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Benza Deus Relatorio de Pesquisa

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BENZA DEUS!

BENZEDEIRAS EM CURITIBA:

MODERNIDADE E TRADIÇÃO

VICTOR AUGUSTUS GRACIOTTO SILVA

JULIANA CRISTINA REINHARDT

Victor Augustus Graciotto Silva,

Curitiba

2009

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Dados Internacionais de Catalogação na FonteBibliotecária responsável: Ângela M. S. Cherobim CRB9/601

S586 Silva, Victor Augustus Graciotto Benza Deus! Benzedeiras em Curitiba: modernidade e tradição. Victor Augustus Graciotto Silva; Juliana Cristina Reinhardt. - Curitiba: Ed. do Autor, 2009. 1 cd. 1.Misticismo – Curitiba . 2. Superstição – Curitiba. 3.Medicina mágica e mítica - Curitiba I. SILVA, Victor Augustus Graciotto II. REINHARDT, Juliana Cristina III. Título

ISBN: 978-85-910219-1-8

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INCENTIVO

CoordenaçãoVictor Augustus Graciotto Silva

OrganizaçãoJuliana Cristina Reinhardt

Pesquisa de campoVictor Augustus Graciotto SilvaJuliana Cristina ReinhardtKatiuscia Dier FranciscoRegina Maria Schimmelpfeng de Souza Ricardo de Campos LeinigSilvana Maria dos Santos

Produção de textoVictor Augustus Graciotto SilvaJuliana Cristina ReinhardtKatiuscia Dier FranciscoRegina Maria Schimmelpfeng de Souza Ricardo de Campos LeinigSilvana Maria dos Santos

Revisão de textoRegina Maria Schimmelpfeng de Souza

Projeto e design gráfi coEli Pio

Copyright Victor Augustus Graciotto Silva, 2009

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Victor Augustus Graciotto SilvaGraduado em História (2003) e mestre em História (2005) pela Universidade Federal do Paraná. Professor da disciplina de História na Escola Estadual Santo Antônio. Professor do curso de História na Instituição Superior de Ensino SION – ISE-SION.

Juliana Cristina ReinhardtGraduada em Nutrição (1999), mestre em História (2002), doutora em História (2007), todos pela Universidade Federal do Paraná. Professora do curso de Nutrição das Faculdades Integradas Espírita – FIES.

Katiuscia Dier FranciscoGraduada em Nutrição (1999) e especialista em Saúde Pública (2003), ambos pela Universidade Federal do Paraná.

Regina Maria Schimmelpfeng de SouzaGraduada em História (1998), mestre em História (2002), doutora em Educação (2006). Professora de História - Ensino Médio, na Sociedade Educacional de Santa Catarina – SOCIESC, unidade Curitiba.

Ricardo de Campos LeinigGraduado em Ciências Biológicas (2002) pela Faculdades Integradas Espírita e mestrando em Antropologia Social pela Universidade Federal do Paraná. Professor de Antropologia Cultural da Faculdades Integradas Espírita – FIES. Silvana Maria dos SantosGraduada em Nutrição pela Faculdades Integradas Espírita e mestranda em Antropologia Social pela Universidade Federal do Paraná. Professora da Faculdades Integradas Espírita e da Faculdade Evangélica o Paraná, ambas do curso de Nutrição.

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Às benzedeiras

Em desertosE pedras

Nascem fl ores

DesabrochamPerfumam

MorremE de seus frutos,

Novos perfumes

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho somente foi possível devido à boa vontade de uma legião de pessoas anônimas, que nos conduziram, seja indicando os caminhos, seja nos levando por eles. Pessoas que andavam pelas ruas ou paradas em pontos de ônibus, freqüentadoras de igrejas ou do comércio, homens e mulheres, crianças e idosos. A vocês agradecemos. Ao prof. Ms. Ozanam Aparecido de Souza pelo pontapé inicial.

Ao prof. Dr. Emílio Carlos Boschilia pela solicitude.

À prof. Dr. Lea Resende Archanjo e à estudante Daniela Araújo Teixeira Leite, pela presteza.

Às agentes comunitárias das Unidades de Saúde que nos auxiliaram.

Ao Eli Pio. Bom contar contigo.

Um eterno muito obrigado à minha equipe de pesquisa – Kati, Regina, Ricardo e Silvana – pelo esforço, dedicação, perseverança e alegria. E a Regina, mais uma vez obrigado pelo empenho com as palavras e pelos sábios conselhos.

À minha adorada Juliana, pela idéia e por tudo mais que se seguiu.

Às benzedeiras, pelas palavras que rompem com o silêncio. Referências de um passado, símbolo do presente, instrumentos de cura do corpo e da alma. Muito obrigado.

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APRESENTAÇÃO

Inscrito no edital n. 053/08 e tendo o resultado da seleção divulgado no edital n. 170/08, através da Fundação Cultural de Curitiba e no âmbito do Programa de Apoio e Incentivo à Cultura – PAIC, o projeto Benza Deus! Benzedeiras em Curitiba: Modernidade e Tradição apresenta neste livro um de seus produtos fi nais: o relatório de pesquisa.

Este livro é o relatório pormenorizado do processo de registro e de identifi cação das benzedeiras tradicionais de Curitiba. Aquelas que são reconhecidas como tais em sua comunidade, que não cobram pelo ato de benzer e que se constituem em bem de cultura imaterial da cidade de Curitiba.

A cada integrante da equipe de pesquisa fi cou o compromisso de relatar sua experiência no trabalho de campo e apresentar as benzedeiras identifi cadas. Com isso, cada capítulo responde ao trabalho de um pesquisador e às benzedeiras de sua respectiva área de trabalho.

Cada pesquisador acabou se deparando com seus problemas específi cos e suas histórias para contar. Alguns desses “causos” foram relatados e encontram-se no fi nal do livro, nos Anexos.

Juliana Cristina ReinhardtVictor Augustus Graciotto Silva

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ÍNDICE

OS CAMINHOS DO REGISTRO DE UM PATRIMÔNIOVictor Augustus Graciotto Silva

Juliana Cristina Reinhardt1

REGIONAL BOQUEIRÃO E BAIRRO NOVORegina Maria Schimmelpfeng de Souza 12

REGIONAL MATRIZ, PINHEIRINHO E PORTÃOKatiuscia Dier Francisco 18

REGIONAL CIC E CAJURURicardo de Campos Leinig 34

REGIONAL BOA VISTA E SANTA FELICIDADESilvana Maria dos Santos 38

ANEXOS

INVISIBILIDADEKatiuscia Dier Francisco 42

RIO BONITO – CONVERSAS E ACHADOSKatiuscia Dier Francisco 44

LONGA CAMINHADAKatiuscia Dier Francisco 45

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OS CAMINHOS DO REGISTRO DE UM PATRIMÔNIO

Dentro da política de valorização da cultura imaterial do município, a Fundação Cultural de Curitiba, desde 2006, lança o edital para Identifi cação e Registro do Patrimônio Imaterial. Na edição de 2008, inscrevemos o projeto BENZA DEUS! Benzedeiras de Curitiba: modernidade e tradição, que foi aprovado e selecionado. O projeto voltou-se para a realização de uma ampla pesquisa de campo em Curitiba, abarcando todas as regionais, identifi cando e mapeando as benzedeiras em atividade. Como critério de seleção, optamos por privilegiar aquelas que eram reconhecidas pela comunidade como benzedeiras e que não cobravam pelo benzimento. Com início em dezembro de 2008 e término em novembro de 2009, a pesquisa permitiu a elaboração de três produtos, que serão entregues a Fundação Cultural de Curitiba e estarão disponíveis ao público: um livro contendo a identifi cação das benzedeiras; um livro contendo as histórias de vida de algumas delas; um conjunto de painéis voltado para exposições itinerantes, apresentando uma síntese dos produtos obtidos.

Os resultados - dados de cunho quantitativo, que respondem a um universo de 60 benzedeiras, e de cunho qualitativo, provenientes das histórias de vida de parte dessas benzedeiras - nos conduziram a refl exões a respeito da permanência da benzedeira e de seu rito, e da efi cácia simbólica da benzeção, ao longo do século XX, juntamente com as adequações e mudanças de suas práticas, decorrentes do embate entre a cultura popular e a cultura erudita.

A intenção primordial do projeto era fazer um mapeamento das benzedeiras de Curitiba, analisando suas práticas, rituais e particularidades, buscando saber de suas origens, suas características sociais, culturais e econômicas e também daqueles que as procuram. Buscávamos compreender o fenômeno religioso da crença nas benzedeiras tradicionais de Curitiba, por meio da percepção que as benzedeiras têm de si e que a sociedade tem dela.

Compreendemos como benzedeiras tradicionais aquelas que tiveram seu “dom” passado de geração para geração, que se utilizam de recursos, como ervas e unguentos, para sua prática e que não pedem remuneração para sua tarefa. Estas características abarcam uma maioria de mulheres, de baixa renda, com poucos fi lhos e católica.

Victor Augustus Graciotto SilvaJuliana Cristina Reinhardt

Os objetivos: identifi cação e registro

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OS CAMINHOS DO REGISTRO DE UM PATRIMÔNIO

Neste contexto de sociedade moderna, desencantada, que se percebe atualmente retornando a uma religiosidade, no qual a modernidade e a tradição estabelecem confl itos e práticas que explicitam sentidos culturais, propúnhamos analisar as causas e compreender o processo histórico da construção da representação e do imaginário em relação às benzedeiras tradicionais. Para tanto, utilizamos metodologias e conceituações oriundas de estudos sobre a religiosidade popular, da antropologia religiosa, da história oral e da memória coletiva. As fontes que viabilizaram a pesquisa constituem-se em jornais de época e entrevistas com benzedeiras e benzidos.

Este trabalho se torna importante por registrar a presença, ainda nos dias de hoje, de um grupo social que no passado era tão reconhecido e valorizado, que passou por uma fase de preconceito social, este veiculado pela mídia impressa que, em nome da medicina erudita, denominava as benzedeiras de “charlatãs que fazem prática ilegal de medicina”. Isto porque, no passado, para uma grande parcela da população, as benzedeiras acabavam sendo a alternativa que restava a muitos acometimentos. Drogarias e médicos não eram presentes da forma como observamos hoje, por isso, muitas pessoas recorriam às benzedeiras.

Com a pesquisa e registro de benzedeiras tradicionais podemos estar resgatando práticas culturais que, ao serem difundidas à população curitibana, podem contribuir para o conhecimento histórico, social e cultural da cidade.

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OS CAMINHOS DO REGISTRO DE UM PATRIMÔNIO

A pesquisa bibliográfi ca e documental

De forma geral nos apoiamos nos trabalhos de pesquisadores como Clifford GEERTZ1 , Mikhail BAKHTIN2 , Norbert ELIAS3 , Michel FOUCAULT4 e Pierre BOURDIEU5 , que formularam em suas pesquisas novos conceitos e metodologias: circularidade cultural, descrição densa, dialogismo e polifonia, práticas culturais, rupturas e representações.

Partindo das circularidades culturais entre a cultura folclórica e a cultura erudita, temos como resultado desse confl ito, um hibridismo. As culturas se misturam e se modifi cam, em um movimento constante que, ao mesmo tempo em que incorporam novidades, apresentam estratos que não se modifi caram. A essa cultura híbrida do encontro do folclórico e do erudito, Carlo GINZBURG6 conceituou como uma formação cultural de compromisso, uma cultura que vai se constituindo ao longo das interações e um compromisso, indicativo da existência de mecanismos ideológicos orquestrados por agentes específi cos, que revelam a relação de força existente entre os sujeitos.

