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    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA V. 19, N SUPLEMENTAR: 31-44 NOV. 2011

    RESUMO

    O QUE ESPERAR DAS RELAES BRASIL-CHINA?

    Recebido em 25 de maio de 2011.Aprovado em 25 de junho de 2011.

    Danielly Silva Ramos Becard

    I. INTRODUO: RELAES EMBRIONRI-AS ENTRE BRASIL E CHINA (1949-1974)

    A histria comum entre Brasil e China, cujasrazes remontam aos anos 1950, passou por diver-sas etapas que refletiram sobremaneira os projetosdesenvolvimentistas de ambos os pases e sua ca-pacidade de adaptao s transformaes em cur-so no sistema internacional. A primeira fase das re-laes sino-brasileiras que se estendeu da funda-o da Repblica Popular da China, em 1949, at aassinatura do acordo de reconhecimento diplom-tico entre os dois pases, em 1974 foi marcadapor grandes objetivos de parte a parte: a vontadechinesa de prosseguir com sua poltica de liberta-o nacional e o interesse brasileiro de alargar sualista de parceiros comerciais e aumentar seu pres-tgio internacional. O pice da fase embrionriaocorreu em 1961, com a visita do Vice-PresidenteJoo Goulart China, a primeira at ento.

    Logo aps a sua fundao em 1949 e ao longoda dcada de 1950, o interesse da Repblica Po-

    O artigo trata das relaes recentes mantidas entre o Brasil e a Repblica Popular da China (RPC).

    Objetiva-se apontar os resultados alcanados e os desafios remanescentes nas relaes econmico-comer-

    ciais e na cooperao bilateral sino-brasileira nas ltimas duas dcadas (1990-2010). Utiliza-se a hiptese

    de que as relaes entre Brasil e China apresentaram avanos durante o perodo graas, em especial,

    maior liberdade de ao promovida pela interdependncia crescente do sistema internacional; embora tais

    avanos tenham sido limitados devido, sobretudo, (i) s instabilidades internas no Brasil e na China e (ii)

    falta de planejamento sistemtico da parceria sino-brasileira. Para verificar a hiptese foi examinada a

    evoluo histrica das relaes sino-brasileiras, destacando as trs primeiras fases das relaes bilaterais,

    referentes (i) gestao das relaes (1949-1974); (ii) fixao das bases das relaes (1974-1990); (iii)crise nas relaes bilaterais (1990-1993). Em seguida, foram apresentadas as duas ltimas fases das rela-

    es sino-brasileiras; (iv) o estabelecimento da parceria estratgica (1993-2003) e (v) a maturao das

    relaes bilaterais sino-brasileiras (2003 aos dias atuais). Conclumos que, por um lado, os processos de

    abertura e globalizao no incio dos anos 1990 permitiram um aumento de laos entre Brasil e China e,

    por outro, crises de legitimidade chinesa no plano internacional e mudanas na poltica externa brasileira

    levaram a fortes impasses nas relaes; por sua vez, enquanto o Brasil hesitou entre uma poltica externa

    cooperativa e desenvolvimentista e uma poltica externa neoliberal e autolimitada explorao de aspec-

    tos econmicos, e submissa a foras hegemnicas internacionais, a China reforou o pragmatismo de seu

    comportamento internacional, ampliando o perfil logstico de sua poltica externa e a busca por oportuni-

    dades j no incio dos anos 2000.

    PALAVRAS-CHAVE: China;Brasil;relaes bilaterais;relaes econmico-comerciais.

    pular da China (RPC) pela Amrica Latina, emgeral, e pelo Brasil, em particular, estava direta-mente ligado vontade de reconstruir o pas eaumentar sua segurana. Diante das dificuldadesenfrentadas no relacionamento com a Unio dasRepblicas Socialistas Soviticas (URSS), a par-tir do final dos anos 1950, a China decidiu contra-atacar sistematicamente a poltica sovitica no seiodo movimento comunista internacional, com vis-tas a aumentar seu poder poltico e fazer-se acei-

    tar mundialmente.Na dcada de 1960, a China passou a lutar

    contra as foras hegemnicas das duas potnciasda poca, Estados Unidos e URSS, apoiando-senos pases capitalistas desenvolvidos da EuropaOcidental e nos pases subdesenvolvidos e emdesenvolvimento da sia, frica e Amrica Lati-na para prosseguir na luta de libertao nacional.Porm, e em particular, vrios fatores dificultaramo desenvolvimento de uma verdadeira poltica ex-terna chinesa para a Amrica Latina ao longo das

    Rev. Sociol. Polt., Curitiba, v.19, n.suplementar, p. 31-44, nov. 2011

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    dcadas de 1950 e 1960: a falta de recursos finan-ceiros, a diplomacia marcadamente isolacionista ea preponderncia dos Estados Unidos na AmricaLatina inclusive por meio de polticas de conten-o ao comunismo. Os resultados obtidos peloschineses foram poucos, sendo que os latino-ame-ricanos de esquerda preferiram, em sua maioria,continuar sob a influncia sovitica.

    O Brasil, de sua parte, tambm buscou apro-ximar-se da China nos anos 1960, afirmando quedesacordos ideolgicos no deveriam impedir queo pas mantivesse relaes com todos os povos.Assim, a poltica de alargamento de parceiros co-merciais e de aumento do prestgio internacionaldo pas fez que, durante a presidncia de JnioQuadros (janeiro de 1961 a agosto de 1961), o

    Brasil aproximasse-se da China. Em agosto de1961, por exemplo, o Vice-Presidente Joo Goulartvisitou a China, tornando-se o primeiro governantebrasileiro a realizar uma visita oficial ao pas.

    A partir da instaurao do regime militar brasi-leiro, em 1 de abril de 1964, o governo de CastelloBranco afastou-se da poltica externa praticada atento, a chamadapoltica externa independente,e decidiu juntar-se s potncias ocidentais, sobre-tudo por meio do alinhamento automtico com osEstados Unidos. Romperam-se, de imediato, asrelaes com a China, sob a influncia de idias

    discriminatrias e do repdio s prticas comu-nistas revolucionrias.

    Porm, no incio da dcada de 1970, diferen-tes fatores permitiram uma reaproximao entreBrasil e China. Por um lado, a China diminuiu seuapoio aos movimentos revolucionrios na Amri-ca Latina (considerados inaceitveis pelo regimemilitar brasileiro) e buscou desenvolver uma di-plomacia estratgica de governo a governo pro-metendo respeitar o princpio de no intervenoem assuntos internos (tambm adotado pela di-plomacia brasileira). Interessava China encerraro isolamento de Pequim no sistema internacional,aumentar sua legitimidade internacional e angariarapoio e reconhecimento, inclusive perante atitu-des independentistas de Taiwan. Frente aos ga-nhos limitados obtidos at ento, a poltica exter-na chinesa tambm passou a ostentar atitudes me-nos ideolgicas e mais pragmticas, voltando-seno apenas para a busca de segurana e indepen-dncia, mas principalmente do desenvolvimentonacional. A opo de participar ativamente dasquestes americano-soviticas, a partir da dcada

    de 1970, modificou profundamente a situao in-ternacional da China, proporcionando-lhe maissegurana frente URSS, maior insero no mun-do dos negcios ocidental e mais chances de al-canar suas ambies poltico-econmicas. A ob-teno de assento permanente, antes ocupado porTaiwan, no Conselho de Segurana da Organiza-o das Naes Unidas (ONU), em 1971, em tro-ca da aproximao com os Estados Unidos parafazer face URSS, trouxe melhoras progressivaspara as relaes internacionais da China, tirando-a de seu isolamento poltico.

    Por outro lado, com a retomada do curso his-trico e nacional-desenvolvimentista da diploma-cia brasileira, o Brasil tambm passou a adotaratitude mais pragmtica e menos ideolgica na

    conduo de sua poltica externa, sobretudoobjetivando aumentar as possibilidades de diver-sificar seus parceiros e abrir novos mercados.Porm, apesar dos esforos de aproximao em-pregados pelo Brasil frente China, aspectos liga-dos ideologia de segurana nacional e ao com-bate ao comunismo persistiram na definio dosinteresses nacionais brasileiros durante o governoMdici (1969-1974), impedindo, mas por poucotempo, a oficializao das relaes.

    II. FIXAO DE BASES DAS RELAESSINO-BRASILEIRAS (1974-1990)

    Decorrida uma dcada desde a instaurao doregime militar brasileiro, as relaes entre Brasil eChina comearam a ser, de fato, construdas, ago-ra sobre bases mais slidas.

