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REVOLUÇÕES 83 Filmes de arquivos 1 Outer space de Peter Tscherkassky (1999). © Light Cone Yann Beauvais Este artigo foi publicado em 1895 – Archives, Revue de l’Association Française de Recherche sur l’Histoire du Cinéma, n. 41. Paris: AFRHC-FCAFF, p. 57-70, octobre 2003. Tradução de Helen Alexandrevha Pseluiko. Cineasta, curador e pesquisador francês, realizou cerca de trinta filmes, entre eles Work and progress (1999), com Vivian Ostrovsky e Adrift (2002). O cinema experimental há muitos anos usa freqüentemente found footage. Esse termo designa tanto o objeto – uma seqüência escolhi- da – como uma prática de montar um filme, apro- priando-se dos elementos encontrados, dissimu- lados, retidos, desviados, não filmados pelo ci- neasta, mas que ele recicla. Essa prática engloba tanto os filmes de compi- lação, como os filmes mais pessoais que incorpo- ram um extrato ou uma seqüência de uma ou vári- as películas. Diferentemente dos filmes de compi- lação, os filmes pessoais não formam catálogos nem coleções, lançam mão, ocasionalmente, de fragmen- tos de noticiários ou de filmes feitos em casa. Proteiforme, a utilização do found footage não pode em caso algum definir um gênero: abrange uma enorme variedade de intervenções por parte dos cineastas. Intervenções estas que se multipli- caram, depois que o acesso do grande público ao videocassete e aos computadores se expandiu, tor- nando cada usuário um programador em potenci- al. O recurso à rede de computação permite ma- nipular à vontade as informações armazenadas no sistema binário. Dessa forma, opera-se um deslo- camento que consagra o império da variação: os dados é que são manipuláveis, não mais a pelícu- la. À sombra desse abandono do celulóide em prol da computação é que se compreendem os últimos filmes de Peter Tscherkassky (fig. 1) e sua radical insistência em trabalhar o suporte em prata. A utilização de found footage não se restringe aos documentaristas e cineastas experimentais. As redes de televisão, grandes consumidoras de imagens, apelam cada vez com mais freqüência para os arquivos, ao elaborar uma transmissão ou seus programas. Por outro lado, os telejornais ou os programas de atualidades das emissoras temáticas reprisam as mesmas seqüências, ex- traídas dos arquivos dos quais se servem avida- mente. Alguns arquivos chegam a dominar o mercado; eles tentam então fazer com que o do- mínio do cinema evolua segundo o modelo da fotografia, a saber, constituindo monopólios. Se os arquivos cinematográficos, durante muito tempo, privilegiaram a aquisição de fil- mes narrativos, desde os anos de 1990 conside- raram outros aspectos do cinema que, até então, eram do domínio reservado de arquivos especializados. Paradoxalmente, o recente inte- resse dos arquivos pelos filmes até então ignora- dos torna o acesso a eles cada vez mais difícil. Os filmes restaurados, adquiridos prioritária e quase que exclusivamente pelos estabelecimentos reconhecidos oficialmente, vêem sua circulação bastante limitada. A noção de preservação leva paradoxalmente a uma difusão restrita: o objeto filme torna-se precioso, visto que restaurado. Para os cineastas de hoje que queiram traba- lhar o filme com found footage, resta apenas a possibilidade de se apropriar, mais ou menos le- galmente, dos elementos cobiçados. Nos anos de 1950, era fácil procurar filmes educativos, a partir dos quais se podia produzir uma obra. A movie , primeiro filme de Bruce Conner, é um bom exemplo do uso que pode ser feito de filmes educativos e de noticiários. Ele critica a sociedade de consumo e seu fascínio pelo espetáculo da destruição, por meio de um conjunto de seqüências até então reservadas a um uso doméstico. Essa apropriação contraria as intenções originais dos filmes; reflexos da so- ciedade que os produz, representam seus ritos, as tragédias humanas ou naturais, cotidianas ou excepcionais, as catástrofes. No meio da coli- são, da justaposição e do encadeamento, Bruce Conner suscita outras interpretações. As certe- zas que eram pressentidas nesses filmes vacilam; outras perspectivas surgem graças ao humor das montagens, os contra-sensos vêm atentar contra as idéias recebidas. Bruce Connor trabalha os clichês cinemato- gráficos de um passado recente e já desvaloriza- do, que são, antes de tudo, uma memória co- mum a um grupo, uma classe, uma sociedade. Seus meios ligam-se à apropriação de objetos domésticos glorificados pela pop art na Inglater- ra e nos Estados Unidos no final dos anos de 1950. Mesmo sendo singular, A movie, como os filmes de Raphael Montanez Ortiz, Maurice Lemaître e de alguns outros, desenvolve as se- qüências dos filmes, apropriando-se delas e reciclando-as, de modo a criar novas relações que pervertem o sentido original. Os utilizadores de found footage, retirando as imagens de seu contexto, revelam seu sentido oculto, freqüentemente contrário ao sentido ori- ginal, assim como os Novos Realistas recolocavam em evidência a significação primor- dial das imagens que era resgatada pela destrui- ção dos cartazes. Esse deslocamento é essencial, à medida que marca a apropriação, e também a irrupção do intempestivo, constituindo uma sig- nificativa inovação. Para designar esse desacor- do, os lettristes falam em burilamento das ima-

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Filmes de arquivos.

