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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE CONSELHEIROS NACIONAIS BENILDES MARIA RODRIGUES SANTOS MÍDIA E MOVIMENTOS SOCIAIS: ESTUDO A PARTIR DE ANÁLISE DE DISCURSO DO JORNAL O ESTADO DE S. PAULO SOBRE O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST). BRASÍLIA – DF 2010

Benildes Maria Rodrigues Santos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE CONSELHEIROS NACIONAIS

BENILDES MARIA RODRIGUES SANTOS

MÍDIA E MOVIMENTOS SOCIAIS: ESTUDO A PARTIR DE ANÁL ISE

DE DISCURSO DO JORNAL O ESTADO DE S. PAULO SOBRE O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST).

BRASÍLIA – DF

2010

BENILDES MARIA RODRIGUES SANTOS

MÍDIA E MOVIMENTOS SOCIAIS: ESTUDO A PARTIR DE ANÁL ISE DE DISCURSO DO JORNAL O ESTADO DE S. PAULO SOBRE O

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST).

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Especialização em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção de grau de Especialista em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais.

ORIENTADOR: MÁRCIO SIMEONE HENRIQUES

BRASÍLIA – DF 2010

Dedico este trabalho aos meus pais (in memorian): Maria Rodrigues dos Santos e Nilo Conceição dos Santos. Dedico também a toda a minha família – base forte do meu ser, em especial ao meu companheiro, William Pereira , pela paciência e compreensão.

Agradecimentos

A Deus por nos ter dado forças para chegar ao fim de mais esta

caminhada.

Ao nosso orientador Márcio Simeone Henriques pela confiança

dispensada.

Ao nosso amigo e jornalista José Carlos Torves por suas orientações e

sugestões.

Ao colega de trabalho Lucinei Cupertino pelo suporte na área de

informática.

Aos amigos jornalistas Beth Costa, Álvaro Marinho e Sérgio Murillo de

Andrade que nos incentivaram em mais essa jornada.

À minha amiga cuiabana Silvia de Melo Castro pelo carinho dedicado.

Ao conjunto de professores da UFMG com os quais tive prazer de partilhar

saber e conhecimento.

Aos membros da banca examinadora por terem aceitado analisar este

trabalho.

Por fim, e em especial, a toda a minha família, que mesmo longe torceu

para que tudo desse certo. Essa torcida foi o balizador do meu desempenho.

Resumo

O Brasil viveu sob o jugo de regimes autoritários (1964-1985) que cerceavam a

liberdade de expressão da maioria da população. Nesse período, alguns jornais

serviram de resistência ao estado de exceção implantado no país e dentre eles, o

jornal O Estado de S. Paulo. Com a redemocratização no final dos anos 80, início

dos anos 90, o governo brasileiro faz as pazes com a população ao restabelecer o

processo democrático, dando total liberdade de imprensa e de expressão. A

importância dos meios de comunicação de massa na divulgação de assuntos de

interesse público associada à relevância social que o tema representa é que nos

impulsionou a mostrar, por meio de pesquisa, a relação estabelecida entre a mídia

impressa – jornal O Estado de S. Paulo – com o movimento social, precisamente

com o MST. Assim, o objetivo da pesquisa é analisar o discurso empregado pelo

jornal O Estado de S. Paulo (OESP) ao noticiar ações do Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Além disso, este estudo pretende analisar

se ao dar visibilidade a essas ações, o jornal o faz levando em consideração o

problema que gera tais ações, isto é, a ausência da Reforma Agrária, assunto de

grande relevância para a sociedade brasileira. A pesquisa pretende discutir a

contribuição do discurso empregado pelo jornal no avanço da discussão sobre a

questão agrária ou cumpre uma função ideológica que serve de retórica para

criminar, desmoralizar, desqualificar e deslegitimar o MST e manter o status quo

(discurso ideológico dominante).

Palavras-chave: MST. Movimentos Sociais. Reforma Agrária. Jornal O Estado de S.

Paulo.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 09

2 CONTEXTO ............................................................................................................ .. 12

2.1 Jornalismo e democracia...................................................................................... 12

2.2 Movimentos Sociais no Brasil e o surgimento do MST......................................... 16

2.3 O MST e a luta pela terra...................................................................................... 19

3 ANÁLISE .................................................................................................................... 23

3.1 Breve histórico do jornal O Estado de S.Paulo.................................................... . 24

3.1.2 Análise quantitativa do OESP............................................................................ 27

3.2.1Introdução à análise de discurso......................................................................... 36

3.2.2 Breves noções de discurso, ideologia e análise de discurso........................... .. 39

3.2.3 Análise do discurso do OESP.......................................................................... .. 40

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 56

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... ... 58

6 ANEXOS ................................................................................................................ .... 61

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1 INTRODUÇÃO

“Tolo é aquele que nunca lê um jornal; ainda mais tolo é aquele que acredita no que

lê só porque está escrito no jornal”. (August Von Schlözer, historiador e jornalista alemão)

O Brasil está entre as nações em que há grande exclusão social e

concentração de riqueza e poder. Democracia substantiva1 e cidadania política,

econômica e social estão inacessíveis para a maioria da população brasileira. A

transformação dessa herança para a construção de uma alternativa de democracia e

cidadania, com um modelo de participação e de inclusão do conjunto dos brasileiros

na possibilidade de uma vida digna, constitui-se em grande tarefa para a sociedade

brasileira.

Dentro do contexto excludente do País está a ausência da Reforma Agrária. A

colonização baseada na produção agrícola para exportação praticada em latifúndios

monocultores, utilizando-se de mão de obra escrava e, ainda, na exploração mineral

é responsável pela desigualdade e pela concentração de terra verificada no Brasil.

Reformas na estrutura de produção e redistribuição da propriedade rural são

urgentes e necessários. Nesse sentido, os movimentos que reivindicam tais

mudanças lutam pela democratização do acesso a terra. O Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) é um desses atores sociais que procura

despertar o governo e a população para essa questão.

Algumas propostas jornalísticas buscam ser mais incisivas na execução do

papel de reforço da cidadania e do aprimoramento do debate e da vida pública

(Traquina, 2000), de forma a envolver cidadãos – jornalistas e leitores comuns, em

diálogos que levem à resolução de problemas.

No entanto, Rousiley C. M. Maia (2008) afirma que os meios de comunicação

não disponibilizam espaços iguais a todos e por isso muitos atores sociais não

divulgam as causas defendidas por eles. Ela diz que o espaço é restrito, sofre

pressão por parte dos anunciantes e segue regras impessoais do mercado.

1 Em entrevista ao Observatório da Imprensa, em 22/10/2005, a professora da Universidade de São Paulo (USP), Marilena Chauí, diz: Uma democracia substantiva é aquela que se dedica à criação de direitos, que cria e assegura direitos. Ou seja, a democracia substantiva é aquela que cria a cidadania econômica, social, cultural e política. Ora, a condição sine qua non de uma democracia substantiva é o direito à informação. Não só o direito de receber a informação, mas o direito de produzir a informação e de divulgar a informação.

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Outro ponto apresentado pela autora diz respeito à fragilidade de organização

dos atores sociais, bem como a ausência de recursos financeiros e logísticos que

possibilitem negociar com os agentes da mídia e assim, ver suas ações veiculadas

pelos meios de comunicação. “Os chamados públicos fracos, não tendo acesso

regular ao campo jornalístico, precisam, como diz Traquina, ‘fazer notícia’, mediante

produção de fatos noticiosos, passeatas e demonstrações públicas”. (GOMES;

MAIA, 2008, p. 181).

Maia diz que mesmo sofrendo restrições de acesso aos meios de

comunicação, esses atores “podem ser capazes de interferir no embate

argumentativo e no intercâmbio de razões feito em público”.

É importante ressaltar que os grupos organizados que compõem a sociedade

civil possuem pauta reivindicatória voltada aos problemas sociais, de interesse

público e que podem inverter prioridades a partir de apresentação de projeto de

políticas públicas alternativas e viáveis. Ou seja, além de exercer pressão, os

movimentos cívicos podem apresentar os problemas e as soluções àqueles que

detêm o poder político para a tomada de decisão.

Assim, a questão agrária, o MST e o discurso jornalístico do jornal O Estado

de S. Paulo sobre essa temática é objeto da nossa pesquisa. Ou seja, a pesquisa

pretende analisar o discurso empregado pelo jornal ao cobrir as ações do

movimento.

A pesquisa dar-se-á a partir da identificação de termos empregados pela

mídia impressa – no caso, o OESP – para dar aceitabilidade e credibilidade ao fato

noticiado por meio das marcas discursivas verbais por ela utilizadas. Analisaremos

também os recursos linguísticos por meio das expressões e termos empregados

pelo jornal.

A pesquisa pretende também, discutir o discurso empregado pelo OESP na

contribuição da discussão sobre a questão agrária ou serve de retórica para

criminar, desmoralizar, deslegitimar e de desqualificar a atuação política do MST na

luta pela terra, a partir do viés adotado pelo jornal O Estado de S. Paulo na

cobertura das ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.

Para chegar a essa compreensão utilizamos o estudo produzido por Capelato

e Prado (1980) sobre o jornal O Estado de S. Paulo. As autoras buscaram o OESP

como fonte de estudo e análise crítica. Segundo elas, a escolha de um jornal para

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estudo passa fundamentalmente por entender que tal veículo serve como

instrumento de “manipulação de interesse e de intervenção na vida social; nega-se,

pois, aqui, aquelas perspectivas que a tomam como mero “veículo de informação”,

transmissor imparcial e neutro dos acontecimentos...”. Buscamos no trabalho de

Maria Aparecida Aquino (1999) sobre a censura sofrida pelo jornal O Estado de S.

Paulo, o entendimento acerca do processo vivido e o pensamento do jornal em

regime de exceção. Baseamos nas contribuições de João Bosco Bonfim (2002) que

enfoca o discurso da mídia sobre a questão da fome.

Utilizamos as ideias defendidas pelos estudiosos da Análise de Discurso,

como Fairclough (2001) diz que a análise de um discurso, como exemplo de prática

discursiva, tem como foco “os processos de produção, de distribuição e de consumo

textual”. Esses processos, de acordo com Fairclough, são sociais e se dão em

âmbito econômico, político e institucionais nos quais são gerados. E, Orlandi (2007)

diz que análise de discurso não trata da língua ou da gramática especificamente, ela

trata do discurso. Para a autora, o discurso dá a idéia de curso, de percurso, de

movimento. Para Orlandi mesmo as palavras usadas cotidianamente já carregam

consigo sentidos que não se sabe como foram constituídos, no entanto, de acordo

com a autora, “significam em nós e para nós”.

Baseamos nas considerações sobre o discurso defendido por Foucault, e a

questão da linguagem, elaborada por Bakhtin. Tais considerações serão utilizadas

para identificar aspectos ideológicos; a estratégia organizativa do texto; o enunciado;

o léxico e a representação que devem permitir o reconhecimento das

representações ou os efeitos discursivos produzidos pelo OESP.

Portanto, esta pesquisa busca instituir o jornal O Estado de S. Paulo como

fonte de análise, em virtude a importância política do jornal nos períodos históricos

vividos pelo Brasil.

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2 CONTEXTO

2.1 Jornalismo e democracia

No contexto da democracia, é importante referenciar Jean Jacques Rousseau

(século XVIII), que dizia que a soberania se resume na vontade absoluta do povo.

Além de Rousseau, a teoria democrática também nos apresentou Alexis

Tocqueville, para quem a democracia consistia no impulso irresistível da igualdade

que levaria ao nivelamento das condições, mas considerou que esse processo

requereria das nações diversidades de caminhos até a sua construção.

Max Weber (1978 apud SANTOS; AVRITZER, 2002) será o teórico que

colocará no interior do debate a questão sobre a inevitabilidade da perda de controle

sobre o processo de decisão política e econômica pelos cidadãos e seu gradual

controle pela esfera burocrática. O motivo principal pelo qual a concepção de

Rousseau não prevaleceu, reside, fundamentalmente, na emergência de formas

complexas de administração estatal que levaram à consolidação de burocracias

especializadas na maior parte das esferas geridas pelo Estado na modernidade.

Essa discussão encontra-se no contexto das origens da formação histórica de

nossa sociedade que vive e convive com um país marcado por grandes contrastes e

desigualdades.

A partir da constituição de 1988, houve democratização dos espaços

sociopolíticos. Diversos atores, entre eles os movimentos sociais, propuseram

alterações e mudanças na Carta Magna, como forma de ampliação da participação

popular. Pode-se dizer que foi importante, pois a organização, mobilização e a

articulação fizeram valer as reivindicações históricas da maioria da população

brasileira – democratizar os espaços de participação. Isso tudo a partir de

delegação, ou seja, por meio dos representantes eleitos democraticamente. No

entanto, essas mudanças não alteraram a correlação de forças, nem arrefeceram a

luta de classes e nem diminuíram a desigualdade.

Nesse contexto, é importante referenciar Leonardo Avritzer (1996), que nos

apresenta o “elitismo democrático” como todas as concepções de democracia que

operam com dois elementos: a redução do conceito de soberania ao processo

eleitoral e a justificação da racionalidade política enquanto decorrente da presença

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de elites políticas em nível de governo. Avritzer, ao fazer análise acerca do “elitismo

democrático”, a partir das perspectivas dos teóricos Weber e Schumpeter, aponta a

tentativa de ambos os autores justificarem o estreitamento da prática democrática,

tendo em vista o próprio objetivo da consolidação da democracia.

Portanto, segundo Avritzer, é possível inferir que no elitismo democrático não

existe soberania popular plena, ou seja, ele restringe a nocão de soberania absoluta

do povo, idealizada por Rousseau, a mero poder de voto.

Isso reporta também para o que Paulo Freire denominou de inexperiência

democrática, ou seja, o fato de historicamente a sociedade brasileira, ao mesmo

tempo, conferir poder às classes dominantes e se submeter a elas.