    Com o chamado pragmatismo responsvel euma maior flexibilidade ideolgica, adotados pelogoverno de Ernesto Geisel (1974-1979), a coope-rao com a China tornou-se possvel. Tal relaodeveria servir, de acordo com o olhar do Brasil,para afirmar a presena autnoma e aumentar oprestgio brasileiro no sistema internacional. Fo-

    ram considerados subsdios de peso na decisoadotada por Geisel perante a China, tanto o pres-tgio internacional adquirido por este pas quantoa convergncia de interesses e posies polticasinternacionais que passaram a existir entre os no-vos parceiros.

    Apesar da vontade de Brasil e China em pro-mover a cooperao bilateral, as relaes desen-volveram-se lentamente nos primeiros anos des-de o restabelecimento oficial de laos diplomti-cos, em agosto de 1974. Na China, mudanas

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    polticas internas (aps a morte de Zhou En-lai ede Mao Zedong, ambas em 1976) e necessidadesde ajustes nos projetos de reforma econmica ede melhorias de infraestrutura dificultaram as tro-cas entre os parceiros. Assim como o Brasil, aChina carecia, naquele momento, de recursos paraincrementar as relaes Sul-Sul. Por sua vez, oentendimento mtuo era dificultado pelas grandesdistncias fsicas e culturais e conhecimentoincipiente das realidades nacionais.

    Com a assinatura do primeiro Acordo Comer-cial entre Brasil e China (em 1978), a corrente decomrcio comeou a evoluir de forma gradual,indo de US$ 19,4 milhes em 1974 para US$ 202milhes em 1979. Produtos primrios como algo-do, acar e farelo de soja figuraram entre os

    mais exportados para a China naquele momento(50% do total), enquanto, sobretudo, elementosqumicos e farmacuticos (67% do total) foramos produtos chineses mais importados pelo Bra-sil. A partir de 1978, o petrleo passou a repre-sentar mais de 95% dos produtos importados daChina por brasileiros.

    Em termos gerais, ademais do reconhecimen-to diplomtico, os anos 1970 no trouxeram gran-des resultados para as relaes sinobrasileiras, ten-do sido o conhecimento mtuo e os recursos fi-nanceiros insuficientes para fomentar as relaes.

    Brasil e China tiveram de aguardar a dcada de1980 para que pudessem explorar outras formasde cooperao conjunta.

    Ademais, os parcos resultados alcanados emsuas relaes internacionais durante a passagemdos anos 1970 para os 1980, particularmente comos pases desenvolvidos, levaram o Brasil a inves-tir tanto em sua poltica regional tendo avana-do no processo de integrao via estabelecimentode um novo eixo bilateral com a Argentina quantona rdua tarefa de identificao e aprofundamentode oportunidades de cooperao com outros pa-ses do sistema internacional.

    Tornaram-se, em igual medida, objetivosprioritrios da diplomacia brasileira o estreitamentode relaes com pases em condies de desenvol-vimento similares s do Brasil fora da Amrica doSul. Nesse sentido, as aberturas poltica e econ-mica nas relaes internacionais do Brasil favore-ceram os contatos com pases asiticos, alm doJapo.

    A China, de sua parte, tambm adotou, a partirdos anos 1980, estratgias de desenvolvimentobaseadas na ampliao de suas relaes internaci-onais, sobretudo com vistas aquisio e domi-nao de tecnologias avanadas (parte do projetodas Quatro Modernizaes envolvendo a agri-cultura, indstria, cincia e tecnologia), conser-vao de sua independncia internacional e aqui-sio destatusde igual aos grandes. O incio daera Deng Xiaoping (a partir de 1978) marcou deforma definitiva o comprometimento chins coma modernizao, passando o desenvolvimento e asegurana a ter maior peso que a ideologia comofatores-chave da poltica externa.

    Em termos gerais, a poltica externa da Chinapara a Amrica Latina nos anos 1980 foi condicio-

    nada s possibilidades de contribuio ao prpriodesenvolvimento nacional, tendo sido dada priori-dade s realizaes menos espetaculares e onero-sas. A opo por no mais rivalizar com as grandespotncias e avanar nos projetos de modernizaolevou a China a colocar nfase apenas na coopera-o Sul-Sul que pudesse trazer vantagens eco-nmico-comerciais concretas. Devido a tal condu-ta, a colaborao da China com a maior parte dospases da Amrica Latina restringiu-se, naquelemomento, sobretudo ao plano poltico-institucional.Em particular, alm de apoiar processos de

    integrao e criticar polticas intervencionistas dassuperpotncias naquela regio, sobretudo dos Es-tados Unidos, a China aumentou a troca de visitascom pases latino-americanos e incrementou o pro-cesso de construo do aparato institucional, base-ado na assinatura de acordos em reas diversas ecriao de grupos de trabalho bilaterais.

    Com o Brasil, as possibilidades de ganhos con-cretos nas reas econmica, cientfica etecnolgica levaram assinatura de mais de 20atos bilaterais com a China ao longo da dcada de1980 incluindo os acordos bsicos nas reas de

    cincia e tecnologia, energia nuclear e coopera-o cultural e educacional , permitindo ainstitucionalizao das relaes e enquadramentode aes futuras.

    As viagens China do Presidente JooFigueiredo, em junho de 1984 (primeira de umchefe de Estado e de Governo China), e a doPresidente Jos Sarney, em julho de 1988, sinali-zaram o fechamento do ciclo embrionrio de dezanos relativo ao estabelecimento formal das re-

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    laes sino-brasileiras e o incio do ciclo de co-operao efetiva nas relaes sinobrasileiras, adespeito das turbulncias econmicas e aconteci-mentos polticos que iriam afetar o Brasil e a Chi-na nos anos seguintes.

    A partir da segunda metade dos anos 1980, asrelaes com a China passaram, de fato, a indicara autonomia que o Brasil desejava manter frenteaos pases desenvolvidos. Para os chineses, tam-bm interessava manter relaes com o Brasil paracontrabalanar as restries aquisio detecnologia avanada impostas pelos pases desen-volvidos. A proposta de construo conjunta desatlites de sensoriamento remoto (projeto conhe-cido como China-Brazil Earth Resource Satellite(Cbers)), lanada em 1988, inseriu-se de forma

    inequvoca nesse contexto.Por sua vez, mesmo incipientes, as relaes

    comerciais sinobrasileiras registraram, na primeirametade dos anos 1980, crescimento das vendaschinesas para o Brasil de petrleo, produtos qumi-cos e farmacuticos e de peas para mquinas. Dolado brasileiro, foram exportados para a China mi-nrios e produtos siderrgicos, leos vegetais, pro-dutos agropecurios, alm de produtos qumicos efarmacuticos. Em meados da dcada de 1980,assistiu-se ao alcance de ndice recorde na corren-te de comrcio, de mais de US$ 1 bilho, e eleva-

    o da China a segundo maior mercado asiticopara as exportaes brasileiras, depois do Japo.

    Apesar do cenrio promissor para as relaessino-brasileiros ao final dos anos 1980, diversosfatores como transporte caro, infraestrutura defi-citria e produtos pouco competitivos do ladobrasileiro e necessidade de ajustar o programade reforma econmica e de efetuar melhorias nainfraestrutura porturia e ferroviria do ladochins foram identificados como sendo empe-cilhos expanso do comrcio bilateral. Por suavez, a persistncia do desconhecimento recpro-co de hbitos e realidades particulares a cada umdos pases e as limitaes mtuas no que se refe-re ao financiamento de exportaes, ademais daconcentrao excessiva em poucos produtos naspautas de importao e exportao (sobretudo dabrasileira) apontavam para a existncia de um qua-dro ainda em construo nas relaessinobrasileiras.

    Na presena de crises financeiras e reformasinternas, o Brasil tambm teve dificuldades parafazer alavancar a cooperao com a China. As-

    sim, passado apenas um ano desde a assinaturado acordo-base na rea espacial com a China, em1988, incertezas e indefinies levaram o Brasil adescumprir com suas obrigaes financeiras pe-rante o projeto Cbers, que adentrou em uma fasede inrcia.