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REVOLUÇÕES

83Filmes de arquivos

1 Outer space de Peter Tscherkassky

(1999). © Light Cone

Yann Beauvais

Este artigo foi publicado em 1895 – Archives, Revue de l’Association Française de Recherche sur l’Histoire du Cinéma, n. 41.Paris: AFRHC-FCAFF, p. 57-70, octobre 2003. Tradução de Helen Alexandrevha Pseluiko.

Cineasta, curador e pesquisador francês, realizou cerca de trinta filmes, entre eles Work and progress (1999), comVivian Ostrovsky e Adrift (2002).

O cinema experimental há muitos anos usafreqüentemente found footage. Esse termo

designa tanto o objeto – uma seqüência escolhi-da – como uma prática de montar um filme, apro-priando-se dos elementos encontrados, dissimu-lados, retidos, desviados, não filmados pelo ci-neasta, mas que ele recicla.

Essa prática engloba tanto os filmes de compi-lação, como os filmes mais pessoais que incorpo-ram um extrato ou uma seqüência de uma ou vári-as películas. Diferentemente dos filmes de compi-lação, os filmes pessoais não formam catálogos nemcoleções, lançam mão, ocasionalmente, de fragmen-tos de noticiários ou de filmes feitos em casa.

Proteiforme, a utilização do found footage nãopode em caso algum definir um gênero: abrangeuma enorme variedade de intervenções por parte

dos cineastas. Intervenções estas que se multipli-caram, depois que o acesso do grande público aovideocassete e aos computadores se expandiu, tor-nando cada usuário um programador em potenci-al. O recurso à rede de computação permite ma-nipular à vontade as informações armazenadas nosistema binário. Dessa forma, opera-se um deslo-camento que consagra o império da variação: osdados é que são manipuláveis, não mais a pelícu-la. À sombra desse abandono do celulóide em prolda computação é que se compreendem os últimosfilmes de Peter Tscherkassky (fig. 1) e sua radicalinsistência em trabalhar o suporte em prata.

A utilização de found footage não se restringeaos documentaristas e cineastas experimentais.As redes de televisão, grandes consumidoras deimagens, apelam cada vez com mais freqüênciapara os arquivos, ao elaborar uma transmissão

ou seus programas. Por outro lado, os telejornaisou os programas de atualidades das emissorastemáticas reprisam as mesmas seqüências, ex-traídas dos arquivos dos quais se servem avida-mente. Alguns arquivos chegam a dominar omercado; eles tentam então fazer com que o do-mínio do cinema evolua segundo o modelo dafotografia, a saber, constituindo monopólios.

Se os arquivos cinematográficos, durantemuito tempo, privilegiaram a aquisição de fil-mes narrativos, desde os anos de 1990 conside-raram outros aspectos do cinema que, até então,eram do domínio reservado de arquivosespecializados. Paradoxalmente, o recente inte-resse dos arquivos pelos filmes até então ignora-dos torna o acesso a eles cada vez mais difícil.Os filmes restaurados, adquiridos prioritária equase que exclusivamente pelos estabelecimentosreconhecidos oficialmente, vêem sua circulaçãobastante limitada. A noção de preservação levaparadoxalmente a uma difusão restrita: o objetofilme torna-se precioso, visto que restaurado.

Para os cineastas de hoje que queiram traba-lhar o filme com found footage, resta apenas apossibilidade de se apropriar, mais ou menos le-galmente, dos elementos cobiçados.

Nos anos de 1950, era fácil procurar filmeseducativos, a partir dos quais se podia produziruma obra. A movie, primeiro filme de BruceConner, é um bom exemplo do uso que pode serfeito de filmes educativos e de noticiários. Elecritica a sociedade de consumo e seu fascíniopelo espetáculo da destruição, por meio de umconjunto de seqüências até então reservadas a

um uso doméstico. Essa apropriação contrariaas intenções originais dos filmes; reflexos da so-ciedade que os produz, representam seus ritos,as tragédias humanas ou naturais, cotidianas ouexcepcionais, as catástrofes. No meio da coli-são, da justaposição e do encadeamento, BruceConner suscita outras interpretações. As certe-zas que eram pressentidas nesses filmes vacilam;outras perspectivas surgem graças ao humor dasmontagens, os contra-sensos vêm atentar contraas idéias recebidas.