“Na verdade, no ajustamento, o homem não dialoga. Não participa. Pelo contrário, se acomoda a determinações que se superpõem a ele. As disposições mentais que criamos nestas circunstâncias foram assim disposições mentais rigidamente autoritárias. Acríticas”. (FREIRE, 2001, p.82).

Apesar de tudo isso, não significa aceitar a condição de limitação da

experiência, não representa imobilidade diante de tais fatos e dificuldades, nem

tampouco negar a sua existência, mas lembrar que tal processo se elabora a partir

do indivíduo e este precisa despertar para o sentido real da história da

transformação, ou seja, cada um tem que ser o autor da própria história, a partir de

uma construção coletiva. Lembrar sempre que os processos democráticos existem e

são passíveis de serem revistos, no sentido de se tornarem cada vez mais

inclusivos, respeitando as diferenças e a pluralidade de idéias.

Nesse contexto destaca-se o papel da imprensa na construção da

democracia brasileira. A luta pelo direito à informação e pela liberdade de expressão

está presente nos 200 anos de trajetória da imprensa no Brasil. Quer seja no

período em que o país foi colônia de Portugal, ou mesmo no Brasil Império, da

República Velha ao Estado Novo, passando pela ditadura militar de 1964-1985 ou

no momento da redemocratização. Naqueles tempos e até hoje, a imprensa exerce

papel preponderante no combate ao cerceamento da liberdade de expressão.

Mas um dos períodos cruciais para a liberdade de expressão e de imprensa

no Brasil foi o de 1964-1985, em que predominaram a intolerância, as mortes e as

torturas àqueles que se opunham ao regime.

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O professor Nilton Melo Almeida2 mostra que, nessa época, profissionais e

proprietários de jornais foram presos, torturados e assassinados. Outros foram

censurados e proibidos de exercer a profissão.

Para Marconi (1980 apud ALMEIDA), os órgãos de comunicação (inclusive o

Estadão) que ousaram se rebelar contra as vergonhosas proibições escritas e

telefônicas tiveram de suportar, por longo tempo, a indesejável presença de

policiais-censores a lerem, nas redações ou oficinas gráficas, todos os originais

produzidos pelos jornalistas. Eles determinavam o que os milhões de brasileiros

poderiam ou não tomar conhecimento.

A conquista da liberdade de expressão e da imprensa almejada, em período

de Estado de exceção vivido pela sociedade e pela mídia brasileiras, possibilitou a

criação, nos meios de comunicação, de um espaço de visibilidade de ação,

discussão e reflexão acerca de temas de interesses da sociedade. No entanto,

segundo Rousiley C. M. Maia, a perspectiva da democracia pluralista apresenta

dificuldades em se desenvolver, uma vez que ainda há restrições de acesso de

atores sociais aos canais da mídia. Nesse sentido, a autora diz:

Quando falham as condições para um acesso equilibrado à arena de discussão, a perspectiva do pluralismo não consegue ir muito além da conclusão estabelecida pelas teorias afeitas ao elitismo democrático. O jogo da política acaba por ficar restrito àqueles que já dispõem de recursos políticos para se fazer ouvir na esfera pública ou interferir nas instâncias formais da política. (MAIA, 2008, p. 175).

Para melhor entendimento acerca da argumentação da autora, cabe aqui um

breve recorte para apresentar o significado de esfera pública. Para Jürgen

Habermas (apud SANTOS; AVRITZER, 2002), a esfera pública constitui um local

onde os indivíduos – entre eles, mulheres, negros, trabalhadores, minorias raciais –

podem problematizar em público uma condição de desigualdade na esfera privada.

Apreende-se, a partir dessa definição, que esfera pública defendida por

Habermas é um espaço discursivo e dialógico, um espaço onde predomina a

participação da sociedade, ou seja, um espaço de organização societária cidadã.

Atualmente não encontramos uma esfera pública como a descrita no século

XVIII, preconizada inicialmente por Habermas. Porém, isso não significa

impedimento à construção de uma efetiva esfera pública democrática. Uma das

missões da sociedade civil é lutar e criar as condições materiais para o

2 Artigo disponível em: <http://www.fnpj.org.br/downloads/Nilton%20censura.doc>.

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funcionamento de uma esfera pública plural e com novos canais de democracia

direta.

Rousiley Maia aponta o pluralismo das sociedades modernas como caminho

para se conquistar a melhor distribuição de responsabilidade (custo e risco) entre os

agentes oficiais e extraoficiais do sistema político. Maia acredita que, dessa forma,

“um ambiente informativo policêntrico, plural e controverso” pode ser criado.

Para Maia, a não igualdade nos espaços comunicativos leva à não divulgação

das ações do movimento civil. Além disso, ela aponta a fragilidade de organização

dos atores sociais, em não contarem com recursos financeiros e logísticos os

impossibilitam negociar com os agentes da mídia. “Os chamados públicos fracos,

não tendo acesso regular ao campo jornalístico, precisam, como diz Traquina ‘fazer

notícia’ mediante produção de fatos noticiosos, passeatas e demonstrações

públicas”. (Ibid., p. 181).

É importante ressaltar que os grupos organizados mesmo não tendo espaços

nos meios comunicativos, possuem pauta reivindicatória voltada aos problemas

sociais, de interesse público e que podem inverter prioridades a partir de

apresentação de projeto de políticas públicas alternativas e viáveis. Ou seja, além de

exercer pressão, os movimentos cívicos podem apresentar os problemas e as

soluções àqueles que detêm o poder político para a tomada de decisão.

A existência de dois mundos (dos incluídos e dos excluídos) leva à busca de

um projeto de mudança que vise não apenas ao acesso à informação, mas à

superação das desigualdades em suas várias dimensões. A democracia requer a

eliminação de qualquer tipo de exclusão e de injustiça social.

Assim, pensar em projeto de mudança pressupõe a superação das

desigualdades, da discriminação. Para dar certo, é necessário avançar na

construção de políticas de inclusão social de caráter estruturante e emancipador. É

necessário continuar investindo na construção da democracia participativa e no

controle social do Estado, tendo como objetivo principal a dignidade do cidadão.

O grande desafio que se impõe aos meios de comunicação na atualidade é a

democratização do acesso à mídia e à informação. É imprescindível a mobilização

do conjunto da sociedade para a transformação dessa realidade.

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2.2 Movimentos sociais no Brasil e o surgimento do MST

Os problemas de ordem social, econômica, política e cultural têm origem na

herança histórica deixada pelo processo de colonização do Brasil. Para Sérgio

Buarque de Holanda (1995), a conformação do Brasil atual tem uma relação

intrínseca com as origens (coloniais) da sociedade brasileira.

O modelo de desenvolvimento ao qual o Brasil foi submetido gera a divisão

do trabalho, e o homem não tem acesso aos meios de produção. Há o predomínio

da exclusão econômica e social e como consequência, o aumento da injustiça

social. Tal discrepância, produzida pelo acúmulo e concentração capitalista, perdura

nos momentos atuais e desencadeia desigualdade brutal em todo o mundo.

A forma de colonização fez nascer no interior da sociedade brasileira o desejo

de se libertar da dominação e exploração. Um dos primeiros movimentos do século

XIX a se rebelar foi o sindicalismo brasileiro. O objetivo principal desse movimento

era a conquista dos direitos fundamentais do trabalho. Em 1858, ocorreu a primeira

greve3 da classe trabalhadora no Brasil, como forma elementar e indispensável de

luta contra as injustiças patronais. Com o movimento dos tipógrafos, as greves

expandiram-se para as outras categorias.

No contexto dos anos 60 e 70, Maria da Glória Gohn (2003), aponta para os

novos tempos inaugurados nesse período, em que militantes de lutas sociais,

acuados pela conjuntura política do país, fizeram articulações, fundaram

organizações, lideraram movimentos, ou seja, o momento político fez aflorar as lutas

sociais em virtude da insatisfação provocada pela ação política do período. As ações

coletivas que ocorreram no Brasil, nesse período, foram estimuladas pela vontade

de mudança:

(...) pelos anseios de redemocratização do país, pela crença no poder quase que mágico da participação popular, pelo desejo de democratização dos órgãos, das coisas e das causas públicas, pela vontade de construir algo a partir de ações que envolviam os interesses imediatos dos indivíduos e grupos. Os movimentos sociais, populares ou não, expressaram a construção de um novo paradigma de ação social, fundado no desejo de se ter uma sociedade diferente, sem discriminações, exclusões ou segmentações (GOHN, 2003, p. 203).

3 A primeira greve ocorrida no Brasil foi organizada pelos tipógrafos do Rio de Janeiro que, além de se rebelarem contra as injustiças, reivindicavam aumentos salariais. Disponível em: www.wikipedia.org. Acesso em: 08 abr. 09.

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A autora afirma que as ações dos movimentos sociais não criaram valores

novos, ou seja, não surgiram novos temas para as lutas cotidianas, apenas os

redefiniram, isto é, resgataram valores como os dos direitos humanos, da cidadania,

da liberdade de expressão e da autonomia dos movimentos. Pode-se dizer que

esse momento foi importante, pois a organização, a mobilização e a articulação

fizeram valer as reivindicações históricas da maioria da população brasileira. “As

colocações dos movimentos sociais obtinham legitimidade social por expressarem

necessidades, desejos e anseios de grandes contingentes populacionais”. (idem, p.

43).

A antropóloga Ruth Cardoso (1994, p.82) diz que os movimentos sociais, de

certa maneira, surgiram como algo novo, capaz de substituir os espaços vazios

deixados por partidos, associações, entre outros. Para ela, o vazio desses espaços

de representação é consequência do bloqueio imposto pela ditadura militar.

Cardoso aponta também que, com o aparecimento desses novos atores,

surgia a idéia de autonomia e com ela haveria mudança na cultura política

tradicional (clientelismo).

A antropóloga chama atenção para a fase da institucionalização dos

movimentos sociais que, segundo ela, coincide com a redemocratização do país –

momento da abertura dos canais de comunicação e da participação entre Estado e

sociedade até então cerceados. Segundo Cardoso, a partir dessa abertura, os

movimentos passam a ter relação direta com as agências públicas.

No entanto, afirma Cardoso, esse processo abriu caminho para a construção

de uma nova relação. Ela aponta a importância desse momento para a constituição

dos conselhos participativos, entre eles, o conselho do negro, da habitação, de

saúde, etc.

Segundo Ilse Scherer-Warren (2008), no momento que as necessidades

materiais se transformam em símbolo de privação de determinado grupo, “eles

constroem pautas políticas reivindicativas ou para a transformação social dessa

situação...”. A partir daí, ela referencia alguns movimentos sociais expressivos na

América Latina e dentre eles, o movimento sem-terra ou campesino, como nomina a

professora.

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Assim, dentro do contexto de desigualdade, encontra-se a estrutura fundiária

do Brasil, em que a concentração de terra agrava o grau de exclusão e de injustiça

social. O Atlas da Questão Agrária diz que:

A concentração da terra é uma das características do capitalismo no campo que agrava a questão agrária. Assim, se assumirmos que a propriedade coletiva da terra é uma possibilidade muito remota na conjuntura política do país, deve-se pelo menos tentar atenuar a concentração da terra para que, mesmo com a permanência da propriedade privada, o uso da terra seja mais democrático e menos explorador. (...) a concentração fundiária é a base fundamental dos problemas da questão agrária brasileira e por isso capital e campesinato disputam a terra como território e a sua concentração ou distribuição é um indicador da gravidade da questão agrária (GIRARDI, 2008).

Na contraposição desse cenário, surge em 1979, o Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). O movimento estende-se por todo o país

ao longo dos anos 80 e 90 e torna-se o mais importante representante dos

movimentos sociais dos últimos tempos.

A busca por igualdade no trato da questão da terra tem sido o verdadeiro

impulsionador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que, além

da luta por justiça social, tem como objetivo chamar a atenção para a necessidade

de se fazer a Reforma Agrária, ou seja, o MST mobiliza para que o governo adote

medidas para melhorar a distribuição da terra, promovendo a justiça social, criando

condições de melhoria na vida do trabalhador rural. Além disso, a luta inclui apoio

técnico, infra-estrutura, crédito, entre outros.

A atuação do MST é uma forma de sensibilizar a população, o governo e o

parlamento para a importância e para o significado desse debate.

O Censo Agropecuário de 2006, realizado pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE), mostra que a concentração de terras persiste no

País. Os dados mostram também um agravamento da concentração de terras nos

últimos 10 anos. O Censo do IBGE mostrou ainda, que enquanto os

estabelecimentos rurais com cerca de 10 hectares ocupam menos de 2,7% os

estabelecimentos de mais de 1.000 hectares concentram mais de 43% da área total.

Portanto, podemos afirmar que é de conhecimento do governo que o país

apresenta uma estrutura agrária em que convivem extensos latifúndios, grandes

monoculturas de exportação e milhares de trabalhadores rurais sem terra. Qual o

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caminho para se combater a má distribuição de terras e a desigualdade que esse

tipo de concentração provoca? É realizar a Reforma Agrária justa capaz de

promover a justiça social.

Para atingir esse objetivo, a ocupação é a principal estratégia utilizada pelo

movimento. As áreas ocupadas são principalmente latifúndios, terras devolutas e

imóveis rurais onde leis ambientais e trabalhistas tenham sido desrespeitadas. Em

geral são propriedades que descumprem a função social da terra, definida na

Constituição Federal (art. 186).

Pode-se inferir que as ocupações são respostas ao imobilismo do Estado em

não cumprir o que reza o preceito constitucional. Além disso, é importante frisar que

o MST esteve presente nos momentos históricos da política brasileira como a

mobilização contra o regime militar e na campanha pelas Eleições Diretas. Nos

últimos anos, o movimento além de lutar contra o latifúndio, iniciou a luta contra a

ocupação de grande extensão de terras pelo agronegócio. Em virtude disso, muitas

ocupações têm ocorrido, por exemplo, em áreas onde há plantio de soja transgênica

ou cana-de-açúcar. Desta forma o movimento caminha no sentido viabilizar a

Reforma Agrária no País.