Esta conceituação, elaborada por GINZBURG ao longo de seus trabalhos de pesquisa, serve de aparato metodológico para a história das religiões. A perspectiva diferenciada permite trabalhar com o mito e o rito não mais presos a estudos sobre a origem do fenômeno religioso, recuperando a importância do evento histórico sem cair no positivismo histórico, além de permitir a relação entre morfologia e história.

1GEERTZ, C. A interpretação da cultura. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1978.

2BAKHTIN, M. Marxismo e fi losofi a da linguagem. São Paulo : Hucitec, 1995; A cultura popular na Idade Mé-dia e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo; Brasília : Hucitec; Ed. Universidade de Brasí-lia, 1999.

3ELIAS, N. O processo civilizador. Rio de Janeiro : J. Zahar, 1994, 2 v. ; A sociedade de corte. Rio de Janeiro : J. Zahar, 2001.

4FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. São Paulo : Martins Fontes, 2000; A arqueologia do saber. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 2000; A ordem do discurso. São Paulo : Edições Loyola, 2001.

5BOURDIEU, P. A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer. São Paulo : Edusp, 1998; O poder simbólico. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 2003.

6GINZBURG, C. História noturna: decifrando o sabá. São Paulo : Companhia das Letras, 1991

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OS CAMINHOS DO REGISTRO DE UM PATRIMÔNIO

Seus estudos servem de referência para nossa pesquisa, permitindo analisar a permanência da tradição e da religiosidade oriunda de vários substratos (africano, indígena e europeu) por meio dos conceitos de circularidade cultural, hibridismo e formação cultural de compromisso. O ofício de benzer responde a um sincretismo, desde o século XV no Brasil, cujo catolicismo não-ofi cial interagiu com as religiosidades indígena e africana, o que signifi ca a existência de releituras diversas do fenômeno da benzeção, ao longo do tempo e do espaço.

Estudos etnográfi cos mostram a utilização de ordem prática e individual da religião, desde o fi nal do século XIX, no catolicismo não-ofi cial8 ; nas religiões afro-brasileiras e no kardecismo9 , exemplos de universos religiosos que não requerem a conversão para proporcionar benefícios mágico-religiosos.

As práticas religiosas não institucionalizadas ocupam um lugar signifi cativo no mercado de bens religiosos, como complemento a outras agências fornecedoras de signifi cado. É neste vasto leque de alternativas religiosas que se encontram as benzedeiras tradicionais, mediadoras simbólicas entre tradição e identidade.

Nas consultas realizadas por elas, aparecem novas formas de empréstimos, passagens, reinterpretações, pontes entre diferentes universos simbólicos e rituais que se complementam, conferindo sentido e reforçando a efi cácia simbólica de cada consulta, nas quais o repertório de práticas e crenças é herdado de uma vasta história religiosa e cultural que os benzidos articulam com sua identidade.

Ginzburg oferece-nos uma saída, nada fácil, é verdade, para identifi car

relações históricas entre mitos e ritos encontráveis em diferentes momentos

e lugares sociais, recusando a análise fenomenológica que procurava a

essência da experiência religiosa e adaptando ao método comparativo

a uma análise historiográfi ca. Longe de buscar a origem do mito, para

sempre inacessível, mas reatualizado pela narrativa mitológica, o autor

procura explicar historicamente as releituras míticas e rituais possíveis

dentro de uma formação social determinada, sugerindo que se adote com

prudência a noção de “sistema mítico-religioso” 7.

7 HERMANN, J. História das religiões e religiosidades. In: CARDOSO, C. F.; VAINFAS, R. (Orgs). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro : Campus, 1997, p. 344-5

8 QUEIROZ, M. de S. Feitiço, mau-olhado e susto: seus tratamentos e prevenções na aldeia de Icapara. Religião e Sociedade V, Rio de Janeiro, Tempo e Presença, 1980.

9 PRANDI, R. Religião paga, conversão e serviço. Novos Estudos Cebrap, n. 45, São Paulo, 1996.

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OS CAMINHOS DO REGISTRO DE UM PATRIMÔNIO

Na área da Antropologia, Marcel MAUSS , Claude LÉVI-STRAUSS11 e Bronislaw MALINOWSKI12 apresentam refl exões sobre a benzeção como uma prática executada por especialistas que desfrutam de um tipo de poder na cultura popular. Edward EVANS-PRITCHARD13 fala sobre os infortúnios aos quais são chamados a atender os bruxos, os feiticeiros e os adivinhos, enquanto Lucy MAIR14 nos revela um traço fundamental da benzedeira, o de sentir-se constantemente ilegítima para a execução do seu ofício. Pierre CLASTRES15 , por sua vez, contribui com a refl exão sobre a questão da iniciação profi ssional das benzedeiras.

E por fi m, apresentamos os trabalhos sobre religiosidade popular no Brasil, em especial o catolicismo não-ofi cial, cujas raízes estão em Portugal, que traz de suas terras um catolicismo com fortes traços de paganismos. Laura de Mello e SOUZA16 , Carlos Rodrigues BRANDÃO17 e Ronaldo VAINFAS18 apresentam análises pertinentes para a sistematização da religiosidade popular, principalmente do catolicismo não-ofi cial, que é de onde se origina as benzedeiras.

Os trabalhos de Vera Irene JURKEVICS19 e de Lourival ANDRADE20 apresentam discussões importantes sobre a evolução da religiosidade popular

10 MAUSS, M. Esboço de uma teoria geral da magia. Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU, 1974, v. 1, p. 37-131.

11 LÉVI-STRAUSS, C. A efi cácia simbólica. In: Antropologia estrutural. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1975; O feiticeiro e sua magia. In: Antropologia estrutural II. Rio de Janeiro : Tempo Moderno, 1979.

12 MALINOWSKI, B. Os argonautas do Pacífi co Ocidental. São Paulo : Abril Cultural, 1976.

13 EVANS-PRITCHARD, E. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande. Rio de Janeiro : Zahar, 1978.

14 MAIR, L. La brujeria em los pueblos primitivos actuales. Madri: Gadarrama, 1969.

15 CLASTRES, P. Arqueologia da violência. São Paulo : Brasiliense, 1982.

16 SOUZA, L. de M. e. O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil Colonial. São Paulo : Companhia das Letras, 1987.

17 BRANDÃO, C. R. Os deuses do povo: um estudo sobre a religião popular. São Paulo : Brasiliense, 1986.

18 VAINFAS, R. A heresia dos índios. São Paulo : Companhia das Letras, 1995.

19 JURKEVICS, V. I. Os santos da Igreja e os santos do povo: devoções e manifestações de religiosidade popular. 216 f. Tese (Doutorado em História) – PPGHIS, UFPR, Curitiba, 2004.

20 ANDRADE, L. Da barraca ao túmulo: cigana Sebinca Christo e as construções de uma devoção. 204 f. Tese (Doutorado em História) – PPGHIS, UFPR, Curitiba, 2008.

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OS CAMINHOS DO REGISTRO DE UM PATRIMÔNIO

perante os processos de romanização da Igreja Católica, a partir do século XIX, principalmente por darem conta de manifestações religiosas populares ocorridas em Curitiba. Os trabalhos de Leila AMARAL21 , Pierre SANCHIS22 e Elda Rizzo de OLIVEIRA23 apresentam refl exões oportunas para o fenômeno da benzeção em seus variados matizes e nos permitem avançar na discussão entre tradição, identidade e benzedeiras.

A articulação entre tradição e identidade produz signifi cados para indivíduos na sociedade contemporânea. A interpretação do fenômeno da crença nas benzedeiras nos permite perceber como o tradicional é ressemantizado, mantendo sua efi cácia simbólica em um novo contexto cultural.

21 AMARAL, L. Carnaval da alma : comunidade, essência e sincretismo na Nova Era. 198 f. Tese (Doutorado), UFRJ – Museu Nacional, Rio de Janeiro, 1981.

22 SANCHIS, P. O campo religioso contemporâneo no Brasil. In: ORO, A. P.; STEIL, C. A. (Orgs.). Globalização e religião. Petrópolis : Vozes, 1997.

23 OLIVEIRA E. R. de. Doença, cura e benzedura: um estudo sobre o ofício da benzedeira em Campinas. 175 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – IFCH, UNICAMP, Campinas, 1983; O que é medicina popular. São Paulo: Brasiliense, 1984; O que é benzeção. São Paulo: Brasiliense, 1985.

A Metodologia

Entendendo nosso objeto de pesquisa a partir da noção de patrimônio imaterial, que de maneira sintética diz respeito aos bens culturais de natureza intangível e, portanto, aos signifi cados e ao imaginário, é preciso que nos situemos metodologicamente, no limiar entre a História e a Antropologia. Com o intuito de trabalharmos de forma mais enriquecedora, a metodologia para a coleta e interpretação dos dados, bem como a análise das fontes utilizadas ao longo do trabalho, também se situam neste entrecruzamento.

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OS CAMINHOS DO REGISTRO DE UM PATRIMÔNIO

Para a pesquisa proposta, utilizamos a abordagem da história oral e da memória coletiva e nos associamos a Michael POLLAK24 e Maurice HALBWACHS25 , os quais afi rmam que as memórias individuais são amarradas à memória do grupo e a memória do grupo é amarrada à esfera da tradição, constituindo-se em memória coletiva de cada sociedade. Dentro da nova perspectiva histórica – a partir dos anos de 1980 com a Guinada Crítica –, alguns autores e suas obras, como François DOSSE26 (constata o pensamento atual em torno de um paradigma marcado pela teoria da ação e pela análise do sentido – pragmático e hermenêutico) e Helenice Rodrigues da SILVA27 , nos trazem subsídios, pois retomam o “sujeito” e o “acontecimento”, valorizando este como um momento que traz consigo rupturas, causa de uma série de transformações sociais, psicológicas, culturais posteriores. Busca-se não a verdade, o ocorrido, mas, o sentido, os signifi cados. Buscando a idéia do acontecimento, não estamos pressupondo uma reconstituição fi el, mas, antes, o seu sentido, por meio das balizas deixadas, os rastros, que podem ser detectados através da memória coletiva e da história ofi cial, e que permitem a “cristalização” do acontecimento. As memórias reconstruídas e coletadas por meio de entrevistas, testemunhos ou depoimentos, com os devidos cuidados, são transformadas em documentos e podem ser utilizadas como fontes orais. A história oral é um meio privilegiado para o resgate da vida cotidiana, tendo em vista que esta se mantém fi rmemente na memória. A história oral compartilha com o método histórico tradicional as diversas fases e etapas do exame histórico. De início apresenta uma problemática, inserindo-a em um projeto de pesquisa, depois desenvolve os procedimentos à constituição das fontes orais que se propôs produzir, realizando com o maior rigor possível o controle e as críticas, interna e externa, da fonte constituída. Finalmente, passando à análise e interpretação, a oralidade nos revela o indescritível, toda uma série de realidades que raramente aparecem nos documentos escritos, ou consideradas insignifi cantes ou inconfessáveis, ou ainda porque são impossíveis de transmitir pela escrita. A oralidade, que penetra no mundo do imaginário e do simbólico, é tanto motor e criador da história quanto o é o universo racional. Sendo assim, a história oral consiste em uma via de acesso privilegiada à história antropológica.

24 POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 1989, p. 3–15; Memória e identidade social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, 1992, p. 200–212.

25 HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

26 DOSSE, F. A História à prova do tempo: da história em migalhas ao resgate do sentido. São Paulo: Ed. da Unesp, 2001.

27 SILVA, H. R. da. Fragmentos da História Intelectual: entre questionamentos e perspectivas. Campinas: Papirus, 2002; A História como representação do passado: nova abordagem na historiografi a francesa. In: CARDOSO, C. F; MALERBA, J. (Orgs.). Representações: contribuição a um debate transdisciplinar. Campinas: Papirus, 2000.

