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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE CONSELHEIROS NACIONAIS
BENILDES MARIA RODRIGUES SANTOS
MÍDIA E MOVIMENTOS SOCIAIS: ESTUDO A PARTIR DE ANÁL ISE
DE DISCURSO DO JORNAL O ESTADO DE S. PAULO SOBRE O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST).
BRASÍLIA – DF
2010
BENILDES MARIA RODRIGUES SANTOS
MÍDIA E MOVIMENTOS SOCIAIS: ESTUDO A PARTIR DE ANÁL ISE DE DISCURSO DO JORNAL O ESTADO DE S. PAULO SOBRE O
MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST).
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Especialização em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção de grau de Especialista em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais.
ORIENTADOR: MÁRCIO SIMEONE HENRIQUES
BRASÍLIA – DF 2010
Dedico este trabalho aos meus pais (in memorian): Maria Rodrigues dos Santos e Nilo Conceição dos Santos. Dedico também a toda a minha família – base forte do meu ser, em especial ao meu companheiro, William Pereira , pela paciência e compreensão.
Agradecimentos
A Deus por nos ter dado forças para chegar ao fim de mais esta
caminhada.
Ao nosso orientador Márcio Simeone Henriques pela confiança
dispensada.
Ao nosso amigo e jornalista José Carlos Torves por suas orientações e
sugestões.
Ao colega de trabalho Lucinei Cupertino pelo suporte na área de
informática.
Aos amigos jornalistas Beth Costa, Álvaro Marinho e Sérgio Murillo de
Andrade que nos incentivaram em mais essa jornada.
À minha amiga cuiabana Silvia de Melo Castro pelo carinho dedicado.
Ao conjunto de professores da UFMG com os quais tive prazer de partilhar
saber e conhecimento.
Aos membros da banca examinadora por terem aceitado analisar este
trabalho.
Por fim, e em especial, a toda a minha família, que mesmo longe torceu
para que tudo desse certo. Essa torcida foi o balizador do meu desempenho.
Resumo
O Brasil viveu sob o jugo de regimes autoritários (1964-1985) que cerceavam a
liberdade de expressão da maioria da população. Nesse período, alguns jornais
serviram de resistência ao estado de exceção implantado no país e dentre eles, o
jornal O Estado de S. Paulo. Com a redemocratização no final dos anos 80, início
dos anos 90, o governo brasileiro faz as pazes com a população ao restabelecer o
processo democrático, dando total liberdade de imprensa e de expressão. A
importância dos meios de comunicação de massa na divulgação de assuntos de
interesse público associada à relevância social que o tema representa é que nos
impulsionou a mostrar, por meio de pesquisa, a relação estabelecida entre a mídia
impressa – jornal O Estado de S. Paulo – com o movimento social, precisamente
com o MST. Assim, o objetivo da pesquisa é analisar o discurso empregado pelo
jornal O Estado de S. Paulo (OESP) ao noticiar ações do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Além disso, este estudo pretende analisar
se ao dar visibilidade a essas ações, o jornal o faz levando em consideração o
problema que gera tais ações, isto é, a ausência da Reforma Agrária, assunto de
grande relevância para a sociedade brasileira. A pesquisa pretende discutir a
contribuição do discurso empregado pelo jornal no avanço da discussão sobre a
questão agrária ou cumpre uma função ideológica que serve de retórica para
criminar, desmoralizar, desqualificar e deslegitimar o MST e manter o status quo
(discurso ideológico dominante).
Palavras-chave: MST. Movimentos Sociais. Reforma Agrária. Jornal O Estado de S.
Paulo.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 09
2 CONTEXTO ............................................................................................................ .. 12
2.1 Jornalismo e democracia...................................................................................... 12
2.2 Movimentos Sociais no Brasil e o surgimento do MST......................................... 16
2.3 O MST e a luta pela terra...................................................................................... 19
3 ANÁLISE .................................................................................................................... 23
3.1 Breve histórico do jornal O Estado de S.Paulo.................................................... . 24
3.1.2 Análise quantitativa do OESP............................................................................ 27
3.2.1Introdução à análise de discurso......................................................................... 36
3.2.2 Breves noções de discurso, ideologia e análise de discurso........................... .. 39
3.2.3 Análise do discurso do OESP.......................................................................... .. 40
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 56
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... ... 58
6 ANEXOS ................................................................................................................ .... 61
9
1 INTRODUÇÃO
“Tolo é aquele que nunca lê um jornal; ainda mais tolo é aquele que acredita no que
lê só porque está escrito no jornal”. (August Von Schlözer, historiador e jornalista alemão)
O Brasil está entre as nações em que há grande exclusão social e
concentração de riqueza e poder. Democracia substantiva1 e cidadania política,
econômica e social estão inacessíveis para a maioria da população brasileira. A
transformação dessa herança para a construção de uma alternativa de democracia e
cidadania, com um modelo de participação e de inclusão do conjunto dos brasileiros
na possibilidade de uma vida digna, constitui-se em grande tarefa para a sociedade
brasileira.
Dentro do contexto excludente do País está a ausência da Reforma Agrária. A
colonização baseada na produção agrícola para exportação praticada em latifúndios
monocultores, utilizando-se de mão de obra escrava e, ainda, na exploração mineral
é responsável pela desigualdade e pela concentração de terra verificada no Brasil.
Reformas na estrutura de produção e redistribuição da propriedade rural são
urgentes e necessários. Nesse sentido, os movimentos que reivindicam tais
mudanças lutam pela democratização do acesso a terra. O Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) é um desses atores sociais que procura
despertar o governo e a população para essa questão.
Algumas propostas jornalísticas buscam ser mais incisivas na execução do
papel de reforço da cidadania e do aprimoramento do debate e da vida pública
(Traquina, 2000), de forma a envolver cidadãos – jornalistas e leitores comuns, em
diálogos que levem à resolução de problemas.
No entanto, Rousiley C. M. Maia (2008) afirma que os meios de comunicação
não disponibilizam espaços iguais a todos e por isso muitos atores sociais não
divulgam as causas defendidas por eles. Ela diz que o espaço é restrito, sofre
pressão por parte dos anunciantes e segue regras impessoais do mercado.
1 Em entrevista ao Observatório da Imprensa, em 22/10/2005, a professora da Universidade de São Paulo (USP), Marilena Chauí, diz: Uma democracia substantiva é aquela que se dedica à criação de direitos, que cria e assegura direitos. Ou seja, a democracia substantiva é aquela que cria a cidadania econômica, social, cultural e política. Ora, a condição sine qua non de uma democracia substantiva é o direito à informação. Não só o direito de receber a informação, mas o direito de produzir a informação e de divulgar a informação.
10
Outro ponto apresentado pela autora diz respeito à fragilidade de organização
dos atores sociais, bem como a ausência de recursos financeiros e logísticos que
possibilitem negociar com os agentes da mídia e assim, ver suas ações veiculadas
pelos meios de comunicação. “Os chamados públicos fracos, não tendo acesso
regular ao campo jornalístico, precisam, como diz Traquina, ‘fazer notícia’, mediante
produção de fatos noticiosos, passeatas e demonstrações públicas”. (GOMES;
MAIA, 2008, p. 181).
Maia diz que mesmo sofrendo restrições de acesso aos meios de
comunicação, esses atores “podem ser capazes de interferir no embate
argumentativo e no intercâmbio de razões feito em público”.
É importante ressaltar que os grupos organizados que compõem a sociedade
civil possuem pauta reivindicatória voltada aos problemas sociais, de interesse
público e que podem inverter prioridades a partir de apresentação de projeto de
políticas públicas alternativas e viáveis. Ou seja, além de exercer pressão, os
movimentos cívicos podem apresentar os problemas e as soluções àqueles que
detêm o poder político para a tomada de decisão.
Assim, a questão agrária, o MST e o discurso jornalístico do jornal O Estado
de S. Paulo sobre essa temática é objeto da nossa pesquisa. Ou seja, a pesquisa
pretende analisar o discurso empregado pelo jornal ao cobrir as ações do
movimento.
A pesquisa dar-se-á a partir da identificação de termos empregados pela
mídia impressa – no caso, o OESP – para dar aceitabilidade e credibilidade ao fato
noticiado por meio das marcas discursivas verbais por ela utilizadas. Analisaremos
também os recursos linguísticos por meio das expressões e termos empregados
pelo jornal.
A pesquisa pretende também, discutir o discurso empregado pelo OESP na
contribuição da discussão sobre a questão agrária ou serve de retórica para
criminar, desmoralizar, deslegitimar e de desqualificar a atuação política do MST na
luta pela terra, a partir do viés adotado pelo jornal O Estado de S. Paulo na
cobertura das ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.
Para chegar a essa compreensão utilizamos o estudo produzido por Capelato
e Prado (1980) sobre o jornal O Estado de S. Paulo. As autoras buscaram o OESP
como fonte de estudo e análise crítica. Segundo elas, a escolha de um jornal para
11
estudo passa fundamentalmente por entender que tal veículo serve como
instrumento de “manipulação de interesse e de intervenção na vida social; nega-se,
pois, aqui, aquelas perspectivas que a tomam como mero “veículo de informação”,
transmissor imparcial e neutro dos acontecimentos...”. Buscamos no trabalho de
Maria Aparecida Aquino (1999) sobre a censura sofrida pelo jornal O Estado de S.
Paulo, o entendimento acerca do processo vivido e o pensamento do jornal em
regime de exceção. Baseamos nas contribuições de João Bosco Bonfim (2002) que
enfoca o discurso da mídia sobre a questão da fome.
Utilizamos as ideias defendidas pelos estudiosos da Análise de Discurso,
como Fairclough (2001) diz que a análise de um discurso, como exemplo de prática
discursiva, tem como foco “os processos de produção, de distribuição e de consumo
textual”. Esses processos, de acordo com Fairclough, são sociais e se dão em
âmbito econômico, político e institucionais nos quais são gerados. E, Orlandi (2007)
diz que análise de discurso não trata da língua ou da gramática especificamente, ela
trata do discurso. Para a autora, o discurso dá a idéia de curso, de percurso, de
movimento. Para Orlandi mesmo as palavras usadas cotidianamente já carregam
consigo sentidos que não se sabe como foram constituídos, no entanto, de acordo
com a autora, “significam em nós e para nós”.
Baseamos nas considerações sobre o discurso defendido por Foucault, e a
questão da linguagem, elaborada por Bakhtin. Tais considerações serão utilizadas
para identificar aspectos ideológicos; a estratégia organizativa do texto; o enunciado;
o léxico e a representação que devem permitir o reconhecimento das
representações ou os efeitos discursivos produzidos pelo OESP.
Portanto, esta pesquisa busca instituir o jornal O Estado de S. Paulo como
fonte de análise, em virtude a importância política do jornal nos períodos históricos
vividos pelo Brasil.
12
2 CONTEXTO
2.1 Jornalismo e democracia
No contexto da democracia, é importante referenciar Jean Jacques Rousseau
(século XVIII), que dizia que a soberania se resume na vontade absoluta do povo.
Além de Rousseau, a teoria democrática também nos apresentou Alexis
Tocqueville, para quem a democracia consistia no impulso irresistível da igualdade
que levaria ao nivelamento das condições, mas considerou que esse processo
requereria das nações diversidades de caminhos até a sua construção.
Max Weber (1978 apud SANTOS; AVRITZER, 2002) será o teórico que
colocará no interior do debate a questão sobre a inevitabilidade da perda de controle
sobre o processo de decisão política e econômica pelos cidadãos e seu gradual
controle pela esfera burocrática. O motivo principal pelo qual a concepção de
Rousseau não prevaleceu, reside, fundamentalmente, na emergência de formas
complexas de administração estatal que levaram à consolidação de burocracias
especializadas na maior parte das esferas geridas pelo Estado na modernidade.
Essa discussão encontra-se no contexto das origens da formação histórica de
nossa sociedade que vive e convive com um país marcado por grandes contrastes e
desigualdades.
A partir da constituição de 1988, houve democratização dos espaços
sociopolíticos. Diversos atores, entre eles os movimentos sociais, propuseram
alterações e mudanças na Carta Magna, como forma de ampliação da participação
popular. Pode-se dizer que foi importante, pois a organização, mobilização e a
articulação fizeram valer as reivindicações históricas da maioria da população
brasileira – democratizar os espaços de participação. Isso tudo a partir de
delegação, ou seja, por meio dos representantes eleitos democraticamente. No
entanto, essas mudanças não alteraram a correlação de forças, nem arrefeceram a
luta de classes e nem diminuíram a desigualdade.
Nesse contexto, é importante referenciar Leonardo Avritzer (1996), que nos
apresenta o “elitismo democrático” como todas as concepções de democracia que
operam com dois elementos: a redução do conceito de soberania ao processo
eleitoral e a justificação da racionalidade política enquanto decorrente da presença
13
de elites políticas em nível de governo. Avritzer, ao fazer análise acerca do “elitismo
democrático”, a partir das perspectivas dos teóricos Weber e Schumpeter, aponta a
tentativa de ambos os autores justificarem o estreitamento da prática democrática,
tendo em vista o próprio objetivo da consolidação da democracia.
Portanto, segundo Avritzer, é possível inferir que no elitismo democrático não
existe soberania popular plena, ou seja, ele restringe a nocão de soberania absoluta
do povo, idealizada por Rousseau, a mero poder de voto.
Isso reporta também para o que Paulo Freire denominou de inexperiência
democrática, ou seja, o fato de historicamente a sociedade brasileira, ao mesmo
tempo, conferir poder às classes dominantes e se submeter a elas.
“Na verdade, no ajustamento, o homem não dialoga. Não participa. Pelo contrário, se acomoda a determinações que se superpõem a ele. As disposições mentais que criamos nestas circunstâncias foram assim disposições mentais rigidamente autoritárias. Acríticas”. (FREIRE, 2001, p.82).