Para reforçar tal idéia, é importante citar Leonilde Servolo de Medeiros que

destaca o surgimento do MST:

“O MST inovou o debate tanto no que se refere às formas de luta ao fazer das ocupações de terra o principal caminho para ganhar visibilidade na cena política e se impor como principal interlocutor da demanda da reforma agrária, quanto na proposta em relação à exploração e à consolidação econômica das áreas desapropriadas.” (Medeiros, 2003, p. 19).

2.3 O MST e a luta pela terra

O MST aponta que no I Plano Nacional de Reforma Agrária, no Governo

Sarney, apenas 6% da meta de assentamentos foi cumprida, ou seja, apenas 90 mil

famílias foram assentadas. De acordo com o movimento, isso só ocorreu devido à

pressão das ocupações realizadas nesse governo. No governo de Fernando Collor,

o Estado omitiu-se e com isso houve despejos violentos, assassinatos e prisões

arbitrárias.

Levantamento feito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

(INCRA) aponta que de um total de 920.861 famílias, 529.481 foram assentadas no

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governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e 391.380 na gestão do ex-

presidente Fernando Henrique Cardoso.

Os números apontam também que a diferença significativa entre as duas

gestões está na comparação entre no crédito para habitação na área rural. No

governo Lula a oferta de crédito aumentou 500% nos últimos sete anos. Em 2002,

segundo os dados do INCRA, era estabelecido o valor de R$ 2,5 mil para cada

família. Hoje, cada família tem acesso a R$ 15 mil para construir a casa e se instalar

no assentamento.

O levantamento mostra ainda que de 2003 até agora (2009), o governo já

liberou cerca de R$ 4 bilhões para habitação, beneficiando um total de 415 mil

famílias. Quanto à distribuição do volume de terras, o governo Lula já distribuiu

cerca de 42.349. Em comparação com o governo anterior, a gestão de Lula

distribuiu 6% a mais que o governo de Fernando Henrique.

Os dados apontam que 266.995 habitações e 37.921 quilômetros de estradas

foram construídos ou reformados no governo Lula. Em relação ao abastecimento de

água, os números indicam que 108.780 famílias foram atendidas, enquanto que

183.523 receberam energia elétrica.

Segundo o INCRA o custo total da reforma agrária em 2009 ficará em torno

de R$ 4,1 bilhões. O governo Lula em campanha prometeu assentar um milhão de

famílias.

É importante ressaltar que as conquistas dos Sem-Terra estão ligadas à

jornada de luta que o movimento realiza todos os anos, no mês de agosto. É a

forma de cobrar do Governo Federal a aplicação da política agrária. Neste ano,

por exemplo, segundo avaliação da Coordenação Nacional do Movimento, a jornada

garantiu conquistas importantes entre elas estão a liberação do recurso de R$ 338

milhões que estavam contigenciados em virtude da crise econômica.

Outra conquista importante, segundo o MST, diz respeito à revisão dos

índices de produtividade da terra. Esses índices servem de parâmetros para

classificar as propriedades rurais improdutivas. Desde 1975 tais índices não são

revisados. Outra conquista celebrada pelo movimento é em relação à

desapropriação de 1.180 hectares da Fazenda Nova Alegria, em Minas Gerais,

palco de conflito agrário conhecido como massacre de Felisburgo, ocorrido em 2004.

21

Cinco trabalhadores rurais foram mortos. 50 famílias que foram vitimas do massacre

serão assentadas nessa área.

Outro dado que deve ser levado em consideração para melhor subsidiar a

análise, diz respeito às ocupações. Segundo dados do Atlas da Questão Agrária, as

ocupações, em 1999 (segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso), foi uma

das maiores, ou seja, 897 ocupações e 118.620 famílias acampadas.

De acordo com o Atlas, como forma de combater esse tipo de ação do MST, o

governo FHC editou a Medida Provisória (MP) 2.027-38 de 4 de maio de 2000, que

criminalizava a luta pela terra. Ainda segundo o Atlas, a criminalização ficou mais

evidente com edição da MP 2.109-52 de 24 de maio de 2001, que substituiu a

anterior. O texto das duas Medidas Provisórias estabelece que imóveis rurais que

foram ocupados, sejam impedidos de ser vistoriados num período de dois anos.

Além disso, excluem do processo de Reforma Agrária, os trabalhadores que

realizaram tal ocupação. De acordo com o estudo, isso levou à diminuição de

ocupações e, consequentemente, a queda no número de famílias assentadas.

O MST voltou a ocupar, segundo o estudo, a partir de 2003, com a eleição do

Governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Houve também, a reversão do

quadro de assentamento, ou seja, o governo Lula retomou o processo de

assentamento. Isso ocorre em virtude do comprometimento que o governo Lula tem

com o movimento, bem como pela esperança que os trabalhadores rurais

depositaram nesse governo o que levou à diminuição da criminalização do

movimento.

Como vimos, a reforma agrária é necessidade historicamente defendida para

a resolução dos problemas agrários no Brasil. O que se percebe é que em

sucessivos governos as ações nesse sentido têm sido baseadas principalmente nas

políticas de criação de assentamentos e de concessão de crédito a trabalhadores

rurais. Mesmo que os números mostram avanço na questão agrária brasileira, para

o movimento tais ações têm mostrando insuficientes.

Outro fator preponderante diz respeito à mobilização. Os dados mostram que

a pressão que o MST exerce a partir das ocupações e das jornadas de luta são

elementos que permitem pensar que a demanda por reforma agrária, mesmo que

tenha alcance limitado, reintroduziu o tema no imaginário político, alimentando lutas

diversas que passam a se abrigar sob essa bandeira, procurando superar barreiras,

22

adquirir novos espaços onde possa haver comprometimento com a reforma agrária,

e, mais que isso, que se promova entendimento de que para o país ter

desenvolvimento com justiça social, a reforma agrária é fundamental.

Dentro do contexto do entendimento, faz-se necessário o MST abrir-se para

as constantes críticas em relação à forma de atuação do movimento, principalmente

no que diz respeito à destruição de meios de produção como método de luta para

democratizar os meios de produção. É preciso rever a forma de chamar a atenção

da população para a concentração de grandes propriedades nas mãos de poucos. É

preciso assimilar os erros, detectar as distorções e, a partir dessa reflexão, centrar-

se nos objetivos que sustentam a luta do MST ao longo dos 25 anos de existência,

que é o debate sobre a questão da democratização do acesso a terra.

23

3 Análise

No item anterior apontamos a questão agrária como um dos grandes

problemas que afeta historicamente a população brasileira. No Brasil, predomina

concentração de terra e grandes latifúndios. A isso, associa-se um contingente de

trabalhadores sem-terra.

Para chamar a atenção da sociedade brasileira a esse grave problema, o

Movimento de Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) adotou como prática a

ocupação de propriedades que, segundo o movimento, não cumpre a função

estabelecida pela Constituição Federal.

Outro problema diz respeito aos espaços comunicativos. A disputa, a

competição pelos espaços disponíveis nos meios de comunicação é muitas vezes,

desleal do ponto de vista da inclusão de temas que não envolvem guerras, crises,

desastres, etc. A cultura jornalística é aquela onde se predomina a cobertura de

fatos políticos e econômicos. Nesse contexto, um dos problemas da democracia

brasileira diz respeito à equidade de espaço nos meios de comunicação, ou seja,

não há igualdade nos espaços comunicativos, principalmente em se tratando das

ações dos movimentos sociais.

No entanto, os meios de comunicação, neste caso, o OESP veicula por meio

de matérias, editorias, reportagens, as ações do MST. Este estudo pretende analisar

o discurso utilizado pelo Jornal ao abordar as ações do MST, ao mesmo tempo

verificar se ao dar visibilidade a essas ações, o jornal o faz levando em consideração

o problema que gera tais ações, isto é, a ausência da Reforma Agrária, assunto de

tamanha relevância para a sociedade brasileira.

O formato deste trabalho seguirá o de pesquisa documental. Para atingir os

objetivos, utilizamos como aspecto metodológico, os seguintes procedimentos. No

primeiro momento, fizemos uma revisão de literatura que contemplasse estudos

sobre o tema que procuramos desenvolver. Para tanto contamos com as

contribuições de pensadores como FOUCAULT, TRAQUINA, FAIRCLOUGH,

ORLANDI, GOHN, que proporcionou melhor compreensão sobre discurso,

jornalismo, análise de discurso e movimentos sociais.

No segundo momento, definimos o período a ser estudado. Escolhemos o

mês de setembro dos anos de 2006, 2007 e 2008. Foram 27 textos publicados pelo

24

OESP nesse período. Desse total, foram escolhidos, aleatoriamente, 15 para fazer

parte do corpus e estão assim dispostos: setembro de 2006 – 09 matérias; setembro

de 2007 – 04 matérias e setembro de 2008 – 02 matérias.

A escolha do período para fazer a investigação ocorreu para estabelecer a

partir de dados empíricos, se nos meses que antecederam as eleições houve ou não

um aumento da cobertura sobre o MST em comparação ao período em que não há

eleição. Ou seja, se há ou não o vinculo entre as notícias publicadas pelo jornal e o

período eleitoral.

Procuramos identificar os recursos linguísticos por meio das expressões e

termos (formas verbais, seleção de substantivos, adjetivos, etc.) empregados pelo

jornal. Dessa maneira, buscamos esmiuçar as notícias que versam sobre o MST.

Analisamos as marcas recorrentes que nelas se encontram, cujo objetivo, além de

atrair, quase sempre tenta sensibilizar o leitor e influenciá-lo acerca de questões

determinadas.

Para compreensão dos dados foram utilizados fichas de classificação que

continha entre outros itens, a editoria, o gênero, a fonte, ilustração, etc. Foram

separados os léxicos, as expressões recorrentes como “invasão”, “ocupação”,

“invasores”, “baderneiros” “bloqueio”, “saquear”, “roubar”, entre outros, para o

tratamento do assunto.

Por último, para complementar tal análise recorremos a Análise do Discurso

que vai contribuir para melhor interpretação dos resultados.

A seguir apresentaremos um breve relato da história do jornal O Estado de S.

Paulo, a fim de retratar a linha editorial adotado pelo jornal ao longo do tempo. O

contexto histórico relatado abaixo, nos levou a decidir pelo OESP como veículo de

comunicação a ser estudado.

3.1 Breve histórico do jornal O Estado de S. Paulo

O jornal O Estado de S. Paulo, segundo Capelato e Prado (1980) foi fundado

em 4 de janeiro de 1875, com o nome de A Província de São Paulo. Em 1885 com

ideias republicanas e abolicionistas, Júlio de Mesquita entra para o jornal. Em 1891,

assume a direção política do jornal, com a saída de Rangel Pestana para o Senado.

Com a morte de Julio de Mesquita, em 1937, assume o comando do periódico, Julio

de Mesquita Filho e continua a política implementado pelo pai, ou seja, conforme

25

definição de Capelato e Prado, conspirador (1930), articulador (1932) e lutador e

empenhado na candidatura oposicionista à presidência da República em 1937.

Em 1930, o jornal liga-se ao Partido Democrático (PD), apoiando a

candidatura de Getúlio Vargas, que foi derrotado, mas assumiu o poder com a

Revolução de 1930. Com o Estado Novo, o jornal O Estado de S. Paulo faz oposição

ao regime e é invadido pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).

Novamente é fechado e confiscado pela ditadura, passando a ser administrado pelo

Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Em 1945, o jornal volta aos

legítimos donos por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

De 1946-1964, período da República Nova, o Estado apoia a União

Democrática Nacional (UDN) de Carlos Lacerda, opositor ferrenho dos governos, em

especial o de João Goulart. Em 1964, o jornal apoia o Golpe Militar e só rompe com

o regime vigente após o Ato Institucional nº 2, que determina a extinção dos

partidos.

No período de 1964-1985 o regime discricionário deixou suas marcas e

provocou sequelas ao longo desses 21 anos. Em 1968, por exemplo, o OESP

(sujeito de nosso estudo) sofre censura ao publicar o editorial "Instituições em

Frangalhos". O conteúdo do editorial denunciava a ausência de democracia. A partir

de então, as edições dos jornais eram acompanhadas pelos censores da Políicia

Federal. Dentre os jornais brasileiros, o OESP foi o que não se deixou

autocensurar.

Em 1986, Augusto Nunes assume a direção da redação e empreende uma

série de reformas. Com a morte de Júlio de Mesquita Neto, em 1996, o jornal passa

a ser dirigido por Ruy Mesquita.

A partir deste relato percebe-se que o OESP, ao longo do tempo acompanhou

atentamente a política brasileira. Capelato e Prado, ao retratar a atuação do jornal

no debate político no período estudado por ambas, afirmam que aqueles que

representam o jornal não assistiram passivamente os momentos históricos vivido

pelo país que teve inicio com a Primeira República, culminando, segundo as

professoras, com a revolução de 1930 até o golpe de 1937.

Exerceram papel atuante, participando ativamente do debate que se instaurou, colocando-se numa posição de crítica ao estado de coisas vigente, tentando “despertar as consciências” e “modela-las” conforme seus valores e interesses, procurando indicar uma direção ao comportamento político do público leitor. (...) A atuação política do jornal se orientava por um projeto idealizado para o Brasil e para São Paulo, cujas bases se prendiam ao corpo de ideias que compõem a

26

doutrina liberal e à experiência prática de outros países”. (CAPELATO; PRADO, 1980, p 23)

Nessa mesma direção Paulo Sérgio Pinheiro4 no prefácio do livro de Capelato

e Prado diz que o estudo das professoras mostra a face do jornal ao concliliar as

exigências do liberalismo com a defesa das posições políticas dos setores sociais

que o jornal representa. Na opinião de Pinheiro os princípios liberais serviram para

dar legitimidade à defesa da ordem constituida.

Capelato e Prado afirmam que para entendermos o modelo político adotado

pelo OESP devemos ter como base a teoria política de Locke e o Iluminismo

francês. Teorias estas, que segundo as professoras é nas quais se assentam o

pensamento político do jornal.

