aproxima-o e o distanciamento, o encontro e a reflexo. Contudo,vale ressaltar que a relao EU-TU no exclusivamente

    inter-humana, mas que pode existir com qualquer outroser animal, material ou espiritual. Basta haver um rela-cionamento de encontro com o EU, sendo o TU homem,Deus, uma obra de arte, uma pedra, uma flor, uma peamusical (Von Zuben, 2003, p. 40). Da mesma forma, ohomem tambm pode ser, em alguns momentos, um ISSOna relao, permitindo um momento de isolamento e re-flexo por parte do EU.

    Essa forma de relacionar-se, alterando reciprocamenteo EU-ISSO com o EU-TU em um ritmo constante e equi-librado, permite a construo de uma autntica relaoteraputica, favorecendo um dilogo genuno e um ver-

    dadeiro encontro existencial.Ludwig Binswanger e Medard Boss, psicoterapeu-tas que adotaradam muitas idias de Heidegger, tam-bm trazem grande contribuio ao Existencialismo e sPsicoterapias Fenomenolgico-existenciais ao discorreremsobre a questo da relao entre as pessoas. Eles dizem oquanto importante, para o ser humano, poder vivenciare compartilhar a vida com os outros, exercitando, assim,a capacidade de amar e ser amado. A existncia de umhomem se d na existncia de outro. Binswanger noquer reduzir o homem a categorias biolgico-naturalistas,nem a categorias tiradas das cincias do esprito, mas quer

    compreender o homem a partir do seu ser mais ntimo o humano e descrever as direes fundamentais desseSer (Angerami-Camon, 1993, p. 90).

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    Binswanger reconhece que devemos a Heidegger essa novacompreenso a respeito do homem, particularmente, suaanlise da existncia humana, que tem por base a idia deque o homem no pode mais ser compreendido em termosde alguma subjetivao, seja biolgica, psicolgica ou so-ciolgica (Lessa & S, 2006, p. 393).

    Por fim, antes de se adentrar no movimento Humanistano tpico seguinte, importante discorrer sobre Sartre(1905-1980), um dos pensadores mais importantes dosculo passado, tendo sido um destacado influentedo Existencialismo e tambm um contribuinte para oHumanismo, considerando sua forma de compreendero homem. Para Sartre, o Existencialismo Humanismo.Sartre, entretanto, no aceita o humanismo estreito oumais antigo que faz do homem, simplesmente, o valorltimo das preocupaes humanas (Greening, 1975, p.21). Para ele, o homem est constantemente se projetan-

    do para fora de si mesmo, construindo-se, realizando-seno mundo (Nogare, 1981, p. 151). Trata-se, para Sartre,de um Humanismo existencial.

    H pelo menos um ser no qual a existncia precede a es-sncia, um ser que existe antes de poder ser definido porqualquer conceito: este ser o homem (...). O homem, talcomo o existencialista o concebe, s no passvel de umadefinio porque, de incio, no nada: s posteriormenteser alguma coisa e ser aquilo que ele fizer de si mesmo(Sartre, 1987, p. 6).

    O que Sartre quer dizer com isso que o homem no nada mais do que aquilo que se projeta ser. Tal o pri-meiro princpio do existencialismo (...). O homem antesde mais nada um projeto que vive subjetivamente (...), eleser aquilo que fizer da sua vida, no havendo nada, almdele mesmo, de sua vontade, que determine seu destino(Penha, 2001, p. 45).

    Para Sartre, o homem inventa a si mesmo. Ele cons-tri sua histria de acordo com suas escolhas e com o ca-minho que opta tomar. Pois no existe determinismo, ohomem livre, o homem liberdade (Sartre, 1987, p. 9).Assim, Sartre fala da liberdade, da responsabilidade, dacapacidade de escolha e da angstia que isso pode noscausar, e de que somos condenados a sermos livres so-mos responsveis pelos nossos prprios atos: o homem responsvel por si mesmo (...) o homem se escolhe a simesmo (Sartre, 1987, p. 6).