Apesar de tudo isso, não significa aceitar a condição de limitação da
experiência, não representa imobilidade diante de tais fatos e dificuldades, nem
tampouco negar a sua existência, mas lembrar que tal processo se elabora a partir
do indivíduo e este precisa despertar para o sentido real da história da
transformação, ou seja, cada um tem que ser o autor da própria história, a partir de
uma construção coletiva. Lembrar sempre que os processos democráticos existem e
são passíveis de serem revistos, no sentido de se tornarem cada vez mais
inclusivos, respeitando as diferenças e a pluralidade de idéias.
Nesse contexto destaca-se o papel da imprensa na construção da
democracia brasileira. A luta pelo direito à informação e pela liberdade de expressão
está presente nos 200 anos de trajetória da imprensa no Brasil. Quer seja no
período em que o país foi colônia de Portugal, ou mesmo no Brasil Império, da
República Velha ao Estado Novo, passando pela ditadura militar de 1964-1985 ou
no momento da redemocratização. Naqueles tempos e até hoje, a imprensa exerce
papel preponderante no combate ao cerceamento da liberdade de expressão.
Mas um dos períodos cruciais para a liberdade de expressão e de imprensa
no Brasil foi o de 1964-1985, em que predominaram a intolerância, as mortes e as
torturas àqueles que se opunham ao regime.
14
O professor Nilton Melo Almeida2 mostra que, nessa época, profissionais e
proprietários de jornais foram presos, torturados e assassinados. Outros foram
censurados e proibidos de exercer a profissão.
Para Marconi (1980 apud ALMEIDA), os órgãos de comunicação (inclusive o
Estadão) que ousaram se rebelar contra as vergonhosas proibições escritas e
telefônicas tiveram de suportar, por longo tempo, a indesejável presença de
policiais-censores a lerem, nas redações ou oficinas gráficas, todos os originais
produzidos pelos jornalistas. Eles determinavam o que os milhões de brasileiros
poderiam ou não tomar conhecimento.
A conquista da liberdade de expressão e da imprensa almejada, em período
de Estado de exceção vivido pela sociedade e pela mídia brasileiras, possibilitou a
criação, nos meios de comunicação, de um espaço de visibilidade de ação,
discussão e reflexão acerca de temas de interesses da sociedade. No entanto,
segundo Rousiley C. M. Maia, a perspectiva da democracia pluralista apresenta
dificuldades em se desenvolver, uma vez que ainda há restrições de acesso de
atores sociais aos canais da mídia. Nesse sentido, a autora diz:
Quando falham as condições para um acesso equilibrado à arena de discussão, a perspectiva do pluralismo não consegue ir muito além da conclusão estabelecida pelas teorias afeitas ao elitismo democrático. O jogo da política acaba por ficar restrito àqueles que já dispõem de recursos políticos para se fazer ouvir na esfera pública ou interferir nas instâncias formais da política. (MAIA, 2008, p. 175).
Para melhor entendimento acerca da argumentação da autora, cabe aqui um
breve recorte para apresentar o significado de esfera pública. Para Jürgen
Habermas (apud SANTOS; AVRITZER, 2002), a esfera pública constitui um local
onde os indivíduos – entre eles, mulheres, negros, trabalhadores, minorias raciais –
podem problematizar em público uma condição de desigualdade na esfera privada.
Apreende-se, a partir dessa definição, que esfera pública defendida por
Habermas é um espaço discursivo e dialógico, um espaço onde predomina a
participação da sociedade, ou seja, um espaço de organização societária cidadã.
Atualmente não encontramos uma esfera pública como a descrita no século
XVIII, preconizada inicialmente por Habermas. Porém, isso não significa
impedimento à construção de uma efetiva esfera pública democrática. Uma das
missões da sociedade civil é lutar e criar as condições materiais para o
2 Artigo disponível em: <http://www.fnpj.org.br/downloads/Nilton%20censura.doc>.
15
funcionamento de uma esfera pública plural e com novos canais de democracia
direta.
Rousiley Maia aponta o pluralismo das sociedades modernas como caminho
para se conquistar a melhor distribuição de responsabilidade (custo e risco) entre os
agentes oficiais e extraoficiais do sistema político. Maia acredita que, dessa forma,
“um ambiente informativo policêntrico, plural e controverso” pode ser criado.
Para Maia, a não igualdade nos espaços comunicativos leva à não divulgação
das ações do movimento civil. Além disso, ela aponta a fragilidade de organização
dos atores sociais, em não contarem com recursos financeiros e logísticos os
impossibilitam negociar com os agentes da mídia. “Os chamados públicos fracos,
não tendo acesso regular ao campo jornalístico, precisam, como diz Traquina ‘fazer
notícia’ mediante produção de fatos noticiosos, passeatas e demonstrações
públicas”. (Ibid., p. 181).
É importante ressaltar que os grupos organizados mesmo não tendo espaços
nos meios comunicativos, possuem pauta reivindicatória voltada aos problemas
sociais, de interesse público e que podem inverter prioridades a partir de
apresentação de projeto de políticas públicas alternativas e viáveis. Ou seja, além de
exercer pressão, os movimentos cívicos podem apresentar os problemas e as
soluções àqueles que detêm o poder político para a tomada de decisão.
A existência de dois mundos (dos incluídos e dos excluídos) leva à busca de
um projeto de mudança que vise não apenas ao acesso à informação, mas à
superação das desigualdades em suas várias dimensões. A democracia requer a
eliminação de qualquer tipo de exclusão e de injustiça social.
Assim, pensar em projeto de mudança pressupõe a superação das
desigualdades, da discriminação. Para dar certo, é necessário avançar na
construção de políticas de inclusão social de caráter estruturante e emancipador. É
necessário continuar investindo na construção da democracia participativa e no
controle social do Estado, tendo como objetivo principal a dignidade do cidadão.
O grande desafio que se impõe aos meios de comunicação na atualidade é a
democratização do acesso à mídia e à informação. É imprescindível a mobilização
do conjunto da sociedade para a transformação dessa realidade.
16
2.2 Movimentos sociais no Brasil e o surgimento do MST
Os problemas de ordem social, econômica, política e cultural têm origem na
herança histórica deixada pelo processo de colonização do Brasil. Para Sérgio
Buarque de Holanda (1995), a conformação do Brasil atual tem uma relação
intrínseca com as origens (coloniais) da sociedade brasileira.
O modelo de desenvolvimento ao qual o Brasil foi submetido gera a divisão
do trabalho, e o homem não tem acesso aos meios de produção. Há o predomínio
da exclusão econômica e social e como consequência, o aumento da injustiça
social. Tal discrepância, produzida pelo acúmulo e concentração capitalista, perdura
nos momentos atuais e desencadeia desigualdade brutal em todo o mundo.
A forma de colonização fez nascer no interior da sociedade brasileira o desejo
de se libertar da dominação e exploração. Um dos primeiros movimentos do século
XIX a se rebelar foi o sindicalismo brasileiro. O objetivo principal desse movimento
era a conquista dos direitos fundamentais do trabalho. Em 1858, ocorreu a primeira
greve3 da classe trabalhadora no Brasil, como forma elementar e indispensável de
luta contra as injustiças patronais. Com o movimento dos tipógrafos, as greves
expandiram-se para as outras categorias.
No contexto dos anos 60 e 70, Maria da Glória Gohn (2003), aponta para os
novos tempos inaugurados nesse período, em que militantes de lutas sociais,
acuados pela conjuntura política do país, fizeram articulações, fundaram
organizações, lideraram movimentos, ou seja, o momento político fez aflorar as lutas
sociais em virtude da insatisfação provocada pela ação política do período. As ações
coletivas que ocorreram no Brasil, nesse período, foram estimuladas pela vontade
de mudança:
(...) pelos anseios de redemocratização do país, pela crença no poder quase que mágico da participação popular, pelo desejo de democratização dos órgãos, das coisas e das causas públicas, pela vontade de construir algo a partir de ações que envolviam os interesses imediatos dos indivíduos e grupos. Os movimentos sociais, populares ou não, expressaram a construção de um novo paradigma de ação social, fundado no desejo de se ter uma sociedade diferente, sem discriminações, exclusões ou segmentações (GOHN, 2003, p. 203).
3 A primeira greve ocorrida no Brasil foi organizada pelos tipógrafos do Rio de Janeiro que, além de se rebelarem contra as injustiças, reivindicavam aumentos salariais. Disponível em: www.wikipedia.org. Acesso em: 08 abr. 09.
17
A autora afirma que as ações dos movimentos sociais não criaram valores
novos, ou seja, não surgiram novos temas para as lutas cotidianas, apenas os
redefiniram, isto é, resgataram valores como os dos direitos humanos, da cidadania,
da liberdade de expressão e da autonomia dos movimentos. Pode-se dizer que
esse momento foi importante, pois a organização, a mobilização e a articulação
fizeram valer as reivindicações históricas da maioria da população brasileira. “As
colocações dos movimentos sociais obtinham legitimidade social por expressarem
necessidades, desejos e anseios de grandes contingentes populacionais”. (idem, p.
43).
A antropóloga Ruth Cardoso (1994, p.82) diz que os movimentos sociais, de
certa maneira, surgiram como algo novo, capaz de substituir os espaços vazios
deixados por partidos, associações, entre outros. Para ela, o vazio desses espaços
de representação é consequência do bloqueio imposto pela ditadura militar.
Cardoso aponta também que, com o aparecimento desses novos atores,
surgia a idéia de autonomia e com ela haveria mudança na cultura política
tradicional (clientelismo).
A antropóloga chama atenção para a fase da institucionalização dos
movimentos sociais que, segundo ela, coincide com a redemocratização do país –
momento da abertura dos canais de comunicação e da participação entre Estado e
sociedade até então cerceados. Segundo Cardoso, a partir dessa abertura, os
movimentos passam a ter relação direta com as agências públicas.
No entanto, afirma Cardoso, esse processo abriu caminho para a construção
de uma nova relação. Ela aponta a importância desse momento para a constituição
dos conselhos participativos, entre eles, o conselho do negro, da habitação, de
saúde, etc.
Segundo Ilse Scherer-Warren (2008), no momento que as necessidades
materiais se transformam em símbolo de privação de determinado grupo, “eles
constroem pautas políticas reivindicativas ou para a transformação social dessa
situação...”. A partir daí, ela referencia alguns movimentos sociais expressivos na
América Latina e dentre eles, o movimento sem-terra ou campesino, como nomina a
professora.
18
Assim, dentro do contexto de desigualdade, encontra-se a estrutura fundiária
do Brasil, em que a concentração de terra agrava o grau de exclusão e de injustiça
social. O Atlas da Questão Agrária diz que:
A concentração da terra é uma das características do capitalismo no campo que agrava a questão agrária. Assim, se assumirmos que a propriedade coletiva da terra é uma possibilidade muito remota na conjuntura política do país, deve-se pelo menos tentar atenuar a concentração da terra para que, mesmo com a permanência da propriedade privada, o uso da terra seja mais democrático e menos explorador. (...) a concentração fundiária é a base fundamental dos problemas da questão agrária brasileira e por isso capital e campesinato disputam a terra como território e a sua concentração ou distribuição é um indicador da gravidade da questão agrária (GIRARDI, 2008).
Na contraposição desse cenário, surge em 1979, o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). O movimento estende-se por todo o país
ao longo dos anos 80 e 90 e torna-se o mais importante representante dos
movimentos sociais dos últimos tempos.
A busca por igualdade no trato da questão da terra tem sido o verdadeiro
impulsionador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que, além
da luta por justiça social, tem como objetivo chamar a atenção para a necessidade
de se fazer a Reforma Agrária, ou seja, o MST mobiliza para que o governo adote
medidas para melhorar a distribuição da terra, promovendo a justiça social, criando
condições de melhoria na vida do trabalhador rural. Além disso, a luta inclui apoio
técnico, infra-estrutura, crédito, entre outros.
A atuação do MST é uma forma de sensibilizar a população, o governo e o
parlamento para a importância e para o significado desse debate.
O Censo Agropecuário de 2006, realizado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), mostra que a concentração de terras persiste no
País. Os dados mostram também um agravamento da concentração de terras nos
últimos 10 anos. O Censo do IBGE mostrou ainda, que enquanto os
estabelecimentos rurais com cerca de 10 hectares ocupam menos de 2,7% os
estabelecimentos de mais de 1.000 hectares concentram mais de 43% da área total.
Portanto, podemos afirmar que é de conhecimento do governo que o país
apresenta uma estrutura agrária em que convivem extensos latifúndios, grandes
monoculturas de exportação e milhares de trabalhadores rurais sem terra. Qual o
19
caminho para se combater a má distribuição de terras e a desigualdade que esse
tipo de concentração provoca? É realizar a Reforma Agrária justa capaz de
promover a justiça social.
Para atingir esse objetivo, a ocupação é a principal estratégia utilizada pelo
movimento. As áreas ocupadas são principalmente latifúndios, terras devolutas e
imóveis rurais onde leis ambientais e trabalhistas tenham sido desrespeitadas. Em
geral são propriedades que descumprem a função social da terra, definida na
Constituição Federal (art. 186).
Pode-se inferir que as ocupações são respostas ao imobilismo do Estado em
não cumprir o que reza o preceito constitucional. Além disso, é importante frisar que
o MST esteve presente nos momentos históricos da política brasileira como a
mobilização contra o regime militar e na campanha pelas Eleições Diretas. Nos
últimos anos, o movimento além de lutar contra o latifúndio, iniciou a luta contra a
ocupação de grande extensão de terras pelo agronegócio. Em virtude disso, muitas
ocupações têm ocorrido, por exemplo, em áreas onde há plantio de soja transgênica
ou cana-de-açúcar. Desta forma o movimento caminha no sentido viabilizar a
Reforma Agrária no País.
Para reforçar tal idéia, é importante citar Leonilde Servolo de Medeiros que
destaca o surgimento do MST:
“O MST inovou o debate tanto no que se refere às formas de luta ao fazer das ocupações de terra o principal caminho para ganhar visibilidade na cena política e se impor como principal interlocutor da demanda da reforma agrária, quanto na proposta em relação à exploração e à consolidação econômica das áreas desapropriadas.” (Medeiros, 2003, p. 19).