Bruce Connor trabalha os clichês cinemato-gráficos de um passado recente e já desvaloriza-do, que são, antes de tudo, uma memória co-mum a um grupo, uma classe, uma sociedade.Seus meios ligam-se à apropriação de objetosdomésticos glorificados pela pop art na Inglater-ra e nos Estados Unidos no final dos anos de1950. Mesmo sendo singular, A movie, como osfilmes de Raphael Montanez Ortiz, MauriceLemaître e de alguns outros, desenvolve as se-qüências dos filmes, apropriando-se delas ereciclando-as, de modo a criar novas relações quepervertem o sentido original.

Os utilizadores de found footage, retirando asimagens de seu contexto, revelam seu sentidooculto, freqüentemente contrário ao sentido ori-ginal , assim como os Novos Realistasrecolocavam em evidência a significação primor-dial das imagens que era resgatada pela destrui-ção dos cartazes. Esse deslocamento é essencial,à medida que marca a apropriação, e também airrupção do intempestivo, constituindo uma sig-nificativa inovação. Para designar esse desacor-do, os lettristes falam em burilamento das ima-

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2 e 3 Instabile Malerei

de Jürgen Reble (1995)

© Light Cone

gens e de “discrepância” a propósito do som.1 Àdiferença de outros cineastas, os lettristes nãoutilizam apenas o found footage, por vezes ro-dam seqüências que alteram de diversas manei-ras: listras, pinturas, aplicação de letras...

Observemos que, naqueles anos, as questõesrelativas à propriedade e aos direitos autorais nãoeram tratadas da mesma forma que hoje em dia,o jurídico ainda não era o parâmetro a partir doqual se definia o estatuto econômico do autor,tal como se vê freqüentemente nas sociedades(corporações) que os representam.

A apropriação de seqüências modifica a ma-neira pela qual os objetos cinematográficos sãoapreendidos: o objeto de desvio não é a totali-dade do filme,2 mas sim uma ou várias partes.Sua integridade é colocada em questão, quandoo filme é considerado como um catálogo de pla-nos e não como um todo indivisível. Estuda-se,trabalha-se, cita-se, preestabelece-se para for-mar um novo objeto. Trabalha-se não mais paraapresentar uma visão original por meio de pla-nos filmados por nós, mas sim montando ascenas rodadas por outros. O trabalho do cine-asta consiste, sobretudo, na pesquisa de docu-mentos, daí a necessidade de se ter acesso àsbibliotecas, aos arquivos públicos ou privadose aos diversos estabelecimentos comerciais quevendam cópias de filmes e fitas em geral.

Fazer filmes de found footage, nos anos de 1950e 1960, é, antes de tudo, trabalhar a partir denoticiários; cada vez mais raramente ver-se-ãoimagens retiradas de filmes comerciais. O forma-to é sempre um grande obstáculo para os cineas-

tas experimentais que não dispõem de meios parafazer reduções a partir do formato padrão, 35 mm.Mais tarde, sobretudo a partir dos anos de 1980,o recurso do found footage receberá outras signi-ficações, que ultrapassarão a crítica das represen-tações. A importância da imagem animada, seuimpacto sobre o cotidiano, dará origem ao traba-lho de alguns cineastas: eles utilizam imagens queveneram ou odeiam, invertendo, de uma só vez, amaneira de encarar a relação com o cinema e asua espetacularização do mundo no século XX.

O material facilmente acessível nesses anos é o16mm: os noticiários cuja atualidade limita-se àvida útil do suporte e dos filmes educativos. O re-curso a essas imagens manifesta, em primeiro lu-gar, a continuidade de uma tradição crítica da artemoderna, que sempre considerou a dimensão lúdicada filmagem, junto com sua dimensão política: odadaísmo, o surrealismo, o situacionismo e tam-bém a pop art, numa medida menor...

O trabalho de filmagem no cinema, a partir defound footage, implica a apropriação de um docu-mento utilizado como é ou transformado; ele éreciclado.3 Distancia-se da citação em prol da crí-tica e da análise, conforme o projeto artístico docineasta. Se, para os lettristes, a incorporação deseqüências de filmes célebres permite render ho-menagens a determinado momento da história docinema, na maior parte do tempo, para outros ci-neastas, trata-se de atacar a natureza da representa-ção, como é proposta pelo cinema comercial. Essaatitude é adotada por Raphaël Montanez Ortiz emseus primeiros dois filmes, Cow-boy and Indian films(1958) e News Reel (1958), em que ele trunca, re-monta, transforma e modifica um western, a fim

