Beatriz Cardoso - Conexões Entre a Formaçãode Professores e a Formação de Formadores

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    Conexes entre a forma-o de professores e a

    formao de formadores1

    BEATRIZ CARDOSO

    sustentabilidade de qualquer projeto de formao profissional narea de educao depende da capacidade para qualificar quadros

    locais, que atuem como intermedirios permanentes no processo de formao dosprofissionais das redes de ensino. O grande desafio, para fortalecer a qualidadedo trabalho educacional, garantir um ambiente de trabalho estruturado em tor-no da reflexo sobre a prtica pedaggica. O que, por sua vez, requer condiespara o exerccio da profisso, de forma a viabilizar a constituio de equipes co-laborativas: uma cultura profissional nas escolas. A manuteno de prticas deplanejamento, organizao, avaliao, elaborao de estratgias de capacitao,registro etc. depende de liderana pedaggica local, constituda por uma equipeque tenha as ferramentas necessrias para estimular e fazer avanar o estudo e ointercmbio entre os professores, de forma a impactar positivamente as condiesde aprendizagem dos alunos. Portanto, um programa de formao, que tenha umaviso sistmica, no pode abrir mo da realizao, de maneira estruturada, da for-mao de profissionais em vrios nveis: preciso formar professores com vistas aimpactar a aprendizagem em sala. No entanto, preciso que a formao de profes-sores no seja um fim em si, mas, acima de tudo, uma oportunidade para formartambm formadores de professores.2 Ou seja, transformar a formao dos profes-sores num laboratrio prtico que favorea a formao de quadros locais, que as-sumam a liderana tcnica da formao permanente na rede, incluindo aqui a for-mao de diretores e tcnicos de Secretaria de Educao.

    Mas o que significa formar esses quadros? Qual o contedo de sua formao?Na formao do formador h um grau de complexidade da tarefa, que reside na ne-

    cessidade de abordar sempre concomitantemente: as questes relativas ao ob-jeto de conhecimento, os processos de aprendizagem do professor e, natural-

    a 1. Este artigo uma adaptao docaptulo Temati-zao da prticado formador, dolivro Ensinar: tarefa para profssionais .So Paulo: Record,2007. Escrito emcolaborao com Andrea Guida , combase na experinciado Escola que Vale(www.escolaqueva-le.org.br), programade formao desen- volvido pelo Centrode Educao eDocumentao paraa Ao Comunitria(Cedac) e realizadocom investimentosocial da Vale.

    2. O grupo de profs -sionais que ocuparessa funo serdefnido dentro decada estrutura, decada rede de ensino.O que importa queesses profssionaispassem a ocupareste lugar de lide-rana pedaggicalocal.

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    6 mente, os processos de aprendizagem do aluno. De maneira geral, os contedosa serem abordados no processo formativo implicam trs nveis de conceituali-zao. Embora os contedos tratados em cada um dos nveis de formao nocoincidam exatamente, preciso haver coerncia na maneira de conduzir o pro-cesso. Aos professores ensinamos atuar e refletir sobre sua ao para que favore-am a aprendizagem dos alunos, em consonncia com as premissas do processo

    de ensino e de aprendizagem adotados; aos formadores de professores pedimosque faam o mesmo, no apenas em relao ao aluno, mas tambm aprendi-zagem do professor e, por fim, ao formador de formadores se acrescenta aindamais um nvel de ao e reflexo.

    Essa cadeia de processos formativos tem, necessariamente, foco no aprimoramentoda aprendizagem do aluno, pois favorecer uma aprendizagem de qualidade o ob-jetivo de qualquer programa de formao. Mas o formador s far a diferena se,tendo o foco na aprendizagem do aluno, for capaz de olhar para outros dois aspec-tos extremamente relevantes: o processo de compreenso do professor e a nature-za do objeto de ensino.

    O campo da formao do formador ainda est bastante embrionrio. Qual a matria--prima para esse trabalho?

    A metodologia de formao desenvolvida pelo Cedac3 parte da premissa de que o ni-co caminho para atingir uma prtica coerente refletir sobre situaes concretas,analisando as estratgias formativas que foram postas em ao e ouvindo a vozdos atores envolvidos. Para exigir que o professor assuma uma atitude reflexivasobre seu trabalho, preciso garantir as mesmas condies para o formador quedesenvolve o trabalho direto com o professor.

    Se o processo de aprendizagem dos professores est estreitamente relacionado soportunidades que lhes so oferecidas nos espaos de formao, consequente-mente, a obteno de resultados depende do preparo do formador. Sua atuaoimplica, por exemplo, a capacidade de no cair na tentao de ensinar tudo des-de o comeo do trabalho e, nesse caso, o desafio est em priorizar, intencional-mente, certas aprendizagens aquelas possveis para cada momento do processode formao do grupo em questo.

    Nesse sentido, cabe ao formador fazer a gesto do contedo da formao, mas semperder de vista o exerccio de desvendar os processos que esto em jogo em cadauma das situaes planejadas. Cruzar a intencionalidade do planejamento, comconquistas alcanadas pelos grupos, parte fundamental da atuao de um for-mador de professores.

    preciso criar contextos que o obriguem a retornar ao trabalho realizado paraidentificar processos e poder, a partir da, planejar a continuidade. No fundo, en-contrar maneiras para atuar de forma similar ao professor quando analisa suaprpria prtica. No entanto, essa reflexo se d em outro nvel, e o desafio cons-tante para um formador de professor instalar um mecanismo que exija uma ro-tina deste tipo.

    3. Cedac uma Oscip(Organizao daSociedade Civil deInteresse Pblico),que atua na forma-o de quadros dossistemas pblicos deensino (www.cedac.org.br).