2.3 O MST e a luta pela terra
O MST aponta que no I Plano Nacional de Reforma Agrária, no Governo
Sarney, apenas 6% da meta de assentamentos foi cumprida, ou seja, apenas 90 mil
famílias foram assentadas. De acordo com o movimento, isso só ocorreu devido à
pressão das ocupações realizadas nesse governo. No governo de Fernando Collor,
o Estado omitiu-se e com isso houve despejos violentos, assassinatos e prisões
arbitrárias.
Levantamento feito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA) aponta que de um total de 920.861 famílias, 529.481 foram assentadas no
20
governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e 391.380 na gestão do ex-
presidente Fernando Henrique Cardoso.
Os números apontam também que a diferença significativa entre as duas
gestões está na comparação entre no crédito para habitação na área rural. No
governo Lula a oferta de crédito aumentou 500% nos últimos sete anos. Em 2002,
segundo os dados do INCRA, era estabelecido o valor de R$ 2,5 mil para cada
família. Hoje, cada família tem acesso a R$ 15 mil para construir a casa e se instalar
no assentamento.
O levantamento mostra ainda que de 2003 até agora (2009), o governo já
liberou cerca de R$ 4 bilhões para habitação, beneficiando um total de 415 mil
famílias. Quanto à distribuição do volume de terras, o governo Lula já distribuiu
cerca de 42.349. Em comparação com o governo anterior, a gestão de Lula
distribuiu 6% a mais que o governo de Fernando Henrique.
Os dados apontam que 266.995 habitações e 37.921 quilômetros de estradas
foram construídos ou reformados no governo Lula. Em relação ao abastecimento de
água, os números indicam que 108.780 famílias foram atendidas, enquanto que
183.523 receberam energia elétrica.
Segundo o INCRA o custo total da reforma agrária em 2009 ficará em torno
de R$ 4,1 bilhões. O governo Lula em campanha prometeu assentar um milhão de
famílias.
É importante ressaltar que as conquistas dos Sem-Terra estão ligadas à
jornada de luta que o movimento realiza todos os anos, no mês de agosto. É a
forma de cobrar do Governo Federal a aplicação da política agrária. Neste ano,
por exemplo, segundo avaliação da Coordenação Nacional do Movimento, a jornada
garantiu conquistas importantes entre elas estão a liberação do recurso de R$ 338
milhões que estavam contigenciados em virtude da crise econômica.
Outra conquista importante, segundo o MST, diz respeito à revisão dos
índices de produtividade da terra. Esses índices servem de parâmetros para
classificar as propriedades rurais improdutivas. Desde 1975 tais índices não são
revisados. Outra conquista celebrada pelo movimento é em relação à
desapropriação de 1.180 hectares da Fazenda Nova Alegria, em Minas Gerais,
palco de conflito agrário conhecido como massacre de Felisburgo, ocorrido em 2004.
21
Cinco trabalhadores rurais foram mortos. 50 famílias que foram vitimas do massacre
serão assentadas nessa área.
Outro dado que deve ser levado em consideração para melhor subsidiar a
análise, diz respeito às ocupações. Segundo dados do Atlas da Questão Agrária, as
ocupações, em 1999 (segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso), foi uma
das maiores, ou seja, 897 ocupações e 118.620 famílias acampadas.
De acordo com o Atlas, como forma de combater esse tipo de ação do MST, o
governo FHC editou a Medida Provisória (MP) 2.027-38 de 4 de maio de 2000, que
criminalizava a luta pela terra. Ainda segundo o Atlas, a criminalização ficou mais
evidente com edição da MP 2.109-52 de 24 de maio de 2001, que substituiu a
anterior. O texto das duas Medidas Provisórias estabelece que imóveis rurais que
foram ocupados, sejam impedidos de ser vistoriados num período de dois anos.
Além disso, excluem do processo de Reforma Agrária, os trabalhadores que
realizaram tal ocupação. De acordo com o estudo, isso levou à diminuição de
ocupações e, consequentemente, a queda no número de famílias assentadas.
O MST voltou a ocupar, segundo o estudo, a partir de 2003, com a eleição do
Governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Houve também, a reversão do
quadro de assentamento, ou seja, o governo Lula retomou o processo de
assentamento. Isso ocorre em virtude do comprometimento que o governo Lula tem
com o movimento, bem como pela esperança que os trabalhadores rurais
depositaram nesse governo o que levou à diminuição da criminalização do
movimento.
Como vimos, a reforma agrária é necessidade historicamente defendida para
a resolução dos problemas agrários no Brasil. O que se percebe é que em
sucessivos governos as ações nesse sentido têm sido baseadas principalmente nas
políticas de criação de assentamentos e de concessão de crédito a trabalhadores
rurais. Mesmo que os números mostram avanço na questão agrária brasileira, para
o movimento tais ações têm mostrando insuficientes.
Outro fator preponderante diz respeito à mobilização. Os dados mostram que
a pressão que o MST exerce a partir das ocupações e das jornadas de luta são
elementos que permitem pensar que a demanda por reforma agrária, mesmo que
tenha alcance limitado, reintroduziu o tema no imaginário político, alimentando lutas
diversas que passam a se abrigar sob essa bandeira, procurando superar barreiras,
22
adquirir novos espaços onde possa haver comprometimento com a reforma agrária,
e, mais que isso, que se promova entendimento de que para o país ter
desenvolvimento com justiça social, a reforma agrária é fundamental.
Dentro do contexto do entendimento, faz-se necessário o MST abrir-se para
as constantes críticas em relação à forma de atuação do movimento, principalmente
no que diz respeito à destruição de meios de produção como método de luta para
democratizar os meios de produção. É preciso rever a forma de chamar a atenção
da população para a concentração de grandes propriedades nas mãos de poucos. É
preciso assimilar os erros, detectar as distorções e, a partir dessa reflexão, centrar-
se nos objetivos que sustentam a luta do MST ao longo dos 25 anos de existência,
que é o debate sobre a questão da democratização do acesso a terra.
23
3 Análise
No item anterior apontamos a questão agrária como um dos grandes
problemas que afeta historicamente a população brasileira. No Brasil, predomina
concentração de terra e grandes latifúndios. A isso, associa-se um contingente de
trabalhadores sem-terra.
Para chamar a atenção da sociedade brasileira a esse grave problema, o
Movimento de Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) adotou como prática a
ocupação de propriedades que, segundo o movimento, não cumpre a função
estabelecida pela Constituição Federal.
Outro problema diz respeito aos espaços comunicativos. A disputa, a
competição pelos espaços disponíveis nos meios de comunicação é muitas vezes,
desleal do ponto de vista da inclusão de temas que não envolvem guerras, crises,
desastres, etc. A cultura jornalística é aquela onde se predomina a cobertura de
fatos políticos e econômicos. Nesse contexto, um dos problemas da democracia
brasileira diz respeito à equidade de espaço nos meios de comunicação, ou seja,
não há igualdade nos espaços comunicativos, principalmente em se tratando das
ações dos movimentos sociais.
No entanto, os meios de comunicação, neste caso, o OESP veicula por meio
de matérias, editorias, reportagens, as ações do MST. Este estudo pretende analisar
o discurso utilizado pelo Jornal ao abordar as ações do MST, ao mesmo tempo
verificar se ao dar visibilidade a essas ações, o jornal o faz levando em consideração
o problema que gera tais ações, isto é, a ausência da Reforma Agrária, assunto de
tamanha relevância para a sociedade brasileira.
O formato deste trabalho seguirá o de pesquisa documental. Para atingir os
objetivos, utilizamos como aspecto metodológico, os seguintes procedimentos. No
primeiro momento, fizemos uma revisão de literatura que contemplasse estudos
sobre o tema que procuramos desenvolver. Para tanto contamos com as
contribuições de pensadores como FOUCAULT, TRAQUINA, FAIRCLOUGH,
ORLANDI, GOHN, que proporcionou melhor compreensão sobre discurso,
jornalismo, análise de discurso e movimentos sociais.
No segundo momento, definimos o período a ser estudado. Escolhemos o
mês de setembro dos anos de 2006, 2007 e 2008. Foram 27 textos publicados pelo
24
OESP nesse período. Desse total, foram escolhidos, aleatoriamente, 15 para fazer
parte do corpus e estão assim dispostos: setembro de 2006 – 09 matérias; setembro
de 2007 – 04 matérias e setembro de 2008 – 02 matérias.
A escolha do período para fazer a investigação ocorreu para estabelecer a
partir de dados empíricos, se nos meses que antecederam as eleições houve ou não
um aumento da cobertura sobre o MST em comparação ao período em que não há
eleição. Ou seja, se há ou não o vinculo entre as notícias publicadas pelo jornal e o
período eleitoral.
Procuramos identificar os recursos linguísticos por meio das expressões e
termos (formas verbais, seleção de substantivos, adjetivos, etc.) empregados pelo
jornal. Dessa maneira, buscamos esmiuçar as notícias que versam sobre o MST.
Analisamos as marcas recorrentes que nelas se encontram, cujo objetivo, além de
atrair, quase sempre tenta sensibilizar o leitor e influenciá-lo acerca de questões
determinadas.
Para compreensão dos dados foram utilizados fichas de classificação que
continha entre outros itens, a editoria, o gênero, a fonte, ilustração, etc. Foram
separados os léxicos, as expressões recorrentes como “invasão”, “ocupação”,
“invasores”, “baderneiros” “bloqueio”, “saquear”, “roubar”, entre outros, para o
tratamento do assunto.
Por último, para complementar tal análise recorremos a Análise do Discurso
que vai contribuir para melhor interpretação dos resultados.
A seguir apresentaremos um breve relato da história do jornal O Estado de S.
Paulo, a fim de retratar a linha editorial adotado pelo jornal ao longo do tempo. O
contexto histórico relatado abaixo, nos levou a decidir pelo OESP como veículo de
comunicação a ser estudado.
3.1 Breve histórico do jornal O Estado de S. Paulo
O jornal O Estado de S. Paulo, segundo Capelato e Prado (1980) foi fundado
em 4 de janeiro de 1875, com o nome de A Província de São Paulo. Em 1885 com
ideias republicanas e abolicionistas, Júlio de Mesquita entra para o jornal. Em 1891,
assume a direção política do jornal, com a saída de Rangel Pestana para o Senado.
Com a morte de Julio de Mesquita, em 1937, assume o comando do periódico, Julio
de Mesquita Filho e continua a política implementado pelo pai, ou seja, conforme
25
definição de Capelato e Prado, conspirador (1930), articulador (1932) e lutador e
empenhado na candidatura oposicionista à presidência da República em 1937.
Em 1930, o jornal liga-se ao Partido Democrático (PD), apoiando a
candidatura de Getúlio Vargas, que foi derrotado, mas assumiu o poder com a
Revolução de 1930. Com o Estado Novo, o jornal O Estado de S. Paulo faz oposição
ao regime e é invadido pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).
Novamente é fechado e confiscado pela ditadura, passando a ser administrado pelo
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Em 1945, o jornal volta aos
legítimos donos por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
De 1946-1964, período da República Nova, o Estado apoia a União
Democrática Nacional (UDN) de Carlos Lacerda, opositor ferrenho dos governos, em
especial o de João Goulart. Em 1964, o jornal apoia o Golpe Militar e só rompe com
o regime vigente após o Ato Institucional nº 2, que determina a extinção dos
partidos.
No período de 1964-1985 o regime discricionário deixou suas marcas e
provocou sequelas ao longo desses 21 anos. Em 1968, por exemplo, o OESP
(sujeito de nosso estudo) sofre censura ao publicar o editorial "Instituições em
Frangalhos". O conteúdo do editorial denunciava a ausência de democracia. A partir
de então, as edições dos jornais eram acompanhadas pelos censores da Políicia
Federal. Dentre os jornais brasileiros, o OESP foi o que não se deixou
autocensurar.
Em 1986, Augusto Nunes assume a direção da redação e empreende uma
série de reformas. Com a morte de Júlio de Mesquita Neto, em 1996, o jornal passa
a ser dirigido por Ruy Mesquita.
A partir deste relato percebe-se que o OESP, ao longo do tempo acompanhou
atentamente a política brasileira. Capelato e Prado, ao retratar a atuação do jornal
no debate político no período estudado por ambas, afirmam que aqueles que
representam o jornal não assistiram passivamente os momentos históricos vivido
pelo país que teve inicio com a Primeira República, culminando, segundo as
professoras, com a revolução de 1930 até o golpe de 1937.
Exerceram papel atuante, participando ativamente do debate que se instaurou, colocando-se numa posição de crítica ao estado de coisas vigente, tentando “despertar as consciências” e “modela-las” conforme seus valores e interesses, procurando indicar uma direção ao comportamento político do público leitor. (...) A atuação política do jornal se orientava por um projeto idealizado para o Brasil e para São Paulo, cujas bases se prendiam ao corpo de ideias que compõem a
26
doutrina liberal e à experiência prática de outros países”. (CAPELATO; PRADO, 1980, p 23)
Nessa mesma direção Paulo Sérgio Pinheiro4 no prefácio do livro de Capelato
e Prado diz que o estudo das professoras mostra a face do jornal ao concliliar as
exigências do liberalismo com a defesa das posições políticas dos setores sociais
que o jornal representa. Na opinião de Pinheiro os princípios liberais serviram para
dar legitimidade à defesa da ordem constituida.
Capelato e Prado afirmam que para entendermos o modelo político adotado
pelo OESP devemos ter como base a teoria política de Locke e o Iluminismo
francês. Teorias estas, que segundo as professoras é nas quais se assentam o
pensamento político do jornal.
Um outro ponto importante descrito pelas autoras é em relação ao
pensamento liberal que de acordo com elas, estabelece o direito de propriedade
como um dos sustentáculos dessa doutrina.