Um outro ponto importante descrito pelas autoras é em relação ao

pensamento liberal que de acordo com elas, estabelece o direito de propriedade

como um dos sustentáculos dessa doutrina.

Essa é uma questão crucial no contexto do tema em estudo, ou seja, a visão

do jornal acerca das ações sociais na luta pela terra. Dentro dessa abordagem o

OESP definia os grupos sociais paulistas como lavradores, industriais, operários,

funcionários, etc.

De acordo com Capelato e Prado poucas vezes foram percebidas discussões

que envolviam as relações entre proprietários de terra e trabalhadores rurais.

Quando isto acontececia, o jornal assumia posição favorável aos proprietários de

terra. “Em 1929 uma das medidas adotadas para debelar a crise foi a redução do

salário do trabalhador rural, medida que o periódico deu pronto apoio”. O argumento

utilizado pelo OESP ( apud Capelato e Prado, p. 111): “A crise mostrou que o alto

salário é o mais sério embaraço para a produção barata”.

A leitura desta bibliografia evidencia que a simples presença do movimento

operário reivindicando melhoria nas condições de trabalho, atemorizava o OESP,

uma vez que tal movimento (na visão do jornal) podia colocar em risco a ordem

social vigente. Nesse contexto o jornal dizia à época: “assentada no respeito à

propriedade e liberdade dos cidadãos” (14-5-1932). (OESP apud Capelato e Prado,

p. 114)

4 Integrante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos

27

Outro ponto que merece destaque dentro da obra estudada, diz respeito aos

termos empregados pelo periódico ao referir-se aos defensores de ideias contrárias

àquelas defendidas pelo jornal. Nesse sentido Capelato e Prado dizem:

O emprego dos termos “autoritários”, “antidemocráticos”, “tirano”, “ditador”, “déspota”, como caracterizadores dos dois últimos governantes da Primeira República – Arthur Bernardes e Washington Luiz, revela a insatisfação do jornal com a tendência centralizadora e a reação ao intervencionismo do poder central ao Estado. (idem, p. 28)

A bibliografia estudada evidenciou que a imprensa, especificamente OESP

explicita sua ideologia e seu projeto a partir do conteúdo publicado. Os editoriais, as

reportagens, as matérias veiculadas pelo jornal são fundamentais para a

compreensão do jornal e do grupo social que este representa e, principalmente,

sobre o que pensa a respeito de um determinado assunto.

O que se percebe é que a linha liberal adotada pelo jornal desde os

primórdios, prevalece nos dias atuais. Essa constatação se evidencia a partir dos

editoriais e das matérias assinadas pelo periódico, alguns dos itens objetos do nosso

projeto de pesquisa.

3.1.2 Análise quantitativa do OESP

A operacionalidade deste trabalho levará em conta, como já dissemos

anteriormente, a seleção de editoriais, notícias, reportagens, entre outros, a serem

analisadas, considerando os léxicos “invasão”, “ocupação”, “invasores”,

“vandalismo”, “baderneiros”, “quadrilha” , etc. Verificaremos também se a

matéria fala de reforma agrária, de concentração de renda e de terras; se cita

políticas públicas.

Para facilitar a visualização das informações a que se quer chegar, a partir da

investigação, elaboramos tabelas e gráficos que contêm as características

recorrentes das edições analisadas, de forma que destaque os principais

componentes encontrados nas notícias. Assim, a partir dos objetivos definidos, do

conteúdo delimitado, utilizamos os métodos de análise quantitativa e recorremos à

Análise do Discurso para melhor interpretação dos resultados obtidos.

A partir da sistematização dos dados, verificamos que o volume de cobertura

do tema que envolve o movimento, no mês de setembro de 2006, foi maior que o

ocorrido no mesmo mês dos anos de 2007 e 2008. Em setembro de 2006, foram

28

veiculadas quatorze matérias; em setembro de 2007, nove e em setembro de 2008,

foram quatro inserções. Observa-se que o jornal O Estado de S. Paulo dá mais

visibilidade ao MST em setembro de 2006, ano em que ocorreu a eleição

presidencial. Observa-se também que a temática não dominou o noticiário do jornal,

em setembro de 2008, período que antecedeu as eleições municipais.

GRÁFICO I – Editoria

Editoria

4

11

9

7

3

1 1

Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008

Política

Geral – Brasil/país/vida

Economia

Nacional

Notas &Informações

Espaço Aberto

Nas editorias em que foram divulgadas as respectivas matérias, assim se deu

a distribuição: em 2006 foram 4 (quatro) veiculações no Caderno de Política, 9

(nove) no Caderno Nacional e uma no caderno Espaço Aberto. Em 2007, foram 7

(sete) inserções no Caderno Nacional, 1 (uma) em Economia e 1 (uma) no Caderno

Espaço Aberto. Já em 2008, ocorreu veiculação de 1 (uma) matéria no caderno

Geral (Vida) e 3 (três) no caderno Nacional. A partir desses dados, é possível

afirmar que houve um esvaziamento, nos anos de 2007 e 2008, de matérias

veiculadas no Caderno Política.

Esses dados nos permitem inferir que o jornal deu mais ênfase às ações

promovidas pelo movimento, uma vez que se tratava de ano eleitoral e setembro foi

o mês que antecedeu a eleição no país e teve o primeiro turno realizado em 1º de

outubro e o segundo turno no dia 29 do mesmo mês.

GRÁFICO II – Gênero

Gênero

1 1 1

32

12 2

7

3 3

1

Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008

Reportagem

notícia

Editorial

Artigo

Matéria

Entrevista

29

Quanto ao Gênero, o jornal O Estado de S. Paulo, em 2006, deu visibilidade

ao assunto por meio de 1 (uma) reportagem, 3 (três) notícias, 2 (dois) artigos, 7

(sete) matérias e 1 (uma) entrevista. Em 2007 foram 2 (duas) notícias, 1 (uma)

reportagem, 1 (um) editorial, 2 (dois) artigos e 3 (três) matérias. Já em 2008 foram

veiculadas 3 (três) notícias e 1 (uma) reportagem. Essa distribuição permite verificar

de que forma o assunto é tratado em cada período pesquisado. Percebe-se que o

OESP utiliza muito pouco o item reportagem nos três anos pesquisados. Isto

representa um indicador de pouco aprofundamento no assunto noticiado.

Cabe aqui frisar que a reportagem permite que o jornalista de veículos

impressos possa investir mais tempo e esforços e, assim, alcançar um resultado de

melhor qualidade no sentido da contextualização da notícia.

GRÁFICO III – Matéria assinada?

Matéria Assinada?13

8

4

1 1

Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008

Sim

não

No item matéria assinada, os três anos pesquisados apresentam número

significativo de assinaturas nas matérias veiculadas pelo OESP. É importante tal

fato, uma vez que durante muito tempo o jornalista não assinava as matérias que

produzia. É importante também que os leitores saibam quem a escreveu, porque são

eles, os jornalistas, a partir da linguagem, da ordenação e do enquadramento

utilizado, que constroem e atribuem significados que são sentidos (negativa ou

positivamente) pelo leitor.

GRÁFICO IV – De onde vem a pauta

De onde vem a pauta

7

5

3332

11

5

3

1

3

Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008

Oficial

Especialista

Fazendeiro

UDR

Movimento

Empresa

Político

30

Observando os dados agregados no quesito “de onde vem a pauta” (fonte),

percebe-se a predominância do movimento como fonte, bem como a oficial, no ano

de 2006. Quanto às outras fontes consultadas em 2006, verificamos que o jornal

recorreu aos fazendeiros em três oportunidades; à União Democrática Ruralista

(UDR)5, oponente ao MST, foi consultada duas vezes; e procurou ouvir a Empresa

Brasileira de Defensivos Agrícolas Nortox e a Monsanto, cada uma em diferente

ocasião. Também, em três diferentes matérias, ouviu políticos como fonte. No ano

de 2007, OESP recorreu a fontes oficiais: Governo do Estado do Rio Grande do Sul,

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), ao movimento, em

cinco de suas matérias e abriu espaço para especialista (artigo de agrônomo Xico

Graziano, que foi presidente do INCRA, em 1995, e Secretário da Agricultura de São

Paulo no período de 1996-98) em duas matérias. Em 2008, recorreu à fonte oficial

nas três matérias veiculadas e consultou o MST em três das quatro matérias.

Sabemos que o manual do bom jornalismo diz que a multiplicidade de fontes

é essencial para a qualidade da cobertura de qualquer tema.

Nesse contexto, uma das missões elencadas pelo Manual de Redação e

Estilo de O Estado de S. Paulo diz: “Buscar constantemente o jornalismo

diferenciado e investigativo, difusor de idéias pluralistas e que analise e interprete

fatos isentamente e esteja sempre voltado para o interesse do cidadão”.

Partindo desse pressuposto, os jornalistas precisam, além do público-alvo da

matéria, no caso o MST, ouvir especialistas, ONGs, cidadão comum, assentados,

etc. Ir atrás de experiências que deram certo e daquelas que falharam. Identificar se

o orçamento destinado ao programa de Reforma Agrária é suficiente. E,

principalmente, se o recurso está sendo bem aplicado. Ou seja, o jornalista não

pode se contentar com apenas um lado da história. É preciso, sempre, destrinchar a

pauta.

GRÁFICO V – Quem fala na matéria

5 Criada em 1986, a UDR é uma entidade formada por ruralistas e tem como objetivo fundamental a preservação do direito de propriedade. A UDR conseguiu colocar na Constituição de 1988 o artigo 186 que preserva os direitos de propriedade rural em terras produtivas.

31

Quem fala na matéria?

1 1

4

7

5

3

1

4

1

5

1

3 3 3

1

Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008

Empresário

Especialista

Dirigente MST

Acampado

Fazendeiros

Políticos

Governo

Sociedade Civil

Quanto àqueles que falam na matéria, em setembro de 2006, houve

predominância da presença de dirigentes do MST em sete das quatorze matérias. O

Estado de S. Paulo procurou ouvir empresário, especialista, acampado e sociedade

civil, cada um em uma matéria e em diferente oportunidade. Ouviu também a figura

do fazendeiro em quatro matérias; recorreu em três oportunidades à representante

do governo. Em setembro de 2007, foram consultados especialistas em quatro

oportunidades, dirigentes do MST foram ouvidos em cinco matérias veiculadas,

representantes do governo em três pautas, fazendeiro e político em uma matéria,

cada. Já em setembro de 2008, das quatro matérias veiculadas, em três, o OESP

ouviu dirigente do MST e sociedade civil.

Neste item, mais uma vez OESP dá voz a diferentes representações, ou seja,

a pessoas ligadas ao governo, às entidades ligadas aos sem-terra e aos

fazendeiros, a especialista, mas há pouca presença da voz do povo, da voz do

assentado.

GRÁFICO VI – Matéria possui Ilustração?

Matéria possui ilustração?

5 5

11 1

9

4

2

Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008

Com foto

Com gráfico, mapa, tabelas

Não ilustrada

No que se refere ao uso de ilustração, o ano de 2006 apresenta cinco

matérias ilustradas com fotos, uma ilustrada com foto e gráfico e nove matérias não

ilustradas. O ano de 2007 traz cinco matérias ilustradas com foto e quatro não

32

ilustradas. Em 2008 apresenta uma matéria com foto, outra com foto e gráfico e

duas sem ilustração. Em 2006, as matérias que foram contempladas com fotos

foram veiculadas nos dias: 05/09/06 (“Sem-terra fazem 3ª Invasão em 15 dias no Rio

Grande do Sul”); 07/09/06, entrevista com o Presidente da República e candidato à

reeleição; 12/09/06, a matéria com foto e gráfico (“MST freia invasões no País para

favorecer campanha de Lula“); 15/09/06 (“MST bloqueia rodovias contra

criminalização de sem-terra”) e a última no dia 26/09/06 (“Protesto de sem-terra

fecha estrada no Paraná”).

Em 2007 as matérias que apresentaram fotos foram as dos dias: 07/09/07

(“MST cerca prefeitura no RS”); 13/09/07 (“Incra de Porto Alegre é invadido”);

18/09/07 (“Conservadores de esquerda”); 25/09/07 (“MST invade e faz ações em 10

estados”) e 27/09/07, (“União quer retomar área que destinou ao MST”). Já em

2008, as matérias com ilustração aconteceram nos dias 29/09/08 (“PMs do

massacre de Eldorado dos Carajás ganham promoção”) e 30/09/08 (“Assentamentos

lideram desmate”).

O que se depreende dessas informações é que a imagem se faz presente

para dar autenticidade e credibilidade ao tema que foi noticiado. Para a mídia, é

imprescindível que se apresente ao leitor novos fatos ou novas perspectivas para

assuntos já conhecidos.

GRÁFICO VII – A matéria contém a palavra invasão?

A matéria contém a palavra invasão?

21

12

3

6

3

0

Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008

Sim ( ) quantas vezes?

Não

Quanto a esta característica, OESP utilizou 21 vezes o termo “invasão” nas

14 matérias veiculadas em setembro de 2006. Em setembro de 2007, a referência

ao termo deu-se 13 vezes e em setembro de 2008, das quatro matérias veiculadas,

a palavra “invasão” foi utilizada três vezes. Essa expressão vem carregada de fortes

33

significados que analisaremos no momento da análise do discurso. Mesmo assim os

dados nos permitem afirmar que os sem-terra são considerados violentos,

irresponsáveis e fora da lei. A partir deste dado específico, OESP aponta que os

sem-terra não passam de invasores de propriedades.

Para o MST, a imprensa, ao usar a palavra “invasão” para designar as

ações do movimento, gera no imaginário das pessoas a desconfiança, uma vez que

os indivíduos podem fazer a associação entre invasores de terra com invasores de

casas, ladrões, desordeiros, baderneiros, assaltantes.

GRÁFICO VIII – A matéria contém a palavra ocupação?

A matéria contém a palavra ocupação?

6

10

4

9

5

Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008

Sim ( ) quantas vezes?