    Essa concepo existencialista do homem vai fazercom que cada um construa a sua prpria definio dehomem, cada um passa a ser aquilo que ele faz dele mes-mo. a escolha que faz entre as alternativas com que sedefronta que constitui sua essncia (Penha, 2001, p. 46).Cada um, a partir do seu projeto de vida, de sua formula-

    o de crenas e valores, e de sua histria construda atento, ir se constituindo pelos seus atos, suas escolhase suas formas de viver no mundo.

    Para os existencialistas, o homem um ser livre, a sualiberdade faz dele plenamente responsvel pela sua es-colha e a sua escolha, sendo verdadeira, tambm umaescolha que o homem faz para todos os homens. Dessaforma, o ato individual acaba engajando toda a humani-dade. Isto , se ele acredita que aquilo que ele escolhe,

    por base em seus valores prprios, o certo, ento, eletambm est escolhendo para todos os homens.

    Ao afirmarmos que o homem se escolhe a si mesmo, que-remos dizer que cada um de ns se escolhe, mas queremosdizer tambm que, escolhendo-se, ele escolhe todos oshomens. (...) Escolher ser isto ou aquilo afirmar, conco-mitantemente, o valor do que estamos escolhendo, pois nopodemos nunca escolher o mal. O que escolhemos sempreo bem e nada pode ser bom para ns sem o ser para todos.(...) Portanto, a nossa responsabilidade muito maior doque poderamos supor, pois ela engaja a humanidade inteira(Sartre, 1987, pp. 6-7).

    diante dessa liberdade de escolha, dessa responsa-bilidade assumida sobre os seus atos e a humanidade in-teira, que a angstia aparece. A angstia da liberdade a angstia de optar, de fazer escolhas (Penha, 2001, p.57). a angstia da deciso de uma escolha no lugar deoutra. A angstia, no entanto, no nos impede de agir,mas, pelo contrrio, constitui a condio de sua ao(Sartre, 1987, p. 8).

    O Haio

    Como foi visto, a Fenomenologia e o Existencialismorevolucionaram a Psicologia e consequentemente, comoser visto mais adiante, as Psicoterapias Fenomenolgico-existenciais. O pensamento fenomenolgico, o qual consi-dera a essncia do fenmeno e com o qual se tenta resgatara verdade livre de preconceitos, proporcionou ao homemo encontro com sua conscincia originria, isto , com oseu existir. O homem entra em contato com a experin-cia viva e pr-reflexiva. Assim, nessa luta fenomenolgicapela essncia, ele descobre o seu eu, descobre a si mesmona relao com o mundo e com a sua prpria percepode si e do mundo. Com isso, depara-se com a percepodo valor humano - da existncia humana acima de tudo.Surge o pensamento humanista. O homem passa a ser ca-paz de olhar para si e refletir sobre a sua existncia. Cadavivncia passa a ter um sentido e um significado nico, epassa a influenciar de uma forma diferente.

    Como afirma Forghieri (2007):

    Desenvolvemo-nos mediante nossas vivncias com anatureza e com outras pessoas, vivncias que podem serimediatas ou racionais, agradveis ou desagradveis, com asquais podemos nos sintonizar, atribuindo-lhes significados,

    assim como podemos delas nos esquivar, distorcendo-asou negando-lhes significados. (...) Ns nos tornamos quemsomos a partir de nossas vivncias no mundo, e estas, por

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    Alguns Apontamentos sobre a Origem das Psicoterapias Fenomenolgico-Existenciais

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    sua vez, so influenciadas pelo indivduo que vamos nostornando (pp. 93-94).

    Sendo assim, o homem se reconhece como um serem construo, em constante mudana, crescimentoe atualizao. A Fenomenologia e, principalmente, o

    Existencialismo foram despertando nos seres humanosseus valores e suas singularidades, fazendo brotar asprimeiras sementes que futuramente vo dar origem aomovimento Humanista. O Humanismo, de fato, surgiucom o apogeu do Cristianismo e os novos olhares que oRenascimento foi dando ao homem na arte, na religio ena literatura. Segundo Bhler (1975), no Renascimentoque se d o apogeu do Humanismo com o desenvolvimen-to da liberdade de pensamento.