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O que os historiadores positivistas consideram como pontos fracos da testemunha oral - as omissões, voluntárias ou não, suas deformações, suas lendas e seus mitos -, para a corrente historiográfi ca atual, são tão úteis quanto as informações que se verifi caram exatas. A história oral nos introduz ao ponto das representações, da realidade que cada um constrói e são evidências de que agimos muito mais em função dessas representações do real que, do próprio real. Assim, a história torna-se muito mais refl exiva e interpretativa, indicando não existir “verdades absolutas”, mas, reconstruções da história, interpretações da história. A memória seria a guardiã do passado, o passado visto pelo presente. São estas questões subjetivas, inerentes a essa metodologia, que fazem com que possamos chegar ao mundo imaginário e simbólico dos indivíduos. Para esta pesquisa, é de suma importância o uso das fontes orais, pois acreditamos que a história oral fornece informações preciosas que, talvez, continuassem submersas se buscadas por meio de outra forma de abordagem. “A opção pela memória se dá porque o que nos interessa são situações vividas, lembranças que, embora possam parecer insignifi cantes à primeira vista, após a análise, poderão se mostrar plena de signifi cados”28. Com a utilização da metodologia da história oral pudemos chegar às histórias de vida de algumas mulheres. Histórias de vida constituem-se em um trabalho com diversos tipos de fontes e materiais que possam nos levar a conhecer a vida de uma pessoa, não necessariamente abordando o percurso inteiro de vida e nem todos os seus aspectos. A metodologia em questão permite ultrapassar as individualidades, atingindo características grupais. Esta é a característica da chamada memória coletiva ou social, teorizada por Maurice HALBWACHS. Em sua obra “A memória coletiva”, o autor estuda os “quadros sociais da memória”. Segundo o autor, a memória individual não seria sufi ciente para o ato de lembrar ou para reconhecer as lembranças; só temos capacidade de lembrar quando nos colocamos sob o ponto de vista de um ou mais grupos e nos situamos novamente em uma ou mais correntes do pensamento coletivo. A memória do indivíduo, então, depende do seu relacionamento com a família, com a classe social, com a escola, com a Igreja, com os grupos sociais afi ns; esta memória individual estaria amarrada à memória do grupo e esta última, à esfera da tradição, que é a memória coletiva de cada sociedade29.

28 BERNARDO, T. Memória em branco e negro: olhares sobre São Paulo. São Paulo: EDUC; Ed. da UNESP, 1998, p. 29.29 HALBWACHS, op. cit., p. 34-36.

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Nesta linha de pensamento, ao resgatarmos a memória individual estaríamos também resgatando a memória coletiva, as raízes de um passado vivido em comum, sua identidade. Se o sentimento de pertença, que caracteriza as identidades, utiliza-se da memória para formar e estreitar os laços sociais, o resgate da história individual nos traz pistas da história coletiva. Dividimos então a pesquisa em duas partes. A primeira consiste em um trabalho de campo que identifi cou as benzedeiras tradicionais reconhecidas pela comunidade, produziu entrevistas e registros fotográfi cos das mesmas. Na outra parte, algumas das benzedeiras já identifi cadas foram escolhidas para uma segunda entrevista, objetivando compor suas histórias de vida. Da primeira parte resultou o acervo documental das benzedeiras tradicionais de Curitiba, o qual está contido neste presente livro, sendo que as histórias de vida das benzedeiras serão compiladas em um segundo momento e em um outro volume. A elaboração de 30 painéis, com imagens e textos sobre as benzedeiras e seu ofício de benzer para exposição ao público, completa o registro da pesquisa.

A execução

Após o cumprimento de todos os trâmites burocráticos e contratuais, iniciamos o planejamento para por em prática o projeto. Estabelecemos primeiramente o cronograma e a composição da equipe de pesquisa de campo. Ao iniciarmos as reuniões, foi dado a cada pesquisador um conjunto de textos e livros pertinentes para o trabalho de campo. A idéia era homogeneizar a equipe, buscando apurar seus olhares e refl exões para pesquisas já consagradas em torno das benzedeiras e da benzeção. Um segundo passo foi a defi nição de como seria o trabalho de campo. Por onde começar? Devido a experiências anteriores de alguns membros da equipe, decidimos iniciar a busca das benzedeiras a partir das agentes comunitárias que atuam nos postos municipais de saúde. Tais agentes por serem da comunidade e por trabalharem nas residências dos moradores, saberiam informar onde morariam as pessoas que benzem. Isso não excluiria outras indicações e outras rotas de percurso, buscadas em locais de circulação de pessoas, em lojas de comércio, pontos de ônibus ou praças. Feita a divisão das nove regionais de saúde entre os membros da equipe, foi elaborado um roteiro para as breves entrevistas, que objetivaram a identifi cação das benzedeiras e a descrição da benzedura.

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Assim iniciou-se o trabalho de campo e também as difi culdades e adversidades. Todos os pesquisadores tivemos problemas com as autoridades sanitárias das Unidades de Saúde. Ao entrarmos em contato com cada unidade, em busca das agentes comunitárias, e anunciarmos os objetivos da pesquisa, imediatamente negava-se o acesso à informação. Éramos encaminhados às chefi as das unidades e estas exigiam todo um conjunto de informações e um pedido formal de autorização para a pesquisa, envolvendo Conselho de Ética e autoridades regionais das Unidades de Saúde. Era irrelevante a explicação de que queríamos apenas o acesso às agentes comunitárias para fazer-lhes a simples pergunta: conhece alguma benzedeira? E, diante de uma resposta afi rmativa, pediríamos tão somente uma indicação, como nome ou local de moradia, ou seja, uma referência. Com isso, muitas unidades fecharam as portas para a equipe, chegando ao ponto de não permitir que as agentes dessem qualquer tipo de informação. Além dessa adversidade inicial, somente após o Carnaval, ou seja, no fi nal do terceiro mês, dos oito meses que tínhamos para fi nalizar o projeto, é que a equipe começou a descobrir caminhos mais efi cazes para encontrar as benzedeiras. E nesse momento, outros problemas apareceram.

As benzedeiras viam a pesquisa de forma ressabiada e muitas tratavam com indiferença o pesquisador. Em seu mundo, ser benzedeira é uma missão, é um dom recebido que leva a uma responsabilidade, uma cruz pesada para carregar. A primeira exigência delas era da não divulgação do nome e do local onde residem. Suas justifi cativas apontavam para o fato de que já recebem inúmeras pessoas e não querem correr o risco de aumentar ainda mais as fi las de pessoas que buscam a sua benzeção.

Essa questão poderia inviabilizar o projeto de pesquisa e realizamos algumas reuniões, entre nós, para pensarmos como tratar o assunto, sem melindrar as benzedeiras e de maneira a garantir o mapeamento. Estipulamos um termo de cessão do uso da imagem e da voz, o que nos traria segurança para utilizar o material colhido, nos produtos fi nais, com a devida autorização. Asseguramos às benzedeiras que seus endereços seriam omitidos, e em relação aos nomes, que somente seriam divulgados aqueles pelos quais eram conhecidas pela comunidade. Optamos por registrar as benzedeiras em relação a regional administrativa na qual reside, uma forma de preservar as benzedeiras e, ao mesmo tempo, responder ao objetivo do projeto. Contudo, a quantidade de material fotográfi co fi cou reduzida, pois a maioria não queria tornar exposta a sua imagem.

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OS CAMINHOS DO REGISTRO DE UM PATRIMÔNIO

Outro problema encontrado foi o inverno chuvoso e rigoroso que enfrentamos neste ano de 2009, implicando em difi culdades no trabalho de campo entre maio e meados de julho. Somando-se a isso teve a gripe suína, que paralisou as pesquisas de campo durante todo o mês de agosto. Estes fatores demandaram uma extensão do período destinado à coleta das entrevistas das histórias de vida. Os pesquisadores responsáveis conseguiram fi nalizar a coleta das entrevistas somente em setembro e a transcrição das mesmas foi postergada para o fi nal de outubro. Sem contar que algumas benzedeiras nesse período faleceram, outras simplesmente se negaram a conceder a entrevista. O esforço e a dedicação da equipe permitiram que tais quadros fossem superados e os produtos fi nais entregues, com a qualidade esperada, para a Fundação Cultural de Curitiba. Vale ressaltar que o projeto não almejou um estudo quantitativo. Não era nossa intenção identifi car todas as benzedeiras em atividade. Considerando o tempo total do projeto de oito meses, alongamos ao máximo os meses de trabalho de campo para o maior número possível de identifi cações. A quantidade expressiva de benzedeiras em atividade, reconhecidas como tal e por não cobrarem, representa uma amostragem das benzedeiras em Curitiba.

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REGIONAL BOQUEIRÃO E BAIRRO NOVO

A primeira parte da pesquisa referente ao projeto - Benza Deus! Benzedeiras em Curitiba: modernidade e tradição - foi composta por leituras sobre o tema, um conjunto de textos que propiciou a construção do conhecimento sobre as formas de religiosidade brasileira e a produção do saber popular, no que tange aos benzimentos e seu signifi cado cultural.

A partir daí fi cou estabelecido que os pesquisadores, divididos por setores, iriam buscar junto às Unidades de Saúde (US) um contato com suas atendentes. Estas, por manterem relativa proximidade com a população da área ou setor abarcado pela US à qual prestam serviços, poderiam bem informar sobre a existência de benzedeiras. Ao fi nal da coleta de dados, teria sido mapeada cada área e/ou setor da cidade de Curitiba e o resultado chegaria muito perto do total de benzedeiras em ação na cidade. As primeiras visitas às Unidades de Saúde, em dezembro/2008, já em sua segunda quinzena, foram realizadas no sentido de conhecer o ambiente e as possibilidades para um futuro encontro com as agentes. Diante das difi culdades encontradas para atingir tal objetivo, pensamos que a proximidade com o Natal e com o período de descanso coletivo das agentes de saúde poderia estar difi cultando o contato com as mesmas.

Nesse período foram efetivadas visitas a três Unidades de Saúde: Centro Municipal de Urgências Médicas (CMUM) Boqueirão, Menonitas e Vila Hauer. Na primeira, a atendente informou não haver agentes de saúde naquele local - sugeriu ainda contatar o telefone 156 - enquanto na Unidade Menonitas, uma atendente disponibilizou seu tempo para nos explicar que difi cilmente as agentes seriam encontradas nos postos de saúde, uma vez que elas estariam em atendimento constante, junto à comunidade. Na Unidade Vila Hauer, fomos encaminhados ao administrador, Sr. José Celso. De acordo com suas informações, naquele local treze (13) agentes de saúde prestavam serviços, as quais faziam reunião todas as segundas-feiras às 8 horas. De acordo com o calendário, entretanto, a reunião seguinte só seria efetivada no mês de janeiro/2009. O administrador interessou-se pela pesquisa e deu algumas sugestões, como reunir os agentes por distrito, convocando-os para explanar-lhes os objetivos e obter os resultados desejados, uma proposta que deveria ser demandada por intermédio das autoridades sanitárias competentes para as quais se enviaria anteriormente um memorando, detalhando objetivos, fi nalidades. Lembrou também que este caminho sugerido para a coleta de dados deveria ser postergado para o ano vindouro, 2009, uma vez que, com a nova gestão da Prefeitura Municipal de Curitiba (PMC), possivelmente os cargos seriam preenchidos por outras pessoas, diferentes da gestão em curso. Esclareceu que os agentes não são funcionários da Prefeitura, mas sim prestadores de serviço, atrelados à Fundação de Ação Social (FAS) e assinalou que o trabalho deveria ainda passar pelo Comitê de Ética, sem o qual o diretor não poderia fornecer nenhum suporte.