Essa é uma questão crucial no contexto do tema em estudo, ou seja, a visão
do jornal acerca das ações sociais na luta pela terra. Dentro dessa abordagem o
OESP definia os grupos sociais paulistas como lavradores, industriais, operários,
funcionários, etc.
De acordo com Capelato e Prado poucas vezes foram percebidas discussões
que envolviam as relações entre proprietários de terra e trabalhadores rurais.
Quando isto acontececia, o jornal assumia posição favorável aos proprietários de
terra. “Em 1929 uma das medidas adotadas para debelar a crise foi a redução do
salário do trabalhador rural, medida que o periódico deu pronto apoio”. O argumento
utilizado pelo OESP ( apud Capelato e Prado, p. 111): “A crise mostrou que o alto
salário é o mais sério embaraço para a produção barata”.
A leitura desta bibliografia evidencia que a simples presença do movimento
operário reivindicando melhoria nas condições de trabalho, atemorizava o OESP,
uma vez que tal movimento (na visão do jornal) podia colocar em risco a ordem
social vigente. Nesse contexto o jornal dizia à época: “assentada no respeito à
propriedade e liberdade dos cidadãos” (14-5-1932). (OESP apud Capelato e Prado,
p. 114)
4 Integrante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos
27
Outro ponto que merece destaque dentro da obra estudada, diz respeito aos
termos empregados pelo periódico ao referir-se aos defensores de ideias contrárias
àquelas defendidas pelo jornal. Nesse sentido Capelato e Prado dizem:
O emprego dos termos “autoritários”, “antidemocráticos”, “tirano”, “ditador”, “déspota”, como caracterizadores dos dois últimos governantes da Primeira República – Arthur Bernardes e Washington Luiz, revela a insatisfação do jornal com a tendência centralizadora e a reação ao intervencionismo do poder central ao Estado. (idem, p. 28)
A bibliografia estudada evidenciou que a imprensa, especificamente OESP
explicita sua ideologia e seu projeto a partir do conteúdo publicado. Os editoriais, as
reportagens, as matérias veiculadas pelo jornal são fundamentais para a
compreensão do jornal e do grupo social que este representa e, principalmente,
sobre o que pensa a respeito de um determinado assunto.
O que se percebe é que a linha liberal adotada pelo jornal desde os
primórdios, prevalece nos dias atuais. Essa constatação se evidencia a partir dos
editoriais e das matérias assinadas pelo periódico, alguns dos itens objetos do nosso
projeto de pesquisa.
3.1.2 Análise quantitativa do OESP
A operacionalidade deste trabalho levará em conta, como já dissemos
anteriormente, a seleção de editoriais, notícias, reportagens, entre outros, a serem
analisadas, considerando os léxicos “invasão”, “ocupação”, “invasores”,
“vandalismo”, “baderneiros”, “quadrilha” , etc. Verificaremos também se a
matéria fala de reforma agrária, de concentração de renda e de terras; se cita
políticas públicas.
Para facilitar a visualização das informações a que se quer chegar, a partir da
investigação, elaboramos tabelas e gráficos que contêm as características
recorrentes das edições analisadas, de forma que destaque os principais
componentes encontrados nas notícias. Assim, a partir dos objetivos definidos, do
conteúdo delimitado, utilizamos os métodos de análise quantitativa e recorremos à
Análise do Discurso para melhor interpretação dos resultados obtidos.
A partir da sistematização dos dados, verificamos que o volume de cobertura
do tema que envolve o movimento, no mês de setembro de 2006, foi maior que o
ocorrido no mesmo mês dos anos de 2007 e 2008. Em setembro de 2006, foram
28
veiculadas quatorze matérias; em setembro de 2007, nove e em setembro de 2008,
foram quatro inserções. Observa-se que o jornal O Estado de S. Paulo dá mais
visibilidade ao MST em setembro de 2006, ano em que ocorreu a eleição
presidencial. Observa-se também que a temática não dominou o noticiário do jornal,
em setembro de 2008, período que antecedeu as eleições municipais.
GRÁFICO I – Editoria
Editoria
4
11
9
7
3
1 1
Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008
Política
Geral – Brasil/país/vida
Economia
Nacional
Notas &Informações
Espaço Aberto
Nas editorias em que foram divulgadas as respectivas matérias, assim se deu
a distribuição: em 2006 foram 4 (quatro) veiculações no Caderno de Política, 9
(nove) no Caderno Nacional e uma no caderno Espaço Aberto. Em 2007, foram 7
(sete) inserções no Caderno Nacional, 1 (uma) em Economia e 1 (uma) no Caderno
Espaço Aberto. Já em 2008, ocorreu veiculação de 1 (uma) matéria no caderno
Geral (Vida) e 3 (três) no caderno Nacional. A partir desses dados, é possível
afirmar que houve um esvaziamento, nos anos de 2007 e 2008, de matérias
veiculadas no Caderno Política.
Esses dados nos permitem inferir que o jornal deu mais ênfase às ações
promovidas pelo movimento, uma vez que se tratava de ano eleitoral e setembro foi
o mês que antecedeu a eleição no país e teve o primeiro turno realizado em 1º de
outubro e o segundo turno no dia 29 do mesmo mês.
GRÁFICO II – Gênero
Gênero
1 1 1
32
12 2
7
3 3
1
Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008
Reportagem
notícia
Editorial
Artigo
Matéria
Entrevista
29
Quanto ao Gênero, o jornal O Estado de S. Paulo, em 2006, deu visibilidade
ao assunto por meio de 1 (uma) reportagem, 3 (três) notícias, 2 (dois) artigos, 7
(sete) matérias e 1 (uma) entrevista. Em 2007 foram 2 (duas) notícias, 1 (uma)
reportagem, 1 (um) editorial, 2 (dois) artigos e 3 (três) matérias. Já em 2008 foram
veiculadas 3 (três) notícias e 1 (uma) reportagem. Essa distribuição permite verificar
de que forma o assunto é tratado em cada período pesquisado. Percebe-se que o
OESP utiliza muito pouco o item reportagem nos três anos pesquisados. Isto
representa um indicador de pouco aprofundamento no assunto noticiado.
Cabe aqui frisar que a reportagem permite que o jornalista de veículos
impressos possa investir mais tempo e esforços e, assim, alcançar um resultado de
melhor qualidade no sentido da contextualização da notícia.
GRÁFICO III – Matéria assinada?
Matéria Assinada?13
8
4
1 1
Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008
Sim
não
No item matéria assinada, os três anos pesquisados apresentam número
significativo de assinaturas nas matérias veiculadas pelo OESP. É importante tal
fato, uma vez que durante muito tempo o jornalista não assinava as matérias que
produzia. É importante também que os leitores saibam quem a escreveu, porque são
eles, os jornalistas, a partir da linguagem, da ordenação e do enquadramento
utilizado, que constroem e atribuem significados que são sentidos (negativa ou
positivamente) pelo leitor.
GRÁFICO IV – De onde vem a pauta
De onde vem a pauta
7
5
3332
11
5
3
1
3
Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008
Oficial
Especialista
Fazendeiro
UDR
Movimento
Empresa
Político
30
Observando os dados agregados no quesito “de onde vem a pauta” (fonte),
percebe-se a predominância do movimento como fonte, bem como a oficial, no ano
de 2006. Quanto às outras fontes consultadas em 2006, verificamos que o jornal
recorreu aos fazendeiros em três oportunidades; à União Democrática Ruralista
(UDR)5, oponente ao MST, foi consultada duas vezes; e procurou ouvir a Empresa
Brasileira de Defensivos Agrícolas Nortox e a Monsanto, cada uma em diferente
ocasião. Também, em três diferentes matérias, ouviu políticos como fonte. No ano
de 2007, OESP recorreu a fontes oficiais: Governo do Estado do Rio Grande do Sul,
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), ao movimento, em
cinco de suas matérias e abriu espaço para especialista (artigo de agrônomo Xico
Graziano, que foi presidente do INCRA, em 1995, e Secretário da Agricultura de São
Paulo no período de 1996-98) em duas matérias. Em 2008, recorreu à fonte oficial
nas três matérias veiculadas e consultou o MST em três das quatro matérias.
Sabemos que o manual do bom jornalismo diz que a multiplicidade de fontes
é essencial para a qualidade da cobertura de qualquer tema.
Nesse contexto, uma das missões elencadas pelo Manual de Redação e
Estilo de O Estado de S. Paulo diz: “Buscar constantemente o jornalismo
diferenciado e investigativo, difusor de idéias pluralistas e que analise e interprete
fatos isentamente e esteja sempre voltado para o interesse do cidadão”.
Partindo desse pressuposto, os jornalistas precisam, além do público-alvo da
matéria, no caso o MST, ouvir especialistas, ONGs, cidadão comum, assentados,
etc. Ir atrás de experiências que deram certo e daquelas que falharam. Identificar se
o orçamento destinado ao programa de Reforma Agrária é suficiente. E,
principalmente, se o recurso está sendo bem aplicado. Ou seja, o jornalista não
pode se contentar com apenas um lado da história. É preciso, sempre, destrinchar a
pauta.
GRÁFICO V – Quem fala na matéria
5 Criada em 1986, a UDR é uma entidade formada por ruralistas e tem como objetivo fundamental a preservação do direito de propriedade. A UDR conseguiu colocar na Constituição de 1988 o artigo 186 que preserva os direitos de propriedade rural em terras produtivas.
31
Quem fala na matéria?
1 1
4
7
5
3
1
4
1
5
1
3 3 3
1
Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008
Empresário
Especialista
Dirigente MST
Acampado
Fazendeiros
Políticos
Governo
Sociedade Civil
Quanto àqueles que falam na matéria, em setembro de 2006, houve
predominância da presença de dirigentes do MST em sete das quatorze matérias. O
Estado de S. Paulo procurou ouvir empresário, especialista, acampado e sociedade
civil, cada um em uma matéria e em diferente oportunidade. Ouviu também a figura
do fazendeiro em quatro matérias; recorreu em três oportunidades à representante
do governo. Em setembro de 2007, foram consultados especialistas em quatro
oportunidades, dirigentes do MST foram ouvidos em cinco matérias veiculadas,
representantes do governo em três pautas, fazendeiro e político em uma matéria,
cada. Já em setembro de 2008, das quatro matérias veiculadas, em três, o OESP
ouviu dirigente do MST e sociedade civil.
Neste item, mais uma vez OESP dá voz a diferentes representações, ou seja,
a pessoas ligadas ao governo, às entidades ligadas aos sem-terra e aos
fazendeiros, a especialista, mas há pouca presença da voz do povo, da voz do
assentado.
GRÁFICO VI – Matéria possui Ilustração?
Matéria possui ilustração?
5 5
11 1
9
4
2
Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008
Com foto
Com gráfico, mapa, tabelas
Não ilustrada
No que se refere ao uso de ilustração, o ano de 2006 apresenta cinco
matérias ilustradas com fotos, uma ilustrada com foto e gráfico e nove matérias não
ilustradas. O ano de 2007 traz cinco matérias ilustradas com foto e quatro não
32
ilustradas. Em 2008 apresenta uma matéria com foto, outra com foto e gráfico e
duas sem ilustração. Em 2006, as matérias que foram contempladas com fotos
foram veiculadas nos dias: 05/09/06 (“Sem-terra fazem 3ª Invasão em 15 dias no Rio
Grande do Sul”); 07/09/06, entrevista com o Presidente da República e candidato à
reeleição; 12/09/06, a matéria com foto e gráfico (“MST freia invasões no País para
favorecer campanha de Lula“); 15/09/06 (“MST bloqueia rodovias contra
criminalização de sem-terra”) e a última no dia 26/09/06 (“Protesto de sem-terra
fecha estrada no Paraná”).
Em 2007 as matérias que apresentaram fotos foram as dos dias: 07/09/07
(“MST cerca prefeitura no RS”); 13/09/07 (“Incra de Porto Alegre é invadido”);
18/09/07 (“Conservadores de esquerda”); 25/09/07 (“MST invade e faz ações em 10
estados”) e 27/09/07, (“União quer retomar área que destinou ao MST”). Já em
2008, as matérias com ilustração aconteceram nos dias 29/09/08 (“PMs do
massacre de Eldorado dos Carajás ganham promoção”) e 30/09/08 (“Assentamentos
lideram desmate”).
O que se depreende dessas informações é que a imagem se faz presente
para dar autenticidade e credibilidade ao tema que foi noticiado. Para a mídia, é
imprescindível que se apresente ao leitor novos fatos ou novas perspectivas para
assuntos já conhecidos.
GRÁFICO VII – A matéria contém a palavra invasão?
A matéria contém a palavra invasão?
21
12
3
6
3
0
Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008
Sim ( ) quantas vezes?
Não
Quanto a esta característica, OESP utilizou 21 vezes o termo “invasão” nas
14 matérias veiculadas em setembro de 2006. Em setembro de 2007, a referência
ao termo deu-se 13 vezes e em setembro de 2008, das quatro matérias veiculadas,
a palavra “invasão” foi utilizada três vezes. Essa expressão vem carregada de fortes
33
significados que analisaremos no momento da análise do discurso. Mesmo assim os
dados nos permitem afirmar que os sem-terra são considerados violentos,
irresponsáveis e fora da lei. A partir deste dado específico, OESP aponta que os
sem-terra não passam de invasores de propriedades.
Para o MST, a imprensa, ao usar a palavra “invasão” para designar as
ações do movimento, gera no imaginário das pessoas a desconfiança, uma vez que
os indivíduos podem fazer a associação entre invasores de terra com invasores de
casas, ladrões, desordeiros, baderneiros, assaltantes.
GRÁFICO VIII – A matéria contém a palavra ocupação?
A matéria contém a palavra ocupação?
6
10
4
9
5
Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008
Sim ( ) quantas vezes?