Não

Neste item observamos a presença do termo “ocupação” seis vezes nas

matérias veiculadas em 2006; dez vezes em 2007 e quatro em 2008. Analisando

esses dados dentro do contexto das matérias veiculadas, percebemos que o OESP

procura produzir o sentido de que ambas as palavras possuem o mesmo significado,

ou seja, com qualquer designação o MST estará sempre cometendo ato ilegal.

“Ocupar” ou “invadir” possuem os mesmos efeitos de sentidos, uma vez que o

‘produto’ ocupado ou invadido não pertence aos sem-terra.

Para o MST ocupar significa romper as barreiras da concentração de terras.

Em 1985, a palavra de ordem do movimento, em seu primeiro Congresso Nacional,

em Curitiba (PR) era: "Ocupação é a única solução".

GRÁFICO IX – A matéria menciona reforma agrária?

A matéria menciona Reforma Agrária?

9

4

2

5 5

2

Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008

Sim

Não

34

Em setembro de 2006, houve 9 (nove) referências à reforma agrária; em

setembro de 2007 foram 4 (quatro) as menções e em setembro de 2008, o termo

não foi mencionado em nenhuma das cinco matérias veiculadas.

Com esses dados, verifica-se que a pauta não é destrinchada como poderia

ser, ou seja, ela apenas menciona a reforma agrária, mas não faz nenhuma análise

da questão no contexto que a temática exige.

A cobertura é superficial e factual. Os pontos de vista representados nos

textos em nenhum momento atentaram para o grave problema que envolve a

questão agrária brasileira. Não se percebe, nas opiniões representadas, um

tratamento desse tema como uma questão social que precisa ser olhada a partir

dessa perspectiva.

GRÁFICO X – Cita concentração de renda?

Cita concentração de renda?

2 1

14

9

4

Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008

Sim

Não

Este item segue a mesma linha do anterior, ou seja, as vozes ouvidas não

fizeram análise da questão agrária associada à questão da concentração de renda.

Esses dados revelam que a cobertura da mídia nessa área ainda está engatinhando.

Em nenhum momento, nem jornalista nem quem fala na matéria aprofundou a

questão, ou seja, não fez associação entre a estrutura fundiária, concentração

de renda e a desigualdade social.

GRÁFICO XI – Cita distribuição de terra?

Cita distribuição de terras?

21

12

8

4

Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008

Sim

Não

35

Este quesito – distribuição de terra – mostra mais uma vez um esvaziamento

das informações veiculadas pelo OESP. Os três itens – reforma agrária, distribuição

de terra e concentração de renda – poderiam ser incluídos na matéria com maior

profundidade. A maioria das matérias veiculadas em setembro de 2006, 2007 e 2008

não enfoca a questão da distribuição de terra. Nenhum dos ouvidos, na maioria das

matérias, tocou na questão da distribuição de terra e que está associada à

concentração de terra e a latifúndios improdutivos.

Não fizeram nenhuma relação entre os conflitos de terras verificados ao longo

dos anos e a má distribuição de terra. Não apresentaram opiniões que sustentassem

que a luta por um pedaço de terra é a forma que os excluídos desse processo

encontraram para se fazer ouvir. Nem os que falam na matéria, nem os repórteres

mencionaram que a distribuição de terra envolve aspectos econômicos, políticos e

sociais. Não houve preocupação em abordar a necessidade de estudar um novo

quadro da estrutura fundiária que aponte soluções na busca de um modelo de

desenvolvimento econômico sustentável e socialmente justo.

Na amostra, não é evidente a preocupação dos produtores da matéria em

aprofundar informações para que os leitores apreendam sobre o assunto que o

jornal quer que eles (leitores) tomem conhecimento.

GRÁFICO XII – Cita políticas públicas para os assen tados?

Cita políticas públicas para os assentados?

1 1

13

8

4

Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008

Sim

Não

Neste item temos que, em 2006 e 2007, apenas uma em cada ano fez

referência à questão de políticas públicas para os assentados. Em 2008, das quatro

matérias veiculadas, nenhuma tocou no assunto. Como em outras categorias

analisadas, nesta se percebe o mesmo efeito, ou seja, os jornalistas não produziram

a matéria buscando a perspectiva e as expectativas dos assentados da reforma

agrária. O gráfico acima demonstra tal afirmação. Mesmo quando as fontes oficiais,

36

neste caso, o Incra, foram acionadas, não houve preocupação do jornalista, na

maioria das matérias, em perguntar quais eram as políticas públicas que o governo

pensava em implementar nos assentamentos. As matérias não veiculam, por

exemplo, as principais reivindicações dos assentados que, em sua maioria, têm a

agricultura familiar (subsistência e comercialização) como modelo de prática para

desenvolvimento rural sustentado.

3.2 Introdução à análise do discurso

A teoria do jornalismo apresenta debates e reflexões sobre o papel da mídia

na sociedade. Assim, analisaremos o discurso utilizado pelo jornal O Estado de S.

Paulo a partir do escopo das notícias sobre o MST. O propósito é verificar se o

discurso adotado contribui para o avanço da discussão sobre a questão agrária ou

cumpre uma função ideológica que serve de retórica para criminar, desmoralizar,

desqualificar e deslegitimar o MST e manter o ponto de vista do stablishment, ou

seja, do poder instituído.

Para chegar a essa compreensão, utilizaremos as idéias defendidas pelos

estudiosos da Análise de Discurso, como Fairclough e Orlandi. Utilizaremos também

considerações sobre o discurso defendidas por Foucault e a questão da linguagem,

elaborada por Bakhtin, a fim de identificar aspectos ideológicos, a estratégia

organizativa do texto, o enunciado, o léxico e a representação que devem permitir o

reconhecimento das representações ou os efeitos discursivos produzidos pelo

OESP.

Bakhtin (1992), por exemplo, afirma que alguns estudiosos se comprazem em

representar o locutor e o ouvinte (quem recebe a fala) como os dois parceiros da

comunicação verbal, isto é, tal esquema se dá por meio dos processos ativos da fala

do locutor e dos processos passivos de percepção e compreensão da fala do

ouvinte. Nesse sentido, ele diz:

(...) a linguagem é considerada do ponto de vista do locutor como se este estivesse sozinho, sem uma forçosa relação com os outros parceiros da comunicação verbal. E, quando o papel do outro é levado em consideração, é como um destinatário passivo que se limita a compreender o locutor. O enunciado satisfaz ao seu próprio objeto (ou seja, ao conteúdo do pensamento enunciado) e ao próprio enunciador. (...) Não se pode dizer que esses esquemas são errados e não correspondem a certos aspectos reais, mas quando estes esquemas pretendem representar o todo real da comunicação verbal se transformam em ficção científica. (BAKHTIN, 1992, p. 289-90).

37

De acordo com Bakhtin, o enunciado é a unidade real da comunicação verbal,

ele representa um conjunto de idéias, a partir de um contexto, que dá sentido ao

discurso.

O discurso se molda sempre à forma do enunciado que pertence a um sujeito falante e não pode existir fora dessa forma. Quaisquer que seja o volume, o conteúdo, a composição, os enunciados sempre possuem, como unidades da comunicação verbal, características estruturais que lhes são comuns, e, acima de tudo, fronteiras claramente delimitadas. (Ibid., p. 293).

O jornalismo utiliza fragmentos da realidade para produzir e reproduzir

enunciados, seja para a transmissão de cultura, seja para influir ideologicamente na

formação de opinião pública. Isto é, sendo o enunciado um ato de fala, o jornalismo

utiliza-se dessa teoria para dar sentido ao discurso e consequentemente produzir

uma relação de significação junto ao público-alvo.

Para auxiliar nessa compreensão, Michel Foucault que diz:

A maior das verdades já não estava naquilo que o discurso era ou naquilo que fazia, mas sim naquilo que o discurso dizia: chegou, porém o dia em que a verdade se deslocou do ato ritualizado de enunciação, eficaz e justo, para o próprio enunciado: para o seu sentido, a sua forma, o seu objecto, a sua relação à referência (FOUCAULT, 2006).

Para Foucault, são os próprios discursos que exercem o controle dos

procedimentos internos e tais procedimentos funcionam enquanto princípios de

classificação, de ordenamento, de distribuição, para dominar outras dimensões do

discurso: a do acontecimento e a do acaso.

Norman Fairclough afirma que a análise de um discurso, como exemplo de

prática discursiva, tem como foco os processos de produção, de distribuição e de

consumo textual. Esses processos são sociais e se dão em âmbito econômico,

político e institucionais nos quais são gerados.

A preocupação central é estabelecer conexões explanatórias entre os modos de organização e interpretação textual (normativos, inovativos, etc.), como os textos são produzidos, distribuídos e consumidos em um sentido mais amplo, e a natureza da pratica social em termos de sua relação com as estruturas e as lutas sociais. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 99-100).

Nessa mesma direção, Fairclough (1988) defende que os recursos para a

aprendizagem, bem como para se trabalhar em uma economia baseada no

conhecimento, necessitam de uma consciência crítica do discurso – uma

consciência dos valores no discurso como práticas sociais. Nesse sentido:

Uma consciência de que qualquer conhecimento de um domínio da vida social é constituído como um discurso de entre um número de co-existentes ou concebíveis discursos, discursos diferentes que são associados com

38

diferentes perspectivas sobre o domínio em questão e de diferentes interesses, uma consciência de como pode funcionar discursos ideologicamente nas relações sociais de poder, e assim por diante. É com base nesse tipo de entendimento de como funciona discurso dentro de práticas sociais que as pessoas possam vir a questionar e olhar além discursos existentes, ou as relações de dominação e marginalização entre os discursos e, por isso, antecipadamente conhecimento. (FAIRCLOUGH, 1988, p. 3-4).

Fairclough acredita na necessidade de uma consciência crítica do discurso na

sociedade contemporânea e que tal consciência deve fazer parte do cotidiano de

cada indivíduo. A partir dessa lógica, ele aponta:

A rede de práticas sociais é descrito a partir de uma perspectiva discursiva especificamente como uma “ordem do discurso” que consiste de discursos e gêneros, em especial as relações uns com os outros, mas com uma orientação para mudança nos limites dentro e entre as ordens de discurso como parte do social e mudança cultural. (Ibid., p.8).

Eni Orlandi (2007) diz que análise de discurso não trata da língua ou da

gramática especificamente, ela trata do discurso. Para a autora, o discurso dá a

idéia de curso, de percurso, de movimento. Mesmo as palavras usadas

cotidianamente já carregam consigo sentidos que não sabemos como foram

constituídos, no entanto, “significam em nós e para nós”.

João Bosco Bezerra Bonfim (2002) enfoca o discurso da mídia sobre a fome.

Ele diz que em todo processo discursivo é importante o uso do léxico, que nada

mais é do que o conjunto de palavras utilizadas para expressar-se, oralmente ou por

escrito. Segundo Koch (1997 apud BONFIM, 2002), o significado atribuído às

palavras é um dos mecanismos utilizado para construir o sentido de um texto.

No conjunto, as palavras selecionadas podem ajudar a construir certa linha argumentativa para os textos. E essa linha argumentativa pode ter significado ideológico. (BONFIM, 2002, p. 80).

Além do léxico, Bonfim destaca o uso constante de personalidades e/ou

autoridades nos textos jornalísticos. A personalização – eventos ligados a

personalidades – é uma tendência da mídia. “A notoriedade das personalidades

funciona como chamativo para a imprensa; uma notoriedade que tanto pode ser

negativa quanto positiva”.

Outro ponto destacado pelo autor é o uso de matéria de cunho negativo.

Fowler (1993 apud BONFIM, 2002), entende os eventos negativos como último

critério de seleção de algo a ser noticiado. No entanto, eventos negativos aparecem

com frequência na mídia e estão relacionados ao processo de formação de

consenso e de exclusão daquilo que foge ao que ele denominou de homocentrismo.

39

Para fabricar o consenso em uma sociedade cheia de conflitos, é necessário um intenso trabalho discursivo; e o papel da imprensa é lidar com a construção desse consenso, noticiando o que seja relevante para um grupo identificado como “nós” (no caso, o jornal ou revista e seus leitores e mais os que partilham de uma condição semelhante); para que haja consenso, é preciso que alguns valores sejam partilhados, como por exemplo, o de que “é preciso fazer crescer o bolo para depois dividir”. Como não são todas as pessoas e grupos que cabem nesse consenso, é construído um “nós” e um “eles”. Quem não partilha dos valores do “nós” é um “ele”, um “outro”, que está fora desses valores compartilhados. (FOWLER, 1993 apud BONFIM, 2002).

3.2.1 Breves noções de discurso, ideologia e anális e de discurso

A compreensão acerca do discurso e da ideologia faz-se necessária para o

entendimento da análise do discurso. Nesse sentido, cabe aqui referenciar Michel

Foucault:

O discurso nada mais é do que o reflexo de uma verdade que está sempre a nascer diante dos seus olhos; e por fim, quando tudo pode tomar a forma do discurso, quando tudo se pode dizer e o discurso se pode dizer a propósito de tudo, é porque todas as coisas que manifestaram e ofereceram o seu sentido podem reentrar na interioridade silenciosa da consciência de si. (FOUCAULT, 2006).

Bakhtin (1992) diz que “o discurso não reflete uma situação, ele é uma

situação. Ele é uma enunciação que torna possível considerar a performance da voz

que o anuncia e o contexto social em que é anunciado”.

Segundo o autor, o estilo do discurso é definido a partir de concepções que o

locutor tem a respeito do destinatário. Nessa mesma direção, Orlandi (2007) diz que:

“As relações de linguagem são relações de sujeitos e de sentidos e seus efeitos são

múltiplos e variados. Daí a definição de discurso: o discurso é efeito de sentidos

entre locutores”.

Nesse contexto, Bakhtin (1992) reforça o cuidado que se deve ter ao se

relacionar com os signos, “o signo se torna a arena onde se desenvolve a luta de

classes”.

Ao utilizar o termo discurso, Norman Fairclough propõe considerar o uso da

linguagem como forma de prática social.

O discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias normas e convenções, como também relações, identidades e instituições que lhe são subjacentes. O discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado. (FAIRCLOUGH, 2007).