Regina Maria Schimmelpfeng de Souza

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Com estas informações, de grande utilidade para nós que ainda tateávamos formas e maneiras de prosseguir, tentamos ainda outro contato, na US Visitação. Ali fomos informados que a última reunião anual das agentes estava programada para aquela semana e que poderíamos comparecer um pouco antes de seu início, às 9h, para que se pudesse falar da pesquisa e da possível colaboração de todas. Os presentes à reunião afi rmaram saber da existência de apenas uma benzedeira na região, Dona Arlinda, com a qual já havia sido feito o contato.

Diante das tentativas infrutíferas e acima expostas, nas primeiras semanas de 2009 a pesquisa procurou caminhos alternativos, que pretendiam correr paralelos à ideia inicial. Sendo assim, com o intento de buscar outros contatos, os de pessoas que admitissem conhecer ou freqüentar benzedeiras, uma rede de informações foi sendo construída, a partir da pergunta informal: “Você conhece alguma benzedeira?”

Nesse momento da pesquisa, ainda procuramos por outras US do Distrito Sanitário Boqueirão, sem resultado concreto. Entretanto, com a pesquisa de campo, junto a pessoas comuns, desconhecidas ou não, despojadas de seus vínculos institucionais, tentando formar a rede de contatos, pudemos perceber um interesse signifi cativo pelo tema a ser desenvolvido. E a colaboração, esperada desde o início da pesquisa de campo, começou a se esboçar. De maneira geral, as informações, quando existiam, eram repassadas de maneira simples, clara, precisa, às vezes elaborando-se mapas explicativos para que se pudesse encontrar o endereço apontado – muito diferente do ambiente das US, onde fi cávamos à espera para sermos atendidos, e saíamos com pouca ou nenhuma informação. Da mesma forma, todas as agentes de saúde quando contatadas na rua foram atenciosas e solícitas, independente do fato de terem ou não nome/endereço a nos indicar.

No desenrolar do processo de pesquisa, optamos então por priorizar as informações advindas desta rede crescente de colaboradores, conferindo informações, catalogando endereços, anexando contatos. Conseguimos obter indicações de 27 benzedeiras. Destas, três foram repassadas a pesquisadores, responsáveis pela área na qual o endereço estava contido, e entre as vinte e quatro restantes conseguimos que doze entrevistas fossem realizadas. Doenças, mudança de endereço ou de telefone, informações desencontradas foram as principais causas desse hiato documental. Vale dizer que nem todas as entrevistadas pertenciam à região que nos foi designada. Estas foram escolhidas por indicações de amigos e familiares, os quais nos conduziram até elas, minimizando as difi culdades de acesso.

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REGIONAL BOQUEIRÃO E BAIRRO NOVO

As entrevistas ocorreram nos locais de moradia das benzedeiras e, sempre que possível, os propósitos da pesquisa eram revelados de antemão, com a intenção de gerar confi abilidade. Todas as entrevistadas responderam a questões abertas, como um guia a possibilitar relatos e experiências de vida. A grande maioria, entretanto, respondia ao questionário com certo desinteresse, como uma obrigação a mais entre as tantas impostas pelo exercício da prática do benzer. Pelo conjunto de entrevistas, fomos levados a perceber as práticas como uma “missão”, um dever de ajudar e amparar o outro que jamais deveria ser negado. Atreladas, pois, a um sentimento de solidariedade, as benzedeiras permitiram que adentrássemos em seus lares, onde conhecemos algumas de suas difi culdades, percebemos laços, descobrimos um repertório de ritos e de verbetes. Também ouvimos depoimentos e produzimos fontes, as quais poderão documentar fazeres e saberes do grupo em foco.

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REGIONAL BOQUEIRÃO E BAIRRO NOVO

Dona ArlindaAlto Boqueirão

Faz benzimentos com orações, algumas especiais. Pede muito ao Divino Espírito Santo. Benze todos os males, mordidas de cobra, de aranha, cobreiro (erupção cutânea); doença de macaco ou doença de minguar, o mal de simioto30.

Dona Camila Sítio Cercado

Cura espinhela caída (“peito aberto de adulto”); doença de minguar ou mal de míngua, até em adultos. Dona Camila nos conta que, há algum tempo, um enfermeiro do Hospital de Clínicas recebeu os benefícios de seu benzimento e fi cou curado do “mal de míngua”. O enfermeiro, desde então, a indica como benzedeira competente a vários doentes do hospital. Ela soube deste reconhecimento por meio da fala dos que a procuram. Também prepara remédio para bronquite; benze bebês. Utiliza-se apenas de um terço e de orações; ervas às vezes.

Dona Carmelia Bairro Novo

Endireita coluna, costura rendidura, benze e ensina o remédio. Reza para o Espírito Santo, “que é o pai de Deus”, e utiliza a Bíblia, que diz saber de cor. No momento de benzer, pede a Deus que lhe dê “o dom da oração” para ela conseguir curar a pessoa. “Para cada um é um jeito”.

Dona Doca31 Xaxim

Benze “só com um galho de arruda”. Crianças e adultos, para todos os males, como bicha, susto, ar.

FICHAMENTOS

30 Mal de simioto (de simio = macaco) é o nome popular, em algumas regiões do Brasil, da desnutrição causada em crianças pequenas por alergia ao leite de vaca ou a incapacidade de digerir o mesmo. A doença aparece normalmente quando o aleitamento materno é substituído por leite de vaca em pó. Muitas vezes o intestino de um bebê não produz as enzimas necessárias a digerir a lactose de origem animal. Normalmente desaparece com a volta ao aleitamento materno ou por ama-de-leite ou substituição por outro tipo de alimento a critério médico. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mal_de_simioto. Uma doença disabsortiva.

31 Sobre esta, conferir reportagem do jornal Gazeta do Povo de 4 nov. 2007. Sua saúde debilitada, sua pouca audição e a voz fraca difi cultam a colheita de informações. Apesar destes fatores, ela demonstra boa vontade e uma meiguice muito grande.

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REGIONAL BOQUEIRÃO E BAIRRO NOVO

Dona Edina Boqueirão

Benze dor de estômago, doença de minguar, cura gripe na cabeça – “um resfriado atacado por cima, com febre” –; gripe pela moleira e ouvido, que ataca os bebês que não usam touca; susto, umbigo infl amado, rasgadura, peito aberto, põe no lugar e enfaixa, (enquanto enfaixado o paciente só pode tomar banhos de pano). Como oração, utiliza-se das “mesmas rezas da comunhão e do batizado” da Igreja católica.

Dona HelenaGuabirotuba

Benze com orações, vários tipos, azeite, água, raízes e plantas (arruda, guiné), conforme a necessidade (peito aberto, doença de minguar, rendidura, dor de cabeça, “retirar sol” – quando é dor nas têmporas).

Dona HildaXaxim

Benze todos os males, com vela branca e água.

Dona Lídia Ahú

Faz benzimento com cera, na água. Cura bichas, sapinho e “as outras doenças de crianças”. Adultos, só se for rendidura, a qual “costura”.

Dona OlgaButiatuvinha

Faz benzimento só com orações. Também faz massagens, se necessário. Cura “até câncer, é só a pessoa ter fé”.

Dona Tereza32 Xaxim

Em seus benzimentos, sempre com um terço na mão, utiliza-se de sal grosso, garrafadas, lombrigueiros caseiros, xaropes para curar bronquite. Já usou brasa (colocando-a em água para fazer o pedido), mas agora não tem mais o fogão a lenha.

32 Consultar reportagem do jornal Gazeta do Povo, 4 nov. 2007, p. 16, que nos foi gentilmente emprestada por ela para fazer uma cópia.

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REGIONAL BOQUEIRÃO E BAIRRO NOVO

Dona VozinhaAlto Boqueirão

Benze carteira de trabalho; roupas (para saúde, drogas, amor); corta medo de crianças; desmama bebês (“bicha desconfi ada”); costura; cura cobreiro, sapinho, erisipela.

Dona ZebinaBoqueirão

Faz benzimentos apenas em crianças. Já benzeu adultos (costas rendidas, cobreiro), mas, fez essa opção para não sobrecarregar seu tempo.

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REGIONAL MATRIZ, PINHEIRINHO E PORTÃO

A pesquisa Benza Deus! As Benzedeiras em Curitiba: Modernidade e Tradição deu-me a oportunidade de conhecer as benzedeiras, ou benzedores, já que encontrei alguns homens, de Curitiba e a tradição do benzimento que eles carregam.

Esta oportunidade aproximou-me e fez-me compreender um pouco da rica e complexa trama cultural que envolve religião e cura chamada benzimento, benzeção, benzedura.

Para relatar um pouco do processo desta pesquisa primeiro faço um relato do processo de encontrar os benzedores, de como um método se construiu, se desconstruiu e se construiu novamente, de modo que isto expõe um diálogo permeado de ruídos ou que produz ruídos e, desta maneira bloqueiam informações. E também faço uma tentativa de relatar a minha percepção, o que esta aproximação com a tradição do benzimento me trouxe.

Responsabilizei-me pelas regiões do Portão, Pinheirinho e Centro de Curitiba. Divulguei esta procura e, de outro modo, fui à busca para encontrá-las. De início, a pesquisa previa chegar até os benzedores pelos agentes comunitários de saúde das Unidades Básicas de Saúde correspondentes aos bairros, contando com o conhecimento sócio-cultural, que é mister do seu trabalho, pois em geral eles moram neste mesmo local e, assim estreitam a relação da população com o sistema de saúde.

Pelo roteiro inicial, converso primeiro com a Autoridade Sanitária da Unidade Básica de Saúde para saber em qual momento encontro os agentes comunitários de saúde, reunidos para pedir uma informação: se eles conhecem benzedeiros no bairro e se podiam me passar o endereço. Para que eu queria saber de benzedeiros? De início, as Autoridades Sanitárias foram solícitas e interessadas na pesquisa, embora já me solicitando um documento de aprovação do Distrito Sanitário, posto de hierarquia maior que a Unidade Básica de Saúde. Isto chega ao Distrito Sanitário e a orientação que tive era a de que eu só poderia conversar com os agentes comunitários de saúde e pedir-lhes a informação com a autorização da Secretaria de Saúde de Curitiba. Então, foi decidido pelo grupo ir para o bairro, perguntar para os amigos e conhecidos e para as pessoas nas ruas, nas lojas, nas escolas... No decorrer deste processo, consegui conversar com alguns agentes comunitários de Saúde e eles foram muito gentis e me ajudaram com a informação desejada.

Katiuscia Dier Francisco

PARA ENCONTRÁ-LAS: O MÉTODO

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Vou para os bairros. Eles são enormes e para eu ter uma idéia para onde eu ia, tomo como referência as próprias Unidades de Saúde. Pego ônibus e desço no ponto mais próximo dali e saio perguntado para as pessoas na rua. Parece-me que mais mulheres frequentam benzedeiras do que homens, então, eu as escolho para perguntar. Eu vejo mulher ou casal com criança, eu pergunto. Mulher com saias longas e cabelos longos ou de coque eu não pergunto. Vou elaborando um novo método... E não foram poucas as vezes que pergunto à primeira pessoa após descer do ônibus e ela me indica uma benzedeira. Para algumas indicações, ando muito e não encontro. Vou perguntando, encontro outras...