    De fato, e apesar da instaurao da democra-cia no Brasil, em 1985, e da abertura de novasfrentes diplomticas com a comunidade interna-cional e regional, houve dificuldade de obterem-se saldos positivos em suas relaes econmico-comerciais internacionais devido ao agravamentoda questo da dvida externa, ao ressurgimentode fortes presses inflacionrias, moratria de-cretada em 1987 e ao incio da reduo de gran-des projetos da era Geisel.

    Por sua vez, a represso aos movimentos de-mocrticos na China, em maio e junho de 1989,levou ecloso de reaes vigorosas especialmenteno mundo ocidental, entravando, por um lustro, aabertura econmica da China. O processo de de-sintegrao sovitica, desencadeado em agosto de1991, tambm influenciou o isolamento da China,afastando-a do seio do sistema internacional. Osefeitos desses dois grupos de eventos nas rela-es sino-brasileiras foram terrveis, persistindoao longo dos primeiros anos da dcada de 1990.

    III. CRISES E NOVOS DESAFIOS NA PARCE-RIA SINO-BRASILEIRA (1990-1993)

    Mudanas sistmicas internacionais no inciodos anos 1990 como o fim da Guerra Fria e aretomada da expanso do capitalismo internacio-nal foram densamente sentidas e geraram diver-sas reaes no Brasil, a exemplo da introduo demedidas para aumentar a insero e adaptao dopas aos novos contornos da economia global. Emtermos gerais, para diversos autores brasileiros(BANDEIRA, 2004; VISENTINI, 2005; CERVO& BUENO, 2008) tais ajustamentos internos, so-

    bretudo traduzidos por meio da abertura do mer-cado interno de maneira unilateral, foram inicial-mente feitos sem garantias de competitividade eexigncias de contrapartidas, prejudicando o avan-o das polticas desenvolvimentistas brasileiras.

    A convergncia com pases desenvolvidosdurante o governo de Fernando Collor de Mello(1990-1992) em detrimento de parcerias alter-nativas, como a chinesa foi justificada diante danecessidade de recuperao de terreno ecredibilidade, perdidos ao longo da dcada de 1980

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    devido crise de endividamento, da instabilidademonetria e da estagnao econmica brasileira.Naquele momento, a China, ao contrrio do Brasilcom relao sia, buscava uma maior aproxi-mao com a Amrica Latina.

    Perante a necessidade de romper com o isola-mento em que se encontrava desde o final dosanos 1980, de recuperar a posio estratgica per-dida com o fim do equilbrio de poder da GuerraFria e de dar prosseguimento ao projeto de mo-dernizao, a China inaugurou uma nova platafor-ma de acelerao e ampliao do processo de re-forma e de abertura ao exterior. A importnciaadquirida pelos fatores econmicos no cenriointernacional tambm despertou novos interessese abriu distintas possibilidades de manobra para a

    China.Com a Amrica Latina, a China primou pelo

    estabelecimento de polticas governamentais e nogovernamentais em diferentes mbitos de cartercrescentemente pragmtico. Sendo assim, menosde um ano aps os eventos de Tien-an-men, fo-ram reiniciadas as trocas de visitas de altas auto-ridades, alm de aprimorados os mecanismos deconsulta poltica bilaterais em mbito ministerialcom diversos pases latino-americanos.

    Mesmo aps a superao do isolamento chi-

    ns, logo nos primeiros anos da dcada de 1990,continuava a imperar situao contraditria nas re-laes sino-brasileiras, em que o dilogo poltico-diplomtico consolidado e o amplo aparato jurdi-co-institucional sustentados por mais de 50 atosbilaterais conviviam com relaes comerciaismedocres e cooperao cientfica e tecnolgicasubmetida a srios problemas financeiros. Faltava parte brasileira decidir-se pela ampliao e diver-sificao de sua insero internacional e articula-o de um programa amplo e integrado de trabalhopara a promoo dos laos com a China.

    Em particular, no campo comercial, dentre asrazes que tambm pesaram negativamente nacorrente sino-brasileira, encontravam-se: a apro-ximao crescente entre China e parceiros com-petitivos da regio asitica, como Coria do Sul,Japo e Hong Kong; a conteno das compraschinesas devido a ajustes no programa de refor-ma econmica do pas; a substituio de produ-tos siderrgicos brasileiros por produo chine-sa; a necessidade de diminuir deficitschineses como Brasil como condio para aumentar a corrente

    comercial; o preo pouco competitivo do petr-leo chins, at ento importado pelo Brasil; a rare-feita presena tanto de tradings quanto de em-

    presas exportadoras brasileiras em solo chins; afalta de disponibilidade de oferta exportvel dedeterminados produtos brasileiros.

    Tanto o Brasil quanto a China tiveram dificul-dades de criar medidas eficazes para ampliar ovolume transacionado e diversificar a pauta deexportao concentrada na venda brasileira deminrio de ferro, produtos siderrgicos e leo desoja e de importao baseada na venda de pro-dutos chineses pertencentes a quatro setores: pe-trleo e carvo, produtos qumicos e farmacuti-cos, txteis e mquinas e material eltrico.

    A iniciar-se o governo de Itamar Franco, em

    outubro de 1992, a preferncia primeiramentedada pela poltica externa brasileira a pases de-senvolvidos foi cedendo espao para as relaescom pases em desenvolvimento com grandepotencial cooperativo. Destarte, frente ao retor-no das diretrizes brasileiras de busca por auto-nomia e participao internacional e aumento deganhos pela diversificao de parcerias assimcomo ao poder de atrao de determinados pa-ses no campo da cincia e da tecnologia e dastrocas comerciais as relaes com a sia, emgeral, e com a China, em particular, voltaram a

    ser incentivadas.

    IV. A CONSTRUO DA PARCERIA ESTRA-TGICA (1993-2003)

    A partir de 1993, o governo Itamar Franco tra-tou de imprimir um novo mpeto ao relacionamentocom a China, seja no plano bilateral, a exemplo dointeresse em dar continuidade ao projeto de cons-truo conjunta de satlites de sensoriamento re-moto, superadas as dificuldades financeiras maissrias; seja no multilateral, com vistas, em parti-cular, coordenao de esforos em prol da

    reestruturao da Organizao das Naes Uni-das e de seu Conselho de Segurana.

    Grandes empresas brasileiras, como a Com-panhia Brasileira de Projetos e Obras (CBPO) e aAndrade Gutierrez, estiveram empenhadas emobter espao no volumoso mercado chins, parti-cipando em licitaes para a construo de hidre-ltricas na China. Em particular, os parceiros de-monstraram especial interesse em trocar experi-ncias na construo de grandes e pequenas cen-trais hidreltricas.

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    O aprofundamento da cooperao cientfica etecnolgica por meio do projeto Cbers deu-secomo conseqncia natural do reconhecimento,por ambos os pases, do amplo potencial de cola-borao existente no setor. Em particular, apsdifceis anos de negociao, foram registrados seisnovos documentos no setor espacial, permitindoavanos nas fases de produo e fabricao dossatlites sinobrasileiros.

    Em suma, o bom entendimento alcanado pe-los parceiros na rea espacial, em 1993, e a recu-perao das trocas comerciais, a partir de 1994 quando as exportaes voltaram a registrar valo-res prximos aos de 1985, de aproximadamenteUS$ 820 milhes em exportaes e US$ 460 mi-lhes em importaes , colaboraram sobrema-

    neira para que as relaes sinobrasileiras fossemaladas a um novo patamar de entendimento, le-vando as autoridades de ambos os pases a consi-derar a parceria conduzida entre Brasil e Chinacomo sendo estratgica.

    De sua parte, a China revelou, por meio de suapoltica externa, o interesse em estabelecer par-cerias com pases de vrios nveis e profundida-des, sobretudo com o intuito de promover seudesenvolvimento econmico-comercial, mas tam-bm de aumentar sua prpria segurana, contra-balanando o peso de pases como Japo, ndia e

    Estados Unidos em seu prprio entorno regional.Multilateralismo e terceiro-mundismo continuarampresentes no discurso diplomtico da China, osquais, acreditava-se, colaboravam para a aberturaeconmica e insero chinesa no mundo em ter-mos de igualdade.

    Com a Amrica Latina, em particular, a Chinaestabeleceu como metas primordiais a obtenode recursos energticos, matrias-primas e mer-cados para seus exportadores, alm da contenoda influncia de Taiwan ede apoio poltico mtuoem fruns internacionais. Como fruto de sua pre-sena na regio, registrou-se, na primeira metadedos anos 2000, crescimento do comrcio entreChina e pases latino-americanos de aproximada-mente 70%, com concentrao das trocas empoucos pases (Brasil, com 30%, e Mxico, Chi-le, Argentina, Panam, Peru e Venezuela, com 50%do total dos intercmbios) e poucos produtos minrios, alimentos, pesca e petrleo. Os mlti-plos investimentos chineses na regio ocorreramprincipalmente em reas relacionadas extraode matrias-primas e construo de infraestrutura.