Em relação às noções de ideologia, é importante referenciar os pensamentos

de John B. Thompson (1998) e Fairclough (2001). Para Thompson, a noção de

40

ideologia exerce papel importante para analisar as formas simbólicas. Ele afirma

também que nem todas as formas simbólicas têm caráter ideológico, no entanto,

elas exercerão esse caráter se sustentar, reforçar e manter as estruturas

assimétricas de poder.

Fairclough (2001) entende ideologia como significações/construções da

realidade. Essa realidade é o mundo físico, são as relações e as identidades sociais

“que são construídas em várias dimensões das formas/ sentidos das práticas

discursivas e que contribuem para a produção, a reprodução ou a transformação das

relações de dominação”.

Segundo Orlandi, a análise de discurso (AD) é a ferramenta que permite

compreender a ideologia. A AD é importante para os estudos que visam entender as

relações que se deseja fazer a partir de textos diversificados. Com a AD, e por meio

dela, têm-se subsídios que permitem a elaboração consistente nesse campo de

pesquisa. Para corroborar com as essas idéias, cabe aqui apresentar o que defende

Foucault:

A análise do discurso não vai revelar a universalidade de um sentido, mas trazer à luz do dia a raridade que é imposta, e com um poder fundamental de afirmação. Raridade e afirmação, raridade da afirmação — e de maneira nenhuma uma generosidade contínua do sentido ou uma monarquia do significante. (FOUCAULT, 2006).

Assim, com base nas referências, podemos constatar que a ideologia pode

apresentar diferentes posicionamentos nos eventos discursivos, ou seja, as

instituições, os meios de comunicação podem formular o discurso pretendido, com

objetivo de produzir efeito determinado a partir do conteúdo escolhido.

3.2.2 Análise do discurso do OESP

A partir dos pressupostos referenciados, analisamos nove matérias

veiculadas no jornal O Estado de S. Paulo, no mês setembro de 2006; quatro, em

setembro de 2007 e duas, em setembro de 2008. O tema em questão, mídia

impressa e MST, é uma discussão importante, uma vez que envolve dois atores; de

um lado o jornal OESP, com toda representação que lhe é dada em virtude da

função social que exerce; de outro, o movimento dos sem-terra, com toda sua

significância e importância na luta por justiça social e reforma agrária.

41

Buscaremos analisar as escolhas lexicais do OESP e quais os efeitos que

podem ser produzidos, bem como se há um cunho ideológico nos termos

escolhidos. Para tanto, utilizaremos os dados do gráfico abaixo.

Gráfico XIII – A matéria apresenta termos como:

A matéria apresenta termos como:

4

1 111 1 11

7

2

1 11

2

1

5

1 11

2

1 1

2

11

3

Setembro - 2006 Setembro - 2007 Setembro - 2008

Invasores

À margem da lei

Baderneiros

Vandalismo

Violência

Bandos

Malandragem

Beócios

Quadrilha

Picaretagem

Bloqueio/Bloquear

Depredar

Saquear

Roubar

A partir do gráfico acima, é possível constatar que o OESP, para justificar as

atitudes e comportamentos do MST como negativos, utiliza os termos como

invasores, baderneiros, saqueadores, malandragem, b andos, violência ,

conforme gráfico acima, para representar o evento noticiado. E alguns desses

termos aparecem de forma repetida na estrutura textual das notícias. São eles:

Invasores, bloqueio, beócios, destruir, à margem da lei, saquear, depredar,

violência . As palavras utilizadas pelo OESP para compor as matérias sobre as

ações do MST trazem uma carga de negatividade e estão presentes em

praticamente todas as matérias analisadas. Pode-se inferir que a escolha das

palavras tem efeito ideológico a partir da classe social que o jornal representa.

- Setembro de 2006:

A matéria veiculada em 05/09/2006 veio acompanhada da seguinte

manchete: “Sem-terra fazem 3ª. Invasão em 15 dias no Rio Grande do Sul”. Nessa

matéria percebemos que o motivo da “invasão”, que é a informação importante de

acordo com os critérios jornalísticos, deveria estar no início da matéria, mas

encontra-se no último parágrafo. Segundo o texto, o motivo da ação do MST é o não

cumprimento da promessa do Governo Federal. Ou seja, o governo prometeu

assentar 1.700 famílias no Rio Grande do Sul, mas assentou apenas 98. O mesmo

parágrafo diz: “Os sem-terra têm 2,5 mil famílias acampadas à beira da estrada no

Estado”. As duas informações poderiam levar o leitor a analisar as ações do MST

42

sob outro ponto de vista, não fosse o uso dos termos, invadiram, tomaram,

invasão, invasores. Isto posto, cabe ressaltar que tais termos levam o leitor a

analisar a matéria a partir do contexto do produtor da matéria.

Segundo o Dicionário Aurélio, o verbo invadir significa entrar à força ou

sutilmente em; ou, tomar, dominar. O verbo tomar é utilizado no texto para

substituir o termo invadiram , ou seja, é utilizado como sinônimo. Nessa mesma

linha encontram-se as palavras ocupação e entraram . Isto porque a composição

jornalística não aconselha o uso de termo repetido na mesma matéria. A palavra

Invasão é o ato de invadir e invasor é quem ou o que invade, diz o dicionário. Isto

nos leva a acreditar que a ênfase dada pelo jornal, ao utilizar estas palavras,

demonstra que o OESP exacerba a linguagem dramática do jornalismo e mantém a

tensão dos relatos. Tais procedimentos levam a identificar também a estratégia

organizativa do texto a instigar a interpretação do leitor conforme a ótica do jornal.

Na matéria “MST freia invasões no País para favorecer campanha de Lula”,

de 12/09/2006. A chamada da matéria é precisa, categórica e afirma algo sem

nenhuma dúvida. O OESP induz o leitor a associar o candidato Lula às ações do

MST. Isso nos permite levantar a hipótese que existe um viés ideológico partidário

na matéria. A palavra invasão aparece 7 vezes no texto, ao mesmo tempo em que

aparece os termos ocupação, invadir, bloqueio . O intuito do jornal é reforçar no

imaginário popular que o candidato Lula apoia as ‘ações ilegais’ (invasão) do

movimento sem-terra. Empiricamente pode-se constatar que os termos são

utilizados propositadamente, de forma a dar ao texto uma conotação que atenda às

intenções de quem o produziu, levando o leitor a analisar o contexto de acordo com

aquilo que inferiu o jornalista.

O trecho a seguir corrobora com a nossa constatação:

“De acordo com o número do próprio movimento, nos quatro primeiros meses deste ano, foram realizadas 134 ações em 21 estados. Nos quatro meses seguintes, coincidindo com o período de campanha eleitoral, o número de invasões despencou - de maio a agosto foram apenas 46 em 11 estados”.

No dicionário Aurélio, despencar significa: “sofrer grande queda”, “cair

desastradamente de uma grande altura” etc. Em nenhum momento os dados do

MST corroboram a afirmação categórica do jornalista. Percebe-se que o produtor da

matéria usa a palavra despencou para dar credibilidade a sua suposição. Os dados

mostram que houve, sim, diminuição no número de ações do movimento nos

43

estados, não que este despencou. O jogo de criação de sentidos demonstra as

intencionalidades do emissor (o jornal) e as interpretações que podem fazer o

destinatário (leitor).

A matéria veiculada em 12/09/2006 traz a seguinte manchete: “Mulher de

Rainha e líder da UDR buscam votos no Pontal”. O segundo trecho do lead (primeiro

parágrafo) da notícia diz: ”A sem-terra Deolinda Alves de Souza, uma das principais

lideranças do MST, briga pelos votos da região com o fazendeiro Luiz Antônio

Nabhan Garcia, presidente da UDR, a entidade que defende os proprietários rurais”.

Os questionamentos que se faz são no sentido de esclarecer a chamada, ou

seja, se Deolinda Alves é uma das principais lideranças do movimento, por que não

colocaram o nome dela no lugar de “mulher de Rainha”? Talvez a explicação esteja

no fato de Rainha ter se tornado a personalidade do MST ao longo dos últimos anos.

Tal fato serve para justificar o procedimento do jornalista, uma vez que o próprio

jornal destaca Rainha como um dos fundadores do MST.

O fato mais notável da matéria é que não existe disputa ou “briga” dos

postulantes, uma vez que cada qual vai pleitear cadeiras diferentes, isto é, Deolinda

Alves concorre a uma vaga na Assembléia Legislativa de São Paulo e Nabhan

Garcia à Câmara Federal. A disputa só se daria se ambos estivessem concorrendo a

uma cadeira para a mesma casa legislativa.

No mês de setembro de 2006, o jornal O Estado de São Paulo abriu espaço

para duas matérias. “ Ilusão produtiva” foi veiculada em 12/09/06 e “ Beócios

agrários” em 20/09/06. O autor de ambos os artigos foi o agrônomo Xico Graziano.

Graziano ocupou, em 1995, o cargo de Presidente do Incra e, em 1996-98, de

Secretário da Agricultura de São Paulo. (Grifo nosso)

Na matéria “ Ilusão produtiva”, Graziano diz:

Maior assentamento rural do País, a Fazenda Itamaraty, reflete a tragédia

da reforma agrária brasileira. Milhares de famílias, subjugadas por líderes

de araque , sofrem com a sorte. O sonho de Olacyr de Moraes torna-se

pesadelo” (Grifo nosso).

O que se percebe é que há uma confusão de informações no trecho

introdutório do artigo. E vêm as perguntas: por que o maior assentamento rural do

país reflete a tragédia da reforma agrária brasileira? Que tragédia é essa? É por que

milhares de famílias são subjugadas por líderes de araque? Sofrem com a sorte?

44

Que líderes são esses? Que sorte? O sonho de Olacyr de Moraes torna-se um

pesadelo? Qual é o sonho e qual é o pesadelo do Olacyr de Moraes

No decorrer da leitura, o artigo mostra que Olacyr de Moraes foi considerado

o rei da soja e que o seu império começou a ruir em 1995. Mais adiante, o texto diz

que, em 2001, o Incra adquiriu parte da propriedade e a transformou em

assentamento para abrigar cerca de 1.140 famílias. E em 2003, comprou o restante,

o que permitiu assentar cerca de 1.700 famílias de sem-terra. Ainda segundo o

artigo, o Incra pagou pela terra cerca de R$ 200 milhões. Até o momento não

encontramos onde está a tragédia em assentar 1.140 e 1.700 famílias de

trabalhadores sem-terra.

Tragédia , segundo o Dicionário Aurélio, significa acontecimentos fatais;

sucesso funesto, trágico. No texto, a tragédia relatada por Xico Graziano é a venda

de lotes; o arrendamento de pastagem; o trabalho coletivo; é a subserviência. Ou

seja, segundo ele, quase 11 mil pessoas estão subordinadas “a fortes organizações

políticas, ao MST, à CUT e à Fetagri”.

Percebe-se que, além de não esclarecer ao público leitor quem são essas

“organizações políticas”, Graziano faz ilações ao dizer que “o assentamento

Itamaraty depende de esquema de corrupção jamais visto na reforma agrária”. Mas

não diz em que se baseia tal esquema e nem aponta quem são os responsáveis

pelo ‘esquema’. Ele diz que “agentes públicos” conhecem a maracutaia (negociata),

mas não mostra quem são esses “agentes públicos” e quais são as maracutaias.

Qual era o sonho do Olacyr de Moraes? Pode-se dizer que o sonho do Olacyr

se tornou realidade ao se transformar em “rei da soja”; e o “pesadelo”, no caso, foi a

sua ruína. No entanto, essa interpretação não fica clara para os leitores. A análise

que o texto quer inferir é que o sonho de Olacyr era transformar a fazenda Itamaraty

num grande assentamento rural e que o pesadelo é ver o sonho transformado em

‘tragédia da reforma agrária’.

Um assentamento que comporta quase de 11 mil pessoas, segundo o texto,

pode ser chamado de ‘tragédia de reforma agrária’ num país com concentração de

terra na mão de poucos? Nesse caso, o próprio texto se contradiz. A contradição do

artigo permanece ao dizer que “milhares de famílias, subjugadas por líderes de

araque, sofrem com a sorte”. Como uma família que não tinha terra e que ganha um

pedaço de chão pode “sofrer com a sorte?” Essa afirmação só procede se o intuito

45

do autor é associar o “sofrer com sorte” das famílias ao que ele denominou

“subjugadas por líderes de araque”. A palavra ‘subjugada ’, segundo o Aurélio,

significa “submeter pela força das armas; dominar, vencer”. Para Graziano, os

“lideres de araque” são o MST, a CUT e a Fetagri. Aqui se encontra aquilo que

Bonfim chama de personalização. Isso nos leva a inferir que a representatividade de

quem fala e a linha argumentativa adotada proporcionam o espaço disponível a

personalidades como Xico Graziano. Há uma associação ideológica, neste caso,

entre quem fala e quem veicula.

O texto apresenta ainda os termos como invasores, picaretagem e

malandragem . Segundo o Aurélio picaretagem é ação própria de picareta e

“picareta” é pessoa que usa qualquer expediente para alcançar vantagem. O

significado da palavra malandragem é qualidade, ato ou dito de malandro,

malandrice; “malandro” é aquele que abusa da confiança do outros, que não

trabalha e vive de artifícios; velhaco, patife. Maracutaia, segundo o dicionário, é

negociata. Assim, se percebe que o texto é carregado de termos com sentidos

pejorativos para designar atos do MST.

No artigo de 20/09/2006, “Beócios agrários”, Graziano começa assim:

“Abelardo Lupion é um dos parlamentares mais queridos do Congresso Nacional.

Articulado, educado, idealista , não é político profissional, destacando-se como

criador de gado nelore, de excelente genética. Sua família tem história no Paraná”.

(Grifo nosso). Noutro trecho ele diz:

Após o final da CPMI da Terra, em 2005, o deputado Lupion foi jurado de morte pelo MST. Foi ele quem denunciou o ‘mensalão’ da reforma agrária. Milhões de reais eram, e infelizmente continuam sendo, desviados dos cofres públicos através de convênios fajutos. Seu relatório incriminou entidades ligadas aos invasores de terras”.