Na região central de Curitiba, percorro pelas Unidades de Saúde até o limite do possível. Encontro duas benzedeiras e recebo a informação, por esta mesma via, de mais três benzedeiras. Por informação de outras pessoas sei de mais quatro benzedeiras e um benzedeiro. Encontro-me com quatro deles. Uma delas não permite a sua participação no estudo. Ela me antecede esta informação por telefone, mas mesmo sem esta permissão, ela me dá a liberdade para visitá-la. Ela é uma benzedeira cigana, que fala aproximadamente oito línguas e trabalha hoje como costureira. Justifi cou a não permissão pelo aumento da demanda que isto poderia causar; situação que ela não teria condições de responder. As outras três que visito moram no Jardim Botânico, Rebouças e Vila Pinto.

No bairro Pinheirinho, visito 15 benzedeiras e três benzedeiros. E há, ao menos, mais duas na região do Concórdia, informação dada pelas agentes comunitárias de saúde. No Portão, visito seis benzedeiras e, ao menos, mais quatro que moradores locais me informaram, mas não encontro os endereços indicados.

No total, entrevisto 24 benzedeiros mais três dos quais não permitiram a entrevista, mas, que me forneceram algumas informações sobre suas práticas. E, pelas informações que tenho, há no mínimo 37 benzedeiras no conjunto destas três regiões de Curitiba.

Encontrar estes benzedores e saber um pouco das suas práticas me acessou um olhar que aponta para uma melhor nitidez acerca da criação cultural em nossa sociedade. O modo de ser e de vir a ser da prática do benzimento, que demonstra um caráter da inter-relação de todas as coisas, contrasta com o caráter dominante da sociedade de fragmentação das coisas. Naquele o mundo espiritual não está distante do material e neste são distintas. É claro que somente apontar este aspecto é um mínimo, um pontinho minúsculo de uma realidade. A seguir apenas reapresento um fi o desta trama, do modo que me conduziu a olhar sobre o caráter coletivo de criação; de partilha de uma mesma linguagem.

O ENTREVISTADOR ESPECTADOR

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A benção se apresenta em diversas formas, e também os benzedores. Estes, os quais entrevistei, que congregam um sistema de cura religioso e uma história que re-apresenta a vida tecida, não apenas por ele, mas por um conjunto de pessoas que partilham de um mesmo sentimento e necessidades, me parece que contam com uma vida que se aproxima do fi m. De todos, somente três tinham alguém que se interessava pela continuidade da benzeção.

“ninguém quer aprender esse dever que a gente pega e é muito complicado”;“o povo hoje é difícil, essas crenças de hoje tá tirando tudo que é certo do lugar”; “as crianças agora têm a televisão.”

Por entre estas falas, se revela o desinteresse, a presença de outras religiões e comportamentos que expropriam a prática da benzeção, de um saber que é construído coletivamente, onde as pessoas não consomem aquilo porque dizem que é bom, mas porque ela sabe e, antes de saber, ela sente que é bom. Isto é não ser ignorado da sua subjetividade, do seu olhar sobre o mundo.

Quando eles me falam sobre como aprenderam a benzer, não é uma escola de transmissão de saber. É uma escola onde se vive o acontecimento e dele se faz saber o seu sentido. Os caminhos do aprender são diversos e assistemáticos. O título de benzedor, onde o dom permeia, é preparado e vivido por todas as pessoas que estão a compartilhar da mesma experiência. Aprende-se com a mãe, com a avó, com o pai, com o sogro, com outros benzedores, no viver o dia a dia. O tornar-se benzedor me chama a atenção pelo caráter coletivo de criação, de um fazer cultural interativo, solidário, no qual todos participam ativamente e não de modo passivo de aceitar algo imposto, pois não apenas hoje, mas, em toda a história vivemos com a imposição de uma ordem, de uma verdade, seja no campo social, cultural, religioso, econômico. E, nós, muitas vezes, apenas aceitamos... Como já aceitamos muitas rezas... Incorporamos... Mas hoje o benzimento se recria numa ordem invertida, não autoritária.

Puxo um pedacinho desta trama pela ciência médica. Apenas pergunto. Qual é a participação hoje do cidadão no sistema de saúde atual? As suas representações sobre o corpo e sobre a doença são consideradas? Como é pensada e sentida a relação corpo e espírito? Qual é o diálogo que se estabelece entre médico e paciente, por exemplo? Será uma mesma linguagem em que todos se identifi quem e a partir dela as perturbações e a cura adquiram sentido?

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REGIONAL MATRIZ, PINHEIRINHO E PORTÃO

Por olho te benzoDe quebrante o olhadoOlho ruim te botouCom três que põem Com três que tiraCom poder de Deus Da virgem Maria Vai quebrante Vai mau-olhadoVai pelas ondas do marVai quebrante do malPara nunca mais voltarPai, Filho Espírito Santo

Essa é uma jaculatória, rezas formuladas para um mal específi co. Construídas de forma poética, são frequentemente utilizadas durante o benzimento. Nela e em muitas outras se encontra uma linguagem onde todos que participam do ritual compreendem-na. E é nesta relação de compreensão e entendimento de símbolos que o resultado, a efi cácia acontece. “Quando os médicos não resolvem, eles vêm pedir uma oração.” Isto me faz pensar tamanha é a importância de todos se saberem parte de um sistema, de se fazer e de ser feito por aquilo que fazem.

As rezas tiram, cortam, acalmam, enviam o mal para outro lugar. Com a reza fazem massagem para fechar peito aberto; costuram machucados, nervo torto, osso rendido; rezam e cortam cobreiros e dores, rezam para tirar dor de cabeça, mal de míngua, simioto, fogo selvagem, susto, vento caído, ar de espelho, espinhela, bicha desconfi ada, mau-olhado e quebrante; rezam para arrumar serviço, abrir caminhos, resolver problemas de família.

Costurar machucados, o osso está rendido, o espelho tem ar, a bicha está desconfi ada... Fazem as palavras terem outros lugares. Outros sentidos são possíveis. Está machucado? Costura.

Sou uma mera espectadora que agora só pode expor um pouco do sentimento que tive ao me aproximar desta cultura. Partilho da idéia com aqueles que se aprofundaram na compreensão do benzimento que a sua existência hoje é um ato de rebeldia e de resistência cultural. E, nesta pequena exposição, embora possa demonstrar algum idealismo, somente tive a intenção de dar um pouco mais de contraste a fi m de perceber o benzimento como uma prática solidária, não coercitiva, sensível, que se propõe uma realidade dialógica.

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Ao iniciar a pesquisa que teria como intermédio o sistema de saúde, pensei que o campo de diálogo entre um sistema e outro pudesse ser ampliado para uma mútua compreensão, que as realidades pudessem ser pensadas, refl etidas e nem uma ou outra ser exposta em dogmas e doutrinas.

Então, logo percebi o quanto é difícil se expor a um diálogo, um jogo entre verdades. E eu estou dentro de tudo isso e, estou fora, espectadora... Mas não há conforto.

Uma última questão é de esta pesquisa ter me exposto a algumas leituras, que me ajudaram e infl uenciaram o meu olhar para o benzimento por diversas perspectivas; de modo que mais luz surgiu, mas também mais escuridão, devido a infi nidade de dimensões que vão se expondo.

As leituras que contribuíram e estiveram presentes neste processo da pesquisa foram:

Levi-Strauss, Claude. A efi cácia simbólica. In Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970, p. 215-236.

Quintana, Alberto M. A ciência da benzedura: mau olhado, simpatias e uma pitada de psicanálise. Bauru : EDUSC, 1999.

Oliveira, Eda Rizzo de. O que é benzeção. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.

Morin, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 5. ed. São Paulo; Brasília : Cortez; UNESCO, 2002.

Duarte JR, João Francisco. Por que arte-educação? 6. ed. Campinas: Papirus, 1991.

Barthes, Roland. Mitologias. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972.

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REGIONAL MATRIZ, PINHEIRINHO E PORTÃO

Dona Ana ProfetisaXaxim

Benzimento com reza.Benze para susto, quebrante, bicha aguada, dieta quebrada.

Itinerário da pesquisa: Fui até o bairro Maria Angélica, Pinheirinho. Na avenida onde desço do tubo do “ligeirinho” Maria Angélica, entro em duas pequenas lojas. Numa delas tenho a informação de uma que mora perto do terminal do Sítio Cercado. Ando mais um pouco, logo entro numa transversal. Um salão de beleza. Três mulheres. A manicura levou ontem a fi lha. Não lembra o nome da benzedeira. Explica como faço para chegar lá. Caminho mais um pouco para dentro do bairro. Ouço duas mulheres atrás de mim. Parecem mãe e fi lha. Olho para trás, pergunto. Tem um perto do mercado (Manoel) e outro na próxima rua, à esquerda no fi nal da rua. Vou antes neste mais próximo, viro à esquerda. Elas me chamam. “Se você quer um benzimento mesmo, vai na igreja tal que todos os dias da semana eles oram para um tipo de problema.” Saio da casa do Sr. Manoel e vou em busca da benzedeira indicada pela mulher do salão de beleza. Eu deveria chegar na Avenida Primeiro de Maio; tem um campo de futebol, entra à direita, desce. Não encontrei o campo de futebol. Perguntei para duas mulheres no portão. Final de tarde. Tem a Dona Ana que mora ali.

Dona AlaídePinheirinho

Costura, tira quebranto, mau-olhado.

D. Maria ConcórdiaPinheirinho

Benze todos os males.

FICHAMENTOS

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REGIONAL MATRIZ, PINHEIRINHO E PORTÃO

Sr. Domingos Pinheirinho

Benzimento com reza e ervas. Para bicha sustada, dilatação (diarréia, dor de barriga, bicha morta), peito aberto, criança que não dorme à noite.

Itinerário da pesquisa: Fui com a referência da Unidade de Saúde Maria Angélica. Chego ao bairro e avalio as possibilidades de lugares para entrar e perguntar. Entro em uma loja. A mulher me fala de uma benzedeira no Capão Raso. Faz um mapa para eu chegar lá. Entro num salão de cabeleireiro. As mulheres me indicam uma benzedeira um pouco longe dali e um benzedeiro, o Sr. Manoel. A caminho do Sr. Manoel, pergunto para duas mulheres que vinham andando atrás de mim. Falam do Dr. Domingos, mas se eu quisesse um bom benzimento era para eu ir à igreja evangélica ali próxima que cada dia havia uma oração especial para um tipo de mal.

Dona EvaPinheirinho

Peito aberto de criança Ela fechaMachucadoEla costuraSusto e QuebranteEla tiraAnca caídaEla massageia, puxa e torceErisipelaEla acalmaDor de cabeçaEla tira.

Itinerário da pesquisa: Chego a Dona Eva pelo contato inicial com a agente comunitária da Unidade de Saúde Dom Bosco. OBS. Dona Eva está com a saúde frágil. Tem difi culdade para falar e lembrar.

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REGIONAL MATRIZ, PINHEIRINHO E PORTÃO

Dona FranciscaTatuquara

Bicha, vento virado, quebrante, peito aberto, destroncado, sapinho, dor de cabeça, dor de dente, mal de míngua, cobreiro/fogo selvagem.Onde é a barrigaFaz com os dedos o sinal da cruzReza e pergunta O que é que eu curo?Curo as bicha deste menino (a).

Dona Maria BaianaTatuquara

Susto, peito aberto, quebrante, verme. Benze para arrumar serviço, abrir caminhos com Deus.

Itinerário da pesquisa: Quem me indicou foi a agente comunitária da Unidade de Saúde Monteiro Lobato, que me passou o endereço.

Dona Iolanda Pinheirinho

Para quebrante, febre, bicha e susto. Benze adultos para abrir caminho, melhorar a saúde.

Itinerário da pesquisa: Encontrei uma agente comunitária na rua e ela me indicou.

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REGIONAL MATRIZ, PINHEIRINHO E PORTÃO

Dona Iraci Pinheirinho

Benze com orações e ervas.Para machucadura, dor de cabeça, bicha e dor de dente.