    O Brasil, de sua parte, procurou conciliar no-vas parcerias internacionais, a exemplo da chine-sa, com as relaes tradicionalmente mantidas compases desenvolvidos. Durante o governo deFernando Henrique Cardoso (1995-2002), apos-tou-se nas relaes com a China, seja no mbitocomercial, seja nas reas de investimentos em-presaria is conjuntos e proje tos de cincia etecnologia.

    A partir de 2000, registrou-se um forte cresci-mento da corrente comercial sino-brasileira, o qualpode ser explicado tanto pelo fim do Plano Realno Brasil e quebra da paridade entre o dlar e amoeda brasileira , quanto pela superao da cri-se financeira na sia e do surgimento de novosfluxos de crescimento na China.De 2000 a 2004,

    houve aumento, em 351,8%, das compras chine-sas no Brasil, e em 106%, das compras brasilei-ras na China, o que levou este pas a transformar-se no quarto principal parceiro comercial do Bra-sil. Uma considervel parte das exportaes doBrasil para a China foi composta por matrias-primas e alimentos minrio de ferro, ao e com-plexo de soja que representaram conjuntamentemais de 70% das vendas em 2004. A nfase brasi-leira no agronegcio continuou com o passar dotempo, tendo sido feita, ademais, reivindicao deespao no mercado chins para outros produtos

    desta rea, a exemplo das carnes.De 2001 a 2003, as exportaes brasileiras para

    a China foram marcadas por significativa presen-a de mercadorias de baixo contedo tecnolgico(55%); alto grau de concentrao da pauta expor-tadora por setores agropecuria (32%), minera-o (21,6%), siderurgia (7,8%), celulose (5,3%)e leos vegetais (9,1%) em 2004 e por produtos(soja e minrio de ferro).Em 2003,as importa-es realizadas pelo Brasil no mercado chins tam-bm foram marcadas por alto grau de concentra-o em poucos setores produtivos equipamen-

    tos eletrnicos e qumicos e farmacuticos ,embora em menor grau do que o verificado paraas exportaes (57% dos importados).

    Naquele momento, as dificuldades brasileirasde aumentar e diversificar suas exportaes paraa China estiveram relacionadas s seguintes ra-zes, em particular: excessiva carga tributria einfraestrutura deficitria presentes no Brasil; pol-tica tmida de identificao de novas oportunida-des comerciais; capacidade de poucos setoresprodutivos (com exceo do extrativo mineral e

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    agrcola) de expandir oferta, conforme ritmo dita-do pela onda importadora chinesa; queda no preode commodities e forte concorrncia no mercadochins. Por sua vez, medidas tpicas aplicadas nomercado chins comojuros baixos e crditosabundantes disposio dos exportadores chine-ses e aplicao de barreiras no tarifrias e de me-didas para forar a baixa de preos dos produtoschineses dificultaram sobremaneira a adaptaodo empresrio brasileiro ao contexto snico e ma-nuteno desuperavitscom o parceiro chins.

    Se, de fato, as exportaes brasileiras para aChina, de 2000 a 2004, passaram de US$ 1,6 bi-lho para mais de US$ 8 bilhes, a posio brasi-leira dentre os principais exportadores para o mer-cado chins no chegou a dobrar durante esse

    perodo, passando o market share brasileiro de0,72% (24 lugar) para 1,55% (14 lugar). En-quanto isso, em 2004, quase 50% das importa-es chinesas ficaram concentradas em apenasquatro pases Japo (16,81%), Taiwan (11,54%),Coria do Sul (11,09%) e Estados Unidos (7,96%).Quanto s exportaes, quatro pases EstadosUnidos (21,06%), Hong Kong (17%), Japo(12,39%), Coria do Sul (4,69%) foram res-ponsveis por 55,14% sobre o total.

    Em se tratando de investimentos, parte dosganhos alcanados por empresas brasileiras e chi-

    nesas por meio de suas exportaes foi direcionadaao financiamento de novos empreendimentos, tan-to em solo chins quanto brasileiro, de modo aaumentar a capacidade de produo de suas em-presas e gerar melhoria de infraestrutura e trans-porte.

    Por fim, nos primeiros anos do sculo XXI, oexcelente entendimento poltico entre Brasil e Chi-na foi utilizado em prol da superao de entraves amplificao das complementaridades das ca-deias produtivas dos dois pases, o que foi feitoparticularmente por meio da criao de mecanis-mos poltico-institucionais, conforme ser visto aseguir.

    V. RELAES MADURAS ENTRE BRASIL ECHINA (2003 AOS DIAS ATUAIS)

    Ao iniciar-se o sculo XXI, novas perspecti-vas para as relaes sinobrasileiras apresentaram-se, para as quais contriburam tanto o avano noprocesso de expanso do capitalismo mundial noleste asitico, quanto as transformaes nas pol-ticas externas do Brasil e da China.

    Na medida em que a China ganhou destaqueinternacional graas ao seu forte desempenho eco-nmico, o pas passou a assumir um papel maispr-ativo na poltica mundial. Por sua vez, como avano da modernizao chinesa baseada naindustrializao intensiva a poltica externa chi-nesa colocou-se particularmente a servio da buscapor mercados, capital, tecnologia, energia e ma-trias-primas estrangeiros, considerados elemen-tos basilares do desenvolvimento chins. Taistransformaes aproximaram sobremaneira a Chi-na da Amrica Latina.

    De sua parte, o governo de Luiz Incio Lula daSilva (2003-2010) remodelou a poltica externa bra-sileira de modo que esta pudesse colaborar para aconstruo de uma identidade de pas continental,

    com nfase na integrao regional como nova for-ma de insero internacional e na diversificao deparcerias com vistas transformao do pas emglobal trader e player.O reforo da imagem doBrasil como pas emergente levou a diplomacia bra-sileira a dar prioridade busca de mercados emdiferentes regies do globo, enfatizando-se ouniversalismo como princpio fundamental da po-ltica externa. Justificou-se, dessa forma, a aproxi-mao e reativao das relaes com a China.

    Percebeu-se, assim, que tanto a China quantoo Brasil procuraram, de maneira progressiva, im-

    pregnar a prtica das relaes internacionais depragmatismo e profissionalismo, em prol de re-sultados mais positivos para suas polticasdesenvolvimentistas.

    A viagem do Presidente Lula da Silva Chinaem maio de 2004 foi considerada uma das maisimportantes de sua gesto e foi acompanhadapor nove ministros de Estado, seis governadores eaproximadamente 400 empresrios. O saldo finalda visita foi de nove atos bilaterais e 14 contratosempresariais assinados. Na ptica brasileira, o prin-cipal objetivo da viagem era sinalizar aos chinesesa enorme importncia estratgica e comercial queo Brasil visava conferir China. Sob um clima ex-tremamente otimista quanto capacidade de cola-borao e cooperao chinesa em termos recpro-cos, acreditava o Brasil que a China estava em con-dies de contribuir com seu progresso, sobretudopor meio de investimentos na infraestrutura e daaquisio de produtos brasileiros.

    Poucos meses depois da viagem do Presiden-te Lula China, o Presidente Hu Jintao esteve noBrasil, em novembro de 2004, quando o governo

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    brasileiro decidiu conceder China o status deeconomia de mercado, sob fortes protestos doempresariado brasileiro, em particular da Federa-o das Indstrias do Estado de So Paulo (Fiesp).Em troca de tal reconhecimento, o Brasil espera-va receber o apoio chins candidatura brasileiraa membro permanente do Conselho de Seguranada ONU, o que de fato no ocorreu.