1 Ver ISOU, Isidore, Esthétique du cinéma e LEMAÎTRE, Maurice, Le film est déjà commencé. ION, número especial sobre ocinema, 1o abril 1952. Paris: André Bonne, 1952. 2 Por vezes o desvio se efetua sobre a integridade do filme. Joseph Cornell reduzum longa-metragem a vinte minutos em Rose Hobart (1936), utilizando subtítulos. René Vienet retoma os filmes inteiros em Ladialectique peut-elle casser des briques? (1974) e Les filles de Kamaré (1974). Ou então Ken Jacobs coloca sua assinatura numfilme anônimo (Perfect film). Pierre Huyghe e também inúmeros artistas contemporâneos apropriam-se integralmente de filmesque mostram lado a lado em suas diferentes versões (Titanic) ou que estendem até 24 horas: 24 hour psycho (Douglas Gordon,1993). 3 Para uma análise histórica mais detalhada das técnicas empregadas pelos cineastas de found footage, ver LEYDA, Jay. Filmsbeget film, a study of compilation film. Londres: Georges Allen & Unwin Ltd, 1964; Found Footage Filme aus gefundenemMaterial, Blimp, n. 16, Viena, 1991; WEEDS, William. Recycle images, New York, Anthology Film Archives, 1993; BONNET,Eugeni (dir.). Desmontage: film, video / appropiation, reciclaje, Valence, Ivam 1993; Yann Beauvais, Plus dure sera la chute(1995), retomado em Yann Beauvais, Poussière d’images, Paris experimental, 1998.

4 Em relação a isso, os filmes The situationist life (1958-1967)de Jens Jorgen Thorsen são exceções, que se inscrevem numatradição provocadora herdeira do lettrisme e do surrealismo.

de denunciar a posição adotada, ideológica e racial,pelas produções hollywoodianas, assim como pelosnoticiários dos anos de 1940 e 1950. News Reeldenuncia a guerra de uma maneira aberta, bem comoalguns de seus promotores, como o papa Pio XII. Amesma tendência encontra-se nos cineastas evideoastas contemporâneos, quando questionam aidentidade, o fato de se pertencer a uma raça, umacultura, um gênero. Richard Fung, Nguyen-tanHoang, Charles Lofton, Wayne Yung e Shawn Durrincluem em seus vídeos os elementos de foundfootage para enfatizar o pertencimento a uma duplaminoria, gay, asiática ou black na América do Nor-te. Seus trabalhos evidenciam um humor corrosivo,diferente daquele dos anos 50 e 60.4 A apropriaçãode seqüências de filmes de gênero em Nguyen-tanHoang ou Charles Lofton favorece uma leitura campdesses mesmos filmes, que os dinamiza assim comoos dinamita. Atitude reencontrada em 1000Cumshots (2003) de Wayne Young, que denuncia oimpério do macho branco na pornografia gay.

Esse modo de apropriação artística não énovo: através dos tempos, os músicos, os escri-tores, os pintores inspiraram-se em obras maisantigas, pegando emprestado um motivo, umamelodia, um tema, uma idéia, até recopiando deboa vontade toda ou parte de uma obra. Não háobra sui generis que não apele ou não tome em-prestado obras anteriores. Hoje em dia a dife-rença marcante é a transferência do direito doautor para seus representantes legais, que, emnome do poder econômico, confiscam o direitodo autor em favor dos interesses que defendem.

Isso explica que o uso de found footage nocinema e no vídeo contemporâneos seja muitasvezes adverso à questão da difusão fora de seuspróprios circuitos, à medida que esses últimosescapam ao controle dos representantes legais.

A reciclagem das imagens pode ser feita emtodos os tipos de filmes, a partir do momento em

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4 Lyrisch Nitrat de Peter Delpeut (1990). © Light Cone

5 Para uma apresentação desse filme, CELANT, Germano (dir.). Identité italienne. Paris: Centre Pompidou, 1981. 6 Peter Szendydescreveu magnificamente essa arte do espectador, no domínio musical, em SZENDY, P. Un art de l’écoute. Paris: Éditions de Minuit, 2000.

que os meios de reprodução e de captura estão dis-poníveis. Observemos, sob o ângulo da reciclagem,dois filmes que são importantes por razões distin-tas, os dois se interessam pelos aspectos do cinemautilizados com menos freqüência nos anos 60 e quevão nutrir a maior parte de trabalhos do final dosanos 80 até o presente. La verifica incerta (1964),de Gianfranco Baruchello e Alberto Gitti, e Au début(1967), de Artavazd Pelechian.

O filme de Pelechian coloca uma alternativa àmontagem “das atrações” como a definiu Eisenstein,recorrendo a uma montagem que privilegia as for-mas circulares e a constituição de blocos onde asvariações são efetuadas. Trata-se de uma monta-gem que, pela repetição de seqüências num mes-mo bloco ou de um bloco a outro, faz explodir osentido único em favor da ressonância. Ao ladodos noticiários de todas as procedências que cele-bram as revoltas, figuram extratos de filmes deEisenstein e de Vertov. Essa irrupção de clássicosmarca um reconhecimento de dívida com essasobras, além de revelar a nova maneira de examinarum filme. Para lhes devolver o impacto que havi-am perdido, Pelechian duplica as seqüências co-nhecidas sobre emulsões de alto contraste.