Não
Neste item observamos a presença do termo “ocupação” seis vezes nas
matérias veiculadas em 2006; dez vezes em 2007 e quatro em 2008. Analisando
esses dados dentro do contexto das matérias veiculadas, percebemos que o OESP
procura produzir o sentido de que ambas as palavras possuem o mesmo significado,
ou seja, com qualquer designação o MST estará sempre cometendo ato ilegal.
“Ocupar” ou “invadir” possuem os mesmos efeitos de sentidos, uma vez que o
‘produto’ ocupado ou invadido não pertence aos sem-terra.
Para o MST ocupar significa romper as barreiras da concentração de terras.
Em 1985, a palavra de ordem do movimento, em seu primeiro Congresso Nacional,
em Curitiba (PR) era: "Ocupação é a única solução".
GRÁFICO IX – A matéria menciona reforma agrária?
A matéria menciona Reforma Agrária?
9
4
2
5 5
2
Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008
Sim
Não
34
Em setembro de 2006, houve 9 (nove) referências à reforma agrária; em
setembro de 2007 foram 4 (quatro) as menções e em setembro de 2008, o termo
não foi mencionado em nenhuma das cinco matérias veiculadas.
Com esses dados, verifica-se que a pauta não é destrinchada como poderia
ser, ou seja, ela apenas menciona a reforma agrária, mas não faz nenhuma análise
da questão no contexto que a temática exige.
A cobertura é superficial e factual. Os pontos de vista representados nos
textos em nenhum momento atentaram para o grave problema que envolve a
questão agrária brasileira. Não se percebe, nas opiniões representadas, um
tratamento desse tema como uma questão social que precisa ser olhada a partir
dessa perspectiva.
GRÁFICO X – Cita concentração de renda?
Cita concentração de renda?
2 1
14
9
4
Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008
Sim
Não
Este item segue a mesma linha do anterior, ou seja, as vozes ouvidas não
fizeram análise da questão agrária associada à questão da concentração de renda.
Esses dados revelam que a cobertura da mídia nessa área ainda está engatinhando.
Em nenhum momento, nem jornalista nem quem fala na matéria aprofundou a
questão, ou seja, não fez associação entre a estrutura fundiária, concentração
de renda e a desigualdade social.
GRÁFICO XI – Cita distribuição de terra?
Cita distribuição de terras?
21
12
8
4
Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008
Sim
Não
35
Este quesito – distribuição de terra – mostra mais uma vez um esvaziamento
das informações veiculadas pelo OESP. Os três itens – reforma agrária, distribuição
de terra e concentração de renda – poderiam ser incluídos na matéria com maior
profundidade. A maioria das matérias veiculadas em setembro de 2006, 2007 e 2008
não enfoca a questão da distribuição de terra. Nenhum dos ouvidos, na maioria das
matérias, tocou na questão da distribuição de terra e que está associada à
concentração de terra e a latifúndios improdutivos.
Não fizeram nenhuma relação entre os conflitos de terras verificados ao longo
dos anos e a má distribuição de terra. Não apresentaram opiniões que sustentassem
que a luta por um pedaço de terra é a forma que os excluídos desse processo
encontraram para se fazer ouvir. Nem os que falam na matéria, nem os repórteres
mencionaram que a distribuição de terra envolve aspectos econômicos, políticos e
sociais. Não houve preocupação em abordar a necessidade de estudar um novo
quadro da estrutura fundiária que aponte soluções na busca de um modelo de
desenvolvimento econômico sustentável e socialmente justo.
Na amostra, não é evidente a preocupação dos produtores da matéria em
aprofundar informações para que os leitores apreendam sobre o assunto que o
jornal quer que eles (leitores) tomem conhecimento.
GRÁFICO XII – Cita políticas públicas para os assen tados?
Cita políticas públicas para os assentados?
1 1
13
8
4
Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008
Sim
Não
Neste item temos que, em 2006 e 2007, apenas uma em cada ano fez
referência à questão de políticas públicas para os assentados. Em 2008, das quatro
matérias veiculadas, nenhuma tocou no assunto. Como em outras categorias
analisadas, nesta se percebe o mesmo efeito, ou seja, os jornalistas não produziram
a matéria buscando a perspectiva e as expectativas dos assentados da reforma
agrária. O gráfico acima demonstra tal afirmação. Mesmo quando as fontes oficiais,
36
neste caso, o Incra, foram acionadas, não houve preocupação do jornalista, na
maioria das matérias, em perguntar quais eram as políticas públicas que o governo
pensava em implementar nos assentamentos. As matérias não veiculam, por
exemplo, as principais reivindicações dos assentados que, em sua maioria, têm a
agricultura familiar (subsistência e comercialização) como modelo de prática para
desenvolvimento rural sustentado.
3.2 Introdução à análise do discurso
A teoria do jornalismo apresenta debates e reflexões sobre o papel da mídia
na sociedade. Assim, analisaremos o discurso utilizado pelo jornal O Estado de S.
Paulo a partir do escopo das notícias sobre o MST. O propósito é verificar se o
discurso adotado contribui para o avanço da discussão sobre a questão agrária ou
cumpre uma função ideológica que serve de retórica para criminar, desmoralizar,
desqualificar e deslegitimar o MST e manter o ponto de vista do stablishment, ou
seja, do poder instituído.
Para chegar a essa compreensão, utilizaremos as idéias defendidas pelos
estudiosos da Análise de Discurso, como Fairclough e Orlandi. Utilizaremos também
considerações sobre o discurso defendidas por Foucault e a questão da linguagem,
elaborada por Bakhtin, a fim de identificar aspectos ideológicos, a estratégia
organizativa do texto, o enunciado, o léxico e a representação que devem permitir o
reconhecimento das representações ou os efeitos discursivos produzidos pelo
OESP.
Bakhtin (1992), por exemplo, afirma que alguns estudiosos se comprazem em
representar o locutor e o ouvinte (quem recebe a fala) como os dois parceiros da
comunicação verbal, isto é, tal esquema se dá por meio dos processos ativos da fala
do locutor e dos processos passivos de percepção e compreensão da fala do
ouvinte. Nesse sentido, ele diz:
(...) a linguagem é considerada do ponto de vista do locutor como se este estivesse sozinho, sem uma forçosa relação com os outros parceiros da comunicação verbal. E, quando o papel do outro é levado em consideração, é como um destinatário passivo que se limita a compreender o locutor. O enunciado satisfaz ao seu próprio objeto (ou seja, ao conteúdo do pensamento enunciado) e ao próprio enunciador. (...) Não se pode dizer que esses esquemas são errados e não correspondem a certos aspectos reais, mas quando estes esquemas pretendem representar o todo real da comunicação verbal se transformam em ficção científica. (BAKHTIN, 1992, p. 289-90).
37
De acordo com Bakhtin, o enunciado é a unidade real da comunicação verbal,
ele representa um conjunto de idéias, a partir de um contexto, que dá sentido ao
discurso.
O discurso se molda sempre à forma do enunciado que pertence a um sujeito falante e não pode existir fora dessa forma. Quaisquer que seja o volume, o conteúdo, a composição, os enunciados sempre possuem, como unidades da comunicação verbal, características estruturais que lhes são comuns, e, acima de tudo, fronteiras claramente delimitadas. (Ibid., p. 293).
O jornalismo utiliza fragmentos da realidade para produzir e reproduzir
enunciados, seja para a transmissão de cultura, seja para influir ideologicamente na
formação de opinião pública. Isto é, sendo o enunciado um ato de fala, o jornalismo
utiliza-se dessa teoria para dar sentido ao discurso e consequentemente produzir
uma relação de significação junto ao público-alvo.
Para auxiliar nessa compreensão, Michel Foucault que diz:
A maior das verdades já não estava naquilo que o discurso era ou naquilo que fazia, mas sim naquilo que o discurso dizia: chegou, porém o dia em que a verdade se deslocou do ato ritualizado de enunciação, eficaz e justo, para o próprio enunciado: para o seu sentido, a sua forma, o seu objecto, a sua relação à referência (FOUCAULT, 2006).
Para Foucault, são os próprios discursos que exercem o controle dos
procedimentos internos e tais procedimentos funcionam enquanto princípios de
classificação, de ordenamento, de distribuição, para dominar outras dimensões do
discurso: a do acontecimento e a do acaso.
Norman Fairclough afirma que a análise de um discurso, como exemplo de
prática discursiva, tem como foco os processos de produção, de distribuição e de
consumo textual. Esses processos são sociais e se dão em âmbito econômico,
político e institucionais nos quais são gerados.
A preocupação central é estabelecer conexões explanatórias entre os modos de organização e interpretação textual (normativos, inovativos, etc.), como os textos são produzidos, distribuídos e consumidos em um sentido mais amplo, e a natureza da pratica social em termos de sua relação com as estruturas e as lutas sociais. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 99-100).
Nessa mesma direção, Fairclough (1988) defende que os recursos para a
aprendizagem, bem como para se trabalhar em uma economia baseada no
conhecimento, necessitam de uma consciência crítica do discurso – uma
consciência dos valores no discurso como práticas sociais. Nesse sentido:
Uma consciência de que qualquer conhecimento de um domínio da vida social é constituído como um discurso de entre um número de co-existentes ou concebíveis discursos, discursos diferentes que são associados com
38
diferentes perspectivas sobre o domínio em questão e de diferentes interesses, uma consciência de como pode funcionar discursos ideologicamente nas relações sociais de poder, e assim por diante. É com base nesse tipo de entendimento de como funciona discurso dentro de práticas sociais que as pessoas possam vir a questionar e olhar além discursos existentes, ou as relações de dominação e marginalização entre os discursos e, por isso, antecipadamente conhecimento. (FAIRCLOUGH, 1988, p. 3-4).
Fairclough acredita na necessidade de uma consciência crítica do discurso na
sociedade contemporânea e que tal consciência deve fazer parte do cotidiano de
cada indivíduo. A partir dessa lógica, ele aponta:
A rede de práticas sociais é descrito a partir de uma perspectiva discursiva especificamente como uma “ordem do discurso” que consiste de discursos e gêneros, em especial as relações uns com os outros, mas com uma orientação para mudança nos limites dentro e entre as ordens de discurso como parte do social e mudança cultural. (Ibid., p.8).
Eni Orlandi (2007) diz que análise de discurso não trata da língua ou da
gramática especificamente, ela trata do discurso. Para a autora, o discurso dá a
idéia de curso, de percurso, de movimento. Mesmo as palavras usadas
cotidianamente já carregam consigo sentidos que não sabemos como foram
constituídos, no entanto, “significam em nós e para nós”.
João Bosco Bezerra Bonfim (2002) enfoca o discurso da mídia sobre a fome.
Ele diz que em todo processo discursivo é importante o uso do léxico, que nada
mais é do que o conjunto de palavras utilizadas para expressar-se, oralmente ou por
escrito. Segundo Koch (1997 apud BONFIM, 2002), o significado atribuído às
palavras é um dos mecanismos utilizado para construir o sentido de um texto.
No conjunto, as palavras selecionadas podem ajudar a construir certa linha argumentativa para os textos. E essa linha argumentativa pode ter significado ideológico. (BONFIM, 2002, p. 80).
Além do léxico, Bonfim destaca o uso constante de personalidades e/ou
autoridades nos textos jornalísticos. A personalização – eventos ligados a
personalidades – é uma tendência da mídia. “A notoriedade das personalidades
funciona como chamativo para a imprensa; uma notoriedade que tanto pode ser
negativa quanto positiva”.
Outro ponto destacado pelo autor é o uso de matéria de cunho negativo.
Fowler (1993 apud BONFIM, 2002), entende os eventos negativos como último
critério de seleção de algo a ser noticiado. No entanto, eventos negativos aparecem
com frequência na mídia e estão relacionados ao processo de formação de
consenso e de exclusão daquilo que foge ao que ele denominou de homocentrismo.
39
Para fabricar o consenso em uma sociedade cheia de conflitos, é necessário um intenso trabalho discursivo; e o papel da imprensa é lidar com a construção desse consenso, noticiando o que seja relevante para um grupo identificado como “nós” (no caso, o jornal ou revista e seus leitores e mais os que partilham de uma condição semelhante); para que haja consenso, é preciso que alguns valores sejam partilhados, como por exemplo, o de que “é preciso fazer crescer o bolo para depois dividir”. Como não são todas as pessoas e grupos que cabem nesse consenso, é construído um “nós” e um “eles”. Quem não partilha dos valores do “nós” é um “ele”, um “outro”, que está fora desses valores compartilhados. (FOWLER, 1993 apud BONFIM, 2002).
3.2.1 Breves noções de discurso, ideologia e anális e de discurso
A compreensão acerca do discurso e da ideologia faz-se necessária para o
entendimento da análise do discurso. Nesse sentido, cabe aqui referenciar Michel
Foucault:
O discurso nada mais é do que o reflexo de uma verdade que está sempre a nascer diante dos seus olhos; e por fim, quando tudo pode tomar a forma do discurso, quando tudo se pode dizer e o discurso se pode dizer a propósito de tudo, é porque todas as coisas que manifestaram e ofereceram o seu sentido podem reentrar na interioridade silenciosa da consciência de si. (FOUCAULT, 2006).
Bakhtin (1992) diz que “o discurso não reflete uma situação, ele é uma
situação. Ele é uma enunciação que torna possível considerar a performance da voz
que o anuncia e o contexto social em que é anunciado”.
Segundo o autor, o estilo do discurso é definido a partir de concepções que o
locutor tem a respeito do destinatário. Nessa mesma direção, Orlandi (2007) diz que:
“As relações de linguagem são relações de sujeitos e de sentidos e seus efeitos são
múltiplos e variados. Daí a definição de discurso: o discurso é efeito de sentidos
entre locutores”.
Nesse contexto, Bakhtin (1992) reforça o cuidado que se deve ter ao se
relacionar com os signos, “o signo se torna a arena onde se desenvolve a luta de
classes”.
Ao utilizar o termo discurso, Norman Fairclough propõe considerar o uso da
linguagem como forma de prática social.
O discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias normas e convenções, como também relações, identidades e instituições que lhe são subjacentes. O discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado. (FAIRCLOUGH, 2007).