    O movimento Humanista veio resgatar valores hu-manos esquecidos e re-construir um novo foco ao ho-mem enquanto ser concreto, singular, repleto de valores

    e potencialidades. Entre os pensadores humanistas maisimportantes, destacam-se os psiclogos americanos CarlRogers (1902-1987) e Abraham Maslow (1908-1970), osquais contriburam enormemente com suas teorias, princi-palmente com suas crenas na potencialidade do homeme na tendncia humana de crescer e atualizar-se.

    Segundo Lima (2005), as duas doutrinas, tanto aHumanista como a Existencialista, levam pontos em co-mum no que se refere viso de homem. Ambas reconhe-cem o homem como fonte e centro de valores, concordan-do que o homem est constantemente em movimento, nabusca de superar a si mesmo. No entanto, possuem diver-gncias. Enquanto os existencialistas afirmam que cabeao homem criar suas possibilidades, os humanistas falamque seu papel de descobrir as potencialidades que lhesso inerentes (Erthal, 1999, p. 47).

    Os existencialistas so vistos como sendo mais nega-tivos pelo fato de acreditarem que sempre existe a pos-sibilidade do homem fazer escolhas destrutivas para simesmo. Enquanto os humanistas, de forma mais otimista,acreditam que os homens, encontrando-se em condiesfavorveis, tm a tendncia a fazer as melhores escolhaspara si e para os outros. Os humanistas acreditam em um

    potencial humano que o impulsiona ao crescimento e atualizao (Lima, 2005).Para Rogers, os indivduos possuem dentro de si os

    recursos para a auto-compreenso, modificao de seusauto-conceitos, de suas atitudes e de seus comportamen-tos. Cada ser humano possui a tendncia ao crescimento,amadurecimento e atualizao (Rogers, 1994). O conceitode tendncia atualizante de Rogers uma das expressesmais importantes na Psicologia Humanista.

    A tendncia atualizao est relacionada quiloque o sujeito percebe como valorizador ou enriquecedor(Rogers, 1975, p. 41). Para Rogers e Rosenberg (1977), o

    homem seu prprio arquiteto. Sendo assim, a tendn-cia atualizante consiste em delimitar uma confiana nacapacidade e potencialidade de cada um.

    No entanto, Rogers (1994) destaca que, apesar dosindivduos possurem dentro deles os recursos para aauto-compreenso, modificao de seus auto-conceitos,de suas atitudes e de seus comportamentos, e tendnciaao crescimento, esses recursos somente sero ativados sehouver um clima facilitador.

    De forma semelhante, Maslow acredita que os ho-mens esto sempre em busca de suprir suas necessida-des, indo, assim, em direo a uma auto-realizao. Paraele, os homens esto sempre em busca de preencher suasnecessidades (Lima, 2005). A maioria dos homens quersuprir o que pensam faltar-lhes do mundo externo. (...)Mas tambm existe em todos os homens uma sensaode que possuem algo em seu ntimo que procura expres-sar-se, algo que se concretiza quando encontra sua arti-culao apropriada (Iyer, 1975, pp. 248-249). Isso seriajustamente o potencial para a auto-realizao ou tendn-cia atualizante.

    Lima (2005) explica que esta tendncia para o cresci-mento impele o homem na busca do crescimento, caracte-rizado por Maslow como a capacidade de aceitao de si edos outros, a espontaneidade e a capacidade de transcen-der a si mesmo para ir ao encontro do outro nas relaesinterpessoais e na sociedade (p. 49). Para Rogers, as pesso-as possuem nelas mesmas a capacidade para o crescimen-to, mudana e desenvolvimento pessoal. O ser humanotem a capacidade, latente ou manifesta, de compreender-se a si mesmo e de resolver seus problemas de modo su-ficiente para alcanar satisfao e eficcia necessrias aofuncionamento adequado (Rogers, 1994, p. 39).