Para fazer seu filme, Grifi e Baruchello resga-taram quarenta e sete cópias de filmes de 35mmdos anos 50 e 60 antes de sua destruição.5 Essesfilmes comerciais, na maior parte americanos, sãodesfeitos e depois refeitos para produzir um filmeque, embora respeitando a trama dos filmes clás-sicos, dessacraliza os clichês hollywoodianos. Laverifica reconhece a importância de Hollywoodcomo provedor de estereótipos e de clichês fasci-nantes ao mesmo tempo que revoltantes, todosrevelando os limites deste empreendimento dediversão que recorre aos mesmos códigos inde-pendentemente do argumento do filme. Ele pro-põe uma crítica lúdica dos clichês, dos códigoshollywoodianos, que opera por excesso,superoferta e acumulação. A eficácia da demons-tração decorre da utilização de um grande núme-

ro de seqüências de vários filmes; ela abre umavia possível de investigação para os cineastas dofuturo, quer tenham visto ou não La verifica. Issoevidencia, mais uma vez, a necessidade de tornaros filmes acessíveis. O acesso e a democratizaçãofavorecem a apropriação. Essa “amostragem alea-tória” prefigura os gestos iconoclastas dos cineas-tas dos anos de 1990, que, a partir de seusvideocassetes, privilegiam a arte do espectador,ou mais exatamente do programador, e constitu-em coleções de fragmentos escolhidos em detri-mento da integridade de uma obra. O olhar sedesloca graças a ferramentas que permitem o con-sumo particular de um entretenimento que, atéentão, era um espetáculo de massas.6

Por seu modo de apropriação e de reciclagemdas imagens, La verifica e Au début anunciam aprática de amostragem tal qual se desenvolveuno domínio musical, depois no das imagens emmovimento, no final dos anos 80. Essa arte deolhar que privilegia a escolha daquele que olhapermite transformar a maneira de abordar asnoções de autor e de obra.

Os filmes e os vídeos contemporâneos exa-minam o cinema, fornecedor e difusor das ima-gens do real, mas também artífice, manipuladordesta mesma realidade e ao mesmo tempo donosso imaginário. A invasão progressiva do ci-nema no decorrer do século XX fez com quemuitas das seqüências dos filmes virassem íconescontemporâneos, imagens públicas que assom-bram a memória de cada um. Outras imagens decaráter privado, vindas dos filmes de família, per-mitem que nos revejamos como éramos antiga-mente e nos mostram também a maneira comopercebíamos o mundo, retransmitido pelo olhardas testemunhas próximas ou distantes. Pode-seentão revisitar a história familiar mediante algu-mas de suas representações (como o ritual da re-feição em família em Stories, de Cecile Fontaine),ou por meio de uma verdadeira celebração do tem-po definitivamente determinado em Nikita Kino

(2001), de Vivian Ostrovsky. Esse filme revive aviagem à URSS, tal qual a havíamos filmado emconjunto, Vivian e eu, no Work & Progress (1999).Aqui não é mais a viagem, a descoberta, que de-sencadeia a reciclagem de atualidades, mas sim avisita ao passado através das seqüências colhidaspela cineasta ao longo dos anos.

Nesse espírito de reconsideração do passa-do, os cineastas trabalham os filmes encontra-dos aqui e ali, que permitem mostrar outros cos-tumes do mundo sob a coberta do anonimato.Peter Tscherkassky apresenta, em Happy end(1996), uma coleção de filmes de Ano Novo ro-dados por um casal dos anos 60 aos anos 80.Essa investigação faz parte de uma análise quenos permite captar a evolução do olhar lançadopelo casal sobre a sua própria imagem. Ela ques-tiona igualmente a posição de um terceiro, invisí-vel, de quem nos ocupamos ao assistir ao filme; aquem se dirige esta família burguesa, quando fin-ge a felicidade de um ano vindouro? Happy end

pertence à mesma veia que os filmes que se ser-vem da alteração do suporte para investir no pas-sado. Não se trata de rever os eventos filmadosno passado, mas sim de tirar proveito damaterialização da passagem do tempo, da transfor-mação do grão da emulsão. Não está em questão asentimentalidade nostálgica, mas sim a estética.

Se La verifica incerta prefigura os trabalhosde compilação que geraram o cinema experimen-tal e a arte do vídeo após os anos 80, é porquetrabalha a partir do cinema comercial, que per-manece como a prática dominante do cinema.