    No ano de comemorao dos 35 anos das re-laes sinobrasileiras, o presidente Lula realizousua segunda visita oficial China (18 a 20 de maiode 2009). Naquela ocasio, por meio do comuni-cado conjunto assinado pelos dois governos, fo-ram enumeradas algumas conquistas indicando ocaminho de fortalecimento da relao bilateral.Dentre eles, merecem nfase algumas ferramen-

    tas de aproximao bilateral colocadas em prticadesde a inaugurao do governo Lula: i) a Agen-da China, na rea comercial; ii) a Comisso Sino-Brasileira de Alto Nvel de Concertao e Coope-rao (Cosban), de 2006, responsvel pela coor-denao de diversas vertentes da relao bilateral;iii) o Dilogo Estratgico, criado em 2007; iv) oDilogo Financeiro Brasil-China, em 2008. Para operodo de 2010-2014, foi estabelecido um Planode Ao Conjunta contemplando todas as reas decooperao bilateral, aprovado em abril de 2010(BRASIL, 2010). No plano global, tornou-se no-

    tria a cooperao mtua em foros multilaterais,a exemplo da estreita comunicao mantida no G-5, no grupo BRICs (Brasil, Rssia, ndia e China) transformado em Bricsa, com a entrada da fri-ca do Sul a partir de 2010 , na Cpula do G-20financeiro e no G-20 da Organizao Mundial doComrcio (OMC).

    Em particular, cabe destacar que, nos ltimosanos, com vistas a aumentar a competitividade doBrasil na China, o governo brasileiro buscou criarpolticas de criao de novas oportunidades co-merciais e de incentivo participao de em-

    presas brasileiras no mercado chins. Assim, eaps o lanamento, pelo governo brasileiro, daAgenda China, em julho de 2008, os objetivoseconmico-comerciais brasileiros frente Chinaforam melhor identificados. Fruto da constituiodo Grupo de Trabalho China, em dezembro de2007 integrado por representantes de diversosrgos e entidades interessados na articulao deiniciativas no mbito pblico e privado a Agen-da China objetivou tanto aprofundar a reflexosobre a parceria sino-brasileira quanto traar es-

    tratgias para dinamizar o comrcio bilateral eampliar investimentos mtuos, alm de fomentarestudos tcnicos e aes de promoo do poten-cial produtor e exportador brasileiro no mercadochins (AMORIM, 2008). Para o Ministro dasRelaes Exteriores do governo Lula, CelsoAmorim, a Agenda China fruto da necessida-de de criar uma estratgia mais coesa do Brasilperante a China, que coloque em evidncia noapenas a tecnologia brasileira aplicada na reaenergtica e de produtos primrios, mas tambmoutros segmentos igualmente sofisticadostecnologicamente e ainda pouco conhecidos peloconsumidor chins.

    Dentre as metas traadas pela Agenda Chi-na, apontam-se: i) aumentar o contedo

    tecnolgico das exportaes ao mercado chinscom produtos de maior valor agregado do que osj tradicionalmente exportados; ii) equilibrar demodo quantitativo e qualitativo a balana comer-cial sino-brasileira, por meio do aumento da ex-portao de produtos industrializados brasileiros;iii) incrementar as exportaes brasileiras de pro-dutos intensivos no uso de recursos naturais, aten-dendo ao crescimento da demanda por produtosque a China tem dificuldade em garantirautossuficincia e aproveitando a sazonalidade daproduo; iv) aumentar a participao brasileira

    em misses, feiras e projetos especficos com aChina, de modo a permitir o incremento de aescoordenadas entre parceiros de ambos os pases.Foram igualmente contempladas pela Agenda ini-ciativas de atrao de investimentos chineses parao Brasil, inclusive nas reas de infraestrutura elogstica (BARRAL, 2008).

    Em termos gerais, observou-se que, dentre asdiversas reas de aproximao sino-brasileira, aeconmico-comercial foi inequivocamente a maisfrutfera ao longo dos anos 2000, conforme serobservado a seguir.

    V.1. As relaes econmico-comerciais bilaterais

    Durante o governo Lula (2003-2010), manti-veram-se constantes os objetivos brasileiros frente China, os quais ficaram, porm, bastante con-centrados nos aspectos econmicos da relao.Dentre esses objetivos, destacaram-se: i) aumen-tar as exportaes brasileiras por meio da abertu-ra de novos mercados na China; ii) atrair investi-mentos chineses diretos e indiretos para o Brasil;iii) expandir negcios brasileiros, inclusive por

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    meio de investimentos diretos na China; iv) tro-car informaes na rea de cincia e tecnologia eadquirir tecnologias de ponta; v) utilizar a parce-ria como forma de diminuir a dependncia peran-te parceiros tradicionais; vi) aumentar a margemrelativa de manobra e poder de barganha do Brasilem fruns multilaterais.

    Por sua vez, fizeram parte dos objetivos ex-ternos chineses diversificar seus parceiros comer-ciais e reduzir a dependncia de um grupo restritode fornecedores de matrias-primas, insumos emaquinrios, assim como diversificar os consu-midores de seus produtos. Nesse contexto, o co-mrcio da China com a Amrica Latina, em geral,e com o Brasil, em particular, aumentou expressi-vamente nos ltimos anos a participao da Am-

    rica Latina no total do comrcio chins tendo pas-sado de 1,9% em 1996 para 4,1% em 2006 ,firmando-se o papel desse asitico como parceirofundamental dos pases da regio.

    Graas ao crescimento chins nos ltimos trin-ta anos, que criou um mercado com tamanho edinamismo impressionantes, oportunidades diver-sas foram abertas para a comercializao de pro-dutos brasileiros.

    Nesse sentido, as exportaes brasileiras paraa China cresceram significativamente nos ltimos

    dez anos, a contar do incio do sculo XXI, compredomnio de saldos positivos para o Brasil. Porsua vez, dentre os produtos chineses mais impor-tados pelo Brasil, estiveram os eletrnicos, m-quinas e equipamentos, alm de brinquedos e ves-turio (BARBOSA & MENDES, 2006, p. 2).

    Em 2008, a China tornou-se o segundo par-ceiro comercial do Brasil, aps os Estados Uni-dos. As exportaes brasileiras para a China man-tiveram-se, porm, ainda modestas quando com-paradas com as de outros parceiros comerciaischineses.

    Condizente com o objetivo de poltica externachins de adquirir matrias-primas essenciais parao fomento de seu desenvolvimento, a CompanhiaVale do Rio Doce (CVRD) tornou-se, em 2006, oprincipal fornecedor de minrio de ferro para aChina, com 75,7 milhes de toneladas embarcadas representando 23,2% das importaes chinesas(COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, 2009). Porsua vez, em 2008, e em consonncia com os ob-jetivos de diversificar seus fornecedores de ener-gia, a China tornou-se o segundo destino das ex-

    portaes brasileiras de petrleo, com 24,1%. Nafrente da China, ficaram apenas os Estados Uni-dos, que importaram 65,2% dos 574 mil barrispor dia de petrleo brasileiro. Em julho de 2008,Brasil e China, por meio de suas empresasPetrobras e Sinopec, assinaram um memorandode entendimento visando o comprometimentomtuo para aumentar de forma significativa ovolume de negcios entre as empresas(PETROBRAS ASSINA ACORDOS, 2008).

    Porm, desde 2004, j se observava uma mu-dana no padro de comrcio, com reduo dossaldos comerciais brasileiros em 27% e ganho demercado dos produtos chineses no mercado brasi-leiro em 70%, sobretudo no setor de manufaturas,suscitando indagaes quanto necessidade de ajus-

    tes em polticas empresariais e governamentais bra-sileiras em presena da forte concorrncia chine-sa. Ademais, tais nmeros revelaram a estratgiachinesa de elevar a escala de produo e priorizar agerao de valor agregado de seus produtos.

    Entre os anos de 2006 e 2008, apesar de noter ocorrido diminuio nas exportaes brasilei-ras para a China (que chegaram quase a dobrar,passando de US$ 8,4 bilhes para US$ 16,4 bi-lhes no perodo indicado), foram decrescentesos saldos comerciais brasileiros, atingindo U$ 3,6bilhes negativos em 2008. Porm, a expectativa

    dos dois governos de alcanar o ndice de US$ 30bilhes na corrente de comrcio em 2010 foi ul-trapassada em 2008 (US$ 36,5 bilhes) graas tantoao aumento das exportaes brasileiras para aChina quanto ao aumento das exportaes chine-sas vindas para o Brasil (BRASIL, 2009).

    Ao final da primeira dcada do sculo XXI, aprincipal crtica que se faz s relaes comerciaissino-brasileiras a dificuldade brasileira em di-versificar a pauta de exportaes e agregar valors vendas realizadas China, compostas princi-palmente por matrias-primas e alimentos, fato quecontrasta com o perfil global das exportaes bra-sileiras. Em 2007, apenas 8% dos produtos brasi-leiros exportados para a China foram de manufa-turados, sendo que insumos como ao, minriode ferro, cobre e soja representaram as maioresexportaes brasileiras. Do restante exportado em2007, 18% eram de bens semimanufaturados e74% de produtos primrios. J em 2008, 7% dosprodutos exportados eram manufaturados, 16%semimanufaturados e 77% bsicos (SISCOMEX,2009).