Itinerário da pesquisa: Fui à Vila Ipiranga, Capão Raso. É um bairro de classe média, casas novas e grandes. Cheguei lá pela manhã. Poucas pessoas na rua. Não havia pequenos comércios. Perguntei para três mulheres que cruzaram o meu caminho. Não, ali elas não conheciam nenhuma benzedeira. Perguntei para uma agente comunitária, que falou que neste bairro é difícil porque os moradores são de bom poder aquisitivo. Ela me indicou uma outra agente comunitária que é responsável por uma região mais afastada e mais pobre. Conversei com esta que disse não ter benzedeiras onde ela trabalha.Continuei caminhando, adentrando ao bairro. Encontrei uma mulher com duas crianças. Ela chegava em casa e foi perguntar para a mãe que sabia de uma. Mas já morreu. Tem uma que mora em Santa Felicidade. O nome dela é Dirce, mora no Butiatuvinha. Não soube me dizer o telefone, nem o endereço de maneira mais precisa.Quase desistindo, pergunto para uma senhora que falou da D. Iraci. Devo pegar um ônibus, o Gramado, e descer no ponto da Escola Leonel Moro. Ali perguntei para uma senhora que me indicou a casa, mas que naquela hora ela estava na banquinha de doces, ao lado da escola. Era horário de saída da escola. Movimento na banquinha. Então marquei com ela as 13h30, horário que cheguei, e a banquinha fechada. Fui até sua casa. Rondei. Será que ela vai querer me receber? Bati palma. Ela me recebeu.

Dona Ivani Pinheirinho

Corta cobreiro. Corta sapinho e bicha desconfi ada.Também já benzeu bezerro cortando cobreiro.

Dona LolitaPinheirinho

Faz benzimento para ação de cobra, escorpião, bicha, peito aberto, machucadura.

Itinerário da pesquisa: Indo em direção à Unidade de Saúde Pompéia, pergunto para uma senhora. Ela não sabe. Uma menina que escutou falou de uma perto da casa dela. Ela me acompanhou até chegar à casa de D. Lolita.

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REGIONAL MATRIZ, PINHEIRINHO E PORTÃO

Dona Lourdes Pinheirinho

Amarra pano para machucados. Corta bicha. Corta cobreiro.Virgem Maria para Jesus Cristo dizia:Tá com sangue derramado, eu estanco.Tá com carne rasgada, eu costuro.

Itinerário da pesquisa: Entrei em contato, por telefone, com a autoridade sanitária da Unidade de Saúde Concórdia que permitiu uma conversa com as agentes comunitárias e uma delas indicou a D. Lourdes.

Dona Maria de Lourdes Tatuquara

Benzimento de reza e simpatias.Para susto, diarréia, de ar (dor de cabeça), quebrante, cobreiro, míngua.Também benze cachorro.

Sr. Manoel Pinheirinho

Benzimento com rezas, “eu só peço prá Deus [...] prá várias coisas; muita criança tava no 24h e num sarava; as criança vinha aqui e saía agradecido”.Machucado. Peito aberto, mal olhado, problema na bexiga, “adulto que tava usando fralda e fi z o benzimento que ele não sabia e agora ta andando por aí”.

Itinerário da pesquisa: Fui até o bairro Maria Angélica, Pinheirinho. Na avenida onde desço do tubo do “ligeirinho” Maria Angélica entro em duas pequenas lojas. Numa delas tenho a informação de uma que mora perto do terminal do Sítio Cercado. Ando mais um pouco, logo entro numa transversal. Um salão de beleza. Três mulheres. A manicura levou ontem a fi lha. Não lembra o nome da benzedeira. Explica como faço para chegar lá. Caminho mais um pouco para dentro do bairro. Ouço duas mulheres atrás de mim. Parecem mãe e fi lha. Olho para trás, pergunto. Tem um perto do mercado (Manoel) e outro na próxima rua, à esquerda no fi nal da rua. Vou antes neste mais próximo, viro à esquerda. Elas me chamam. Se você quer um benzimento mesmo, vai na igreja tal que todos os dias da semana eles oram para um tipo de problema.

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REGIONAL MATRIZ, PINHEIRINHO E PORTÃO

Dona Maria ConceiçãoTatuquara

“Trabalho com a parte espiritual, com os Guias de Luz. Faço imposição das mãos, não toco.” Bêbado no fundo do poço. Criança recém nascida.Febre, sapinho, peito aberto, machucadura braba, carne magoada.E nervo torcido.

Itinerário da pesquisa: Vou até à Unidade de Saúde Monteiro Lobato, já não autorizada pelas autoridades do Distrito Sanitário Pinheirinho, para pedir às agentes comunitárias de saúde que me indiquem as benzedeiras que conhecem. Não quero os serviços delas, apenas uma informação. Sei que estão nesta manhã na Unidade de Saúde. Vou em busca delas aqui e ali, dentro da Unidade. Uma delas me indica a Maria Conceição.

Dona Maria VitóriaPinheirinho

Benzimento com rezas; também faz massagem. Peito aberto, machucado, rasgadura, vento virado, atrapalho, segurar neném (gestante); “como diz o causo: eu só não faço macumbaria”.

Itinerário da pesquisa: Procurava por uma benzedeira que me foi indicada na região do bairro Novo Mundo. Ela, ao que me falaram, tinha casa perto da Avenida Wirston Churchil. Estava ali na avenida, numa esquina. Vinha uma mulher pela calçada e pergunto antes de atravessar a rua. Por aqui não sei. Mas você conhece alguma? Tem a minha mãe. Estou indo pra lá agora. Posso ir junto? Vou a pé. Tudo bem. Passamos o terminal do Pinheirinho, dois tubos do Circular Sul. Andamos mais um pouco para o interior do bairro. Antes de chegar a sua casa, me deixou na casa de D. Maria Vitória.

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REGIONAL MATRIZ, PINHEIRINHO E PORTÃO

Sr. Remi Pinheirinho

Benze com oração e a força de Deus. Benze para bicha, cobreiro, peito aberto, dor de cabeça, pedra no rim, inveja, para arrumar serviço.

Itinerário da pesquisa: Indo em direção à Unidade de Saúde Pompéia, pergunto para uma senhora. Ela não sabe. Uma menina que escutou falou de uma perto da casa dela. Ela me acompanhou até chegar à casa de D. Lolita. Conversamos no portão. Ela de um lado e eu de outro da grade. Não permitiu a entrevista. Não gosta de falar que benze, mas as pessoas fi cam sabendo. Foi ela quem me indicou o Sr. Remi.

Dona Sebastiana Pinheirinho

Bicha, quebrante, susto, osso rendido.

Itinerário da pesquisa: US, agente comunitária de saúde, endereço pouco conhecido, caminhei, procurei, perguntei algumas boas vezes, então encontrei na margem do bairro, nos fundos da rua uma casinha.

Sr. Sebastião Pinheirinho

Benzimento com mato e reza.Para quebrante, vento caído, espinhela, dor de dente e dor de cabeça.

Itinerário da pesquisa: Terminal do Pinheirinho. Alimentador Rio Bonito. Peço para descer no ponto do “postinho”. Nove horas da manhã estou neste bairro com cara de novo, com nomes de ruas de famílias da cidade. Linhas de torres de eletricidade cruzam o bairro. Caminho. As ruas vazias. Lá vêm duas mulheres novas com crianças. Oi, vocês conhecem alguma benzedeira aqui no bairro? Não, aqui eu nunca vi. Vocês moram há quanto tempo aqui? Já faz cinco anos. Caminho. Encontro um casal com uma criança. Eles também não conhecem. Caminho. Mulher com criança. Tem um senhor que mora ali perto do Luferana, uma casa de material de construção. Chega ali e pergunta que eles conhecem. Perguntei para um casal na rua. Olha, não conhecemos ninguém, mas pergunta ali naquela casa. Perguntei. Pergunta aqui no vizinho. No vizinho tinha um menino. Você conhece um senhor que benze? É meu vô, pode entrar.

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REGIONAL MATRIZ, PINHEIRINHO E PORTÃO

Dona Yara Pinheirinho

Benzimento com rezas e costura.Benze para rasgadura, bicha, falta de medida (doença do macaco/desnutrição), peito aberto, quebrante.

Itinerário da pesquisa: Procurava por uma benzedeira que me foi indicada na região do bairro Novo Mundo. Ela ao que me falaram tinha casa perto da Avenida Wirston Churchil. Estava ali na avenida, numa esquina. Vinha uma mulher pela calçada e pergunto antes de atravessar a rua. Por aqui não sei. Mas você conhece alguma? Tem a minha mãe. Estou indo pra lá agora. Posso ir junto? Vou a pé. Tudo bem. Passamos o terminal do Pinheirinho, dois tubos do Circular Sul e andamos mais um pouco. Antes de chegar a sua casa, me deixou na casa de D. Maria Vitória. Saio da casa de D. Maria Vitória e vou até a de D. Yara.

Dona AlbaRebouças

Faz benzimento com reza e, para alguns males, também receita chá e, para outros, massagem. Os benzimentos são para as bichas, criança que não dorme, criança que fi ca chorando, cólica, peito aberto, espinha caída. “Briga de marido e mulher, esse tipo não resolvo.”

Itinerário da pesquisa: Para chegar à D. Alba, primeiramente fi z um contato com a Autoridade sanitária da Unidade de Saúde Capanema (que demorou três dias para conseguir falar com ela), a qual, numa reunião, me apresentou e disponibilizou um tempo para eu falar sobre a pesquisa. Fiquei, então, de retornar à US para conversar com as agentes comunitárias que já teriam em mãos os nomes das benzedeiras. Neste meio tempo a Autoridade Sanitária me ligou e, a pedido do chefe da US, só me autorizaria a falar com as agentes mediante aprovação da Secretaria de Saúde. Ainda perguntei se alguma agente encontrou alguma benzedeira e ela falou que apenas uma. Pedi o telefone dela. Liguei e marquei um dia com ela na US, com a intenção apenas que me passasse o endereço e indicasse o caminho. No dia marcado, ela me ligou para desmarcar e marcamos outra data. Quando enfi m nos encontramos, expliquei que só queria o endereço e que não gostaria de tomar o seu tempo. Ela disse que iria para a região onde morava a benzedeira D. Alba e que eu poderia acompanhá-la.

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REGIONAL MATRIZ, PINHEIRINHO E PORTÃO

Dona Ercita Regional Centro

Faz benzimento, simpatia, como ela fala, que é feita com ovo. Observava a avó e a mãe e auxiliava-as. Aprendeu assim.

Dona Izolde Regional Centro

Costura mau jeito, osso quebrado, nervo torcido, peito aberto, umbigo de criança. Também benze para erisipela e vermes.

Dona Eudoxia Mercês

Todo tipo de problema (cobreiro, machucadura, lombriga, peito aberto, dor de estômago, erisipela). Faz também simpatia para emagrecimento.

Dona Bráulina Regional Portão

Faz benzimento com ovo, oração, água benta e arruda. Também costura machucaduras e faz massagem.Benze criança “alvoroçada das bicha”, rasgadura, peito aberto, pessoa com atrapalho que não consegue emprego, encosto, depressão.

Dona Dirce Capão Raso

Recebe o caboclo Sete Flechas, que faz a orientação.Benze para bicha, machucado (costura espiritual), convulsão, problemas de família, depressão pós-parto, desespero para ajudar arrumar serviço.

Itinerário da pesquisa: Desço próximo da Unidade de Saúde Vila Clarice. Pergunto para quem passa por mim. Uma mulher me indica a D. Dirce e onde mora. Chego lá e é dia de atendimento. Ela não pode me atender. Sua fi lha pede mais detalhes sobre a pesquisa. Mostro o documento-apresentação. Ela pede para tirar um xérox e fi ca com o número do meu telefone. No dia seguinte, sua fi lha me liga.