A partir dos anos de 1980, as salas de cinemajá não detêm o monopólio do cinema de ficção:pode-se vê-lo em shoppings ou em casa, graças aovideocassete. Essa ferramenta permite, bem acele-radamente, o retorno da duplicação e da compila-ção. O consumidor pode então fabricar fitas per-sonalizadas, a seu gosto; o que significa o aumentoda pilhagem de seqüências, favorecendo simulta-

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5 Scratch de Christoph Girardet (2002). © Light Cone

neamente a produção de novas obras a partir doseqüenciamento, da amostragem de filmes de to-dos os gêneros. O resultado é um certo número detrabalhos que propõem somas particulares de situ-ações (Home stories, 1991, de Matthias Müller;Scratch, 2002, de Christoph Girardet, fig. 5) ougestos (Téléphones, 1995, de Christian Marclay).

Os cineastas obtêm novos significados de fil-mes clássicos ou conhecidos. É o caso de MarcArnold, que faz uso de imperfeição da imagemenquanto instância de descobrimento eeclipsamento em Pièce touchée (1989), assim comoem seus filmes posteriores; é também o caso deChun-hui Wu que, em Psycho shower (2001), tra-balha os diferentes planos da célebre cena do chu-veiro do filme de Hitchcock. A partir de uma cenasuperconhecida, o cineasta cria uma coreografiaque coloca em cena o corpo estático de uma mu-lher antes de sua morte. Nesse filme, como nosfilmes de Arnold ou de Ortiz, o jogo do adiado edo avanço entrecortado, com seus desvios, suasreprises, suas demoras, é que constitui o motor daação cinematográfica. Trabalho lúdico que colocaem crise o desfile regrado de uma projeção em fa-vor do entrecorte, paradigma do cinema, abolidoapós o aparecimento da imagem eletrônica.

No entanto, o cinema hollywoodiano tambémpode ser objeto de manipulações e de transforma-

7 Como sublinhou justamente Isabelle Ribadeau-Dumas, isso se aplica também a muitos episódios do ciclo Phoenix tapes (1999)co-realizado com Christoph Girardet em torno dos filmes de Hitchcock.

8 Sobre essa qualidade haptique do vídeo contemporâneo, ver MARKS, Laura U. Touch. Minneapolis: University of MinnesotaPress, 2002. 9 Ver Abigail Child em WEES, William. Recycled images, op. cit. 10 A introdução de uma versão livresca do filmemantém essa interpretação, mediante a assinatura “Jane Austen”, que mais tarde se manifestará de novo num vídeo de Keith Sanborn,a propósito das noções de apropriação e de copyright, com as quais o filme de Baldwin não se preocupara. Tribulation 99 CraigBaldwin, New York, ediciones La Calavera, 1991.

ções que permitem escrever histórias queHollywood não soube ou não quis contar. NoMeeting of two queens (1991), Cecilia Barriga pro-põe uma história de amor entre Greta Garbo eMarlene Dietrich, a partir de uma montagem deseqüências que, além das histórias, funcionam comohábeis campos contracampos fictícios. Por sua vez,Bárbara Hammer incorpora em Nitrate kisses(1992) um filme célebre de Watson e Webber, Lotin Sodom (1933), assim como as seqüências de raiosX de filmes científicos rodados nos anos de 1940pelo mesmo Watson. Em Matinee idol (1999), HoTam levanta o catálogo do rei do cinema da ChinaMeridional, dos anos 30 aos anos 60, retirandocurtos extratos em sua filmografia. À diferença deHome stories ou Phantom (2001) de MatthiasMüller, Matinee idol não mostra uma nova ficção,é antes de tudo a transformação de um rosto.

Alguns filmes reutilizam filmes de entreteni-mento. Eles evocam uma época, um momentona história do cinema, uma fascinação por umgênero de cinema, o das estrelas... não criammundos, mas comentam simultaneamente o mun-do e o cinema. Propõem novas leituras, novosconjuntos, arranjos diferentes, trabalhando emum catálogo de seqüências mais ou menos co-nhecidas, que são arquétipos. Matthias Müllertem muitas obras recentes, constituídas de re-presentações hollywoodianas, que mergulhamnum clima de pura nostalgia.7

Matthias Müller, como inúmeros cineastassurgidos nos anos 80, mistura às imagens que ro-dou uma grande quantidade de seqüências encon-tradas e tomadas de empréstimo da história docinema – principalmente melodramas e comédiasmusicais hollywoodianas. Seu filme Aus der Ferneé sintomático dessa fagocitose progressiva deHollywood pelos cineastas experimentais nos anos80. Por sua vez, Mike Hoolboom e Caspar Strakeanexam todo o cinema e não somente os filmeshollywoodianos. Tom (2001), de Mike Hoolboom,convoca a história das representações nova-

iorquinas no cinema, para fazer a biografia docineasta Tom Chomont. Camadas de imagens te-cem uma história composta da cidade. Essas es-pessuras de imagens remetem à constante trans-formação arquitetônica de Manhattan. Elas evo-cam paisagens imaginárias de uma cidade que as-socia à nossa visão resíduos de um outro tempo,bem como numerosos clichês. A cidade já não évista diretamente, mas experimentada sob umamistura visual que, no entanto, a torna mais tan-gível, mais palpável. A sensação torna-se muitomais física, material: dá vontade de pegá-la.8 Écomo se o vídeo permitisse sentir a pele da cida-de graças às sobreimpressões, superposições deimagens que são como vitrais.