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    87Nesse contexto, alguns pontos nodulares inerentes ao processo formativo so: a se-leo de estratgias e de contedos de formao e a reflexo sobre o processo deconstruo de conhecimentos didticos por parte dos professores.

    Selecionar estratgias envolve a identificao da natureza dos contedos com osquais pretende trabalhar. Mas, alm disso, preciso promover a construo de umquadro de referncia capaz de auxiliar os professores a realizarem na prtica aqui-

    lo que est sendo abordado na formao. Ou seja, promover um equilbrio entreaprofundamento conceitual e capacidade de ao, que assegure o dilogo entre oscontedos da formao e os problemas que os professores enfrentam em suas sa-las de aula para a realizao das propostas desenvolvidas junto aos alunos.

    Dessa forma, o por que, o para que, as condies didticas consideradas no pla-nejamento de cada proposta, o que queremos que os alunos aprendam e os pro-blemas enfrentados pelo aprendiz no so concebidos como pr-requisitos, mas,sim, como contedos que podero ser conceitualizados ao longo do processo deformao.

    A arte do trabalho do formador consiste em equacionar a sua plataforma de atuaocom a real possibilidade de apropriao das informaes por parte dos professo-res. Podem surgir rudos de comunicao de diferentes naturezas nesse processo.O formador pode se equivocar na avaliao de qual o contedo adequado paraser abordado no grupo em determinado momento, pode ficar centrado na emissode informaes relevantes a partir do que se sabe sobre os percursos de aprendiza-gem de professores e/ou alunos, pode tambm se perder atuando apenas em fun-o da demanda do grupo em formao. So muitas as possibilidades e as vari-veis que devem ser permanentemente consideradas.

    A eficcia de um trabalho de formao resultante do equilbrio entre as vrias fren-tes e pode promover diferentes tipos de resultados: alguns ligados ao crescimentoprofissional do professor e outros ligados ao desenvolvimento de sua competn-cia prtica. Uma ferramenta central para o formador acapacidade de escutar os professores . Isto nem sempre ocorre imediatamente, durante as reunies. preci-so desenvolver estratgias, de forma a poder, mesmo que em momento posterior,desvendar a conceitualizao subjacente ao que os professores esto dizendo. Sercapaz de ler o que est por trs da fala dos professores, de reconhecer o papelda interao entre pares no avano de seus conhecimentos e de se deslocar de umponto de vista nico e apoiado na emisso de informao.

    O trabalho de formao continuada complexo e se compe de inmeras variveis,que agem simultaneamente. A essncia do trabalho formativo est em criar me-canismos que permitam ao formador identificar, a cada etapa, o que os professo-res sabem e o que precisam aprender; e depende do desenvolvimento da capaci-dade de relacionar o que dizem com o conhecimento conceitual que est por trsde suas falas.

    Portanto, a reflexo sobre o processo de construo de conhecimentos didticos por parte dos professores feita por meio da anlise permanente dos registros escri-tos ou em vdeo das reunies de formao uma estratgia essencial a partir da

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    8 qual possvel compreender melhor qual o estado do conhecimento dos profes-sores, o que tm aprendido e o que necessitam aprender ou aprofundar.

    O desafio est em estabelecer um verdadeiro dilogo entre sua maneira de fazer efundamentar e os novos conhecimentos que tm oportunidade de elaborar no es-pao de formao. Isto possvel desde que o formador esteja sempre atento aoscritrios utilizados para selecionar contedos e estratgias.

    Para continuar avanando como profissionais de forma autnoma, os formadoresprecisam se apropriar de conhecimentos, de tal modo que estes venham a se cons-tituir em ferramentas para planejar e analisar criticamente seu trabalho. Tarefanada simples, pois no est relacionada apenas ao domnio que o formador temdo processo de aprendizagem dos alunos e dos contedos que devem ser aborda-dos no processo de formao de professores, mas sua capacidade de criar con-dies para que os professores tomem a palavra e possam explicitar e explicar oque sabem de forma a ajud-los a avanar. Trata-se de deixar que se estabeleamrelaes e favorecer que partam de seu conhecimento profissional. preciso nose deixar levar pela primeira impresso, acreditar que os professores sabem mui-tas coisas e ouvi-los, a fim de efetivamente considerar os contedos presentes emsuas intervenes. Tudo isso depende do esforo para detectar as aprendizagensrealizadas mesmo quando estas no coincidam com as esperadas e da inten-o de captar os avanos dos professores por menores que estes sejam. Cabe aoformador, portanto, ter conscincia das aproximaes sucessivas que os profes-sores realizam para a compreenso dos contedos que esto em jogo no processode formao o que muito diferente de trabalhar a partir da ideia do no sa-ber dos professores. Os professores so profissionais que para assumir uma salade aula passaram por formao inicial, e isto no pode ser desconsiderado nosprocessos formativos. Os programas de formao em servio no podem deixar deconsiderar que os professores se relacionam com contedos de formao a partirdessa base e dos anos de experincia prtica. O aprofundamento consequnciade uma negociao permanente entre as concepes com as quais operam e os no-vos conhecimentos que a formao possa vir a aportar.

    Protagonizar um trabalho de formao requer a ateno aos processos que esto emjogo e, nessa cadeia formativa, preciso criar um campo favorvel ao desenvolvi-mento profissional do formador. Um contexto que estimule uma constante anlisecrtica de seu trabalho: a escrita como instrumento de reflexo e de comunicaocom outros formadores, a discusso bibliogrfica, o planejamento compartilhado,a anlise coletiva dos problemas identificados, o desafio de formar outros forma-dores, o convite construo de uma metodologia de formao profissional e o in-tercmbio com pares qualificados.