    O Humanismo trouxe para a Psicologia uma impor-tante contribuio com sua atitude concreta em favordo homem (Amatuzzi, 2001, p. 17). Tal movimento in-fluenciou para um despertar de valores que levaram auma maior e mais completa compreenso do homem, noqual se consideram suas potencialidades, responsabilida-de, liberdade de escolha e a tendncia para o crescimentoe atualizao. O principal valor humanista , portanto,o enfoque na relao: a existncia humana se realiza emum contexto interpessoal (Erthal, 1999, p. 43). Isto , nomomento em que se valoriza o homem, tambm se estvalorizando a relao entre eles, valorizando o comparti-lhamento e as inter-relaes pessoais. Essa nova perspec-tiva trouxe, particularmente para a relao teraputica nasPsicoterapias Fenomenolgico-existenciais, os valores derespeito e igualdade que impulsionaram a um verdadeiroencontro terapeuta-cliente.

    Falar de humanismo em psicoterapia, portanto, falar deuma questo de postura, de atitude. Significa colocar-se naexperincia vivida no momento presente, pois somentena vivncia atual, em interao com o outro, que poderealmente se dar o conhecimento e atingir o significado daexperincia. Na prtica clnica, significa que na relao

    entre terapeuta e cliente que se d o desvelamento da pessoae se pode chegar ao sentido que o cliente d s questestrazidas (Lima, 2005, p. 51).

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    A picoteraia Feoeolgico-Eiteciai

    Como se pode ver, a Psicologia, influenciada pelospensamentos da Fenomenologia, do Existencialismo edo Humanismo foi modificando gradualmente, e de for-ma bastante significativa, a sua maneira de perceber e

    lidar com o homem. Muitos psicoterapeutas foram to-cados pelos conceitos do movimento Fenomenolgico-existencial e pelos valores advindos do Humanismo, oque influenciou as novas formas de relacionamento te-rapeuta-cliente, dando origem, assim, s PsicoterapiasFenomenolgico-existenciais, tambm conhecidas comoPsicoterapias Humanista-existenciais ou Existencial-humanistas.

    Dentre as principais e mais conhecidas abordagensteraputicas dentro dessa perspectiva fenomenolgi-co-existencial encontram-se a Abordagem Centrada naPessoa (ACP), a Gestalt-terapia e a Logoterapia. Apesardessas psicoterapias no possurem um corpo tericonico, apresentando divergncias de acordo com sua es-cola de pensamento (umas mais existenciais, outras maishumanistas), todas tm em comum o respeito pela pes-soa humana (Matson, 1975). Possuem uma perspectivade homem como um ser consciente, autnomo, afetivoe repleto de emoes prprias, sentimentos, sonhos, an-seios, crises e desejos. Dessa forma, na relao teraputi-ca, o cliente sempre percebido como uma pessoa comcapacidade para expandir sua conscincia e decidir, por simesmo, a futura orientao a ser dada sua vida (Corey,

    1986, p. 223). possvel perceber, em todas elas, a forte contribuiode Heidegger com seu conceito sobre a noo do homemcomo ser processual, que compreende a si mesmo enquan-to ser-no-mundo e ser-com, no ato singular e concreto desua existncia compartilhada com os outros (Lima, 2005).Da mesma forma se percebe os pensamentos de Sartre, osquais acreditam na liberdade e na responsabilidade hu-mana e Nietzsche, que defende o homem como autor desua prpria histria.

    Os terapeutas fenomenolgico-existenciais, de umamaneira geral, apresentam uma postura visando um verda-

    deiro encontro com o cliente, baseando-se nos elementosdo inter-humano de Buber (2003) de respeitar e valorizara criatividade existencial emergente em cada um. Assim,no se trata de dar orientaes nem de trazer interpreta-es prontas aos clientes, como s vezes acontece em psi-coterapias de outras abordagens. Pelo contrario, trata-sede permitir que cada um, com suas prprias potencialida-des e capacidade para o crescimento, como j defendiamos humanistas Maslow e Rogers, busque encontrar o seuprprio caminho a partir de suas prprias observaes ereflexes. Pois uma psicologia fenomenolgica procurarevelar o ser humano para si prprio, fazendo-o observar-se aos demais, refletir sobre si prprio e sobre suas obser-vaes (Holanda, 1998, p. 13).