A textura particular dessas imagens aproxi-ma o estilo desse filme daquele dos trabalhos queutilizam o found footage, acentuando a decompo-sição, a alteração, portanto, a fragilidade do su-porte cinematográfico. A fascinação pela decom-posição do suporte pode ser considerada comouma nostalgia da emulsão, de suas qualidades par-ticulares, de seu grão e de sua textura. Isso levaos cineastas a trabalharem as seqüências recor-tadas de fitas de vídeo, desenvolvendo-as de ma-neira artesanal, para lhes dar novamente a quali-dade tão característica do suporte em prata. Otrabalho de Jürgen Reble situa-se exatamente nessalinha, que visa transformar o suporte, fazendoexplodir literalmente sua materialidade noInstabile Malerei (1995, fig. 2 e 3), ou em suasperformances filmadas de Alchemy (2000). Amanipulação radical do suporte no processamentoou durante a produção da cópia, por viragem, eos ataques químicos efetuam-se sobre elementosesquecidos pela maior parte dos filmes científi-cos ou dos documentários de animais.

Presenciamos um procedimento que revela osuporte das imagens em detrimento das figurasque aí se manifestam, a fim de nos conduzir para

outros horizontes pela abolição progressiva doselementos figurativos, sem os quais o deslocamen-to para esse “além” não poderia ocorrer. Nesseprocedimento inscreve-se uma dimensão místicaque se aproxima do espírito em que trabalha MikeHoolboom, mesmo que os objetos cinematográ-ficos e as intenções difiram e mesmo que o cine-asta há alguns anos prefira o vídeo ao filme. MikeHoolboom radicaliza ainda sua proximidade emcertas partes de Imitations of life (2002), esten-dendo o campo de suas tomadas aos videoclipes,às publicidades e aos filmes esportivos que, emalguns de seus trabalhos, mistura aos filmeshollywoodianos. Abigail Child e Craig Baldwin tra-balharam, no final dos anos 80, na mesma dire-ção, misturando diversos gêneros de filmes. Mas,às vezes, a narração clássica se refaz: quando acineasta refilma os home movies anônimos parafazer Covert action (1984, fig. 6), percebe queesse material é fonte de ficção. Ignorando a pro-veniência desses filmes de família, tendo apenasfragmentos, ela completa as lacunas parareconstituir uma história a partir do found footage.9

Em Mercy (1989), multiplica as fontes de emprés-timo, incorporando filmes educativos e filmes ci-entíficos, sem se referir a qualquer narrativa.

Se uma importante parte dos filmes de foundfootage realizados nos anos 90 são vídeos, Nodamage (2002), de Caspar Strake, anexa seqüên-cias inteiras a fim de devolver à cidade suapluralidade, mediante a multiplicidade de suasrepresentações. É o que foi feito com estrondo-so sucesso por Craig Baldwin em Tribulations 99,Alien anomalies under América, criando, a partirde um mosaico de documentos cinematográfi-cos, uma fábula paranóica cujo fio condutor éconstituído pelas vozes da banda sonora. Essesdiscursos ligam as representações oriundas defontes diversas, numa narrativa que se desenrolacomo uma seqüência de complôs, dos quais ofilme será uma das manifestações virtuais.10

Page 5: BEAUVAIS - Filmes de Arquivos

FFFFF I L M E SI L M E SI L M E SI L M E SI L M E S D ED ED ED ED E A R Q U I V O SA R Q U I V O SA R Q U I V O SA R Q U I V O SA R Q U I V O S REVOLUÇÕES

916 Covert action de Abigail Child

(1996). © Light Cone

7 De profundis de Laurence Brose

(1996). © Light Cone

12 Negativland é um coletivo de músicos que questionou a noção de uso respeitoso da reciclagem. Seu combate foi ilustrado quandotomaram emprestado uma canção do U2. Ver o site www.negativland.com. 13 Essa fita é a décima da série The hundred vídeos, deSteve Reinke. Ver o catálogo com o mesmo nome editado por Philip Monk Power Plant, Toronto, 1997.