Em relação às noções de ideologia, é importante referenciar os pensamentos
de John B. Thompson (1998) e Fairclough (2001). Para Thompson, a noção de
40
ideologia exerce papel importante para analisar as formas simbólicas. Ele afirma
também que nem todas as formas simbólicas têm caráter ideológico, no entanto,
elas exercerão esse caráter se sustentar, reforçar e manter as estruturas
assimétricas de poder.
Fairclough (2001) entende ideologia como significações/construções da
realidade. Essa realidade é o mundo físico, são as relações e as identidades sociais
“que são construídas em várias dimensões das formas/ sentidos das práticas
discursivas e que contribuem para a produção, a reprodução ou a transformação das
relações de dominação”.
Segundo Orlandi, a análise de discurso (AD) é a ferramenta que permite
compreender a ideologia. A AD é importante para os estudos que visam entender as
relações que se deseja fazer a partir de textos diversificados. Com a AD, e por meio
dela, têm-se subsídios que permitem a elaboração consistente nesse campo de
pesquisa. Para corroborar com as essas idéias, cabe aqui apresentar o que defende
Foucault:
A análise do discurso não vai revelar a universalidade de um sentido, mas trazer à luz do dia a raridade que é imposta, e com um poder fundamental de afirmação. Raridade e afirmação, raridade da afirmação — e de maneira nenhuma uma generosidade contínua do sentido ou uma monarquia do significante. (FOUCAULT, 2006).
Assim, com base nas referências, podemos constatar que a ideologia pode
apresentar diferentes posicionamentos nos eventos discursivos, ou seja, as
instituições, os meios de comunicação podem formular o discurso pretendido, com
objetivo de produzir efeito determinado a partir do conteúdo escolhido.
3.2.2 Análise do discurso do OESP
A partir dos pressupostos referenciados, analisamos nove matérias
veiculadas no jornal O Estado de S. Paulo, no mês setembro de 2006; quatro, em
setembro de 2007 e duas, em setembro de 2008. O tema em questão, mídia
impressa e MST, é uma discussão importante, uma vez que envolve dois atores; de
um lado o jornal OESP, com toda representação que lhe é dada em virtude da
função social que exerce; de outro, o movimento dos sem-terra, com toda sua
significância e importância na luta por justiça social e reforma agrária.
41
Buscaremos analisar as escolhas lexicais do OESP e quais os efeitos que
podem ser produzidos, bem como se há um cunho ideológico nos termos
escolhidos. Para tanto, utilizaremos os dados do gráfico abaixo.
Gráfico XIII – A matéria apresenta termos como:
A matéria apresenta termos como:
4
1 111 1 11
7
2
1 11
2
1
5
1 11
2
1 1
2
11
3
Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008
Invasores
À margem da lei
Baderneiros
Vandalismo
Violência
Bandos
Malandragem
Beócios
Quadrilha
Picaretagem
Bloqueio/Bloquear
Depredar
Saquear
Roubar
A partir do gráfico acima, é possível constatar que o OESP, para justificar as
atitudes e comportamentos do MST como negativos, utiliza os termos como
invasores, baderneiros, saqueadores, malandragem, b andos, violência ,
conforme gráfico acima, para representar o evento noticiado. E alguns desses
termos aparecem de forma repetida na estrutura textual das notícias. São eles:
Invasores, bloqueio, beócios, destruir, à margem da lei, saquear, depredar,
violência . As palavras utilizadas pelo OESP para compor as matérias sobre as
ações do MST trazem uma carga de negatividade e estão presentes em
praticamente todas as matérias analisadas. Pode-se inferir que a escolha das
palavras tem efeito ideológico a partir da classe social que o jornal representa.
- Setembro de 2006:
A matéria veiculada em 05/09/2006 veio acompanhada da seguinte
manchete: “Sem-terra fazem 3ª. Invasão em 15 dias no Rio Grande do Sul”. Nessa
matéria percebemos que o motivo da “invasão”, que é a informação importante de
acordo com os critérios jornalísticos, deveria estar no início da matéria, mas
encontra-se no último parágrafo. Segundo o texto, o motivo da ação do MST é o não
cumprimento da promessa do Governo Federal. Ou seja, o governo prometeu
assentar 1.700 famílias no Rio Grande do Sul, mas assentou apenas 98. O mesmo
parágrafo diz: “Os sem-terra têm 2,5 mil famílias acampadas à beira da estrada no
Estado”. As duas informações poderiam levar o leitor a analisar as ações do MST
42
sob outro ponto de vista, não fosse o uso dos termos, invadiram, tomaram,
invasão, invasores. Isto posto, cabe ressaltar que tais termos levam o leitor a
analisar a matéria a partir do contexto do produtor da matéria.
Segundo o Dicionário Aurélio, o verbo invadir significa entrar à força ou
sutilmente em; ou, tomar, dominar. O verbo tomar é utilizado no texto para
substituir o termo invadiram , ou seja, é utilizado como sinônimo. Nessa mesma
linha encontram-se as palavras ocupação e entraram . Isto porque a composição
jornalística não aconselha o uso de termo repetido na mesma matéria. A palavra
Invasão é o ato de invadir e invasor é quem ou o que invade, diz o dicionário. Isto
nos leva a acreditar que a ênfase dada pelo jornal, ao utilizar estas palavras,
demonstra que o OESP exacerba a linguagem dramática do jornalismo e mantém a
tensão dos relatos. Tais procedimentos levam a identificar também a estratégia
organizativa do texto a instigar a interpretação do leitor conforme a ótica do jornal.
Na matéria “MST freia invasões no País para favorecer campanha de Lula”,
de 12/09/2006. A chamada da matéria é precisa, categórica e afirma algo sem
nenhuma dúvida. O OESP induz o leitor a associar o candidato Lula às ações do
MST. Isso nos permite levantar a hipótese que existe um viés ideológico partidário
na matéria. A palavra invasão aparece 7 vezes no texto, ao mesmo tempo em que
aparece os termos ocupação, invadir, bloqueio . O intuito do jornal é reforçar no
imaginário popular que o candidato Lula apoia as ‘ações ilegais’ (invasão) do
movimento sem-terra. Empiricamente pode-se constatar que os termos são
utilizados propositadamente, de forma a dar ao texto uma conotação que atenda às
intenções de quem o produziu, levando o leitor a analisar o contexto de acordo com
aquilo que inferiu o jornalista.
O trecho a seguir corrobora com a nossa constatação:
“De acordo com o número do próprio movimento, nos quatro primeiros meses deste ano, foram realizadas 134 ações em 21 estados. Nos quatro meses seguintes, coincidindo com o período de campanha eleitoral, o número de invasões despencou - de maio a agosto foram apenas 46 em 11 estados”.
No dicionário Aurélio, despencar significa: “sofrer grande queda”, “cair
desastradamente de uma grande altura” etc. Em nenhum momento os dados do
MST corroboram a afirmação categórica do jornalista. Percebe-se que o produtor da
matéria usa a palavra despencou para dar credibilidade a sua suposição. Os dados
mostram que houve, sim, diminuição no número de ações do movimento nos
43
estados, não que este despencou. O jogo de criação de sentidos demonstra as
intencionalidades do emissor (o jornal) e as interpretações que podem fazer o
destinatário (leitor).
A matéria veiculada em 12/09/2006 traz a seguinte manchete: “Mulher de
Rainha e líder da UDR buscam votos no Pontal”. O segundo trecho do lead (primeiro
parágrafo) da notícia diz: ”A sem-terra Deolinda Alves de Souza, uma das principais
lideranças do MST, briga pelos votos da região com o fazendeiro Luiz Antônio
Nabhan Garcia, presidente da UDR, a entidade que defende os proprietários rurais”.
Os questionamentos que se faz são no sentido de esclarecer a chamada, ou
seja, se Deolinda Alves é uma das principais lideranças do movimento, por que não
colocaram o nome dela no lugar de “mulher de Rainha”? Talvez a explicação esteja
no fato de Rainha ter se tornado a personalidade do MST ao longo dos últimos anos.
Tal fato serve para justificar o procedimento do jornalista, uma vez que o próprio
jornal destaca Rainha como um dos fundadores do MST.
O fato mais notável da matéria é que não existe disputa ou “briga” dos
postulantes, uma vez que cada qual vai pleitear cadeiras diferentes, isto é, Deolinda
Alves concorre a uma vaga na Assembléia Legislativa de São Paulo e Nabhan
Garcia à Câmara Federal. A disputa só se daria se ambos estivessem concorrendo a
uma cadeira para a mesma casa legislativa.
No mês de setembro de 2006, o jornal O Estado de São Paulo abriu espaço
para duas matérias. “ Ilusão produtiva” foi veiculada em 12/09/06 e “ Beócios
agrários” em 20/09/06. O autor de ambos os artigos foi o agrônomo Xico Graziano.
Graziano ocupou, em 1995, o cargo de Presidente do Incra e, em 1996-98, de
Secretário da Agricultura de São Paulo. (Grifo nosso)
Na matéria “ Ilusão produtiva”, Graziano diz:
Maior assentamento rural do País, a Fazenda Itamaraty, reflete a tragédia
da reforma agrária brasileira. Milhares de famílias, subjugadas por líderes
de araque , sofrem com a sorte. O sonho de Olacyr de Moraes torna-se
pesadelo” (Grifo nosso).
O que se percebe é que há uma confusão de informações no trecho
introdutório do artigo. E vêm as perguntas: por que o maior assentamento rural do
país reflete a tragédia da reforma agrária brasileira? Que tragédia é essa? É por que
milhares de famílias são subjugadas por líderes de araque? Sofrem com a sorte?
44
Que líderes são esses? Que sorte? O sonho de Olacyr de Moraes torna-se um
pesadelo? Qual é o sonho e qual é o pesadelo do Olacyr de Moraes
No decorrer da leitura, o artigo mostra que Olacyr de Moraes foi considerado
o rei da soja e que o seu império começou a ruir em 1995. Mais adiante, o texto diz
que, em 2001, o Incra adquiriu parte da propriedade e a transformou em
assentamento para abrigar cerca de 1.140 famílias. E em 2003, comprou o restante,
o que permitiu assentar cerca de 1.700 famílias de sem-terra. Ainda segundo o
artigo, o Incra pagou pela terra cerca de R$ 200 milhões. Até o momento não
encontramos onde está a tragédia em assentar 1.140 e 1.700 famílias de
trabalhadores sem-terra.
Tragédia , segundo o Dicionário Aurélio, significa acontecimentos fatais;
sucesso funesto, trágico. No texto, a tragédia relatada por Xico Graziano é a venda
de lotes; o arrendamento de pastagem; o trabalho coletivo; é a subserviência. Ou
seja, segundo ele, quase 11 mil pessoas estão subordinadas “a fortes organizações
políticas, ao MST, à CUT e à Fetagri”.
Percebe-se que, além de não esclarecer ao público leitor quem são essas
“organizações políticas”, Graziano faz ilações ao dizer que “o assentamento
Itamaraty depende de esquema de corrupção jamais visto na reforma agrária”. Mas
não diz em que se baseia tal esquema e nem aponta quem são os responsáveis
pelo ‘esquema’. Ele diz que “agentes públicos” conhecem a maracutaia (negociata),
mas não mostra quem são esses “agentes públicos” e quais são as maracutaias.
Qual era o sonho do Olacyr de Moraes? Pode-se dizer que o sonho do Olacyr
se tornou realidade ao se transformar em “rei da soja”; e o “pesadelo”, no caso, foi a
sua ruína. No entanto, essa interpretação não fica clara para os leitores. A análise
que o texto quer inferir é que o sonho de Olacyr era transformar a fazenda Itamaraty
num grande assentamento rural e que o pesadelo é ver o sonho transformado em
‘tragédia da reforma agrária’.
Um assentamento que comporta quase de 11 mil pessoas, segundo o texto,
pode ser chamado de ‘tragédia de reforma agrária’ num país com concentração de
terra na mão de poucos? Nesse caso, o próprio texto se contradiz. A contradição do
artigo permanece ao dizer que “milhares de famílias, subjugadas por líderes de
araque, sofrem com a sorte”. Como uma família que não tinha terra e que ganha um
pedaço de chão pode “sofrer com a sorte?” Essa afirmação só procede se o intuito
45
do autor é associar o “sofrer com sorte” das famílias ao que ele denominou
“subjugadas por líderes de araque”. A palavra ‘subjugada ’, segundo o Aurélio,
significa “submeter pela força das armas; dominar, vencer”. Para Graziano, os
“lideres de araque” são o MST, a CUT e a Fetagri. Aqui se encontra aquilo que
Bonfim chama de personalização. Isso nos leva a inferir que a representatividade de
quem fala e a linha argumentativa adotada proporcionam o espaço disponível a
personalidades como Xico Graziano. Há uma associação ideológica, neste caso,
entre quem fala e quem veicula.
O texto apresenta ainda os termos como invasores, picaretagem e
malandragem . Segundo o Aurélio picaretagem é ação própria de picareta e
“picareta” é pessoa que usa qualquer expediente para alcançar vantagem. O
significado da palavra malandragem é qualidade, ato ou dito de malandro,
malandrice; “malandro” é aquele que abusa da confiança do outros, que não
trabalha e vive de artifícios; velhaco, patife. Maracutaia, segundo o dicionário, é
negociata. Assim, se percebe que o texto é carregado de termos com sentidos
pejorativos para designar atos do MST.
No artigo de 20/09/2006, “Beócios agrários”, Graziano começa assim:
“Abelardo Lupion é um dos parlamentares mais queridos do Congresso Nacional.
Articulado, educado, idealista , não é político profissional, destacando-se como
criador de gado nelore, de excelente genética. Sua família tem história no Paraná”.