    Os psicoterapeutas de orientao cientfico-naturalistaprocuravam, muitas vezes, encaixar as pessoas na teoria, aoinvs de voltar-se para uma descrio fenomenolgica daexistncia singular. Essas tentativas de enquadrar os pacien-tes nos modelos tericos eram prdigas em explicaes dosofrimento, mas quase sempre estreis no sentido de propi-

    ciar relaes teraputicas que promovessem transformaesexistenciais efetivas. A Psicoterapia Existencial funda-se nocuidado, enquanto ser-no-mundo-com-o-outro, e no eminterpretaes apriorsticas ou explicaes casuais sobre arealidade vivencial do paciente. (...) O psicoterapeuta remeteo indivduo a si, estimulando-o a reconhecer sua impessoali-dade e a questionar-se no sentido de encontrar suas prpriasrespostas para as questes que a vida lhe apresenta (Lessa& S, 2006, p. 394).

    Com isso, a preocupao do terapeuta fenomenol-gico-existencial, alm de tentar compreender melhor apessoa do cliente, tambm a de lev-lo a uma auto-

    compreenso que o permita ressignificar seu futuro, po-dendo assim aceitar a responsabilidade que acompanhaa liberdade de conduzir sua prpria vida (Corey, 1986).O que se quer ajudar a pessoa a encontrar um sentidopara a sua vida.

    Na relao teraputica, procura-se desenvolver umaatitude dialgica e uma postura de aceitao para com ocliente, como apresentadas na filosofia de Buber sobreinter-relao humana, defendendo a fala como meio deexpresso e encontro autntico (EU-TU). Consoante comas teorias de Heidegger, o EU-TU de Buber permitiriamo encontro existencial em que se revelariam terapeuta e

    cliente. A perspectiva existencial valoriza o encontro noaqui-agora, onde o outro comparece com sua alteridadeprpria, afetando e sendo afetado, e no apenas enquantouma representao (Lessa & S, 2006, p. 395).

    Ao construir essa relao autntica com o cliente,aceitando-o e disponibilizando-se para ouvir e acolherseus sentimentos e suas atitudes, o terapeuta est pro-porcionando a ele um ambiente facilitador para explo-rar, vivenciar, entrar em contato e acolher seus prpriossentimentos e atitudes. Ao se perceber com mais clarezae aceitar-se mais, o cliente ter mais capacidade para to-mar suas prprias decises e assim descobrir uma novamaneira de ser (Corey, 1986).

    Tal relao acontece quando o terapeuta, de forma au-tntica, possui e sabe demonstrar empatia pelo cliente,apresentando-se concernente com os valores humanistas,isto , mostrando-se um profissional que verdadeiramen-te se entrega na relao, aceitando o outro como ele . Oterapeuta, neste sentido muito mais pessoa (como as-sinala Rogers) do que propriamente um papel a ser de-sempenhado (Holanda, 1998, p. 15).

    A empatia seria a compreenso e a aceitao que oterapeuta tem com o cliente e seus sentimentos, isto , a

    arte de se colocar no lugar do outro. O terapeuta senteprecisamente os sentimentos e os significados pessoaisque esto sendo vivenciados pela cliente e lhe comunica

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    Alguns Apontamentos sobre a Origem das Psicoterapias Fenomenolgico-Existenciais

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    esta compreenso (Rogers, 1978, p. 19). O cliente exis-te na relao emptica. Percebe-se aqui um paralelo en-tre o conceito de Rogers e as idias de Buber. O homemse torna EU na relao com o TU (Buber, 2003, p. 32).Buber tambm referiu-se necessidade de termos nossaexistncia confirmada por outra pessoa. A empatia pro-

    porciona esta confirmao necessria de que existimoscomo pessoa individual, valorizada e possuidora de umaidentidade (Rogers, 1977, pp. 82-83).

    Dessa forma, atravs do sentimento emptico que o te-rapeuta tem pelo cliente, o profissional privilegia o ser docliente, o que ele sente e o que ele pensa, isto , o seu exis-tir naquele momento. Com isso, ele faz com que o clientepossa reconhecer-se a si mesmo, aceitar-se a si mesmo eafirmar sua realidade, sendo assim fonte de criatividade,de mudana e fora motriz do processo de psicoterapia eda sua prpria vida.