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    Nesse sentido, mantiveram-se como fortescausas para o baixo dinamismo das exportaesbrasileiras para a China a falta de conhecimentodo mercado chins, os altos custos de transportee logstica, a excessiva carga tributria brasileira,infraestrutura brasileira deficitria, alm da carnciade um planejamento de mdio e longo prazo deinsero no mercado chins.

    V.2.Os investimentos conjuntos

    Nos ltimos anos, o interesse da China emaprofundar as relaes com o Brasil esteve base-ado nas seguintes metas: i) explorar matrias-pri-mas e recursos energticos considerados neces-srios para dar prosseguimento expanso daeconomia chinesa; ii) aumentar o lucro dos neg-cios chineses, seja por meio da venda de produ-

    tos com maior valor agregado, seja por meio dofornecimento de emprstimos a brasileiros; iii)garantir a presena chinesa no mercado brasileiroe, por meio deste, no mercado sul-americano,considerado cada vez mais competitivo, restritivoe protegido por altas tarifas de importao; iv)trocar informaes na rea de cincia e tecnologiae adquirir tecnologias de ponta; v) utilizar a par-ceria como forma de diversificar os negcios chi-neses e aumentar o poder de barganha do pas nocenrio internacional, evitando dependncia eassimetrias frente a outros parceiros.

    Fez igualmente parte dos interesses da Chinaaumentar seus investimentos diretos, com vistasa garantir segurana energtica, sustentabilidadede recursos e expanso de mercados externos.No Brasil, os setores mais proeminentes nessemovimento de internacionalizao foram petr-leo e minerao, seguidos por portos, energias al-ternativas, automotivo, bancrio, telecomunicaese indstria eletrnica (BRASIL, 2008, p. 60).

    O plano qinqenal chins de 2006-2010 esta-beleceu a meta de direcionar US$ 60 bilhes para

    os investimentos externos. No Brasil, os investi-mentos chineses cresceram de maneira contnuadesde 2004, alcanando US$ 24,3 milhes em2007, com concentrao de investimentos no se-tor de comrcio (56,7%). Investimentos chine-ses aportaram ainda no Brasil por vias indiretas,sobretudo por meio de empresas chinesas pre-sentes em Hong Kong, Macau ou em parasosfiscais. Houve ainda investimentos chineses fei-tos no Brasil por meio de financiamento nacionalou por bancos de fomento como o Banco Nacio-

    nal de Desenvolvimento Econmico e Social(Bndes), mas registrados como investimento lo-cal (idem, p. 59).

    Nos ltimos anos, diversas empresas chine-

    sas instalaram-se no Plo Industrial de Manaus(PIM), concentrando seus investimentos nos se-tores eletroeletrnico (84% dos investimentos to-tais de empresas chinesas no PIM) e duas rodas(11%). At o ano de 2006, foram investidos R$396 milhes nessa regio. A ttulo de exemplo,durante a segunda visita oficial do Presidente Lulaa Pequim, foi assinado acordo de investimentoentre a empresa brasileira CR Motors e a chine-sa Zongshen Industrie Group, no valor de US$80 milhes. Com esses recursos, a nova compa-nhia binacional (50% de capital brasileiro e 50%

    de capital chins) dever produzir no Plo In-dustrial de Manaus, a partir de agosto de 2009,motocicletas, motores de popa e motores estaci-onrios (CHINESA DESEMBARCA EMMANAUS, 2009).

    Em outras regies do Brasil, ganharam desta-que projetos nos setores de telecomunicaes, si-derurgia e minerao. Em 2007, foi aprovada aparceria entre a chinesa Baosteel e a CompanhiaBrasileira Vale do Rio Doce, direcionada cons-truo de usina siderrgica no Esprito Santo paraproduo de placas de ao, com capacidade inici-

    al de 5 milhes de toneladas anuais. A parceria,que constituiu a Companhia Siderrgica Vitria(CSV) e prev investimentos de US$ 5,5 bilhes egerao de trs mil empregos diretos quando emoperao, ser construda no plo industrial e deservios de Anchieta, no Esprito Santo. No incioda construo da usina, a CVRD ter participaode 20% e a Baosteel de at 80% (BRASIL, 2008, p.59; COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, 2009).

    Para a produo de coque metalrgico na Chi-na, a CVRD contou com a colaborao daShandong Yankuang International Coking Co. Ltd.A empresa de joint venture fruto da parceriaentre a Vale, a produtora de carvo chinesaYankuang Group Co, Ltd. e a trading companydo Japo Itochu. A planta industrial da empresa,na provncia de Shandong, tem capacidade anualde produo de dois milhes de toneladas de coquee 200 mil toneladas de metanol como subproduto.O investimento da CVRD de aproximadamenteUS$ 27 milhes, ou 25% do capital total. A pro-duo de coque foi iniciada em 2006 e a de metanolem 2007.

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    Em 2005, a Vale adquiriu uma participao de25% na Henan Longyu Energy Resources Ltd.(Longyu), localizada na provncia de Henan, paraa produo de seis milhes de toneladas de car-vo em parceria com as empresas chinesasYongcheng Corporation Ltda (51%), Baosteel(13%) e acionistas minoritrios (11%). A empre-sa produziu, em 2006, 5,4 milhes de toneladasde antracito usado na siderurgia, indstria qumi-ca e produo de energia.

    No segundo semestre de 2009, o Banco daChina que contava, no final de 2008, com cercade 800 sucursais em 29 pases e regies abriusua primeira sucursal no Brasil. O Banco da Chi-na, que j possua um escritrio de representaono Brasil desde o final da dcada de 1990, buscou

    proporcionar diversos tipos de servios financei-ros s companhias chinesas no Brasil e s empre-sas brasileiras que desejassem fazer negcios naChina. O capital inicial da instituio foi estimadoem US$ 100 milhes, com possibilidade de ex-panso do volume, em funo da demanda dasempresas e da disponibilidade de recursos da ma-triz (WARTH, 2009).

    V.3. A cooperao bilateral

    O Programa de Construo de Satlites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres (Cbers), lana-

    do em 1988, representa, atualmente, no apenas omaior projeto de cooperao conjunta na rea decincia e tecnologia entre o Brasil e a China, mastambm entre todos os pases em desenvolvimen-to. Durante a primeira dcada do sculo XXI, se-gundo os ento ministros das Relaes Exteriores,Celso Amorim, e da Cincia e Tecnologia, SrgioRezende, o Programa Cbers permitiu alcanar di-versos objetivos: i) quebrar o monoplio das gran-des potncias na produo e uso de imagens adqui-ridas por satlites; ii) obter conhecimento na reade sensoriamento remoto a baixo custo; iii) pro-mover o desenvolvimento sustentvel por meio douso de tecnologia de ponta da rea espacial.

    Brasil e China j lanaram trs satlites, osCbers-1 (1999), Cbers-2 (2003) e Cbers-2B(2007) e pretendem ainda lanar os Cbers-3 e 4em 2011 e 2014, respectivamente. Desde 2004, oBrasil forneceu gratuitamente, pela internet, maisde meio milho de imagens para cerca de 20 milusurios, tornando-se o maior distribuidor de ima-gens de satlite do mundo. A China tambm se-guiu o mesmo caminho, tendo distribudo, at omomento, mais de 200 mil imagens do satlite

    Cbers-2. A partir de 2007, Brasil e China passa-ram a fornecer imagens do Cbers tambm aospases africanos.

    A cooperao da China com a Empresa Brasi-

    leira de Pesquisa Agropecuria (Embrapa) tam-bm adquiriu bastante intensidade. Em geral, du-rante visitas ao Brasil, grupos de pesquisadoreschineses participaram, por exemplo, de seminri-os sobre tecnologias agropecurias e visitaramcampos experimentais da Empresa. A cooperaotcnica entre Brasil e China para a produo delcool a partir de mandioca, em particular, deverpromover avanos na utilizao das variedadesmutantes de mandioca na produo de etanol.Enquanto o Brasil possui um piloto do genomafuncional e melhoramento convencional em de-

    senvolvimento na parceria entre a Embrapa Re-cursos Genticos e Biotecnologia e a EmbrapaCerrados, os chineses detm uma tcnicagenmica de alta escala que aumenta a eficinciana obteno e sistema de anlises do genoma denatureza equivalente da mandioca e em popula-es, como o caso das variedades de mandio-cas aucaradas (AGROSOFT BRASIL, 2008).