São dois parágrafos com intenções diferentes. No primeiro, o agrônomo

exalta as qualidades do político e criador de gado nelore. Para tanto, utiliza-se de

adjetivos articulado, educado, idealista . O leitor questionador deve se perguntar

quem é Aberlardo Lupion e quais causas ele defende no Congresso Nacional.

Pergunta também, o que o autor do artigo quis dizer com “não é político

profissional”. “Sua família tem história no Paraná”. Já no segundo parágrafo, o

autor faz questão de deixar implícito que o deputado que pertence a uma família que

tem história, que é educado, idealista, etc, “foi jurado de morte pelo MST”. O

deputado ilibado, segundo Graziano “denunciou o ‘mensalão’ da reforma agrária”.

46

O autor do artigo afirma categoricamente que “milhões de reais eram, e infelizmente

continuam sendo desviados dos cofres públicos através de convênio fajuto ”. (Grifo

nosso)

O artigo arremata o segundo parágrafo com a seguinte afirmação: “Seu

relatório incriminou entidades ligadas aos invasores de terra”. Mais uma vez, de um

lado, o político probo; de outro, os invasores de terra. Mais uma vez o autor deixa

várias perguntas sem respostas, como por exemplo, que fato comprova que o MST

jurou o deputado de morte? O fato de o deputado denunciar o ‘mensalão’ da reforma

agrária? Nesse caso, pressupõe que se isso fosse verdade, o MST estaria

assinando a confissão de que participou do referido esquema. O relatório aponta o

MST como um dos beneficiados pelo esquema? O artigo não diz que é fato

comprovado, o que mostra que o jornal, muitas vezes, profere certos enunciados

para ludibriar e seduzir o público. Outro fato não esclarecido é em relação ao

“convênio fajuto”. Afinal, quem são os representantes desses convênios?

Outro ponto nebuloso do artigo: quais são as entidades ligadas aos

“invasores de terra” que o deputado incriminou? Temos várias perguntas que

precisam de respostas e que deveriam compor o artigo do ex-presidente do Incra. O

que se percebe é que o artigo do Xico Graziano é evasivo e tendencioso.

Os parágrafos analisados demonstram claramente a intenção do autor em

produzir efeitos negativos em relação ao MST e para isso utilizou informações

incompletas e pouco esclarecedoras, o que induz o leitor a crer, nas ‘verdades’ ditas

por ele.

Além disso, o articulista usa os termos malandragem, beócios agrários,

propósitos fascistas, máscara da mentira, justiceir os agrários para dar um

aspecto dramático ao artigo. Tudo isso para reportar às ações da Via Campesina,

entidade ligada ao MST. Beócio significa, segundo o Aurélio, boçal, curto de

inteligência, ignorante. Fascistas – que é partidário ou simpatizante do fascismo;

máscara da mentira – neste caso o autor utiliza da figura da linguagem (hipérbole)

para dar mais ênfase àquilo que quer dizer e ao que quer que o leitor assimile.

Justiceiros agrários – Graziano, mais uma vez recorre à figura de linguagem

(ironia) para dizer algo contrário ao que realmente pensa. (Grifos nossos)

A estratégia do articulista é apontar o caminho para a reflexão do leitor sobre

o tema e induzi-lo a escolher uma determinada posição. “Ninguém aguenta mais

47

esses justiceiros agrários. Será, pensam, uma antecipação do que pode ocorrer a

partir do ano que vem, caso Lula vença? Vão tocar fogo no País? A resposta deveria

ser oferecida à Nação antes das eleições”. Há um apelo dramático do autor para o

leitor/eleitor diante de uma provável eleição do candidato Lula.

A seleção do léxico para a produção dos enunciados no texto está repleta de

significados e de ideologias. A opção de uma palavra pela outra marca claramente a

posição de quem fala diante do fato abordado. Pode-se constatar que, ao abrir

espaço para retórica como a do Xico Graziano, o OESP compromete-se com os

interesses defendidos pelo articulista, ou seja, com os interesses de uma classe

abastada financeiramente. Assim, a escolha do léxico faz jus ao viés ideológico.

Esses procedimentos percebidos na análise das notícias relatadas nos

parágrafo anteriores nos levam a crer que o jornalista traz consigo o viés ideológico

da classe social dominante ao reproduzir os termos (invadir, invasão) usados pela

elite e não os utilizados pelo movimento social, tais como acampar, ocupar. Ou seja,

linguisticamente ficaria menos interessante, tendo em mente o público ao qual a

informação é destinada.

O texto “Rigotto promete pressa ao MST”, de 20/09/2006, para os padrões

apresentados até o momento, é leve, de fácil compreensão. Pode ser considerado

também como um texto que apresenta as informações necessárias para que o leitor

tire a própria conclusão. Neste caso, o jornal não fez uso de léxicos carregados de

significados. Os termos usados com frequência foram ocupação, acampados,

reforma agrária. No entanto, o contexto nos permite inferir que tal fato ocorre em

virtude das personagens que falam no texto. As vozes da matéria são a do

governador do Estado do Rio Grande do Sul, a do Presidente do INCRA e a do

próprio movimento. A matéria foi clara e precisa, sem que para isso o OESP tenha

precisado recorrer a termos carregados de simbolismo.

A matéria veiculada pelo OESP em 22/09/06 tem como manchete: “Meta de

deputado é ‘destruir’ o MST”. O termo ‘destruir’ é muito forte e categórico. Segundo

Aurélio, destruir significa fazer desaparecer; extinguir; matar. O texto diz: “O

deputado Abelardo Lupion (PFL-PR) disse ontem que se dedicará no próximo

mandato, se reeleito, à tarefa de destruir o Movimento dos Sem-Terra (MST) e

outras entidades que, para ele, agem à margem da lei ”. (Grifo nosso)

48

Segundo a matéria, integrantes da Via Campesina, compostas por várias

entidades que defendem a reforma agrária acamparam próximo à entrada da

fazenda do deputado. Temos dois vieses, de um lado o MST que coloca sob

suspeição a compra feita pelo deputado da fazenda da multinacional Monsanto.

Além disso, acusa Lupion de uso de caixa 2 na campanha de 1998. Do outro, temos

um deputado preocupado com o acampamento dos sem-terra próximo a sua

fazenda, com as acusações e com o abaixo-assinado coletado pela Via Campesina

que seria entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional

solicitando que investigassem as denúncias, por eles formulados.

Nenhum dos fatos relatados na matéria justifica a violência contida na

expressão do deputado. Além disso, o próprio OESP dá voz ao deputado para que

ele se defenda das acusações da Via Campesina. Neste caso, o OESP demonstrou

a imparcialidade ao dar voz às partes envolvidas, no entanto, as palavras destruir, à

margem da lei reforçam a retórica utilizada pelo jornal na maioria das notícias

veiculadas sobre o MST, nesse período pesquisado.

A matéria de 26/09/2006 traz a seguinte chamada “Protesto de sem-terra

fecha estrada no Paraná”. O significado, segundo Aurélio, para o termo fechar : Pôr

algo apropriado para obstruir a entrada, a abertura, de, na posição adequada; cerrar.

Impedir o acesso a. Impedir o trânsito em; impedir, obstruir. etc. Já o verbete

interromper significa: Fazer parar por algum tempo; romper ou suspender a

continuidade de. Fazer cessar; destruir, extinguir. Estorvar, embaraçar; entrecortar;

etc.

A matéria apresenta o seguinte trecho:

“Cerca de cem integrantes da Via Campesina e do Movimento dos Sem-Terra (MST), que estão no assentamento Dorcelina Folador, interromperam ontem, por cerca de cinco horas, o tráfego na BR-369 entre Arapongas e Apucarana, no norte do Paraná”.

O primeiro parágrafo (conhecido também pelo meio jornalístico como lead),

segundo as normas jornalísticas, deveria conter as informações mais importantes,

no entanto, o motivo do protesto encontra-se no segundo e no quinto parágrafos.

Vejamos a seguir: segundo parágrafo:

O objetivo era fazer um protesto em frente à empresa brasileira de defensivos agrícolas Nortox. Segundo o MST a Nortox contribuiu com R$ 50 mil para a campanha do deputado federal Abelardo Lupion (PFL-PR), em 1998, 'com o objetivo de flexibilizar a utilização de agrotóxicos no Brasil.

49

No quinto parágrafo o texto diz:

“Os manifestantes disseram que também tinham a intenção de alertar para que seja investigado se a empresa cumpre as normas ambientais e de saúde dos trabalhadores”. ‘Eles nem sabem o que é isso’, respondeu o presidente da Nortox. 'É tudo gente mandada’.

Os termos proferidos pelo presidente da empresa Nortox significam, grosso

modo, chamar os manifestantes de ignorantes. Isso casa bem com o que Graziano

denominou de “beócios”. A constatação é que há uma identidade ideológica entre

Xico Graziano e o Presidente da Nortox. “É tudo gente mandada” – esta frase nos

reporta novamente ao termo que Graziano usou no artigo “Beócios agrários” –

12/09/2006: “subjugadas pelos lideres de araque”. Aqui se percebe a ligação dos

fatos, a relação estabelecida entre as personalidades contrárias às ações dos

movimentos sociais e à linha editorial do OESP.

Na mesma matéria, encontra-se o subtítulo: ‘Destruir o MST’. Neste item o

jornalista repete as mesmas informações veiculadas no jornal em 22/09/2006. O fato

em si não possui o apelo jornalístico que justifique requentar (repetir) a matéria já

veiculada, a não ser que o intuito seja de reforçar e difundir as ideias defendidas no

texto, de 22/09/06, “Beócios agrários”.

- Setembro de 2007:

A matéria de 02/09/07 traz a seguinte manchete: “Universidade cria curso de

direito só para sem-terra”. O termo só para sem-terra leva o leitor a imaginar uma

realidade que o próprio lead desmente ao dizer “(...) exclusivo para alunos oriundos

de assentamento de reforma agrária e de pequena agricultura”. Ora, se o jornal

estabelece dois grupos diferenciados que podem ter acesso ao curso de Direito a

ser ministrado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), por que usou na chamada

“só para sem-terra”? A análise empírica que fazemos nos possibilita afirmar que o

jogo de palavra serve para reforçar a ideia de que o governo, ao criar um curso para

assentados, privilegia o MST. Esse é o sentido da palavra “só e exclusivo”, ou seja,

criar um desconforto entre sociedade, governo e movimento.

O primeiro parágrafo da matéria ainda apresenta a seguinte informação, que

também desmente a manchete: “Da turma de 60 alunos, 39 têm origem nos

assentamentos do Movimento Sem-Terra (MST)”. E os outros 21 alunos são de

quais grupos? Da “pequena agricultura”? Afinal, o que o jornal quis dizer com

“pequena agricultura”? O fato de existir pequenos agricultores nos municípios

50

brasileiros não significa dizer ou afirmar que eles são originários do MST. O jornal

errou mais uma vez ao fazer afirmações categóricas com firme propósito de expor o

governo e o movimento ao julgamento negativo da sociedade.

No dia 7 de setembro de 2007, o editorial do OESP intitula-se “Bacharéis

sem-terra”. Aqui utilizaremos uma parte do conteúdo do editorial:

(...) Em tais cursos haveriam de entender o que é em nossa legislação, o esbulho possessório , por que é vedado por lei invadir e depredar a propriedade alheia, praticar vandalismo nas sedes das fazendas, colocar em cárcere privado empregados de propriedades rurais, matar animais de rebanhos, destruir mudas (em sociedade com bandos internacionais, do tipo “Via Campesina”) em laboratórios de evolução genética para aperfeiçoamento da produção rural, ocupar rodovias tolhendo o direito de ir-e-vir dos cidadãos, saquear caminhões e supermercados para roubar alimentos, destruir e saquear cabinas de pedágio e (ultimamente) invadir faculdades como as que vão cursar Enfim, esses jovens emessetistas, muito haveriam de aprender sobre o que prescreve nosso ordenamento jurídico, no tocante a atividades que o MST tem desenvolvido – e que devem achar “normais”, por terem sido criados em meio ao generalizado desrespeito aos direitos alheios. (Grifos nossos).

A maioria dos termos aqui utilizados já foi devidamente traduzida nos

parágrafos anteriores, portanto, apontaremos os significados dos que surgiram nesta

matéria. Afinal, o leitor escolado ou mediano saberia o significado do termo “esbulho

possessório”? Bem, para sabermos o que significa, recorremos ao site

www.direito2.com.br que diz:

“O esbulho possessório é a retirada violenta de um bem (imóvel residencial, comercial ou rural) da esfera da posse do legítimo possuidor. Implica o crime de usurpação tipificado quando alguém invade com violência à pessoa, grave ameaça ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio”.

Segundo o dicionário eletrônico Wikipedia, cárcere privado 6 consta no

capítulo dos crimes contra a liberdade individual do Código Penal Brasileiro, art.148.

Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado.

Segundo o Aurélio, os termos: depredar é o mesmo que assolar, devastar,

roubar, saquear; vandalismo é ação própria de vândalo, que quer dizer destruidor

de monumentos; que nada respeita; saquear significa despojar com violência,

roubar, furtar. Para o termo roubar , o Aurélio atribui as acepções: tomar (objeto ou

coisa móvel) da posse de alguém, mediante ameça ou violência; tirar bens, dinheiro

ou valores da posse de (alguém), etc.

6 Disponível em http://pt.wikipedia.org. Acesso em: 7 maio 09, às 19h.

51

A maioria das expressões utilizadas pelo OESP tem conotação ideológica,

principalmente ao utilizá-las em defesa explícita dos proprietários rurais. Com isso o

jornal assume publicamente a identidade social a qual está atrelado. Para isso usa o

Direito para mostrar à população que os atos do movimento são ilegais.