    Quando uma pessoa compreendida de maneira perceptiva,ela entra em contato mais prximo com uma variedade maiorde suas vivncias. Este fato lhe proporciona um referencialmais amplo ao qual recorrer para compreender a si mesmae nortear seu comportamento. Quando a empatia ade-quada e profunda tambm pode desbloquear um fluxo devivncias e permitir que ele siga seu curso natural (Rogers,1977, p. 83).

    Tais conceitos de empatia, aceitao e autenticida-de citados nos pargrafos anteriores foram descritos porRogers como sendo atitudes chaves para uma boa relaoteraputica. Carl Rogers, uma das personalidades maismarcantes do movimento Humanista no sculo XX, foi ocriador da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP). Sendoassim, so termos utilizados especialmente na fundamen-tao terica da ACP. Outras abordagens Fenomenolgico-existenciais, por possurem escolas tericas distintas eutilizarem outros termos, podem apresentar diferenas naforma de conceituar e explicar o processo da relao tera-putica. Pois, como j foi comentado anteriormente, cadaabordagem apresenta suas tcnicas e particularidades. Noentanto, os fundamentos tericos e filosficos bsicos, ouseja, a viso Humanista e a perspectiva Fenomenolgico-Existencial esto presentes tanto na Abordagem Centradana Pessoa, como na Gestalt-terapia e na Logoterapia.

    Coclo

    Com o objetivo de conhecer melhor as PsicoterapiasFenomenolgico-Existenciais, foi feito, neste artigo,um breve percorrido pelos principais fundamentos daFenomenologia, do Existencialismo e do MovimentoHumanista, observando as suas diversas contribuiespara a origem dessas psicoterapias.

    Como foi visto, a Fenomenologia revolucionou aPsicologia ao introduzir uma nova forma de perceber ohomem como um ser em constante relao com o mundo,

    com sua cultura, sua histria e com os outros ao seu redor.Surgiu, assim, a Fenomenologia existencial de Husserl,para a qual homem e mundo esto sempre constituindoum ao outro, em constante dialtica. Tal perspectiva deuorigem ao Existencialismo, onde o homem valorizadopor sua prpria subjetividade, liberdade e responsabilida-

    de de escolhas. Isto , o homem passa a ser consideradoum ser livre e capaz de construir a sua prpria histria,inventando-se a si mesmo em cada escolha e em cada ato.Assim, o movimento Humanista, fortalecido pelos fun-damentos trazidos do Existencialismo, veio trazer aindamais foco ao homem e destacar os valores humanos, de-fendendo a potencialidade de cada um e a tendncia hu-mana de crescer e atualizar-se.

    Essa forma de perceber e valorizar o homem, acre-ditando em sua potencialidade e em sua capacidade deconstruir seu prprio caminho, sendo o homem um serem constante relao com os outros e com o mundo ao

    seu redor, torna-se um dos principais fundamentos dasPsicoterapias Fenomenolgico-Existenciais. Como foivisto nesse estudo, a relao teraputica construda comprofissionais que abordam essa perspectiva baseia-seem um verdadeiro encontro existencial (EU-TU), valo-rizando o aqui-agora e respeitando a alteridade de cadacliente. O objetivo levar a pessoa a encontrar um sen-tido em sua vida, sabendo que cada um capaz de fazeras melhores escolhas para si. O papel do terapeuta seriade ajudar o cliente a ter uma melhor auto-compreensoe aceitao de si mesmo, o que o permitir ressignifi-

    car sua vida.Assim, as Psicoterapias Fenomenolgico-Existenciaisconstituem suas teorias e formas de atuao embasa-das nos princpios da empatia, autenticidade, respeito ecrena na potencialidade humana. Princpios estes quetiveram origem nos fundamentos da Fenomenologia, doExistencialismo e do movimento Humanista, os quais per-correram toda a histria da Psicologia at os dias atuais.

    Refercia Bibliogrfica

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  • 8/4/2019 BEATRIZ Alguns apontamentos Psicoterapias fenomenolgico-existenciais B.F

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    Beatriz F. Lima

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    Beatriz Furtado Lima - Psicloga, Especialista em Psicologia Clnica pelaUniversidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Mestranda daUniversidade de Cdiz (Espanha). Email:

    Recebido em 26.03.08Primeira Deciso Editorial em 26.06.08

    Aceito em 12.08.08