    Pelo momento, alm da troca de informaese participao chinesa em pesquisas brasileiras naproduo de etanol, h tambm pesquisas con-juntas agropecurias, especialmente na rea de

    melhoramento gentico, envolvendo produtoscomo cogumelo, soja, algodo e fruticultura declima temperado.

    Para a Embrapa, Brasil e China encontram-seem estgio de desenvolvimento cientfico similarem diversas reas, o que, na prtica, pode tradu-zir-se em ganhos para a pesquisa agropecuria deambos os pases. Assim, no mdio prazo, visamos parceiros construir bases para o intercmbiopermanente e contnuo de pesquisa agropecuria.

    VI. PERSPECTIVAS PARA A PARCERIA

    SINOBRASILEIRA NO SCULO XXI: CON-SIDERAES FINAIS

    Ao final da primeira dcada do sculo XXI,no restam dvidas de que o crescimento chinspropiciou a abertura de diversos negcios para ossul-americanos, sobretudo nas reas de energia,minrios e produtos agropecurios. Os investimen-tos chineses no Brasil nessas reas, em especial,tornaram-se cada vez mais numerosos e diversi-ficados, mesmo quando desenvolvidos sobre ba-ses aqum do esperado ou anunciado. Em 2010,

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    a China foi o principal mercado para as exporta-es brasileiras e o principal investidor no Brasil.Enquanto as exportaes atingiram US$ 30 bilhes,as importaes elevaram-se a US$ 26 bilhes(AMARAL, 2011).

    Porm, e apesar dos avanos nas relaes sino-brasileiras, particularmente durante a primeira d-cada do sculo XXI, diversos pontos frgeis sub-sistiram na conduo das relaes bilaterais, sus-citando reflexes por parte de estudiosos e atoresdiretamente envolvidos em tais relaes.

    Assim, em primeiro lugar, mesmo na presenade elevado nmero de acordos assinados entre osdois pases, tratando das mais diversas reas etemas, faltaram relao bilateral planejamentosconjuntos voltados para a programao e execu-

    o de metas comuns. certo que algumas ferra-mentas de gesto foram criadas recentemente, aexemplo da Agenda China e das reunies daCosban, principal mecanismo de discusso de te-mas bilaterais, porm com resultados ainda pou-co visveis. Da parte brasileira, ademais, h aindagrande carncia de coordenao entre os diferen-tes rgos governamentais e destes com setoresempresariais com vistas, sobretudo, a fortalecerposies e priorizar determinadas aes.

    Em segundo lugar, e apesar do aumento da

    corrente comercial entre os dois pases, h co-nhecimento mtuo insuficiente nessa rea, difi-cultando a ampliao da cooperao internacionale da pauta comercial entre ambos. A distncia lin-gstica e a incompreenso cultural so apenasdois dos mais evidentes obstculos ainda no su-perados entre Brasil e China. A qualidade do inter-cmbio comercial, por sua vez, no foi conside-rada satisfatria, sendo que, em 2009, os produ-tos bsicos representaram 77% das exportaese os produtos industrializados, 95% das importa-es. Para o Presidente do Conselho EmpresarialBrasil-China, Srgio Amaral (2011), as responsa-bilidades para tal estado de coisas podem ser im-putadas a ambos os pases: o chamado custoBrasil. Como possvel concorrer com o produtochins, se a taxa de juros aqui a mais alta domundo, enquanto a da China negativa? Quando,entre ns, a carga tributria chega perto de 40%do produto interno bruto (PIB), enquanto a delesest abaixo de 20%? Se a nossa infra-estrutura deficiente e a da China, super moderna? Enfim,quando o real est apreciado, enquanto o Yuan estdesvalorizado? (idem).

    Por sua vez, ainda segundo Amaral, as razespara a reduo relativa das exportaes industri-ais brasileiras foram igualmente atribudas a atitu-des chinesas, via prticas de escalada tarifria emdeterminados setores, como o da soja; estabeleci-mento de restries sanitrias injustificadas, comono caso do frango; preferncia dada a parceirosda regio, via integrao de cadeias produtivas nasia; benefcios governamentais dados a empre-sas chinesas, gerando concorrncia desleal (idem).

    Em terceiro lugar, e com exceo das pesqui-sas conjuntas na rea espacial, que culminaramcom o lanamento de trs satlites binacionais, hainda diversos projetos a serem explorados con-juntamente, a exemplo das pesquisas nas reas deenergia e agropecuria.

    A visita que a Presidente Dilma Rousseff (cujogoverno iniciou-se em janeiro de 2011) realizou China entre os dias 11 e 15 de abril de 2011, mes-mo que modelada por um carter eminentementeeconmico, buscou, em grande medida, fazer faceaos diversos desafios anteriormente citados. Emlinhas gerais, os objetivos da viagem China esti-veram concentrados nos seguintes pontos: i) abrirnovas oportunidades de negcios para empresasbrasileiras; ii) ampliar e diversificar o comrciobilateral, em especial com vistas a incluir exporta-es com maior valor agregado; iii) incentivar a

    realizao de investimentos recprocos; iv) pro-mover a cooperao bilateral, sobretudo na reade pesquisa cientfica, tecnolgica e inovao; v)propiciar transferncia de tecnologia.

    Alguns ganhos imediatos obtidos pelo gover-no Dilma por meio de sua primeira visita oficial China podem ser relacionados a seguir: i) abertu-ra de novas oportunidades de negcios para em-presas brasileiras, a exemplo da concesso deautorizao para que trs empresas brasileiras ven-dam carne suna China, com estimativa de ven-da de 200 mil toneladas de carne por ano; da ven-da de 20 jatos modelo 190 da Embraer para ascompanhias chinesas CDB Leasing e Hebei Airlines;da instalao do banco chins Industrial andCommercial Bank of China Ltd. no Brasil, comcapital inicial de US$ 100 milhes, a ser utilizadopor empresas brasileiras e chinesas em suas ativi-dades de comrcio exterior; ii) proposta de in-vestimentos chineses em Campinas de US$ 300milhes na construo de um centro de pesquisaem tecnologia, a serem realizados pela empresaHuawei; de investimentos chineses de US$ 300

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    milhes na cidade de Barreiras (BA) para a im-plantao de uma fbrica de processamento desoja; de investimentos chineses tambm de U$ 300milhes em uma planta de produo e equipamen-tos de informao no estado de Gois; de investi-mentos chineses de US$ 12 bilhes para a cons-truo de uma fbrica de telas numricas de cris-tal lquido para computadores e tablets(ipad) naZona Franca de Manaus pela empresa Foxconn;de investimentos brasileiros na China para cons-truo de uma linha de produo de jatos executi-vos Legacy 600/650; iii) promoo de coopera-o bilateral na rea de inovao por meio da cri-ao do Centro China-Brasil de Mudana Climti-ca e Tecnologias Inovadoras em Energia na Uni-versidade de Tsinghua de Pequim, vinculada Universidade Federal do Rio de Janeiro. O centrotambm dever permitir o desenvolvimento deprojetos bilaterais em energia elica e biodiesel coma Academia de Cincias da China

    Nos discursos que proferiu durante sua visita China, a Presidente Rousseff destacou o inte-resse brasileiro em elevar as relaes bilaterais aum novo patamar, pautado no apenas por gran-des saldos comerciais, mas principalmente porinvestimentos, pesquisas, produo ecomercializao de bens de alta qualidade (SALEK,2011). No comunicado conjunto assinado pelos

    dois pases ao final da visita, foi expresso de ma-neira clara o interesse brasileiro em construir umaagenda de maior qualidade para o comrcio bila-teral, tendo a parte chinesa manifestado disposi-o em incentivar suas empresas a ampliar a im-portao de produtos de maior valor agregado doBrasil, assim como a investir na indstria de alta

    tecnologia, juntamente com seus scios brasilei-ros.