(Grifo nosso). Noutro trecho ele diz:
Após o final da CPMI da Terra, em 2005, o deputado Lupion foi jurado de morte pelo MST. Foi ele quem denunciou o ‘mensalão’ da reforma agrária. Milhões de reais eram, e infelizmente continuam sendo, desviados dos cofres públicos através de convênios fajutos. Seu relatório incriminou entidades ligadas aos invasores de terras”.
São dois parágrafos com intenções diferentes. No primeiro, o agrônomo
exalta as qualidades do político e criador de gado nelore. Para tanto, utiliza-se de
adjetivos articulado, educado, idealista . O leitor questionador deve se perguntar
quem é Aberlardo Lupion e quais causas ele defende no Congresso Nacional.
Pergunta também, o que o autor do artigo quis dizer com “não é político
profissional”. “Sua família tem história no Paraná”. Já no segundo parágrafo, o
autor faz questão de deixar implícito que o deputado que pertence a uma família que
tem história, que é educado, idealista, etc, “foi jurado de morte pelo MST”. O
deputado ilibado, segundo Graziano “denunciou o ‘mensalão’ da reforma agrária”.
46
O autor do artigo afirma categoricamente que “milhões de reais eram, e infelizmente
continuam sendo desviados dos cofres públicos através de convênio fajuto ”. (Grifo
nosso)
O artigo arremata o segundo parágrafo com a seguinte afirmação: “Seu
relatório incriminou entidades ligadas aos invasores de terra”. Mais uma vez, de um
lado, o político probo; de outro, os invasores de terra. Mais uma vez o autor deixa
várias perguntas sem respostas, como por exemplo, que fato comprova que o MST
jurou o deputado de morte? O fato de o deputado denunciar o ‘mensalão’ da reforma
agrária? Nesse caso, pressupõe que se isso fosse verdade, o MST estaria
assinando a confissão de que participou do referido esquema. O relatório aponta o
MST como um dos beneficiados pelo esquema? O artigo não diz que é fato
comprovado, o que mostra que o jornal, muitas vezes, profere certos enunciados
para ludibriar e seduzir o público. Outro fato não esclarecido é em relação ao
“convênio fajuto”. Afinal, quem são os representantes desses convênios?
Outro ponto nebuloso do artigo: quais são as entidades ligadas aos
“invasores de terra” que o deputado incriminou? Temos várias perguntas que
precisam de respostas e que deveriam compor o artigo do ex-presidente do Incra. O
que se percebe é que o artigo do Xico Graziano é evasivo e tendencioso.
Os parágrafos analisados demonstram claramente a intenção do autor em
produzir efeitos negativos em relação ao MST e para isso utilizou informações
incompletas e pouco esclarecedoras, o que induz o leitor a crer, nas ‘verdades’ ditas
por ele.
Além disso, o articulista usa os termos malandragem, beócios agrários,
propósitos fascistas, máscara da mentira, justiceir os agrários para dar um
aspecto dramático ao artigo. Tudo isso para reportar às ações da Via Campesina,
entidade ligada ao MST. Beócio significa, segundo o Aurélio, boçal, curto de
inteligência, ignorante. Fascistas – que é partidário ou simpatizante do fascismo;
máscara da mentira – neste caso o autor utiliza da figura da linguagem (hipérbole)
para dar mais ênfase àquilo que quer dizer e ao que quer que o leitor assimile.
Justiceiros agrários – Graziano, mais uma vez recorre à figura de linguagem
(ironia) para dizer algo contrário ao que realmente pensa. (Grifos nossos)
A estratégia do articulista é apontar o caminho para a reflexão do leitor sobre
o tema e induzi-lo a escolher uma determinada posição. “Ninguém aguenta mais
47
esses justiceiros agrários. Será, pensam, uma antecipação do que pode ocorrer a
partir do ano que vem, caso Lula vença? Vão tocar fogo no País? A resposta deveria
ser oferecida à Nação antes das eleições”. Há um apelo dramático do autor para o
leitor/eleitor diante de uma provável eleição do candidato Lula.
A seleção do léxico para a produção dos enunciados no texto está repleta de
significados e de ideologias. A opção de uma palavra pela outra marca claramente a
posição de quem fala diante do fato abordado. Pode-se constatar que, ao abrir
espaço para retórica como a do Xico Graziano, o OESP compromete-se com os
interesses defendidos pelo articulista, ou seja, com os interesses de uma classe
abastada financeiramente. Assim, a escolha do léxico faz jus ao viés ideológico.
Esses procedimentos percebidos na análise das notícias relatadas nos
parágrafo anteriores nos levam a crer que o jornalista traz consigo o viés ideológico
da classe social dominante ao reproduzir os termos (invadir, invasão) usados pela
elite e não os utilizados pelo movimento social, tais como acampar, ocupar. Ou seja,
linguisticamente ficaria menos interessante, tendo em mente o público ao qual a
informação é destinada.
O texto “Rigotto promete pressa ao MST”, de 20/09/2006, para os padrões
apresentados até o momento, é leve, de fácil compreensão. Pode ser considerado
também como um texto que apresenta as informações necessárias para que o leitor
tire a própria conclusão. Neste caso, o jornal não fez uso de léxicos carregados de
significados. Os termos usados com frequência foram ocupação, acampados,
reforma agrária. No entanto, o contexto nos permite inferir que tal fato ocorre em
virtude das personagens que falam no texto. As vozes da matéria são a do
governador do Estado do Rio Grande do Sul, a do Presidente do INCRA e a do
próprio movimento. A matéria foi clara e precisa, sem que para isso o OESP tenha
precisado recorrer a termos carregados de simbolismo.
A matéria veiculada pelo OESP em 22/09/06 tem como manchete: “Meta de
deputado é ‘destruir’ o MST”. O termo ‘destruir’ é muito forte e categórico. Segundo
Aurélio, destruir significa fazer desaparecer; extinguir; matar. O texto diz: “O
deputado Abelardo Lupion (PFL-PR) disse ontem que se dedicará no próximo
mandato, se reeleito, à tarefa de destruir o Movimento dos Sem-Terra (MST) e
outras entidades que, para ele, agem à margem da lei ”. (Grifo nosso)
48
Segundo a matéria, integrantes da Via Campesina, compostas por várias
entidades que defendem a reforma agrária acamparam próximo à entrada da
fazenda do deputado. Temos dois vieses, de um lado o MST que coloca sob
suspeição a compra feita pelo deputado da fazenda da multinacional Monsanto.
Além disso, acusa Lupion de uso de caixa 2 na campanha de 1998. Do outro, temos
um deputado preocupado com o acampamento dos sem-terra próximo a sua
fazenda, com as acusações e com o abaixo-assinado coletado pela Via Campesina
que seria entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional
solicitando que investigassem as denúncias, por eles formulados.
Nenhum dos fatos relatados na matéria justifica a violência contida na
expressão do deputado. Além disso, o próprio OESP dá voz ao deputado para que
ele se defenda das acusações da Via Campesina. Neste caso, o OESP demonstrou
a imparcialidade ao dar voz às partes envolvidas, no entanto, as palavras destruir, à
margem da lei reforçam a retórica utilizada pelo jornal na maioria das notícias
veiculadas sobre o MST, nesse período pesquisado.
A matéria de 26/09/2006 traz a seguinte chamada “Protesto de sem-terra
fecha estrada no Paraná”. O significado, segundo Aurélio, para o termo fechar : Pôr
algo apropriado para obstruir a entrada, a abertura, de, na posição adequada; cerrar.
Impedir o acesso a. Impedir o trânsito em; impedir, obstruir. etc. Já o verbete
interromper significa: Fazer parar por algum tempo; romper ou suspender a
continuidade de. Fazer cessar; destruir, extinguir. Estorvar, embaraçar; entrecortar;
etc.
A matéria apresenta o seguinte trecho:
“Cerca de cem integrantes da Via Campesina e do Movimento dos Sem-Terra (MST), que estão no assentamento Dorcelina Folador, interromperam ontem, por cerca de cinco horas, o tráfego na BR-369 entre Arapongas e Apucarana, no norte do Paraná”.
O primeiro parágrafo (conhecido também pelo meio jornalístico como lead),
segundo as normas jornalísticas, deveria conter as informações mais importantes,
no entanto, o motivo do protesto encontra-se no segundo e no quinto parágrafos.
Vejamos a seguir: segundo parágrafo:
O objetivo era fazer um protesto em frente à empresa brasileira de defensivos agrícolas Nortox. Segundo o MST a Nortox contribuiu com R$ 50 mil para a campanha do deputado federal Abelardo Lupion (PFL-PR), em 1998, 'com o objetivo de flexibilizar a utilização de agrotóxicos no Brasil.
49
No quinto parágrafo o texto diz:
“Os manifestantes disseram que também tinham a intenção de alertar para que seja investigado se a empresa cumpre as normas ambientais e de saúde dos trabalhadores”. ‘Eles nem sabem o que é isso’, respondeu o presidente da Nortox. 'É tudo gente mandada’.
Os termos proferidos pelo presidente da empresa Nortox significam, grosso
modo, chamar os manifestantes de ignorantes. Isso casa bem com o que Graziano
denominou de “beócios”. A constatação é que há uma identidade ideológica entre
Xico Graziano e o Presidente da Nortox. “É tudo gente mandada” – esta frase nos
reporta novamente ao termo que Graziano usou no artigo “Beócios agrários” –
12/09/2006: “subjugadas pelos lideres de araque”. Aqui se percebe a ligação dos
fatos, a relação estabelecida entre as personalidades contrárias às ações dos
movimentos sociais e à linha editorial do OESP.
Na mesma matéria, encontra-se o subtítulo: ‘Destruir o MST’. Neste item o
jornalista repete as mesmas informações veiculadas no jornal em 22/09/2006. O fato
em si não possui o apelo jornalístico que justifique requentar (repetir) a matéria já
veiculada, a não ser que o intuito seja de reforçar e difundir as ideias defendidas no
texto, de 22/09/06, “Beócios agrários”.
- Setembro de 2007:
A matéria de 02/09/07 traz a seguinte manchete: “Universidade cria curso de
direito só para sem-terra”. O termo só para sem-terra leva o leitor a imaginar uma
realidade que o próprio lead desmente ao dizer “(...) exclusivo para alunos oriundos
de assentamento de reforma agrária e de pequena agricultura”. Ora, se o jornal
estabelece dois grupos diferenciados que podem ter acesso ao curso de Direito a
ser ministrado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), por que usou na chamada
“só para sem-terra”? A análise empírica que fazemos nos possibilita afirmar que o
jogo de palavra serve para reforçar a ideia de que o governo, ao criar um curso para
assentados, privilegia o MST. Esse é o sentido da palavra “só e exclusivo”, ou seja,
criar um desconforto entre sociedade, governo e movimento.
O primeiro parágrafo da matéria ainda apresenta a seguinte informação, que
também desmente a manchete: “Da turma de 60 alunos, 39 têm origem nos
assentamentos do Movimento Sem-Terra (MST)”. E os outros 21 alunos são de
quais grupos? Da “pequena agricultura”? Afinal, o que o jornal quis dizer com
“pequena agricultura”? O fato de existir pequenos agricultores nos municípios
50
brasileiros não significa dizer ou afirmar que eles são originários do MST. O jornal
errou mais uma vez ao fazer afirmações categóricas com firme propósito de expor o
governo e o movimento ao julgamento negativo da sociedade.
No dia 7 de setembro de 2007, o editorial do OESP intitula-se “Bacharéis
sem-terra”. Aqui utilizaremos uma parte do conteúdo do editorial:
(...) Em tais cursos haveriam de entender o que é em nossa legislação, o esbulho possessório , por que é vedado por lei invadir e depredar a propriedade alheia, praticar vandalismo nas sedes das fazendas, colocar em cárcere privado empregados de propriedades rurais, matar animais de rebanhos, destruir mudas (em sociedade com bandos internacionais, do tipo “Via Campesina”) em laboratórios de evolução genética para aperfeiçoamento da produção rural, ocupar rodovias tolhendo o direito de ir-e-vir dos cidadãos, saquear caminhões e supermercados para roubar alimentos, destruir e saquear cabinas de pedágio e (ultimamente) invadir faculdades como as que vão cursar Enfim, esses jovens emessetistas, muito haveriam de aprender sobre o que prescreve nosso ordenamento jurídico, no tocante a atividades que o MST tem desenvolvido – e que devem achar “normais”, por terem sido criados em meio ao generalizado desrespeito aos direitos alheios. (Grifos nossos).
A maioria dos termos aqui utilizados já foi devidamente traduzida nos
parágrafos anteriores, portanto, apontaremos os significados dos que surgiram nesta
matéria. Afinal, o leitor escolado ou mediano saberia o significado do termo “esbulho
possessório”? Bem, para sabermos o que significa, recorremos ao site
www.direito2.com.br que diz:
“O esbulho possessório é a retirada violenta de um bem (imóvel residencial, comercial ou rural) da esfera da posse do legítimo possuidor. Implica o crime de usurpação tipificado quando alguém invade com violência à pessoa, grave ameaça ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio”.
Segundo o dicionário eletrônico Wikipedia, cárcere privado 6 consta no
capítulo dos crimes contra a liberdade individual do Código Penal Brasileiro, art.148.
Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado.
Segundo o Aurélio, os termos: depredar é o mesmo que assolar, devastar,
roubar, saquear; vandalismo é ação própria de vândalo, que quer dizer destruidor
de monumentos; que nada respeita; saquear significa despojar com violência,
roubar, furtar. Para o termo roubar , o Aurélio atribui as acepções: tomar (objeto ou
coisa móvel) da posse de alguém, mediante ameça ou violência; tirar bens, dinheiro
ou valores da posse de (alguém), etc.
6 Disponível em http://pt.wikipedia.org. Acesso em: 7 maio 09, às 19h.
51
A maioria das expressões utilizadas pelo OESP tem conotação ideológica,
principalmente ao utilizá-las em defesa explícita dos proprietários rurais. Com isso o
jornal assume publicamente a identidade social a qual está atrelado. Para isso usa o
Direito para mostrar à população que os atos do movimento são ilegais.
