3
ERÇA-FEIRA, 16 DE JULHO DE 2013 Benjamin secreto --> Entrevista de Giorgio Agamben concedida a Antonio Gnoli Terríveis devem ter sido os últimos anos de vida de Walter Benjamin. Em uma sequência de eventos negativos, entre 1938 e 1940, ele morou em Paris em isolamento e extrema pobreza. Os seus dias transcorriam na Bibliothèque Nationale, o único lugar que lhe garantia a necessária concentração para levar adiante o seu projeto. Entre as cartas e fichas em que compulsivamente fazia anotações, trabalhava na redação de um grande livro. Então aconteceu o pior. E foi como cair de modo ruinoso desde o alto de um precipício. Em alguns poucos meses, o judeu Benjamin empreendeu uma fuga que se concluiu, como é notório, com o suicídio em Port-Bou, na divisa com a Espanha, em setembro de 1940. Contam que junto às poucas coisas necessárias à sobrevivência, Benjamin trazia consigo uma mala com o manuscrito no qual havia febrilmente trabalhando. É muito provável que tal mala, que, diz-se, perdeu-se, seja apenas uma lenda, e que a verdade seja outra. A nos contá-la está Giorgio Agamben, que descobriu as cartas, hoje finalmente publicadas pela Neri Pozza. Antonio Gnoli: Como o senhor chegou à descoberta? Giorgio Agamben: Casualmente. Naquele período, o fim dos anos setenta, estava trabalhando para reencontrar as últimas cartas de Benjamin, e inclusive o famoso manuscrito das Pariser Passagen, que se acreditava perdido. Quando um dia, folhando cartas de Georges Bataille, encontrei uma na qual Bataille, escrevendo a um amigo que trabalhava no setor de conservação da Bibliothèque Nationale, citava alguns envelopes nos quais estariam contidos manuscritos de Benjamin. Na margem da carta havia uma anotação do funcionário que indicava a Bibliothèque Nationale como o lugar onde aqueles manuscritos se encontravam. Assim começou a caça ao tesouro? Foi uma busca eletrizante. Por fim, encontrei os manuscritos em um armário. Havia deixado ali a viúva de Bataille. É preciso notar que a Bibliothèque não catalogava os trabalhos do depósito, por isso poderiam ainda ter permanecido sepultados ali por decênios. O que exatamente o senhor encontrou? Tudo aquilo que então se tornou este livro, que deveria ter saído em 1996. Mas tempestuosas brigas editoriais impediram a publicação. A que o senhor alude?

Benjamin Secreto - Entrevista Agamben

Embed Size (px)

DESCRIPTION

benjamin secreto

Citation preview

  • E R A - F E I R A , 1 6 D E J U L H O D E 2 0 1 3

    Benjamin secreto

    -->

    Entrevista de Giorgio Agamben concedida a Antonio Gnoli

    Terrveis devem ter sido os ltimos anos de vida de Walter Benjamin. Em uma sequncia de eventos negativos, entre 1938 e 1940, ele morou em Paris em isolamento e extrema pobreza. Os seus dias transcorriam na Bibliothque Nationale, o nico lugar que lhe garantia a necessria concentrao para levar adiante o seu projeto. Entre as cartas e fichas em que compulsivamente fazia anotaes, trabalhava na redao de um grande livro. Ento aconteceu o pior. E foi como cair de modo ruinoso desde o alto de um precipcio. Em alguns poucos meses, o judeu Benjamin empreendeu uma fuga que se concluiu, como notrio, com o suicdio em Port-Bou, na divisa com a Espanha, em setembro de 1940. Contam que junto s poucas coisas necessrias sobrevivncia, Benjamin trazia consigo uma mala com o manuscrito no qual havia febrilmente trabalhando. muito provvel que tal mala, que, diz-se, perdeu-se, seja apenas uma lenda, e que a verdade seja outra. A nos cont-la est Giorgio Agamben, que descobriu as cartas, hoje finalmente publicadas pela Neri Pozza. Antonio Gnoli: Como o senhor chegou descoberta? Giorgio Agamben: Casualmente. Naquele perodo, o fim dos anos setenta, estava trabalhando para reencontrar as ltimas cartas de Benjamin, e inclusive o famoso manuscrito das Pariser Passagen, que se acreditava perdido. Quando um dia, folhando cartas de Georges Bataille, encontrei uma na qual Bataille, escrevendo a um amigo que trabalhava no setor de conservao da Bibliothque Nationale, citava alguns envelopes nos quais estariam contidos manuscritos de Benjamin. Na margem da carta havia uma anotao do funcionrio que indicava a Bibliothque Nationale como o lugar onde aqueles manuscritos se encontravam. Assim comeou a caa ao tesouro? Foi uma busca eletrizante. Por fim, encontrei os manuscritos em um armrio. Havia deixado ali a viva de Bataille. preciso notar que a Bibliothque no catalogava os trabalhos do depsito, por isso poderiam ainda ter permanecido sepultados ali por decnios. O que exatamente o senhor encontrou? Tudo aquilo que ento se tornou este livro, que deveria ter sado em 1996. Mas tempestuosas brigas editoriais impediram a publicao. A que o senhor alude?