    Percebe-se que, devido aos constantes e cres-centes desequilbrios no comrcio com Pequim e

    de dificuldades em realizar investimentos e inserirprodutos de alto valor agregado no mercado chi-ns, a postura brasileira tornou-se, nos ltimosanos, mais crtica e exigente. Ademais, a partir daviagem China, a Presidente Dilma passou a afir-mar que, apesar de a China ser um parceiro-cha-ve nas relaes internacionais do Brasil, sero in-centivados no futuro prximo apenas as opera-es pautadas pela reciprocidade e que levem auma maior simetria entre os dois pases.

    No futuro prximo, as relaes sino-brasilei-ras dependero, em grande medida, no apenas

    de conjunturas econmicas favorveis, mas so-bretudo de boas escolhas tcnicas e polticas. Emparticular, o Brasil ter como grande desafio noapenas dotar-se de uma estratgia clara para lidarcom a China, mas, em especial, superar seus en-traves estruturais internos, considerados funda-mentais para que assuma uma atitude muito maisproativa em face China. A superao de taisimpasses sero fundamentais para que as relaesBrasil-China alcancem uma maior simetria no fu-turo prximo.

    certo que, ao iniciar-se a segunda dcada donovo sculo, a China transformou-se em parceiroimprescindvel para o Brasil. Cabe saber se, nosprximos anos, Brasil e China sero capazes detransformar a parceria estratgica em instrumen-to gerador de benefcios mtuos, baseado na maisampla reciprocidade.

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    Danielly Silva Ramos Becard ([email protected]) Doutora em Relaes Internacionais pela Uni-versidade de Braslia (UnB) e Professora de Relaes Internacionais na mesma universidade.

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    O QUE ESPERAR DAS RELAES BRASIL-CHINA?

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    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA V. 19, N SUPLEMENTAR: 145-148 NOV. 2011

    ABSTRACTS

    BRAZIL AND CHINA IN THE NEW WORLD ORDER

    Andr Moreira Cunha

    Chinas rise to the role of global economic and political power has been at the center of recent

    academic and political debates. In this paper we analyze the impact that this has had on Brazil. Welook at bi-lateral trade and standards of cyclical convergence for the two economies, considering abroader analysis of the foreign competitiveness of the Brazilian economy. On this basis, we seek tomap out the impact that Chinas rise to the position of global power may have on Brazil. We placeemphasis on economic dimensions, international trade in particular. Our premises conceive of theprocess of growth and internationalization of the Chinese economy as generating a stimulus capableof influencing the potentials of Brazilian development over the next few decades. Our arguments fallinto three sections: (i) an attempt at presenting a panoramic view of Chinese ascendance, against thebackdrop of the dynamics of major divergence; (ii) an overview of the current situation of theChinese economy; (iii) analysis of the effects of its increasing internationalization on the worldeconomy, with emphasis on the specific cases of South America and Brazil. We conclude by exploring

    some of the normative implications of our results.KEYWORDS: Brazil; China; World Trade; Business Cycles.

    * * *

    BRAZIL-CHINA RELATIONS: WHAT SHOULD WE EXPECT?

    Danielly Silva Ramos Becard

    This article looks at recent relations established between Brazil and the Peoples Republic of China(PRC). Our goal is to draw attention to the results that have been obtained as well as the challengesthat remain in Sino-Brazilian economic and commercial relations, as they have unfolded over the lasttwo decades (1990-2010). Our hypothesis is that relations between Brazil and China have movedahead during this period, particularly due to the greater freedom of action promoted by the growinginterdependence of the international system. Nonetheless, progress has been limited, largely becauseof (i) internal instabilities in Brazil and China and (ii) the lack of systematic planning in the Brazil-China partnership. In order to verify this hypothesis, we have examined the historical evolution ofSino-Brazilian relations, highlighting the first three phases of bilateral relations, which we classify asfollows: (i) relations management (1949 -1974), (ii) establishing the fundaments (1974-1990); (iii)crisis in bilateral relations (1990-1993). Next, we look at the last two phases of Sino-Brazilian relations,(iv) the establishment of strategic partnerships (1993-2003) and (v) maturity of Sino-Brazilian relations(2003 to the present day). We conclude that, if on the one hand the processes of opening andglobalization at the beginning of the 1990s allowed for intensified relations between Brazil and China,on the other hand, Chinese crises of legitimacy at the international level and changes in Brazilianforeign policy created many knots in these relations. While Brazil oscilated between a cooperative,

    developmentalist foreign policy and a neo-liberal one limited to economic interest and submissive tointernationally hegemonic forces, China reinforced its pragmatic international behavior, thus wideningthe logistic profile of its foreign policy and its search for opportunities, beginning in the early 2000s.

    KEYWORDS: China; Brazil; Bilateral Relations; Economic and Commercial Relations.

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    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA V. 19, N SUPLEMENTAR: 151-154 NOV. 2011

    RESUMS

    LA CHINE ET LE BRSIL DANS LE NOUVEL ORDRE INTERNATIONAL

    Andr Moreira Cunha

    Lascension chinoise la condition de puissance conomique et politique lchelle mondiale, est

    dans le centre des dbats acadmiques et politiques. Dans ce travail, nous analysons quelques impactsde cet vnement important, au Brsil. Nous vrifions le commerce bilatral et les modles deconvergence cyclique entre les deux conomies, en considrant une analyse plus large de la comptitivitextrieure de lconomie brsilienne. A partir de ce contexte, on vise tablir quelques uns des impactspossibles de lascension de la Chine la condition de puissance mondiale, sur le Brsil. Laccent est missur la dimension conomique, spcialement le commerce international. On part de la perspective selonlaquelle, le processus de croissance et internationalisation de lconomie chinoise produit des stimulationscapables de rendre possible le dveloppement brsilien dans les prochaines dcennies. Les argumentssont structurs en trois sections : (i) on cherche reprsenter une vision panoramique de lascensionchinoise, en prennant comme contexte la dynamique de la grande divergence ; (ii) on fait un rsumde la situation contemporaine de lconomie chinoise ; et (iii) on fait lanalyse des effets de la croissante

    internationalisation chinoise sur lconomie mondiale, en soulignant les cas de lAmrique du Sud et duBrsil. Nous concluons en vrifiant quelques implications normatives de nos rsultats.

    MOTS-CLS: le Brsil ; la Chine ; le commerce international ; les cycles daffaires.

    * * *

    QUE DEVONS-NOUS ATTENDRE DES RELATIONS ENTRE LE BRSIL ET LA CHINE?

    Danielly Silva Ramos Becard

    Larticle traite des relations rcentes entretenues entre le Brsil et la Rpublique Populaire de LaChine (RPC). Lobjectif, cest de montrer les rsultats obtenus et les dfis qui subsistent dans lesrelations conomiques, commerciales et dans la coopration bilatrale sino-brsilienne pendant lesdernires dcnnies (1990-2010). On utilise lhypothse selon laquelle, les relations entre le Brsilet la Chine ont prsent des progrs pendant cette priode, particulirement cause dune plusgrande libert daction promue par linterdpendance croissante du systme international ; malgrles limitations de ces progrs, dues surtout, (i) aux instabilits internes du Brsil et de la Chine, et (ii)au manque de planification systmatique du partenariat sino-brsilien. Pour vrifier lhypothse,lvolution historique des relations sino-brsiliennes a t examine, tant soulignes les troispremires phases des relations bilatrales, qui font rfrence (i) la priode de dveloppement desrelations (1949-1974), (ii) ltablissement des bases des relations (1974-1990), et (iii) la crisedes relations bilatrales (1990-1993). En suite, les deux dernires phases des relations sino-brsiliennesont t prsentes ; (iv) ltablissement dun partenariat stratgique (1993-2003) et (v) la maturationdes relations bilatrales sino-brsiliennes ( partir de 2003, jusqu aujourdhui). Nous concluonsque, dun ct, les processus douverture et de mondialisation au dbut des annes 1990, ont permis

    un resserrement des liens entre le Brsil et la Chine; dun autre ct, les crises de lgitimit chinoisedans le plan international et les changements dans la politique extrieure brsilienne, ont conduit des fortes impasses dans les relations. A son tour, pendant que le Brsil hsitait entre une politiqueextrieure de coopration et dveloppement, et une politique extrieure nolibrale et autolimite lexploitation des aspects conomiques, et soumise des forces hgmoniques internationales, laChine a renforc le pragmatisme de son comportement international, en intensifiant le profil logistiquede sa politique extrieure et la recherche dopportunits dj au dbut des annes 2000.

    Mots-cls : la Chine ; le Brsil ; les relations bilatrales ; les relations conomiques et commerciales.

    * * *