Em seus ú l t imos t r aba lhos , Ye rvantGianikian e Angela Ricci Lucchi continuam otrabalho começado no início dos anos 80, doqual Dal Polo all Equatore (1986) é um dos mai-ores sucessos: o recurso a filmes de arquivosou a coleções privadas. Nesse filme e nos se-guintes, eles selecionam, tingem, reenquadramas seqüências escolhidas, eclipsando-as no ma-terial que colocam em circulação. Nenhum oupoucos intertítulos são acrescentados, situan-do o material. Esse mergulho nostálgico numpassado para sempre terminado oscila entrefascinação por um tempo da representação nocinema e plasticidade de um material surradopelos anos e estocado em más condições. EmDal Polo all Equatore, os dois cineastas reuni-ram filmes da coleção de Luca Comerio que,no fim dos anos de 1920, juntou sob o mes-mo título diferentes seqüências rodadas porele – notadamente a do pólo Norte e as daPrimeira Guerra Mundial – e também filmescientíficos rodados por outros cameramen. Apilhagem do filme inicial limita-se à sua reor-ganização em quatro capítulos.11

Dal Polo all Equatore ilustra o interessecrescente dos cineastas, a partir dos anos 80e 90, pela “efemeridade” do suporte , suavulnerabilidade, sua degenerescência. Esse ob-jeto fascinante – o filme – deseja que o su-porte sucumba, se dissolva, se pulverize, sedobre, numa palavra, se decomponha.

11 Para uma descrição detalhada da prática dos dois cineastas, verGIANIKIAN, Yervant e LUCCHI, Angela Ricci. Catálogo do Mu-seu Nazionale del Cinema. Florence: Hopefulmonster editore, 1992.

Em No damage como no Dal Polo, os ci-neastas apropriam-se dos filmes para criar umoutro: respeitam totalmente o suporte, não sepermitindo qualquer deslize para um outromaterial ou a partir de um outro material. Ofilme só pode ser gerado por um filme. A essalógica pertencem o trabalho de Peter Delpeutem Lyrisch Nitrat (1900, fig. 4) ou os doisfilmes de Gustav Deutsch, Film ist 1-6 (1998)e sua seqüência Film ist 7-12 (2002), que re-correm a empréstimos autorizados de filmesde arquivos.

Em contrapartida, Mike Hoolboom, MarcPlas e outros não se embaraçam com tais cons-trangimentos quando pilham alegremente o ci-nema: fazem obra de cinema a partir de ima-gens tiradas de cassetes ou de DVD, fontesmais acessíveis hoje para quem quer trabalhara partir de representações existentes. Na Chi-na, por exemplo, artistas desviam e perver-tem filmes publicitários, à semelhança do quefaz Negativland12 em suas emissões de rádio eem alguns CDs. Inúmeros videastas agem as-sim atualmente, por exemplo, quando têm ne-cessidade de contrariar a informação oficialem caso de conflito armado. Durante a segun-da guerra do Golfo, cineastas e videastas pro-duziram filmes veiculados pela internet, quese apresentavam como uma alternativa à pro-paganda oficial.

Outro domínio de apropriação, conside-rado como um gênero menor e reservado namaior parte do tempo a um uso privado: ocinema pornográfico. Eis o terreno de apro-priação de Lary Brose (De profundis, 1996,fig. 7), Steve Reinke (algumas fitas da sérieThe hundred vídeos), Michael Bryntrupp (Allyou can eat, 1993), Yves Mahé (Fuck, 1999 eVa te faire enculer, 1999). Por vezes os cine-astas retomam as mesmas imagens: All you can

eat utiliza seqüências que também encontra-mos em Barely human.13 Nos dois casos, tra-ta-se de uma acumulação de planos de rostosde homens ao longo de um dia, extraídos devídeos hard gay. Para Steve Reinke, essa acu-mulação de rostos estáticos torna os protago-nistas quase inumanos: não completamentefantasmas, de preferência anjos. Por sua vez,De profundis privilegia imagens pornográfi-cas menos familiares (na maior parte datamdo final dos anos 20), que são refilmadas etratadas de modo que sua antiguidade e suaalteração, pelas agressões que o cineasta lhesfaz sofrer, sejam palpáveis. A manipulação dasimagens, que cria uma textura, torna-as maistáteis. Elas são por assim dizer (visualmente)acariciadas. A insistência em devolver o cará-ter palpável da película de prata encontra-senos videastas, quando, por meio de super esubexposições, devolvem uma espessura à ima-gem, que não passa de uma fina película, masque se torna pele.

Utilizando o vídeo ou o DVD, os cineas-tas sempre voltam a privilegiar o aspecto ma-terial do filme; procuram torná-lo tangível paraos espectadores. Mesmo quando escolhemimagens virtuais, buscam fazer passar umasensação de textura, não se satisfazem com oaspecto liso das novas imagens. Apreciam an-tes de tudo a materialidade da película, os efei-tos estéticos que só o envelhecimento do su-porte produz. Portanto, parece bem necessá-rio hoje preservar as imagens animadas, as-sim como é necessário favorecer o acesso aelas. Os arquivos, os bancos de dados, per-tencem freqüentemente a instituições cuja ges-tão se revela muito difícil, mas são um malnecessário: permitem a salvaguarda e a con-servação em condições ótimas e agem comouma memória que se torna viva com a condi-ção de partilharem seus tesouros.