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REGIONAL MATRIZ, PINHEIRINHO E PORTÃO

Dona EureminaFanny

Eu benzo com cera de abelha. Numa bacia própria. Derreto a cera. Ali eu vejo. Ali eu rezo. Só benzo as crianças. São anjinhos, os de casa, os vizinhos. Susto, quebrante.

Itinerário da pesquisa: Uma agente comunitária que encontro na rua, me indica. Ali morava a Dona Olga, benzedeira famosa no bairro. Ela morreu e é a sua nora quem agora benze. “Sou benzedeira nova, não sei responder as perguntas. Fale com as benzedeiras mais antigas.”

Dona Marilda Fazendinha

Benzimento com rezas – é médium do delegado baiano - quebrante, bicha.

Itinerário da pesquisa: A mulher que me indicou a benzedeira Rosa Maria que mora na rua tal, também indicou outra, a D. Marlene, que não pode me receber. É uma benzedeira que lê cartas.

Dona Otília Novo Mundo

Benzimento com rezas. Costura e simpatias (receitas caseiras)Erisipela, ar, quebrante, susto, verruga, bicha, cobreiro.

Itinerário da pesquisa: Estou no Lindóia-Vila Fanny. Pergunto para uma agente comunitária na rua. Tinha uma famosa, a dona Olga, mas já faleceu. Parece que a fi lha dela está benzendo, mas não sei. Eu vou lá perto, posso dizer onde é. Ok. Fomos. Não era fi lha, e sim, nora. Tem o nome de Euremina. Sou benzedeira nova, eu não vou saber te responder as perguntas. Tem a dona Otília. Ela é benzedeira antiga e famosa. Ela mora lá perto do Dalpar, supermercado. E, no caminho fui perguntando... A Dona Otília mora na mesma região do Novo Mundo que a benzedeira Ana e Vanilda. Ela me recebeu no portão; estava de saída para o médico.

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REGIONAL MATRIZ, PINHEIRINHO E PORTÃO

Dona Rosa Fazendinha

Faz costuras com os dedos, defumação e massagem. Com os dedos procura na pessoa o mal que atordoa. Quando encontra, sente nela. Benze para rasgadura, quebrante, susto, queimadura, peito aberto, bicha mordida de cobra, mas isto já não existe mais.

Itinerário da pesquisa: Depois de caminhar pela redondeza do bairro Santa Amélia, vou para direção da rua X, como me indicaram. Pergunto para uma mulher que encontro na rua.

Dona Lourdes Portão

Benze com rezas, a Bíblia, os salmos. Também faz costura com a oração de São Cosme e Damião.

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REGIONAL CIC E CAJURU

A metodologia decidida em comum pelo coletivo de pesquisa indicava que cada pesquisador rumasse aos Postos de Saúde das regionais que estavam sob as suas responsabilidades. Decisão tomada, parti para o bairro da Cidade Industrial de Curitiba e, já no primeiro posto, deparei-me com uma difi culdade burocrática, onde a autoridade sanitária local indicava a necessidade de submissão do projeto Benza Deus à Secretaria Municipal de Saúde, que avaliaria as implicações do mesmo, para posteriormente dar um parecer sobre a possibilidade, ou não, de utilização dos Postos como elementos ofi ciais da pesquisa.

Como este trânsito demoraria muito e comprometeria – em relação ao tempo – a parte do levantamento de campo, passei imediatamente a trabalhar com outras possibilidades, a saber: ir para a rua.

Neste espaço público as conversas fl uíam com mais facilidade e logo encontrei uma moradora da região que também era agente comunitária de saúde. Como moradora que já tinha sido benzida inúmeras vezes, e não como servidora pública, ela me informou onde residia a primeira benzedeira com a qual estabeleci contato. Esta senhora, que afi rmava já ter benzido muitas pessoas, inclusive a maioria dos servidores do “postinho”, se mostrou muito desconfi ada com a pesquisa, bem como, com as minhas potenciais intenções individuais, visto que eu era um indivíduo sobre o qual ela nada sabia. Desta forma, mesmo aceitando conversar, ela me recebeu no portão de sua casa – ela para dentro e eu para fora – se mostrando muito afl ita em relação ao que eu explicava como sendo os objetivos do projeto, que eram entendidos por ela como um excesso de exposição da sua pessoa, que poderia gerar uma procura muito grande de pessoas que queriam ser benzidas, além daquela demanda que ela seria capaz de atender. Além disso, também tinha medo de sofrer com hostilidades, caso a sua imagem de benzedeira se expandisse muito.

Mais para se livrar do pesquisador do que propriamente ser colaborativa com o projeto, indicou-me o nome de mais uma benzedeira e um benzedor, o qual não aceitou participar da pesquisa.

Neste bairro também pude contar com ajuda de um amigo, militante cultural da região, que me conduziu até a casa de outra benzedeira, onde a recepção, pelo fato mesmo de eu estar acompanhado por ele, foi bem mais amistosa, e sem receios, que as anteriores.

Além destas duas entradas, procurei centralizar a busca em estabelecimentos comerciais administrados por moradores da região, ou então, nas calçadas mesmo, onde eu pudesse encontrar uma roda de conversa, ou então, pessoas que não estivessem meramente de passagem.

Ricardo de Campos Leinig

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REGIONAL CIC E CAJURU

Durante estas conversas muitas situações se apresentaram. Várias pessoas diziam nem saber o que era uma benzedeira. Outras diziam que fazia muito tempo que não ouviam falar sobre benzedeiras, e que estas eram apenas uma recordação da infância. Havia ainda aquelas que eram mais enfáticas, deixando transparecer certas posturas religiosas, como no caso de uma senhora que me disse: “Ai, graças a Deus que hoje em dia as coisas estão mais evoluídas né, e que sabemos que apenas Deus, Nosso Senhor, é que pode alguma coisa. Antigamente a gente não sabia de nada e tinha muito destes tipos de feitiço, mas eu não, eu acredito apenas em Deus”.

Para aquelas pessoas que não conheciam exatamente o que era uma benzedeira, que não possuíam alguma experiência direta com a benzeção, existia uma grande associação entre vários tipos de intervenções espirituais, aparecendo, às vezes na mesma fala, termos como catolicismo, feitiço, espiritismo, magia.

Já no bairro Centenário, mantive a mesma estratégia de estabelecer comunicação na rua, onde as mesmas situações encontradas na Cidade Industrial aconteceram. Desconhecimento de uns, estigma e hostilidade de outros, e informações em tom sigiloso daqueles que sabiam de alguma benzedeira.

Neste bairro, pelo menor empenho, e não pela ausência das benzedeiras, encontrei apenas duas, conseguindo estabelecer diálogo com uma.

As outras entrevistas que realizei aconteceram no Jardim Gabineto, anteriormente região do bairro Campo Comprido e, hoje, também incorporado pelo bairro Cidade Industrial. Cheguei até as benzedeiras deste local por meio da contribuição de levantamentos anteriores, de outros pesquisadores, os quais forneceram ao proponente desta pesquisa um mapeamento descritivo prévio das residências onde elas se encontravam. Neste local, como eu ia diretamente à casa de uma e de outra, não me deparei com as mesmas situações existentes nos outros contextos, no entanto, uma situação particular apareceu. Uma sobreposição entre o meu interesse de pesquisa sobre uma benzedeira com idade bastante avançada, e confl itos existentes entre a família que a mantinha e os representantes do conselho tutelar local, que a consideravam em condições de risco social, fato que, por motivos diferentes das desconfi anças precedentes, também tornou – apenas em princípio – bastante difícil estabelecer um diálogo mais aberto.

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FICHAMENTOS

REGIONAL CIC E CAJURU

Dona Clara Cajuru

Ela diz que benze para todo o tipo de problemas. De ordens pessoais, como vida profi ssional complicada, relacionamentos familiares e até mesmo para o caso de alguma pessoa que tem dinheiro pra receber e o credor não paga. O acolchoado com o qual estava se cobrindo, no momento da entrevista, havia sido dado como presente, por um homem que, depois de ter sido benzido, recebeu o dinheiro proveniente de uma dívida muito antiga. Também benze males físicos, doenças de toda ordem, como os benzimentos mais tradicionais: costura, quebrante, bicha, peito aberto. A centralidade do rito é a reza, normalmente utilizando um ramo de arruda, mas se não tiver este, usa qualquer tipo de ramo verde e fresco. Ainda, se não tiver nenhum ramo, profere as rezas da mesma forma.

Dona MercedezCajuru

Benze diversos males

Dona Custódia CIC

Carne rasgada; mau-olhado; quebrante; simpatia na lua minguante contra bronquite e tosse comprida; peito aberto; cobreiro; mau jeito; inveja e ambição.

Dona FloraCIC

Costura para a coluna; peito aberto; simpatia para cortar íngua e verruga.

Dona Rosemari CIC

Costura para mau jeito e rasgadura. Susto, bichas, quebrante e peito aberto.

Dona Terezinha CIC

Cobreiro; picadas de cobra, aranha e escorpião; sapinho; quebrante; olho grande; rendidura; bicha.

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REGIONAL CIC E CAJURU

Dona Clarinda CIC

Faz apenas orações. Para rendidura, quebrante, sapinho e qualquer problema que a pessoa que a procure apresente.

Dina Dorvalina CIC

Quebrante, lombriga, doença de mingo, machucadura, rendidura e outras.

Dona Geni (cunhada da dona Dorva) CIC

Benze diversos males

Dona Maria CIC

Zanga, mau-olhado, espinhela caída, cobreiro, extração de dentes, pé desmentido e pra qualquer outro mal, com exceção de lombriga.

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REGIONAL BOA VISTA E SANTA FELICIDADE

A estratégia, de início, para localizar benzedeiras na região de Santa Felicidade e do Bairro Boa Vista, se constituiu em contatar agentes comunitários de saúde (ACS) atuantes nestas regiões, conforme proposto como metodologia de pesquisa, decidida coletivamente por nosso grupo de pesquisa, haja vista o mapeamento que as Unidades de Saúde têm das áreas que atendem.

Os ACS, por ocuparem-se de mapear toda a área de abrangência das Unidades de Saúde, certamente, conhecem todos os domicílios e as dinâmicas sociais das comunidades em que atuam. No entanto, já nos primeiros contatos, houve grande difi culdade em obter as informações que pretendíamos, nas Unidades de Saúde especialmente, devido à necessidade de registro no Comitê de Ética da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, mencionada de modo mais incisivo pelas autoridades sanitárias das unidades com as quais estabeleci contato do que pelos próprios ACS.

Além da solicitação de apreciação pelo Comitê de Ética, foi possível perceber que os ACS tinham muito cuidado em não oferecer informações sobre moradores de sua área de trabalho, para qualquer fi nalidade que não fosse atividade específi ca do setor saúde.

Na impossibilidade de estabelecer contato com as benzedeiras por meio dos ACS, optei, por meio de referências de moradores da região de Santa Felicidade e Boa Vista, obter os números de telefone de benzedeiras que conhecessem.

Ao contato telefônico a maioria das benzedeiras negava-se à entrevista, alegando os mais diversos motivos. Um dos motivos alegados e que chamou bastante atenção foi estarem “cansadas de darem entrevistas sobre seu trabalho”. Algumas referiam ter dado entrevistas recentes a pesquisadores e que “não entendiam o porquê do interesse ou o que seria feito com as informações que ofereciam”.

Finalmente, a opção por buscá-las diretamente nos domicílios, sem agendamento prévio, permitiu acesso que possibilitasse a entrevista.