  • deciso da Editora Einaudi de no public-lo. Pediram-me coisas absurdas, como, por exemplo, cortar o livro, pois a edio completa teria prejudicado o volume sobre as Passagen. Teria sido como pedir para que um estudioso de Dante que descobre um novo manuscrito da Commedia no o publique, pois, assim, iria prejudicar as edies precedentes. Passaram-se quase vinte anos. Nesse perodo os direitos sobre as obras de Benjamin caram em domnio pblico, e o livro finalmente publicado com o ttulo Baudelaire, un poeta lirico nellet del capitalismo avanzato [Baudelaire, um poeta lrico na idade do capitalismo avanado]. Por que to importante e o que o diferencia das Passagen que a Einaudi publicou com o ttulo Parigi, capitale del XIX [Paris, capital do sculo XIX]? Benjamin, nos ltimos anos da sua vida, estava trabalhando em uma obra fundamental. E, em um primeiro momento, essa obra so as Passagen de Paris, que contm um captulo dedicado a Baudelaire. Mas conforme avana, o captulo cresce a ponto de suplantar o trabalho precedente. Por isso, de modelo em miniatura, o Baudelaire se torna a obra completa. Mas, desse modo, o que o livro das Passagen publicado pela Einaudi? simplesmente o grande fichrio organizado por Benjamin. Tanto verdade que quando informei o organizador das obras de Benjamin, R. Tiedemann, sobre a situao, ele colocou uma nota no ltimo volume em que diz que, se tivesse conhecimento desses materiais antes, teria sido possvel fazer uma edio histrico-crtica do livro sobre Baudelaire que teria mudado muitas coisas. Portanto, essa edio que organizei a primeira no mundo. Sei que tambm os alemes, com base na descoberta, faro uma. Mas, por fim, o que de substancial acrescido? Finalmente possvel entrar com clareza no trabalho de Benjamin, no seu modo de trabalhar, que, de fato, no neutro. Quando decide desviar a ateno para Baudelaire, toma o enorme fichrio das Passagen e o reordena, coloca-o, por assim dizer, em movimento. como se o material at ento recolhido tivesse sido chamado a uma nova vida. Passa-se, ele escreve, da documentao construo do texto. O que no uma passagem inerte, passiva, esotrica. Mas um modo para tecer a conexo entre os seus conceitos fundamentais: aura, alegoria, mercadoria, prostituio etc. At ontem se pensava que as Teses sobre o conceito de histria fossem o ltimo trabalho de Benjamin. Na realidade, aquelas Teses como ele nos mostra so apenas o aparato terico de uma seo do livro sobre Baudelaire. Est claro que muda a perspectiva. Em um fragmento anota: preciso construir o objeto como mnada. Uma afirmao enigmtica. Refere-se s mnadas de Leibniz. Estas, verdade, no tm janelas, mas no as tm enquanto elas mesmas representam o universo. Elas o contm. Portanto, os objetos a que se refere Benjamin so aqueles nos quais j est refletida a construo do todo. Trabalhar sobre o pequeno, o desprezvel, para descobrir o grande. Era esse o seu princpio microlgico? Sim. O senhor diz desprezvel e tal palavra remete ao outro princpio que o orienta: trabalhar sobre os trapos, os refugos, as categorias secundrias e frequentemente escondidas. No por acaso escolheu as passages parisienses que, naquela poca, do ponto de vista arquitetnico, eram consideradas um objeto absurdo que no interessava a ningum, salvo aos surrealistas, que as redescobriam como objeto estranho. Em suma, Benjamin desce a um subsolo que quase ningum conhece. Em um certo ponto, para definir o prprio trabalho, Freud diz que se no puder mover os deuses, mover o Aqueronte, isto , o inferno. Tambm o princpio de Benjamin era aquerntico. Ele no indaga as grandes categorias, os grandes conceitos sobre os quais se debruaram os historiadores da cultura, mas se move nos nferos da Paris do sculo XIX. L a histria a contrapelo. E Baudelaire o Virglio que o conduzir no seu inferno? Absolutamente. Para ele, Baudelaire o poeta que de pronto se d conta de que tudo mudou, de que tudo tem a ver com o mercado e a mercadoria. o terico do moderno, mas o moderno tambm o arcaico.

  • O modo de Benjamin trabalhar, anotando tudo em pequenas fichas, parece de outros tempos. Era uma necessidade. Naqueles anos era to pobre que no podia nem mesmo permitir-se comprar papel. Utilizava qualquer folha: desde o verso de cartas que lhe eram expedidas at rtulos da gua San Pellegrino que tomava nos bares. Como se mantinha? Com o pouco dinheiro que lhe expediam Adorno e o Institut fr Sozialforschung. Angustiou-se quando soube que haveriam de reduzi-lo. At que ponto foram fundamentais as relaes com Adorno e Horkheimer? At menos do que se pensa. H um episdio revelador. H alguns anos, saiu dos arquivos da universidade, onde Benjamin havia tentado obter a habilitao de docente [abilitazione], o relatrio que motivava a negativa. Benjamin tinha apresentado como trabalho A origem do drama barroco. O professor que examinou o texto confessou que no entendeu nada, por isso pediu o parecer do seu jovem assistente, Max Horkheimer, que redigiu uma nota assinada na qual reprovava Benjamin. Tal ato mudou radicalmente a vida de Benjamin. No sei se para o bem o para o mal. Mas tornou-a durssima. La Repubblica, 12 de dezembro de 2012. p. 57. (traduo: Vincius Nicastro Honesko)

    P O S T A D O P O R K H R A S 5 : 0 4 P M U M C O M E N T R I O :

    http://flanagens.blogspot.com.br/2013/07/benjamin-secreto.html