Prosseguindo a análise, temos um artigo, de 17/09/2007: O governo, o PT e a
propriedade, assinado pelo professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), Denis Lerrer Rosenfield. O texto faz críticas às posições
adotadas pelo Partido dos Trabalhadores no seu congresso. Mas a principal
preocupação do filósofo é em relação às declarações de líderes partidários que,
segundo ele, defendem em documento que o “partido deveria se reaproximar dos
movimentos sociais”. O autor diz no quinto parágrafo:
Os movimentos sociais, juntamente com a maior parte das tendências petistas, estão empreendendo um forte processo de relativização da propriedade privada. Enquanto a atenção está centrada no mercado financeiro, eles se movem resolutamente em ações que visam a desrespeitar a propriedade e os contratos, fazendo valer as sua posições anti-capitalistas, enfraquecendo as instituições representativas. (Grifos nossos)
As afirmações do filósofo são bem contundentes para aqueles que, como ele,
defendem a permanência do status quo. Mas torna-se vazia quando se contesta as
afirmações, por exemplo, de onde ele tirou que a maior parte das tendências
petistas está relativizando a propriedade privada? Será que tal afirmação tem como
base o apoio que o partido dá às lutas do MST? Isso não é relativizar propriedade
privada. Os movimentos sociais sempre foram parceiros do PT e vice-versa.
Portanto, a afirmação em si não se sustenta. Afinal, quais são as “instituições
representativas” que o filósofo faz questão de defender, mas que não estão
evidenciadas para o leitor?
No sexto parágrafo, o autor aponta como relativização da propriedade
privada, em suas funções sociais, se manifesta de forma mais clara pelas
“ações violentas do MST” ; raciais – pelas “ações dos quilombolas”; indígena – pela “proliferação inaudita de demarcações do território nacional” e ambiental. Segundo o autor, a “função ambiental da propriedade está sendo desvirtuada” e “ostentada pelo MST e pela Via Campesina”, que emprega ações de destruição de propriedade . (Grifos nossos)
O artigo tenta confundir o leitor com um ponto de vista específico sobre a
questão e não apresenta nada que comprove as afirmações acerca do PT e da
relativização de propriedade privada. O que ele mostra é a total aversão a qualquer
52
tipo de movimento, principalmente os elencados pelo próprio professor, que luta
para concretizar seus direitos. Ao citar o governo, o professor/filósofo não se
manifestou ou questionou a aplicação de recursos em programas governamentais
que atendam às demandas dos movimentos sociais.
Ao mencionar a propriedade, o filósofo sequer lembrou que a luta pela terra,
que os problemas de ordem social, econômico, político e cultural têm origem na
herança histórica deixada pelo processo de colonização do Brasil. Não disse que tal
processo privilegiou grandes concentrações de terra e de renda e como
consequência agravou o grau de exclusão e de injustiça social.
Neste caso, mais uma vez o OESP se vale da voz do outro, ou seja, utiliza-se
de argumentos de autoridades (especialista) para reafirmar posições antagônicas às
defendidas pelos movimentos sociais.
O artigo a seguir contém praticamente os mesmos argumentos adotados no
texto anterior. É datado de 18/09/2007 com a chamada: “Conservadores de
esquerda”. Foi veiculado na página B2 – Economia – Artigo. O autor é o articulista
Celso Ming. A primeira pergunta é o que os conservadores de esquerda têm a ver
com um artigo veiculado no caderno de economia, mas o engano é desfeito na
primeira linha do primeiro parágrafo, que diz:
O Movimento dos Sem-Terra (MST), os movimentos sociais que agem em
defesa dos negros e o próprio Partido dos Trabalhadores (PT) são forças
conservadoras que fazem reivindicações que, em última análise, são
conservadoras. São incapazes de transformar a sociedade que pretendem
transforma.
Segundo Ming, essa foi a conclusão do sociólogo José de Souza Martins que
participou do 4º Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas.
Percebemos que fragmentos da palestra do sociólogo foram retirados e
colocados no texto, seguindo o contexto que o articulista quis dar ao assunto. Ming
credita ao PT e aos movimentos sociais os fracassos dos avanços pretendidos para
a transformação da realidade que se quer transformar, no entanto, no quarto
parágrafo o autor diz: “O argumento central da exposição do professor Martins foi o
de que nem as elites nem o Estado apresentaram até agora soluções responsáveis
para as populações que ficaram à margem da história do País”. O que fica claro é
que professor Martins atribuiu responsabilidade pelo insucesso nas áreas sociais ao
53
PT, ao movimento social, às elites e ao Estado. E não apenas aos dois primeiros
segmentos, conforme atesta Ming no início do artigo.
No quinto parágrafo, não se sabe se o argumento é do articulista ou do
palestrante citado. “Essa gente reivindica agora ‘políticas compensatórias que
descambam para ações sociais assistencialistas que desfiguram as orientações
sociais baseadas na concorrência e na competição”. “Essa gente”, segundo o texto,
refere-se aos negros, mestiços e indígenas. Essa forma de tratamento usada
demonstra o desprezo que ambos têm por aqueles que eles mesmos designaram de
“à margem da história do País”. No lugar do termo utilizado podia-se dizer ‘os
excluídos’ ou ‘essa parcela da população’. No entanto, essas palavras não
combinam com o sentido pejorativo que se quis dar ao grupo referenciado. “As
ações assistencialistas” é a crítica que tanto o sociólogo-palestrante quanto o autor
do artigo fazem às políticas de inclusão social adotadas pelo governo do PT.
Os últimos três parágrafos do artigo (que não deixam saber quando começa o
texto do articulista e nem a fala do sociólogo; ambas são iguais, por isso não se
consegue fazer distinção) contêm críticas veladas ao PT, ao governo e ao
presidente Lula. Portanto, é admissível apontar que as afirmações utilizadas pelo
sociólogo Martins servem de base para reforçar os argumentos usados pelo
articulista do OESP. Além disso, os argumentos são frutos das ideologias que
sustentam as desigualdades sociais e subalternizam os excluídos.
- Setembro de 2008:
Matéria veiculada em 29/09/2008 apresenta a seguinte chamada: “PMs do
massacre de Eldorado dos Carajás ganham promoção”. Mais abaixo, o subtítulo é:
“Governadora, que é do PT, promove a cabo 80 soldados que participaram do
episódio”. A pergunta que os eleitores/leitores fazem é como um governo do PT
promove a cabo os PMs que assassinaram trabalhadores sem-terra no município de
Eldorado do Carajás? Aqui vemos que a manchete e o subtítulo foram escolhidos
com intuito de colocar não só o MST, mas toda a comunidade contra a governadora.
A associação que os eleitores/leitores fazem entre PT e MST leva o jornal a mexer
com o imaginário popular ao veicular esse tipo de matéria. A matéria foi veiculada
cinco dias antes da realização do primeiro turno das eleições municipais. Isso
também demonstra que ao noticiar a decisão do governo do Pará, o OESP teve o
54
objetivo claro de influenciar os eleitores a não optarem pelos candidatos do mesmo
partido de um governo que privilegia participantes de massacre de trabalhadores.
As aspas estão presentes em praticamente todo o texto, com a intenção
explícita de reforçar o discurso negativo contrário às ações dos petistas envolvidos
com a promoção dos PMs. Além das aspas, os verbos (receber, promover, avaliar,
observar, dizer, tornar-se) são utilizados propositadamente, de forma a dar ao texto
uma conotação que atenda às intenções de quem o produziu, induzindo o leitor a
analisar o contexto de acordo com o viés adotado pelo jornalista.
Na segunda matéria “Assentamentos lideram desmate”, veiculada em
30/09/2008, o texto desmente a manchete. Vejamos.
Oito assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra) na Amazônia estão na lista dos cem maiores desmatadores
do País, de acordo com informações do Ministério do Meio Ambiente.
Desses, todos localizados em Mato Grosso, seis encabeçam a relação dos
que mais feriram a floresta, um está em 40º lugar e o outro em 44º .
A matéria traz a informação de que os assentamentos do Incra foram
responsáveis por 44% do desmatamento, enquanto que as áreas particulares
foram responsáveis por 56%. (Grifos nossos)
Ao avaliar os números apresentados fica uma dúvida sobre o critério utilizado
pelo jornalista. Afinal quem são os que ocupam do 1º ao 39º lugar? Por que o jornal
omitiu essa informação e pulou do primeiro para o 40º e 44º? É por que nessas
posições encontram-se os assentamentos? Outro ponto “confuso” é como quem
desmata 44% lidera e aqueles que desmatam 56% não lideram ?
A matéria procura colocar os assentados como vilões da história do
desmatamento na Amazônia. Para os eleitores/leitores que não têm conhecimento
que Mato Grosso é um dos maiores produtores de soja do Brasil e que o
agronegócio avança em todo país, vão acreditar no contexto apresentado pelo
OESP. Vemos que mais uma vez jornal e jornalista se prestam a desempenhar
papel não recomendável para a produção de assuntos de interesse da população.
A quem interessa uma matéria repleta de incorreções e ocultamento de
informações? Serve para instigar de forma negativa a discussão da reforma agrária.
O jornal deliberadamente presta desserviço à nação ao noticiar de forma
‘equivocada’ a discussão sobre o desmatamento. O propósito do OESP é colocar
55
mais uma pecha aos sem-terra (além dos muitos elencados desde o início da
análise), ou seja, a de “destruidores do meio ambiente”.
56
4 Considerações finais
“Além da significação explícita, existe toda uma gama de
significações implícitas, muito mais sutis, diretamente ligadas à intencionalidade do produtor”. ( KOCH, 2002).
Um ponto importante da pesquisa relaciona-se ao período pesquisado, isto
é, o mês de setembro dos anos de 2006, 2007 e 2008. O período – setembro de
2006 e 2008 antecede o processo eleitoral no Brasil. Pode-se afirmar que os
motivos que levaram o MST a ocupar as páginas do jornal tantas vezes em
setembro de 2006 foram o componente ideológico-eleitoral, ou seja, OESP tentou
influenciar no processo eleitoral daquele ano, fato não verificado em 2008, que
também foi um ano eleitoral. A explicação para isso reside no fato de que a eleição
de 2008 foi municipal, enquanto que a de 2006 foi nacional.
Em setembro de 2007 as inserções podem ser consideradas normais em
virtude da disparidade ocorrida em anos eleitorais. Tais fatos nos permitem sustentar
que há maior número de matérias relacionadas ao movimento em disputa eleitoral
nacional, mas permitem também afirmar que a visibilidade do MST ocorre sempre
quando desencadeia ações contrárias daquelas defendidas pelas elites.
A análise empreendida nos indica também que o OESP procura dar o sentido
de pluralidade de idéias sobre o assunto pautado. No entanto, o fato de o jornal
“consultar” o MST para produzir uma determinada matéria não significa objetividade
ou neutralidade. Não basta aspas e diversidades de fontes para dar caráter de
objetividade ao assunto, mas, antes de tudo, expor ao leitor a realidade dos fatos e
isso não se verificou em nenhuma das matérias veiculadas.
Além de não ser isento, percebemos também que, na maioria das matérias,
os que falam recorrem a termos extravagantes e exacerbados, como por exemplo,
“invasão”, “saquear”, “depredar”, etc, para chamar atenção do público para o tema
que os preocupam. Com isso pode-se inferir que as vozes que falam servem apenas
para compor o discurso do texto jornalístico.
A linha adotada pelo jornal O Estado de S. Paulo, ao cobrir as ações
desencadeadas pelo MST na luta pela terra, levanta questionamentos acerca da
ausência dos fundamentos balizadores do jornalismo, como a imparcialidade e a
isenção.
57
Isso se explica pelo fato de a representação ideológica do OESP não coincidir
com a defendida pelo MST. O que nos leva a afirmar que existe, sim, um viés
ideológico do jornal. Essa afirmação é comprovada pelo uso recorrente de termos
que expressam significados e simbologias negativas. Com isso, o jornal com ou
sem intenção, direta ou indiretamente, contribui, por meio da estratégia de
comunicação previamente escolhida, com a manutenção do status quo, ou seja,
determina por meio do discurso utilizado as relações sociais estabelecidas.
O histórico da matérias analisadas deixa claro que o jornal trata a questão da
luta pela terra como caso de polícia e não como uma questão social. Pelos léxicos
escolhidos, percebe-se que o OESP trata as ações do MST como criminosas. Em
nenhum momento a questão agrária foi tratada no texto e nem que as ações do MST
são o resultado da concentração de terra e da ausência de políticas para esse setor.
A seleção de verbos – roubar, matar, saquear, depredar, invadir, destruir ,
entre outros – tem forte significado e não está no texto por acaso. A opção por cada
um deles se explica pelo sentido que possuem. Portanto, é lícito afirmar que o
léxico criminaliza, desmoraliza, desqualifica e deslegitima o MST a partir da prática
discursiva adotada. Ou seja, os recursos de natureza léxica utilizados cumprem os
propósitos comunicativos defendidos pelo jornal e atende às necessidades de
transformações de ordem social a partir da ideologia do grupo dominante, com o
qual o OESP tem identidade social. Os sentidos produzidos a partir dos dizeres
elaborados pelo jornal O Estado de S. Paulo resulta da ideologia defendida e
sustentado pelo próprio jornal.
Um dos pressupostos que norteiam os meios de comunicação de massa diz
que estes exercem importante papel na vida da população ao divulgar assuntos de
interesse público. Neste sentido, cabe referenciar Nelson Traquina (2000) quando
diz: “Em democracia, é imperativo eliminar os constrangimentos que bloqueiam o
fluxo e garantir o direito constitucional do acesso à informação”.
Assim, este estudo, ao buscar a compreensão das estratégias discursivas
empregadas pelo OESP, como forma de caracterizá-lo como um jornal de posições
claras e de identidade com as elites brasileiras, procura abrir possibilidades para
novas pesquisas sobre esse tema, uma vez que a academia requer novos olhares
para essa questão.
58
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