Ao procurar os endereços, pelo contato com moradores da região, todos os moradores vizinhos de benzedeiras sabiam referir exatamente qual era a casa da benzedeira e buscavam fazer sempre algum comentário, indicando que a benzedeira que apontavam era a “melhor da região”, “a mais conhecida”. Algumas dessas pessoas relatavam brevemente pequenos casos de “sucesso” ocorridos consigo ou com sua família por meio do benzimento, indicando a benzedeira como uma pessoa de referência na região para o cuidado especialmente com a saúde das crianças.

Percurso e impressões:

Silvana Maria dos Santos

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REGIONAL BOA VISTA E SANTA FELICIDADE

Nos primeiros contatos com as benzedeiras, já nas suas casas, de início todas se demonstraram receosas, perguntando repetidas vezes sobre os objetivos do trabalho e questionando se a intenção era aprender a prática do benzimento, ao que alertavam que não poderiam ensinar, pois “não se ensina a quem não tem o dom”.

Apenas duas das benzedeiras que localizei por meio da indicação de vizinhos não se dispôs a me atender, alegando falta de tempo no dia e sugerindo que não adiantaria insistir no agendamento de outra data.

À medida que percebiam o objetivo da pesquisa, ofereciam seus relatos e respondiam as perguntas sem grandes ressalvas, fazendo questão sempre de destacar o grande número de pessoas que as procuram, bem como a diversidade no que diz respeito à classe social e grau de instrução, dando ênfase (todas as entrevistadas) ao fato de benzerem também alguns médicos.

No contato com as benzedeiras, houve a preocupação, por parte das mulheres por mim contatas, de não divulgar seus nomes e endereços, para não aumentar a procura, pois todas referiram atender muita gente e não haveria como “dar conta de uma demanda maior”, e também, para não fazer propaganda do seu ofício, ao que julgam incorreto.

Apesar de pedirem para que não houvesse divulgação de seus nomes e endereços, à medida que eu apontava para a possibilidade de retomar a entrevista num segundo momento, todas se demonstraram solícitas em retomar a conversa e responder às nossas questões.

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REGIONAL BOA VISTA E SANTA FELICIDADE

Dona Benedita (“meu nome mesmo é Hortência, mas todo mundo me conhece por Benedita, então eu sou Benedita. Só Benedita”). Obs.: os vizinhos consultados a conheciam pelos dois nomes.Regional de Santa Felicidade

Benze peito aberto, doença de mingúe, doença de macaco, rendidura, cobreiro, quebrante, bicha.Refere que para o benzimento faz as orações que ela aprendeu na religião dela (católica), principalmente a oração “que Jesus no ensinou”, o Pai Nosso.

Dona Eliane Santo Inácio

Quebranto, susto, dor de ouvido, “criança que se bate muito durante o sono”.“Benzo mais criança, mas às vezes, algum colega não está se sentindo bem e me chama; quando se sente muito ‘pesado’, ‘carregado’. Mas é mais criança. Às vezes eu vou ali na escolinha e benzo as crianças”.

Dona Maria do Carmo São Braz

Costura, rasgadura, quebranto, mau-olhado, peito aberto, sapinho.“A rasgadura, eu benzo três vezes. A primeira vez a pessoa tem que vir aqui, depois eu faço de longe mesmo”.

Dona AlbertinaPilarzinho

Benze para mau-olhado, quebrante, peito aberto, costura e alcoolismo.

Dona Tereza Pilarzinho

Benze para mau-olhado, quebrante, peito aberto, costura, entre outros.

Dona Nina Barreirinha

Costura, rasgadura, quebranto, mau-olhado, peito aberto.

FICHAMENTOS

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REGIONAL BOA VISTA E SANTA FELICIDADE

Dona CarmenRegional Boa Vista

Benze para mau-olhado, quebrante, peito aberto, costura, entre outros.

Dona ReginaSão Braz

Benze para mau-olhado, quebrante, peito aberto, costura.

Dona Sofi aSão braz

Costura, rasgadura, quebranto, mau-olhado, peito aberto

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Anexos - Invisibilidade

Pinheirinho, Concórdia. Combinei com a agente comunitária previamente: ela deixaria quatro nomes de benzedeiras com respectivos endereços e disse que também faria um mapa e assim deixaria na portaria da Unidade de Saúde para que eu pegasse hoje. Cheguei lá e perguntei para a enfermeira que estava ali na recepção. Ela não sabia de nada. Perguntou para outra pessoa e outra. Nada. Ligou para a mãe da agente com quem havia combinado. Ela então me passou o nome de duas: D. Alaíde e D. Maria.

Fui até a casa de D. Alaíde que fi ca na Rua X. Sua neta me recebeu, me convidou para entrar e pediu que eu esperasse. Sua avó logo chegaria. Esperei ali sentada na cozinha com sua neta e sua nora. Eu via a sala e um quadro de São Jorge. Havia outros. Com imagens religiosas, bem possível. Mas só São Jorge me chamou. Logo ela chegou. E tão logo pegou o palheiro na estante, já pela metade e acendeu, me olhou como quem pergunta quem é você? E me pergunta se quero benzer. Eu vim aqui para conversar com a senhora. Estou fazendo um estudo... Não, eu não vou falar nada. Ninguém sabe o que eu faço, nem meu marido que está comigo há muito tempo. Porque ninguém me ensinou. É uma coisa que eu aprendi assim, só Deus sabe. É um segredo meu. A senhora está certa. É a senhora quem sabe. E a sua mãe benzia? Benzia, mas ela morreu eu tinha seis anos. Chegou um senhor negro, alto. Ela passou sua cadeira. Ele sentou. Ela pegou um paninho xadrez vermelho da estante da cozinha, já com agulha e costura. Com a linha fazia um desenho aéreo de cruz em sua perna. Rezava baixinho. Costurava o paninho, fazia o desenho, rezava, costurava. Depois de três vezes, pôs suas mãos sobre a perna do homem, sem encostar e rezava. Voltou para a conversa da cozinha. Tão roubando minhas mandioca, D. Alaíde; as enfermeira lá do Posto. Credo. Não têm vergonha. Mas tá bão, D. Alaíde, brigado. Foi embora. E quando a senhora começou a benzer? Ah, muito tempo. Meu fi lho tinha meses. Ela olhava para fora. Levei numa curandeira que disse não ia fazer nada. Tava desenganado. Ah, eu voltei para casa e disse: eu vou curar. Comecei a rezar... O menino taí até hoje. E foi quando começou... Falou com a neta para fazer o café. Levantou-se e foi para o preparo do café. Seu olho que estava lá fora foi direto para a neta, para o bule, para o fogão, para sua nora. Eu não estava ali. Chegou um outro homem com roupa quase de padre. Calça cinza, camisa branca, casaco de lã cinza, chave de carro novo na mão. D. Alaíde puxou a cadeira para a varanda. O homem sentou. Ela pegou um copo, desses de alumínio de propaganda de algum supermercado, já com arruda mergulhada em água. Benzeu o homem que nem vi. Voltou o copo para a estante. Voltou para a conversa da cozinha, sua neta, sua nora, sua amiga. Puxou sua cadeira para o outro lado da cozinha. A conversa continuava com sua neta, nora e amiga. Eu não saía da cadeira. Eu não estava ali. O café fi cou pronto. Ela pegou quatro xícaras. Eu não saía da cadeira. Eu pensava nos pesquisadores. Pareciam certeiras suas perseveranças. Eu ouvi essa história! Eu não lembrava de outra. E eu ali ainda sentada. Mas ela me ofereceu um café e também um pedaço de bolo.

Katiuscia Dier Francisco

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Anexos - Invisibilidade

Vou à procura de D. Maria. O comércio masculino que impera nestas ruas de lava carros, posto de gasolina, ofi cinas mecânicas... não vai me dizer nada sobre benzedeiras. Eu tenho que perguntar... Uma mulher no lava car. A D. Maria mora ali, naquela casa vermelha. Chego ali. Há duas mulheres no fundo da casa. Pergunto pela D. Maria. O horário de benzimento já terminou. É até as 14h. Volta na sexta feira. Eu só quero conversar com ela um pouquinho. Uma delas entra na casa. Retorna. Volta na sexta feira, das 9h às 14h.

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Anexos - Rio Bonito: conversas e achados

Terminal do Pinheirinho. Alimentador Rio Bonito. Peço para descer no ponto do “postinho”, como é chamada a Unidade de Saúde. Nove horas da manhã. É um bairro novo, com nomes de ruas de famílias da cidade. Linhas de torres de eletricidade cruzam o bairro. Caminho. As ruas vazias. Lá vêm duas mulheres novas com crianças. Oi, vocês conhecem alguma benzedeira aqui no bairro? Não, aqui eu nunca vi. Vocês moram há quanto tempo aqui? Já faz cinco anos. Caminho. Encontro um casal com uma criança. Eles também não conhecem. Caminho. Mulher com criança. Tem um senhor que mora ali perto do Luferana, uma casa de material de construção. Chega ali e pergunta que eles conhecem. Perguntei para um casal na rua. Olha, não conhecemos ninguém, mas pergunta ali naquela casa. Perguntei. Pergunta aqui no vizinho. No vizinho tinha um menino. Você conhece um senhor que benze? É meu vô, pode entrar.

...

E o senhor conhece outra pessoa que benze aqui no bairro? Aqui só sou eu, não conheço mais ninguém.

...

Até chegar ao ponto do ônibus, vou perguntando. Conhece uma benzedeira aqui no bairro. Não; conheço não. Aqui não conheço ninguém. Encontro uma agente comunitária de saúde. Tem uma que mora nessa rua que desce, aí você vira e fi ca perto da lanchonete. Já passava do meio dia e pensei em comer nesse lugar. Uma explicação meio torta, mas nada que mais umas perguntas me levassem à referência. Cheguei. Não tive mais vontade de comer. Fui até um “sacolão”. Perguntei. Nada. Perguntei no bar. Nada. Uma casa de muro azul claro. Uma mulher. Estou procurando uma benzedeira que mora por aqui. Silêncio. Você quer benzer? É a senhora que benze? Humrum. Eu quero conversar um pouco com a senhora. Agora estou indo lá no “postinho”. Tá bom eu acompanho a senhora. Ela fecha a casa. Começa chover. Eu não tenho sombrinha. E a chuva começa a ser uma boa chuva de se molhar. Ela chega no portão. É muita chuva. Entra. Vou depois da chuva. Conversamos na varanda. O nome dela é Iolanda. A senhora benze aqui mesmo? Eu tenho um quartinho. Quer conhecer? Ela destranca a porta...

Katiuscia Dier Francisco

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Anexos - Longa caminhada

Vou para as imediações da Unidade de Saúde Santa Amélia, Portão. Na caminhada pela manhã, encontro mulheres. Abordo todas com a pergunta. Há uma que morava lá em baixo, fazia costura. Outra me diz que há uma ali no Conjunto X. Procuro o conjunto residencial. Ali mora a D. Lourdes. Ela é benzedeira, me dizem. Ela me recebe na porta, pergunta o que desejo. Não me convida para entrar. Eu não sou benzedeira, só rezo. Rezo a Bíblia, os salmos. Também faz costura com a oração de São Cosme e Damião. Ela é casada. Nasceu em Campinho/Ibaiti. Ela me diz de um benzedeiro que mora para o lado do Jardim Independência.

Vou em direção do Jardim Independência. Não encontro o benzedeiro. Encontro a benzedeira Rosa. Outra também indicada é a benzedeira Marlene que mora à beira do Rio Barigui. Chego à sua casa. Ela não pode me atender. Ela lê cartas. Ela indica outra benzedeira da rua, a Dona Marilda.

Katiuscia Dier Francisco