Prosseguindo a análise, temos um artigo, de 17/09/2007: O governo, o PT e a

propriedade, assinado pelo professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul (UFRGS), Denis Lerrer Rosenfield. O texto faz críticas às posições

adotadas pelo Partido dos Trabalhadores no seu congresso. Mas a principal

preocupação do filósofo é em relação às declarações de líderes partidários que,

segundo ele, defendem em documento que o “partido deveria se reaproximar dos

movimentos sociais”. O autor diz no quinto parágrafo:

Os movimentos sociais, juntamente com a maior parte das tendências petistas, estão empreendendo um forte processo de relativização da propriedade privada. Enquanto a atenção está centrada no mercado financeiro, eles se movem resolutamente em ações que visam a desrespeitar a propriedade e os contratos, fazendo valer as sua posições anti-capitalistas, enfraquecendo as instituições representativas. (Grifos nossos)

As afirmações do filósofo são bem contundentes para aqueles que, como ele,

defendem a permanência do status quo. Mas torna-se vazia quando se contesta as

afirmações, por exemplo, de onde ele tirou que a maior parte das tendências

petistas está relativizando a propriedade privada? Será que tal afirmação tem como

base o apoio que o partido dá às lutas do MST? Isso não é relativizar propriedade

privada. Os movimentos sociais sempre foram parceiros do PT e vice-versa.

Portanto, a afirmação em si não se sustenta. Afinal, quais são as “instituições

representativas” que o filósofo faz questão de defender, mas que não estão

evidenciadas para o leitor?

No sexto parágrafo, o autor aponta como relativização da propriedade

privada, em suas funções sociais, se manifesta de forma mais clara pelas

“ações violentas do MST” ; raciais – pelas “ações dos quilombolas”; indígena – pela “proliferação inaudita de demarcações do território nacional” e ambiental. Segundo o autor, a “função ambiental da propriedade está sendo desvirtuada” e “ostentada pelo MST e pela Via Campesina”, que emprega ações de destruição de propriedade . (Grifos nossos)

O artigo tenta confundir o leitor com um ponto de vista específico sobre a

questão e não apresenta nada que comprove as afirmações acerca do PT e da

relativização de propriedade privada. O que ele mostra é a total aversão a qualquer

52

tipo de movimento, principalmente os elencados pelo próprio professor, que luta

para concretizar seus direitos. Ao citar o governo, o professor/filósofo não se

manifestou ou questionou a aplicação de recursos em programas governamentais

que atendam às demandas dos movimentos sociais.

Ao mencionar a propriedade, o filósofo sequer lembrou que a luta pela terra,

que os problemas de ordem social, econômico, político e cultural têm origem na

herança histórica deixada pelo processo de colonização do Brasil. Não disse que tal

processo privilegiou grandes concentrações de terra e de renda e como

consequência agravou o grau de exclusão e de injustiça social.

Neste caso, mais uma vez o OESP se vale da voz do outro, ou seja, utiliza-se

de argumentos de autoridades (especialista) para reafirmar posições antagônicas às

defendidas pelos movimentos sociais.

O artigo a seguir contém praticamente os mesmos argumentos adotados no

texto anterior. É datado de 18/09/2007 com a chamada: “Conservadores de

esquerda”. Foi veiculado na página B2 – Economia – Artigo. O autor é o articulista

Celso Ming. A primeira pergunta é o que os conservadores de esquerda têm a ver

com um artigo veiculado no caderno de economia, mas o engano é desfeito na

primeira linha do primeiro parágrafo, que diz:

O Movimento dos Sem-Terra (MST), os movimentos sociais que agem em

defesa dos negros e o próprio Partido dos Trabalhadores (PT) são forças

conservadoras que fazem reivindicações que, em última análise, são

conservadoras. São incapazes de transformar a sociedade que pretendem

transforma.

Segundo Ming, essa foi a conclusão do sociólogo José de Souza Martins que

participou do 4º Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas.

Percebemos que fragmentos da palestra do sociólogo foram retirados e

colocados no texto, seguindo o contexto que o articulista quis dar ao assunto. Ming

credita ao PT e aos movimentos sociais os fracassos dos avanços pretendidos para

a transformação da realidade que se quer transformar, no entanto, no quarto

parágrafo o autor diz: “O argumento central da exposição do professor Martins foi o

de que nem as elites nem o Estado apresentaram até agora soluções responsáveis

para as populações que ficaram à margem da história do País”. O que fica claro é

que professor Martins atribuiu responsabilidade pelo insucesso nas áreas sociais ao

53

PT, ao movimento social, às elites e ao Estado. E não apenas aos dois primeiros

segmentos, conforme atesta Ming no início do artigo.

No quinto parágrafo, não se sabe se o argumento é do articulista ou do

palestrante citado. “Essa gente reivindica agora ‘políticas compensatórias que

descambam para ações sociais assistencialistas que desfiguram as orientações

sociais baseadas na concorrência e na competição”. “Essa gente”, segundo o texto,

refere-se aos negros, mestiços e indígenas. Essa forma de tratamento usada

demonstra o desprezo que ambos têm por aqueles que eles mesmos designaram de

“à margem da história do País”. No lugar do termo utilizado podia-se dizer ‘os

excluídos’ ou ‘essa parcela da população’. No entanto, essas palavras não

combinam com o sentido pejorativo que se quis dar ao grupo referenciado. “As

ações assistencialistas” é a crítica que tanto o sociólogo-palestrante quanto o autor

do artigo fazem às políticas de inclusão social adotadas pelo governo do PT.

Os últimos três parágrafos do artigo (que não deixam saber quando começa o

texto do articulista e nem a fala do sociólogo; ambas são iguais, por isso não se

consegue fazer distinção) contêm críticas veladas ao PT, ao governo e ao

presidente Lula. Portanto, é admissível apontar que as afirmações utilizadas pelo

sociólogo Martins servem de base para reforçar os argumentos usados pelo

articulista do OESP. Além disso, os argumentos são frutos das ideologias que

sustentam as desigualdades sociais e subalternizam os excluídos.

- Setembro de 2008:

Matéria veiculada em 29/09/2008 apresenta a seguinte chamada: “PMs do

massacre de Eldorado dos Carajás ganham promoção”. Mais abaixo, o subtítulo é:

“Governadora, que é do PT, promove a cabo 80 soldados que participaram do

episódio”. A pergunta que os eleitores/leitores fazem é como um governo do PT

promove a cabo os PMs que assassinaram trabalhadores sem-terra no município de

Eldorado do Carajás? Aqui vemos que a manchete e o subtítulo foram escolhidos

com intuito de colocar não só o MST, mas toda a comunidade contra a governadora.

A associação que os eleitores/leitores fazem entre PT e MST leva o jornal a mexer

com o imaginário popular ao veicular esse tipo de matéria. A matéria foi veiculada

cinco dias antes da realização do primeiro turno das eleições municipais. Isso

também demonstra que ao noticiar a decisão do governo do Pará, o OESP teve o

54

objetivo claro de influenciar os eleitores a não optarem pelos candidatos do mesmo

partido de um governo que privilegia participantes de massacre de trabalhadores.

As aspas estão presentes em praticamente todo o texto, com a intenção

explícita de reforçar o discurso negativo contrário às ações dos petistas envolvidos

com a promoção dos PMs. Além das aspas, os verbos (receber, promover, avaliar,

observar, dizer, tornar-se) são utilizados propositadamente, de forma a dar ao texto

uma conotação que atenda às intenções de quem o produziu, induzindo o leitor a

analisar o contexto de acordo com o viés adotado pelo jornalista.

Na segunda matéria “Assentamentos lideram desmate”, veiculada em

30/09/2008, o texto desmente a manchete. Vejamos.

Oito assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária (Incra) na Amazônia estão na lista dos cem maiores desmatadores

do País, de acordo com informações do Ministério do Meio Ambiente.

Desses, todos localizados em Mato Grosso, seis encabeçam a relação dos

que mais feriram a floresta, um está em 40º lugar e o outro em 44º .

A matéria traz a informação de que os assentamentos do Incra foram

responsáveis por 44% do desmatamento, enquanto que as áreas particulares

foram responsáveis por 56%. (Grifos nossos)

Ao avaliar os números apresentados fica uma dúvida sobre o critério utilizado

pelo jornalista. Afinal quem são os que ocupam do 1º ao 39º lugar? Por que o jornal

omitiu essa informação e pulou do primeiro para o 40º e 44º? É por que nessas

posições encontram-se os assentamentos? Outro ponto “confuso” é como quem

desmata 44% lidera e aqueles que desmatam 56% não lideram ?

A matéria procura colocar os assentados como vilões da história do

desmatamento na Amazônia. Para os eleitores/leitores que não têm conhecimento

que Mato Grosso é um dos maiores produtores de soja do Brasil e que o

agronegócio avança em todo país, vão acreditar no contexto apresentado pelo

OESP. Vemos que mais uma vez jornal e jornalista se prestam a desempenhar

papel não recomendável para a produção de assuntos de interesse da população.

A quem interessa uma matéria repleta de incorreções e ocultamento de

informações? Serve para instigar de forma negativa a discussão da reforma agrária.

O jornal deliberadamente presta desserviço à nação ao noticiar de forma

‘equivocada’ a discussão sobre o desmatamento. O propósito do OESP é colocar

55

mais uma pecha aos sem-terra (além dos muitos elencados desde o início da

análise), ou seja, a de “destruidores do meio ambiente”.

56

4 Considerações finais

“Além da significação explícita, existe toda uma gama de

significações implícitas, muito mais sutis, diretamente ligadas à intencionalidade do produtor”. ( KOCH, 2002).

Um ponto importante da pesquisa relaciona-se ao período pesquisado, isto

é, o mês de setembro dos anos de 2006, 2007 e 2008. O período – setembro de

2006 e 2008 antecede o processo eleitoral no Brasil. Pode-se afirmar que os

motivos que levaram o MST a ocupar as páginas do jornal tantas vezes em

setembro de 2006 foram o componente ideológico-eleitoral, ou seja, OESP tentou

influenciar no processo eleitoral daquele ano, fato não verificado em 2008, que

também foi um ano eleitoral. A explicação para isso reside no fato de que a eleição

de 2008 foi municipal, enquanto que a de 2006 foi nacional.

Em setembro de 2007 as inserções podem ser consideradas normais em

virtude da disparidade ocorrida em anos eleitorais. Tais fatos nos permitem sustentar

que há maior número de matérias relacionadas ao movimento em disputa eleitoral

nacional, mas permitem também afirmar que a visibilidade do MST ocorre sempre

quando desencadeia ações contrárias daquelas defendidas pelas elites.

A análise empreendida nos indica também que o OESP procura dar o sentido

de pluralidade de idéias sobre o assunto pautado. No entanto, o fato de o jornal

“consultar” o MST para produzir uma determinada matéria não significa objetividade

ou neutralidade. Não basta aspas e diversidades de fontes para dar caráter de

objetividade ao assunto, mas, antes de tudo, expor ao leitor a realidade dos fatos e

isso não se verificou em nenhuma das matérias veiculadas.

Além de não ser isento, percebemos também que, na maioria das matérias,

os que falam recorrem a termos extravagantes e exacerbados, como por exemplo,

“invasão”, “saquear”, “depredar”, etc, para chamar atenção do público para o tema

que os preocupam. Com isso pode-se inferir que as vozes que falam servem apenas

para compor o discurso do texto jornalístico.

A linha adotada pelo jornal O Estado de S. Paulo, ao cobrir as ações

desencadeadas pelo MST na luta pela terra, levanta questionamentos acerca da

ausência dos fundamentos balizadores do jornalismo, como a imparcialidade e a

isenção.

57

Isso se explica pelo fato de a representação ideológica do OESP não coincidir

com a defendida pelo MST. O que nos leva a afirmar que existe, sim, um viés

ideológico do jornal. Essa afirmação é comprovada pelo uso recorrente de termos

que expressam significados e simbologias negativas. Com isso, o jornal com ou

sem intenção, direta ou indiretamente, contribui, por meio da estratégia de

comunicação previamente escolhida, com a manutenção do status quo, ou seja,

determina por meio do discurso utilizado as relações sociais estabelecidas.

O histórico da matérias analisadas deixa claro que o jornal trata a questão da

luta pela terra como caso de polícia e não como uma questão social. Pelos léxicos

escolhidos, percebe-se que o OESP trata as ações do MST como criminosas. Em

nenhum momento a questão agrária foi tratada no texto e nem que as ações do MST

são o resultado da concentração de terra e da ausência de políticas para esse setor.

A seleção de verbos – roubar, matar, saquear, depredar, invadir, destruir ,

entre outros – tem forte significado e não está no texto por acaso. A opção por cada

um deles se explica pelo sentido que possuem. Portanto, é lícito afirmar que o

léxico criminaliza, desmoraliza, desqualifica e deslegitima o MST a partir da prática

discursiva adotada. Ou seja, os recursos de natureza léxica utilizados cumprem os

propósitos comunicativos defendidos pelo jornal e atende às necessidades de

transformações de ordem social a partir da ideologia do grupo dominante, com o

qual o OESP tem identidade social. Os sentidos produzidos a partir dos dizeres

elaborados pelo jornal O Estado de S. Paulo resulta da ideologia defendida e

sustentado pelo próprio jornal.

Um dos pressupostos que norteiam os meios de comunicação de massa diz

que estes exercem importante papel na vida da população ao divulgar assuntos de

interesse público. Neste sentido, cabe referenciar Nelson Traquina (2000) quando

diz: “Em democracia, é imperativo eliminar os constrangimentos que bloqueiam o

fluxo e garantir o direito constitucional do acesso à informação”.

Assim, este estudo, ao buscar a compreensão das estratégias discursivas

empregadas pelo OESP, como forma de caracterizá-lo como um jornal de posições

claras e de identidade com as elites brasileiras, procura abrir possibilidades para

novas pesquisas sobre esse tema, uma vez que a academia requer novos olhares

para essa questão.

58

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61

Anexos

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JORNAIS

SETEMBRO DE 2006

63

64

65

66

67

68

JORNAIS

SETEMBRO DE 2007

69

70

71

JORNAIS

SETEMBRO 2008

72